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    Altheia - Revista de estudos sobre Antigidade e Medievo, volume nico, Janeiro/Dezembro de 2008.ISSN: 1983-2087

    RELIGIOSIDADE E CULTURA NO IMPRIO NEOBABILNIO.

    MACHADO, Cinara de Oliveira1.

    Resumo: Para este estudo os aspectos que nos interessam dizem respeito cultura, religiosidade e s representaes de poder. Analisaremos o Imprio Neobabilnico atravsde sua capital Babilnia descrita por Herdoto na sua Historia, como grande centro decultura, religiosidade e poder. Nesta Histria o autor nos oferece minuciosos relatos doshabitus, costumes e modos de fazer dos babilnios. E a partir dessas imagens e dasreflexes de Leick, Oppenheim e Roaf, que nos aproximamos daqueles horizontes detradies e cultura.Palavras-chave: Babilnia, cidade e cultura.

    Ao se analisar as runas dos antigos imprios mesopotmios e considerar os relatos

    de pessoas da poca ou de arquelogos e historiadores contemporneos, vrios

    questionamentos surgem em torno desses, que outrora foram, grandes centros mundiais.

    Neste estudo abordaremos as questes de religiosidade, cultura, cotidiano e suas

    representaes de poder. Analisamos a importncia e a prtica destes aspectos na sociedade

    babilnica como um todo. Pois, a partir destes elementos que nos aproximaremos da

    conformao do Imprio Neobabilnio, o mais importante centro do antigo oriente prximo

    quele que derrotou o Imprio Assrio e o Egito, assim como foi o ltimo grande centro

    independente da Mesopotmia. Para contemplarmos este estudo satisfatoriamente

    analisaremos o Imprio Neobabilnio atravs de sua capital Babilnia, pois segundo

    Herdoto, esta neste perodo foi a principal cidade da Mesopotmia e a qual a organizao

    nenhuma se igualou. E cristalizou o maior legado da Mesopotmia: a inveno da cidade.

    Podemos afirmar que a Babilnia foi, neste perodo, a maior cidade do mundo, assim como

    a primeira metrpole da Antigidade. S Roma, cinco sculos mais tarde a ultrapassou

    tanto em termos populacional quanto em territrio. Tanto no que diz respeito a sua

    extenso, quanto demografia.

    1Graduandado curso de Histria da Fundao Educacional de Divinpolis/ Universidade do Estado deMinas Gerais (Funedi/ UEMG). [email protected]

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    A cidade dos famosos Jardins Suspensos ou da citao bblica Torre de Babel,

    situava-se em uma grande plancie e tinha um permetro urbano de quase 86 quilmetrosquadrados. Suas histrias e maravilhas ganharam fama, ultrapassando o momento de

    esplendor do Imprio que construiu a cidade, tal perodo denominado de Neobabilnio.

    O imprio Persa adotou a Babilnia como uma das mais importantes, seno a mais, do seu

    imprio. O renome da admirvel cidade seduziu tambm Alexandre, O Grande. Tal

    monarca helenstico desejou transform-la em sede de seu novo imprio, e esta foi um

    grande centro helenstico.

    Como nas demais cidades da Mesopotmia, a Babilnia era cercada por umamuralha, que de acordo com Herdoto tinha cinqenta cvados reais de largura e duzentos

    de altura, ou seja, nas medidas atuais isto equivaleria cerca de 100 metros de altura e 25

    de largura. Este tamanho monumental nos espanta, no podemos dizer ao certo que eram

    estas a medidas, seja como for tanto as escavaes arqueolgicas, quanto a descrio de

    Herdoto nos informam que eram de dimenses extraordinrias. Alm da muralha para

    proteger a bela cidade, havia tambm em toda sua volta um fosso fundo e largo cheio de

    gua, ao longo da muralha havia cem portas de bronze macio. A cidade propriamente

    dita era cheia de casas de trs ou quatro pavimentos; as ruas que a cortam retas, 2 e o

    centro era um recinto religioso com reas para visitantes e acomodaes.

    Em torno dos palcios e templos havia outra muralha tambm muito reforada e

    com portas de bronze. Segundo o historiador Herdoto era no templo de Marduk que

    ficava a Torre de Babel, e ele nos informa como era tal monumento:

    No centro do templo foi construda uma torre macia, no topo desta torre foi

    construda outra, e no topo desta foi construda ainda outra, a assim

    sucessivamente at completar oito torres; a rampa de acesso foi construda

    externamente, em espiral em torno de todas as torres mais ou menos a meia

    altura h um patamar e bancos para repouso, onde se sentam as pessoas que

    sobem. Na ltima torre h um grande templo, e nesse templo h um grande

    2Herdoto. I. 180.

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    leito com belos adornos. Nenhuma esttua de divindade foi posta naquele

    local, e nenhum dos mortais passa a noite l, exceo de uma mulher dosarredores uma escolhida entre todas pelo deus... 3

    Mais do que uma descrio monumental, Herdoto nos proporciona minuciosos

    relatos dos habitus, dos costumes e da cultura dos babilnios. Pois como ele mesmo nos

    informa, havia na rampa de acesso locais de descanso para os que subiam, ou seja, existia

    entre os babilnios o habito de freqentar o templo, assim como no era costume passar a

    noite nele. A nica pessoa que poderia pernoitar no templo, segundo Herdoto, seria umamulher escolhida pelo deus, uma vez que na ltima torre havia um enorme templo com um

    grande leito destinado escolhida.

    Herdoto tambm descreve importantes aspectos dos costumes e da cultura

    mesopotmica que lhe chamaram a ateno. Dentre os costumes destacamos trs: o

    primeiro deles segundo o julgamento de Herdoto era bastante indecoroso, tal prtica

    consistia na obrigatoriedade de visitao ao templo de Milita por todas as mulheres da

    regio uma vez na vida para ter relaes sexuais com um estranho. Depois de ter relaes

    sexuais com um desconhecido ela voltava para casa, pois tinha cumprido suas obrigaes

    sagradas com a deusa, assim aps tal ida ao templo, por mais dinheiro que lhe oferecesse

    no conseguiriam seduzir tais mulheres, uma vez que tal costume constitua numa

    obrigao sagrada e no numa prtica de meretrcio. A instituio que ele aponta como a

    mais sbia era a do casamento, na qual reunia-se em lugar pblico todas as moas em idade

    nbil, as mais belas eram vendidas por um alto valor e o dinheiro arrecadado com elas era

    utilizado como dote para os homens que se casavam com as menos belas, pela lei se o

    casamento fracassasse, o casal poderia se separar e o dinheiro do dote era devolvido. A

    Segunda instituio mais sbia era a do tratamento dispensado aos doentes, tal costume

    consistia na reunio e exposio destes doentes em praa pblica afim de que receberem

    conselhos de quem j tivesse sido acometido pela mesma doena ou observado como um

    3Herdoto. I. 181.

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    doente se curou dela, era proibido passar pelo doente em silncio, deveria ao menos

    perguntar-lhes qual era a sua doena.

    Outra manifestao religiosa dos babilnios era o Festival de Ano Novo, esta

    comemorao durava onze dias e era dedicada a Marduk, o deus principal, o mais poderoso

    do panteo mesopotmio e protetor da Babilnia. Nos primeiros cinco dias preparava-se as

    preces, os conjuros e o sacrifcio de animais da cerimnia, alm de talhar duas pequenas

    esttuas de madeira e as decorar com ouro e pedras preciosas. Em meio a estes

    preparativos, no final do quarto dia recitava-se o Poema da Criaodas cidades: Todas as

    terras eram mar; ento Eridu foi feita, Esagila foi construda; A cidade sagrada, a morada

    do prazer para os coraes dos deuses. No quinto dia, no Templo de Marduk, era

    purificado o deus Nabu, que representado pela esttua, era trazido da cidade de Borsippa

    at a Babilnia pelo rei de Babil. Ao chegar a Esagila o rei era desprovido de sua espada,

    de seu cetro e das demais insgnias reais, para esbofeteado pelo sacerdote do Templo at

    cair diante de Marduk e jurar que no havia pecado nem descuidado do culto ao deus, alm

    de sempre proteger e cuidar do bem-estar da Babilnia. Aps estas confisses o sacerdote

    tranqilizava o rei, devolvia seus pertences e o esbofeteava mais uma vez. Se o rei chorasse

    era um bom pressgio. As prticas dos demais dias so menos conhecidas, mas sabe-se que

    no sexto dia duas esttuas, feitas para esta ocasio, eram queimadas em frente a Nabu,

    depois disto s esttuas das outras cidades do Imprio chegavam a Babilnia. No nono dia

    o rei entrava no sepulcro de Marduk e pegava na sua mo, no se sabe ao certo em que

    este tirocnio significava, mas alguns estudiosos acreditam que era um casamento do rei

    com uma sacerdotisa representante de Marduk. Nos ltimos dois dias havia no Templo do

    norte inmeras oferendas a Marduk e um banquete para todos os deuses antes de voltarem

    as suas cidades. A populao participava de todo o festival, no entanto era condio para

    que o festival acontecesse, era a obrigatoriedade da presena do rei.

    J os palcios babilnicos eram centros culturais e administrativos, um palcio

    como sede de minha rgia autoridade, um edifcio para a administrao de meu povo, um

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    lugar de unio para a terra. Isso resume a funo ideolgica e representativa dos palcios

    mesopotmios.4Nestes de acordo com Leick:

    Havia amplos compartimentos de armazenagem em galerias subterrneas que

    costumavam ser interpretadas como subestrutura dos Jardins Suspensos. As

    instalaes internas do palcio eram apropriadamente luxuosas; as paredes

    eram revestidas de painis de madeira com instrues de marfim e lpis-lazli.

    Na sala do trono, as paredes eram vitrificadas com os mesmos ladrilhos azuis

    da Porta de Ishtar, com lees rompantes e palmeiras.5

    Percebe-se ento a importncia que a cidade conota a si mesma, os templos e os

    palcios, os cais dos portos, as defesas internas e externas, os fossos, as pontes, as portas e

    as ruas da Babilnia eram construdos e decorados com estupendo esplendor e ostentao,

    com os mais caros e raros materiais como: ouro, prata, lpis-lazli e madeiras de lei.

    Podemos ver em tal prtica uma forma de registrar poder e magnificncia daquele rei, e

    assim rivalizando-se tanto com os seus antecessores quanto desafiando os seus sucessores

    a lhes superar. Outro aspecto importante destas construes monumentais era o carter de

    inspirar e impor temor e admirao tanto entre os habitantes do imprio quanto aos

    governantes estrangeiros que iam cidade prestar homenagem e fidelidade ao rei. Pois

    segundo Munford Lewis:

    Nenhuma despesa era poupada para criar templos e palcios, cujo o simples

    volume e elevao dominariam o resto da cidade. As pesadas paredes de argila

    bem cozida ou de slida pedra davam as efmeras funes do Estado a certezade estabilidade e segurana, de poder ininterrupto e de autoridade inabalvel.

    O que hoje chamamos de arquitetura monumental , antes de tudo, a

    expresso do poder, e este poder exibe-se na reunio de arte, bem como num

    domnio de todos os estilos de acessrios sagrados, grandes lees, touros e

    4Gwendolyn Leick.Mesopotmia a inveno da cidade. 285.5Idem. 285.

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    guias, com cujas poderosas virtudes o chefe do Estado identifica suas

    prprias capacidades mais frgeis. A finalidade dessa arte produzir terrorrespeitoso...6

    Durante o reinado de Nabucodonossor os recursos tornaram-se ilimitados

    tanto em riqueza quanto em materiais, havia tambm mo-de-obra qualificada e no

    qualificada, portanto a Babilnia tornou-se um dos mais importantes centros urbanos,

    culturais do mundo antigo, para l convergiam produtos, riquezas e pessoas das mais

    variadas regies, a antiga Babilnia impressiona tambm pelo seu importante papel no que

    se refere s trocas e encontros de culturas ali estabelecidos, por estes motivos ela pode ser

    considerada a primeira metrpole da Antigidade. O manual da nova cidade, construda

    por este rei, ainda esto preservados em cinco plaquetas que diz:

    Babilnia, a criao de Enlil,Babilnia, que segura a vida na terra,

    Babilnia, cidade de abundncia,

    Babilnia, cidade cujos cidados acumulam riquezas,

    Babilnia, cidade de festividades, alegrias e danas,Babilnia, a cidade cujos cidados celebram sem cessar,

    Babilnia, cidade privilegiada que liberta os cativos,

    Babilnia, a cidade pura.7

    Nabucodonossor possua uma enorme paixo por monumentalidade, por isso,

    inseriu vrias plaquetas comemorativas em suas construes com o objetivo de ser

    identificado e para isso escolheu um material no perecvel. Verificou-se que seu objetivo

    foi alcanado, pois milnios depois de sua morte temos acesso a essas obras, assim como

    tais materiais ainda so usados, principalmente pelas possibilidades artsticas.De acordo

    com Leick:

    6Munford Lewis.A cidades na Histria. p.927Gwendolyn Leick.Mesopotmia a inveno da cidade.283

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    A ltima dinastia autctone conseguiu perpetuar sua verso da cidade no

    futuro. Nabucodonossor disps-se a construir uma cidade compatvel com ostatus da Babilnia como uma potncia internacional, como vencedora da

    Assria e do Egito, ento a nica metrpole do mundo, mas tambm uma

    cidade antiga e venervel tradio cultural, que contava com a cincia mais

    avanada e as artes mais refinadas. No perdeu nenhuma oportunidade de

    exibir sua riqueza, com usou verificar conspcuo de materiais religiosos, mas

    isso foi feito at certo ponto para enfatizar a superioridade mais cultural do

    que marcial da Babilnia, como herdeira da mais antiga civilizao de

    mundo8

    .

    Aps a morte de Nabucodonossor em 562, a Babilnia ainda foi governada por

    dois reis autctones. O ltimo deles foi Nabnido, este foi um alto funcionrio durante o

    reinado Neriglisssar, que era genro de Nabucodonossor. Nabnio enfrentou vrias

    rebelies de longas duraes fora da cidade. E isso fez com que inmeros festivais e ritos

    comandados por ele fossem desmarcados, dentre eles o Festival do Ano Novo, e que a

    prpria administrao da cidade se perturbasse, mesmo com a administrao dos demais

    funcionrios o trabalho principal e tradicional eram realizados pelo rei.

    Com o constante distanciamento de Nabnio, a cidade se fragilizou e ficou sem

    defesas, pois era obrigao do rei proteger seus sditos do mal e para isso ele deveria

    permanecer na cidade. Por este motivo a Babilnia foi facilmente conquistada pelos

    persas, quando Ciro II chegou s portas da cidade no houve resistncia e assim foi o fim

    da independncia babilnia. Os persas comandaram a Babilnia at a invaso de

    Alexandre. Aps sua morte a Babilnia passou ao comando de Seleuco I, este ltimo foi

    um importante general de Alexandre. Apesar de todas as invases os Babilniosmantiveram muitas de suas tradies, como por exemplo, o Festival de Ano Novo. O

    processo de desocupao da cidade ocorreu no perodo sassnida, e em finais do sculo V

    da era crist, somente pequenas partes da cidade continuava a ser habitada. Assim, a

    8Gwendolyn Leick.Mesopotmia a inveno da cidade. 287.

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    Babilnia foi desaparecendo sob os montes de areia e sua memria foi legada a uma nova

    era e uma nova civilizao.

    Referncias Bibliogrficas:

    HERDOTO. Histria. Intr e trad. de Mrio da Gama Kury. Braslia: Editora

    Universidade de Braslia, 1988.

    LEICK, Gwendolyn.Mesopotmia: a inveno da cidade. Rio de Janeiro: Imago Editora,

    2003.

    OPPENHEIM, A. Leo. Ancient Mesopotmia: portrait of a dead civilization. Chicago:

    The University of Chicago Press, 1968.

    ROAF, Michael.Mesopotmia e o Antigo Mdio Oriente. Volumes I e II. Madri: Edies

    Del Prado, 1996