Olavo Bilac - Poesia e Prosa

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Poesia e prosa de Olavo Bilac (Wednesday, 16 November 2005) - Escrito por Fernando Py - Última atualização () Olavo Bilac deixou vasta obra em prosa, hoje pouco lida, muito embora alguns inéditos tenham sido publicados recentemente. Em vida, editou volumes de contos, crônicas, crítica literária, conferências e textos didáticos. Um dos nomes principais do parnasianismo brasileiro, fundador da cadeira 15 da Academia Brasileira de Letras (patrono Gonçalves Dias), jornalista, cronista, contista, sobretudo poeta, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918) teve longa carreira como funcionário público, sendo, desde 1898, inspetor escolar do Distrito Federal, cargo em que se aposentou. Republicano e abolicionista, adversário de Floriano Peixoto o que o levou, entre outros episódios, a um duelo (1892) com Raul Pompéia, florianista ferrenho foi obrigado a refugiar-se em Minas Gerais (1893) para escapar à perseguição do governo. Bem mais tarde, Bilac, já eleito “Príncipe dos Poetas Brasileiros” (1913), empenhou-se na campanha em favor do serviço militar obrigatório (1915-1917), com o ideal de que os quartéis também servissem de escola que ensinasse os analfabetos a ler. Foi uma campanha de grande êxito e que lhe valeu, postumamente, o título de 'Patrono civil do Exército'. Este artigo pretende ser modesta homenagem à sua obra, pela passagem dos 140 anos do nascimento do autor. Olavo Bilac estreou com Poesias (1888), volume que incluía três coletâneas: Panóplias, Via-Láctea e Sarças de fogo. E mostrava logo sua adesão à escola parnasiana, pois justo As panóplias que abrem com o conhecidíssimo 'Profissão de fé'1, trazem seus versos mais rigorosamente parnasianos, com todos os vícios e qualidades típicos: o rigor formal elevado à categoria de conditio sine qua non da poesia, a objetividade no tratamento dos temas, a busca do assunto em fatos históricos, lendários (mitologia greco-latina), bíblicos, etc., a que Bilac acrescenta dados muito próprios: a sensualidade e a emoção.2 Porém nos 35 sonetos sem título da Via-Láctea já se observa o culto do subjetivismo, um tanto influenciado pelo romantismo que já acabara3. Alguns desses sonetos estão entre os melhores que escreveu, tendo um deles o que principia: “Ora (direis) ouvir estrelas...” alcançado uma popularidade que se mantém até hoje. Em Sarças de fogo, Bilac busca o enriquecimento da métrica e alarga o horizonte de suas formas fixas, utilizando dois gêneros importados: o rondel, de proveniência francesa, em 'Marinha' (“Sobre as ondas oscila o batel docemente...”), e o pantum, de origem malaia, no poema desse título (“Quando passaste ao declinar do dia”). A 2ª edição de Poesias (1902) é acrescida das coletâneas Alma inquieta, As viagens (a que se incorpora o poema 'Sagres', de publicação avulsa em 1898) e o poemeto épico O caçador de esmeraldas. De certo modo, Alma inquieta continua a linha sensual e realista da poesia bilaqueana, mas aí já aparece a linha contemplativa, os poemas que se debruçam sobre os temas da vida gasta, da velhice e da saudade, com um fundo levemente metafísico, provocado talvez pelo declínio da atividade criadora. Contudo, As viagens e O caçador de esmeraldas continuam a dar conta do estro do poeta; em As viagens, Bilac vai exalçando, numa série de poemas independentes (quase sempre sonetos), as diversas viagens com que o homem (desde as migrações pré-históricas) foi descobrindo e/ou conquistando novas terras. Entre esses poemas, destacam-se precisamente os últimos, os que não são sonetos: 'A missão de Purna' e 'Sagres', principalmente pela variedade rítmico-melódica. Já em O caçador de esmeraldas Bilac intenta, com relativo êxito, o poemeto épico, tendo como assunto a expedição do bandeirante Fernão Dias Paes Leme (1608?-1681) o sobrenome Leme terá sido posteriormente acrescentado ao do bandeirante, que de fato era apenas Fernão Dias Paes. Sem ser na verdade uma epopéia, o poema de Bilac será, provavelmente, o mais atrevido em termos de variação estilística e metrificação de alexandrinos; com ele, Bilac reafirmou, mais uma vez, seus dotes de poeta de grande habilidade artística e formal, embora nem tudo no poema sobreviva. No entanto, as estrofes que ainda hoje se lêem com agrado são de altíssima poesia, principalmente nas duas últimas partes do poema, a partir do momento em que se descreve a agonia do bandeirante (“Fernão Dias Paes Leme agoniza. Um lamento / Chora longo, a rolar na longa voz do vento.”). Tarde é uma coletânea de publicação póstuma (1919). Vemos então Bilac às voltas com o sentimento de frustração da vida, a aproximação da morte, mostrando-se preocupado com o sentido da existência. Com isso, amplia-se a gama de seus temas e sua poesia adquire maior carga filosófica e até metafísica. A maturidade de expressão do poeta se casa à maturidade da vida, e Bilac realiza então algumas páginas notáveis: sonetos como 'Língua portuguesa', 'Dualismo', 'Benedicite!', 'Sperate, creperi!', a tetralogia de 'Édipo', 'A um poeta', 'Fogo-fátuo'. Os poemas, como os do ciclo sobre criaturas do folclore indígena e outros, que encarecem aspectos da nossa paisagem e fenômenos atmosféricos, exibem um poeta não apenas senhor de vastíssimos recursos de linguagem, estilo, ritmo e técnica do verso, mas também aberto a novas conquistas de expressão poética. Diz-se até que o soneto 'Diamante negro' teria sido inspirado em Cruz e Sousa, o que explicaria algumas tinturas simbolistas que o mesmo apresenta.4 Bilac sempre se interessou pela educação das crianças. Desse interesse resultaram as Poesias infantis (1904), coletânea feita expressamente com a intenção de contribuir para a educação dos jovens. A linguagem é simples, sem ser simplória, o metro em geral é a redondilha maior, e os poemas, vistos em conjunto, denotam o espírito moralizante que os fundamentou. Mesmo neles, o poeta não abre mão do rigor formal. Aliás, alguns poemas não desmerecem sua poesia escrita para os “adultos”. A meu ver, destacam-se, principalmente, os da série 'Os meses' e 'A mocidade'; por outro lado, dois outros são dignos de menção especial: 'As velhas árvores', repetição, com variantes, do soneto 'Velhas árvores', de Alma inquieta, e os versos do 'Hino à bandeira nacional', musicado pelo compositor e maestro Francisco Braga (1905). Olavo Bilac deixou vasta obra em prosa, hoje pouco lida, muito embora alguns inéditos tenham sido publicados recentemente. Em vida, editou volumes de contos, crônicas, crítica literária, conferências e textos didáticos. Na crônica, por sinal, foi um dos renovadores do gênero5, seguindo os passos de Machado de Assis, a quem substituiu na coluna http://www.jornalpoiesis.com/mambo - Poiésis - Literatura, Pensamento & Arte Powered by Mambo Generated: 11 August, 2006, 15:57

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Poesia e prosa de Olavo Bilac(Wednesday, 16 November 2005) - Escrito por Fernando Py - Última atualização ()

Olavo Bilac deixou vasta obra em prosa, hoje pouco lida, muito embora alguns inéditos tenham sido publicadosrecentemente. Em vida, editou volumes de contos, crônicas, crítica literária, conferências e textos didáticos.

Um dos nomes principais do parnasianismo brasileiro, fundador da cadeira 15 da Academia Brasileira de Letras (patronoGonçalves Dias), jornalista, cronista, contista, sobretudo poeta, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918)teve longa carreira como funcionário público, sendo, desde 1898, inspetor escolar do Distrito Federal, cargo em que seaposentou. Republicano e abolicionista, adversário de Floriano Peixoto o que o levou, entre outros episódios, a umduelo (1892) com Raul Pompéia, florianista ferrenho foi obrigado a refugiar-se em Minas Gerais (1893) para escapar àperseguição do governo. Bem mais tarde, Bilac, já eleito “Príncipe dos Poetas Brasileiros” (1913),empenhou-se na campanha em favor do serviço militar obrigatório (1915-1917), com o ideal de que os quartéis tambémservissem de escola que ensinasse os analfabetos a ler. Foi uma campanha de grande êxito e que lhe valeu,postumamente, o título de 'Patrono civil do Exército'. Este artigo pretende ser modesta homenagem à sua obra, pelapassagem dos 140 anos do nascimento do autor. Olavo Bilac estreou com Poesias (1888), volume que incluía três coletâneas: Panóplias, Via-Láctea e Sarças de fogo. Emostrava logo sua adesão à escola parnasiana, pois justo As panóplias que abrem com o conhecidíssimo 'Profissão defé'1, trazem seus versos mais rigorosamente parnasianos, com todos os vícios e qualidades típicos: o rigor formalelevado à categoria de conditio sine qua non da poesia, a objetividade no tratamento dos temas, a busca do assunto emfatos históricos, lendários (mitologia greco-latina), bíblicos, etc., a que Bilac acrescenta dados muito próprios: asensualidade e a emoção.2 Porém nos 35 sonetos sem título da Via-Láctea já se observa o culto do subjetivismo, umtanto influenciado pelo romantismo que já acabara3. Alguns desses sonetos estão entre os melhores que escreveu,tendo um deles o que principia: “Ora (direis) ouvir estrelas...” alcançado uma popularidade que semantém até hoje. Em Sarças de fogo, Bilac busca o enriquecimento da métrica e alarga o horizonte de suas formasfixas, utilizando dois gêneros importados: o rondel, de proveniência francesa, em 'Marinha' (“Sobre as ondasoscila o batel docemente...”), e o pantum, de origem malaia, no poema desse título (“Quando passaste aodeclinar do dia”). A 2ª edição de Poesias (1902) é acrescida das coletâneas Alma inquieta, As viagens (a que se incorpora o poema'Sagres', de publicação avulsa em 1898) e o poemeto épico O caçador de esmeraldas. De certo modo, Alma inquietacontinua a linha sensual e realista da poesia bilaqueana, mas aí já aparece a linha contemplativa, os poemas que sedebruçam sobre os temas da vida gasta, da velhice e da saudade, com um fundo levemente metafísico, provocado talvezpelo declínio da atividade criadora. Contudo, As viagens e O caçador de esmeraldas continuam a dar conta do estro dopoeta; em As viagens, Bilac vai exalçando, numa série de poemas independentes (quase sempre sonetos), as diversasviagens com que o homem (desde as migrações pré-históricas) foi descobrindo e/ou conquistando novas terras. Entreesses poemas, destacam-se precisamente os últimos, os que não são sonetos: 'A missão de Purna' e 'Sagres',principalmente pela variedade rítmico-melódica. Já em O caçador de esmeraldas Bilac intenta, com relativo êxito, o poemeto épico, tendo como assunto a expedição dobandeirante Fernão Dias Paes Leme (1608?-1681) o sobrenome Leme terá sido posteriormente acrescentado ao dobandeirante, que de fato era apenas Fernão Dias Paes. Sem ser na verdade uma epopéia, o poema de Bilac será,provavelmente, o mais atrevido em termos de variação estilística e metrificação de alexandrinos; com ele, Bilac reafirmou,mais uma vez, seus dotes de poeta de grande habilidade artística e formal, embora nem tudo no poema sobreviva. Noentanto, as estrofes que ainda hoje se lêem com agrado são de altíssima poesia, principalmente nas duas últimaspartes do poema, a partir do momento em que se descreve a agonia do bandeirante (“Fernão Dias Paes Lemeagoniza. Um lamento / Chora longo, a rolar na longa voz do vento.”). Tarde é uma coletânea de publicação póstuma (1919). Vemos então Bilac às voltas com o sentimento de frustração da vida, aaproximação da morte, mostrando-se preocupado com o sentido da existência. Com isso, amplia-se a gama de seustemas e sua poesia adquire maior carga filosófica e até metafísica. A maturidade de expressão do poeta se casa àmaturidade da vida, e Bilac realiza então algumas páginas notáveis: sonetos como 'Língua portuguesa', 'Dualismo','Benedicite!', 'Sperate, creperi!', a tetralogia de 'Édipo', 'A um poeta', 'Fogo-fátuo'. Os poemas, como os do ciclo sobrecriaturas do folclore indígena e outros, que encarecem aspectos da nossa paisagem e fenômenos atmosféricos, exibemum poeta não apenas senhor de vastíssimos recursos de linguagem, estilo, ritmo e técnica do verso, mas tambémaberto a novas conquistas de expressão poética. Diz-se até que o soneto 'Diamante negro' teria sido inspirado em Cruze Sousa, o que explicaria algumas tinturas simbolistas que o mesmo apresenta.4 Bilac sempre se interessou pela educação das crianças. Desse interesse resultaram as Poesias infantis (1904), coletâneafeita expressamente com a intenção de contribuir para a educação dos jovens. A linguagem é simples, sem ser simplória, ometro em geral é a redondilha maior, e os poemas, vistos em conjunto, denotam o espírito moralizante que osfundamentou. Mesmo neles, o poeta não abre mão do rigor formal. Aliás, alguns poemas não desmerecem sua poesiaescrita para os “adultos”. A meu ver, destacam-se, principalmente, os da série 'Os meses' e 'A mocidade';por outro lado, dois outros são dignos de menção especial: 'As velhas árvores', repetição, com variantes, do soneto'Velhas árvores', de Alma inquieta, e os versos do 'Hino à bandeira nacional', musicado pelo compositor e maestroFrancisco Braga (1905). Olavo Bilac deixou vasta obra em prosa, hoje pouco lida, muito embora alguns inéditos tenham sido publicadosrecentemente. Em vida, editou volumes de contos, crônicas, crítica literária, conferências e textos didáticos. 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semanal da Gazeta de Notícias (1904). É autor também de Crônicas e novelas (1894) e, principalmente, Ironia e piedade(1916). No gênero conto, publicou, sob pseudônimo, Contos para velhos (1897) e, em colaboração com Coelho Neto,Contos pátrios (1904), este um tanto mais cotado que aquele. De seus volumes de crítica literária e conferências,devemos citar, sobretudo, Conferências literárias (1906; 2ª edição aumentada, 1912), e o volume póstumo Últimasconferências e discursos (1924). Além destes, deixou igualmente, em colaboração com Guimarães Passos, um Tratadode versificação (1910), e, em colaboração com Pardal Mallet e com o pseudônimo de Victor Leal , o romance O esqueleto:mistérios da Casa de Bragança (1890)6; e cuidou da segunda edição, revista e aumentada, do Dicionário de rimas (1913)de Guimarães Passos. Esses títulos, principalmente os de crônicas e conferências, formam a parte realmente importantee mais significativa de sua produção em prosa, que o enorme valor de sua poesia deixa um tanto esquecida hoje. Petrópolis, 18 de setembro 2005

Notas.

1. Embora a 'Profissão de fé' seja tida geralmente como a pregação de minucioso trabalho formal, um trabalho delicadode ourives, e um culto do estilo, todavia não é alicerçada em nenhum programa propriamente parnasiano, mostrandoapenas a preocupação formal no trabalho dos versos. Aliás, Bilac levou essa preocupação até o fim, defendendo semprea correção da língua e do verso, como podemos ver no soneto 'A um poeta' (de Tarde), onde reafirma que a beleza (e ovalor) do poema está, sobretudo, na simplicidade da Arte. 2. A propósito, afirma Ivan Junqueira, em seu ensaio 'Bilac: versemaker' (in Olavo Bilac: Obra reunida, Rio de Janeiro:Nova Aguilar, 1996, p. 59), que, de um modo geral, “nossos parnasianos, ao contrário de seus modelosfranceses, não amordaçaram a emoção, ...”. Isto significa que praticamente não há, no nosso parnasianismo,aquela atitude exclusivamente objetiva, impassível, que se nota no parnasianismo francês, o que, até certo ponto, salvado tédio e torna ainda bem legíveis os poetas brasileiros dessa escola. 3. Sendo bastante popular entre nós, o romantismo teve longa sobrevida. Podemos enxergar, no lirismo de Bilac, traçosda influência de alguns românticos, sobretudo Álvares de Azevedo (1831-1852). Mas a maior influência lírica sofrida peloautor de Via-Láctea foi sobretudo do poeta português pré-romântico Bocage (1765-1805), e expressou-seprincipalmente em poemas como 'Tercetos', 'In extremis', 'Baladas românticas' e na tradução adaptada de um poema deAleksandr Púchkin (1799-1836), intitulado 'O cavaleiro pobre', todos em Vida inquieta. 4. No seu ensaio Vida e poesia de Olavo Bilac (São Paulo: T. A. Queiroz, 4a edição, revista e aumentada, 1992),Fernando Jorge afirma que Bilac “também foi simbolista” (p. 181). E cita, em apoio dessa asserção, algunsversos do poema 'Milagre', de Sarças de fogo. 5. Segundo Afrânio Coutinho, em A literatura no Brasil (Rio de Janeiro: Sul-Americana, 2a edição, vol. VI, p. 115),“a novidade que Bilac introduziu foi concentrar os seus comentários em determinado fato, acontecimento ouidéia, o que concorreu para dar a algumas de suas crônicas a feição de ensaios.” 6. O esqueleto tem sido abusiva e sistematicamente atribuído a Aluízio Azevedo. Ver o artigo de J. Galante de Sousa,'Um prefácio necessário”, em Machado de Assis e outros estudos (Rio de Janeiro: Editora Cátedra/ INL-MEC,1979, pp. 29-39).

[Texto publicado no jornal Poiésis – Literatura, Pensamento & Arte, nº 115, outubro/2005, página 13]

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