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INICIATIVA BAIRROS CRÍTICOS Operação Vale da Amoreira Diagnóstico Julho 2006

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INICIATIVA BAIRROS CRÍTICOS

Operação Vale da Amoreira Diagnóstico

Julho 2006

Diagnóstico . Julho 2006 . GAT

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ÍNDICE

1. Introdução: Enquadramento Geral da Problemática e Objectivos do Diagnóstico 4

2. O Diagnóstico do Vale da Amoreira 6 2.1. Caracterização geral 6 2.1.1. Síntese descritiva da zona e da sua envolvente 2.1.2. Análise das intervenções realizadas (PRU e PROQUAL) 2.2. Metodologia utilizada no diagnóstico e resultados obtidos 17 2.3. Dinâmicas de parceria e mobilização local 22 2.4. Apresentação das dinâmicas analíticas e levantamento das hipóteses para a intervenção 32 2.4.1. Trajectórias Escolares e Profissionais 2.4.2. Coesão e Inserção Social 2.4.3. Espaço Urbano 2.4.4 Governabilidade 3. Para uma Estratégia de Intervenção: Por onde passa a mudança? 79 4. Referências Bibliográficas 83

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1. INTRODUÇÃO Enquadramento Geral da Problemática e Objectivos do Diagnóstico

O grande objectivo do projecto experimental “bairros críticos” é garantir o planeamento urbano de uma intervenção territorial para a Freguesia do Vale da Amoreira através de uma maior integração das várias dimensões: integrar funções urbanas, integrar parceiros e integrar recursos. A intervenção que agora começa a ser desenhada deve assentar num processo de planeamento estratégico que possa reconhecer e aprofundar os valores e as potencialidades deste território, de forma cumulativa e sinergética e de complemento às anteriores intervenções de requalificação e revitalização ali realizadas. Deverá intervir, com base numa visão global, a médio e longo prazo, de forma relacional entre os territórios, as actividades e as pessoas, concertando as várias intervenções e projectos. Deverá assim garantir uma operação sustentável a vários níveis: de performance económica e financeira; de sustentabilidade física e ambiental, e de coesão social e cultural.

Na sociedade de hoje, verifica-se uma forte tendência para a fragmentação e individualização, para a dispersão das actividades económicas, sociais e territoriais. A sua heterogeneidade, a sua complexidade, as mudanças rápidas, a falta de recursos, os desequilíbrios sócio-urbanísticos e as conflitualidades são as novas variáveis a ter em conta no planeamento territorial e urbano.

Assim, a “Operação Vale da Amoreira”, no âmbito do projecto Bairros Críticos, pretende ser uma intervenção urbana equilibrada e articulada, que pretende dinamizar a sociedade local, promover o bem-estar urbano, a qualidade de vida dos seus moradores e melhorar o sistema social e económico da Freguesia, tendo em conta as mutações que se operam na sociedade em geral. Reconhecendo que o território se traduz nas “pessoas”, é necessário implementar uma operação que faça acompanhar os processos de reabilitação urbana com os processos de qualificação social, cuja tónica assenta nas oportunidades e potencialidades do território e não nas suas fragilidades e problemas. Só assim será possível introduzir a mudança num território considerado “crítico”.

É também objectivo do Grupo de Apoio Técnico, ao longo deste percurso de 6 meses, contribuir para uma maior racionalização e responsabilização daqueles que intervêm e implementam estratégias neste território e que serão os protagonistas da Operação, promovendo e aprofundando o trabalho em parceria e exigindo aos parceiros um trabalho reflexivo sobre as suas associações e projectos desenvolvidos.

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O diagnóstico que aqui se apresenta pretende servir de apoio ao planeamento urbano e definição de uma estratégia de intervenção para o Vale da Amoreira, consensual entre os parceiros e que garanta uma continuidade sistémica da intervenção. O Plano de Acção, que agora se começa a esboçar, deve servir para colmatar as deficiências diagnosticadas e apresentar as linhas de acção que actuem na causa dos problemas. A construção do presente diagnóstico teve por base diferentes metodologias de trabalho, de recolha e tratamento da informação disponível, em especial recolhida junto dos parceiros locais, como diagnósticos, planos de actividades ou outra informação considerada relevante, e principalmente dos resultados dos vários workshops realizados com o GPL, e que será descrita mais à frente neste documento.

O “Projecto Bairros Críticos” exige um comprometimento com o trabalho em parceria naquilo que diz respeito à co-responsabilidade em todas as fases do processo de construção, razão pela qual consideramos importante dar continuidade ao aprofundamento das dinâmicas de parceria nos restantes meses até à sua conclusão, respondendo ao principal desafio do projecto: a participação local desde a construção do projecto até à sua implementação e realização.

No pré-diagnóstico já elaborado, que serve como anexo a esta versão mais sintética, poder-se-á encontrar mais informação estatística, bem como os outputs dos vários workshops realizados com os parceiros locais. O presente documento resulta assim de uma análise mais cuidada de toda a informação recolhida, tentando destacar as principais questões e dimensões analíticas que afectam o vale da Amoreira e que nos permitem justificar as opções estratégicas do Plano de Acção.

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2. O DIAGNÓSTICO DO VALE DA AMOREIRA 2.1. Caracterização geral 2.1.1. Síntese descritiva da zona

“Os estudos do Plano Regional de Ordenamento do Território (PROT-AML) indicam que nas áreas suburbanas da Área Metropolitana de Lisboa residem mais de 800 000 pessoas em deficientes sociais e condições urbanísticas.

Os subúrbios da AML são as zonas com as piores condições de vida em Portugal. Onde mais pessoas vivem pior;

Estas situações põem em risco a coesão sócio territorial da Região e prejudicam a sua competitividade e atractividade internacional.”

(CCR-LVT, 2002)

A Freguesia do Vale da Amoreira pertence ao Concelho da Moita, que faz parte integrante da Grande Área Metropolitana de Lisboa. Esta última insere-se nos processos clássicos de crescimento urbano onde se destaca que as condições gerais da produção industrial, durante as décadas de 70 e 80, foram marcadas por um duplo processo de espacialização. A concentração de actividades industriais em pólos específicos localizados nas periferias das cidades, por um lado; o consumo de espaços cada vez mais amplos numa lógica de urbanização extensiva do centro para a periferia, por outro. Este modelo de urbanização assumiu a forma de um crescimento radio-concêntrico que implica a dependência funcional e de mobilidade dos vários anéis de crescimento.

Se o crescimento das aglomerações metropolitanas deveu-se, sobretudo, a processos de concentração das actividades produtivas, hoje, é a dispersão industrial e, em geral, do conjunto das actividades produtivas, o elemento fundamental da reestruturação das metrópoles que se exprime por um processo de desconcentração urbana.

Contudo, a especificidade do crescimento urbano português dita algumas particularidades na estruturação e na configuração de espaços que compõem a metrópole de Lisboa. O processo de metropolização em Portugal retrata uma urbanização mais tardia que ancora numa emigração rural e se concretiza pela

Figura 1 – GAML

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extensão e pela densificação das grandes cidades. Aliás, este processo terá conduzido a uma polarização do território nacional em torno de duas grandes metrópoles, a de Lisboa e a do Porto. O processo de suburbanização está, assim, intimamente relacionado com o crescimento demográfico e este decorre da vinda de populações das zonas rurais, bem como da redistribuição das actividades no território, das quais se destacam os lugares de habitação e de trabalho. Verificando-se uma “polarização” dessas regiões pelas respectivas áreas metropolitanas e destas pelas suas metrópoles, com as populações a habitarem os subúrbios e a deslocarem-se diariamente para o centro da metrópole para satisfazer as suas necessidades de emprego e aquisição de bens e serviços mais especializados ou diferenciados.

A GAML apresenta uma forte concentração populacional, de infra-estruturas, equipamentos, actividades económicas, serviços de comunicação e de internacionalização que são factores estruturantes e estratégicos para o seu desenvolvimento, mas também dinâmicas geradoras de dificuldades e desigualdades bastante diferentes das que ocorrem no resto do país. Nesta área, acumulam-se os factores sociais e urbanísticos geradores de fortes assimetrias, de fragmentação territorial e exclusão social.

Nos anos 60-80, assistiu-se a um forte crescimento de população e uma consequente ocupação dos espaços periféricos da metrópole. Esse forte crescimento populacional (relacionado com os movimentos migratórios da década de 60 e 70), bem como a ausência de políticas urbanas abrangentes, de requalificação da habitação e dos espaços públicos, de criação de infra-estruturas e de equipamentos colectivos adequados às necessidades das populações, estimulou um crescimento metropolitano desordenado, em “mancha de óleo” e, consequentemente, desqualificado em termos sociais e urbanísticos. Sobretudo na última década, assiste-se também, a uma concentração de comunidades imigrantes e minorias étnicas de grande heterogeneidade

cultural mas de forte homogeneidade social que ocupam

espaços intersticiais no centro da metrópole e os espaços periféricos mais desqualificados. Acrescente-se uma insuficiência das estruturas e dinâmicas educacionais e de capacitação profissional que deram aso a desigualdades nas condições de acessibilidade e mobilidade e na dotação ao nível dos equipamentos

Figura 2 – Localização do Vale da Amoreira no Concelho da Moita

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sociais e cívicos. Confrontamo-nos com condições e especificidades destas áreas periféricas que podemos caracterizar como áreas de forte concentração residencial e pouca diversidade funcional, com um tecido urbano não integrado, uma degradação do parque habitacional e do património cultural, com espaços públicos quase inexistentes, dificuldades notórias nas acessibilidades, desadequação das infra-estruturas de suporte à vida local e insuficiência de equipamentos cívicos sociais.

Os precários níveis urbanísticos são acompanhados de indicadores sociais reveladores de debilidades ao nível da instrução, da frequência do ensino, da formação e do emprego, bem como de fenómenos de exclusão social e insegurança e, particularmente, de uma quase ausência de vida pública e identidade locais.

A freguesia do Vale da Amoreira, é exemplo deste tipo de territórios, que muito embora tenha sido planeado para fornecer melhores condições de vida à população, acabou por traduzir-se num espaço crítico e de precariedade, onde os problemas da exclusão social estão muito patentes. Trata-se de um espaço complexo, com fraca qualidade habitacional, com problemas derivados da grande heterogeneidade cultural e em situação de pobreza, onde a oferta de emprego é escassa, favorecendo a sua condição de “dormitório”, ainda com algumas carências ao nível de equipamentos comunitários e de infra-estruturas de transportes.

O Vale da Amoreira é a mais jovem freguesia do concelho da Moita, tendo até 1988 pertencido à Baixa da Banheira, altura em que se tornou independente.

No final dos anos 60 inicia-se a construção do Bairro do Fundo de Fomento de Habitação, apoiada pela Câmara Municipal da Moita, alterando desta forma a sua fisionomia de espaço rural.

A partir dos anos 70 deu-se uma explosão demográfica, que chegou a ser superior a 200%, no período de 1980/86. Com expressão em dois momentos específicos, um em 1974, quando estavam já construídos 604 fogos e onde várias famílias carenciadas foram alojadas. Alguns destes fogos, cerca de 20%, foram cedidos com rendas muito baixas e alguns gratuitamente. O outro, em 1975 com um grande fluxo de população vinda das ex-colónias, principalmente de Angola e Moçambique, que ocuparam de forma desordenada fogos por terminar. Na luta pela sobrevivência, muitas pessoas, sem ainda estarem concluídos os fogos de habitação, localizaram-se nessa área, carregando o estigma da “despromoção” que, por vezes, ainda hoje é ir viver para o Vale da Amoreira.

Actualmente, a população do Vale da Amoreira é calculada em cerca de 12 360 habitantes (Censos de 2001), repartidas por 3572 famílias, tendo-se registado uma

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quebra de população face aos censos de 1991, que identificavam 13 522 indivíduos. No entanto, alguns diagnósticos e estimativas das associações locais apontam para uma população entre as 17000 e 18000 pessoas (tendo em conta que grande parte desta população não se encontraria documentada ou legalizada).

A explosão demográfica permitiu um rejuvenescimento da população que faz com que, actualmente mais de 40% dos seus habitantes sejam jovens com idade inferior a 25 anos, no entanto registou-se diminuição (de 91 para 2001) da população jovem em cerca de 7,2% enquanto a população idosa aumentou cerca de 3,4%.

Figura 3 Evolução da População do Vale da Amoreira por escalões etários (em %)

De referir ainda, que de todas as freguesias do Concelho da Moita, a do Vale da Amoreira é a que apresenta a maior percentagem de jovens, como podemos observar no gráfico da página seguinte.

Fonte: Censos 2001

47,2

40,5

48,151,4

4,78,1

0

10

20

30

40

50

60

jovem ( 0-24 anos) adultos (25-64 anos) idosos (65 ou + anos)

19912001

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Figura 4

O Vale da Amoreira tem uma área de 2,5 km2, idêntica às outras freguesias do concelho da Moita, à excepção das freguesias da Moita e Alhos Vedros que rondam os 20km2, mas estes dados apresentam maior relevância quando analisados conjuntamente com o número de habitantes de cada território, pelo indicador densidade populacional de cada freguesia. Neste sentido, as freguesias da Baixa da Banheira e do Vale da Amoreira apresentam o maior número de habitantes por km2, 6080 e 4944, respectivamente.

Figura 5 Densidade Populacional (Hab. / km2)

Fonte: INE – Anuário Estatístico 2003 (Moita) e Censos 2001 (Freguesias)

34,4

53,0

13,6

29,9 29,7 29,7 31,525,9

40,5

56,8 54,6 56,9 56,0 56,052,6 51,4

13,3 15,7 13,4 12,418,0

25,5

8,1

21,9

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

Municipio da Moita

AlhosVedros

Baixa da Banheira

Moita Gaio -Rosário

SarilhosPequenos

Vale daAmoreira

Jovem (0 - 24 anos)

Adultos (25 - 64 anos)

Idosos (65 ou + anos)

Fonte: Censos 2001

1245,7

4944

634,9

6080

671,8

282 419,6

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

Munic ípioda Moita

Vale daAmoreira

AlhosVedros

Baixa daBanheira

Moita(freguesia)

Gaio-Rosário

SarilhosPequenos

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Os dados relativos à nacionalidade da população residente na freguesia do Vale da Amoreira indicam que a maioria da população é portuguesa. Contudo, como pode verificar-se pelo gráfico a seguir apresentado, uma percentagem significativa da população é oriunda de países africanos, nomeadamente de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Moçambique. Esta situação deve-se principalmente ao grande fluxo de população africana que se registou na freguesia, na década de 70. Existe, ainda, uma pequena franja da população de outras nacionalidades.

Figura 6 Nacionalidade da População da Freguesia do Vale da Amoreira (em %)

Quanto ao edificado existente no Vale da Amoreira, este foi predominantemente construído entre 1971 e 1990 (67,9%). Aliás, estas duas décadas coincidem com a institucionalização da freguesia do Vale da Amoreira e com a época que regista o maior aumento de população. De salientar que também o edificado do Município da Moita surgiu maioritariamente entre 1971 e 1990.

55,0

10,3

15,0

10,0

1,42,02,9

3,4

Portugal

Angola

Cabo Verde

Guiné Bissau

S.Tom é e Principe

Moçam bique

Outros

NR/NR

Fonte: Diagnóstico da Junta de Freguesia do Vale da Amoreira

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Figura 7 Edifícios segundo a Data de Construção (%)

Na Freguesia do Vale da Amoreira, assim como em todas as outras freguesias do concelho, o tipo de ocupação do alojamento predominante é o regime de propriedade pelos seus ocupantes (75,6%), embora não seja desprezível, até face ao contexto da GAML, a percentagem de alojamento em regime de arrendamento ou sub-arrendamento (23,2%). De referir que estes alojamentos, ocupados neste tipo de regime, pertencem maioritariamente ao IGAPHE.

As ocupações de habitação social pela maioria da população oriunda das ex-colónias nos anos 70, repercutiram-se nos três grandes bairros sociais existentes, tanto de promoção directa da administração Central como de aquisição de custos controlados, totalizando 2.478 fogos.

No âmbito do Programa Especial de Realojamento foram construídas 114 habitações e com estes coexistem mais cerca de 2.300 fogos de investimento privado em moradias uni familiares e blocos de habitação com 4 pisos.

Actualmente a área urbana consolidada que representa 40% da área total, corresponde a 89,6 ha que se divide em quatro bairros: Fontainhas, Vale da Amoreira antigo, Paixão e Descobertas.

Fonte: INE – Censos 2001

1,0 4,0

24,3

53,8

16,8

0,04,0

13,4

67,9

14,8

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

Antes 1919 1919 a 1945 1946 a 1970 1971 a 1990 1991 a 2001

Municipio da Moita

Vale da Amoreira

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2.1.2. Análise das intervenções realizadas na Freguesia A Freguesia do Vale da Amoreira foi alvo de duas grandes intervenções de reabilitação e revitalização urbana que transformaram e deixaram marcas no território.

Na sequência do Programa de Recuperação e Requalificação Urbanística da Vale da Amoreira, lançado em 1995, a Câmara Municipal da Moita iniciou em 1996 a Operação de Revitalização Urbana do Vale da Amoreira (ORUVA), no âmbito do Programa de Reabilitação Urbana (PRU) financiado pela Comissão Europeia, visando a Recuperação e Requalificação urbanística da freguesia. A Operação, constituída por um conjunto de projectos físicos e acções “imateriais” programados até final de 2002, consubstanciou o seu carácter inovador numa intervenção integrada, com um investimento de 3 milhões e 810 mil Euros, com a intenção de actuar em simultâneo e de forma concertada sobre as componentes físicas, sociais e económicas.

A intervenção tinha como objectivos centrais a requalificação urbanística e a melhoria dos equipamentos colectivos, bem como a valorização sócio-cultural e sócio-profissional da população, aproveitando as potencialidades específicas do Vale da Amoreira, nomeadamente a diversidade étnica e cultural, a boa acessibilidade e a sua singular inserção na estrutura urbana do concelho.

Em síntese, intervenções ao nível dos equipamentos desportivos e escolares, qualificando-os fisicamente a par de acções de formação, e de acções concretas com o objectivo de incentivar a educação inter-cultural e ambiental. Arranjos exteriores do espaço público dignificando a sua qualidade viária e paisagística, com destaque para importantes obras como o Centro de Dia e ATL, equipamento necessário e há muito ambicionado pela Freguesia assim como o novo Mercado Municipal do Vale da Amoreira, a par de um programa de formação específico e da concessão de apoios à instalação e consolidação de algumas actividades comerciais e de serviços. Acções ao nível da melhoria, formação e gestão do parque habitacional, como o Manual do Morador (com o objectivo de responder às questões mais prementes, nomeadamente as relacionadas com os aspectos jurídicos, a conservação dos espaços públicos e a conservação dos edifícios) e acções de pintura de fachadas dos edifícios através da gestão e utilização gratuita de andaimes pela população. A criação do Centro de Informação para a Juventude (CIJU) para divulgação de informação sobre formação e orientação profissional aos jovens\(com uma UNIVA e um PIJ – Posto de Informação Juvenil), com um papel importante na dinamização de actividades e formação ao nível das artes, tendo impulsionado a criação do primeiro “centro de hip-hop” do país, em 1998, com valências de formação, ateliers, ensaios e encontros de promoção da

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cultura hip-hop, rap e graffiter. Este Centro teve uma projecção a nível nacional, com uma cobertura da comunicação social que deixou até hoje o Vale da Amoreira associado à imagem do hip-hop e do graffite.

Não menos interessante e talvez o mais inovador desta Operação (ORUVA), que infelizmente não foi retomado no âmbito do PROQUAL (sendo esta uma das principais críticas apontadas a este Programa), foi a Instituição do Núcleo Dinamizador, representativo das forças vivas da freguesia (participação de diversos actores locais - sociais, culturais e desportivos) e cuja função era o acompanhamento da Operação, no sentido de se pronunciar sobre as acções sócio-urbanísticas e os seus impactos na população e no território.

As acções realizadas no âmbito da Operação de Revitalização Urbana do Vale da Amoreira visaram uma actuação integrada, em complementaridade com o Programa Especial de Realojamento (PER) e com outras acções desenvolvidas no local financiadas pela Intervenção Operacional de Renovação Urbana (IORU).

No sentido de dar continuidade aos projectos realizados, a Câmara da Moita preparou um programa de investimentos, para as freguesias do Vale da Amoreira (e também da Baixa da Banheira), que candidatou ao PROQUAL – Programa Integrado de Qualificação das Áreas Suburbanas da AML, (Medida 1.5 do PORLVT), no âmbito do QCA III (2000-2006), denominado Operação de Revitalização Urbana da Baixa da Banheira/Vale da Amoreira. Com início em 2001 e término em 2005, com um prometido investimento ao nível das acções imateriais que não foi concretizado (do montante inicial de investimento previsto, 26 milhões de Euros, a Operação ficou reduzida a cerca de 8,5 milhões de Euros) limitou-se a intervir ao nível da reconversão de espaço público, do património e da imagem local, com destaque para as intervenções ao nível da rede viária do bairro, dos arranjos exteriores das praças e largos e da requalificação dos equipamentos desportivos. O mais significativo desta intervenção foi a reformulação do antigo Cine-Teatro da Baixa da Banheira agora denominado de Fórum Municipal José Manuel Figueiredo. Foi possível através deste programa a reformulação de um grande número de parque infantis, pátios das escolas básicas e a construção do Largo dos Cravos.

Dada a redução no investimento previsto inicialmente, as alterações ao modelo de gestão, em especial o não financiamento de projectos “imateriais”, as acções de dinamização local, de gestão e coordenação, de monitorização, ou ainda de promoção e divulgação não garantiram o carácter integrado da operação e os resultados previstos nos objectivos gerais do Programa.

Com estes dois Programas (PRU e PROQUAL), a Câmara Municipal da Moita

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assegurou um processo contínuo de 10 Anos de Revitalização Urbana do Vale da Amoreira. Que balanço se faz destas intervenções? Como se explica que um território intervencionado com um investimento significativo não tenha alterado os problemas da população ou introduzido mudanças nas suas dinâmicas sociais e económicas?

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2.2. Metodologia utilizada no diagnóstico e resultados obtidos

A equipa de coordenação e perante a realidade evidenciada pelos vários actores locais, entendeu aprofundar a dinâmica de parceria durante a fase de elaboração do diagnóstico, privilegiando sempre o trabalho em plenário com todos os parceiros. A separação por grupos de trabalho (Focus Group) só foi operacionalizada nesta nova fase de construção do Plano de Acção. Destacamos aqui os trabalhos realizados com os parceiros locais para a elaboração do diagnóstico, dando conta de alguns resultados obtidos (para um maior aprofundamento dos

outputs produzidos consultar o pré-diagnóstico).

Uma lógica integrada de desenvolvimento de trabalho participativo

O trabalho seguido pelo GAT, conjuntamente com os parceiros locais, para a elaboração do Diagnóstico e identificação das principais linhas estratégicas a desenvolver no Plano de Acção, realizou-se em 4 etapas distintas: 1ª - Levantamento de toda a informação existente sobre a Freguesia do Vale da Amoreira – diagnósticos, planos de actividades e projectos dos parceiros locais

– elaboração e preenchimento das Fichas de Parceiros, com informação restrita sobre cada actor/associação. (Ver em anexo Dossier Fichas de Parceiros) 2ª - Workshop de Identificação dos Problemas e Obstáculos (para o pré-diagnóstico) Objectivos: - Identificação de problemas e obstáculos que afectam o Vale da Amoreira e as entidades que intervêm no terreno; - Identificação de áreas de enquadramento para os problemas identificados. Resultados: - Identificação de uma bateria de problemas; - Construção de 11 áreas (nuvens) de enquadramento para os problemas identificados; - Priorização da intervenção segundo as áreas de enquadramento dos problemas

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� Desenvolvimento das actividades: em plenário Outputs trabalhados

Sistema educativo e de

ensino

Saúde

Habitação, espaço público e equipamentos

de apoio Imagem do bairro (freguesia Vale da

Amoreira)

Estrutura familiar/problemas

familiares

Segurança

Inserção dos Imigrantes e Minorias - interculturalidade

Emprego e Desemprego

Formação profissional qualificante e

formação cívica

Articulação no terreno e governabilidade

Dinâmicas juvenis e ocupacionais

As Nuvens de problemas

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3º - Workshop de Definição de Objectivos, Potencialidades e Meios de Acção com o GPL e trabalho paralelo com os parceiros informais – jovens do Vale da Amoreira - (para o diagnóstico) Do Workshop Objectivos: - Transformação dos problemas em objectivos; - Identificação das potencialidades/meios de acção e obstáculos dos parceiros locais - Permitir a concepção de eixos de intervenção e de objectivos estratégicos para o projecto - Recolha de informação para a Estratégia de Actores Resultados: - Estabelecimento de relações de interdependência entre os problemas identificados para cada uma das áreas de enquadramento (nuvens de problemas); - Identificação dos meios de acção e dos obstáculos dos parceiros locais; - Identificação de uma bateria com 90 objectivos. - Elaboração da matriz Eixos/Objectivos para o Plano de Acção � Desenvolvimento das actividades: sessões temáticas simultâneas de acordo com as áreas de enquadramento identificadas (nuvens de problemas), possibilidades de circulação dos participantes (Open Space Tecnhology) Outputs trabalhados

Imagem do Bairro (Freguesia do Vale da Amoreira) Segurança Formação profissional qualificante e

formação cívica Emprego e Desemprego

Estrutura Familiar/Problemas familiares Habitação, espaço público e

equipamentos de apoio Articulação no Terreno e Governabilidade Inserção dos Imigrantes e Minorias -

Interculturalidade Dinâmicas Juvenis e Ocupacionais Sistema Educativo e Ensino

Saúde

Modelo Einsenhower A importância dos problemas

Alta

Alta

IMPO

RTÂN

CIA

URGÊNCIA

Prioridade I Prioridade II

Negligenciável Prioridade III

20

Exemplo da matriz construída:

Do Trabalho com os Jovens Objectivos: - Recolher a visão dos jovens sobre o Vale da Amoreira; - Identificar as centralidades, as ocupações e as dinâmica juvenis na Freguesia; - Identificar os problemas e necessidades dos jovens do VA Resultados: - Construção de mapas mentais do VA; - Identificação da diversidade das potencialidades artísticas juvenis do VA e construção conjunta de uma ficha de identificação das competências dos jovens do

JUNTA DE FREGUESIA DO VALE DA AMOREIRA

NUVEM PROBLEMAS POTENCIALIDADES/ MEIOS DE ACÇÃO OBSTÁCULOS

Falta de equipamentos desportivos nas escolas e no espaço público

Falta de meio financeiros

Requalificação dos espaços públicos da freguesia – arranjo dos jardins e criação de novos espaço verdes

Apoio técnico em parceria com instituições e associações locais

Falta de equipamentos culturais para a formação, criação e mostra de trabalhos artísticos

Protocolos de parceria

Espaços por requalificar e falta de espaços para as associações e outras entidades locais (igreja)

Degradação de algum parque habitacional e dos espaços comuns dos prédios

Falta de equipamentos de apoio social e de serviços à população – centro comunitário

Habitação, espaço público e

equipamentos de apoio

Falta de espaços de lazer e de equipamentos próprios para jovens e crianças

Falta de identidade dos filhos dos imigrantes Acompanhamento na legalização Acompanhamento do SEF aos imigrantes Falta de espaços e actividades que promovam o convívio Eventos e festas multiculturais

Espaço próprio de apoio para a diversidade na gastronomia e cultura

Financiamento

Discriminação e segregação espacial Movimento associativo Imprensa e média Problemas inerentes à população imigrante e outras minorias (pobreza, qualificação, emprego, língua, etc.)

Inserção dos Imigrantes e

Minorias - Interculturalidade

Legalização da população Espaço para o gabinete de apoio ao imigrante Acompanhamento do SEF aos imigrantes Legislação inadaptada à realidade

Consumo e tráfico de droga muito significativo no bairro, com muitos jovens a dedicarem-se ao tráfico

1. Acompanhamento de jovens na sensibilização e ocupação dos tempos livres 2. Eventos e prática desportiva

Identificação e aumento das doenças infecto-contagiosas 1. Ocupação dos tempos livres 2. Eventos e prática desportiva

Pequena criminalidade 1. Ocupação dos tempos livres 2. Eventos e prática desportiva

Segurança e Saúde

Falta de policiamento para dissuadir as práticas e comportamentos desviantes

Falta de educação cívica e familiar e de modelos de referência

Falta de auto-estima e jovens sem horizontes Emprego para jovens

Existência de muitos comportamentos desviantes associados à delinquência e tráfico de estupefacientes

1. Protocolos formais com o mundo associativo e CM Moita para formação 2. Festas multiculturais

Dinâmicas juvenis

e ocupacionais

Falta de espaços, equipamentos e actividades para os jovens

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VA - Recolha de informação para a definição dos eixos e objectivos para a Operação Outputs

Análise SWOT

Pontos fortes Pontos fracos Forte heterogeneidade cultural – presença de vários grupos e comunidades étnicas

Fragilidade dos equipamentos sociais e de lazer

Estrutura urbanística consolidada, ausência de construção precária

Espaço público degradado e desqualificado

Existência de terrenos livres Grande número de Famílias com problemas sociais diversos

Presença muito forte de população jovem e em idade activa

Baixo nível de escolaridade, abandono e absentismo escolar muito significativo entre os jovens

Localização próxima em relação aos principais núcleos urbanos (Barreiro e Moita)

População imigrante não legalizada, pouco qualificada, desempregada ou em condições precárias de trabalho

Dinamismos existentes Imagem negativa do bairro no exterior e estigmatização da população

Falta de acessibilidades de entrada e saída da Freguesia Falta de equipamentos e actividades para as crianças e

jovens Forte dependência do exterior (outros concelhos) ao nível

do mercado de trabalho

Oportunidades Ameaças Tecido associativo com peso e enraizado na freguesia Grande numero de desocupados e desempregados sem

qualificação e inserção profissional Existência de uma “rede social” e de experiências de parceria entre as associações

Grande número de jovens sem escolaridade, qualificação, trabalho e perspectivas de futuro

Mão-de-obra disponível Aumento do trabalho informal/economia informal e ilegal Obras básicas concluídas/resultados com obra das intervenções urbanas nos últimos 10 anos (PRU e PROQUAL)

Falta de uma identidade de “bairro/freguesia” – falta de auto-estima e identificação com o espaço

Espaços circundantes passíveis de intervencionar e de expansão da freguesia

Ausência de um plano articulado de intervenção estratégica para o bairro

Aumento da população cigana sem enquadramento local Aumento da insegurança

Foi assim possível chegar à definição dos Eixos e Objectivos da Intervenção (ver matriz em anexo) 5 Eixos de Intervenção: Eixo 1 - Dinamização da actividade económica: qualificar o emprego e a iniciativa empresarial Eixo 2 - Um espaço urbano com qualidade de vida, atractivo e competitivo EIxo 3 - Uma Freguesia socialmente coesa, que valoriza as crianças, os jovens e os mais velhos Eixo 4 - Um espaço de encontro que valoriza a diversidade cultural, com visibilidade para o exterior Eixo 5 - Um território governável: capacidade institucional, participação e partilha de responsabilidades e 28 Objectivos Estratégicos

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4ª - Workshop de Identificação de Medidas e Acções (para o diagnóstico) Objectivo: - Aprovação dos Eixos de Intervenção e respectivos Objectivos estratégicos - Esboço de plano de acção; - Identificação de potenciais actividades/ acções /iniciativas a desenvolver. Resultados: - Bateria de actividades/acções identificadas de acordo com 5 eixos de intervenção e com os seus respectivos objectivos estratégicos; � Desenvolvimento das actividades: organização de 5 espaços de reflexão individual de acordo com os eixos de intervenção, facilitando a criação de actividades orientadas especificamente para estes eixos e para os seus respectivos objectivos estratégicos, embora de forma livre e aberta dando espaço para a criatividade dos parceiros locais. Outputs trabalhados Eixo de intervenção 4 Objectivos Estratégicos Acções/iniciativas

Promoção de actividades culturais Promoção de momentos de convívio intercultural Promoção de seminários/encontros sobre costumes e culturas das varas etnias representadas no Vale da Amoreira Promoção de uma iniciativa periódica que promova a multiculturalidade (arte, gastronomia, tradições) Criação de espaços multiculturais para a divulgação da diferença Criação de espaços de apoio à inserção dos imigrantes nas escolas Realização de debates/informação

4.1. Promover o encontro de culturas, o respeito e a tolerância – promover manifestações das identidades locais

Espaços para mostras culturais e artisticas Realização de uma exposição das culturas locais (gastronomia, vestuário, etc.) Dinamização de debates entre o movimento associativo Promover os autores locais Promover feiras culturais Formação de um grupo de agentes de desenvolvimento comunitário

4.2. Valorização dos conhecimentos locais e do saber fazer das várias culturas

Divulgação dos conhecimentos locais Divulgação dos saberes fazer e dos trabalhos da comunidade para o exterior da freguesia Implementação de um parque oficinal profissionalizante Criação de um edifício gastronómico Criar métodos e meios para avaliar as melhorias na imagem do bairro

4.3. Promover a atractibilidade o território e a sua imagem no exterior como espaço multicultural

Promoção de um concurso gastronómico Criação de um gabinete de apoio ao cidadão Abertura de um gabinete local de informação e apoio à legalização dos imigrantes Abertura de um CLAI (ACIME)

4.4. Legalização de imigrantes

Levantamento rigoroso do ilegais existentes Dinamizar o comercio tradicional e centros comerciais existentes Gabinete de apoio ao emigrante

Um espaço de encontro e tolerância: valorizar a

diversidade cultural e dar-lhe visibilidade para o

exterior

4.5. Apoiar a inserção dos imigrantes na sociedade local e rentabilizar as suas capacidades Acompanhamento e encaminhamento de famílias imigrantes

23

5ª - Trabalho em “Focus Group” por eixo de intervenção (em curso) Objectivo: - Construção de um plano de acção consistente (que ataque as causas dos problemas) coerente (tendo em consideração os vários eixos) e participado (construído e aprovado pelos parceiros) Resultados: - Definir as iniciativas prioritárias - Identificar e definir os projectos estruturantes - Definir para cada projecto estruturante, as acções e medidas, os objectivos específicos, os calendários para a sua realização, as metas e os responsáveis e parcerias

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Síntese esquemática dos resultados e outputs produzidos com a metodologia utilizada para a elaboração do diagnóstico e para a definição da matriz estratégica do Plano de

Acção

Diagnóstico

Plano de Acção

Estratégia de Actores e Focus Group

Eixos de Intervenção e

Objectivos Estratégicos

Problemas

Dinâmicas

Nuvens Árvores de problemas

Prioridades Objectivos a atingir

Obstáculos e constrangimento

Potencialidades e meios de acção

Pontos Fortes e Oportunidades Pontos Fracos

e Ameaças

Projectos e acções

Fichas de Parceiros

Observação /visitas ao bairro

Diagnósticos Informação estatística

Informação dos parceiros informais

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2.3. Dinâmicas de parceria e mobilização local Na construção do projecto para a “Operação Vale da Amoreira” tivemos sempre presente a preocupação de perceber os interesses daqueles que estão formalmente envolvidos no processo de planeamento, bem como daqueles cuja participação futura é também, por motivos diversos, necessária para o sucesso da Operação Vale da Amoreira.

Neste sentido, tentámos primeiro a aproximação às instituições identificadas como parceiras e que constituem o Grupo de Parceiros Locais. Em segundo, outros actores locais relevantes no desenvolvimento de dinâmicas específicas no interior da Freguesia do Vale da Amoreira, nomeadamente pela sua capacidade de liderança e de mobilização de grupos ou movimentos sociais e culturais específicos. Será aquilo a que chamamos, por falta de melhor termo, de parceiros informais e/ou actores/ líderes.

O tempo que consome o estabelecimento de relações de confiança estabilizadas, ainda mais num período tão restrito como o da elaboração deste projecto, dificultou, acima de tudo, a estratégia de aproximação aos parceiros não formais, mesmo através da lógica de snowball approach que implementámos.

Assim, numa primeira etapa do trabalho procurámos identificar e caracterizar o mais possível os parceiros locais que constituem o Grupo de Parceiros Locais (GPL), através de Fichas de Parceiros. Na produção desta análise elegemos três objectivos gerais:

Mostrar o nível de actuação das diferentes instituições membro do GPL e de actores

locais relevantes; Identificação das suas posições relativas: quem está mais próximo de quem? Quem

comunica com quem? Quem traça linhas orientadoras para a acção? Quem recebe apoios de quem?

Identificação das dinâmicas já estabelecidas entre os membros do GPL. A lógica que preside à eleição destes objectivos está relacionada com uma opção metodológica para a realização de uma análise de “estratégia de actores”1.

1 Ver Margarida Perestrelo e Isabel Guerra

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Identificação e caracterização do Grupo de Parceiros Locais No processo de caracterização dos parceiros locais tivemos presentes quatro objectivos específicos:

Identificar a sua natureza jurídica; Identificar a que nível/ níveis a sua acção tem incidência no Vale da Amoreira; Perceber semelhanças e diferenças quanto a: natureza, missão, públicos-alvo,

motivação para a fundação e objectivos das organizações constituintes do GPL; Identificar espaços de sobreposição entre elas.

Sistematizando a informação recolhida à luz destes objectivos, podemos traçar um primeiro olhar sobre esta dimensão da paisagem institucional que envolve a Operação Vale da Amoreira e que se traduz na figura que a seguir se apresenta, e para a qual activámos dois critérios analíticos fundamentais:

A natureza das entidades parceiras, estabelecendo-se uma cisão analítica entre as entidades de natureza estatal e associativa;

Os níveis de actuação, emergindo quatro níveis de acção com incidência sobre o Vale da Amoreira: nacional; local, que se desagrega nos sub-níveis municipal e distrital; ao nível da freguesia; e, finalmente, ao nível das comunidades e dos grupos sociais e culturais específicos do Vale da Amoreira.

Paisagem Institucional dos parceiros locais

Comunidades ou Grupos Bairro / Freguesia Local (Municipal e Distrital) Nacional

Legenda:

19 22

15

16

14 13

11 5

4

10

1 3 2 9

8

7 6

1

Estado Associativismo

12

17 18 20

21

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Lista de parceiros:

Este primeiro mapeamento institucional do Vale da Amoreira é complementado por uma análise mais pormenorizada dos parceiros, construída a partir da informação recolhida através das Fichas de Parceiros, mas também por informação de cariz mais qualitativo, em boa medida produto dos workshops realizados. Estes elementos são apresentados, de uma forma condensada, no quadro que se segue, tendo em conta indicadores específicos da “estratégia de actores”.

Parceiros intervenientes sediados na freguesia Parceiros intervenientes não-sediados na freguesia 16 Associação de Condóminos e Moradores do Vale da Amoreira 4 Câmara Municipal da Moita 17 OLEFA – Formação de Adultos 5 Centro Distrital de Segurança Social de Setúbal – Serviço de

Acção Social do Barreiro 8 Junta de Freguesia de Vale da Amoreira 6 Instituto de Reinserção Social – Equipa do Barreiro 11 Agrupamento Vertical de Escolas do Vale da Amoreira 7 Conselho Local de Acção Social da Moita (CLASM) 10 Centro Social e Paroquial da Baixa da Banheira 9 ACIME/ Escolhas 2ª Geração 3 Centro de Saúde da Baixa da Banheira – Extensão de Vale da Amoreira 18 Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros 1 Rumo, Cooperativa de Solidariedade Social, CRL 19 Instituto de Emprego e Formação Profissional – Barreiro 14 Associação Cabo-Verdiana do Vale da Amoreira 20 Ministério da Educação 13 Associação Moitense dos Amigos de Angola 21 Ministério da Cultura 12 Grupo Desportivo e Recreativo Portugal 22 GNR – Almada (Posto Territorial da Baixa da Banheira) 15 CRIVA – Centro de Reformados e Idosos do Vale da Amoreira 2 Fórum para a Diversidade do Vale da Amoreira

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CARACTERIZAÇÃO DOS PARCEIROS LOCAIS

Parceiros locais Objectivos Meios Obstáculos

Actor 1 Rumo – Coop. e Solidariedade Social

- Promover a inclusão educativa, social e profissional de pessoas desfavorecidas

- Gabinete no Vale da Amoreira, com corpo técnico especializado - Projectos de formação profissional e certificação de competências apoiados por várias entidades

- Várias parcerias estabelecidas

- Insuficiência de recursos materiais no gabinete do Vale da Amoreira - Dificuldades na obtenção de financiamentos e dependência parcial do trabalho voluntário

- Pouca disponibilidade para o trabalho em rede de algumas organizações

Actor 2 Assoc. Cabo-

Verdiana do Vale da Amoreira

- Promover a inclusão social da comunidade cabo-verdiana, através de actividades de carácter

sócio-cultural, desportivo e formativo

- Sede/ Centro de formação - Projectos a decorrer: liderança e cidadania, núcleo de mulheres, apoio alimentar e apoio jurídico à legalização de imigrantes

- Membro do núcleo executivo da Rede Social da Moita

- Escassez de recursos humanos e materiais - Forte dependência do trabalho voluntário

- Pagamento irregular de quotas por parte dos associados

Actor 3 Assoc. Moitense

dos Amigos de Angola

- Apoio à comunidade angolana no que concerne à resolução de problemas de cidadania;

- Promoção de actividades de carácter lúdico, cultural, desportivo e educativo

- Voluntariado dos seus associados, bem como dos corpos dirigentes

- Projectos: Crianças Cientistas, Educação para a Cidadania, As Nossas Raízes

- Inexistência de sede constitui-se como obstáculo à dinamização de actividades

- Dependência de financiamentos públicos, decorrente da escassez de receitas próprias

Actor 4 Grupo Desportivo

Recreativo Portugal

- Promoção de actividades desportivas (nomeadamente futebol), culturais e recreativas

- Sede, instalações desportivas (colocação de piso sintético a decorrer), autocarro de 52 lugares, carrinha de 6 lugares, e equipa técnica de treinadores de futebol

- Escassez de recursos humanos e financeiros

- Dificuldades financeiras do bar, fonte importante de financiamento do clube

Actor 5 CRIVA – Centro de

Reform. e Idosos do VA

- Protecção na velhice, quer no aspecto funcional (alimentação, higiene pessoal, transporte e diligências várias), quer na vertente lúdica (actividades de cariz recreativo e cultural)

- Instalações com valências de Centro de Convívio (60 utentes), Centro de Dia (40 utentes), e Actividades de Tempos Livres CATL Vi.V.A. (60 crianças)

- Corpo técnico profissional

- Instalações inadequadas ao tipo de actividades prestadas

- Baixas comparticipações, decorrentes das dificuldades económicas dos utentes

Actor 6 Assoc. de Condóminos e Moradores do VA

* * *

Actor 7 Agrupamento

Vertical de Escolas do VA

- Assegurar a prossecução da política educativa definida pelo Ministério da Educação

- Integra duas EB1, um Jardim de Infância e uma EB23, incluindo sala de T.I.C. e Centro de Recursos Educativos

- Recursos humanos: 97 professores e 53 funcionários

- Carências sócio-económicas e habitacionais da área de implantação das escolas - Desenraizamento de alguma população imigrante - Pequena criminalidade e tráfico de droga - Carência de recursos humanos e materiais - Falta de respostas para as crianças em idade pré-escolar - Instabilidade do corpo docente

- Desresponsabilização dos encarregados de educação

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Parceiros locais Objectivos Meios Obstáculos

Actor 8 Junta de Freguesia

do Vale da Amoreira - Promover o desenvolvimento da freguesia no âmbito das suas competências

- Executivo, funcionários administrativos e de serviços gerais - Equipamento informático básico

- Financiamento da Administração Central (FEF) e receitas próprias (taxas de serviços prestados)

- Dificuldades financeiras - Falta de equipamentos sociais na freguesia - População carenciada e com problemas sociais graves

- Degradação do parque habitacional e dos espaços públicos

Actor 9 Câmara Municipal

da Moita - Administrar o território no melhor interesse da população do concelho

- Orçamento composto por receitas próprias e transferências da Administração Central - Atribuições e competências próprias nos termos da legislação - Estrutura técnica e administrativa da Câmara (793 funcionários no quadro)

- Equipamentos e terrenos municipais vários

- Receitas próprias absorvidas em despesas de funcionamento corrente

- Dependência de fundos comunitários e complementos do Orçamento de Estado para a realização de grandes investimentos

Actor 10 Centro de Saúde

Baixa da Banheira – Extens. VA

- Prestação de cuidados de saúde à população da freguesia, e promoção do acesso aos mesmos

- Promoção de hábitos saudáveis de vida junto da comunidade

- Instalações - Corpo médico e de enfermagem e outros especialistas na área da saúde

- Projecto de Jovens Animadores de Saúde (saúde escolar/ PROJAS) e Programa de Cuidados Continuados

- Carência de quadros médicos, enfermeiros e administrativos - Recursos financeiros limitados - Escassa divulgação de informação no exterior - Freguesia carenciada a vários níveis

- Dificuldade do acesso a cuidados de saúde por parte da população em situação ilegal

Actor 11 Centro Social e

Paroquial da Baixa da Banheira

- Apoio a crianças e idosos, nas suas dimensões física e espiritual

- Jardim de Infância e ATL - Apoio domiciliário e apoio de alimentação e lavandaria

- Comunidade disponível para o voluntariado

- Carências materiais e financeiras

- Financiamento para a construção da Igreja Paroquial do Vale da Amoreira (MAOTDR)

Actor 12 Cons. Local de

Acção Social Moita (CLASM)

- Combate à pobreza e à exclusão social

- Os meios das entidades nele representadas (trabalho em rede)

- Parcerias estabelecidas entre diversos agentes locais

- Ausência de financiamento próprio

- Inexistência de uma Comissão Social de Freguesia no Vale da Amoreira

Actor 13 Fórum para a

Diversidade do Vale da Amoreira

- Promover a inclusão educativa, profissional e social, bem como a auto-representação dos habitantes do Vale da Amoreira

- Os meios das entidades que o compõem (trabalho em rede)

- Base de intervenção é o voluntariado

- Inexistência de fontes de receitas próprias - Aguarda financiamento para executar os planos de intervenção (candidatura ao Programa Progride – Projecto Vale da Esperança)

- Fraca dinâmica do tecido associativo local

Actor 14 ACIME/ Escolhas 2ª

Geração

- Promover a integração dos imigrantes e minorias étnicas na sociedade portuguesa e assegurar a participação das suas associações representativas na definição de políticas de integração social e de combate à exclusão

* *

30

* Informação não disponibilizada em tempo útil

Parceiros locais Objectivos Meios Obstáculos

Actor 15 Instituto de

Reinserção Social – Equipa Barreiro

- Agir na prevenção da delinquência juvenil e na promoção da reinserção social, criando condições para o incremento das penas e medidas não privativas de liberdade

- Contribuir para a resolução de conflitos familiares que envolvam menores e prestar apoio técnico aos tribunais

- Corpo de técnicos superiores especializados (equipa do Barreiro composta por 8 funcionários)

- Centros Educativos

- Problemas de insucesso e abandono escolar, e falta de espaços e actividades para jovens, factores potenciadores da delinquência juvenil - Limitações inerentes à organização global da Administração Pública

- Falta de autonomia para definir políticas locais de intervenção

Actor 16 GNR - Almada

- Garantir a segurança e a manutenção da ordem pública, salvaguardando o exercício dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos

- Posto Territorial da Baixa da Banheira - Corpo de efectivos (33 militares)

- 2 viaturas ligeiras e 2 motociclos

- Falta de mobilização das populações e actores locais - Deficiente articulação entre a actuação das forças policiais e a sociedade em geral

- Escassa compilação e partilha de informação entre instituições

Actor 17 Centro Dist. Seg.

Social de Setúbal – Serv. Acção Social

- Assegurar o cumprimento dos objectivos da segurança social pública nos domínios da gestão das contribuições e prestações sociais e do exercício da acção social, visando garantir o acesso de todos os cidadãos

- 3 Técnicas de Serviço Social (Serviço de Acção Social do Barreiro)

*

Actor 18 OLEFA – Formação

de Adultos

- Formação de adultos, dirigida a pessoas com mais de 15 anos que não concluíram a escolaridade obrigatória, e a todos aqueles que pretendam adquirir ou actualizar conhecimentos escolares e desenvolver competências pessoais (Educação ao Longo da Vida)

- Promover acções de formação que permitam obter a certificação ao nível dos diferentes ciclos de escolaridade

- 2 professoras - Cursos próprios: ensino recorrente (1º e 2º ciclos), educação extra-escolar, alfabetização

*

Actor 19 IEFP Setúbal * * *

Actor 20 Min. Educação * * *

Actor 21 Min. Cultura * * *

Actor 22 Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros

* * *

31

Identificação e caracterização dos parceiros não formais

Entendemos seleccionar os “jovens” que residem no Vale da Amoreira e que não se encontram enquadrados em qualquer instituição ou organismo com representatividade e relevo nesta freguesia, para serem também parceiros ou interlocutores privilegiados junto do Grupo de Trabalho Local.

De uma forma breve podemos dizer que estes parceiros informais identificados são eminentemente protagonistas singulares, isto é são aquilo a que podemos denominar de actores ou líderes locais. Sendo que as suas potencialidades residem no conhecimento que têm sobre a realidade do Vale da Amoreira, mas também nas possibilidades de activação de novos contactos, estabelecendo pontes com novos informantes privilegiados.

Identificação de alguns parceiros informais:

CONTEXTO DE INTERVENÇÃO

MEIO DE INTERVENÇÃO POTENCIALIDADES PROTAGONISTA

Escolar Associativo

Associação de Estudantes da Escola Secundária do Vale da Amoreira

Preenche a lacuna da representatividade de movimentos juvenis Identificação de grupos de interesse dos jovens (culturais, desportivos, etc.)

Presidente da Associação de Estudantes

Escolar Associativo

Associação de Pais e Encarregados de educação

Informação específica sobre a realidade familiar da freguesia e sobre a realidade escolar

Associação de Pais e Encarregados de educação (escolas do Vale da Amoreira)

Escolar Cultural Associativo

Interlocutor privilegiado, possibilita contactos com outros jovens líderes da freguesia

Fundador da Rádio Jovem Membro de uma banda de música Membro de uma cooperativa

Cultural Interlocutor privilegiado, possibilita contactos com outros jovens líderes da freguesia

Forte ligação ao Vale da Amoreira e a diferentes grupos de jovens

Cultural Arte Residente no Vale da Amoreira Colabora com instituições que intervêm no Vale da Amoreira

Artista plástico

Cultural Grafitti Percursor do Grafitti no Vale da Amoreira Conhecimento de novos movimentos culturais mobilizadores no Vale da Amoreira

Writer (grafitter)

Empresarial Conhecedor dos movimentos culturais do Vale da Amoreira Jovem empresário (bar)

Associativo Residem no Vale da Amoreira Grupo de jovens participantes num projecto de formação para a cidadania

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2.4. Apresentação das dinâmicas analíticas e levantamento das hipóteses para a intervenção

O Vale da Amoreira revela uma densidade de problemas que o fragiliza e predispõe perante processos de desinvestimento social e económico. Neste diagnóstico é necessário perceber os factores que contribuem para o seu declínio, para a aglomeração e permanência de problemas, de forma a definir um projecto - Operação - de intervenção territorial com a finalidade de ‘conter’, ‘reverter’ ou até mesmo “eliminar” alguns processos e dinâmicas que caracterizam hoje esta freguesia. Deverá também identificar e lançar elementos sinergéticos para a expansão das suas dinâmicas que promovam a sua vitalidade urbana e a sua afirmação na região em que se insere.

A revitalização2 de um território depende de uma visão integrada dos processos de intervenção urbana, nomeadamente entre a dimensão urbanística, económica e sócio-cultural. A garantia da sustentabilidade duma intervenção exige necessariamente uma articulação multidimensional, em especial uma diversificação da actividade económica e, sobretudo, do fortalecimento das relações de complementaridade com as outras áreas urbanas (ao contrário da maioria dos “programas” realizados que revelam uma grande dificuldade na integração dos processos e na articulação entre os agentes).

O objectivo de tornar este território mais atractivo, seja a nível económico, como habitacional, social ou cultural, deverá ter em conta a importância das dinâmicas socais, das redes urbanas de proximidade, das actividades económicas existentes, ou ainda das múltiplas formas de manifestações sociais e culturais de identidade da sua população.

Neste ponto, apresentam-se agora sistematizadas as principais dinâmicas analíticas, que de acordo com as dinâmicas existentes na freguesia do Vale da Amoreira, já referenciadas no documento do pré-diagnóstico e levantadas ao logo deste percurso de trabalho com os parceiros locais (GPL), traduzem os principais nós causais que “estrangulam” o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida, e que estão na base da construção do Plano de Acção.

2 Foi nossa opção adoptar o conceito de revitalização urbana, entendida por uma intervenção mais vasta onde podem ser integradas as operações ou programas de Requalificação, Reabilitação, Renovação, etc.. Defende-se assim que “A revitalização urbana obriga a intervir na melhoria da qualidade do ambiente urbana, das condições socio-economicas ou no quadro de vida de um determinado território, baseando-se numa visão global, actuando de forma integrada e concertando um grande número de domínios e dimensões de intervenção.” In Políticas Públicas de Revitalização Urbana – Relatório Final (ISCTE/CET)

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Vale da Amoreira: um território fragmentado e auto-centrado Um dos eixos de estruturação simbólica do Vale da Amoreira é aquele que se situa entre os discursos externos e internos sobre o Vale da Amoreira. Isto é, entre os discursos produzidos por actores externos e as suas apropriações simbólicas por parte daqueles que dão corpo ao território. Desta forma, o saber local não é apenas formado por saberes gerados pela experiência quotidiana e pelo quadro relacional em que se inserem tais vivências, mas também por formas de conhecimento, produções discursivas e “imagéticas”, incorporadas como uma espécie de segundas fontes de saber, saberes oriundos de discursos externos, transformados praticamente por processos de divulgação internos. Os discursos externos vinculam o Vale da Amoreira à ideia de marginalidade. Um território marginal porque afastado do centro, ou melhor, porque afastado de diferentes centros: do centro político e participativo; do centro económico; do centro urbano; do centro cultural. Estas sucessivas e acumuladas divergências materializam-se numa imagem estigmatizante, naturalizando o lugar periférico que ocupa simbólica e objectivamente o Vale da Amoreira. A visibilidade social do Vale da Amoreira sedimenta-se na sua representação como periferia urbana deprimida, lugar incapacitante da participação cívica, onde se torna impossível a integração económica ou pelo consumo. Por isso, um território de emergência de formas alternativas ou ilícitas de rompimento do espaço fronteira que separa a periferia da centralidade. Um espaço de tensão. Podemos pensar que as representações sobre o Vale da Amoreira são marcadas por uma articulação simbólica conflituosa, pois as divergências entre os discursos interna e externamente produzidos têm alcances e legitimidades distintas. A imagem do Vale da Amoreira é externamente produzida, o interior interioriza-a e reprodu-la. Este processo de incorporação, mais ou menos conflituoso, mais ou menos crítico, torna-se notório com a emergência das duas grandes forças constitutivas da identidade do Vale da Amoreira (processo de produção de si enquanto território vivido): fragmentação e auto-centramento. Se por um lado, a força de fragmentação intensifica a pluralidade, percebendo-se o Vale da Amoreira como uma multiplicidade de formas de existência e de vivência e experimentação, criando potenciais pontos de fuga aos discursos externamente produzidos. Ao mesmo tempo, esta é também uma força que espartilha o território, atomizando-o a

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diferentes níveis, quebrando ligações, não permitindo o estabelecimento de relações de comunicação. Esta partição faz-se sentir a quatro níveis distintos e fundamentais:

(i) Espaço Urbano. Uma comunidade dividida pelo espaço urbano onde se sente um vazio de centralidades ou a incapacidade de se fazer numa centralidade urbana; onde o espaço público não é promotor de sociabilidades, um espaço que cria cisões no lugar de ligações emergindo diferentes bairros (Carecas, Texas, Fundo Fomento, Descobertas, Paixão, Fontaínhas); finalmente, o espaço urbano do Vale da Amoreira é marcado pela degradação do parque habitacional.

(ii) Coesão e Inserção Social. Dividido pelas culturas e comunidades de origem dos seus habitantes, por culturas e estruturas familiares distintas e pela emergência de novas culturas juvenis urbanas. O Vale da Amoreira é social e culturalmente plural e fragmentado (sem grandes linhas de comunicação na diversidade).

(iii) Governabilidade. Dividida quanto à intervenção que se faz no terreno (iv) Trajectórias Escolares e Profissionais. Uma comunidade quebrada pelos

complexos processos de inserção no mundo de trabalho, ou melhor, pela turbulência das trajectórias escolares e profissionais daqueles que dão corpo ao Vale da Amoreira.

Contrariando esta força fragementadora, encontramos concomitantemente um movimento de fechamento que corresponde a uma força de auto-centramento. Uma tentativa de criação de sentido de unidade, de uma imagem, de um referente comum. É a afirmação de uma espécie de mitologia, uma crença na existência de uma identidade própria e única que une toda a malha social e urbana que forma a freguesia do Vale da Amoreira. No fundo, estamos perante a busca de reconhecimento social positivo. Um reconhecimento que rompa com a generalidade dos discursos externamente produzidos, que quebre um sistema de produção simbólica que tem afectado a forma como o Vale da Amoreira é visto, percebido, sentido e vivido. Na tentativa de ultrapassar este “déficit crónico” são colocados em marcha mecanismos de criação de imagens de consumo automático pelo exterior, a imagem automática que emerge corresponde à exploração da diversidade étnica e cultural. Aquilo que atrás surgia como uma forma de fragmentação é agora recuperada e traduzida numa forma de património específico, como “património” distintivo da freguesia, com uma imagem valorizante

35

do Vale da Amoreira. A imagem traduz-se em formas objectivas de afirmação distintiva da diversidade, isto é, nas concretizações práticas das diferenças culturais e étnicas que coexistem no Vale da Amoreira: a riqueza linguística, gastronómica, estética, artística, dos saber fazer quotidianos. A diversidade como potencialidade. Mas, ao mesmo tempo que esta imagem pretende o reconhecimento positivo do Vale da Amoreira, ela tem efeitos objectivos no interior do território. O que se esconde por detrás desta imagem automática é um processo de encerramento do Vale da Amoreira sobre si mesmo, onde os agentes sociais centram-se no espaço delimitado da freguesia, onde as expectativas de existência se centram também de acordo com uma realidade em busca de valorização mas de reconhecimento sempre adiado. A exploração “imagética” da diversidade torna-se numa especificidade totalizante, o que implica dois efeitos objectivos:

1. O contexto de diversidade torna-se numa forma de racionalização da realidade vivida, assumindo-se como uma forma de resistência à mudança.

2. Constante reforço das fronteiras físicas e simbólicas do Vale da Amoreira. No fundo, o que emerge é a profunda incorporação da desvalorização, aquilo que forma a unidade do Vale da Amoreira, aquilo que funciona como referente unitário, são discursos e racionalizações importadas e incorporadas. A imagem que os outros, de fora do Vale da Amoreira, criam é no fundo o grande referente identitário para aqueles que lá vivem. O esquema que agora apresentamos (modelação gráfica), com peças de um puzzle desmontado, pretende reforçar esta “imagem” de um território fragmentado e auto-centrado, conscientes que só no encaixe de todas as suas peças será possível transformar o Vale da Amoreira

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Um Território Fragmentado

e Auto-Centrado

Multiculturalismo e diversidade

Coesão e Inserção Social

Família

Culturas juvenis

Espaço Urbano

Centralidades Espaço público e de lazer

Parque habitacional

Governabilidade

Contexto tensional

Características do tecido associativo

Intervenção desarticulada

Formação profissional

Trajectórias Escolares e

Profissionais Sistema

educativo e de ensino

Trabalho e emprego

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2.4.1. Trajectórias Escolares e Profissionais

Escola e trabalho são dois dos principais contextos de aprendizagem e de vivência social, por isso, são territórios incontornáveis para qualquer trajectória social. Assumem-se como instâncias de socialização, que se diferenciam na função social que desempenham, nos estatutos que conferem, nas experiências que proporcionam. Neste sentido, tornam-se incontornáveis focos de interesse analítico quando se pretende entender a realidade como a do Vale da Amoreira, território cuja visibilidade social é baseada

Desadequação da oferta formativa às expectativas e motivações dos formandos

Desarticulação entre entidades formadoras e empregadores/empresas

Formação indutora de processos de profissionalização precoce e pouco qualificada

Predomínio da desqualificação e da informalidade

Inexistência de projectos profissionais estruturados e tendência para a reprodução da precariedade

Acesso ao mercado de trabalho condicionado pela obtenção de cidadania

Perspectiva de baixas pensões de reforma como consequência de carreiras contributivas irregulares

Falta de serviços locais de luta contra o desemprego

Insucesso, absentismo e abandono escolar precoce

Escassas habilitações escolares dos pais

Desmotivação face ao percurso escolar

Mobilidade entre escolas Insuficientes equipamentos desportivos, em especial fechados, e falta de oficinas e laboratórios nas escolas

Visibilidade e acesso a carreiras desviantes

Trabalho e emprego

Formação profissional

Trajectórias Escolares e

Profissionais

Sistema educativo e de ensino

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em ideias como as da marginalidade e exclusão social e económica. Por outro lado, do ponto de vista operacional, a convocação destas duas variáveis analíticas permite-nos prestar particular atenção à população juvenil, percebendo duas das principais e unidades de referência para os jovens. Assumindo as trajectórias escolares e profissionais como uma dimensão analítica central, estamos a permitir a emergência de diferentes realidades que se entrecruzam de forma complexa no Vale da Amoreira. Para darmos conta dessa complexidade relacional identificamos três pontos fundamentais de questionamento, sendo que de cada um deles surgiram fenómenos a ter em conta, pois conferem a especificidade do Vale da Amoreira no que respeita à forma como são pensadas e vividas as trajectórias escolares profissionais. Em primeiro lugar, o ponto de questionamento a que chamámos de Trabalho e Emprego; assumindo claramente uma dupla preocupação analítica, por um lado, com o território em geral, por outro, com a população juvenil. Em segundo lugar, a Formação Profissional, nomeadamente no que respeita à forma como ela tem sido encarada de forma ideológica, bem como às consequências menos visíveis de tal investimento numa população juvenil em contexto de baixas qualificações e expectativas. Identificam-se, desta forma, as principais tendências das dinâmicas de formação profissional que incidem sobre o Vale da Amoreira. Em terceiro lugar, o Sistema Educativo e de Ensino. As dinâmicas verificadas no Vale da Amoreira ao nível do sistema educativo e de ensino não podem ser vistas como um exclusivo deste território. De facto, elas assumem uma certa transversalidade, sendo, na maioria dos casos, fenómenos de dimensão nacional.

Trabalho e Emprego

No que se refere à condição perante o trabalho, a freguesia do Vale da Amoreira apresenta valores muito semelhantes aos que se verificam no Município da Moita, excepto na população

desempregada (mais 0,8% de população desempregada que a existente no concelho), na população não activa (menos 4,4% de população não activa por referência à do

concelho), na população estudante (mais 1,6%), na população reformada (menos

39

7,4%) e na população incapacitada para o trabalho (mais 0,5%) o que, à excepção deste último indicador, pode reflectir a juventude da sua estrutura etária. No que se refere à população activa, a freguesia do Vale da Amoreira apresenta uma variação positiva de 0,5% por relação à do concelho e, quanto à população empregada, apenas revela uma percentagem inferior em apenas 0,3%. Pode-se, assim, concluir que a condição perante o trabalho da população da freguesia do Vale da Amoreira, quando comparada com a da população do Município da Moita, é bastante semelhante, conferindo à freguesia características positivas do ponto de vista da situação perante o trabalho. Não é, no entanto, desprezível o peso da população inactiva, o que pode traduzir situações de trabalho precário ou de economia subterrânea.

Figura 8 Condição Perante o Trabalho (%)

Em relação à situação na profissão existe uma grande consonância com a realidade do concelho. 85% da população trabalha por conta de outrem e apenas 9% é empregador e 4% trabalha por conta própria. Estes dados demonstram, porventura, a falta de vitalidade económica e de iniciativa própria existentes na freguesia, o que obriga a população activa a sair do seu local de residência para trabalhar.

Fonte: INE – Censos 2001

50,545,1

5,4

32,8

6,6 4,5

17,0

1,4 3,26,2

28,4

8,54,3

9,6

1,9 3,9

44,851,0

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

Popu

laçã

o ac

tiva

Popu

laçã

oEm

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Popu

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Ref

orm

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Inc.

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balh

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Out

ras

Municipio da Moita

Vale da Amoreira

40

Figura 9

Situação na Profissão (%)

Contudo, mais que a condição perante o trabalho ou a situação na profissão, é a distribuição da população activa por grandes grupos de profissões3 a variável que se mostra mais reveladora das especificidades socioprofissionais da freguesia de Vale da Amoreira. O grupo 9, categoria residual onde são incluídos os trabalhadores desqualificados da indústria, comércio e serviços, apresenta na freguesia o valor percentual mais elevado do concelho: 22,6%, um valor que contrasta vivamente com a média concelhia, que se situa nos 16,9% (que desce para 15,7% quando excluímos a freguesia em análise). Também os grupos 5 (pessoal dos serviços pessoais, domésticos e similares) e 7 (trabalhadores industriais) registam valores comparativamente elevados: 18,8% no primeiro caso (o valor mais elevado do concelho, a par da freguesia da Baixa da Banheira), e 24,7% no segundo. Estes dados permitem descortinar o perfil ocupacional da freguesia de Vale da Amoreira: predomínio de trabalhos pouco ou nada qualificados, com as baixas remunerações inerentes, situados previsivelmente nas franjas mais precarizadas dos serviços e da indústria. O que assume uma gravidade particular, dado tratar-se da população activa mais jovem do concelho, logo contemporânea das últimas três décadas de universalização do acesso ao ensino e de elevação da escolaridade obrigatória. Apesar dos contrastes que se adivinham, em termos de habilitações escolares, entre esta geração e as precedentes, as

3 Conforme definidos pela Classificação Nacional das Profissões (CNP-94), Lisboa: Instituto do Emprego e Formação Profissional, 1994. Consiste numa classificação sistemática das profissões (de acordo com a natureza do trabalho efectuado, o respectivo conteúdo funcional, e o tipo e nível de competências mobilizadas), para o conjunto da população activa civil a nível nacional.

Fonte: INE – Censos 2001

8,14,4

85,9

1,39,1

4,0

85,2

1,50,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

100,0

Empregador Trab. Por c ontaprópria

Trab por contaoutrem

Outra s ituação

Munic ipio da Moita

V ale da A moreira

41

diferenças do ponto de vista ocupacional não serão tão vincadas, pressentindo-se um quadro local de reprodução de desvantagens sociais.

Figura 10

População empregada residente por grupos de profissões na freguesia do Vale da Amoreira

3,14,1

3,35,1

7,9

10,810,011,9

18,817,1

0,8 1,2

24,7

22,0

7,18,6

22,6

16,9

1,7 2,1

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

Vale da Amoreira Média concelhia

Membros dos Corpos Legislativos, Quadros Dirigentes da Função Pública, Directores e Quadros Dirigentes de Empresas

Prof issões Intelectuais e Científ icas

Prof issões Técnicas Intermédias

Empregados Administrativos

Pessoal dos Serviços de Protecção e Segurança, dos Serviços Pessoais e Domésticos e Trabalhadores Similares

Trabalhadores da Agricultura e Pesca

Trabalhadores da Produção Industrial e Artesãos

Operadores de Instalações Industriais e Máquinas Fixas, Condutores e Montadores

Trabalhadores Não Qualif icados da Agricultura, Industria, Comércio e Serviços

Forças Armadas

Fonte: INE – Censos 2001

Nesta breve incursão sobre o panorama do emprego na freguesia do Vale da Amoreira, vislumbram-se quatro características essenciais: (i) a precariedade no trabalho, (ii) o peso da economia subterrânea ou informal; (iii) a ausência de iniciativa

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económica; (iv) a indução de processos de mobilidade pendular, que transformam o Vale da Amoreira num espaço predominantemente residencial. Estes fenómenos não surgem de forma espartilhada, sendo que a sua articulação origina dois movimentos contraditórios que coexistem no espaço e no tempo: por um lado, um movimento centrífugo, que se traduz na fuga efectiva ou temporária da população activa do Vale da Amoreira, baseado na falta de oportunidades de inserção económica no interior da freguesia. Por outro lado, e simultaneamente, um movimento centrípeto que motiva a entrada no mundo do trabalho através de lógicas orientadas pela informalidade, traduzindo-se em formas de empregabilidade casuística reprodutora da precariedade laboral inicial.

Se estes dois movimentos coexistem de forma mais ou menos pacífica, o mesmo não pode ser dito relativamente aos agentes que neles tomam lugar. Isto é, a entrada num destes movimentos é vivida de forma exclusivista. A entrada em cada um destes movimentos representa a assumpção não consciente de estratégias específicas de combate individual à precariedade económica da freguesia e das suas ofertas de emprego. O nível de qualificação surge como factor fundamental para a adopção destas diferentes estratégias, percebendo-se que a diferentes níveis de qualificação correspondem diferentes trajectos de inserção laboral: quanto mais elevadas as qualificações, maior a tendência para a entrada numa lógica de movimento centrífugo de busca de formas de inserção laboral mais adequadas ao nível de formação; quanto menores forem as qualificações formais dos actores, maior a propensão para a entrada em circuitos informais de acesso ao trabalho que, vividos sem uma verdadeira noção de carreira ou projecto profissional, se tendem a prolongar indefinidamente no tempo. Este último tipo de percurso é claramente preponderante no Vale da Amoreira.

Informalidade e desqualificação assumem-se como marcas incontornáveis da realidade sócio-profissional da freguesia. O incipiente mercado de trabalho local assenta sobretudo em formas de inserção profissional informal, nomeadamente no pequeno comércio local, e residualmente no terceiro sector (IPSS e ONG’s com intervenção na freguesia). No exterior da freguesia, predominam as fracções mais desqualificadas dos sectores da construção civil (entre os homens) e dos serviços domésticos e de limpeza (entre as mulheres). Contudo, a precariedade não é apenas um constrangimento imposto por um mercado de trabalho que cada vez mais exige flexibilidade da sua mão-de-obra; quando o exercício de uma actividade profissional ocupa apenas um papel marginal na estruturação de um projecto de vida, a precariedade pode assumir-se como uma verdadeira opção, porquanto permite alternar ciclos de actividade com ciclos de inactividade, e colher os

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benefícios dos sistemas de protecção social.

Entre as gerações mais jovens, apesar de escolarmente mais qualificadas, não se vislumbram alterações neste padrão. Mais pressionadas pela sociedade de consumo, elas tendem a aceitar as relações de trabalho temporárias e precárias que são hoje a norma nos segmentos menos qualificados dos serviços, ou então a entrar em trajectos de marginalidade economicamente muito mais aliciantes. Para aqueles que descrevem trajectórias de insucesso e abandono escolar precoce, existe um painel de respostas formativas que, contudo, tem mostrado alguma desarticulação tanto com as motivações e interesses dos jovens como com as próprias necessidades do mercado de trabalho, uma vez que correspondem as mais das vezes a pacotes formativos pré-definidos. Se, em alguns casos, a formação profissional tem a virtualidade de integrar os jovens centrifugados pela instituição escolar, noutros ela constitui-se como um indutor de processos de profissionalização precoce, que acabam por ir ao encontro e confirmar as baixas expectativas dos formandos.

Desta forma, podemos dizer que o Vale da Amoreira se assume como um entreposto de trajectórias pessoais sucessivamente iniciadas, interrompidas e reiniciadas.

A Juventude e o trabalho

A experiência dos jovens do Vale da Amoreira no percurso e nas estratégias de inserção no mercado de trabalho não são únicas, elas são similares àquelas vividas por outros jovens portugueses noutros contextos sociais e urbanos. Contudo, no caso do Vale da Amoreira, as condições objectivas de existência, ou melhor, a aparente precariedade e instabilidade dessas condições básicas associa-se a um turbulento sistema de emprego. Transformando as trajectórias de inserção no mundo do trabalho particularmente confusas para os jovens do Vale da Amoreira: confundem-se os planos do desejo e da materialidade do vivido. Os projectos de vida destes jovens são remetidos para a dimensão do sonho, para o longínquo e inalcançável, para uma verdadeira dimensão onírica que apenas pode ser vivida em privado e de forma secreta. Ao nível da vida de todos os dias, esses planos fogem ou são escondidos, fazendo emergir a ideia de imediatização do futuro, da vivência do presente como única certeza. Porque o presente se afigura como a única certeza de existência, sendo o tempo futuro encarado de forma fatalista – sentido como uma pré-

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determinação. A coexistência destes dois planos, um sonhado e recalcado, outro prático e assumido, promove a existência de trajectórias instáveis, frustradas e quebradas de forma sistemática. Porque os planos do projecto sonhado e da practicidade não se tocam, transformando as sucessivas experiências no mundo do trabalho numa sucessão de pequenos percalços, porque em nada contribuem para a concretização do secreto objectivo de vida. Deparamo-nos assim, com uma juventude que vive trajectórias frustradas. Ou melhor, trajectórias sucessivamente interrompidas, porque sempre frustradas. Os jovens elaboram guiões múltiplos de futuro mas o futuro não se deixa guiar. Os projectos de vida que os jovens idealizam abrem portas a um vazio temporal de enchimento adiado. Projectos em desconincidência com trajectos de vida. Em contrapartida, o presente enche-se de possibilidades, diferentes experiências e desejos (Pais, 2001). A reacção é diversa, podendo ir da adopção de uma atitude pragmática até ao pessimismo. No primeiro caso, as dificuldades são enfrentados no dia a dia; no segundo, há um reconhecimento implícito de um futuro como destinado traçado ou de que ele apenas pode ser alterado por um golpe de sorte. Os jovens vivem um tempo de instabilidade e incerteza, de tensão entre o presente e o futuro, de laços persistentes de dependência e de anseios de independência. Por um lado, a vida necessita de algum tipo de trabalho para poder ser plenamente vivida, para que se sintam donos da sua vida; por outro, não querem ser escravos do trabalho; e ao mesmo tempo, não o rejeitam como fonte de rendimento ou de realização pessoal (em grande parte induzida pela possibilidade de consumo). Esta complexa relação com o trabalho, bem como a forma aleatória com que ele se lhes apresenta (precariedade), faz com que entre os jovens do Vale da Amoreira não esteja muito sedimentada a ideia de carreira profissional. Os jovens em situação de precariedade laboral não se encontram afastados de uma ética do trabalho4, vendo-se na contingência de viver a precariedade como uma forma de aventura, mais ou menos fatalista. Se uns reagem mal a este contexto de flexibilização, há outros que o encaram como uma estrutura de oportunidades, ainda que estas tardem a aparecer ou sejam sucessivamente adiadas. De facto, os jovens do Vale da Amoreira, na luta para ganharem a vida, encontram formas alternativas de ganharem dinheiro.

4 Aliás, a relação que mantêm com a escola é disso mesmo reveladora: a ideologia do trabalho, ou a necessidade incorporada de ganhar dinheiro impõe-se, frequentemente, a uma carreira escolar mais prolongada.

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Podemos dizer com José Machado Pais (2001) que, emerge uma cultura de improvisação. A precariedade do emprego entre os jovens, expressão das dificuldades que têm em se integrarem no mercado de trabalho, leva a assumpção de estratégicas singulares e que rompem com as formas tradicionais de inserção na vida activa e naquilo que ela representa na passagem para a vida adulta. A vivência desta precariedade envolve uma multiplicidade de formas de conquista de um lugar no mundo do trabalho, na esfera da vida activa e de um lugar na vida adulta: trabalho doméstico, temporário, oculto e ilegal. Isto é, formas de trabalho que representam um mergulho no naquilo a que chamámos o movimento centrifugo, representando a entrada dos jovens na lógica da economia informal. Os jovens percorrem uma multiplicidade de trabalhos precários, intervalando inserções provisórias no mundo do trabalho com desinserções rotineiras. A realidade destes jovens não se encaixa no conceito tradicional de trabalho. Em lugar de uma rotina estável ou de uma noção de carreira planeada e previsível, há um enfrentamento com um mundo do trabalho flexível e volátil. A transitoriedade e a aleatoriedade marcam os percursos profissionais dos jovens. Estamos perante a substituição de um emprego formal e estável, por um trabalho precário, informal e por vezes auto-criado. Neste cenário em que a informalidade (e algumas vezes a ilegalidade – tráfico de estupefacientes) parecem tomar o lugar principal, o conceito de emprego e desemprego, como tradicionalmente são aceites, parecem ser algo desajustados para caracterizar a realidade dos jovens do Vale da Amoreira. O resultado é um sistema de inserção no mundo do trabalho através da precariedade. O mercado de trabalho parece saturado para estes jovens, que estando às portas de entrada não sabem como a ele ter acesso, muitas vezes por culpa de trajectórias escolares interrompidas, ou que fornecem títulos escolares insuficientes para as sempre novas exigências produtivas. Perante as dificuldades, surgem formas de dependência. Dependentes da família; dependentes dos sistemas de apoio e de subsídios do estado; dependentes de outras formas alternativas de ganharem dinheiro, de ganharem a vida. Outros aproximam-se de zonas cinzentas da sociedade, aproximam-se da economia subterrânea, em que se pode trabalhar e ganhar dinheiro sem declarar para o efeito de impostos e outras contribuições sociais.

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Em destaque: A economia subterrânea

O fenómeno da “economia subterrânea5” suscita extremas dificuldades de carácter teórico e metodológico. Compreendendo um vasto conjunto de actividades de natureza económica, em sentido lato (monetárias ou não), que têm em comum o facto de serem ignoradas pela contabilidade nacional de cada país, o estudo da economia subterrânea dificilmente se adequa às abordagens extensivas e quantitativas que presidem à construção das estatísticas oficiais. Por outro lado, a pesquisa de terreno e a observação empírica possibilitam a recolha de um enorme conjunto de elementos que, de uma forma impressionista, permitem “sentir” ou “intuir” a presença do fenómeno, mas não medi-lo objectivamente. Nesta fase de construção do diagnóstico, existem indícios qualitativos, provenientes da observação, entrevistas e conversas informais, que apontam para a forte incidência de estratégias económicas subterrâneas na freguesia do Vale da Amoreira, sobretudo no que diz respeito ao acesso ao mercado de trabalho. Um conhecimento mais aprofundado desta realidade na área de intervenção passará, inevitavelmente, por uma estratégia metodológica plural que articule o qualitativo com o quantitativo, e preencha assim o fosso entre ambas.

Algumas hipóteses poderiam ajudar-nos a compreender este fenómeno no Vale da Amoreira. Por um lado, o recurso aos expedientes da economia subterrânea é essencialmente uma resposta às tendências recessivas da economia formal e do actual mercado de trabalho. Assim, em contextos de crise, a falta de trabalho e a quebra do poder de compra estimula a busca de rendimentos suplementares, rendimentos esses não-declarados. Por outro lado, as medidas de protecção e assistência social engendradas pelo Estado-Providência têm tido um “efeito perverso” ao induzir nos seus beneficiários a procura, em acumulação com as prestações sociais recebidas, de rendimentos na economia subterrânea, devido em parte ao fraco sucesso das contra-partidas e dos programas de inserção praticados pela segurança social (o peso das famílias com subsídios de desemprego e com rendimento mínimo garantido, tem bastante peso nesta freguesia).

5 Também designada de economia informal, paralela ou não-observada. Para as respectivas destrinças conceptuais, conferir o texto de M. Villaverde Cabral, “A economia subterrânea vem ao de cima: estratégias da população rural perante a industrialização e a urbanização”, in Análise Social, vol. XIX (76), 1983, pp. 199-234.

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Não é agora a altura de ajuizar sobre qualquer uma destas hipóteses. Contudo, elas sugerem pistas importantes para a interpretação da economia subterrânea no Vale da Amoreira. Se aos efeitos da crise económica e dos esquemas de protecção social acrescentarmos os obstáculos sentidos pelos descendentes de imigrantes no acesso à cidadania, a rigidez da legislação laboral que, aliada à falta de escrúpulos de alguns empregadores, empurra para a clandestinidade uma parte da força de trabalho, o crescente número de reformas antecipadas ou ainda o aperto da fiscalidade indirecta sobre o consumo, estarão reunidas boas pistas de investigação para trazer à superfície a economia subterrânea do Vale da Amoreira.

Formação profissional

A formação profissional surge no contexto nacional ao estilo de uma profecia que se auto-realiza, utilizando uma expressão cara a Robert Merton, bastando para isso pronuncia-la para que os jovens fiquem mais e melhor qualificados para o exercício profissional. De facto, não deixa de ser necessário investir na formação profissional dos jovens, sobretudo em processos que garantam a qualidade dessa formação em contextos de

exclusão social. Mas, as dúvidas surgem quando se percebe que a formação profissional é encarada como a solução para o desemprego juvenil, ou para os percursos acidentados de inserção no mercado de trabalho vividos por estes jovens. No fundo, são discutíveis os pressupostos da ideologia da formação profissional, uma vez que repousam noutras crenças partilhadas entre diferentes actores envolvidos nos processos formativos e educativos (professores, formadores, alunos, famílias): de que a escola não prepara bem os jovens para o exercício de uma actividade profissional, nem para a realidade do mercado de trabalho. Assim, de profecia em profecia, a solução única seria a formação profissional. Num processo de planeamento de uma intervenção inovadora torna-se indispensável olhar criticamente para esta profecia. A formação profissional nem sempre tem contribuído para eliminar o atenuar alguns dos aspectos mais negativos do sistema de emprego, nem enfrentar adequadamente o problema do desemprego juvenil (Pais, 2001). A formação profissional precoce, em contexto de ensino obrigatório (como forma de evitar o abandono escolar) surge-nos como uma intervenção do tipo paliativo. Actua

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sobre jovens e crianças com um pé fora da escola, em vias de abandonarem uma carreira de formação pelo sistema de ensino regular. Mas, aquilo que nos parece mais importante do ponto de vista estratégico é o redireccionamento do investimento formativo no Vale da Amoreira: de um investimento na formação profissional que se revela desqualificante a médio prazo, para o investimento em formas de motivação e de sensibilização para os processos de aprendizagem escolares como indutores de novas possibilidades de existência, como possibilitadores do alongamento das trajectórias educativas formativas dos jovens do Vale da Amoreira. Trata-se de induzir um novo processo de inserção no mercado trabalho, um processo sedimentado em mais elevadas qualificações, transformando os jovens do Vale da Amoreira em portadores de valor acrescentado (saber fazer, saber pensar, saber participar). Em estilo de uma breve síntese, podemos dizer que o desafio quanto à formação profissional dos jovens do Vale da Amoreira não reside apenas na resolução dos tradicionais problemas de desarticulação entre entidades formadoras (e os conteúdos que fornecem) e as empresas (entidades empregadoras), estamos também perante os desafios: (i) de construir um sistema de formação capaz de se adequar às expectativas, nem sempre verbalizadas, dos jovens quanto aos seus planos de vida; (ii) de redireccionar a filosofia formativa, acabando como um tipo de formação profissional que possa ter como efeito não desejado a indução de processos de profissionalização precoce e pouco qualificada. Sistema Educativo e de Ensino

A freguesia do Vale da Amoreira apresenta uma população com baixos níveis de escolaridade, o que é tanto mais preocupante quanto se trata de uma população jovem. A percentagem de população sem saber ler nem

escrever é bastante elevada (13,2%) sendo, contudo, uma das mais baixas do conjunto das freguesias do município da Moita. A percentagem de

população com o 1º ciclo é a mais baixa do conjunto das freguesias (29,1%), tendo o Vale da Amoreira as mais elevadas percentagens de população com o 2º e 3º ciclos, bem como com o ensino secundário, 11,6%, 15% e 24,3%, respectivamente. Quanto à população com o ensino médio (0,6) e com o ensino superior (6,3%) apresenta valores ao nível das outras freguesias, posicionando-se no 2º e 3º lugar em cada um

49

destes graus de ensino. Do ponto de vista geral, a realidade do Vale da Amoreira, no que diz respeito ao nível de instrução da população, é bastante semelhante às demais freguesias, apresentando, inclusive nos níveis de escolaridade superiores, percentagens mais elevadas.

Figura 11

População Residente Segundo de Nível de Instrução (%)

Uma análise mais fina dos dados permite, todavia, extrair indicadores indirectos de insucesso e abandono escolar. A elevada proporção de jovens com o ensino básico (completo, incompleto ou a frequentar) entre os jovens adultos, denota a existência de percursos escolares acidentados, pontuados por repetências acumuladas, que logo tendem a redundar em abandono escolar precoce. A freguesia de Vale da Amoreira é, neste capítulo, bem ilustrativa, destacando-se sistematicamente pela negativa quando comparada com as restantes freguesias do concelho da Moita6: aproximadamente 1/3 dos jovens com 19 anos, e 36% dos jovens entre os 25 e os 29 anos, frequenta ainda ou abandonou a escola sem transpor o ensino básico, o que não pode deixar de constituir um forte factor de estreitamento do campo de possibilidades no mercado de trabalho.

6 As freguesias de Sarilhos Grandes e Gaio-Rosário foram excluídas desta comparação, uma vez que não possuem peso demográfico suficiente para garantir a pertinência do cálculo de percentagens.

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

Alhos Vedros

Baixa da Banheira

Moita

Gaio - Rosário

Sarilhos Pequenos

Vale da Amoreira

Alhos Vedros 14,4 32,5 9,9 12,1 22,9 0,5 7,6

Baixa da Banheira 13,7 32,6 9,9 12,3 23,4 0,4 7,6

Moita 13,1 31,1 10,2 12,7 22,5 0,7 9,8

Gaio - Rosário 16,3 40,6 8,9 9,9 17,6 0,4 6,2

Sarilhos Pequenos 20,3 42,8 6,7 9,1 17,0 0,1 4,1

Vale da Amoreira 13,2 29,1 11,6 15,0 24,3 0,6 6,3

Analfabeto 1ª ciclo 2º ciclo 3º ciclo Secundário Ensino Médio

Ensino superior

50

A falta de estudos e de formação dos jovens é hoje uma realidade, os problemas do abandono e do aproveitamento escolar são uma das principais preocupações das políticas nacionais da educação. Persistem na sociedade portuguesa, e no Vale da Amoreira, níveis de insucesso escolar elevados, resultantes do abandono escolar precoce e dos índices de repetência nos vários graus de ensino. Estes índices têm tido tendência a agravar-se e elevam-se à medida que se consideram os vários graus de ensino. A Escola é o lugar por excelência de aquisição e transmissão de conhecimentos, de legitimação ou desligitimação de disposições, a escola não deixa ninguém indiferente. Espaço social onde se combinam diferentes lógicas de acção através de um processo de interacção constante entre os projectos e aspirações individuais e os elementos de um sistema de educativo que define regras e procedimentos. É nesta tensão permanente, entre modos de acção individual e modos de regulação, que os jovens constroem as suas trajectórias escolares e lhes atribuem significado. A condição estudantil surge fortemente associada à passagem para a vida activa, na medida em que a primeira apenas se mantém enquanto a segunda não é assumida definitivamente. A saída da escola produz uma mudança estrutural na condição social do jovem. Trata-se de abandonar o exercício a tempo inteiro de uma actividade, em tono da qual se organiza a vivência quotidiana (Alves, 1998). Ao saírem do sistema de ensino, os jovens são portadores de títulos escolares com diferentes valores de troca no mercado de trabalho e que condicionam, de forma decisiva, não só o processo de inserção na vida activa, bem como a construção de futuras trajectórias sócio-profissionais (Alves, 1998). Para uns a saída da escola corresponde a um abandono escolar desqualificado; para outros, o fim de uma etapa que se esgota na conclusão da escolaridade obrigatória; para outros o fim natural de um carreira escolar prolongada (pelo menos, para além do ensino obrigatório). De entre estes três cenários, o abandono durante a escolaridade obrigatória é um dos mais extremos fenómenos de exclusão social. A saída da escola sem uma certificação mínima corre o risco de se transformar, para muitos jovens, a primeira etapa de um círculo vicioso de exclusão social. É a associação perfeita entre escolaridades fracassadas, insucesso profissional e exclusão social que confere ao abandono escolar a gravidade (Alves, 1998). Por aquilo que nos foi permitido conhecer do Vale da Amoreira (sobretudo pelas

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nossas incursões no terreno: conversas com jovens do Vale da Amoreira), a irreversibilidade da cessação do vínculo à instituição escolar assume-se como uma característica estruturante dos projectos de vida dos jovens do Vale da Amoreira. Reforçando, pela via simbólica mas de efeitos objectivamente verificáveis, a sua condição de grupo vulnerável a protagonizarem trajectórias sócio-profissionais excludentes. Para além dos baixos níveis de qualificação escolar de que são portadores, estes jovens partilham uma atitude de desvalorização da escola e dos saberes lá difundidos: conjugam-se dois fenómenos, o baixo nível de qualificações e a inexistência de predisposição para a aprendizagem, para aquisição de novas competências. Esta indisponibilidade é, frequentemente, associada à incorporação e reprodução da ideia de que a escola não forma para a vida ou para o trabalho, voltando a emergir o problema da indução de processos de profissionalização precoce e pouco qualificada como efeito não desejado da formação profissional. Por tudo isto, estes jovens correm sérios riscos de se tornarem excluídos de uma sociedade em que as oportunidades sociais dependem, cada vez mais, dos títulos escolares e da disposição para aprendizagem continuada (Alves, 1998). Este risco é desde já vivido por estes jovens, estando plasmado nas trajectórias turbulentas que vão traçando na tentativa de inserção no mercado de trabalho.

52

Figura 12

População residente no concelho da Moita com o ensino básico (completo, incompleto ou a frequentar), por freguesia e idade (em percentagem)

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

35,00

40,00

45,00

Alhos Vedros 38,19 26,79 32,30 30,17 18,72 26,23 28,03 24,76 21,30 25,98

Baixa da Banheira 31,64 28,15 26,77 21,38 23,93 27,22 24,32 22,14 26,49 25,68

Moita 38,74 27,31 22,39 23,81 24,71 19,70 19,60 23,47 25,47 29,68

Vale da Amoreira 41,81 35,62 35,51 33,69 25,94 31,01 26,85 27,08 28,79 35,94

16 anos 17 anos 18 anos 19 anos 20 anos 21 anos 22 anos 23 anos 24 anos 25-29 anos

Fonte: INE – Censos 2001

No fundo, tal como nas estratégias de inserção no mercado de trabalho, na vivência e nas atitudes face à escola existe um investimento na experimentação de uma vida de todos os dias em detrimento da ideia de projecto de vida. Os jovens consideram que a escola não permite o acesso a um ganho imediato. Nesse sentido, podemos perceber a escola como uma perda de tempo para os jovens, quando o seu objectivo é uma distinção imediata: quando vivem num processo de imediatização do futuro, por não saberem o que podem esperar dos tempos que estão por vir. Esta imediatização não permite a emergência da ideia de plano de vida, vive-se para o agora, para aquilo que se sabe como certo: sabem que a escola (durante o percurso escolar) não permite ganhar dinheiro, sabem que trabalhar permite receber dinheiro e que isso significa uma enorme compensação simbólica e imediata. À tensão entre os desejos individuais e a inserção num sistema de ensino prescritivo, associa-se uma outra fonte de enfrentamento entre os jovens do Vale da

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Amoreira e a escola: a socialização familiar em contexto de uma ideologia tradicional do trabalho. Isto é, uma socialização donde emerge uma ideia estruturalmente desvalorizadora da escola e dos saberes que representa, em favor da noção de “escola da vida”. Uma noção que anda de braço dado com a urgência de independência financeira, com a necessidade de se ganhar a vida. Olhando para o peso do alunos carenciados da Freguesia do Vale da Amoreira em contexto municipal (25%), percebemos de forma mais objectiva o porquê da emergência de tais confrontos entre as necessidades e desejos imediatos dos jovens e a forma de organização curricular, pedagógica e dos saberes da escola.

Figura 13

Alunos Carenciados nas Freguesias do Município da Moita – 2003 / 2004 (%) Como última nota, é importante referir que estamos a falar de “recursos humanos”, que estamos a falar não apenas na qualificação da mão-de-obra mas no conjunto de capacidades culturais, técnicas e organizacionais que a população, trabalhadora ou não, dispõe e que são transversais a todas as actividades da nossa sociedade. Nem todas estas capacidades se aprendem nas estruturas formais de ensino, é necessário valorizar a formação ao longo da vida. As experiências pessoais e profissionais, as competências de cada um e a diversidade de formas de saber fazer, são também percursos e formas de

18%

13%

25%

13%

18%

13%

Alhos Vedros

Baixa da Banheira

Vale da Amoreira

Moita

Gaio - Rosário

Sarilhos Pequenos

Fonte: CMM, Divisão de Educação, Acção Social e Saúde – 2004

54

aprendizagem que devem ser valorizadas, em especial numa freguesia com as características do Vale da Amoreira.

55

2.4.2. Coesão e Inserção Social

A razão da emergência da coesão e inserção social como dimensão analítica das dinâmicas sociais do Vale da Amoreira pode ser encontrada no processo histórico da formação da freguesia. Entreposto de diferentes culturas e etnias que aí chegaram

Especificidades culturais das estruturas familiares

Desestruturação familiar/ famílias monoparentais

Relações intergeracionais problemáticas

Falta de apoio e de ocupações para as crianças

Dificuldades de apoio e de respostas aos idosos

Situações de pobreza graves e forte dependência dos apoios socais

Forte diversidade cultural e étnica da população

Presença de discriminação e segregação espacial

Falta de referências identitárias por parte dos filhos de imigrantes

Fechamento dos currículos escolares à diversidade cultural

Problemas de legalização e cidadania dos imigrantes

A rua como espaço de sociabilidades

Forte presença de culturas urbanas alternativas como o Hip-Hop e Graffiti

Presença de outras competências artísticas tradicionais

Sociabilidades e lazer muito associadas ao período da tarde e da noite

A rua como espaço de sociabilidades

Possibilidades de inserção em carreiras desviantes / dinheiro fácil

Gosto pelo “Bairro” – Vinculação ao lugar

Multiculturalismo e diversidade

Coesão e Inserção Social

Família

Culturas juvenis

56

em diferentes momentos e fluxos migratórios, desde os anos sessenta do século vinte. Olhando para o Vale da Amoreira aquilo que nos surge à primeira vista é a diversidade cultural. Aliás, esta constitui o principal património de valorização do Vale da Amoreira, como já tivemos oportunidade de explicar. Contudo, esta diversidade vive numa subterrânea inquietude que importa ter em conta. Identificam-se três pontos centrais de problematização, a partir dos quais se articulam diferentes fenómenos estruturantes: multiculturalismo e diversidade; a família; e as culturas juvenis. Vejamos, de forma sintética, como se desdobram estes pontos de problematização, tornando-se em verdadeiros nós de desvendamento da realidade do Vale da Amoreira. Multiculturalismo e diversidade

Apesar da maioria da população residente na freguesia do Vale da Amoreira ser portuguesa, o peso da população oriunda de países africanos, nomeadamente de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Moçambique, tem muita visibilidade e expressão neste território, como referido no início deste diagnóstico. A nacionalidade representa mais do que o país de nascimento, nela se

instanciam formas de estar e saber fazer específicos. Mas, esta diversidade cultural vive numa inquietude subterrânea, na medida em que esta diversidade localizada no Vale da Amoreira acaba por traduzir-se numa forma de experimentação de discriminação e segregação espacial. A diversidade, que é muitas vezes tomada como património distintivo do Vale da Amoreira por aqueles que lá vivem, acaba por produzir efeitos não desejados, fornecendo aos discursos externos sobre o Vale da Amoreira os argumentos necessários para a naturalização daquele território como gueto. Já vimos que existe uma conflitualidade latente entre os discursos externa e internamente produzidos, mas a verdade é que esta ideia de gueto (ou de uma aproximação à noção de gueto), acaba por ser incorporada pelos seus residentes. Isto torna-se visível, de forma algo paradoxal, nas reivindicações que fazem para a melhoria do seu bem-estar quotidiano. De facto, muitas destas reivindicações mais não são do que a duplicação institucional ou de mecanismos de suporte social existentes para lá das

57

fronteiras do Vale da Amoreira. Significando, do ponto de vista prático, o exacerbar do fechamento do bairro sobre si mesmo: um auto-enclausuramento, a guetização a partir do seu interior. Família

Nesta dinâmica analítica, temos em segundo lugar a Família, porque enquanto instituição de socialização fundamental e pelas diferentes concepções e estruturações que sofre no contexto do Vale da Amoreira, se assume num espaço de emergência de diferentes fenómenos. A família enquanto ponto fundamental de desvendamento da realidade do Vale da Amoreira tornou-se evidente quer nas conversas mantidas com interlocutores privilegiados, quer na identificação dos grandes

problemas e necessidades que afectam o território. Contudo, esta é uma dimensão de difícil acesso: espaço do domínio privado por excelência, onde predominam fortes tradições de fechamento. Um acesso que, no caso do trabalho desenvolvido em contexto de projecto sofre de um condicionalismo adicional: o factor tempo não corre, necessariamente, a nosso favor porque escasseia, não nos permitindo o investimento no investimento em indispensáveis relações do tipo etnográfico. Assim, para além dos relatos vividos dos problemas e complexidade que afecta o universo das famílias no Vale da Amoreira (questões identificadas por todos os parceiros do GPL, em especial os parceiros da Segurança Social e da Saúde cujo contacto directo com as famílias é mais exaustivo), podemos apenas recorrer a alguns dados estatísticos que nos revelam parcialmente essa complexidade, em especial sobre os rendimentos das famílias e das situações de vida precárias. A precariedade das condições objectivas de vida sentida pelas famílias do Vale da Amoreira pode, neste caso, ser objectivamente percebida se olharmos para os dados relativos ao Rendimento Social de Inserção. Em 2004, os processos de rendimento social de inserção que deram entrada no Município da Moita partiram maioritariamente de mulheres (73,2%), enquanto apenas 26,8% dos processos entrados foram da responsabilidade de homens. Se se analisar a entrada de processos RSI ao nível das freguesias, é possível verificar que

58

34,3% dos processos são originários de pessoas residentes na freguesia do Vale da Amoreira, 32,6% da Baixa da Banheira, 17,6% da Moita, 13,8% de Alhos Vedros, 1,3% de Sarilhos Pequenos e 0,4% da freguesia de Gaio – Rosário, o que coloca a freguesia do Vale da Amoreira com uma população economicamente menos favorecida e potencialmente mais dependente do apoio da acção social entre todas as do concelho.

Figura 14 Processos do Rendimento Social de Inserção entrados no Município da Moita em 2004

Podemos tomar o recurso ao Rendimento Social de Inserção como uma espécie de barómetro da complexidade das situações vividas em contexto familiar no Vale da Amoreira: a pobreza estrutural de algumas famílias e as dificuldades em encontrarem mecanismos de ruptura com um sistema de reprodução social da situação de exclusão ad eternum. No Vale da Amoreira encontramos diferentes tipos de famílias, quer por questões culturais de origem, quer por trajectórias e percursos específicos. As famílias carenciadas têm uma presença forte neste território, basta ver o trabalho que tem sido realizado pela Associação de Cabo Verde na distribuição alimentar que realiza todas as semanas. Foram ainda detectados casos de famílias mono-parentais, muitas das quais sustentadas pela mãe que tem ao seu cuidado vários filhos, bem como casos de mães adolescentes, sem capacidade e apoio para criarem e educarem os seus filhos.

23

52

33

1 3

63

10

26

9

0 0

19

0

10

20

30

40

50

60

70

Alhos Vedros Baixa daBanheira

Moita Gaio/Rosário SarilhosPequenos

Vale daAmoreira

Mulheres

Homens

Fonte: CLA Moita – RMG/RSI – CDSS de Setúbal – 2004

59

Culturas Juvenis Finalmente, num terceiro momento percebemos como ponto de problematização da realidade do Vale da Amoreira as culturas juvenis, que se materialização na emergência de fenómenos específicos. Em primeiro lugar destacamos aqui os discursos juvenis sobre o Vale da Amoreira.

O discurso dos jovens do Vale da Amoreira sobre o espaço em que vivem, gira em torno de dois eixos estruturantes fundamentais: a experiência da ilicitude; a apetência artística da juventude.

Podemos dizer que o Vale da Amoreira é visto e vivido como um território crítico, no sentido em que ali se estabilizam movimento críticos. Desde a ilicitude à criação artística tradicional e étnica, passando pela invenção artística contestatária ou de afirmação reivindicativa. A potencialidade do Vale da Amoreira está, para os jovens que lá residem, nesta sua capacidade crítica.

O que se percebe dos depoimentos juvenis sobre o Vale da Amoreira é que neste território coexistem tendências de sentidos distintos: por um lado a emergência do espírito crítico, da atitude contestaria e da ilicitude; por outro, a permanência de fenómenos que tornam este território numa comunidade onde se sedimentam valores relativamente tradicionais. Esta coexistência, nem sempre pacífica, parece ser incorporada pelos jovens que afirmam como principal característica fundadora da qualidade distintiva do Vale da Amoreira, a permanência de relações de conhecimento, sociabilidades de vizinhança e redes solidariedade informal entre os moradores que se traduzem no “respeito pelas pessoas”. De uma forma geral, percebe-se que é este equilíbrio tensional que possibilita a existência, entre os jovens, do sentimento de que “é bom viver no Vale da Amoreira”.

As práticas ilícitas (associadas ao tráfico de drogas) percorrem de forma transversal o Vale da Amoreira e parecem estar sempre presentes na vida de todos os dias dos jovens. Estes movimentos de marginalidade parecem não colocar em causa a característica distintiva do Vale da Amoreira: o respeito. Parece existir uma espécie de acordo tácito que permite a existência da ilicitude e dos valores tradicionais, emergindo a sensação de que se está protegido, de que a criminalidade apenas afecta os estranhos ao Vale da Amoreira. O respeito transforma-se em protecção. Os jovens sentem-se seguros, na medida em que, as actividades ilícitas são desenvolvidas por pares, por outros jovens com quem se cruzaram e cruzam na vida no Vale da Amoreira. Uns e outros partilham (pelo menos

60

parcialmente) as mesmas redes de solidariedade informal as mesmas formas de sociabilidade de vizinhança.

Contudo, esta coexistência algo paradoxal está a ser colocada em risco com a emergência de uma segunda vaga de criminalidade. Uma segunda geração de “bandidos” que se afirma como desrespeitadora dos valores tradicionais: das redes de solidariedade informais e das sociabilidades de vizinhança. Esta ruptura tem um efeito físico claro, o Vale da Amoreira ficou tracejado territorial e temporalmente, isto é, foram privatizadas por estas novas práticas ilícitas determinadas zonas a partir de uma determinada hora do dia. Este novo movimento é associado a um fenómeno de importação, na medida em que estas novas formas de ilicitude são percebidas pelos jovens como tendo origem externa ao Vale da Amoreira.

De facto, a criminalidade parece ser um tema central para os jovens, ela atravessa o seu quotidiano, a sua vida de todos os dias. Tem uma força estruturante para a definição das suas rotinas, podendo mesmo assumir-se como estruturante na construção de projectos mais profundos da sua existência. Em primeiro lugar, na definição das rotinas da vida de todos os dias, a criminalidade limita acessos, torna zonas específicas do Vale da Amoreira em espaços interditos, privatizando o espaço comum do Vale da Amoreira. Num segundo plano, os fenómenos associados à criminalidade parecem induzir o surgimento de mobilidades de fuga do Vale da Amoreira. Essas trajectórias de “fuga” em relação a este território tocam o universo juvenil de duas formas distintas: por um lado, através de processos de desvinculação suaves em relação ao Vale da Amoreira, que passam sobretudo pela transferência de muitos jovens em idade escolar para estabelecimentos nas zonas envolventes ao Vale da Amoreira (Baixa da Banheira, Barreiro, etc.). Por outro, estes processos de fuga ganham um carácter mais estruturante quando significam a entrada em rotas de mobilidade residencial das famílias dos jovens. Possibilidades de inserção em carreiras desviantes A capacidade de consumo como factor de inserção social assume-se como um factor determinante para localização social relativa dos jovens do Vale da Amoreira. Quando o contexto de vida não fornece as condições objectivas para os consumos integradores, a sua importância parece ser redobrada: pois, a capacidade de consumo não só integra como passa a ser também factor distintivo, na medida em que determinados consumos se transformam na possibilidade de encurtar a distância entre uma posição marginal e a centralidade. Ou de outra forma, a possibilidade de consumo representa uma

61

distinção em relação aos pares, uma forma de construção ou consolidação da posição simbólica entre os jovens do Vale da Amoreira. Assim, não será totalmente estranha a incursão de jovens em carreiras desviantes. Desvios que significam formas alternativas de garantir a integração social desejada. Paradoxal? Talvez. Mas, na verdade, mais do que um desvio, podemos falar de divergências, pois, estes jovens acabam por orientar os seus comportamentos quotidianos pelos mesmos valores de uma sociedade dita central: a centralidade é a mesma; as referências de consumo, estéticas, musicais, culturais, são as mesmas para os jovens do Vale da Amoreira e para outros jovens que lhe são externos. A divergência está nas possibilidades objectivas de concretização dessa integração juvenil mais alargada, é neste contexto que emerge a opção por meios alternativos de concretização de consumo integrador, de um consumo que rompa com o estigma do jovem do Vale da Amoreira como jovem marginal – à parte, fora do centro do movimento e das tendências juvenis. Os delitos mais comuns no Vale da Amoreira são reveladores deste tipo de comportamentos, senão vejamos: No que diz respeito aos delitos cometidos na freguesia do Vale da Amoreira, predominam os crimes aquisitivos, ou seja, os furtos, os furtos qualificados, os furtos de veículos e os roubos, quer nos jovens menores de idade (70% dos crimes cometidos), quer na população adulta (48% dos crimes cometidos). Na população que integra o grupo de menores de idade, tem ainda alguma expressão os crimes de ofensa à integridade física (20%), enquanto na população adulta são cometidos alguns delitos relacionados com o tráfico de estupefacientes (25%), a condução sem habilitação legal (7%), a condução sobre efeito de bebidas alcoólicas (9%) e as ofensas à integridade física (8%).

62

Figura 15

Ao mesmo tempo que argumentamos em favor da ideia de comportamento divergente, não deixamos de verificar que os delitos cometidos no Vale da Amoreira parecem indiciar uma perspectiva de carreira desviante. Parece existir um faseamento evolutivo, primeiro e numa idade mais jovem, delitos meramente aquisitivos para uma integração social directa; mais tarde, o tráfico de estupefacientes (25% dos delitos cometidos por adultos) surge como potencial garantia de integração social por se tornar um facilitador de consumos vários, uma fonte de obtenção de fortes recursos económicos

Figura 16 Delitos cometidos pelos adultos na Freguesia do Vale da Amoreira - 2005

Fonte: Instituto Social de Reinserção – 2005

20%

70%

10%

0%10%20%

30%40%50%60%

70%80%

Ofensa á integridade física Crimes aquisitivos: Furto;Furto qualif icado; Furto

veículo; roubo

outros

25%

48%

7% 9% 8%3%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Tráfico deestupefacientes

Crimesaquisitivos: Furto;Furto qualif icado;

Furto veículo;roubo

Condução semhabilitação legal

Condução sobre oefeito de bebidas

alcoólicas

Ofensas àintegridade física

outros

Fonte: Instituto Social de Reinserção – 2005

Delitos cometidos pelos menores de idade na Freguesia do Vale da Amoreira - 2005

63

Figura 17

Idade dos utentes intervencionados em Jurisdição Tutelar Educativa, na Freguesia do

Vale da Amoreira - 2005

Ao nível das intervenções de jurisdição tutelar educativa na freguesia do Vale da Amoreira, verificaram-se, em 2005, 7 intervenções tutelares educativas no grupo etário dos 14 – 15 anos, 10 intervenções no grupo etário dos 16 – 17 anos, 8 intervenções no grupo etário dos 18 – 19 anos e 1 intervenção no grupo etário dos 12 – 13 anos, o que significa que foram registadas, nos grupos etários entre os 14 e os 19 anos, 25 intervenções de jurisdição tutelar educativa. Quanto às intervenções de jurisdição penal, 52% das intervenções ocorreram nos grupos etários entre os 31 e os 41 ou mais anos (10 intervenções no grupo etário dos 31 – 35 anos, 8 intervenções no grupo etário dos 36 – 40 anos e 17 intervenções no grupo etário dos 41 ou mais anos). Os restantes 48% das intervenções tiveram como objecto o grupo etário dos 16 aos 30 anos (5 dos 16 – 20 anos, 17 dos 21 – 25 anos e 10 dos 26 – 30 anos).

1

7

10

8

0

2

4

6

8

10

12

12 – 13 14 – 15 16 – 17 18 - 19

Fonte: Instituto Social de Reinserção – 2005

64

Figura 18

Idade dos utentes intervencionados em Jurisdição Penal na Freguesia do Vale da

Amoreira – 2005

As apetências artísticas dos jovens

Para além das fugas induzidas pelos fenómenos de criminalidade, assiste-se a uma fuga dos talentos jovens do Vale da Amoreira. Entre os jovens prevalece o sentimento de desvalorização das suas competências e potencialidades. As suas iniciativas teimam em esbarrar em obstáculos aparentemente intransponíveis, como sejam: a pouca receptividade das associações locais à população juvenil, de uma forma em que esta possa ser a protagonista dos acontecimentos e não simplesmente um público-alvo estático. Neste sentido, podemos dizer que existe uma dissociação entre grande parte da população juvenil e as intervenções e iniciativas desenvolvidas pelas organizações presentes no terreno.

Ao sentimento de desvalorização das suas competências e aos obstáculos sentidos à iniciativa, os jovens contrapõem um discurso reivindicativo de reconhecimento. Um reconhecimento que pretendem centrado na afirmação da diversidade e na aceitação da divergência. Isto é, pretendem ver valorizada a pluralidade das suas competências artísticas (da artes tribais e étnicas, ao teatro, passando pela música e pelos movimentos graffiti e hip-hop); ao mesmo tempo, vêm como necessário o reconhecimento de que as suas competências são divergentes, que divergem das mais legitimadas formas produção artística.

5

17

10 10

8

17

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

16 – 20 21 – 25 26 – 30 31 – 35 36 – 40 41 – (+)

Fonte: Instituto Social de Reinserção – 2005

65

No sentido de potenciar estes recursos endógenos do território, surge para nós como inevitável a identificação dos saberes fazer da juventude do Vale da Amoreira. Esse processo seguirá a orientação metodológica fundamental deste projecto: a lógica participativa. Os jovens foram envolvidos na concepção de uma ficha de identificação de valores do Vale da Amoreira e serão os sujeitos do desenvolvimento desse processo de identificação. O processo culminará com a produção de um portfólio sobre os saberes fazer dos jovens do Vale da Amoreira, que poderá, desde logo, ser utilizado na fase desenvolvimento do Plano de Acção. Os saberes fazer que emergiram com maior notoriedade são, curiosamente, também aqueles que mais próximos estão de uma posição divergente face à cidade legitimada, movimentos artísticos considerados muitas vezes marginais:

O graffiti

A cultura Hip-Hop

66

2.4.3 Espaço Urbano

Assumindo o espaço urbano como uma dimensão analítica central, estamos a dar conta de diferentes realidades que se entrecruzam no Vale da Amoreira. Identificamos três pontos fundamentais de questionamento, sendo que de cada um deles surgiram fenómenos a ter em conta, pois conferem a especificidade do Vale da Amoreira no que respeita ao seu território urbano e como ele é vivido e sentido pelos seus habitantes

Escassa dinâmica económica Incipiente mercado local de trabalho Ausência de serviços Deficiente cobertura de transportes públicos

Falta de acessibilidades à freguesia/ novas entradas

Identificação de problemas de insegurança

Inexistência de um “parque oficinal” ou de “ninho de empresas” – falta de empreendedorismo

Dinâmicas internas da população muito associadas à zona do mercado

Imagem negativa no exterior/espaço pouco atractivo

Espaço Urbano

Centralidades

Espaço público e de lazer

Parque habitacional

Deterioração do interior das habitações

Degradação de fachadas e zonas adjacentes

Gestão dos condomínios paralisada Dificuldades na gestão do parque habitacional público

Crescimento previsto de novas urbanizações/ novas construções: atenção reforçada ao

Falta de controlo do crescimento de habitações degradadas (barracas) – acampamentos de famílias ciganas

Inexistência de espaços de convívio com qualidade

Necessidade de requalificação dos espaços verdes

Insuficientes equipamentos sociais de apoio: creches, centro comunitário, apoio aos imigrantes, aos deficientes, de combate à pobreza e exclusão, etc..

Falta de espaços ocupacionais e de informação os jovens

67

Parque habitacional

Uma das principais preocupações do poder público nos últimos anos, tem sido o seu interesse na recuperação e requalificação de áreas urbanísticas mais críticas, em especial a recuperação do parque habitacional e a melhoria das condições habitacionais da população, com destaque para a erradicação dos bairros de habitações precárias (vulgo barracas). A intervenção pública a este nível, com todas as

críticas que possam ainda ser apontadas, tem tido o apoio fundamental dos mecanismos financeiros da EU, apesar do esforço financeiro de alguns municípios (aumentando até o seu endividamento). No entanto, apesar do apoio directo financeiro, outras experiências têm sido lançadas pelas câmaras, com apoios materiais e não financeiros, e com sucesso, veja-se o exemplo da recuperação e pintura das fachadas dos prédios no Vale da Amoreira. O Vale da Amoreira apresenta ainda (reforçamos o “ainda” dados os 10 anos de intervenção urbana ali realizada com o PRU e PROQUAL) uma forte degradação física do espaço público e das construções existentes, cunhando a imagem da freguesia de “bairro degradado”. O edificado existente no Vale da Amoreira foi predominantemente construído entre 1971 e 1990 (67,9%), compõe-se de 853 edifícios, com 4564 alojamentos e enquadra-se nos parâmetros clássicos que definem as condições de habitabilidade e de conforto. 99,9% dos alojamentos têm electricidade, 99, 3% têm água e 99,8% estão ligados à rede de esgotos, de acordo com os censos de 2001. Estes valores colocam o edificado do Vale da Amoreira, do ponto de vista das infra-estruturas básicas, numa posição de destaque relativamente a todas as outras freguesias do Município da Moita, no entanto, quanto ao seu estado de conservação a situação é claramente negativa.

A compra de habitação própria constitui para grande parte das famílias um grande esforço financeiro, apesar das facilidades no acesso ao crédito e às formas de o pagar. Apesar dos indicadores apontarem para a existência de famílias com situações precárias e de baixos rendimento nesta freguesia, o tipo de ocupação do alojamento predominante é o regime de propriedade pelos seus ocupantes (75,6%), embora não seja desprezível, até face ao contexto da GAML, a percentagem de alojamento em regime de arrendamento ou sub-arrendamento (23,2%).

68

De referir que os alojamentos ocupados em regime de arrendamento pertencem maioritariamente ao IGAPHE. Este Organismo, é proprietário de 566 fracções, das quais 25 se situam no CDH, 127 no Bairro das Descobertas, 411 no Bairro Vale da Amoreira e 3 no Bairro Paixão, refere-se que este número já foi superior, tendo diminuído nos últimos anos com a alienação do património através da venda directa. Contudo, do total de 566 fracções propriedade do IGAPHE, 23 são fracções não habitacionais e 11 com uma ocupação ilegal.

Figura 19 Nº de Fracções Habitacionais do IGAPHE e da UTR

na Freguesia do Vale da Amoreira – 2006 Quanto ao valor das rendas mensais aplicadas pelo IGAPHE, estas variam entre os 13,08 euros no Bairro Vale da Amoreira e os 26,09 Euros no Bairro CDH. O pior estado de conservação das habitações deste Organismo encontra-se no Bairro Paixão. Nos restantes bairros, quer os prédios, quer os alojamentos mais degradados são de propriedade privada. A idade dos edifícios e o seu estado de conservação não é a única explicação para a degradação do interior das habitações, das fachadas e das partes comuns, esta situação, identificada pelo GPL e em especial pela Associação de Moradores e Condóminos do V.A., prende-se muito com a incorrecta utilização destes por parte de quem neles habita.

Se tivermos em conta o tipo de famílias, segundo a sua dimensão, a percentagem de

Fonte: IGAPHE – 2006

25

127

411

26

242

652

0

100

200

300

400

500

600

700

CDH - Vale daAmoreira

Descobertas Vale da Amoreira

Nº DE FRACÇÕESHABITACIONAIS

Nº TOTAL DE FRACÇÕES DAUTR

69

famílias com 4, 5 ou mais elementos tem uma expressão muito significativa 40,6%, verificando-se assim, que uma grande maioria dos fogos desta freguesia são ocupados por famílias extensas.

Figura 20 Tipo de Famílias (por número de elementos) – %

Ainda sobre o parque habitacional da freguesia devemos chamar a atenção para os problemas existentes ao nível da organização dos condomínios. No Vale da Amoreira, se agregarmos os valores indicados, verificamos que 62,5% do seu edificado tem mais de 3 pisos, sendo a freguesia do concelho da Moita que apresenta a percentagem mais elevada de edifícios com mais de 5 pisos, o que pode ser um indicador de uma relativa densidade populacional. Esta situação vem dificultar a gestão interna dos edifícios, em especial aqueles em que o número de residentes é mais elevado, como nos prédios identificados por “bandas”, levando assim a uma maior degradação, quer externa, quer interna.

Fonte: INE – Censos 2001

15,7

28,2 28,7

19,3

8,1

12,8

21,3

25,322,3

18,3

0

5

10

15

20

25

30

35

1 elemento 2 elemento 3 elemento 4 elemento 5 elemento oumais

Munic ipio da Moita

V ale da A moreira

70

Figura 21

As propostas do PDM do Município da Moita Embora o município da Moita seja dos primeiros a fazer a revisão do PDM, este processo têm cerca de dez anos, podemos dizer que quando a revisão for aprovada já está desfasada no tempo. Agora mais que nunca importa reflectir sobre a actualidade das decisões tomadas há dez anos, delas poderá resultar o desenvolvimento sustentável da freguesia do Vale da Amoreira. Com base no novo PDM da Moita, o Vale da Amoreira poderá ser a freguesia com maiores capacidades de desenvolvimento neste concelho, não só com a proposta de grandes áreas para espaço verde urbano mas também com a criação de oito zonas destinadas a equipamentos colectivos e habitação que devem ser enquadradas na intervenção dos Bairros Críticos – Operação Vale da Amoreira. De acordo com o novo PDM as zonas destinadas à construção de habitação surgem nos limites do tecido urbano existente, podendo ser um remate do construído que introduza mudança, um novo invólucro ou uma capa ao existente descaracterizado. Ao tecido urbano existente podemos anexar três novas unidades operativas de gestão (01_263 fogos, 02_1239 fogos, 03_2087 fogos) e um loteamento municipal (NOPQ_1350 fogos) que vêm concluir as chamadas células do IGAPHE, estes espaços são de um único proprietário tirando a (UOPG02) que pertence a vários. Os

Fonte: INE – Censos 2001

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

Com 1

Com 2

Com 3

Com 4

Com 5 ou maisCom 1 71,8 39,1 58,6 71,6 78,5 29,5

Com 2 15,9 16,5 20,5 15,0 21,2 8,9

Com 3 5,9 19,1 4,8 12,9 0,3 18,3

Com 4 5,0 16,3 9,7 0,5 0,0 17,8

Com 5 ou mais 1,4 9,0 6,4 0,0 0,0 25,4

Alhos Vedros

Baixa da Banheira

Moita Gaio - Rosário

Sarilhos Pequenos

Vale da Amoreira

71

poucos proprietários e o cadastro existente, propiciam fortes potencialidades para o estudo de opções urbanísticas globais que visem a qualificação do território da freguesia. As zonas afectas a usos múltiplos ou seja onde será instalado o comércio e terciário, ficarão junto ao limite do concelho perto da IC21, a UOPG01 é a única com características predominantemente de usos múltiplos.

Centralidades

A este nível destacamos dois pontos essenciais nesta Freguesia:

As questões da insegurança Esta questão embora não tenha sido referida em plenário como um problema grave, ou até prioritário na intervenção no Vale da Amoreira, foi identificada e debatida pelos parceiros do GPL e por alguns jovens. De acordo com os parceiros a insegurança existente na freguesia está a aumentar apesar de estar identificada com algumas zonas ou bairros

dentro da freguesia. No entanto, trata-se de um problema com alguma gravidade dada a sua ligação a determinadas dinâmicas sociais que afectam sobretudo os mais jovens. Para os jovens a insegurança não é tão problemática, ela existe, mas na maioria das vezes é dirigida a pessoas de fora do bairro. Em toda a Freguesia poderá haver zonas onde a segurança é menor, mas tirando essas zonas, os jovens não se sentem ameaçados. Se tivermos em conta os dados estatísticos disponíveis, podemos concluir que a maioria dos crimes praticados são contra o património, seguindo-se os crimes contra as pessoas. No que diz respeito aos delitos cometidos na freguesia do Vale da Amoreira, predominam os crimes aquisitivos, ou seja, os furtos, os furtos qualificados, os furtos de veículos e os roubos, quer nos jovens menores de idade (70% dos crimes cometidos), quer na população adulta (48% dos crimes cometidos). Na população que integra o grupo de menores de idade, tem ainda alguma expressão os crimes de ofensa à integridade física (20%), enquanto na população adulta são cometidos alguns delitos relacionados com o tráfico de estupefacientes (25%). A questão da droga, e em especial o tráfico, parece ser um dos problemas graves do Vale da Amoreira, e apesar de desvalorizado de alguma forma pelos parceiros locais são os jovens que mais o identificam como afectando muitos jovens e adolescentes,

72

e as respectivas famílias. A toxicodependência parece não ter um peso significativo nesta freguesia, quando comparada com as restantes freguesias da Moita, apesar do tráfico de estupefacientes que ali parece existir.

Figura 22

Casos de Toxicodependência

Figura 23

Tipologia de Crimes registados nos postos da GNR, em 2003 – %

614

17

1 6

3525

50

0

34

414

127

0

20

40

60

80

100

120

140

AlhosVedros

Baixa daBanheira

Gaio -Rosário

Moita SarilhosPequenos

Vale daAmoreira

Total doMunicipio

Sexo Feminino

Sexo Masculino

Fonte: Gabinete de Estudos e Avaliação da Sub – Região de Saúde de Setúbal – Março de 2004

4,91,6

5,9

68,5

24,5

4,2 26

63,4

19

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Crimes c/ L.Avulsa

Crimes contrao Estado

Crimes contraa Sociedade

Crimes contrao património

Crimes contrapessoas

Posto Moita

Posto Baixa da Banheira

Fonte: Esquadra da GNR

73

Apesar de não termos dados disponíveis para a freguesia, é interessante verificar que os processos de crianças e jovens em risco têm aumentado significativamente nos últimos anos, indo assim ao encontro dos problemas identificados pelos parceiros locais relativamente aos problemas dentro das famílias e aos problemas associados à falta de ocupação e motivação dos jovens.

Figura 24 Processos Instaurados pela Comissão

de Protecção de Crianças e Jovens em Risco – Concelho da Moita

Transportes públicos e acessibilidades Os habitantes do Vale da Amoreira que todos os dias se deslocam para trabalhar fora da freguesia quer seja no Barreiro ou Setúbal, ou maioritariamente para a capital sabem bem o que custa perder de cerca de 2 horas para chegar ao centro de Lisboa. A situação actual das acessibilidades ao Vale da amoreira poderá ser equacionada em duas vertentes.

Por um lado existem duas operadoras de transportes públicos, os TST (Transportes Sul do Tejo) que operam em todo o concelho com frequências que oscilam em cerca de 35/55 minutos, e os TCB (Transportes Colectivos do Barreiro) que passam exactamente na fronteira dos dois concelhos com uma frequência que ronda os 10/15 minutos. Com a melhoria das acessibilidades seria possível articular não só as duas operadoras mas também poderia facilitar o acesso aos TCB, embora sejam transportes municipais do concelho do Barreiro. Consideramos pertinente ainda nesta fase desenvolver contactos com estas duas operadoras de transportes colectivos no sentido de equacionar maiores frequências de passagem, ampliação da cobertura e criação de percursos alternativos adequados às novas

8

63 65

2637

5037

67

89

153

8

5231

22 26 2415 13

30

57

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Processos Abertos

Processos Encerrados

Fonte: CLA Moita – RMG/RSI – CDSS de Setúbal – 2004

74

ligações e acessibilidades propostas pelo GAT.

Por outro lado, o Vale da Amoreira podemos considerar que é uma nova centralidade regional mas encravada localmente, pois tem grandes potencialidades ao nível da acessibilidade a Lisboa, quer pelo IC21 que faz ligação com ligação à A2 e à ponte 25 de Abril, quer pelo IC13 com a Ponte Vasco da Gama. Embora só com uma saída o Vale da Amoreira não está ligado directamente a IC21. Esta nova acessibilidade é um trunfo para a valorização da posição da freguesia do Vale da Amoreira na região, no sentido de potenciar os seus recursos populacionais, tornando-a mais atractiva para a instalação de novos equipamentos, novas empresas e novos residentes, devendo para isso investir em instrumentos de resposta ao crescimento urbano agora considerados imprescindíveis.

Av. 1º De Maio é uma das vias municipais com maior peso de tráfego, com vários atravessamentos pedonais e rodoviários que resulta em congestionamentos, atropelamentos. Esta via é elemento de charneira entre a freguesia e a Baixa da Banheira. Para além de problemas ao nível do estacionamento automóvel e segurança do peão também denota uma imagem degradante da entrada do Vale da Amoreira. Esta zona deve ser considerada prioritária em ordem à melhoria da circulação viária e funcionalidade do espaço publico, não só para incrementar uma outra visibilidade da entrada no Vale da Amoreira mas também para fluir o tráfego rodoviário e consequentemente a redução dos tempos de trajecto de saída da freguesia para a IC13, para a Baixa da Banheira, como ainda para o Barreiro, onde existe a estação ferro- fluvial utilizada para chegar a Lisboa.

A Câmara da Moita no âmbito do PROQUAL elaborou os projectos de execução deste troço tendo lançando concurso público para a construção, mas com a redução do financiamento, este troço está a aguardar adjudicação. Esta zona continua a ter em falta áreas de estacionamento e de arranjos exteriores, parques infantis e zonas de estadia na envolvente à Av. 1º de Maio.

Por fazer está ainda a ligação a nascente com o Brejos Faria/Alhos Vedros, que permitirá aproximar o Vale da Amoreira do Parque de Empresas de Alhos Vedros (PIND, bem como das Piscinas Municipais de Alhos Vedros (PIS), que são o único equipamento desta natureza no concelho. Esta ligação irá não só fomentar o uso das piscinas municipais pela população do Vale da Amoreira mas também aproximar o apeadeiro de alhos Vedros (AP) (linha do Sado) que desta forma ficará mais próximo que o apeadeiro da Baixa da Banheira.

Parece-nos fundamental aqui, e no âmbito da Operação Vale da Amoreira, encontrar um desenho urbano que possa servir de veículo a um desenvolvimento sustentável, articulado com a frente urbana do Vale da Amoreira, e sua envolvente, quer física, quer humana.

75

Espaço Público e de lazer Sobre esta questão, já abordada noutros pontos deste diagnóstico, limitamo-nos aqui a referenciar a grande falta de arranjos urbanísticos ao nível dos arruamentos e passeios, das praças e jardins, das zonas exteriores às habitações e equipamentos, bem como em zonas completamente livres e abandonadas, como o caso da “Vala Real”7 e de outros locais existentes com características rurais. Os espaços verdes funcionam como garantia de espaço livre, não

edificado portanto, e qualificam o espaço construído. As recriações da natureza que estes espaços proporcionam são fundamentais para o equilíbrio e bem estar da população, pois permitem respirar, olhar, sentir, conviver, etc. O Vale da Amoreira continua a demonstrar uma ausência de espaços cuidados propícios às sociabilidades da sua população. Os existentes encontram-se degradados, mal equipados e reveladores de uma ausência humana. Saliente-se que estes espaços são fundamentais para a vinculação ao lugar e à identificação da população com o seu bairro.

7 A “Vale Real” trata-se de um elemento ambiental único, uma pequena ribeira que atravessa a freguesia. Já foi alvo de intervenções de recuperação nos anteriores programas mas existe ainda uma grande área por requalificar, em tempos foi um esgoto a céu aberto.

76

2.4.4. Governabilidade

O conceito de governabilidade tem, em anos recentes, transcendido o âmbito disciplinar de onde é originário, o da ciência política, gozando actualmente de uma ampla generalização. Esta generalização acarretou um alargamento do escopo da própria definição de governabilidade (que originalmente se refere às lógicas de formação e estabilização de um Governo, e ao grau de institucionalização das relações entre governantes e governados), remetendo o seu uso corrente para a análise das condições gerais sob as quais se dá o exercício do poder num dado sistema ou circunscrição territorial. É nesta última acepção que

Governabilidade

Contexto tensional

Características do tecido associativo

Intervenção desarticulada

Intervenção sectorial pouco articulada por parte de organismos públicos e serviços locais da administração pública

Administração local presente no Bairro mas afastada da população

Associações locais desarticuladas entre si Rede Social forte mas muito associada ao concelho, incapaz de gerar dinâmicas de parceria ao nível da freguesia

Desarticulação entre as várias intervenções/programas, com diferentes modelos de gestão

Razões históricas e ideológicas que presidiram à fundação das associações

Sobreposição Concorrência em alguns âmbitos de intervenção

Associações locais no limiar da sustentabilidade financeira

Escassez de recursos humanos qualificados

Voluntarismo gerador de lógica de intervenção casuística e pouco organizada

77

empregamos aqui a noção de governabilidade.

A freguesia do Vale da Amoreira é uma circunscrição político-administrativa com os seus órgãos representativos eleitos, cada qual com as suas atribuições e competências, nos termos da legislação que regulamenta o poder local democrático em Portugal. Esta freguesia está inserida numa unidade político-administrativa mais ampla, o concelho, cujos órgãos representativos dispõem também, em certos domínios, de atribuições e competências para a intervenção no território da freguesia. Por sua vez, a freguesia encontra-se parcialmente subordinada aos órgãos políticos nacionais, bem como à miríade de Ministérios, Institutos e Direcções-Gerais com intervenção no local. Dispõe ainda de um tecido associativo próprio, engajado em relações complexas entre si, com associações exteriores à freguesia e com o próprio Estado.

A freguesia do Vale da Amoreira é, no aspecto formal, idêntica a todas as outras freguesias do país. Na realidade, contudo, os diversos actores em presença na freguesia, longe de actuarem de uma forma orgânica, formam ao invés uma complexa teia de poderes que ora se sobrepõem entrando em conflito, ora se retraem deixando vazios de poder. Vejamos este contexto mais em pormenor.

Características do movimento associativo

A característica do tecido associativo local que em primeiro lugar sobressai é a sua escassez. De facto, as associações locais são em número reduzido, tendo em conta a dimensão espacial e populacional da freguesia. Este fenómeno é, aliás, paralelo com a escassa actividade económica contabilizada na freguesia, e remete para a prevalência local das lógicas informais da economia subterrânea.

A esta escassez quantitativa, acresce uma outra escassez de natureza mais qualitativa: a de associações genuinamente locais. Salvo raras excepções, o tecido associativo local é composto maioritariamente por associações sediadas noutras freguesias ou concelhos, e que reclamam jurisdição sobre o Vale da Amoreira como seu território de intervenção. Daí resulta que, pese embora a boa vontade dos seus responsáveis

78

e/ou técnicos, o seu entrosamento com a realidade da freguesia seja por vezes deficitário.

A ausência de um genuíno movimento associativo local conduz a outra característica incontornável: a desarticulação. De facto, cada associação parece apenas contar consigo mesma para o planeamento das suas actividades, sendo as dinâmicas de trabalho em parceria ainda extremamente incipientes. Esta cultura de fechamento organizacional tem provocado algumas sobreposições entre âmbitos de intervenção de diferentes associações, o que tem gerado ressentimentos raras vezes exprimidos, mas que constituem bloqueios potenciais ao trabalho em conjunto. O reverso da sobreposição de acções em certas áreas tem sido o vazio de intervenção noutras, porventura tão ou mais relevantes.

Esta lógica “umbiguista” das associações locais remete em parte para o problema da sustentabilidade financeira, com que todas elas se debatem permanentemente. É ele que faz com que as associações mais profissionalizadas entrem numa lógica de competição por recursos, projectos, protocolos, etc., limitando no mesmo passo as perspectivas de crescimento das associações assentes no voluntariado. Entre estas últimas, os limites do voluntarismo foram já atingidos: algumas delas dinamizam um número de actividades que já não se compadece apenas com a boa-vontade dos seus dirigentes, exigindo a intervenção de pessoal profissional qualificado, sem o qual a intervenção não pode deixar de ser casuística e pouco organizada. Falta desarticulação da intervenção da administração pública…

- Intervenção sectorial pouco articulada por parte de organismos públicos e serviços locais da administração pública;

- Desarticulação entre as várias intervenções/programas, com diferentes modelos de gestão;

- Administração local presente no Bairro mas afastada da população.

Uma análise mais fina dos parceiros permite-nos ainda caracterizar as entidades parceiras quanto às suas competências técnicas, ou melhor quanto às competências técnicas que são disponibilizadas para intervenção com incidência no Vale da Amoreira, esta informação encontra-se disponível no pré-diagnóstico.

79

Um Território Fragmentado e Auto-Centrado

Um Novo território Agregado e Projectado!

3. Para uma Estratégia de Intervenção: por onde passa a mudança?

80

Por onde passa a mudança? Passagem das dinâmicas analíticas para os eixos estratégicos do Plano de Acção.

Em síntese, e não entrando aqui numa descrição de cada um dos eixos estratégicos, dado tratar-se de uma matéria para o Plano de Acção, três dimensões caracterizam a intervenção a realizar no Vale da Amoreira: promover a sua qualidade funcional, a sua coesão interna e a sua articulação externa com outros territórios.

1º - A qualidade funcional implica melhorar a habitabilidade e os serviços, as acessibilidades e transportes, o espaço público, apostar na densificação das relações em rede entre os vários actores, etc

2º - A coesão implica assegurar boas condições materiais de vida, de cidadania e participação na sociedade, e fundamentalmente as questões do trabalho, da

Um Novo território Agregado e Projectado

Eixo 1 - Dinamização da actividade económica: qualificar o emprego e a iniciativa empresarial

Eixo 2 - Um espaço urbano com qualidade de vida, atractivo e competitivo

Eixo 3 - Uma Freguesia socialmente coesa, que valoriza as crianças, os jovens e os mais velhos

Eixo 4 - Um espaço de encontro que valoriza a diversidade cultural, com visibilidade para o exterior

Eixo 5 - Um território governável: capacidade institucional, participação e partilha de responsabilidades

Um Território Fragmentado e Auto-Centrado

Nó 2 - Espaço Urbano

Nó 4 - Governabilidade

Nó 3 - Coesão e Inserção Social

Nó 1 - Trajectórias Escolares e rofissionais

81

formação, etc

3º - A sua articulação externa que implica estabelecer ligações com outras freguesias do concelho e dos municípios vizinhos, mas também com outros territórios, cidades e regiões a nível nacional e internacional.

Após o diagnóstico que foi sendo elaborado ao longo destes quatro meses, entendemos que mudança no Vale da Amoreira passa essencialmente por uma aposta nos jovens e nos adolescentes, são estes a força motriz desta freguesia e aqueles que mais directamente são afectados pelos problemas existentes. A Operação, que deve ter um horizonte temporal a longo prazo, deverá apostar e direccionar-se para as camadas mais juvenis da população (crianças, adolescentes e jovens) sem deixar de incidir sobre outros públicos, ou faixas etárias, cuja situação necessita de ser alterada ou intervencionada. Como podemos observar no gráfico seguinte, e a título de exemplo, o índice de dependência dos jovens tem um peso significativo nesta freguesia.

Figura 25

Índice de Dependência dos Jovens (%)

Fonte: INE – Anuário Estatístico 2004 (Moita) e Censos 2001

23,4

29,2

22,8 22,2 23

19,4 19,9

0

5

10

15

20

25

30

35

Municipio da Moita Vale da Amoreira Alhos Vedros Baixa da Banheira Moita Gaio-Rosário Sarilhos Pequenos

82

Não podemos deixar de destacar as questões do ensino e da formação profissional (e social) que deverão ter um lugar fundamental e prioritário nos acções e projectos a integrar na Operação Vale da Amoreira, neste território é necessário pensar integradamente os vários níveis de ensino e articular este com a formação qualificante e com a integração profissional.

A requalificação do espaço público, em especial a tentativa de finalizar alguns projectos mais estruturantes já elaborados e há muito por concretizar, parece-nos também essencial, articulando a Operação com as directrizes do PDM da Moita, com Plano Estratégico da Península de Setúbal e com PROTAML.

83

4. Referências Bibliográficas

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Cidades – Comunidades e Territórios, nº 2, pp. 47-56; o Guerra, Isabel; Pinto, Teresa Costa; Moura, Dulce (2001), “Políticas de

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Vale da Amoreira . GAT . 4 Julho 2006