Operacionalizações de gramáticas no site da Folha de S. Paulo: o caso Fabiane de Jesus

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    Rizoma, Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 1, p. 49, julho, 2015

    Operacionalizaes de gramticas no site

    da Folha de S. Paulo:

    o caso Fabiane de Jesus1

    Micael Vier Behs2

    Artigo apresentado no 12 En-contro Nacional de Pesquisadores

    em Jornalismo realizado em SantaCruz do Sul UNISC.

    2Doutorando do Programa de Ps--Graduao em Comunicao da

    Unisinos.

    Resumo

    O artigo aborda o conceito de dispositivo miditico enquanto ambincia scio-tc-nica voltada reproduo simblica. Toma o site do jornal Folha de S. Paulo comoobjeto emprico para demonstrar, a partir de materiais postos em circulao em de-corrncia de um caso de linchamento, as complexidades mtuas estabelecidas nainterposio de gramticas de produo e reconhecimento no interior do dispositi-vo. As afetaes entre essas duas instncias no acontecem livres de regramentos.

    Palavras-chave: Dispositivo; Gramticas; Contrato; Midiatizao.

    ResumenEl artculo aborda el concepto de dispositivo meditico en cuanto al entornosocio-tcnico volcado a la reproduccin simblica. Utiliza el sitio del peri-dico Folha de S. Paulo como objeto emprico para demostrar, a partir demateriales puestos en circulacin en recurrencia de un caso de linchamiento,las complejidades mutuas establecidas en la interposicin de gramticas deproduccin y reconocimiento en el interior del dispositivo. Las afectacionesentre esas dos instancias no ocurren libres de reglamentos.

    Palabras clave: Dispositivo; Gramticas; Contrato; Mediatizacin.

    Abstract

    The article discusses the concept of media device while socio-technical am-bience focused on symbolic reproduction. It takes the website of the news-paper Folha de So Paulo as empirical object to demonstrate, from mate-rials put into circulation due to a case of lynching, the mutual complexitiesestablished by the interposition of production grammars) and recognitionwithin the device. The repercussions between these two instances do not

    happen free of regulations.

    Keywords: Device; Grammars; Contract; Mediatization

    https://online.unisc.br/seer/index.php/rizoma

    e-ISSN 2318-406X

    Doi: http://dx.doi.org/10.17058/rzm.v3i1.6179

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    Dispositivo miditico: aplicaes conceituais do termo

    A proposta deste artigo discorrer acerca do conceito de dispositivomiditico enquanto lugar, material ou imaterial, a parir do qual h a com-binao de processualidades de ordem tcnico e humano com vistas re-produo simblica (BOUTAUD & VERN, 2007). Apropriando-se doconceito em questo, o artigo quer tencion-lo tomando como objeto o sitedo jornal Folha S. Paulo, dispositivo no qual so acionadas, via contratos,gramticas de produo e reconhecimento da narrativa jornalstica. Nestedispositivo, os lugares de fala se revessam, possibilitando uma apropriaodifusa do espao enunciativo, assim como a constituio de uma amlgamadiscursiva capaz de combinar elementos da cultural jornalstica a questesde ordem individual. Para ns de anlise emprica, o artigo concentra seusesforos na descrio das gramticas acionadas pelo campo produtor e re-ceptor em torno do caso do linchamento da dona de casa Fabiane Maria deJesus, amplamente divulgado pelo site da Folha de S. Paulo entre os dias 4e 21 de abril de 2014.

    A denio de dispositivo tomado como aparelho, meio, ou ins-trumento conduz a uma viso mecanicista de um conceito mais comple-xo apenas capaz de ser apreendido, como sugere o francs Andr Berten(1999), mirando-se nos objetos emergentes da fuso entre a tcnica e osimblico. Isso signica dizer que um dispositivo miditico comunicacio-

    nal no corresponde a um simples artefato tcnico com a prerrogativa degerar mediaes sociais. H inteligncia e performances enunciativas con-tidas nestes objetos no humanos, o que segundo Serge Proulx (2013)estabelece conhecimentos distribudos em uma rede formada por seres hu-manos e por artefatos cognitivos.

    A interpretao, embora simplista, de um dispositivo, enquanto lugarou espao, oferece indicativos pertinentes ao seu modo de funcionamento.Os espaos e os lugares, assim como os dispositivos, so expansivose mutveis. Sua constituio no obedece a um regramento linear, sendomoldada por um modos operandia partir do qual o dispositivo mobiliza re-

    cursos a m de acionar movimentos discursivos e, assim, instaurar regimesde construo de sentido.

    O autor francs Maurice Mouillaud, ao discorrer sobre as operacionali-zaes postas em cena pelo jornal impresso, descreve o dispositivo comoo lugar no qual o enunciado toma forma, no desempenhando o simplespapel de contexto (1997, p. 85). Segundo Mouillaud, o leitor vincula-se aojornal interpretando-o como um olho mgico, um lugar com prerrogativade condensar os fatos do dia em relato jornalstico.

    O jornal sobre o qual disserta Mouillaud corresponderia a uma matrizcapaz de impor suas formas aos textos, no apenas emoldurando-os, mas

    tambm sugerindo noes interpretativas. Esse movimento condutor doprocesso de leitura seria acionado pela vertente pragmtica do jornal contidaem seu contrato. Segundo Vern (cit. in. Fausto Neto, 1995), o contrato

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    corresponderia a espaos imaginrios sugeridos ao receptor e que o con-duziria por rotas de maior liberdade, assim como por percursos balizveisao longo da espacialidade do jornal. Do mesmo modo, a metodologia emtorno do contrato de leitura estaria desaada a descrever as modalidadesdiscursivas a partir das quais determinado veculo apresenta um conjuntode informaes, construindo neste percurso o vnculo entre o meio e o leitor(VERN, 1999, p. 97).

    Na dcada de 70 do sculo passado, segundo Jean Meurier (1999), Bau-dry j havia dissertado extensamente sobre a combinao entre elementostcnicos e simblicos no cinema. Demarcado por uma ambincia especca,a sala de cinema corresponderia a um dispositivo capaz de gerar efeitos sen-sveis, inaugurando uma relao inusitada do expectador com o real.

    importante destacar, no entanto, que o conceito de dispositivo no foiempregado originalmente no campo comunicacional. Com base nos traba-lhos desenvolvidos por Foucault no campo das Cincias Sociais, por exem-plo, Cartier (cit. in. Ferreira, 2002) analisou o ambiente da sala de aula en-quanto dispositivo regrado por discursos, prticas e objetos especcos.

    A sala de aula moderna um ambiente cujas discursividades esto, defato, ancoradas por estruturas tecnolgicas como lousas digitais, notebookse datashows. Essas mesmas estruturas intermediam uma relao entre o pro-fessor e o grupo de alunos. Essas relaes, por sua vez, so reguladas porregimentos e diretrizes exteriores prpria sala de aula e determinam a tem-

    poralidade das trocas enunciativas, o contedo bsico das interaes e ascondutas a serem obedecidas por ambas as partes.

    Assim sendo, institui-se numa sala de aula uma ambincia comunicacio-nal prescrita por condutas pelo menos teoricamente reguladas, cuja dispo-sio dos interagentes em cena dada a priori e o sentido dos enunciadosest indissocivel do seu local de inscrio. O dispositivo, aqui, faz cooperarelementos tcnicos e discursivos na produo de sociabilidade.

    Jairo Ferreira (2008, p. 6), explica que o conceito de dispositivo pro-duzido nas Cincias Sociais e, simultaneamente, nasce a partir de reexesespeccas do campo da comunicao. Ao citar trabalhos de Poster (1990)

    e Fidalgo (2006), o autor assinala o potencial do conceito em demarcar umaconvergncia histrica em que os processos sociais, processos de comunica-o e a mdia encontram-se num cenrio de inter-relaes.

    2 Especifcidades do dispositivo

    Inscritos num determinado tempo histrico e social, os dispositivos mi-diticos esto envoltos por uma pragmtica comunicacional, sendo opera-cionalizados por elementos tcnicos utilizados em produo e em reconhe-cimento. Nesse sentido, aos dispositivos so atribudas modalidades espec-cas de discursividade social, o que garante a sua permanente renovao elhe confere certo grau de imprevisibilidade diante dos usos e atribuies quelhe so ofertados.

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    Assim sendo, a pertinncia de um dispositivo miditico enquanto es-pao engendrador de discursividade e complexidade social exige, numprimeiro momento, que esse mesmo dispositivo esteja acessvel aos seuspotenciais usurios. A potencialidade tcnica do sistema, portanto, imediatamente anulada quando distante dos interlocutores que a fazemoperar sentidos.

    Para alm da questo da acessibilidade, os dispositivos miditicos tam-bm precisam ser efetivamente integrados cotidianidade de seus usurios.Serge Proulx (2013, p. 5) enfatiza que se voc apenas domina o objeto tc-nico sem integr-lo sua vida prossional, pessoal e domstica, no h umaverdadeira apropriao.

    Os usos e apropriaes cotidianas dos dispositivos geram, por sua vez,

    reconguraes em sua estrutura e operacionalidades originais. Mesmo quea interface tcnica pressuponha uma determinada apropriao humana dodispositivo, sua real e efetiva utilizao apenas permite ser mensurada quan-do atravessada pela engenhosidade de cada interagente.

    Um exemplo dessa dinmica o Twitter. Quando concebido, em 2006,as interaes suscitadas pelo microblogestavam aliceradas pela pergunta--ttulo O que voc est fazendo?. Em 2009, no entanto, as interaes pas-saram a estar centradas na questo O que est acontecendo?. Atualmente,as interrogaes deram lugar a uma expresso genrica simplesmente con-vocando o interagente a publicar um novo Tweet.

    Essas transformaes ao longo dos anos so sintomticas do movimentode apropriao do dispositivo por seus usurios. Antes de procurar condu-zir a natureza das interaes suscitadas, os arquitetos do Twitter se deramconta de que as atividades e contedos circulantes pelo microblogeram tovastos e heterogneos que no fazia mais sentido estabelecer uma balizanorteadora dos processos circulatrios ali desenvolvidos. Antes mesmo de oTwittersugerir, em 2009, uma alterao na pergunta norteadora das intera-es suscitadas pelo dispositivo, os seus usurios j haviam reinventado asmodalidades de apropriao do dispositivo.

    Com base na obra de Michel Foucault, Gilles Deleuze argumenta que um

    dispositivo demarcado por linhas de fora, embora estas no sejam ins-transponveis. Paralelamente, s linhas de fora, na medida em que o dis-positivo o deixe ou faa possvel, so estabelecidas linhas de subjetivaoa partir das quais as orientaes originais da enunciao centradas no dispo-sitivo so reinventadas. Algum se perguntar se as linhas de subjetivaono so o extremo limite de um dispositivo, se elas no esboam a passagemde um dispositivo a outro; neste sentido, elas predispem as linhas de fratu-ra (DELEUZE, ano, p. 3).

    Ao avanar em sua anlise foucaultiana, Deleuze sugere a novidadee a criatividade como marcas primordiais para a xao do dispositivo,assim como para a sua transformao ou ssura em proveito de um dis-positivo do futuro. Neste sentido, percebe-se a vocao reinventiva dosdispositivos estabelecida justamente a partir da sobreposio de uma in-tencionalidade primeira denida pela disposio de seus elementos tc-

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    nicos, e uma apropriao criativa desse instrumental pelas pessoas que osfazem operar sentidos.

    Embora, o dispositivo faa operar as suas engrenagens visando determi-nados efeitos, Ferreira (2004, p. 8) explica que os acoplamentos entre a so-ciedade, a linguagem e a tecnologia geram determinaes mtuas, momentoem que cada um dos polos se alterna como dominante.

    A relao da tecnologia com a sociedade s passa a pertencer ao comuni-cacional na medida em que se produzem acoplamentos entre tecnologia,tcnica e linguagem (desde os acoplamentos que possamos identicarnos dispositivos pr-histricos at os contemporneos) (FERREIRA, p.5, 2009).

    Mirando-se nestes sistemas de acoplamentos recprocos, pode-se inferirque o dispositivo, por si s, no garante qualquer tipo de mediao. Estasadvm das operaes postas em jogo e que demarcam defasagens entre oaquilo que o dispositivo se prope a fazer e o que, efetivamente, se faz como dispositivo, cenrio que aponta para uma complexidade crescente tanto daoferta quanto da demanda informativa.

    3 Complexidades produtivas e interpretantes

    O processo de transio da sociedade dos meios sociedade midia-tizada, como sugere Fausto Neto (2008), est associada complexidadeassumida pelas mdias, enquanto lugar de interaes atravessadas por novasmodalidades de construo de sentidos.

    Esse movimento de alargamento dos sentidos produzido tendo em vistaa multiplicao de dispositivos scio-tcnicos sobre os quais se articulam,atravs da circulao de enunciados, relaes complexas entre uma gramti-ca de produo e gramticas de reconhecimento (VERN, 1996).

    Faz-se assim, na circulao uma complexa atividade mediadora envoltaem alguns constrangimentos discursivos produzidos pelas imposies

    de diferentes lugares de falas, cujas marcas, de alguma forma, se ma-nifestam no trabalho discursivo do porta-voz. (FAUSTO NETO, p. 51,2013).

    A construo de discursividades est imbricada na fuso entre gramticasde produo e reconhecimento, cada qual, por sua vez, vinculada a condi-es de produo e recepo (BOUTAUD; VERN, 2007). Isso signicadizer que uma innidade de leituras acionada pelo campo receptor, tor-nando a cadeia de sentidos interpretantes impossvel de ser inferida aprio-risticamente. Nesse sentido, importante diferenciar a gura do destinatrioenquanto sujeito imaginado, construdo no discurso em relao gura do

    receptor enquanto sujeito real (VERN, 1999, p. 96).Boutaud e Vern (2007) esclarecem que os efeitos de outros discur-

    sos recobrem tanto as condies de produo quanto as de reconhe-

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    cimento da informao. No entanto, as gramticas de produo estoancoradas por um sistema de instrues formalizadas, considerando osmeios como instituies complexas que operam no mercado dos dis-cursos miditicos.

    Esse movimento de formalizao das condies produtivas, todavia, nose aplica s gramticas de reconhecimento, condicionadas por complexasoperaes semiticas nutridas por lgicas individuais e que extrapolamas diretrizes interpretantes estabelecidas no marco dos discursos miditicos(BOUTAUD; VERN, 2007, p. 4-5).

    Com base na obra de Peirce, Boutaud e Vern (2007, p. 5) revelam queenquanto os estudos clssicos de recepo esto centrados em um objetoimediato, as gramticas de reconhecimento acionam objetos dinmicos.

    Diferentemente do destinatrio ideal, o receptor real tensiona os contedosmiditicos a imaginrios construdos historicamente; ao capital cultural deque dispe, bem como relao particular que mantm com os diferentesdispositivos miditicos.

    Diferentemente do que pressupunham os estudos de recepo anterioresaos escritos de Paul Lazarsfeld na dcada de 40 do sculo passado, o recep-tor desenvolve relativa autonomia em relao s mensagens proferidas pelamdia. Para alm das gramticas de produo, os efeitos da mdia s podemser dados a conhecer levando em considerao a histria de cada texto e acultura que envolve o ator social.

    Como ambos emisso-recepo se encontram no interior de um con-trato, deve-se considerar a mobilizao de vrias remissivas: relaes en-tre texto e autor, texto com outros textos, textos referentes, enm, saberese vrias dimenses interdiscursivas que pem por terra a noo de sujeitos(autor e leitor) objetivos. (FAUSTO NETO, p. 200, 1995).

    Os contratos mencionados por Fausto Neto (1995) so operacionali-zados no interior dos dispositivos miditicos, os quais incitam o camporeceptor a enxergar o fato narrado atravs de lentes interpretativas quecircunscrevem a narrativa. Dessa forma, o contrato antev a presena dooutro, mobilizando-o a trabalhar ativamente no interior do discurso ecriando vnculos mais ou menos slidos entre o meio e o leitor (FAUSTONETO, 1995, p. 203).

    Como ser demostrado na sequncia a partir da anlise de observveis decunho emprico, o leitor tambm aciona quadros interpretativos que o fazver para alm da notcia. Esse movimento defeedback da emisso acionadopor dispositivos jornalsticos digitais que, a partir da seo de comentrios,torna visvel, pelo menos em parte, gramticas de reconhecimento que his-toricamente permaneceram sombra pelas mdias massivas de uxo unidi-recional. A voz que se manifesta, textualmente, nestes espaos de acolhida sob determinados regramentos impostos pela operacionalidade tcnica do

    dispositivo permite identicar questes de contexto mobilizadas pela re-cepo quando tensionada pelas gramticas produtivas.

    Ao estudar os dispositivos sociais de crtica da mdia, o pesquisador Jos

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    Luiz Braga (2006, p. 39) argumenta que a sociedade no apenas sofre ouresiste pontualmente aos aportes miditicos. Antes disso, organiza-se para

    retrabalhar o que as mdias veiculam.

    Isso corresponde a dizer que a mesma sociedade que, por alguns de seussetores, grupos e linhas de ao, gera a midiatizao enquanto sistemaprodutivo, por outros setores e atividades complementa essa midiatizaopor meio de operaes de trabalho e de circulao comentada daquilo queo sistema produtivo oferece ao sistema de recepo (BRAGA, 2006, p.39).

    Considerando que a internet se constitui numa sociedade j largamentemidiatizada, Braga (2006, p. 41) reconhece o potencial da rede enquanto amdia de escolha para os dispositivos sociais de fala sobre a mdia.

    Nestes termos, a midiatizao favorece a ascenso do campo receptorao espao produtivo, convertendo-o em co-gestor de enunciaes at entoguardadas a distncia. Este processo torna-se possvel tendo em vista os pro-cessos de interao que foram dinamizados com a emergncia tecnolgica.

    Tomando como referncia o discurso jornalstico posto em cena pelo sitedo jornal Folha de S. Paulo em torno do caso do linchamento de uma mulhersupostamente acusada de sequestrar crianas para rituais de magia negraaps veiculao de boato em pgina do Facebook, passamos agora a ofere-cer indicativos preliminares em torno dos agenciamentos discursivos postosem cena pelas gramticas de produo e recepo.

    Entre os dias 04 e 21 de abril de 2014, o site do segundo jornal de maiorcirculao no pas publicou 33 materiais, entre reportagens, editorial e textosopinativos, direta ou indiretamente associados ao caso. Centenas foram oscomentrios suscitados.

    Para ns de anlise, o site em questo ser tomado enquanto dispositivoscio-tcnico a partir do qual, sob determinados regramentos, pode-se infe-rir pela anlise dos materiais postos em circulao as condies de produoe as ressignicaes acionadas pela recepo, via comentrios.

    Uma primeira questo determinante, tendo em vista a natureza do pr-prio dispositivo em anlise, diz respeito associao entre os discursos ea prpria cultura que circunscreve os atores envolvidos. Segundo Vern(cit. in. FAUSTO NETO, 1995, p. 197), a produo de discursos mantmrelao com aspectos no discursivos, considerando a impossibilidade de seconceber qualquer fenmeno de sentido a margem do trabalho signicantede uma cultura, seja ela qual for e, por conseguinte, fora de uma sociedadedeterminada.

    preciso considerar, portanto, o contexto que circunscreve a oferta dossentidos, tendo em vista que, segundo Pinto (2002, p. 26), a superfcie dostextos reveladora de pistas ou marcas deixadas pelos processos sociais deproduo de sentido. Passamos, agora, a elencar marcas preliminares daconstruo de sentidos acionadas por gramticas de produo e recepo em

    torno do caso.

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    4 Inferncia sobre a construo do acontecimento

    pelo vis da produo

    Os discursos que circunscrevem o site do jornal Folha S. Paulo no estosoltos numa espacialidade imaterial o website , mas encapsulados emtorno de um dispositivo que, segundo Mouillaud (1997), no revela a exis-tncia de uma entidade tcnica estranha aos sentidos. Ante disso, se o textoe o dispositivo so, por sua vez, o gerador um do outro, sua relao umarelao dinmica (MOUILLAUD, 1997, p. 34).

    Na tentativa de organizar a multiplicidade de temas cabveis de seremrelatados a partir de tratamento jornalstico, o website da Folha de S. Paulo,assim como faz a verso impressa, nomeia editoriais passveis de acolheruma diversidade de temas considerando a sua natureza. No caso em anlise a construo do acontecimento em torno do linchamento da dona de casaFabiane Maria de Jesus , as matrias de carter informativo produzidas emtorno do ocorrido estiveram circunscritas pela baliza semntica da editoriaCotidiano. A etimologia do termo faz meno a um acontecimento quesucede ou se pratica habitualmente e oferece um primeiro indicativo para aleitura da narrativa jornalstica.

    Veiculada no dia 4 de maio, a primeira notcia publicada no site apre-sentada somente na forma de texto e resgata, entre outras fontes, a fala doadvogado que representa a famlia de Fabiane, Airton Sinto. A declarao de

    Airton Folha sintomtica das mudanas ocasionadas pelo protagonismomiditico nas formas de organizao societria. O advogado no aponta umsuspeito, nem mesmo um grupo potencial de suspeitos pelo crime, mas atri-bui parte da culpa pelo espancamento a um perl noticioso no Facebook.

    Em matrias produzidas nos dias seguintes passa a constar a assinaturado reprter Digenes Campanha, enviado especial a Guaruj (SP) pelaFolha de S. Paulo. A partir deste instante, os enunciados produzidos em tor-no do caso tm como referncia no apenas a credibilidade emanada doenunciado mnimo e dominante que corresponde ao nome do jornal, mastambm ao valor informativo emanado da assinatura do reprter (MOU-

    ILLAUD, 1997).Com o envio de Campanha cena do crime, o caso do linchamento ganha

    ampla repercusso na espacialidade do dispositivo, que passa a contar comum porta-voz credenciado a falar sobre o acontecimento. A prpria naturezado discurso ressigncada, na medida em que o relato jornalstico torna-semais humanizado. Para alm das circunstncias que envolvem o linchamen-to, o site procura apresentar ao leitor a histria da mulher que planejavavender sandlias coloridas na vizinhana para ajudar nas contas de casa.

    O amplo processo de midiatizao do momento do linchamento, acompa-nhado por pessoas munidas de instrumentais tcnicos que, a sua maneira, re-

    gistraram na forma de vdeo o assassinato de Fabiane serviu de subsdio paraa construo do relato jornalstico no site da Folha. Mataram a mulher, dizmorador aps espancamento em Guaruj; veja vdeo, o ttulo de matria

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    publicada no dia 5 de abril, quando a cobertura produzida por pessoas dis-tanciadas do circuito produtivo jornalstico ganhou forma na espacialidadedo dispositivo. Neste caso, a Folha buscou vdeos produzidos por amadoresno site de compartilhamento YouTubepara sustentar a sua narrativa.

    O material circulante no site de rede social Facebooktambm serviu deinsumo para o relato produzido pela Folha, que ao longo da cobertura uti-lizou-se de fontes ociais, assim como de fragmentos textuais dispersos narede. Mata sem d, diz internauta em site que divulgou boato o ttulode matria produzida no dia 8 de abril.

    A partir da anexao desses excertos discursivos narrativa jornalstica,verica-se uma tentativa do dispositivo em colocar ordem ao caos informa-tivo, emanado de discursos difusos, e at conitantes, sobre o caso no Fa-cebook. Ao inserir ao relato jornalstico um post da rede social divulgando aexistncia de uma suposta sequestradora de crianas na cidade de Guaruj, aFolha procurou elucidar o caso, demarcando-o temporalmente, e evidenciarao seu leitor que comeou assim o roteiro que terminou com o linchamentoda dona de casa Fabiane Maria de Jesus.

    Ao longo da sua narrativa, o site procura ento capturar em meio en-xurrada de discursos anexados aoFacebookaqueles que pudessem apresen-tar ao leitor uma sequncia lgica da evoluo do caso, desde o boato at olinchamento, passando pelo reconhecimento de que Fabiane foi confundidacom outra pessoa e a identicao de suspeitos. O campo jornalstico, neste

    caso, faz uso de um dispositivo especco o site da Folha , para organizarde forma coerente a sequencialidade de equvocos discursivos proferidosnum outro dispositivo oFacebook, e que acabou gerando um efeito ne-fasto na cotidianidade do bairro Morrinhos, em Guaruj: o linchamento deuma moradora inocente.

    A centralidade dos discursos sociais publicados noFacebook tambm foireconhecida pelo campo policial como elemento crucial para a elucidaodo caso. Em matria datada no dia 6 de abril, o site da Folha indica que emcerca de duas horas de depoimento, o administrador entregou polcia asenha da pgina e disponibilizou o contedo das postagens sobre o caso.

    Considerando a ampla repercusso do fato, no dia 7 de abril o dispositivoFolha de S. Paulo se abstm da imparcialidade que rege o texto jornals-tico para oferecer o seu ponto de vista sobre o caso via editorial intitula-do Injustiamento. Neste espao, o dispositivo abre mo de falar sobre oacontecimento em si seja por fontes ociais ou excertos do Facebookpara sentenciar o atraso que ainge Estado Brasileiro: sob muitos aspectos,parcelas expressivas da populao ainda enxergam a Idade Mdia e nelavivem quando abrem as portas de suas casas, sentencia.

    O editorial tambm vislumbra um debate sobre o qual os estudos docampo da comunicao tero que se confrontar, qual seja, o da incomuni-cabilidade gerada por boatos e rudos emanados de dispositivos cujo con-trole editorial est nas mos dos seus prprios usurios. O que importanteexplicar, na gnese de um processo de boato, a adeso, a mobilizao dogrupo que suscita. Mesmo que exista um locutor inicial, o que funde o boato

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    so as outras pessoas, aquelas que depois de o ouvirem o propagam (KA-PFERER, 1987, p. 32).

    De forma quase didtica, as gramticas de produo aqui fazem menoao episdio das bruxas de Salm, datados de 1692, nos Estados Unidos,quando 20 pessoas inocentes foram executadas. Pela voz emanada do edi-torial, o jornal associa a histeria produzida pelo episdio mobilizao queas redes sociais aguam em torno de boatos que se pragmatizam em aesdesconexas da realidade, movidas por processos de incomunicabilidade.

    A desordem informativa e a reexo em torno do tema da incomunicabi-lidade so recorrentes tambm nos textos opinativos redigidos sobre o caso.Algum postou, outro algum achou que era Fabiane, outros algunsforam atrs, e dezenas de mais alguns deixaram acontecer, relatou a

    colunista Eliane Cantanhde no texto Onde ns estamos?, publicado nodia 8 de maio.

    O colunista Reinaldo Azevedo, por sua vez, em texto intitulado Fabianee a maa envenenada, desfaz em sua narrativa os equvocos comunicacio-nais que, viralizados em rede, culminaram com o m trgico. A bruxa eras uma dona de casa que tinha ido buscar a Bblia, que esquecera na igreja,relata. A fruta que ela oferecia era mesmo uma doao, complementa ocolunista elucidando um movimento de Fabiane minutos antes do lincha-mento interpretado erroneamente como uma tentativa de seduzir uma crian-a. Trata-se de uma histria infantil de desfecho trgico, alerta o colunista.

    Para alm da tentativa de elucidar o caso em meio a informaes de-sencontradas, o colunista Reinaldo Azevedo entrelaa o caso especco daBruxa de Guaruj a uma problemtica generalista que sentencia a fragili-dade do Estado brasileiro. Que pas o nosso, no !?, exclama e questionao colunista para seguir interrogando: Notaram como temos Estado demaisem petrleo e de menos em segurana pblica? Notaram como temos Esta-dos demais em energia eltrica e de menos em educao?.

    As marcas das gramticas de produo, pela anlise dos materiais emp-ricos, revelam, ainda que de forma preliminar, indcios do trabalho discur-sivo na tentativa de explicar a construo social de um crime gerido pela

    introduo de uma falsa informao num tecido social orquestrado em rede.

    5 Inferncia sobre a construo

    do aco ntecimento pelo vis da recepo

    As gramticas postas em cena pelo campo produtivo so tensionadas porgramticas de recepo, conformadas a partir de certas condies espec-cas, que revelam relaes fragmentadas e difusas diante dos dispositivoscomunicacionais. Antes de congurar-se enquanto um receptor, o internauta

    precisa ser considerado enquanto detentor de um saber e de um esquema deconhecimento sobre o mundo que antecede a sua experincia com a notciae que precisa ser respeitado e valorizado (VERN, 1999, p. 112).

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    Rizoma, Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 1, p. 59, julho, 2015

    Como estratgia construir a imagem de um usurio ativo, o site da Folhade S. Paulo oferece um espao para o comentrio das notcias. A poltica decomentrios, no entanto, valoriza os assinantes do jornal, que podem fazercomentrios sobre todos os temas em todos os links, permitindo aos demaisinternautas a insero de comentrios em apenas 20 textos selecionados pelaredao a cada dia.

    Como regra geral, a funcionalidade tcnica do dispositivo impem duasrestries quanto redao dos comentrios: as palavras no podem ser es-critas todas em letras maisculas, e as letras e slabas de uma mesma palavrano podem estar separadas com traos, pontos ou barras. Em termos edi-toriais, a Folha adverte que os comentrios no podem insultar ou ofenderningum, assim como no podem fazer qualquer tipo de propaganda.

    Aceita as regras do jogo, o internauta precisa ainda preencher uma ex-tensa lista identicando, entre outros tpicos, nome completo, data de nas-cimento, endereo e CPF. O campo miditico, portanto, impe regras claraspara que o internauta possa ascender condio de comentador e legitimaa sua posio de controle e diferenciao alertando que a Folha de S. Paulono tem obrigao de publicar todos os comentrios escritos pelos internau-tas assinantes ou no assinantes. Revela-se, aqui, uma relao assimtricaentre os interagentes envolvidos, na medida em que o dispositivo detm opoder de denir as regras da interao.

    Embates entre as condies de uso impostas pelo dispositivo miditico

    para ns de comentrio e os usos reais postos em cena pelas enunciaesdos internautas tornam-se visveis na espacialidade do site. No raramente,uma advertncia destacada em vermelho indica que seu texto foi removidoporque infringe as regras de uso do site.

    A incompreenso quanto s regras de seleo dos textos subtrados dosite manifestada na forma de comentrios que, ao invs de tratarem sobreo acontecimento noticioso, versam justamente sobre a prpria poltica decomentrios. Como isso de passar por moderao? No usei um termochulo sequer, no ataquei nenhuma pessoa diretamente, no tenho direitoa comentar, como assinante que sou? Isso no vai car assim, postou o

    internauta identicado como top man em texto que faz aluso indireta aolinchamento de Fabiane.Em relao s matrias publicadas especicamente sobre o caso aqui

    analisado, as centenas de comentrios suscitados permitem identicar umaampla variedade interpretativa, situao que remete aos diferentes contextose aos mltiplos lugares de fala ocupados pelo receptor, bem como a diferen-tes estratgias relacionais acionadas em relao ao dispositivo jornalstico.

    Questes suscitadas pelo campo da produo a exemplo da fragilidadedo Estado brasileiro e o primitivismo do povo ganham eco numa innida-de de comentrios que, para alm de legitimar o discurso do campo jornals-tico, nomeia culpados: Bom... depois da Dilma tudo possvel. Esse oprimeiro comentrio referente primeira matria produzida pelo site sobreo caso, publicada no dia do linchamento, 4 de abril, sob o ttulo: Mulher espancada por moradores em Guaruj suspeita de magia negra.

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    Rizoma, Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 1, p. 60, julho, 2015

    Conrmado o falecimento de Fabiane, multiplicaram-se os comentriossentenciadores, visibilizando inclusive oposies contraditrias entre os pr-prios comentadores num movimento dialogal. O internauta nomeado apenaspor x publicou que o justo seria que, quem cometeu o crime sofresse umapunio idntica. Em resposta ao comentrio, o internauta Madson disseno concordar com esse pensamento, acrescentando que o que os populareszeram foi exatamente o que voc est propondo.

    Os comentrios suscitados pelos leitores da Folha tambm revelam mo-vimentos conitivos entre as intencionalidades interpretativas propostaspelo texto jornalstico em relao cadeia de sentidos acionada pelo camporeceptor. Comentrios em torno da matria Famlia de mulher linchada emGuaruj temia boatos sobre bruxa, publicada no dia 11 de abril, revela in-

    dcios dessa incompatibilidade de sentidos. A comentadora Eliane pontuaque esse texto est mal escrito. No d para entender nada. Totalmente des-conexo, enquanto outra comentadora, Niki, considera Muuuitoestranhaessa reportagem, no?.

    Para alm de crticas pontuais narrativa jornalstica, os comentriosfazem referncia a uma problemtica mais ampla, qual seja, o lugar ocupadopor peritos do campo jornalstico no fomento, via discursos, de casos deintolerncia como o que vitimou Fabiane. O linchamento da dona de casa,aqui, tomado pelos leitores como sintomtico de um fenmeno mais com-plexo. Mais do que relatar casos de intolerncia sob a tica jornalstica, pro-

    ssionais do campo so acusados de utilizar a prerrogativa de formadores deopinio para incentiv-los. A crtica social ao trabalho da imprensa pode serobservada em comentrios alusivos a outros episdios envolvendo jornalis-tas e programas jornalsticos, num movimento de rememorao: Aos queapoiaram o discurso da (jornalista) Rachel Sheherazade: eis o resultado;Mais um resultado trgico do trabalho dos comunicadores brasileiros;Efeitos Brasil Urgente e Cidade Alerta, Esse crime brbaro e hediondoexpe o perigo que uma jornalista em rede nacional de televiso defendera justia com as prprias mos3.

    Para alm de uma postura crtica ao trabalho da imprensa, propostas so

    elencadas, via comentrios, com o objetivo de fomentar uma conscinciacrtica em relao aos usos e potencialidades da mdia. Em comentrio pos-tado no dia 6 de abril em torno de matria sobre o enterro de Fabiane, ointernauta Andr sugere que o linchamento desta mulher no Guaruj apsa divulgao irresponsvel de um boato em site noticioso alerta para que aCmara Federal acelere o trmite e a consequente aprovao do projeto delei que prev o ensino de mdia nas escolas.

    Por m, vale destacar que enquanto as gramticas acionadas pelo campoprodutivo fazem meno ao um objeto especco o linchamento em Gua-ruj , as gramticas acionadas pelo campo da recepo codicam a histriaem torno deste mesmo objeto acionando reminiscncias de outros discursosjornalsticos, alm de reminiscncias que fazem meno a questes de or-dem individual, a exemplo da religio. O comentrio reportado a seguir sintomtico deste movimento e tambm faz meno matria que noticia

    3 A jornalista Raquel Sheherazade,ao noticiar caso de linchamento no

    telejornal SBT Brasil, disse conside-rar compreensvel a postura dosagressores.

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    Rizoma, Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 1, p. 61, julho, 2015

    o enterro de Fabiane. Maria de Jesus. Cordeira Imolada em plena Pscoa.No bastassem as 200 sequestradas na Nigria, as 300 crianas no barco naCoria do Sul, a guerra diria entre polcia e Povo, a Sria, o Egito, o Iraque,a Ucrnia. Morte para todo lado.

    9 Notas conclusivas

    O acontecimento jornalstico construdo a partir de distintos lugares defala e ganha projeo pblica acondicionado a dispositivos scio-tcnicosque impe regulaes narrativa. As anlises, ainda que preliminares, sobreas gramticas de produo e reconhecimento em torno do caso da Bruxa de

    Guaruj indicam acoplamentos que, por um lado, tensionam as prticas jor-nalsticas e, por outro, evidenciam uma vastido de sentidos acionados peloleitor quando relegado condio de cogestor enunciativo.

    Embora, o campo jornalstico projete esforos enunciativos para regu-lar os sentidos e oferecer um ordenamento temporal ao acontecimento, asgramticas de recepo sugerem sobras de sentido que fazem combinarreminiscncias de outras mdias a questes de ordem individual. Mais doque em qualquer outro momento histrico, o entrecruzamento de discursosoriginados de sujeitos e lugares de fala distintos sugere que a busca desentidos, hoje, passa pela interpretao de fragmentos enunciativos. Como

    sugere Vern (1999), h tantos enunciadores que, na verdade, parece nohaver nenhum.

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    RECEBIDO EM: 04/06/2015 ACEITO EM: 10/06/2015