Odair Bedore

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Sabia que a primeira lei anti-fumo do Brasil foi feita em Atibaia?

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Não convém contar para ninguém, mas quem inventou essa história de não se poder fumar nos chamados “lugares públicos” foi sim um vereador de Atibaia. O nome dele? Odair Bedore. A coisa começou timidamente, uma lei que era meio assim: “Fica proibido fumar em farmácias, hospitais, casas de saúde...”, e por aí ia. Depois a coisa pegou o Brasil inteiro e hoje já não se pode fumar nem escondido no banheiro... E Odair Bedore, um fumante convicto de infinitos maços por dia, se auto-puniu e puniu (ou salvou...) todos os fumantes do Brasil...

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Sabia quea primeira lei anti-fumo do Brasil foi feita em Atibaia?

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Não convém contar para ninguém, mas quem inventou essa história de não se poder fumar nos chama-dos “lugares públicos” foi sim um

vereador de Atibaia. O nome dele? Odair Be-dore. A coisa começou timidamente, uma lei que era meio assim: “Fica proibido fumar em farmácias, hospitais, casas de saúde...”, e por aí ia. Depois a coisa pegou o Brasil inteiro e hoje já não se pode fumar nem escondido no ba-nheiro... E Odair Bedore, um fumante convicto de infinitos maços por dia, se auto-puniu e pu-niu (ou salvou...) todos os fumantes do Brasil...

Será que existe alguém em Atibaia que não conhe-ça o Odair Bedore? “Me conhecem até pela voz”, resmunga ele. Uma verdade comprovada, lembran-ças do tempo em que atuou como locutor e comen-tarista de futebol na Rádio Atibaia. Bedore é con-versa pra mais de metro, como ele mesmo diria no seu tom meio acaipirado. Ouvi-lo, hoje, aos sessenta e tantos anos, valeria por uma leitura de livro com muitas histórias bem escritas e fundamentadas. “Sou um idealista”, garante, lembrando que está “na vida” desde os 12 anos de idade. Pois foi quando co-meçou a trabalhar como caixeiro em uma loja de te-cidos na cidade de Cambuí, Sul de Minas.

Seu pai, que era pastor evangélico saiu de São Pau-lo com a família e foi para lá iniciar um trabalho de evangelização. “Naquele tempo os jovens podiam trabalhar cedo. Era bem melhor que hoje quando a meninada não pode trabalhar antes dos 14 anos e acaba nas ruas aprontando...”, dispara. “Eu não que-ria depender de meu pai. Os verdadeiros pastores vi-vem mais pela fé. Em Cambui ele tinha a missão de criar um novo templo e arrebanhar fiéis. Com poucos

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ou quase nenhum membro na igreja o pastor pratica-mente não ganhava nada.” O pai de Bedore, que era construtor em São Paulo teve que começar a pegar obras para levar a família para a frente. “Éramos cin-co irmãos. Começamos a trabalhar muito cedo.”

Bedore sentiu na carne a arte de aprender a vida. “A garotada deveria sim começar a trabalhar e es-tudar mais cedo. A criminalidade seria menor. Eu acredito que a legislação que cuida dos menores precisa mudar e muito.”

Três anos depois a família veio para Atibaia, onde já existiam templos da Assembleia de Deus, Minis-tério Madureira. “Meu primeiro emprego por aqui foi na Farmácia Natureza, que ficava onde hoje está a agência principal do Banco Itaú. O proprietário era o sr. Mário Melo e a farmácia trabalhava com produtos do laboratório Catedral, muito famosos na época. Dali fui para o Depósito Guarani, que vendia gás, água, perto do Cine Atibaia. Eu já era auxiliar de escritório.”

O melhor veio quando Bedore começou a trabalhar numa oficina de automóveis. “Até hoje sou pintor de automóveis e adorei essa profissão. Só parei por or-dem médica. Naquele tempo não se usava máscara para pintar, e aquilo estava me fazendo mal. Me tra-tei comprei uma Kombi e comecei a fazer transpor-te de alunos para a faculdade de Bragança.”

E não ficou só nisso. Montou uma pastelaria que fi-cava em frente ao Mercado Municipal. “Ali onde está a Casas Bahia. Durou doze anos e eu fiquei conhecen-do todo mundo na cidade. E aí acabei entrando na política.” Nisso tudo aproveitou o vozeirão para tra-balhar na rádio Atibaia. “Era mais na área esportiva. Esqueci de dizer que jogava futebol e era um ponta esquerda veloz...” Nitidamente Bedore se arrepende

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de ter dito isso e corrige: “Bem, digamos eu que era considerado um ponta esquerda veloz....” E ri.

Mas foi assim, lidando com gente que entrou para a política. “Sempre gostei de participar...” Resolven-do um probleminha aqui, uma internação de uma criança na Santa Casa, um favorzinho por ali, Bedo-re se tornou bem conhecido. “Então alguém falou: por que você não sai candidato? Saí, em 1982. Tive mais de seiscentos votos, fui o quinto mais votado. De lá para cá fui candidato mais quatro vezes, elei-to em cinco mandatos. Fui dos vereadores que mais tempo ficou na Câmara, como o Maturana, o Oswal-do Mendes. Fui também um dos que mais conseguiu a Presidência da Câmara. Só não fui presidente no primeiro mandato.”

Mesmo na política Bedore continuou trabalhando normalmente. “Trabalhei na Mercantil Fernão Dias, com o sr. Rui Pachoal, e tive uma casa lotérica na rua Clóvis Soares durante uns doze anos. Depois assumi o compromisso comigo mesmo de ser cem por cen-to político. O prefeito da época era o Cido Franco.” Pelo sim, pelo não, Bedore continuou trabalhando. “Sempre gostei de negociar. Ficava esperto e sabia quem queria comprar e quem queria vender...”

Queixas da política? “Nenhuma. Teve aquele epi-sódio em que eu fui acusado de utilizar carros da Câmara para levar pedreiros para Caraguatatuba, onde eu estava construindo uma casa. Mas foi tudo resolvido. Eu conto: realmente estava construindo justo num momento difícil aqui na cidade durante um processo que visava a cassação do então prefei-to Pedro Maturana. Eu era presidente da Câmara e tinha reuniões dia e noite, todos os dias. Não podia largar tudo para levar pedreiros. Pedi que alguém levasse usando um carro da Câmara. Foram algu-

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mas viagens. Um jornal da cidade denunciou e deu a maior confusão...”

Bedore conta que até o Ministério Público inter-veio. “Na época eu pensei em processar o tal jor-nal. Fui consultar o Dr. Paulo Bastos, um grande advogado que a cidade teve. E o Dr. Paulo me disse: “Processa nada. Vai na Câmara, pergunte quanto foi gasto nessas viagens todas, some tudo, recolha esse dinheiro e pronto...”. Foi o que eu fiz. Só que o pro-motor da época insistiu em me processar. Fui julga-do e condenado a recolher o dinheiro gasto com as viagens do carro. Tudo aconteceu exatamente como o Dr. Paulo havia previsto. Como já havia recolhido o dinheiro aos cofres da Câmara recolhi só uma dife-rença que o processo exigiu. Terminou aí”, lembra.

Algum tempo depois Bedore foi candidato ao car-go de prefeito da cidade. “Estavam na disputa o Beto Tricoli, que buscava a reeleição, o Flávio Callegari; eu, que tinha ao meu lado o Pedro Maturana, can-didato ao cargo de vice-prefeito e o saudoso Pinhei-rinho. O Beto ganhou a eleição. E eu só não fiquei em último lugar porque o Pinheirinho perdeu pra mim”, conta, sorrindo.

Ele não esconde que acumulou muita encrenca como político. “Uma vez autorizei um vereador a utilizar um carro da Câmara para levar duas moças com deficiência visual para um hospital especializa-do em São Paulo. Aí fui condenado na Justiça. E juro que seria condenado mil vezes por praticar ações em benefício de pessoas necessitadas. Cansei tam-bém de brigar com o Ministério Público. Eu admiro muito o Ministério Público. É a instituição que eu mais respeito. Porque está sempre ao lado do povo, inclusive protegendo a comunidade contra o pró-prio governo quando é o caso. Acho que nós brasilei-

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ros só vamos ter um país decente e sem corrupção através do trabalho do Ministério Público. O que eu não gosto é quando algum promotor não se dá ao trabalho de ouvir antes de agir e acusa sem razões.”

Por isso ou por aquilo, respondeu vários processos. “Uns oito, se não me engano. Nenhum por corrup-ção, nenhum por desvio de dinheiro público. Brigar? Brigar fisicamente? Não, nunca briguei. Sou ruim de briga. Com todo esse meu tamanho, desde criança eu saía correndo na hora da briga. E olha que eu não gostava de perder em futebol... Mas brigar por causa de política nunca briguei não...”

Outra briga sua foi durante um projeto que apre-sentou para acabar com os marajás da Câmara. “É, não vou dizer nomes, mas tem funcionários que re-cebem trinta mil reais por mês. Incrível, não? Eu queria acabar com isso, fazer uma reforma adminis-trativa que proibisse que casos como esse voltassem a acontecer. O que está aí já está aí, mas eu queria impedir novos casos através de uma reforma que inclusive valorizaria funcionários de escalões mais baixos. Criei e cancelei cargos. Só que, à época o Mi-nistério Público entendeu que eu não poderia fazer isso e pediu ao juiz que me condenasse. Fui conde-nado sim. Por isso. E a Câmara continua fazendo marajás. Tudo por uma questão de interpretação de leis. Recorri várias vezes e decidi parar. A justiça custa caro...”, desabafa.

Bedore diz que as coisas mudaram muito a partir da democratização do país. “Recursos que ficavam retidos nas mãos do governo federal começaram a sair. Caso do IPVA, por exemplo, que antes ficava só nas mãos do governo federal. Hoje já fica retido no próprio município e nos estados. É uma tremenda arrecadação.”

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A função do vereador continua sendo fiscalizar, diz ele. “Fiscalizar não é ficar brigando com o prefeito, criando encrenquinha boba. Fiscalizar é ficar de olho nas leis orçamentárias, na execução do orçamento. É nisso que o vereador tem que ficar de olho. Sua fun-ção é muito importante. Ele tem que ficar sempre ao lado da comunidade, tem que brigar pelos cidadãos. O legislativo é o único poder que realmente representa o povo. Ele é a essência do povo, retrato da socieda-de. Da mesma forma que os deputados e senadores. A Câmara federal, as Assembleias, as Câmaras munici-pais são o povo. Se o povo, como um todo, melhorou, seus representantes melhoraram. Se o povo piorou, seus representantes pioraram. Se têm pessoas cor-ruptas nas Câmaras elas foram colocadas por pessoas corruptas também. Os vereadores, os deputados, se-nadores são um de nós”, explica.

Fora da política, Bedore continua fazendo polí-tica. “Que nem é política partidária, porque o meu partido o PMDB não me representa mais, deixou de ser democrático. Faço política que nem partidária é. Faço por vício, faço porque gosto de estar em con-tato com o meu povo. Hoje sou um corretor de imó-veis, credenciado. E me orgulho de ser presidente do Grêmio Esportivo Atibaiense.”

Bedore conta que sua ligação com o Grêmio co-meçou quando jovem. “O Moisés, um amigo queri-do que trabalhava comigo, comprou um título e eu comprei também. A gente tinha uns 17 anos. O Grê-mio é uma história da cidade. Passou por maus mo-mentos, ficou devendo até a alma, um processo de decadência que não queria terminar. O clube estava falido e eu resolvi assumir a presidência no final do meu mandato de vereador. Eu e um grupo de ma-lucos bem intencionados fizemos de tudo, criamos

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várias atividades, o que podia ser feito para levan-tarmos o clube que hoje está mais vivo que nunca.”

Orgulhoso, ousa dizer que as melhores leis do mu-nicípio foram feitas por ele. “Eu procurei fazer leis que incentivavam a vinda de indústria para Atibaia. Muitas delas que estão por aí vieram pela minha lei. Criei lei também que obrigava os postos de gasolina a colocarem tanques ecológicos. E eles tinham obri-gação de implantar filtros de areia para que a água que usavam fosse filtrada e não levasse óleo para o rio. Tenho o orgulho de dizer que criei o Estatuto do Magistério Municipal. A tal da primeira lei contra o tabagismo no Brasil, que foi feita aqui em Atibaia. Passou a ser proibido fumar nos hospitais, farmá-cias, locais públicas.”

Bedore, já se disse, cumpriu cinco mandatos como vereador. Se fosse possível deixar que ele contasse tudo seria preciso pelo menos mais uns vinte anos e vinte jornais. Obediente a uma de suas leis, ele já não fuma há pelo menos dez anos. Mas, se depen-desse dele, continuaria contando as suas histórias e aprimorando cada vez mais o seu Grêmio, que um dos orgulhos de Atibaia. ■