OPINIO - ulbra.br · Campos desenvolvem um relevante estudo que analisa como jovens de 17 a 24...

165
Presidente Adilson Ratund Vice-Presidente Jair de Souza Junior Reitor OPINIO Indexador: LATINDEX Comissão Editorial Ana Regina F. Simão Iria Margarida Garaffa Valesca Persch Reichelt Marcos Fernando Ziemer Vice-Reitor e Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Valter Kuchenbecker Pró-Reitor de Administração Levi Schneider Pró-Reitor de Graduação Ricardo Willy Rieth Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Erwin Francisco Tochtrop Júnior Pró-Reitor Adjunto de Graduação Pedro Antônio González Hernández Capelão Geral Lucas André Albrecht Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero Conselho Editorial Cézar Roberto Bitencourt (PUCRS) Juan José M. Mosquera (PUCRS) Maria Cleci Martins (RF) Maria Emilia Camargo (ULBRA) Oscar Claudino Galli (UFRGS) Paulo Schmidt (UFRGS) Rui Otávio Berdardes de Andrade (CFA) Endereço para submissão Av. Farroupilha, 8001 Prédio 11 - Sala 121 CEP: 92425-900 - Canoas/RS - Brasil Fone: (51) 3462.9520 E-mail: [email protected] EDITORA DA ULBRA E-mail: [email protected] Diretor: Astomiro Romais Coordenador de periódicos: Roger Kessler Gomes Projeto e capa: Everaldo Manica Ficanha Editoração: Isabel Kubaski Solicita-se permuta. We request exchange. On demande l’échange. Wir erbitten Austausch. Endereço para permuta Universidade Luterana do Brasil Biblioteca Martinho Lutero - Setor de aquisição Av. Farroupilha, 8001 - Prédio 05 - 92425-900 - Canoas/RS E-mail: [email protected] O conteúdo e estilo linguístico são de responsabilidade exclusiva dos autores. Direitos autorais reservados. Citação parcial permitida, com referência à fonte. O61 Opinio: Revista de Ciências Empresariais, Políticas e Sociais / Universidade Luterana do Brasil. N. 1 (jan./jun. 1998)- . Canoas : Ed. ULBRA, 1998- . v. ; 27 cm. Semestral. ISSN 1808-964X 1. Ciências sociais aplicadas periódicos. 2. Direito. 3. Ciências econômicas. 4. Serviço social. 5. Administração. 6. Ciências políticas. 7. Ciências contábeis. I. Universidade Luterana do Brasil. CDU 65:3(05) OPINIO Revista de Ciências Empresariais, Políticas e Sociais o N 29 - Jul./Dez. 2012 ISSN 1808-964X

Transcript of OPINIO - ulbra.br · Campos desenvolvem um relevante estudo que analisa como jovens de 17 a 24...

PresidenteAdilson Ratund

Vice-PresidenteJair de Souza Junior

Reitor

OPINIO

Indexador: LATINDEX

Comissão EditorialAna Regina F. Simão

Iria Margarida GaraffaValesca Persch Reichelt

Marcos Fernando Ziemer Vice-Reitor e

Pró-Reitor de Extensão e Assuntos ComunitáriosValter Kuchenbecker

Pró-Reitor de AdministraçãoLevi Schneider

Pró-Reitor de GraduaçãoRicardo Willy Rieth

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-GraduaçãoErwin Francisco Tochtrop Júnior

Pró-Reitor Adjunto de GraduaçãoPedro Antônio González Hernández

Capelão GeralLucas André Albrecht

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero

Conselho EditorialCézar Roberto Bitencourt (PUCRS)Juan José M. Mosquera (PUCRS)Maria Cleci Martins (RF)Maria Emilia Camargo (ULBRA)Oscar Claudino Galli (UFRGS)Paulo Schmidt (UFRGS)Rui Otávio Berdardes de Andrade (CFA)

Endereço para submissãoAv. Farroupilha, 8001Prédio 11 - Sala 121CEP: 92425-900 - Canoas/RS - BrasilFone: (51) 3462.9520E-mail: [email protected]

EDITORA DA ULBRAE-mail: [email protected]: Astomiro RomaisCoordenador de periódicos: Roger Kessler Gomes Projeto e capa: Everaldo Manica FicanhaEditoração: Isabel Kubaski

Solicita-se permuta.We request exchange.On demande l’échange.Wir erbitten Austausch.

Endereço para permutaUniversidade Luterana do BrasilBiblioteca Martinho Lutero - Setor de aquisiçãoAv. Farroupilha, 8001 - Prédio 05 - 92425-900 - Canoas/RSE-mail: [email protected]

O conteúdo e estilo linguístico sãode responsabilidade exclusiva dos autores.Direitos autorais reservados.Citação parcial permitida, com referência à fonte.

O61 Opinio: Revista de Ciências Empresariais, Políticas e Sociais / Universidade Luterana do Brasil. N. 1 (jan./jun. 1998)- .

Canoas : Ed. ULBRA, 1998- . v. ; 27 cm.

Semestral. ISSN 1808-964X

1. Ciências sociais aplicadas periódicos. 2. Direito. 3. Ciências econômicas. 4. Serviço social. 5. Administração. 6. Ciências políticas. 7. Ciências contábeis. I. Universidade Luterana do Brasil.

CDU 65:3(05)

OPINIORevista de Ciências Empresariais, Políticas e Sociais

oN 29 - Jul./Dez. 2012ISSN 1808-964X

Sumário

2 Editorial

Artigos

3 A Rádio Cidade FM como veículo publicitário: percepção de atendimentos e mídias de agências de PP em Porto AlegreCamila Rodrigues, Mirian Engel Gehrke

28 Esse tal de rock’n’roll: como os jovens constroem sua identidade em Porto AlegreFernando Pisoni Queiroz, Deivison Moacir Cezar de Campos

44 Síndrome de Burnout: um estudo sobre o desgaste docente em uma instituição de ensino da rede privadaAnamélia Luz de Lucas, Thomas Heimann

61 Inteligência espiritual, diferencial perceptível, relevante e desejável nas organizaçõesJosemar V. Garcia, Iria M. Garaffa

80 Paradigmas epistemológicos: os clássicosAlmiro Petry

111 AinserçãoeagestãodotrabalhodepessoascomdeficiênciadaempresaAESSul – Centro-OesteAna Paula Dutra Garcia, Adriana Porto, Gilmar Luiz Colombelli, Cláudia de Freitas Michelin

123 Microempreendedor individual: um estudo sobre os impactos percebidos a partir da formalizaçãoMichele Gonçalves de Oliveira, Adriana Porto, Gilmar Luiz Colombelli, Cláudia de Freitas Michelin

143 Estudo de caso sobre a utilização de uma ferramenta wiki no auxílio da gestão do conhecimentoElizabete Rosa Moraes, Anderson Yanzer, Flávio Régio Brambilla

EditorialA Comissão Editorial apresenta a edição nº 29, jul./dez. 2012 da revista Opinio,

com oito artigos das diversas áreas de conhecimento.

No primeiro artigo, os autores Camila Rodrigues e Mirian E. Gehrke apresentam umestudosobreapercepçãodeprofissionaisdeatendimentoemídiadeagênciasdepropaganda de Porto Alegre sobre a Rádio Cidade como veículo publicitário. Em sequência, no segundo artigo, os autores Fernando P. Queiroz e Deivison M. C. de Campos desenvolvem um relevante estudo que analisa como jovens de 17 a 24 anos, moradores de Porto Alegre, se constroem a partir de características identitárias do rock’n’roll, utilizando referenciais dos Estudos Culturais, como Bauman, Hall, Kellner e Dayrrel. Já o foco do terceiro artigo são as pessoas. Seus autores, Anamélia L. Lucas e Thomas Heimann, analisam a ocorrência da síndrome de Burnout em professores universitáriosesuainfluênciasobreoíndicedeafastamentosdotrabalhodecorrentesdesta doença. A temática do quarto artigo é a Inteligência Espiritual, em que os autores, Josemar Garcia e Iria Garaffa, têm por objetivo investigar com gestores e colaboradores de três empresas se os valores espirituais contribuem para que as organizações obtenham melhores resultados. No quinto artigo, o autor Almiro Petry traz um relevante estudo das ciências sociais, referente à temática dos paradigmas epistemológicos gerados pelos clássicos da sociologia. O sexto artigo, de Ana P. D. Garcia, Adriana Porto, Gilmar L. ColombellieCláudiaF.Michelin,temcomotemaainclusãodepessoascomdeficiênciafísica nas organizações. O estudo é desenvolvido na empresa AES Sul Centro Oeste, distribuidora de energia elétrica. A temática do sétimo artigo é o microempreendedor individual, em que Michele G. Oliveira, Adriana Porto, Gilmar L. Colombelli e Cláudia F. Michelin apresentam um estudo desenvolvido na cidade de Cachoeira do Sul/RS à luz da Lei Complementar 128/2008. Por último, e não menos relevante, os autores Elizabete R. Moraes, Anderson Yanzer e Flávio R. Brambilla abordam o tema gestão do conhecimento, apresentando o caso de implantação de uma ferramenta wiki, para compartilhar informações técnicas de um setor de TI, assim como experiências associadas à resolução de problemas e melhores práticas.

Com as temáticas contempladas nos diversos artigos, destacam-se estudos sobre aspessoas, sejamprofissionaisdeatendimentoemídiadeagênciasdepropagandade Porto Alegre, jovens moradores de Porto Alegre, professores universitários, microempreendedores individuais e gestores e colaboradores de outras organizações. Assim, demonstra-se a interdisciplinaridade da revista, que objetiva apresentar aos seus leitores aspectos acadêmicos diversos, nas ciências empresariais, políticas e sociais.

Desejamos a todos boa leitura!

Comissão Editorial

Opinio Canoas n.29 p.3-27 jul./dez. 2012

A Rádio Cidade FM como veículo publicitário: percepção de atendimentos e mídias de agências de PP em Porto Alegre

Camila RodriguesMirian Engel Gehrke

RESUMOOobjetodeestudodesteartigoéapercepçãodeprofissionaisdeatendimentoemídiade

agências de propaganda de Porto Alegre sobre a Rádio Cidade como veículo publicitário. Para afundamentaçãodapesquisa,osconceitosestudadosforam:asatribuiçõesdeprofissionaisdeatendimento e mídia em agências de publicidade e propaganda, segundo Sant’Anna (1998), Tamanaha (2006) e Corrêa (2006); o rádio como meio de comunicação para veiculação publicitária, a partir de Ortriwano (1985), Ferrareto (2007) e Sampaio (2003); e o rádio voltado para classes populares com base em Ferrareto (2007), Athaydes e Stosch (2008), Limeira (2008) e Azevedo e Mardegan (2009). Foi realizada pesquisa com abordagem qualitativa e nível exploratório. O delineamento é estudo de caso e a coleta de dados foi realizada através de entrevistas com vinte profissionaisdeatendimentoemídiaqueatuamemagênciasdepropagandadePortoAlegreetrabalham com contas de clientes que possuem produtos e/ou serviços voltados para a classe C. O principal resultado foi que a Rádio Cidade é considerada pelos entrevistados um bom veículo para a comunicação com o público popular, especialmente o jovem pertencente à classe C.

Palavras-chave: Atendimentoemagênciasdepublicidadeepropaganda.Profissionaldemídia. Rádio. Classes populares.

The FM Radio Cidade vehicle as advertising: Perception of attendant and media advertising agencies of Porto Alegre

ABSTRACTThe object of this paper is the perception of professional of attendant and media advertising

agencies in Porto Alegre on the Radio Cidade as a publicity vehicle. For the research, the reviewed concepts were: assignments for professionals of attendant and media in advertising agencies, according Sant’Anna (1998), Tamanaha (2006) and Correa (2006); radio as a medium for advertising from Ortriwano (1985), Ferrareto (2007) and Sampaio (2003); and the radio turned for lower classes on Ferrareto (2007), Athaydes and Stosch (2008), Limeira (2008) and Azevedo e Mardegan (2009). A survey was conducted with qualitative approach in a exploratory level. The delimitation is a case study and the data collection was conducted through interviews with twenty attendant professionals who work in advertising agencies in Porto Alegre and work with customer

Camila Rodrigues é bacharel em Comunicação Social – habilitação em Publicidade e Propaganda, pela Universidade Luterana do Brasil. E-mail: [email protected] Engel Gehrke professora e coordenadora do curso de Comunicação Social da Universidade Luterana do Brasil – habilitação em Publicidade e Propaganda. Mestre em Comunicação e Informação pelo PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Opinio, n.29, jul./dez. 20124

accounts that have products and / or services for the class C. The main result was that Radio Cidade is considered by respondents a good vehicle for communication with a mass audience, especially the youth belonging to the class C.

Keywords: Attendant in advertising agencies. Media professional. Radio. Lowers Classes.

1 INTRODUÇÃO Na última década, houve expressivo crescimento da economia brasileira e, com

isso, milhares de brasileiros saíram das classes D e E e passaram a integrar a classe C, a chamada nova classe média brasileira, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas – FGV (http://www.cps.fgv.br/cps/bd/clippings/oc367.pdf, 03 abr. 2012). A pesquisa constatou que, de 2003 a 2011, mais de 40 milhões de pessoas ingressaram na classe C, totalizando 105,5 milhões atualmente, e estimou que até 2014 sejam mais de 118 milhões a comporem esta classe socioeconômica, que hoje é maioria no Brasil, atingindo 53,8% da população. Também segundo a FGV, em matéria publicada na Revista da ESPM de julho/agosto de 2011, a renda mensal de uma família pertencente à classe C está entre R$ 1.065,00 e R$ 4.591,00.

Considerando este cenário, grandes empresas passaram a criar produtos e serviços específicosparaapopulaçãodaclasseC.Emparalelo, instituiçõesdesenvolverampesquisas com o intuito de saber como vive a nova classe média e desvendar seus hábitos de consumo. O Instituto Data Folha, por exemplo, criou o Data Popular, especializado em pesquisas sobre a Classe C. Além disso, os meios de comunicação geram diariamente notícias e reportagens sobre o assunto, como os jornais Zero Hora, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo e as Revistas Época e IstoÉ, em suas edições impressas e digitais1.

E, ainda, veículos de comunicação, cada vez em maior número, são voltados paraopúblicopopular,gerandoconteúdosespecíficos,como,porexemplo,osjornaisDiário Gaúcho, no Rio Grande do Sul, e o Meia Hora, do Rio de Janeiro, e as revistas nacionais Conta Mais e Ana Maria. Além destes, veículos com programação já consolidada inseriram em suas grades programas e séries com adequação ao público emergente, como destaca matéria de Maurício Stycer, publicada no site Universo Online (UOL) em 09 de maio de 2011, Globo muda programação para atender a nova classe C (http://televisao.uol.com.br/ultimas-noticias/2011/ 05/09/globo-muda-programacao-para-atender-a-nova-classe-c.jhtm, 14 maio 2012). O programa Esquenta! (http://tvg.globo.com/programas/esquenta/) e o seriado Entre Tapas e Beijos (http://tvg.globo.com/programas/tapas-e-beijos/tapasebeijos/platb/) da TV Globo, e os programas O Melhor do Brasil (http://entretenimento.r7.com/melhor-do-brasil/) e Balanço Geral (http://

1 Como, por exemplo, Perfil dos emergentes. A classe média tem nova cara, de Carlos Etchichury, na Zero Hora de 09 de agosto de 2011; Classe C ainda enfrenta resistência de empresas, de Claudia Rolli, na Folha de S. Paulo de 04 de janeiro de 2011; Brasil, nação C, de Guilherme Fiuza, no site da Época (http://revistaepoca.globo.com/opiniao/guilherme-fiuza/noticia/2012/01/brasil-nacao-classe-c.html), em 20 de janeiro de 2012; Classe C vai ao paraíso, de Adriana Nicacio, no site da IstoÉ (http://www.istoe.com.br/reportagens/96820_A+CLASSE+C+VAI+AO+PARAISO), atualizada em 26 de abril de 2012.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 5

www.facebook.com/balancors), da TV Record, são exemplos do espaço que é dado atualmente para conteúdos voltados para as classes populares na televisão.

No segmento rádio, a Rádio Cidade FM, uma das emissoras do Rio Grande do Sul voltada ao segmento popular – com renda familiar de 3 a 10 salários mínimos, segundo Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios – PNAD 2009, realizada pelo Instituto BrasileirodeGeografiaeEstatística–IBGE–possuiprogramasecomunicadoresqueutilizam a linguagem de seus ouvintes e a programação traz as músicas que fazem mais sucesso, como funk, sertanejo e músicas românticas (GRANDO, 2003 apud FERRARETO, 2007, p.261). Estes estilos musicais contam com milhares de fãs e são responsáveis por lotar shows e gerar grande audiência para rádios como a Cidade, que atualmente ocupa a terceira posição no Relatório IBOPE Easy Media, Porto Alegre, janeiro a março 2012, com a média de 33.158 mil ouvintes por minuto. As duas primeiras colocadas são as Rádios 104 FM e Eldorado FM, também voltadas para o públicopopular,maisespecificamenteparaaclasseC.

A Rádio Cidade FM vem realizando esforços para comunicar sua relevância junto ao público popular para o mercado publicitário, porém, pela experiência da pesquisadora atuando no departamento comercial da Rádio Cidade FM por três anos, a associação de marcas com o segmento popular é vista com reservas tanto por publicitários como por clientes. Esta percepção ganha sustentação com a reportagem Classe C ainda enfrenta resistência de empresas, do jornal Folha de S. Paulo de 04 de janeiro de 2011, através de pesquisa mostrando que “7 em cada 10 empresas que atuam nas classes C, D e E admitem algum tipo de preconceito ou resistência de sua organização para atender o consumidor de baixa renda”.

Levando em conta todas estas questões, o objeto deste estudo é a percepção deprofissionaisdeatendimentoemídiadeagênciasdepropagandadePortoAlegresobre a Rádio Cidade FM como veículo publicitário. O objetivo geraléverificarqualé esta percepção e os objetivos específicossão:levantaroquantoestesprofissionaissabemsobreaRádioCidadecomoespaçoparaveiculaçãopublicitária;identificarquebenefíciosprofissionaisdeatendimentoemídiaconsideramqueaRádioCidadeFMtraz para seus clientes anunciantes e analisar qual a relação custo/benefício consideram que a Rádio Cidade FM apresenta como veículo publicitário, quando o público-alvo do anunciante é o mesmo da rádio.

Ésabidoquetaisprofissionaistêmpapelfundamentalparatransmitiraanunciantespercepções sobre os veículos para campanhas publicitárias, apresentando pesquisas e argumentos que comprovem a importância de se comunicar através de estratégias específicasparaseuspúblicos.Assim,esteartigosejustificaporbuscarcompreendercomoos profissionais atuantes nomercadopublicitário porto-alegrense entendemos veículos voltados para o público popular e a sua relação com marcas e produtos, contribuindo para o conhecimento da área através do embasamento sobre um dos temas em voga no país, a nova classe média brasileira.

Opinio, n.29, jul./dez. 20126

Em levantamento preliminar em sites de organismos de pesquisas e universidades2, foram pesquisados trabalhos acadêmicos com o mesmo tema, não tendo sido encontradas pesquisas sobre a percepção da Rádio Cidade FM como veículo publicitário. Contudo, existe um estudo com o tema relacionado ao deste artigo, O Fluxo de Trabalho numa Agência de Propaganda: do Briefing ao Checking (ABREU; BAPTISTA, 2011), que aqui é utilizado como referência.

O problema de pesquisadesteartigoé:qualapercepçãodeprofissionaisdeatendimento e mídia de agências de propaganda sobre a Rádio Cidade FM como veículo publicitário? Para responder a essa questão, foi realizada pesquisa com abordagem qualitativa e nível de pesquisa exploratório. Trata-se de um estudo de caso. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas comprofissionais de agências comquestionários abertos, cujo roteiro encontra-se no Apêndice A. A amostra é composta porvinte(20)profissionais,dez(10)deatendimentoedez(10)demídiaqueatuamemagências de propaganda e trabalham com contas de clientes que possuem produtos e/ou serviços voltados para a classe C, como a Escala, Dez, Competence, DCS, Duplo, Matriz, Job & Hervê, Thunder, E21 e DM9 Sul.

Este artigoébaseadonosestudosdepráticasprofissionais e está estruturadoemtrêsseçõesteóricas,queestudamasatribuiçõesdeprofissionaisdeatendimentoemídia em agências de publicidade e propaganda, o rádio como veículo publicitário e o rádio voltado para o público de classes populares. Para conceituar as atribuições de profissionaisdeatendimentoemídiaemagênciasdepublicidadeepropaganda,sãoutilizados Sant’Anna (1998), Tamanaha (2006) e Corrêa (2006) e o estudo sobre o rádio como meio de comunicação para veiculação publicitária é realizado a partir de Ortriwano (1985), Ferrareto (2007) e Sampaio (2003); o rádio voltado para o público de classes populares foi estudado com base em Ferrareto (2007), Athaydes e Stosch (2008), Limeira (2008) e Azevedo e Mardegan (2009).

2 ATRIBUIÇÕES DE PROFISSIONAIS DE ATENDIMENTO E MÍDIA EM AGÊNCIAS DE PUBLICIDADE E PROPAGANDAAs primeiras agências de publicidade e propaganda surgiram no século XIX,

nos Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. No Brasil, a primeira agência foi fundada em 1914 e se chamava Eclética Publicidade, como cita Sant’Anna (1998), mas dedicava-se apenas à veiculação de peças publicitárias em meios impressos. Porém, somente na década de 1960, a atividade foi regulamentada, pela Lei 4.680/65 e pelo decretonº57.690/66,quedefinem:

2 www.portalintercom.org.br; www.scielo.br; www.bocc.uff.br; www3.pucrs.br; www.unisinos.br; www.ulbra.br; www.metodistadosul.edu.br

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 7

A Agência de Propaganda é pessoa jurídica especializada na arte e técnica publicitária que, através de especialistas, estuda, concebe, executa e distribui propaganda aos veículos de divulgação, por ordem e conta de clientes-anunciantes, com o objetivo de promover a venda de produtos e serviços, difundir ideias ou informar o público a respeito de organizações ou instituições colocadas a serviço deste mesmo público. (http://www.portal dapropaganda.com/comunicacao/downloads, 15 jun. 2012)

Daquela época para cá, as agências vêm se modernizando, mas sua função básica de criar propaganda se mantém, como Sampaio (2003, p.58) apresenta:

A agência de propaganda é a organização especializada na arte e técnica da propagandaqueseestruturaespecialmenteparaessefim,aglutinandoprofissionaisespecializados de diversas áreas, acumulando experiências, desenvolvendo e adquirindotecnologiaespecífica,eprestandoserviçosparaanunciantesdeváriossetores, que formam sua carteira de clientes.

Ainda segundo Sampaio (2003, p.59) uma agência de propaganda pode exercer inúmeras funções; entre as principais estão:

O planejamento de comunicação publicitária de seus clientes, a criação das mensagens mais indicadas, a produção física (interna e externa) dessas mensagens,oestudoeaplanificaçãodasmelhoresalternativasdeusodeveículos,o encaminhamento para veiculação das mensagens escolhidas e a aferição dos resultados de todo o esforço.

O tamanho de uma agência pode variar bastante, pois há as que possuem vários departamentos e grande faturamento, sendo que algumas das maiores agências de propaganda pertencem a organizações multinacionais, estando em diversos países e atuando com amplas instalações, como menciona Sampaio (2003). Há também as que dispõem somente dos departamentos mais comuns como “Gerência, administração, finanças,atendimento,mídia,criação,produçãoetráfego”conformeCorrêa(2006,p.15).Existemaquelasquepossuempoucosprofissionaisqueexercemváriasfunçõeseatémesmoasquefuncionamcomapenasumprofissional,apelidada“Eugencia”,o que não é recomendado, como destaca Sampaio (2003, p.62): “tal agência não está capacitada a executar adequadamente a tarefa que lhe cabe, pela própria diversidade de aptidões, conhecimentos e talentos necessários à propaganda”.

Os setores de uma agência podem ser divididos em operacionais e de apoio (CORRÊA, 2006). Os operacionais são compreendidos pela gerência, administração, financeiro, atendimento, criação, produção,mídia e tráfego e os setores de apoio

Opinio, n.29, jul./dez. 20128

são a pesquisa de mercado, pesquisa de comunicação, pesquisa de mídia, centro de informações, informática, assessoria jurídica e lobby governamental, podendo, ainda, ter os opcionais: promoção de vendas e merchandising, relações públicas, assessoria de imprensa, eventos, web design e database marketing.

Cada área possui profissionais que desempenham diferentes funções, cadaprofissionalpossuindoatribuiçõesespecíficas,comodescreveCorrêa(2006)sobreosprincipais setores:

Gerência: as agências de médio para grande porte geralmente têm um Conselho Executivo ou Administrativo. [...] têm, assim, a oportunidade de contribuir para grandesdecisõesaseremtomadas,influindonosdestinosdaempresa;

Administração: costuma abranger as seguintes áreas: financeira, contábil,jurídica,recursoshumanos,compras,controledeestoque,ativofixo,serviçosde escritório e informática;

Atendimento: oprofissionaldestesetorprecisaterumavisãoglobaldaagênciae dos negócios do cliente para poder assessorar corretamente, além de ter um bom conhecimento em marketing;

Criação: é composta pelo Redator e pelo Diretor de Arte. [...] Diretor de Arte: éoprofissionalvoltadoparaodesigngráficopublicitário.Seuconhecimentoéespecializadonaarteetécnicadaimagem.[...]Redator:éoprofissionalvoltadopara o texto publicitário;

Produção Gráfica: [...]temafunçãodesolicitarorçamentosagráficas,negociare cuidar da qualidade da impressão, supervisionando os trabalhos junto a esses fornecedores;

Produção de R/TV/C: toda produção eletrônica – rádio, televisão, cinema, videotape – passa por este departamento. Sua função é semelhante à da produção gráfica, ou seja, solicitar orçamentos para a produção da peça publicitária,negociar, coordenar e supervisionar tecnicamente a sua execução junto às produtoras;

Mídia: [...] responsável pela correta aplicação das verbas de propaganda junto aos veículos de comunicação, autorização e respectivo controle da veiculação autorizada, o que implica um excelente planejamento, uma habilidosa negociação eumaeficienteorganização.

As atribuições do profissional de planejamento são definas por Sant’Anna(1998, p.101): “O objetivo global do planejamento é proporcionar soluções práticas, baseadasnosfatos,paraproblemasespecíficosdemarketingepropaganda.Aanálise,síntese e interpretação de dados reunidos pela pesquisa são componentes essências das responsabilidades do planejador”.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 9

Ofluxodetrabalhonaagênciadepropagandacomeçaquandoumjob3 é solicitado, podendo ser desde um lançamento de um novo produto, uma nova campanha de divulgação ou a troca de endereço ou telefone de um cliente, como citam Abreu e Baptista (2011).

Oprofissionaldeatendimentobuscaobriefing4 junto ao cliente, sendo responsável por disseminar as informações para todos os departamentos envolvidos. Junto com o departamento de planejamento, o atendimento irá desenvolver a estratégia para que os objetivos do cliente coletados no briefing sejam alcançados. Na reunião em que ocorre estadefinição,osprofissionaisdecriaçãoemídiapodemestarpresentese,assim,jápodemserdefinidosotemadacampanha.Normalmente,estesprofissionaisusamatécnica do brainstorm5 para sugerir ideias, com o intuito de obter uma concepção diferenciadapara o trabalho a ser desenvolvido.Comas ideias já pré-definidas, oatendimento vai novamente até o cliente para discuti-las e são realizados os ajustes necessários,comissooprofissionalconstróiobriefing finalqueseráentregueacriaçãoe mídia (ABREU; BAPTISTA, 2011).

Através das informações repassadas pelo atendimento, a criação irá conceber a campanha, com peças alinhadas ao briefing. Amídia irá definir os veículos decomunicação que serão utilizados para a divulgação da campanha. Porém, o atendimento deverá aprovar as peças e os veículos junto ao cliente. Depois de tudo aprovado pelo cliente, a mídia irá negociar com os veículos os espaços publicitários e a criação irá finalizaraspeças.Paraleloaisso,odepartamentofinanceirocontrolaaverbadoclientee toda a documentação necessária para prestação de contas. E os departamentos de produçãográfica eR/TV/C irãoprovidenciar amaterializaçãodaspeças junto aosfornecedores. Durante a veiculação da campanha, o departamento de mídia faz o checking6paraverificarseaspeçasestãoveiculandocorretamentee,apósseufinal,éenviado ao cliente um relatório para comprovação, encerrando o job, como detalham Abreu e Baptista (2011).

Considerando o objeto de estudo deste artigo, serão aprofundadas as atribuições eoperfildosprofissionaisdeatendimentoemídiaemumaagênciadepublicidadeepropaganda.Assim,oprofissionaldeatendimentopossuiumduplopapeldentrodaagência de propaganda, “sendo “advogado” do cliente dentro da agência e “embaixador” daagênciajuntoaocliente”,comodefineCorrêa(2006,p.21).Aprincipalatribuiçãodesteprofissionaléserresponsávelpelorelacionamentoentreaagênciaeocliente.Emalguns casos, o atendimento também faz o planejamento de comunicação publicitária dos anunciantes que atende. Suas demais funções são, como discorre Sant’Anna (1998, p.65), “o acompanhamento das tarefas subsequentes (criação, produção, planejamento de mídia, veiculação e aferição dos resultados)”. O atendimento deve estar em constante

3 Palavra de origem inglesa que significa “trabalho”, comumente utilizada na linguagem publicitária.4 Levantamento de informações para auxiliar no trabalho dentro da agência.5 Palavra de origem inglesa que significa “tempestade de ideias”, reunião de trabalho onde os profissionais colocam suas ideias livremente.6 Palavra de origem inglesa que significa “conferindo”.

Opinio, n.29, jul./dez. 201210

contato com o cliente, mantendo-o informado e buscando informações e também obtendo as aprovações necessárias durante o processo.

ParaCorrêa (2006, p.41), ao longo dos anos, o profissional de atendimentoperdeuespaçodentrodasagênciasdepropaganda,devidoàprofissionalizaçãodeáreascomocriaçãoemídia.Segundooautor,atendênciaéqueesteprofissionalretomeascaracterísticas de décadas passadas:

[...] [ele] precisa voltar à sua vocação original de “generalista”, conhecendo de tudo um pouco, indo até o nível necessário para orientar corretamente o cliente e os seus companheiros de agência, especialistas nas mais diversas áreas. [...] A função nos dias de hoje e no futuro parece ser a de trabalhar em nível estratégico, deixando o tático e o operacional para os especialistas.

Ainda para Corrêa (2006, p.51): “o novo Atendimento deve ser um homem ou mulher de negócios com base técnica em comunicação” visto que este precisa lidar com diferentes públicos dentro da agência, além de negociar com organizações que possuem estruturasdistintaseatuamemdiferentesnichosdemercado.Esteprofissionaldeveterespíritodeliderançaesereficaznatomadadedecisões,alémdesaberlidarcompessoaseconhecerasdiversasáreasqueseusclientesestãoinseridos,comoafirmamAbreu e Baptista (2011).

Para ser um bom atendimento, é preciso ser um profundo conhecedor das técnicas de comunicação e saber como, quando e onde aplicá-las. É preciso possuir amplo conhecimento do mercado em que seus clientes atuam, assim como as empresas de seus clientes. O que uma empresa anunciante espera de uma agência deve ser percebido, entendido e incorporado pelo atendimento. (LUPETTI, 2003, p, 58)

Jáoprofissionaldemídialevaomesmonomedodepartamentoemqueatuaetem como principal atribuição “viabilizar a veiculação da campanha para um público determinado,demaneiraeficienteerentável”,comocitaTamanaha(2006,p.1).Eleéresponsável por fazer o plano de mídia que, para Sampaio (1995, p.70): “é tarefa cada dia mais complexa, técnica e vital para o sucesso de uma campanha publicitária. Pois está cada vez mais difícil atingir os consumidores de todos os targets”.

O departamento de mídia, geralmente, tem quatro divisões: planejamento, pesquisa ecomprasechecking,comodefineTamanaha(2006,p.6):

Planejamento: elaborar o plano de mídia de acordo com a verba disponível, com as recomendações de como a campanha será veiculada para atingir o público-alvo. [...] Apresentar o plano de mídia ao cliente. [...] Administrar o processo de

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 11

envio de documentos aos veículos de comunicação autorizando a exibição das peças publicitárias, e ao cliente, para que formalize a aprovação da veiculação. [...] Realizar o serviço de pós-veiculação, que consiste em apresentar ao cliente um balanço da veiculação planejada e efetivada;

Pesquisa: competeaoprofissionalquenelaatuafornecertodoosuportetécnicode pesquisa ao planejador, como: manusear os softwares de pesquisa, entre eles o Sistem Suíte Integrada; interpretar o comportamento das audiências de televisão e rádio; analisar os investimentos da concorrência em mídia; desenvolver novos estudos com os institutos de pesquisa;

Compras:essaatividadeécaracterizadapelocontatodoprofissionaldemídiacomoprofissionaldeveículodecomunicação,sejaparaobterqualquertipodeinformação, seja para negociar desconto sobre a verba prevista de veiculação;

Checking: a principal atribuição dessa área é conferir se as inserções previstas nos meios eletrônicos – televisão e rádio – foram veiculadas, de acordo com orelatórioobtidojuntoàsempresasqueprestamesseserviçodefiscalização,como o Ibope, e com a própria informação de exibição fornecida pelo veículo, chamada de comprovante de veiculação.

Segundo o autor, nas agências pequenas, a mesma pessoa pode desenvolver estas funções e ainda fazer o checking das veiculações.

O trabalho do mídia acontece, muitas vezes, em paralelo ao da criação, “ de forma que o cliente possa analisar em conjunto as propostas das duas áreas” (SAMPAIO, 2003, p.68) que serão apresentadas pelo atendimento.

Operfil de umprofissional demídia passa principalmente por ter umbomrelacionamento com os veículos, saber negociar, ter a habilidade de fazer cálculos mentalmente e com rapidez, saber analisar vantagens e desvantagens não implícitas e conhecer o mercado e o público-alvo de seus clientes, conforme Abreu e Baptista (2011).

Paraadefiniçãodosmeiosdecomunicação,veículos,faixashoráriaseprogramasque a campanha do cliente irá veicular, é necessário que o mídia tenha um profundo conhecimento sobre cada meio e principalmente tenha acesso a pesquisas de mídia, como menciona Sampaio (2003, p.274): “a pesquisa de mídia é absolutamente indispensável para a seleção das melhores alternativas de mídia para aplicar a verba dos anunciantes”.

Uma destas alternativas, com grande valor publicitário, é o rádio, objeto de estudo neste artigo. Dessa forma, a próxima seção tem o objetivo de apresentar detalhadamente o meio rádio como opção para veiculação de mídia.

Opinio, n.29, jul./dez. 201212

3 RÁDIO COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO PARA VEICULAÇÃO PUBLICITÁRIANoBrasil,orádiofoiinauguradooficialmenteem7desetembrode1922,noRio

de Janeiro, porém o dia 20 de abril do ano seguinte que é considerado como a data da instalação da radiodifusão no País, como descreve Ortriwano (1985, p.13): “É quando começa a funcionar a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por Roquete Pinto e Henry Morize”. No Rio Grande do Sul, o rádio comercial iniciou suas atividades, do ponto de vista jurídico, em 1º de março de 1932, conforme Ferrareto (2007, p.22), entretanto segundo o autor:

De 7 de setembro de 1924, quando começam as irradiações pioneiras da Rádio Sociedade Rio-Grandense, até 27 de outubro de 1934, data em que a Rádio DifusoraPorto-Alegrensepassaatransmitiroficialmente,aradiodifusãosonorano Rio Grande do Sul segue um padrão nitidamente artesanal.

Inicialmente, existiam somente as emissoras AM – ondas médias. Na década de 60, começaram a operar as rádios FM – frequência modulada. Hoje, os dois sistemas ainda são utilizados, havendo algumas emissoras que reproduzem sua programação integrada em AM e FM (ORTRIWANO, 1985), como as rádios Gaúcha e Guaíba, no Rio Grande do Sul. O relatório Mídia Dados 2011 (http://midiadados.digitalpages.com.br/home.aspx, 15 jun. 2012), com base nos dados da Anatel de abril do mesmo ano, informou que, num total de 4.018 rádios existentes no Brasil, 1.707 são AM e 2.311 são FM.

O rádio é um dos meios de comunicação mais disseminados no país, estando em 91,3% dos domicílios brasileiros. O Rio Grande do Sul detém o segundo maior percentual, 97,8%, atrás apenas do Rio de Janeiro, com 99,0%, conforme PNAD 2009, realizada pelo IBGE, apresentado no mesmo relatório. Porém, a penetração do rádio vem caindo, conforme pesquisa do instituto IPSOS, disponibilizada no Mídia Dados 2011:noano2000,57%daspessoasentrevistadasafirmavamterouvidorádionodiaanterior; atualmente, este percentual caiu para 43%.

A programação de rádio é dividida em jornalística e entretenimento e, nesta divisão,osveículospodemorientaraprogramaçãoporsegmentosdepúblicos,definindoum estilo próprio conforme seus interesses comerciais, como discorre Ferrareto (2007. p,165):“condiçõesparticularesdemercadoobrigamorádioabuscarnichosespecíficospara serem trabalhados em termos comerciais e de conteúdo”.

Em edição especial sobre rádio, a revista Meio & Mensagem (13 set. 2010) destacou os principais motivos que levam as pessoas a ouvir rádio: buscar informação – 37,6% dos entrevistados; entretenimento – 32,4%; e distração durante as tarefas habituais – 32%.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 13

ConformeMídiaDados2011,operfildoouvintederádionoBrasilécomposto,emsua maioria, por pessoas de 20 a 49 anos – 59%; do sexo feminino – 53%; e pertencentes à classe C – 48%, conforme pode ser conferido no Anexo B.

A pesquisa de audiência de rádio é realizada por entrevistas recall (retrospectiva), que é o padrão internacional para medição deste meio, com periodicidade mensal e disponibilizada ao mercado por meio do software EasyMedia Rádio, do IBOPE. As pesquisasdisponibilizamoperfildopúblicoouvinteeavariaçãodiáriadosíndicesde audiência (IBOPE, http://www.ibope.com.br/pt-br/Paginas/home.aspx, 14 maio 2012).

O rádio possui uma grande abrangência de ouvintes e, por isso, é uma boa opção para agências de propaganda para inserção de anúncios, devido ao alto potencial de atingimento de público e por ter a possibilidade de segmentação, como menciona Sampaio (2003, p.97):

Ao mesmo tempo que é o grande veículo brasileiro de massa, devido à sua maior cobertura, o rádio também representa uma excelente opção como mídia dirigida, uma vez que a grande quantidade de emissoras em operação por todo o território nacional faz com que a segmentação de seus ouvintes seja considerável, devidoàs condiçõesgeográficasdedistribuiçãodos sinais ede conteúdodaprogramação do rádio.

Além disto, o rádio também tem outros pontos fortes, como cobertura razoável de público,abrangênciageográficalocal,atingimentodepraticamentetodosospúblicos,continuidade de veiculação, rapidez para começar a veiculação, sem contar que estimula a imaginação das pessoas.

Mas, como qualquer meio de comunicação, também possui pontos fracos enquanto mídia publicitária, como a necessidade de alta frequência de exposições ao público, não ter imagem e ser volátil – a mensagem não é armazenada pelo ouvinte, como descreve Veronezzi (2009, p.50). Com relação ao primeiro item, no entanto, Tamahana (2006, p.58)afirmaqueorádio“favoreceaestratégiadealtafrequência,porserinstantâneoe possuir um dos menores custos absolutos de veiculação em comparação com os demais meios, o que permite a compra de várias inserções por emissora”. O rádio é considerado um meio de baixo custo para a publicidade, pois sua produção não exige altos investimentos e o preço por inserção é barato em relação ao público atingido. Se comparado com outros veículos de massa, como a televisão, o custo por inserção no rádio é consideravelmente mais baixo (ORTRIWANO, 1985) – ou seja, este ponto fraco é diluído pela questão do custo.

Para Sampaio (2003), “trabalhando com som e a capacidade de imaginação de seusouvintes,apropagandanorádioémuitoeficiente”.Oespaçocomercialemrádioé vendido em diversos formatos pelas emissoras, cada um com sua peculiaridade e procurando motivar o ouvinte ao consumo de uma forma diferente. Os formatos

Opinio, n.29, jul./dez. 201214

informados pelo Grupo RBS, (https://www.comercialgruporbs.com.br/interna_formatos_especificacoes_detalhe.aspx?PlataformaID=20&MarcaID=3447&FormatoID=98,30abr.2012)são:

Mídia avulsa: são disponibilizados espaços de 15”, 30”, 45” e 60”. [...] o cliente pode divulgar seus produtos e serviços, durante o espaço comercial.

Toque ao vivo: são toques dados pelo próprio comunicador do horário, sobre promoções da rádio ou com apoio da rádio, dentro do espaço comercial.

Texto ao vivo: [...] são materiais do cliente, lidos pelos comunicadores durante a programação. Este formato permite forte proximidade com o público, pela comunicação mais pessoalizada.

Comercial valorizado: em formato de teaser, o comunicador anuncia o cliente que entra na primeira posição do break prendendo a atenção do ouvinte para o comercial a seguir.

Patrocínio de linha: são todos os patrocínios ligados aos programas/ programetes da rádio e que constam na tabela de preços. O aproveitamento comercial é de acordo com tempo, horário e frequência. Seus valores são pré-estabelecidos de acordo com o volume de mídia, entre citações e comerciais durante cada programa.

Patrocínio de shows: são todas as formas de patrocínios de eventos próprios ou de terceiros. São comercializados na forma de cotas de patrocínio, que podem variar entre: apresentação, patrocínio, apoio e ponto de venda de ingressos. Sempre com envolvimento da rádio.

Projetos Especiais: São todos os produtos comerciais diferenciados, podendo ser de ações com ouvintes, de datas comemorativas, ou ligados a clientes.

Merchandising: os comunicadores da rádio fazem a leitura do material do cliente de uma maneira diferenciada, colocando posicionamento e uma entonação pessoal na mensagem, levando à audiência a credibilidade de sua palavra e a imagem forte e positiva da rádio.

Unidade móvel: são todas as intervenções que vão ao ar, realizadas via telefone, juntamente com a unidade móvel, de algum cliente ou local estratégico para público e são realizadas somente dentro do espaço comercial. Esta mídia também podeserchamadadeflashaovivo.

Programetes: é um pacote de mídia avulsa com um conteúdo sobre um tema específicocomassinaturadocliente.Pode-sehomenagearumsegmentocomasdatas comemorativas ou então dar dicas sobre assuntos variados.

Além destes, existem outros formatos, como assinatura, citação e vinheta, que são incluídos normalmente em aproveitamentos de patrocínio. Para Silva (1999), o spot – anúncio falado que pode conter trilha musical efeitos sonoros – e o jingle – anúncio musicado – são os formatos mais comuns de peças publicitárias pré-elaboradas para

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 15

rádio.Segundooautor(p.25),“comaprofissionalizaçãodomeio,nadécadade30,oanúncio em rádio passou a ter seus textos pré-elaborados por um redator”.

Em 2010, a participação do meio rádio nos investimentos publicitários no Brasil foi de 4,2%, como apresenta o relatório Mídia Dados 2011. Este percentual vem sofrendo pouca oscilação, mantendo-se em torno de 4% desde 2007. Já no Rio Grande do Sul, a participação deste meio em 2010 foi de 10,6%, estando bem acima da média nacional, conforme o mesmo relatório. Em 2011, o meio rádio teve faturamento de R$ 1,13 bilhão no Brasil, obtendo crescimento de 3,28% em relação ao ano anterior, segundo Projeto Inter-Meios, com informação disponibilizada no site da revista Meio & Mensagem, na seção Anuário de Mídia – Rádio (http://www2.meioemensagem.com.br/anuario/midia/radio.html, 30 abr. 2012).

O futuro do rádio está atrelado a novas tecnologias: aliado à internet, o rádio se apresenta como um importante meio multiplataforma, pois além do dial, tem a possibilidade de transmitir sua programação na internet, como menciona Moreira (1999, p.25):

O ouvinte internauta pode escutar músicas e ouvir entrevistas, debates ou notícias pelo rádio com qualidade sonora bastante superior ao sistema convencional, independente do país de origem da emissora. De alcance ilimitado, o rádio na internet ultrapassa alguns limites das transmissões radiofônicas normais.

Com isso, o rádio se apresenta como um meio de comunicação com grandes perspectivasdemodernizaçãoe influêncianomercadopublicitário,principalmentedevido ao poder de segmentação. Nesta perspectiva, a próxima seção conceitua o rádio voltado para o público de classes populares.

4 RÁDIO VOLTADO PARA O PÚBLICO DE CLASSES POPULARESPara conceituar o rádio voltado para o público de classes populares, é

necessário compreender quem é este público e como é seu comportamento de consumo. Principalmente quando o Brasil está passando por uma profunda mudança socioeconômica, com o crescimento da renda das classes mais baixas e, consequentemente, com o incremento do poder de consumo, como destacam Azevedo e Mardegan (2009, p.2): “... esse aumento de consumo vem se dando com maior vigor nas classes C, D e E, isto é, na base da pirâmide social, fato que, por inusitado, já vem chamando a atenção de diversas empresas e especialistas em varejo”.

Este cenário vem se apresentando desde 2004, conforme matéria de Fernando Dantas, Como o Brasil virou o país da classe C, de 12 de março de 2012, publicada no site Estadão (http://blogs.estadao.com.br/fernando-dantas/2012/03/21/como-o-

Opinio, n.29, jul./dez. 201216

brasil-virou-o-pais-da-classe-c/, 15 jun. 2012), porém as empresas ainda estão se adaptando a este momento econômico e social do país, já que, por muito tempo as marcas concentravam seus esforços apenas nas classes mais altas, como observam Azevedo e Mardegan (2009, p.7):

Amaioriadosprofissionaisdemarketingevendastem,atéhoje,concentradoseus esforços nos consumidores das classes A e B, ignorando, até por dever de ofício, as camadas mais baixas da população. Entretanto, fatores internos e até mesmo externos vêm mostrando um forte desenvolvimento do consumo entre essas populações, não só na quantidade de itens habitualmente consumidos, como em novos itens, uma vez que, devido ao crescimento da renda discricionária, o consumidordabaixarendavaiaospoucossesofisticando,consumindo,maisemais, maior quantidade de produtos de maior valor agregado.

Paraqueasmarcassecomuniquemdeformaeficazcomopúblicodasclassespopulares, é necessário entender as particularidades desta faixa da população, denominada “consumidor emergente” por Limeira (2008, p.288), que destaca: “O consumidor emergente deseja ser tratado com dedicação, respeito e honestidade. Sua necessidade de informações e atenção no momento da compra é grande”. Especialmente para a propaganda, Limeira (2008, p.294) ressalta: “deve conter mensagem direta e simples, bem como a palavra encenada; para esse consumidor, que deseja experimentar sensorialmente, há uma grande distância entre a concretude das coisas e o vazio das palavras”.AzevedoeMardegan(2009)tambémafirmamqueamensagemvoltadaparao consumidor de baixa renda deve ser simples e que, para facilitar a comunicação, é essencial utilizar recursos como repetição e insistência.

Osmeiosdecomunicaçãodemassatêmgrandeinfluênciajuntoaopúblico,emespecial os eletrônicos, como a televisão e o rádio, por terem a capacidade de interação com o seu público. Segundo Barros (1997, apud LIMEIRA, 2008. p.296), “os segmentos emergentes apresentam uma alta proximidade com o rádio, considerando um bom companheiro nas horas de solidão”.

Por seu poder de segmentação, o meio rádio historicamente possui emissoras voltadas especificamente para o públicopopular, como relatamAthaydes eStosch(2008, p.120):

A cidade estava crescendo, pessoas de forma desorganizada vieram do campo na busca de melhores condições de vida e surgiram as vilas da periferia, lugares onde as linhas de bonde não alcançavam. [...] As três primeiras rádios a dedicarem-se exclusivamente aos ouvintes menos privilegiados culturalmente e economicamente, pela ordem, foram a Itaí, em 1965, a Caiçara (Esteio), em 1967, e a Difusora, em 1969, que fechou seu departamento de esportes e simplificouradicalmenteoeditorialdeseusnoticiários.Comessasalteraçõessurgiram os comunicadores solidários com os menos favorecidos e extremamente

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 17

carismáticos, entendendo e entretendo o ouvinte. Essas emissoras foram, mais adiante, denominadas de rádios populares.

O rádio popular em FM se caracteriza pela programação com foco no entretenimento, segundo Fernandes (2010), e tem “...características peculiares [...] de entreter, informar e tornar-se companhia do ouvinte nos momentos de solidão”, através deumaprogramaçãodiversificada com“programas românticos, pedidosmusicais,quadros como horóscopo, mensagens, recadinhos e personagens humorísticos”, típicos deste tipo de rádio.

A Rádio Cidade FM, situada em 92,1 no dial, é um exemplo de rádio popular no Rio Grande do Sul. Fundada em 15 de novembro de 1979, a Cidade inicialmente pertencia ao Jornal do Brasil, mas em 1990 foi adquirida pelo Grupo RBS, que trabalha segmentação de público em suas rádios (FERRARETO, 2007). Para a empresa, a Rádio Cidade é o veículo destinado ao jovem, pertencente às classes mais baixas e seu principal objetivo é a liderança no Ibope no meio rádio, conforme Grando7 (2003, apud FERRARETO, 2007, p.260):

[...] eles queriam ter uma rádio jovem popular, só que faziam uma rádio jovem popular só no nome. [...] A Atlântida e a Cidade estavam correndo muito juntas. No momento em que a RBS comprou, não soube o que fazer com a rádio. [...] a orientação foi a seguinte: nós queremos fazer uma rádio para ser primeiro lugar. AAtlântidavaisercadavezmaisAeB,maisqualificada,enósqueremosumarádio para pegar o primeiro lugar. [...]

Diferentemente do posicionamento alegado – voltada para o “jovem popular” –, operfildeouvintesdaRádioCidade,mostraquearádioémaisabrangente,emtermosde faixa etária, com altos percentuais de ouvintes em faixas que vão dos dez aos 49 anos, e que 55% pertencem à classe C e 66% são do sexo feminino.

Ainda conforme Grando (2003, apud FERRARETO, 2007, p.261), a Rádio Cidade traz em sua programação os elementos representativos do rádio popular, “...tocando funk, baladas sertanejas,músicas românticas, enfim, tudoo que aparecercomo sucesso nas paradas comerciais, nos pedidos dos ouvintes ou em programas populares de televisão”. Esses elementos são frequentemente associados a “estética do mau gosto” segundo Eco (2008, apud FERNANDES, 2010, p.8). Fernandes (2010) afirmaqueamescladegêneros,umdoselementosdorádiopopular,estáatreladaàsclasses mais baixas e a Rádio Cidade possui esses componentes típicos, pois tem uma programação descontraída, com divulgação de festas eventos e com promoções que aproximam os ouvintes dos comunicadores, conforme descrição disponível no site da

7 Mauri Grando é gerente de programação da Rádio Cidade desde sua reestruturação em 1995 até os dias atuais.

Opinio, n.29, jul./dez. 201218

rádio (http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/cidade/conteudo,0,4587, Sobre-a-Cidade.html, 28 jun. 2012).

Talvez, isto possa levar o mercado publicitário a rejeitar a Cidade como veículo de mídia. Por esta razão, a percepção do mercado publicitário será vista na seção a seguir, atravésdavisãodeatendimentoseprofissionaisdemídiadeagênciasdepropaganda.

5 A RÁDIO CIDADE FM COMO VEÍCULO PUBLICITÁRIO: PERCEPÇÃO DE ATENDIMENTOS E MÍDIAS DE AGÊNCIAS DE PP DE PORTO ALEGREParaalcançaroobjetivodesteartigo,queéverificarapercepçãodeprofissionais

de atendimento e mídia de agências de propaganda de Porto Alegre sobre a Rádio Cidade FM como veículo publicitário, foi realizada pesquisa entre os dias 1º e 11 de junho de 2012.

A coleta de dados se deu através de entrevistas semiestruturadas com dez profissionaisdeatendimentoedezdemídia,queatuamemagênciasdepropagandaetrabalham com contas de clientes que possuem produtos e/ou serviços voltados para a classe C, como Trensurb, AES SUL, Lojas Pompeia, Lojas Maria da Praia, Nova Schin, Vonpar,Carrefour,FIATeUnisinos.Assim,foramentrevistadosprofissionaisqueatuamnas seguintes agências: Escala, Dez, Competence, DCS, Duplo, Matriz, Job & Hervê, Thunder,E21eDM9Sul.Comoépossívelverificar,tratam-sedeagênciasdepequeno,médio e grande porte, e até uma “Eugência”, segundo Sampaio (2003) e Corrêa (2006). Naagênciadepequenoporteena“Eugência”foramentrevistadosprofissionaisquedesempenham o papel de atendimento e mídia, o que agregou resultados interessantes à pesquisa, já que estes têm o contato direto com os clientes e veículos de comunicação, possuindo uma visão global de todo o processo. Cada entrevista teve a duração média de cinco minutos e todas foram gravadas.

O roteiro das entrevistas possui nove questões dissertativas. Antes das entrevistas definitivas, foi realizadaumapara teste, como intuito de conferir se as perguntasatingiamoobjetivodapesquisaeparaverificaraclarezaeoperíododeduraçãodamesma, tendo se comprovado que o roteiro estava satisfatório nestes quesitos.

O contato para a solicitação das entrevistas foi feito por telefone e e-mail. Os profissionaisforambastantereceptivos,masagrandemaioriasemostroureceosaemrelação à duração e só aceitou participar após ser assegurado que a entrevista duraria no máximo dez minutos. Os entrevistados assinaram termo de consentimento para que suas respostas fossem utilizadas neste artigo, porém suas identidades são preservadas no relato a seguir, sendo indicados como Atendimento ou Mídia 1, 2, 3 e assim por diante, até 10.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 19

Seguindo para a apresentação dos resultados, a primeira questão solicitou que o entrevistado dissesse qual a primeira palavra que lembrava ao ouvir “Rádio Cidade”. Entre os dez atendimentos, seis responderam a palavra “popular” e entre os dez profissionaisdemídia,oitotambémdisseram“popular”.Paraoatendimento3,RádioCidade lembra, imediatamente, “classe C”; já o atendimento 6 mencionou “rádio jovem”,oqueconfirmaoposicionamentopretendidopelaemissora(GRANDO,2003apudFERRARETO,2007),apesardeoperfildepúblicoapresentaríndicesdefaixasetárias bem abrangentes. Pela percepção da pesquisadora, para o atendimento 7, a expressãoassociadasignifica“maugosto”(ECO,2008apudFERNANDES,2010),pois o entrevistado explicitou certa aversão ao responder a palavra “Funk”. Outras expressões também foram citadas, como música, cidade e sucesso.

Devido à sua programação com foco no entretenimento (FERNANDES, 2010), combasenoperfildosouvintes,pelaformacomoarádioseapresentaemseusite(http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/cidade/conteudo,0,4587,Sobre-a-Cidade.html, 28jun.2012)enosanúnciospublicitáriosapercepçãodosprofissionaisestádeacordocom o posicionamento da Rádio Cidade, voltada para o jovem popular.

A segunda pergunta indagou se os entrevistados tinham o costume de ouvir a Cidade e, em caso positivo, em quais horários. Dos atendimentos entrevistados, nove responderam que não ouvem e apenas o atendimento 3 disse ouvir “de vez em quando”. Entre os mídias, dois disseram não ouvir e oito disseram que sim, porém seisdestesouvemsomenteemfunçãodenecessidadeprofissionaleparaverificarseo aproveitamento de mídia de seus clientes estaria veiculando corretamente, como argumenta o mídia 2:

Sim,euescuto,masprofissionalmente,nãocomoouvinte,prafazercheckingàsvezes.[...]Aminhaéumavisãoprofissional,deavaliaçãodoperfildarádiocomo um todo, mas não uma visão de ouvinte, de uma apaixonada por uma rádio, na realidade eu não escuto, no meu dia a dia eu não tenho como hábito escutar.

Com base nestas respostas e pela percepção da entrevistadora durante a pesquisa,foipossívelidentificarqueaRádioCidadenãofazpartedogostopessoaldos entrevistados. Entre os atendimentos, a grande maioria não ouve a rádio, porém o atendimento precisa conhecer os veículos para orientar os clientes (CORRÊA, 2006) e para argumentar junto a estes sobre as faixas horárias e programas em que acampanhairáveicular.Jáosmídias,disseramouvirarádioprofissionalmenteparaobter a compreensão técnica e isso está de acordo com Sampaio (2003), que diz que é necessário que o mídia tenha conhecimento sobre cada meio, realizando o estudo e a planificaçãodasmelhoresalternativasdeusodeveículos.

A questão seguinte solicitou que os entrevistados relatassem suas opiniões sobre a programação da rádio. A resposta unânime foi que a Cidade “cumpre bem o seu papel”, pois é adequada para o público ao qual se destina. Dessa forma, os pesquisados deram

Opinio, n.29, jul./dez. 201220

somente opiniões com base em seus conhecimentos técnicos e não como ouvintes da RádioCidade,comoafirmouomídia4:“Euachoqueéumarádioboapelopúblicoquepretende atingir, que é uma rádio popular, acho que é uma das melhores nesse segmento, apesardenãoseromeuperfil”.Paraoprofissionaldeatendimentoemídia10:

Já foi bem melhor. A busca pela audiência tornou os programas muito populares e o popular, hoje em dia, às vezes, chega a ser mau gosto. A coisa do funk, de músicas populares demais me incomoda, mas eu sei que é o meio deles, a maneira deles atingirem o primeiro lugar no Ibope e falar diretamente com a população classe C.

Omídia3aindadestacaainfluênciadosapresentadoresqueestãonatelevisãoeno rádio para o público popular:

Eu acho que para aquilo que ela se propõe é muito boa, para o público que ela se propõe atingir. Claro, eu não sou o público, eu não gosto de pagode e de funk, por exemplo, não ouço e não gosto, mas acho que para o público que ela se propõe atingir faz um bom trabalho e o fato de ter programas com pessoas da televisão aproxima o ouvinte. Existe um reconhecimento maior do público com a rádio, porque você não sabe a cara das pessoas, mas todo mundo sabe qual é a cara da Regina Lima, do Paulo Britto8.

Novamenteosprofissionaisdemonstraramconhecera rádio tecnicamenteeapercebem da forma como ela realmente se coloca no mercado, contudo os entrevistados têm reservas em relação à sua programação, que se destina ao público popular. Isto confirmacolocaçãodeAzevedoeMardegan (2009) ressaltandoqueasempresaseseusprofissionaisaindaestãoseadaptandoaestenovomomentoeconômicoesocialdo país, já que, por muito tempo as marcas concentravam seus esforços apenas nas classes mais altas. Portanto, a adaptação pela qual o mercado está passando em relação à nova classe média deve ser considerada, sendo compreensível que ainda exista um distanciamentoporpartedosprofissionais.Mas,comodestacaLimeira(2008),paraqueasmarcassecomuniquemdeformaeficazcomopúblicodasclassespopulares,énecessário entender as particularidades desta faixa da população.

Quando questionados se consideravam a Cidade uma rádio popular, todos responderam que sim e destacaram que isso é devido à linguagem utilizada pelos comunicadores, por personagens caricatos, como Luana Soft9, pela interação com

8 Regina Lima e Paulo Britto são jornalistas e apresentadores na RBS TV e também apresentam o programa Bom Dia Cidade na Rádio Cidade, estes dois veículos pertencem ao Grupo RBS.9 Comunicador Marcelo Santos interpreta o personagem “quase mulher” que possui total identificação com o público da classe C e que diverte os ouvintes da Rádio Cidade diariamente (descrição em plano comercial da Rádio Cidade).

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 21

público através das ligações ao vivo e sorteios de brindes, pelos eventos promovidos, geralmente com bandas de pagode e, principalmente, pela programação musical, como demonstra a resposta do mídia 5:

Sim, muito popular. Porque ela envolve muito prêmio, ela dá bastante brinde, ela proporciona esse envolvimento mais próximo dos ouvintes, isso é uma característica, mas a característica talvez mais importante que faz a Cidade ser popular é a linguagem que ela tem, a música que ela entrega, os personagens que foram compostos para a rádio que são populares, a programação se montou pra esse nicho de público, pra essa parte da população mais popular.

O mídia 8 enfatizou, também, que é uma rádio popular porque as notícias são normalmente de entretenimento e não abordam assuntos como política e economia e para o atendimento e isso se dá: “pela programação, por como ela se comporta perante o mercado, eu acho que todas as ações vinculadas à rádio são pra esse público mais popular”.

A percepção dos entrevistados está de acordo com o posicionamento da rádio, quecontemplaoselementoscitados,típicosdorádiopopular,comoestádefinidoemseu site: “tem uma programação descontraída, com divulgação de festas, eventos e compromoçõesqueaproximamosouvintesdoscomunicadores”.Épossívelidentificarque, devido ao poder de segmentação em relação ao público popular, os entrevistados consideram a Rádio Cidade um veículo apropriado para a comunicação com a classe C, confirmandoBarros(1997,apudLIMEIRA,2008)quandoafirmaque“ossegmentosemergentes apresentam uma alta proximidade com o rádio” devido à sua função de entretereinformaroouvinteatravésdeumaprogramaçãodiversificada,comquadroshumorísticos, programas românticos, horóscopo, pedidos musicais, mensagens e recadinhos (FERNANDES, 2010).

QuestionadossesabemqualéoperfildoouvintedaCidade,oitoatendimentose oito mídias, responderam “jovem popular”; o mídia 4 disse ser “classe C”, o mídia 5 e o atendimento 8 disseram ser composto por mulheres da classe C e o atendimento 9 dissesimplesmente:“nãosei”.Omídia7exemplificaasafirmações:“Jovem,classeC,o jovem principalmente na faixa dos18 anos”. Já para o mídia 9, “A última informação que eu tive, é de que ela concentra mais na faixa etária dos 15 aos 25, por aí, que é o jovem e a classe social, eu acho que muito forte no C e D”.

Pelapercepçãodapesquisadora,asrespostasdosprofissionaisdeatendimentotinham um certo tom de incerteza. Já os mídias demonstraram ter maior compreensão sobreoperfildosouvintesdarádio.ConformeCorrêa(2006),oatendimentoprecisairatéonívelnecessáriodeconhecimentoparaorientarseusclientes.Jáoprofissionaldemídia precisa saber interpretar o comportamento das audiências de rádio (TAMANAHA, 2006). Com base nas respostas, isto não está sendo totalmente compreendido em relação

Opinio, n.29, jul./dez. 201222

àCidade,poisseoperfildeouvintesforestudado,serádetectadoquenãoésomentejovem, mas também infantil e adulto.

Conhecer detalhadamente o veículo se mostra imprescindível no momento de optar por um ou outro, em uma campanha publicitária, pois é preciso saber analisar vantagens e desvantagens não implícitas de cada um para determinar qual é o veículo mais adequado para atingir o mercado e o público-alvo dos clientes, como mencionou Abreu e Baptista (2011).

Na sexta pergunta, os entrevistados foram indagados se consideravam a Rádio CidadeumveículoeficazparaacomunicaçãocomopúblicodaclasseC.Osvinteentrevistados foram unânimes ao responderem que sim. O atendimento 7 detalhou o porquê disso:

Porque acho que ela atinge bem, depende de que faixa etária vai querer, mas a princípio para a classe C, acho que ela atinge bem, porque a Cidade está bem dentro do convívio, da rotina da pessoa de classe C, está divulgando os lugares que essa pessoa vai, está tocando a música que aquela pessoa escuta, a maioria das propagandas também tem a ver com o consumo dessa classe.

Omídia1define:

Com certeza. Porque eu sei os números de audiência e sei que são bem altos, é a terceira rádio mais ouvida em Porto Alegre e região metropolitana e eles tem umaprogramaçãocomafinidadecomestepúblicoeacreditoque,essaspessoasquesãoatingidasgostammuitodarádioetemumaafinidademuitogrande.

Como menciona Ferrareto (2007), os veículos podem orientar a programação por segmentos de públicos, definindo um estilo próprio conforme seus interessescomerciais. O interesse da Rádio Cidade é ser vista como um veículo voltado ao segmento emergente, como destacou Grando (2003 apud FERRARETO, 2007). A rádio estásendoreconhecidadessaformapelosprofissionaisentrevistadosetambémpelasuaeficáciajuntoaopúblicodaclasseCportodososprofissionaisentrevistados.

Em relação a se os entrevistados já tiveram acesso a alguma defesa comercial da rádio, todososmídiasafirmaramque sim,atravésdosatendimentosdeveículodaCidade.Entreosprofissionaisdeatendimento,seisresponderamquesim,equeisto ocorreu por intermédio dos mídias da agência, e quatro disseram nunca ter tido acesso a tais defesas. Assim, é preocupante que haja este desconhecimento por parte dos atendimentos, considerando que, em alguns casos, os atendimentos entrevistados também fazem o planejamento de comunicação publicitária dos anunciantes que atendem, assim como Sampaio (2003) relata que acontece em agências de porte médio

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 23

ou pequeno, e não ter acesso a estas defesas pode ser determinante para não optar pela Rádio Cidade em campanhas publicitárias.

O profissional de mídia é responsável por realizar a compra dos espaços comerciais,atividadecaracterizadapelocontatodelecomoprofissionaldeveículodecomunicação, seja para obter qualquer tipo de informação, seja para negociar desconto sobre a verba prevista de veiculação (TAMANAHA, 2006). Com isso, é compreensível que os mídias tenham maior acesso às defesas comerciais que os atendimentos, sendo sua função disseminar tais informações aos atendimentos, para que estes possam defender a escolha do veículo junto ao cliente (ABREU; BAPTISTA, 2011), como está sendo realizado para a maioria dos entrevistados.

A pergunta de número 8 foi diferente para atendimentos e mídias, para focar em suasatribuiçõesespecíficas.Paraosprofissionaisdeatendimento,foiperguntadoqueargumentos utilizam para defender a Rádio Cidade como veículo, em uma campanha publicitária. Dentre os dez entrevistados, nove responderam que defendem pela adequaçãodoperfildoouvinteaodosconsumidoresdocliente;apenasoatendimento1 afirmounão saber comodefender a rádio, por nunca ter tido a oportunidadedeapresentar a Cidade para seus clientes.

Terumconhecimento superficial sobre qualquer assuntoque se relacione aopúblico-alvo dos anunciantes da agência não deve ser conduta do atendimento, pois ele precisa conhecer detalhadamente tudo o que envolve seus clientes, já que, conforme Corrêa (2006), o atendimento precisa orientar corretamente o cliente e os seus companheiros de agência, pois sua função, hoje, é ser um estrategista.

Paraosmídias,foiperguntadoparaquaisperfisdeclienteelesinseremaRádioCidade em um planejamento de mídia. Todos responderam que a programam para clientesquetrabalhamcomopúblicopopular.Omídia2exemplificouquecolocariaaCidade em um plano de mídia para um cliente de varejo, da mesma forma que o mídia 9. Para o mídia 4:

Para clientes quequeiram trabalhar especificamente umperfilmais popular.[...] classe C, não da forma pejorativa que alguns possam colocar, mas por a grandemaioriahojeserclasseCeaCidadefalamuitobemcomesteperfildepúblico.

Omídia9exemplificoucategoriasdeprodutose serviçosque se inseremnoperfildarádio:

[...] para produtos de consumo, loja de roupas, refrigerante, até beleza, perfumaria, casas de show que tenham essas atrações e até uma revenda de carro, porque, a classe C hoje está consumindo bastante. Mesmo que façam em 40 prestações, se ele faz a conta de quando gasta com ônibus por dia, consegue todo mês pagar

Opinio, n.29, jul./dez. 201224

a prestação de um carro. Não precisa ser um carro zero, mas acho que essas revendas de carro e de moto também poderiam ser programados na rádio.

Oprofissionaldemídia,normalmente,temcontatodiretocomosatendimentosdosveículos.Destaforma,possuiconhecimentomaisespecíficosobreosmesmosedevemfazer questão de saber detalhadamente onde irão aplicar o dinheiro de seus clientes, pois sua principal responsabilidade é a correta aplicação das verbas de propaganda junto aos veículos de comunicação (CORRÊA, 2006). Os mídias entrevistados, através das respostas dadas, mostram seguir o que a boa técnica recomenda.

Para a pergunta “Qual a relação custo/benefício você considera que a Cidade traz como veículo de comunicação para inserção de mídia?”, dezenove, entre os vinte entrevistados,afirmaramquearelaçãocusto/benefícioéboa,devidoàabrangênciadepúblico. Apenas o atendimento 9 não soube responder. Os atendimentos destacaram, emsuamaioria,oalcancedopúblicodaclasseC.Afaladoatendimento8exemplificao padrão das respostas: “...o principal benefício é a assertividade de público, de quando você precisa segmentar e precisa ir exatamente neste público, mais classe C e D então, por aí o investimento que você faz acaba valendo...”

Oprofissionaldeatendimentodeveconhecerbemarelaçãocusto/benefíciodequalquer veículo de comunicação, pois é ele, em conjunto com o departamento de planejamento, que irá desenvolver a estratégia para que os objetivos do cliente sejam alcançados (ABREU; BAPTISTA, 2011) e as respostas obtidas na pesquisa demonstram queesteconhecimento,emrelaçãoàRádioCidade,ésuperficial.

Os mídias 4, 5 e 9 e o atendimento e mídia 10 destacaram que a maior vantagem é que o valor por inserção é baixo, em relação número de ouvintes que atinge. Segundo o mídia 2:

Quando a gente faz uma mídia mais técnica, você busca a audiência. Claro, vai buscar ser rentável através da negociação, ter um bom custo por mil, que seja legal para os dois lados, tanto para o que o cliente está interessado em investir ou tem de verba disponível, quanto pelo que o veículo vai te entregar de audiência, é o que a gente busca em qualquer meio, no rádio não é diferente.

AafirmaçãodosprofissionaisdemídiatêmsustentaçãoemSampaio(2003),quemenciona que o rádio possui uma grande abrangência de ouvintes e, por isso, é uma boa opção para agências de propaganda para inserção de anúncios, devido ao alto potencial de atingimento de público, por ter a possibilidade de segmentação e também por ser um veículo com custo mais baixo de produção, em relação a outros veículos de massa.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 25

6 CONCLUSÃOApercepçãodosprofissionaisentrevistadosemrelaçãoàRádioCidadeé,em

geral, de que é um veículo ideal para a comunicação com o público popular, pois este tem a linguagem adequada ao segmento.

Osprofissionaisdeatendimentodemonstraramterumconhecimentosuperficialsobre a Cidade como mídia, pois a maioria não ouve a rádio e parte deles não tem acesso a defesas comerciais. Os mídias, correspondendo às suas atribuições, demonstram compreensão técnica, por vezes, devida a contatos efetivos com os atendimentos do veículo.

Foipossívelidentificarqueosentrevistadosconsideramqueomaiorbenefícioque a Cidade traz como mídia publicitária, é falar diretamente com o jovem pertencente àclasseC.Éassimquearádioseposiciona,porématravésdoestudodoperfildeouvintes, nota-se que este é bem mais abrangente e, pela percepção da pesquisadora, devido ao período trabalhado na rádio, a Cidade se posiciona dessa forma para ter um diferencial na argumentação de venda perante o mercado publicitário.

A grande maioria dos entrevistados considera que a rádio tem um bom custo/benefício,mas,atravésdeconversasinformaisdapesquisadoracomprofissionaisdaRádio Cidade, apenas três dos dez clientes citados na pesquisa tiveram mídia veiculada no período de janeiro a junho de 2012, embora tenham produtos e serviços voltados para consumidores de classes populares. Isto demonstra que, apesar do conhecimento técnico, pode haver algum tipo de preconceito em relação à Cidade, como refere reportagem já citada do jornal Folha de S. Paulo de janeiro de 2011, registrando que boa parte das empresas que atendem públicos de classes C, D e E “admitem algum tipo de preconceito ou resistência de sua organização” para atendê-las.

Dessa forma, concluo que a Rádio Cidade está longe do dia a dia de um de seus públicos,omercadopublicitário,principalmentedosprofissionaisdemídia,quedefinemos veículos de comunicação que serão utilizados para a divulgação de campanhas, e de atendimento, que aprovam os veículos junto ao cliente. Isto, provavelmente, prejudica arádiocomoveículopublicitário,poisfazcomqueestesprofissionaisnãoincluamaCidade em seus planejamentos.

Este estudo teve grande valia para a pesquisadora, pois há alguns anos venho querendo saber o porquê de a Cidade obter baixos investimentos, por parte de anunciantes, mesmo estando sempre entre as primeiras colocadas no ranking do Ibope. Talvez ainda existam reservas do mercado em relação a veículos voltados para a classe C. Por esta razão, e pela falta de estudos sobre o tema, acredito que estes resultados possam contribuir para um próximo estudo, aprofundando o conhecimento sobre o assunto.

Opinio, n.29, jul./dez. 201226

REFERÊNCIASABREU, Karen Cristina Kraemer; BAPTISTA, Íria Catarina Queiróz. O fluxo de trabalho em uma agência de propaganda:dobriefingaochecking.2011.Disponívelem:<http://www.bocc.ubi.pt/pag/baptista-abreu-o-fluxo-de-trabalho-numa-agencia-de-propaganda.pdf>. Acesso em: 14 maio 2012.ATHAYDES, Andréia; STOSCH, Sérgio. A história do rádio porto-alegrense contada por quem a fez. Canoas: Editora ULBRA, 2008.AZEVEDO, Marcelo; MARDEGAN, Elyseu. O consumidor de baixa renda: entenda a dinâmica de consumo da nova classe média brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.BORGES, Fábio Mariano. Quem gosta de pobreza é intelectual. Revista da ESPM, São Paulo, v.18, n.4, p.37, jul.-ago. 2011.CORRÊA, Roberto. O atendimento na agência de comunicação. São Paulo: Global, 2006.DANTAS, Fernando. Como o Brasil virou o país da classe C. Estadão, mar. 2012. Seção Economia e Negócios. Disponível em: < http://blogs.estadao.com.br/fernando-dantas/2012/03/21/como-o-brasil-virou-o-pais-da-classe-c/>. Acesso em: 15 jun. 2012.ESPM. A pirâmide mudou de forma. Revista da ESPM: São Paulo: v.18, n.4, jul.-ago. 2011. FERNANDES, Elisabeth de Jesus. O bonde da Bahia: cultura popular e cultura de massa no rádio. In: Enecult, 6., 2010, Salvador. Anais eletrônicos... Salvador: UFBA, 2010. Disponível em: < http://www.cult.ufba.br/wordpress/24241.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2012.FERRARETO, Luiz Artur. Rádio e capitalismo no Rio Grande do Sul: as emissoras comerciais e suas estratégias de programação na segunda metade do século 20. Canoas: Editora da ULBRA, 2007.FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. País terá 118 milhões na classe C até 2014, prevê FGV. 7 mar. 2012. Disponível em: <http://www.cps.fgv.br/cps/bd/clippings/oc367.pdf>. Acesso em: 3 abr. 2012.GRUPO DE MÍDIA DE SÃO PAULO. Mídia Dados 2011. Disponível em <http://midiadados.digitalpages.com.br/home.aspx>. Acesso em: 29 abr. 2012.GRUPO RBS. Formatos das rádios. Disponível em <www.comercialgruporbs.com.br/interna_formatos_especificacoes_detalhe.aspx?PlataformaID=20&MarcaID=3447&FormatoID=98>.Acessoem:30abr.2012.IBGE−InstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística.Pesquisanacionalporamostrade domicílios – PNAD 2009: síntese de indicadores 2009. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/default.shtm>. Acesso em: 28 abr. 2012.IBOPE Easy Media. Pesquisa de audiência IBOPE Mídia. Disponível em: <http://migre.me/8T3Sp>. Acesso em: 14 maio 2012.IBOPE Easy Media. Porto Alegre, jan.-mar. 2012: todos os dias, das 05h00 as 05h00. Relatório enviado para o e-mail [email protected]

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 27

LIMEIRA, Tania Maria Vidigal. Comportamento do consumidor brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008.LUPETTI, Marcélia. Administração em publicidade: a verdadeira alma do negócio. São Paulo: Thompson Learning, 2003.MARANHÃO, Emerson. A nova cara do Brasil: jovens da classe C conquistam mercado de trabalho. Diálogos Políticos. jan. 2011. Disponível em: <http://dialogospoliticos.wordpress.com/2011/01/23/a-nova-cara-do-brasil-jovens-da-classe-c-conquistam-mercado-de-trabalho-qualificado/>.Acessoem:29abr.2012.MEIO & MENSAGEM: Especial rádios. São Paulo, M&M online, 13 set. 2010. Disponível em: <www.meioemensagem.com.br>. Acesso em: 14 maio 2012.MOREIRA, Sônia Virgínia. Rádio@Internet. In: DEL BIANCO, Nélia; MOREIRA, Sônia Virgínia (orgs.). Rádio no Brasil: tendências e perspectivas. Rio de Janeiro: EDUERJ; Brasília: UNB, 1999.ORTRIWANO, Swetlana Gisela. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. 4.ed. São Paulo: Summus, 1985.RÁDIO CIDADE. Sobre a rádio. Disponível em <http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/cidade/conteudo,0,4587,Sobre-a-Cidade.html>. Acesso em: 28 jun. 2012.ROLLI, Claudia. Classe C ainda enfrenta resistência de empresas. Folha de S. Paulo. São Paulo: 4 jan. 2011.SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z: como usar a propaganda para construir marcas e empresas de sucesso. 3.ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003.SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática. 7.ed. São Paulo: Pioneira, 1998.SILVA, Júlia Lúcia de Oliveira Albano da. Rádio: oralidade mediatizada: O spot e os elementos da linguagem radiofônica. São Paulo: Annablume, 1999.STYCER, Maurício. Globo muda programação para atender a nova classe C. Maio. 2011. Disponível em: <http://televisao.uol.com.br/ultimas-noticias/2011/05/09/globo-muda-programacao-para-atender-a-nova-classe-c.jhtm>. Acesso em: 26 abr. 2012.TAMANAHA, Paulo. Planejamento de mídia: teoria e experiência. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.VERONEZZI, Carlos José. Mídia de A a Z: conceitos, critérios e fórmulas dos 60 principais termos de mídia. 3.ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall.

Opinio Canoas n.29 p.28-43 jul./dez. 2012

Esse tal de rock’n’roll: como os jovens constroem sua identidade em Porto Alegre

Fernando Pisoni QueirozDeivison Moacir Cezar de Campos

RESUMOO presente estudo tem por objetivo analisar como jovens de 17 a 24 anos moradores de Porto

Alegre se constroem a partir de características identitárias do rock’n’roll, utilizando referenciais dos Estudos Culturais, como Bauman, Hall, Kellner e Dayrrel. Para a pesquisa, os jovens foram convidados a participar de um flash m1, onde responderam um questionário e uma entrevista gravada em áudio, e, num segundo momento, responderam a entrevista por e-mail. Através deste estudo, é possível concluir que os jovens entrevistados utilizam fragmentos identitários do rock para demonstrar um eu quesubvertecódigostradicionais.Porém,nãosedefinem,somente,comoroqueiros para poder transitar entre diferentes grupos.

Palavras-chave: Identidade. Representação. Pertencimento. Rock. Jovem.

This thing called rock’n’roll: How young people build up their identities in Porto Alegre

ABSTRACT This study aims to examine how Young people from 17 to 24 years, who live in Porto Alegre,

built their identity making use of rock’n’roll’s characteristics, considering Cultural Studies, with Bauman,Hall,KellnerandDayrrel.Fortheresearch,theywereinvitedforaflashmod,wherethey were submitted to a questionnaire and an audio recorded interview. After that they responded to email interview. From the results it was possible to conclude that they make use use of a few characteristicsofRocktoscapetheordinarybehaviour,butdon’tdefinethemselvesasrokerssothat it makes easier for them to transit between different groups.

Keywords: Identity. Representation. Belonging. Rock. Young.

1 INTRODUÇÃOAs identidades pessoais e coletivas são construídas a partir de características

simbólicas, produzidas nas instancias de sociabilização. Se há algumas décadas a família,aescolaeaigrejacumpriamestepapel,construindoidentidadesmaisfixas,hojeafluidezapresenta-secomoprincipalcaracterística (BAUMAN,2005).Neste

Fernando Pisoni Queiroz é graduado em Comunicação Social/Jornalismo. E-mail: [email protected] Moacir Cezar de Campos é Mestre em História. Jornalista. E-mail: [email protected]

1 “Flash Mob, por definição, é uma súbita mobilização coletiva, em espaços públicos físicos, organizada através da Internet ou outras redes de comunicação digital. Sua característica principal é a de ser realizada em um curto período de tempo, com a intenção de ser instantânea, surpreendente, de causar estranhamento e incomodar.” (KATO et.al., 2010, p.2).

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 29

processo, a centralidade da mídia na cultura contemporânea faz com que esta se torne umespaçoprivilegiadodereferenciação,gerandovaloresatravésdefilmes,novelas,personagens e a música – neste caso, criando estilos.

O estilo rock, surgido nos anos 50, sempre esteve vinculado à juventude e à rebeldia. Com a maior circulação de elementos identitários, como diz Bauman (2005), os jovens tornam-se, na contemporaneidade, sujeitos das transformações individuais, moldando seus referenciais baseados em uma representação de um nós em movimento, a partir de características simbólicas.

Nessa perspectiva, essa pesquisa investiga como jovens moradores de Porto Alegre, consumidores da música rock, constroem sua identidade a partir de características identificatóriasdesseestilomusical.Paraisso,éprecisoidentificarquaiscódigosdorock eles utilizam na construção da sua identidade e o que eles buscam representar a partir disso.

A observação das práticas é importante porque permite que se entenda a construção identitáriadosjovens,ainfluênciaeoimpactodoconteúdomidiatizadoeageraçãodevalores e sentidos na juventude. Além disso, o sentimento e o discurso comercial de juventude são construídos, mercadologicamente, através destes parâmetros. Tudo isso acontece em um momento de centralidade da mídia e enfraquecimento das instituições reguladoras, como a igreja, escola e família (BAUMAN, 2005).

Este trabalho se enquadra nos Estudos Culturais, visto que analisa a forma como o “meio mercantizado e estereotipado da cultura de massa” (HALL, 2003, p.12) tem sua representação junto à audiência.Kellner (2001,p.12) afirmaque “o estudodacultura popular e de massa” tem o “nome genérico de estudos culturais” (KELLNER, 2001, p.12).

A partir dessa perspectiva, alguns conceitos tornam-se referenciais. Identidade é, segundo Bauman (2005), um conjunto de fragmentos de representação que o indivíduoadotaafimdeterumgrupodepertença.Falardejovemnãoéalgosimples,principalmente no que se refere ao conceito. Neste trabalho, jovem é entendido através de Hebdige (1981), que diz:

Ser jovem passa a ser visto como um momento de liberdade, de prazer, de expressãodecomportamentosestranhoseexóticos,enfim,ajuventudecomosinônimo de divertimento (HEBDIGE, 1990 apud DAYRELL, 2005, p.30)

Algumas pesquisas realizadas recentemente analisam o comportamento dos jovens e o processo de construção de sua identidade a partir de referenciais simbólicos, impactados pelos discursos midiáticos. Nestas abordagens, a música aparece em diversos artigos,comoumdosprincipaisprodutosculturaisqueinfluenciamasociedade.Garbin(1999) diz que “as imagens e os sons da mídia dominam cada vez mais nosso senso derealidadeeamaneiracomodefinimosanósmesmoseaomundoaonossoredor”

Opinio, n.29, jul./dez. 201230

(p.1),afirmandoaindaquenossasociedadecontemporâneavive“saturadapelamídia”(p.1). Silva (2009) mostra que os jovens valem-se de diferentes formas de utilizar a vestimentaparaexpressarseuestilomusical.Dayrell(2001)afirmaque“aimagem,o olhar e o visual são as mediações mais presentes nas relações sociais” (p.24) e que “a música acompanha os jovens em grande parte das situações no decorrer da vida cotidiana: música como fundo, música como linguagem comunicativa [...]” (p.21).

O artigo é resultado de um estudo de campo, qualitativo porque tem

[...] por objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social; trata-se de reduzir a distância entre indicador e indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação. (MAANEN, 1979a, p.520, apud NEVES, 1996, p.1)

Os instrumentos utilizados para coleta de dados foram entrevistas gravadas e questionário – aplicado no momento das entrevistas gravadas, completadas por entrevistas feitas por e-mail, com jovens de 17 a 24 anos. Os entrevistados foram convidados para um encontro no formato de flash mob2, atravésdoperfilda rádioPop Rock FM e do pesquisador no Twitter3,afimdefalarsobrerock no Shopping Total, em Porto Alegre. Para encontrar pistas nos dados coletados para a resposta do problema, a análise dos dados é realizada a partir da uma perspectiva indiciária de Ginzburg (2004):

[...] permitir saltar de fatos aparentemente insignificantes, que podem serobservados, para uma realidade complexa a qual, pelo menos diretamente, não é dada à observação (GINZBURG, apud ECO, 2004, p.8)

Esta pesquisa terá quatro seções. Inicialmente será apresentada a relação da juventude com a música e, na segunda, será abordada a construção da identidade de jovens que consomem rock. Na terceira seção, são apresentados os resultados da pesquisacomosentrevistados,e,paraconcluir,asconsideraçõesfinais.

2 “Flash Mob, por definição, é uma súbita mobilização coletiva, em espaços públicos físicos, organizada através da Internet ou outras redes de comunicação digital. Sua característica principal é a de ser realizada em um curto período de tempo, com a intenção de ser instantânea, surpreendente, de causar estranhamento e incomodar.” (KATO et.al., 2010, p.2).3 “Twitter é um site popularmente denominado de um serviço de microblog (Java., 2007; Honeycut & Herring, 2009). É construído enquanto microblog porque permite que sejam escritos pequenos textos de até 140 caracteres a partir da pergunta “O que você está fazendo?”.” (RECUERO, 2009, p.174).

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 31

2 HISTÓRIA DA JUVENTUDE E A MÚSICAO culto à juventude é uma das principais diferenças da cultura contemporânea

(HOBSBAWM, 2009). No pós-guerra, carpe diem4 tornou-se um dos objetivos e sinônimos de juventude (BAUMAN, 2005). Hobsbawm (2009) diz que, com o capitalismo,acultura juvenil tornou-seumdosbensmaisdesejadoseexemplificafalando que antigamente o jeans azul era sinônimo de juventude, irreverência, despojo, e passou a ser utilizado por corpos envelhecidos, que pretendem manter “os verdes anos”. Um dos principais ditadores dos modos juvenis foram – com a perda de poder das instituições escola e família – os produtos da cultura da mídia, como a música.

Ser jovem é compreendido de diferentes formas. Pode-se considerar ser jovem – mesmo que com uma ideia estereotipada – ter atitudes rebeldes, aparência desleixada e ao mesmo tempo asseada. Usar roupas que chamam atenção, entre outras tantas possibilidades, que não necessariamente devem ser unificadas emuma só pessoa.Estes símbolos de juventude representam o desejo de viver intensamente o presente. Permitir-se ser responsável por seu prazer momentâneo (BAUMAN, 2005).

Bauman(2005),paraexemplificarumasociedadefullgás, ao estilo carpe diem, buscanafilósofaFrydryczakafiguradeDonJuan5:

[...] não poderia ser um colecionador, já que para ele só contava o “aqui e o agora”, a fugacidade do momento. Se de fato colecionasse alguma coisa, faria uma coleção de sensações, emoções, Erlebnisse. E as sensações são, pela própria natureza, tão frágeis e efêmeras, tão voláteis quanto as situações que as desencadearam. A estratégia de carpe diem é uma reação a um mundo esvaziado de valores que fingeserduradouro.(FRYDRYCZAKapudBAUMAN,2005,p.59)

A noção de juventude, como espaço e tempo, surgiu nas classes de maior poder aquisitivo (CAVALLI apud DAYRREL, 2005). Segundo o autor, os jovens estudavam em colégios militares e universidades, onde a educação era rígida, focada nas “competências e capacidades, mas também na formação do caráter e das vontades” (p.28). Essas instituições tinham que preparar o aluno no presente para que, no futuro, pudesse ter uma posição social privilegiada. Com a responsabilidade em ter um futuro social elitizado, “a disciplina educativa era aliviada pelas formas quase institucionalizadas de transgressão, como a libertinagem ou a cultura da boemia” (DAYRREL, 2005, p.28). Naquela época, tornou-se permitido extravasar, como se vivessem em uma “zona franca, com margens de liberdade para comportamentos desviantes. Estes eram tolerados porque eram tidos como provisórios” (p.28).

4 Carpe diem é um produto comercial veiculado para gerar a necessidade de viver a vida intensamente, de forma que o consumidor sente-se à vontade para extravasar em comprar. (BAUMAN, 2005).5 Personagem criado por Mozart – um personagem que, para Serres, é um “herói da modernidade”, já que pode ser considerado um representante da “vitalidade do viver espontâneo”, pois era hábil, no que tange a paixão, terminar rápido e ir para um novo começo (BAUMAN, 2005).

Opinio, n.29, jul./dez. 201232

Dessa forma, levando em consideração a construção do jovem como não acabada, eporisso,àesperadeumfim,Peralva(1997)dizque

[...] a juventude é um vir-a-ser, tendo, no futuro, na passagem para a vida adulta, o sentido das suas ações no presente. A fase adulta é vista como a plenitude, na condição plena de cidadania, o resultado que dá sentido às fases anteriores, sempre vistas na perspectiva de uma preparação. (PERALVA apud DAYRELLl, 2005, p.29)

Segundo Dayrrel (2005), como a formação era uma possibilidade remota para as classes baixas, esses não tinham juventude. Na década de 1950, no entanto, o conceito de juventude começou a ser comercializado, por ganhar visibilidade na cultura do consumo. Nesse período,

[...] os jovens das classes alta e média [...] começaram a aceitar a música, as roupas e até a linguagem das classes baixas urbanas, ou o que tomavam por tais, como seu modelo. O rock foi o exemplo mais espantoso. Em meados da década de 1950, subitamente irrompeu do gueto de catálogos de “Raça” ou “Rhythm and Blues” das gravadoras americanas, dirigidos aos negros pobres dos EUA, para tornar-se o idioma universal dos jovens, e notadamente dos jovens brancos. (HOBSBAWM, 2009, p.324)

Como os símbolos de juventude tornaram-se um produto cultural, o desejo de ser jovem vira um bem de consumo. Assim, através de conceitos construídos e veiculados pela mídia, a sociedade passa a perceber o ato de ser jovem como “um momento de liberdade,deprazer,deexpressãodecomportamentosestranhos,exóticos,enfim,ajuventude como sinônimo de divertimento” (HEBDGE, 1981, apud DAYRELL, 2004, p.30).

Antes, os professores, pais e outros referenciais ditavam o que era de bom gosto, supervisionando os códigos da moda e também da identidade (KELLNER, 2001). A partir dos anos 60, aconteceu uma generalizada tendência de acabar com os códigos culturais antigos, numa busca de romper com a tradição. A moda foi um dos principais elementos para que se construíssem identidades novas, juntamente com o sexo, drogas e o rock,quetambémforampartedasmodificaçõesdadécada(KELLNER,2001).

Essa mudança fortaleceu o vínculo da música com o jovem, por ser material carregadode informaçõesmidiatizadas.Alémde serem influência, estes discursosconstruíram mitos, símbolos da juventude até hoje.

[...] grupos como os Beatles, os Rolling Stones, Jefferson Airplaine e intérpretes como Janis Joplin ou Jimi Hendrix sancionavam a revolta contracultural e a

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 33

adoção de novos estilos de vestuário, comportamento e atitude. A associação entre rock, cabelo comprido, rebeldia social e inconformismo em moda continuou por toda a década de 1970 com ondas sucessivas de heavy metal, punk, e new wave. (KELLNER, 2001, p.339)

A partir desse panorama fragmentado, o conceito de ser jovem mantém-se conflituoso.OsestudosdaSociologiadaJuventude,segundoDayrell(2004),definema juventude como classista ou geracional. A classista compreende que a juventude varia conforme as classes sociais, afirmandoque as culturas juvenis dependemdadiversidade de formas de reprodução do social e da cultura. Para a Organização das NaçõesUnidas(CARDOSO,2010),jovemédefinidoporfaixaetária,ouseja,adotaa perspectiva geracional. Peralva (1997 apud DAYRREL) escreve que “na infância brinca-se, na juventude prepara-se, forma-se, e na idade adulta trabalha-se” (p.29), seguindoomesmoraciocíniodeDayrrel(2005).Dessaforma,seasclassesdefinemmodelos de representação de jovem, ou se a juventude é um período de preparar-se, ou ainda a perspectiva de faixa etária, pode-se entender que o conceito é uma representação instávelquenãopodeserdefinidaapartirdeumreferencialfixo,possibilitandoutilizar-secomoparâmetrodejuventudeasautodefiniçõesdogrupopesquisado,jáquecadaindivíduo entende jovem de forma diferente.

Outra característica desta fase é a necessidade de ter um grupo de pertencimento, de autoafirmação,quepossagerarsegurança.Bauman(2005)dizqueapertençadirecionaeste sentido, já que ser aceito pelo grupo é sinal de ter uma identidade “correta”. Para Wexler (1992), “no colegial”, atual ensino médio, é um momento quando “os jovens constroem sua identidade, tentando ‘tornar-se alguém’”.

Na busca por este “tornar-se alguém” (WEXLER, 1992), os jovens encontram nos produtos midiatizados referenciais identitários a serem seguidos, procurando representar e gerar sentimento e sentido de pertencimento. A subversão dos códigos culturais tradicionais, afimde autoafirmar anecessidadedenão serum indivíduoconvencional, mantém-se como característica importante. No entanto, a mídia, por sua centralidade, também acaba indicando o que é ser não convencional.

A cantora Madonna é um exemplo de que os códigos representativos – como roupas, corte de cabelo, cor de esmaltes para as unhas etc. – fazem parte do discurso midiático de se ter uma imagem não convencional. Para Kellner (2004), na década de 80, vivia-se uma época conservadora, e em meio a isso, surgiu a cantora que, inicialmente,

[...] sancionava a rebeldia, o inconformismo, a individualidade e a experimentação com um jeito de vestir e de viver. Suas constantes mudanças de imagem e identidade preconizavam a experimentação e a criatividade nesses campos. Suas transformações às vezes drásticas em matéria de imagem e estilo indicavam que aidentidadeéumconstruto,algoque,produzidopornós,podesermodificadoavontade. O modo como Madonna usava a moda na construção de sua identidade

Opinio, n.29, jul./dez. 201234

deixava claro que a aparência e a imagem ajudam a produzir o que somos, ou pelo menos como somos percebidos e nos relacionamos. (KELLNER, 2001, p.341)

As variadas possibilidades de absorver e utilizar códigos e símbolos para criar um eu faz como que os indivíduos tenham que escolher elementos identitários, entre as muitas possibilidades oferecidas, para criar uma imagem representativa de sujeito social. Isso implica pertencer a um grupo e apropriar-se de seus referenciais identitários. Essa liberdade, no entanto, foi adquirida nas últimas décadas.

AtéofinaldoséculoXVIII,aspossibilidadesdeterumaidentidadeindividualeramínfimase,diferentedecomoBauman(2005)defineaidentidadeeopertencimentoatual,asolidezeraacaracterísticadaépoca.Osujeitonasciacomaidentidadedefinidapor seu contexto sociocultural e quase nada poderia ser mudado. Tal característica estendeu-se até o século XX, de maneira diferente em cada lugar.

A crise da identidade surge pela problematização e crises nas instituições tradicionais do pertencimento, que tornou necessário, para inserir-se na sociedade, construir uma identidade e pertencer a um grupo (BAUMAN, 2005). A partir disso entende-se que as

[...] afiliações sociais–maisoumenosherdadas–que são tradicionalmenteatribuídasaosindivíduoscomodefiniçãodeidentidade:raça...gênero,paísoulocal de nascimento, família e classe social agora estão...se tornando menos importantes, diluídas e alteradas nos países mais avançados do ponto de vista tecnológico e econômico. Ao mesmo tempo há a ânsia e as tentativas de encontrar ou criar novos grupos com os quais se vivencie o pertencimento e que possam facilitar a construção da identidade. Segue-se a isso um crescente sentimento de insegurança... (DENCIK apud BAUMAN, 2005, p.30)

Assim, a ação de construir uma identidade está relacionada também ao pertencimento a redes sociais, também sugeridas ou mediadas pelos meios de comunicação, e não necessariamente atribuída ao pertencimento no antigo modelo de forma socializadora do Iluminismo (HALL, 2000). Dessa forma, concretiza-se a ideia dequeosgrupossociaisdefinemarelaçãodosujeitocomasociedade,umavezqueeleencontrará no etnos6 as características possíveis para a construção do seu eu social.

Hall(2000)dizqueaidentificaçãoacontecepeloreconhecimentodecaracterísticaspartilhadas e a busca de um mesmo ideal. Para ele, isso fecha “a base da solidariedade edafidelidadedogrupoemquestão”(p.106).

Nessaconstruçãodeidentidade,ossímbolosecódigosidentificatóriosdegruposgeram sentido social aos pertencentes. A percepção de que os símbolos são de um

6 Grupo que compartilha um sentimento de origem comum (BARTH, 1998).

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 35

grupo,enãodeoutro,fazcomqueasociedadeidentifiqueelocalizeosujeitocomoummembro de uma tribo, encaixando-o em um estereótipo. Nesse processo, a juventude buscaser identificadacomogrupoque lhegerasentidodepertença,afirmandoaopróximo sua inclusão social. Bauman (2005) diz que carregar uma imagem de pertença afasta a possibilidade de sentido de exclusão social, um dos maiores medos geradores de insegurança da sociedade atual.

A condição do homem (sic) exige que o indivíduo, embora exista e aja como umserautônomo,façaissosomenteporqueelepodeprimeiramenteidentificara si mesmo como algo mais amplo – como membro de uma sociedade, grupo, classe, estado ou nação, de algum arranjo, ao qual ele pode até não dar nome, mas que ele reconhece instintivamente como seu lar. (SCRUTON, 1986, p.156 apud HALL, 2003, p.48)

As possibilidades de construir a identidade fazem com que sejam utilizadas referências identificatórias representativas de diferentes grupos, entendidas comocomunidades simbólicas para Bauman (2005).

Kellner (2001), no entanto, discorda que as identidades sejam totalmente fragmentadas. Ele diz que elas

[...] são relativamente substanciais efixas; ainda têmorigemnumconjuntocircunscrito de papéis e normas: pode-se sermãe, filho, texano, escoteiro,professor, socialista, católico, homossexual – ou então uma combinação desses papéis e dessas possibilidades sociais. Portanto, as identidades ainda são relativamentefixaselimitadas,emboraoslimitesparaidentidadespossíveisenovas estejam em continua expansão. (KELLNER, 2001, p.296)

Por mais que se aceite essa ideia de que as identidades não são totalmente instáveis, não é possível discordar que as fragmentações são uma constante (BAUMAN, 2005). Se na pré-modernidade “alguém era caçador e membro da tribo, e por meio desse papel e dessas funções obtinha a sua identidade” (KELLNER, 2001, p.295), agora essa é construída a partir de uma combinação desses e de outros vários sentidos. O indivíduo, na modernidade, é uma relação entre o tudo que se pode ser, como um quebra-cabeças (BAUMAN, 2005).

Nesse caso, a cultura da mídia é um dos principais territórios para a construção deparâmetrosdeidentificação,atravésdossentidoscriadosaossímbolosidentitários,épossível a identificaçãodooutro, e escolher os fragmentos para a construção da identidade.Atravésdefilmes,música,programasepersonagens,

Opinio, n.29, jul./dez. 201236

[...] ela exerce importantes efeitos socializantes e culturais por meio de seus modelos de papéis, sexo e por meio de várias “posições do sujeito” que valorizam certas formas de comportamento e modo de ser enquanto desvalorizam e denigrem outros tipos. (KELLNER, 2001, p.307)

Ofatodeescutaralgumamúsicasetransformanumatoidentificatório(TROTTAapud SILVA, 2009). Isso porque a atitude de escolher um som e entrar no mundo dele“significatomarcontatocom‘códigosculturais,valoressociais,esentimentoscompartilhados que fornecem’”, e os fragmentos acessados servirão para construir a identidade (SILVA, 2009, p.32). Entendendo a música como uma ferramenta de sociabilização e sabendo que os jovens entram em contato com as músicas também através dos seus amigos, pode-se depreender que esse contato com outros símbolos identificatóriosémediadopelocírculosocial.

3 A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE MEIO ROQUEIRA POR JOVENS A noção contemporânea de juventude construiu-se ao som do rock, ligando

os conceitos de jovem e música. Com o rompimento da juventude com códigos das instituições tradicionais na década de 50, pôde-se observar o aparecimento de uma “‘cultura juvenil’, com um novo padrão de comportamento e de valores, centrados, dentre outros, na liberdade, na autonomia e no prazer imediato” (DAYRREL, 2005, p.30).

A contracultura, segundo Kellner (2004), foi tendência nessa década e a moda, aliada ao sexo, rock e drogas, foi importante para o processo de superação dos códigos tradicionais. Surgem grupos que buscam marcar o estilo com uma “identidade própria expressa no estilo, que implicava a articulação de uma escolha musical e uma estética visual, como os teads, mods ou os rockers” (DAYRREL, 2005, p.30).

As mudanças comportamentais, da década de 50, aconteceram relacionadas à música e ao cinema (DAYRREL, 2010). Inicialmente, os produtos midiatizados consumidos pelos jovenseramosfilmese,atravésdeles,amúsica.Diversasproduções,comoSementesda Violência [Blackboard jungle, 1955], que continha a música Rock Around the Clock, de Bill Haley and His Comets como trilha, lançaram o rock para o sucesso. As mídias, portanto, criaram o imaginário a partir do qual os jovens passaram a se construir, buscando romper com a tradição, ou seja, seus pais e as instituições sociais reguladoras.

A partir do rock’n’rollficoumaisclaraarelaçãoentreindústriaculturalejuventude,no contexto das culturas juvenis. Depois do pós-guerra a cultura de massas passou a investir na criação de um mercado próprio, estimulando um estilo peculiar de vestir, com produtos privilegiados de consumo, desde chicletes e refrigerantes até meios de locomoção, como a motocicleta. (DAYRREL, 2010, p.38)

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 37

Também as referências de paz e amor, sexo livre e “flower power” determinaram o contexto e revolucionaram a forma de comportamento dos jovens (BOX1824, 2010). Os códigos tradicionais foram afrontados e aos poucos afrouxados pela iniciativas dos jovens. Foi a partir da década de 50, no chamado boom econômico (FERRARETTO, 2008) que a juventude passou a ser um produto cultural, midiatizado, industrializado e vivenciado como imagem de mudança e quebra do tradicional. Nesse processo, os jovens viram o rocktornar-seumprodutomundial,deixandodeserclassificadocomode negros ou brancos:

[...]indústriafonográficadosEstadosUnidosrompeasuahistóricadivisãoentreos produtos para brancos, os discos das grandes gravadoras voltadas ao mercado nacional e para os negros – o rhythm and blues – com concessões aos brancos pobres – o country and western, no caso das pequenas empresas de alcance regional. Da união desses dois últimos e amparado pelo rádio, nasce o rock’n’roll, não por acaso uma denominação cunhada por um disc-jóquei. Usando como referência uma expressão comum em letras de rhythm and blues – “rocking and rolling” – um eufemismo para o ato sexual [...] (FERRARETO, 2008, p.150)

Essa relação entre a moda do rock, o boom, a quebra de paradigmas e códigos tradicionais, utilizados pelos jovens para se expressar, viraram sinônimo de juventude em todo o mundo, desde então. Não raramente, a publicidade atual utiliza-se da imagem de jovens, trasmitindo sensação, através de códigos simbólicos, de liberdade, com música de rock ao fundo. Essa relação da juventude com a música estilo rock’n’roll ficoumarcadaeaindasãorelacionadaspelamídiaeprodutosculturais.

3.1 Os jovensPartindo desses parâmetros, foram pesquisados cinco pessoas7, de 17 a 24 anos,

autodefinidosjovens,namaioriaresidentesdePortoAlegre,RioGrandedoSul,comensinomédiocompletoedependentesfinanceiramentedospais.Aentrevistaaconteceudurante um flash mob8. O convite9 não foi convencional: foi postado no Twitter10 do pesquisador e da rádio Pop Rock FM o comunicado: “Amanhã estarei no Shopping Total para falar com jovens que gostam de rock, para o meu TCC”. A partir deste convite, no dia 8 de agosto de 2010, os entrevistados compareceram no local combinado11 com o objetivo de falar sobre rock. Eles chegaram aos poucos, em torno das 18 horas. Cada entrevista durou cerca de 30 minutos e foi individual, mas às vezes alguns dos jovens

7 Três do sexo masculino e dois do sexo feminino8 Ver página 3.9 Convite feito diversas vezes entre os dias 4 e 8 de agosto de 2010.10 Ver página 3.11 Em frente ao restaurante Habib’s, na praça de alimentação externa do shopping Total.

Opinio, n.29, jul./dez. 201238

fizeramcomentáriosnomeiodasrespostasdosoutrosentrevistados,oqueacabouporgerar pequenos debates sobre o assunto.

Nachegada,osentrevistadosreceberamumquestionárioparapreencher,afimdeverificaridade,estadocivil,comquemresidemequemmantémacasa,seconsideram-se roqueiros, onde mais escutam música e através de quais dispositivos o fazem. Na semana seguinte ao encontro, foi enviado e-mail para todos os entrevistados com o objetivo de esclarecer dúvidas e tentar extrair um conceito pessoal de roqueiro.

Como o convite foi destinado às pessoas que gostam do estilo de música, a maioriasedefiniuroqueiro–mesmoatravésdose-mails,porém,deixamclaroque,de alguma forma, não o são da maneira tradicional. “Sou roqueira, mas não de me vestir” (G. 22 anos) e “sou roqueiro, mas não daqueles que usam moto e andam de roupa de couro” (G. 22 anos). Assim, demonstram não construir sua identidade exclusivamente pertencendo a este estilo musical. Dessa maneira, os jovens buscam escapardeumadefinição,ouclassificação,confirmandooqueHall(2003,p.106)falaser uma identidade. Para ele,

[...]aidentificaçãoéconstruídaapartirdoreconhecimentodealgumaorigemcomum, ou de características que são partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal [..] (HALL, 2003, p.106)

Oconceito de roqueiro não foi definido objetivamente pelos entrevistados,mesmoqueestestenhamapontadoascaracterísticaspelaqualidentificamumroqueiro,principalmente a partir da vestimenta e acessórios que usam. Assim, eles conseguem visualizar as peças do “quebra-cabeças” (BAUMAN, 2005), reconhecendo as “peças” que servem para gerar a imagem de quem gosta de rock. Ao mesmo tempo em que se dizem roqueiros, definemas características para a construção da representaçãotradicional,apesardenãoconseguiremconstruirdeformacríticaumaúnicadefinição.Natentativadeexplicar,citamossímbolosidentificatórios.

Como as identidades são fragmentadas (BAUMAN, 2005), não querem se identificarsomentecomumatribo,ougosto,jáqueissofazcomqueelessejamforçadosa abdicar de outras coisas ou pessoas – como ocorria na década de 80 com os jovens quepassaramasedefinircomo“normais”parapodercircularemdiferentesgrupos(BOX1824,2010)–pelafidelidadeetnológica. Com a intenção de viver todos os dias um carpe diem, eles não adotam uma única referência de identidade, já que esta deve ser descartável (BAUMAN, 2005). Um dos entrevistados diz que parecer roqueiro “é indiferente” (R. 22 anos), já que ele gosta de rap também. Outro diz que “o estilo tu pega umas coisas aqui, outras ali” e “antes o roqueiro era somente quem se vestia de preto” (R. 22 anos).

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 39

Poroutro lado,aafirmaçãodeBauman(2005)quedizquearepresentaçãoéuma forma de segurança social nessa modernidade, vai ao encontro das entrevistas dos jovens:

[...] encontro um cara que eu vejo a percepção dele pra música [...] pergunto: ‘que tipo de música tu toca?’, ele fala ‘ah, toco rock’. Eu tento conversar com ele,aíeumeidentificocomele...porcausadoestilo...algumacoisaparecidaquea gente tenha, dentro do rock. (G. 24 anos)

As comunidades guarda-chuvas (BAUMAN, 2005), nas quais diferentes fragmentos são utilizados e abandonados, são características da modernidade. Exemplo disto,équetodosostrêsentrevistadosquesedefiniramroqueiros,dizemgostardeoutros tipos de música e cultura, como o rap e o hip hop. Por isso, utilizar diversos fragmentos passa a ser essencial para se representar e poder interagir com diferentes grupos. Os símbolos utilizados por pessoas que ouvem rock, ou são roqueiras, fazem com que o outroosidentifique.Paraestesentrevistados,ofatodeescutarrock não faz de uma pessoa um roqueiro. Para os jovens, que dizem seguir a moda às vezes, o uso da vestimenta é apontado como o principal recurso. A apropriação de camisetas pretas, calça jeans, tênis All Star e camiseta xadrez são os símbolos coletivos de representação do estilo referido. Para Feixa,

El principio generativo de criación estilística proviene del efecto recíproco entre los artefatos o textos que um grupo usa y los pontos de vista y actividades que estructura y define su uso. (FEIXA, 1988, p.97 apud DAYRREL, 2005, p.41)

O fato de ver uma pessoa vestida com os referenciais apontados nas entrevistas, instantaneamente faz com que o indivíduo seja relacionado a uma pessoa que gosta de rock’n’roll:

[...] às vezes, tu vê uma pessoa de longe com um All Star, calça de brim e uma camiseta preta e diz: “ó, é roqueiro, emo”. Já virou uma imagem meio que padrão. Tu olha de longe uma pessoa de All Star de camiseta preta, ou até de calça preta ou calça jeans e diz “ah é roqueiro” [...] (C. 17 anos)

Issoconfirmaqueoscódigosrepresentativosgeramumsentidodepertençaaumacomunidade simbólica (BAUMAN, 2005), no caso os que ouvem rock.

Outro dos sentidos gerados pela representação do pertencimento ao rock, para os jovens pesquisados, é a atitude de ouvir um estilo que se mantém o “menos comercial”

Opinio, n.29, jul./dez. 201240

e o que ainda tem o valor de contestação. Esta última característica faz parte do rock desde que ele ganhou o mainstream (HOBSBAWM, 2009).

Pode-se dizer que a quebra dos códigos acontece porque os jovens buscam negar os produtos ditados pela mídia, ou ao menos sugeridos por ela, como aconteceu na época em que a cantora Madonna tornou-se referência de estilos de roupas e comportamento (KELLNER,2001).Amoda,comooprincipalmeioparaaidentificação(KELLNER,2001), que gera o sentido de pertença ao rock’n’roll, faz com que a identidade representada seja a de uma pessoa que gosta de música de qualidade, portanto não comercial, e libera sentimentos ruins ao ouvi-la. Buscam, também, se diferenciar do que é considerada uma pessoa convencional, muitas vezes citada como pessoas “padrão”:

[...] eu, por exemplo, me visto de forma roqueira, tipo All Star, calça jeans, camiseta de banda, camiseta preta, ou algo relacionado a isso. Eles (os amigos) não seguem nada disso. Tanto que tu vê eles na rua e pensa: sei lá, ele gosta dequalquerestilodemúsica.Porquenãotemcomopredefinir.Émeiopadrão[...] (C. 17)

Ao mesmo tempo em que apontam sua diferença das pessoas que para eles parecem normais, eles incluem o rock dentro do modelo padrão:

[...] às vezes tu vê uma pessoa de longe, com um All Star, calça de brim e uma camiseta preta e diz: ó, é roqueiro ou emo. Já virou uma imagem meio que padrão (C. 17)

Mesmo assim, para estes jovens, não ser padrão, ou igual a todos, faz parte da representação da identidade de ser roqueiro. Para eles, o ideal é não consumir músicas que são comerciais. Por isso, criticam bandas que estão no ápice de sucesso, como Restart e Fresno: “eu tenho que admitir que eu escutava a Fresno. Mas eles não eram tão comerciais, não tocavam tanto nas rádios [...] eu era do fã clube deles” (R. 17 anos). Essa foi uma das frases faladas pelos entrevistados, que consideram as informações midiatizadas um produto inferior aos não veiculados com tanta frequência. Também comparam Fresno, com bandas de menor visibilidade: “Iron Maiden é rock, e não toca nas rádios, pelo menos toca menos que a Fresno, né? E se tocar em rádio, poucas pessoas vão gostar porque não é comercial” (C.17 anos), como se a mídia diminuísse o sentido de contestação, de valoração, tanto do artista, como do receptor.

Como a identidade é construída a partir de referências do rock e esse, como produto midiatizado, estabelece uma conexão com características de consumo, os jovens acabam poridentificarosmaiscomercializadosebuscamalternativasqueosdistingamdosdemais. Tentam, com isso, mostrar que não são comerciais, “são autênticos”. Através destas características relacionadas pelas mídias e artistas (KELLNER, 2001), portanto,

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 41

convencionais, eles buscam se posicionar como opositores ao padrão – mesmo o do rock, seguindo os passos dos que primeiros ouviam rock na década de 50 e iniciaram o rompimento com os códigos tradicionais.

Mesmo que a tradição seja o rock, eles assumem não gostar desse produto comercializado. No entanto, quando o contato com essas músicas acontece mediado por seu círculo de amizade, eles dizem não se importar em escutar, pois o que vale “é o momento” (R. 17 anos), a festa, o “sentido da coisa” (R. 17 anos), ou seja, o pertencimento.

Essa relação dos jovens com a música acontece em duas instâncias sociais (ROHDE; CARVALHO, 2010). A “música de ouvir em casa” é o que o jovem gosta, e a “música de balada” são de diferentes tipos, “dependendo do momento, o que importa éoprograma,osamigos”.Essasclassificaçõeseosdepoimentosdemonstramqueofatode identificar-secomumestilo,nãoexcluio fatodeconsumiroutros tiposdemúsica, reforçando a ideia de uma identidade fragmentada. No flash mob, os jovens deixaramclaroqueasinfluênciasdecontatocommúsicaspassampelafamília,masa indicação de amigos é a forma mais citada, pela facilidade de troca de arquivos por celular e internet.

4 CONSIDERAÇÕES FINAISOs jovens pesquisados constroem sua identidade através do sentido de

contracultura, de rejeição ao padrão e ao normal. Para isso, se apropriam dos símbolos e fragmentos identitários representados pelo rock, que nada mais é do que um produto cultural midiatizado e comercialmente representado como contracultural, devido à sua história social. Nesta época de centralidade da mídia, o rock virou um produto cultural comercial. Tanto que o conceito de roqueiro para eles é vinculado principalmente a produtos, símbolos representativos e comerciais, como o jeans, tênis All Star, camiseta preta e camisa xadrez. No entanto, também fala de atitude, que neste caso é a tentativa de fugirem do comercial.

A partir dos fragmentos, que compõem uma identidade nunca terminada, os jovens representam pertencer a um grupo social e também reconhecer o outro desta forma. Para eles, consumir rock é contestar, ser visto como um sujeito que questiona a sociedade e é contra um sistema dominador, no caso a mídia. Os jovens pesquisados procuram subverter os códigos através do rock’n’roll, da mesma forma como aconteceu da década de 50. Eles buscam se diferenciar dos demais para se representar contraculturais, inteligentes e pertencentes ao rock, que para eles, é o único estilo ainda pouco comercial. Mesmoovelhoestereótipoderoqueiro,viramotivoparanãoseidentificarourepresentartotalmente, mostrando que a tradição deve ser permanentemente quebrada.

As tentativas da juventude de quebrar a tradição e os códigos existem há muito tempo. Nos anos 50, essa movimentação teve o rock como trilha sonora, impulsionado pelo cinema. Juntos, rock’n’roll e os jovens trouxeram práticas contraculturais, como o

Opinio, n.29, jul./dez. 201242

sexo, drogas e o sentimento de viver como o último dia, ou carpe diem, para o centro dos debates. Como o poder de consumo dessas práticas é grande, transformaram o ser jovem em mais do que uma fase etária, mas um sentimento de pertença.

Essa representação, para pertencer e gerar sentidos, não acontece de forma alheia à midiatização do rock, como pretendem os entrevistados. O estilo tornou-se popular através da mídia – o cinema – e continuou sendo produzido e reproduzido por todos os meios porque é um produto comercialmente rentável. Desse modo, a valorização da quebra de códigos vem sendo sugerida pela mídia.

O rock, identificadocomosentimentoeferramentadecontestação,temcomomídia,alémdasvestimentaseosmeiosdecomunicação,oscorposdosautoidentificadoscomoestilo,queguardasignificaçõesdejuventude.Atravésdesuaspráticas,modificampermanentemente, como acontece desde a década de 50, as características que servem de identificaçãopara os jovens, considerando ser a quebra da tradição a principalcaracterística, mesmo que essa tradição seja pós-moderna.

REFERÊNCIAS BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe. Teorias da etnicidade. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.______. Modernidade líquida. Tradução: Plinio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.BOX1824. We all want be young. 2010. Disponível em: < http://www.youtube.com >. Acesso em: jun. 2010.CARDOSO, Rodrigo Lúcio. O novo jovem e o velho rádio: a relação do público jovem com o rádio na atualidade. Canoas, RS: Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), 2009, 34f. Artigo (graduação), Curso de Comunicação Social, Publicidade e Propaganda. 2010.DAYRREL, Juarez. A música entra em cena: o rap e o funk na sociabilização da juventude. Belo Horizonte, MG: UFMG, 2005.______. A música entra em cena: o rap e o funk na socialização da juventude em Belo Horizonte. São Paulo: Faculdade de Educação USP. 2001. Disponível em: <http://www.bdae.org.br/dspace/bitstream/123456789/1591/1/tese.pdf>. Acessado em dez. 2010.FERRARETTO, Luis Artur. Desafios da radiodifusão sonora na convergência multimídia: o segmento musical jovem. Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v.7, n.13, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conexao/article/viewFile/157/148>. Acesso em: nov. 2010.FILHO,BeneditoSouza.Aidentidadecomoidentificação.2006.Ciências Humanas em Revista. São Luís, MA, v.5, número especial. Jun. 2007. Disponível em: <http://www.nucleohumanidades.ufma.br/pastas/CHR/2007_3/benedito_souza2_v5_ne.pdf>. Acesso em: ago. 2010.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 43

FONTANARI, Ivan P. de P. Música eletrônica e identidade jovem: a diversidade do local. 2004. Anais do V Congresso Latino Americano da Associação para o Estudo da Música Popular. Porto Alegre, RS: UFRGS. Disponível em: <http://www.hist.puc.cl/iaspm/rio/Anais2004%20%28PDF%29/IvanPaoloFontanari.pdf>. Acessado em 12 de maio 2010.GARBIN, Elisabete Maria.Cultur@s juvenis, identid@des e Internet: questões atuais. 2003. Porto Alegre, RS: Revista Brasileira de Educação. n.23. Maio/Jun./Jul./Ago. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n23/n23a08.pdf>. Acesso em: ago. 2010.______. Na trilha sonora da vida. Jornal NH. Novo Hamburgo, 11 set. 1999. Disponível em: <www.ufrgs.br/neccso> e <www.ufrgs.br/neccso/gjovem>GINSBURG, Carlo. Chaves do Mistério: Morelli, Freud e Sherlock Holmes. In: ECO, Humberto; SEBEOK, Thomas A. O signo de três. São Paulo, SP: Perspectiva, 2004.HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10.ed. Tradução: Tomáz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP &A, 2003. ______. “Quem precisa da identidade”. In: SILVA, Thomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais. 2.ed. São Paulo, SP: Vozes, 2000. ______. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte, MG: UFMG, 2003. HOBSBAWM, Eric. 1995. A era dos extremos: O breve século XX. Tradução: Marcos Santarrita. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009.KATO, Gabriela Yuki et al. 2006. O potencial sociopolítico do Flash Mob no Brasil. 2006. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. UnB. 6-9 set. 2006. <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R1587-1.pdf >. Acesso em: 15 set. 2010.KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. São Paulo, SP: Editora Universidade do Sagrado Coração, 2001.NEVES, José Luís. Pesquisa qualitativa – Características, usos e possibilidades. Cadernos de pesquisas em administração. São Paulo, v.1, n.3, 2º sem. 1996.RECUERO, Raquel. 2009. Redes Sociais na Internet. Rio Grande do Sul: Sulina, p.174, 2009.ROHDE & CARVALHO. Pesquisa encomendada pela rádio Pop Rock FM. Porto Alegre, 2010.SILVA, Rafael Rodrigues da. Música bala e música frau: narrativas sobre a legitimidade em música de estudantes do Ensino Médio. Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Pedagogia da Arte, Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/15694/000689066.pdf?sequence=1>.Acesso em: set. 2010.TINTI, Simone Paula Marques. História do rock. Disponível em <http://www.clubrock.com.br/news/historiadorock.htm> Acesso em: nov. 2010.

Opinio Canoas n.29 p.44-60 jul./dez. 2012

Síndrome de Burnout: um estudo sobre o desgaste docente em uma

instituição de ensino da rede privada

Anamélia Luz de LucasThomas Heimann

RESUMOEste artigo traz como tema a ocorrência da síndrome de Burnout em professores, com o

objetivodeverificareanalisaroíndicedeafastamentosdecorrentesdestadoençadotrabalhoe,ainda, a percepção dos colaboradores deste cargo quanto a suas realidades e seus sentimentos, utilizando-se, para tanto, do caso de uma rede de Ensino Privado do Estado do Rio Grande do Sul. A coleta de dados ocorreu com base em documentos e relatórios fornecidos pela instituição e através de questionário composto de três perguntas chave com uma pequena amostra dos professores da rede.Ocasoapontaque,emboranãosejaverificadaumaincidênciamuitograndedeafastamentosdecorrentesdasíndromedeBurnout,apatologiaestudadaestápresentenocotidianodosprofissionaisdeeducação.Verifica-seaimportânciadaaplicaçãodepolíticasdeprevençãoeacompanhamentoparaqueotrabalhodocentesejadesenvolvidoatribuindovaloresignificadoaoprofessor,aosalunos e a comunidade em geral.

Palavras-chave: Trabalho docente. Qualidade de vida. Estresse. Síndrome de Burnout.

Burnout Syndrome: A study of weariness in a private teacher education institution

ABSTRACTThis article brings up the topic of occurrence of burnout in teachers, in order to verify and

analyze the rate of absenteeism from work resulting from this disease and also the perception of employeesorcooperatersofthisofficeastotheirrealitiesandfeelings,usingtodoso,thecaseofa network of private education in the state of Rio Grande do Sul the data collection was based on documents and reports provided by the institution through a questionnaire comprised of three key questions with a small sample of school teachers. The case shows that, although not seen a very large incidence of absenteism due to burnout, studied the pathology is present in the routine of professional education. The importance of implementing policies for prevention and monitoring so that the teaching is developed by assigning value and meaning to the teacher, students and the wider community.

Keywords: Teaching Work. Quality of Life. Stress. Burnout Syndrome.

Anamélia Luz de Lucas é bacharel em Administração com ênfase em Administração Industrial pela Faculdade Cenecista Nossa Senhora dos Anjos. E-mail: [email protected] Heimann é professor orientador, graduado em Psicologia pela Universidade Luterana do Brasil e Mestre em Teologia pela Escola Superior de Teologia. E-mail: [email protected]

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 45

1 INTRODUÇÃOEmmercadoscadavezmaiscompetitivos,osprofissionaisparticipamdeum

cenário

constituído por muitos fatores, tais como concorrência acirrada, aumento da carga de trabalho, cargas horárias cada vez mais longas, etc. Neste contexto, o ser humano, cadavezmaisexigido,sofreumgrandedesgastefisiológicoepsicológico,especialmenteaqueles submetidos a grandes responsabilidades e cobranças cada vez maiores por resultadospositivosecontínuos,quelevamosprofissionaisaabdicaremdeseutempode lazer e descanso, exigências básicas para manter a saúde e o bem-estar.

Neste cenário percebe-se um crescimento considerável de doenças do trabalho, especialmente as de ordem psicológica, em que a Síndrome de Burnout tem se tornado pertinente, especialmente nas áreas da saúde e da educação, ambas áreas em que o trabalhoéconfiguradocombasenarelaçãocomaspessoas,nasquaissepercebeumaumento real dos casos de esgotamento, frustração, despersonalização e perda do sentido detrabalhoporpartedosprofissionais.

A presente pesquisa destina-se a verificar,medir e analisar a incidência daSíndrome de Burnout na área da educação, com foco no trabalho docente, bem como medidas de prevenção desta enfermidade mediante estudo de caso de uma Instituição de Ensino Privado do Estado do Rio Grande do Sul.

Como intuitodeverificaremediraocorrênciadestasíndrome, foi realizadoum levantamento com base em documentos e relatórios da área de Gestão de Pessoas, fornecidos pela Instituição, de medição das causas de afastamentos, analisando-se os motivos e quantidade de ocorrências no período de Maio/2011 a Maio/2012. Além disso, uma pequena amostra da população foi submetida a um questionário composto detrêsperguntasbásicas,comoobjetivodeverificarseosdocentessentemalgunsdossintomas previstos na literatura em seu cotidiano de trabalho.

Optou-se por realizar, também, uma análise das ações de prevenção e programas dequalidadedevidanotrabalhoqueforamverificadosnoPlanejamentoEstratégicodainstituição analisada, bem como através de entrevista, não estruturada, com a Gerente de Pessoas da empresa, diretamente envolvida nestas ações.

Esta pesquisa serve de subsídio para o conhecimento das implicações da Síndrome de Burnout na função docente e das principais ações preventivas desenvolvidas, com o intuito de incentivar a discussão sobre o tema e, ainda, auxiliar Gestores, Diretores e demais instâncias da administração de instituições de ensino na tomada de decisão.

Como já citado, o aumento de responsabilidades e a necessidade de apresentar resultadoscadavezmelhorestemlevadomuitosprofissionaisarenunciaremaosseusmomentos de lazer e descanso, desencadeando sentimentos negativos com relação ao trabalho. Diante disto foi levantado o referencial teórico necessário ao entendimento daSíndromedeBurnout,queconfiguraumproblemacrescentenomundodotrabalhona atualidade.

Opinio, n.29, jul./dez. 201246

2 O CONTEXTO DO TRABALHO DOCENTENoBrasil,a funçãodocenteficoupormuito temposoba tutelada Igreja,na

figuradosjesuítasqueensinaram,alémdeaspectosmoraisecostumes,areligiosidadeeuropeia a diversas nações. Neste modelo o professor deveria manter uma postura severa e rigorosa, sendo sua missão transmitir um saber absoluto e inquestionável (BELLO, 2001).

Segundo Carlotto (2010), a necessidade de convocar e delegar a colaboradores leigosadisseminaçãodoconhecimentolevouaIgrejaadoutrinarprofissionais,pormeiodeumjuramentodefidelidadeaosseusprincípios,dandoorigemaotermoprofessor,quedesignaumaatividadequeprofessaaféeafidelidadeaosprincípiosdainstituiçãoecujoprofissionaldoa-sesacerdotalmenteaosalunos.

A partir da entrada do Estado na formulação dos rumos da escola brasileira a mesma passou à doutrinação ideológica, não mais religiosa como anteriormente, para a disciplina material e para a organização da experiência escolar, de forma a gerar, nos jovens, hábitos e comportamentos mais adequados às necessidades da indústria, conforme Enguita (1989).

Numarealidadeumpoucomaispróximadaatual,oautoraindaafirmaque,nocontextodacarreiradocenteedodomíniogeraldodiscursodaeficiência,asescolas,inspiradas no mundo da empresa, importaram seus princípios e normas de organização de forma extrema com notáveis consequências para a vida nas salas de aula, algumas impostasporestanovaorganizaçãodotrabalho,formuladasespecificadamenteparaosprofessores:a)desenvolvermétodoseficazesaseremseguidospelosprofessores;b)determinar,emfunçãodisso,qualificaçõesnecessáriasparaoexercíciodaatividade;c)capacitá-losemconsonânciacomasqualificações,oucolocarrequisitosdeacesso;d) fornecer formação permanente que mantivesse o professor à altura de suas tarefas durante sua permanência na instituição; e) dar-lhes instrução detalhada sobre como realizarseutrabalho;f)controlarpermanentementeofluxodoprodutoparcialmentedesenvolvido, isto é, o aluno.

Segundo Carlotto (2010 apud ESTEVE; FRANCO; VERA, 1995), a fragmentação dotrabalhodoprofessor,ocorridanosúltimosanos,ocasionouumadiversificaçãodefunções,fazendocomqueesteprofissional,pormuitasvezes,nãofaçaseutrabalhoda maneira mais adequada, não por desconhecimento, mas por não poder atender, simultaneamente, às diversas funções que lhe são atribuídas, que se estende, além da sala de aula, à atividades administrativas, de planejamento, de reciclagem, de investigação, de orientação de alunos e atendimento de pais.

Cabe salientar que apesar desta fragmentação de atividades e do aumento das responsabilidades da funçãodocente, atualmente esta profissãovem sofrendoumacrescente desvalorização.

A Lei de Diretrizes e Bases – LDB, na lei nº 9.394/96, dispõe sobre as competências dos estabelecimentos de ensino e dos docentes demonstrando que, no plano legal, o

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 47

trabalho docente não mais se restringe à sala de aula, mas contempla relações com a comunidade, a gestão da escola, o planejamento do projeto pedagógico, a participação nos conselhos, entre outras funções (CARLOTTO, 2010).

Segundo Estevão (1998) o aumento das responsabilidades e exigências projetadas sobre os educadores coincide com um processo histórico de rápida transformação no contextosocial,oqualtemsidotraduzidoemumamodificaçãodopapeldoprofessor,quetrazemprofundosdesafiospessoaisaosprofissionaisquesepropõemaresponderàs novas expectativas projetadas sobre eles.

Para o autor, tais transformações, em um período curto de tempo, ocasionam desastrosas tensões e desorientação nos docentes, deslocados de um meio cultural conhecido e no qual se desenvolveram, para um meio completamente distinto do seu, sendoamodificaçãomaissignificativaàquelarelacionadaaoavançocontinuodosaber,considerando não somente a necessidade de atualização contínua, mas, sim, da renuncia de saberes vindouros de anos, para incorporar conteúdos nem sequer mencionados no início de suas carreiras.

Moura(1997)afirmaqueserprofessorrepresentaumgrandedesafioderesistênciae coragem, desmistificando a visão tradicional de profissão segura vantajosa e deprestígioquejáfoinopassadoeapontacomoumadasmaissignificativasmudançasa falta de autonomia em relação ao ensino enfrentada pelos professores, onde a organização educacional é caracterizada pela burocracia, divisão de tarefas, além de novas formas de controle e hierarquização das relações de trabalho.

A seção pode ser assim resumida:

A atividade docente, entendida em tempos passados como uma profissão vocacional de grande satisfação pessoal e profissional tem dado lugar aoprofissional de ensino excessivamente atrelado a questões tecnocráticas.Háuma redução da amplitude de atuação do trabalho; as tarefas de alto nível são transformadas em rotinas; há menos tempo para executar o trabalho, para atualizaçãoprofissional,lazereconvíviosocial,bemcomoescassasoportunidadesde trabalho criativo (CARLOTO, 2010, p.15)

As transformações sofridas nas concepções sociais e de conhecimento, além do aumentocrescentedecobrançasquantoàeficiência,produtividadeediversificaçãodetarefasocorridasnaprofissãodocentetêmsobrecarregadoosprofessoresedesencadeadonos mesmos a sensação de desvalorização e perda da satisfação no desempenho de suas atribuições, que levam a enfermidades físicas e psicológicas, como será visto nas próximas seções.

Opinio, n.29, jul./dez. 201248

3 QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO E ESTRESSEO trabalho tem importância essencialparao serhumano, comsignificados e

consequências individuais, sendo reconhecido como fonte de satisfação de necessidades, como fator relevante na formação da identidade e na inserção social das pessoas. Assim entende-se que o bem estar adquirido entre as expectativas em relação ao trabalho e à concretização das mesmas é um dos fatores que constituem a qualidade de vida. (DEJOURS, 1992).

Na busca por satisfação, que instiga o individuo à formação profissional, a satisfação laboral pode ser tanto geradora de realização como fator gerador de desmotivaçãoedequestionamentosquantoasuaeficácia.

Segundo Dejours (1992), o trabalho nem sempre possibilita crescimento, reconhecimento e independência profissional, não atendendo as necessidades e expectativas dos trabalhadores, gerando insatisfação, desinteresse, irritação e exaustão.

Omesmoautoraindaafirmaqueháumanovaproblemáticaemrelaçãoàqualidadede vida e saúde do trabalho, a saúde mental. Diante desta situação nascem novas e amplas discussões sobre o objetivo do trabalho, sobre a relação homem-tarefa, acentuando a dimensão mental do trabalho e seus desdobramentos.

ParaAlbrecht(2003)apreocupaçãocomaqualidadedevidatemconfiguradoum fator de relevância crescente no âmbito organizacional, nos quais se tenta criar ambientes laborais que aumentem a produtividade dos trabalhadores, sabendo que empregados respeitados, apreciados e valorizados trabalham arduamente, acrescentam e percebem valor em seus empregos e contribuem com entusiasmo no desenvolvimento das tarefas, aumentando a preocupação das empresas em se investigar e investir em qualidade de vida do trabalhador.

Zanelli(2004)afirmaquenoprocessoprodutivoemqueoserhumanotransformae é transformado, o trabalho impõe assimilações emaspectosfisiológicos,morais,sociais e econômicos e, ainda, que há uma tendência à escassez de contatos positivos, ou pior,conflitosefrustraçõesqueseestabelecem,sejapelaspressõesdeprodução,pelasexigênciasdatecnologiaoupelaarquiteturapsicossocialdoambienteprofissional.

Analisandooexposto,asintensaspressõesporresultados,aintensificaçãodemudanças tecnológicas, exigência de maior produtividade, a cobrança pelo desempenho de atividades diversificadas, entre outros fatores, estão levandoos trabalhadores aesquecerem de sua saúde e bem estar, temerosos em perder o emprego ou seu lugar no mercado de trabalho, gerando diversos distúrbios e enfermidades, como é o caso do estresse.

Derivada do latim, a palavra ‘estresse’ foi empregada popularmente no século XVIIsignificandofadiga,cansaço.ApartirdosséculosXVIIIeXIX,otermoestresseaparece relacionado com o conceito de força, esforço e tensão, como cita Benevides-Pereira (2002).

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 49

É atribuído ao endocrinologista Hans Selye a introdução do termo stress no meio científico,paranomearasaçõesmútuasdeforçasqueocorrememqualquercorpo.Omesmo descobriu o conceito ao pesquisar o efeito de um extrato ovariano no organismo, em que a manipulação de suas cobaias gerava uma carga de pressão sobre os animais que lhe despertou o interesse de observação.

Selyedefiniuoestressecomo“oestadomanifestadoporumasíndromeespecificaqueconsisteemtodasasmudançasnãoespecíficasinduzidasdentrodeumsistemabiológico” (SELYE, 1956, p.56).

Ainda sob esta ótica, Limongi-França eRodrigues (2007) definem estressecomo um conjunto de reações que um organismo desenvolve ao ser submetido a uma situação que exige esforço de adaptação. Para os autores estresse refere-se ao estado do organismo, após o esforço de adaptação, que pode produzir deformações na capacidade de resposta atingindo o comportamento mental e afetivo, o estado físico e o relacionamento com as pessoas.

Em contrapartida, Sardá Jr; Legal e Jablonski Jr (2004) entendem que o estresse não é apenas uma mera reação, mais sim uma cadeia de reações cuja função é adaptar o organismo a uma condição ambiental que, de alguma forma, exija uma tomada de decisão rápida, geralmente ligada a sobrevivência ou, ao menos, entendida pelo organismo desta forma. O estresse pode ser entendido como uma resposta necessária à manutenção da vida do organismo, porém esta reação adaptativa, de extrema importância para a sobrevivência pode, também, ser extremamente nociva à continuidade da vida.

Segundo Lipp (2003) as resposta do organismo ao estresse incluem sintomas físicos, tais como surgimento de úlceras, hipertensão, diabetes e alergias; sintomas emocionais, como é o caso do medo, pânico, insegurança, raiva e sensação de fracasso; reações vegetativas, como boca seca, taquicardia, ânsia/vômito e lágrimas, e; musculares, com o aparecimento de tremores, ranger de dentes e ombros tensos.

O estresse ocupacional, segundo Chiavenato (2008), está vinculado aos estímulos do ambiente de trabalho que exigem respostas adaptativas por parte do trabalhador e que excedem suas habilidades de enfrentamento. Estes estímulos são chamados de estressores organizacionais e possuem como fontes principais fatores ambientais e pessoais.

Enquanto algumas pessoas lidam bem sob uma pequena pressão e são mais produtivas outras terão uma reação negativa de medo ou fuga. Considerando isto podemos perceber o papel do lado cognitivo, que é o que potencializa agentes estressores e desencadeia as respostas negativas e positivas, de cada individuo.

Limongi-FrançaeRodrigues(2007)afirmamqueoestresseemsinãoébomenemruim,porconfigurar-secomoumrecursoimportanteeútilparaqueoserhumanoenfrente diferentes situações de vida, entendidas como difíceis ou, ainda, de ameaça, mobilizando todo o organismo para tal enfrentamento. Entretanto a repetição ou duração destes episódios de estresse, que despendem uma grande carga de energia por parte do organismo, desencadeiam problemas de saúde, evidenciando o lado negativo deste.

Opinio, n.29, jul./dez. 201250

Como visto, o estresse é inerente à condição humana e, até mesmo, necessária paraoenfrentamentodesituaçõesdiáriasenfrentadasnavidapessoaleprofissionaldetodos os indivíduos. Esta abrangência do estresse é o que o difere de outras síndromes vinculadas unicamente ao trabalho, como é o caso do Burnout, a ser conceituado na próxima seção.

4 SÍNDROME DE BURNOUTAs condições de estresse enfrentadas pelos indivíduos diariamente tornam-se

patologia no momento em que a situação se torna crônica e que esse individuo deixa de ter condições psicológicas e físicas para enfrentar as reações do seu organismo.

Limongi-FrançaeRodrigues(2007,p.52),afirmamque“oconceitodeburnout éconsideradoumdosdesdobramentosmaisimportantesdostressprofissional,oqueimpõe sua apresentação em qualquer texto que se dispõe a falar sobre stress relacionado ao trabalho”.

O termo Burnoutorigina-sedeumagíriainglesaquesignificamorrerdetantotrabalhar. Numa tradução literal o termo vem da junção das palavras burnquesignificaqueimar e outquesignificaexterior,indicandoqueapessoacomestasíndromesofrefísica e psicologicamente.

BenevidesPereira(2002)defineBurnout como uma síndrome através da qual o trabalhador perde o sentido de sua relação com o trabalho, de forma que as coisas já não o importam mais e qualquer esforço lhe parece ser inútil. Esta síndrome acomete, principalmente,profissionaisdaáreadeserviçosquedesempenhamsuasatividadesem contato direto com seus usuários.

Maslach e Jackson (1981 apudCARLOTTO, 2010) definemaSíndromedeBurnout como uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto e excessivo com outros seres humanos, particularmente quando estes estão preocupados ou com problemas.

Para os autores, esta síndrome é caracterizada por três aspectos básicos:

• ExaustãoEmocional–Oprofissionalsente-seesgotado,compoucaenergiapara o trabalho e com a impressão de que não recuperará a energia, deixando-os irritados, nervosos e amargos. O individuo tornar-se incapaz de suprir-se de recursos emocionais para enfrentar as tarefas do trabalho.

• Despersonalização–Oprofissionaldesenvolveumdistanciamentoemocionalexacerbado, como frieza, indiferença, insensibilidade e postura desumanizada, na qual perde empatia e tende a tratar as pessoas como coisas. O individuo passa a apresentar condutas e atitudes negativas em relação aos destinatários do serviço no contexto do trabalho. Traz consigo irritabilidade, ansiedade, desmotivação, alienação, redução do idealismo, condutas claramente egoístas e perda da motivação.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 51

• Reduçãodarealizaçãopessoaleprofissional(Incompetência)–Oprofissionalpercebe a impossibilidade de realização pessoal, que diminui suas expectativas pessoais. O sujeito passa a ter uma visão negativa de si mesmo, decepção, frustração, sentimentos de fracasso e de infelicidade, baixa autoestima que acarreta redução da produtividade no trabalho. Com o incremento da exaustão emocional e da despersonalização e todas as suas consequências, não é raro um senso de inadequação e o sentimento de que se têm cometido falhas, com seus ideais, normas, conceitos, podendo surgir a sensação de que se tornou outro tipo de pessoa, diferente, bem mais fria e descuidada. Como consequência, surge queda da autoestima que pode levar à depressão.

SegundoMalagris (2004), esta síndrome significa estado de exaustão, emque os principais candidatos a desenvolverem o Burnout são aqueles trabalhadores altamente motivados, competentes e responsáveis, que mergulham fundo no trabalho e apresentam grande necessidade de valorização e reconhecimento. Estes indivíduos costumammostrardificuldadederelaxamentosemumsentimentodeculpaeacabamse excedendo e não suportando a carga de trabalho.

O Burnout seria a resposta emocional a situações de stress crônico decorrente de relaçõesintensasnoambientedetrabalho,comoutraspessoasoudeprofissionaisqueapresentamgrandesexpectativasemrelaçãoaseusdesenvolvimentosprofissionaisededicaçãoàprofissão;noentanto,emfunçãodediferentesobstáculos,nãoalcançaramo retorno esperado (LIMONGI-FRANÇA; RODRIGUES, 2007).

Distinguindo estresse e Burnout, Benevides Pereira (2002), apresenta o conceito de Burnout como a resposta a um estado prolongado de estresse, tornando-se crônico, quando osmétodos de enfrentamento falharamou foram insuficientes.Enquantoo estresse pode apresentar aspectos positivos ou negativos, o Burnout tem sempre caráternegativo,estandorelacionadoàesferaprofissionalecomotipodeatividadesdesenvolvidas, apresentando uma dimensão social, inter-relacional, através da despersonalização o que não ocorre necessariamente no estresse ocupacional.

Aautora ainda afirmaque, apesar de qualquer pessoa poder vir a sofrer deestresseocupacionalemfunçãodasatividadesprofissionaisdesenvolvidas,oBurnoutincide principalmente nos que ajudam, prestam assistência ou são responsáveis pelo desenvolvimento de outros, tais como médicos enfermeiros, professores, assistentes sociais,psicólogos,dentistas,bombeiros,enfim,cuidadoresemgeral.

A população da presente pesquisa são os professores, que para Carlotto (2010), possuemumadasprofissõesmaisvisíveisdomundo,comgrandeexigênciaecríticas.Estes profissionais são extremamente cobrados em seus fracassos e raramente reconhecidos por seu sucesso e, embora seja uma tendência no âmbito do trabalho, nenhuma categoria tem sido tão avaliada e cobrada pela sociedade nas últimas décadas.

Farber (1999 apud CARLOTTO, 2010) acredita que, o aspecto principal para o entendimento da síndrome de Burnout em docentes está na abordagem psicológica,

Opinio, n.29, jul./dez. 201252

maisprecisamentenosentimentodoprofessorquantoàsignificânciadeseutrabalho,quando o mesmo sente que seus esforços não são proporcionais às recompensas obtidas equefuturosesforçosnãoserãojustificadosousuportados.Tambémreferequearelaçãoaluno-professorconfiguraamaiorfontedeoportunidadedeestresse,mas,também,derecompensaegratificação,gerandoumadualidadedeentendimentoquantoaestarelação, positiva e negativa, dependendo de diversos fatores e da percepção individual doprofissional.

Segundo o autor, o Burnout em professores surge da combinação de fatores individuais, organizacionais e sociais, quando tal combinação produz uma percepção debaixavalorizaçãoprofissional.Afaltadecondiçõesfísicasedeautonomiaparagerenciamentodotrabalhofoiidentificada,pelomesmo,comoumaimportantefontededesgasteprofissionaldacategoria.

Moura (1997) apresenta como as dez maiores fontes de esgotamento para os professores os seguintes fatores: a) desmotivação dos alunos; b) comportamento indisciplinadodosalunos;c)faltadeoportunidadedeascensãonacarreiraprofissional;d) baixos salários; e) más condições de trabalho (falta de equipamentos e instalações adequadas); f) turmas excessivamente grandes; g) pressões de grupo e prazos; h) baixoreconhecimentoepoucoprestígiosocialdaprofissão;i)conflitoscomcolegasesuperiores; j) rápidas mudanças nas exigências de adaptação dos currículos.

Precárias condições de trabalho, como espaço físico e material didático; organização da forma de trabalho, como multiplicidade de tarefas, ritmo de trabalho, pouca frequência de pausas, aumento de exigências cognitivas, perda de autonomia, horasextras,burocratização,qualificaçãoconstanteepermanente;fatoresfísicos,comopostura desconfortável, uso frequente e elevado da voz; fatores relacionais, como falta dediálogo,políticaseducacionaisautoritárias,dificuldadesde relacionamentocomas famílias dos alunos; sociais, como trabalho em mais de uma instituição de ensino, a violência nas escolas (brigas entre alunos, roubos, ameaça, depredação do espaço), imagemerrôneadaopiniãopúblicasobreoprofessor.Todosestesconfiguramdemaisfatores que podem ocasionar o desenvolvimento da Síndrome de Burnout em docentes, de acordo com Leite e Souza (2007) e complementam as fontes de esgotamento apresentadas anteriormente.

Visto a base epistemológica do tema tratado, a próxima seção apresenta a Metodologiautilizadaparadesenvolverapesquisa,assimcomodefiniçõesdeautoresquanto a sua caracterização.

5 METODOLOGIAEstaseçãosedestinaaapresentarasdefiniçõesbibliográficasdestapesquisa,

bem como descrever a coleta e análise dos dados necessários ao cumprimento dos objetivos propostos.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 53

Yinafirmaqueoestudodecasoéumadastécnicasdepesquisautilizadasemdiversas áreas conceituando que “como estratégia de pesquisa, utiliza-se o estudo de caso em muitas situações, para contribuir com o conhecimento que temos de fenômenos individuais, organizacionais, sociais, políticos e de grupo, além de outros fenômenos relacionados.” (YIN, 2005, p.20)

Este autor apresenta três situações nas quais o estudo de caso é indicado. A primeira é quando o caso em estudo é crítico para se testar uma hipótese ou teoria explicitada. A segunda situação para se optar por estudo de caso é o fato dele ser extremo e único. A terceira situação se dá quando o caso é revelador, que ocorre quando o pesquisador temacessoaumeventooufenômenoatéentãoinacessívelàpesquisacientífica.

O método utilizado para a realização desta pesquisa foi o estudo de caso que, de acordo com Yin (2005), é apenas uma das muitas maneiras de fazer pesquisa em ciências sociais. No geral é a metodologia preferida quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real, como pode ser caracterizado o tema da análise: Síndrome de Burnout Docente.

O cunho deste estudo é descritivo, pois se propõe, essencialmente, a descrever como é o caso em estudo, onde o pesquisador não pretende interferir sobre a situação, mas conhecê-la da maneira como surge, utilizando para tanto diversos instrumentos e estratégias de pesquisa.

A instituição onde o estudo foi desenvolvido é uma rede de Ensino do Estado do Rio Grande do Sul, fundada em 29 de Julho de 1943. Possui 29 unidades, dentre elas 06 faculdadese23escolasqueofertamdaEd.InfantilaoEnsinoProfissionalizante,comaproximadamente 18.000 alunos. Em seu quadro funcional possui 1.940 colaboradores dos quais 1.164 são docentes e constituem o universo da pesquisa, ou seja, os indivíduos sujeitos a desenvolver a Síndrome de Burnout em decorrência do desempenho das atividadesprofissionaiscomoprofessores.

A coleta de dados foi realizada através de documentos da Instituição e pela aplicação de um questionário composto de três perguntas, caracterizadas pelos três aspectos básicos da Síndrome de Burnout, acompanhado de uma breve descrição sobre otema,com164docentes,cercade10%dototaldapopulação,definidaemfunçãodasrestrições de tempo extra classe destes. A análise e interpretação dos dados ocorreram demaneira quantitativa, comvistas a quantificar percentualmente a percepção deincidência da Síndrome de Burnout.

Os índices de afastamentos e absenteísmo decorrentes do desenvolvimento daSíndromedeBurnout foramanalisadosmediante a verificação, levantamento equantificaçãodoCódigoInternacionaldeDoenças–CID10,presentenosrelatóriosapresentadospelainstituição,considerandooscódigospresentesnaclassificação“Z”,dentreelesoCIDZ73.0quedefine,precisamente,oBurnout (Síndrome de Esgotamento Profissional).

Opinio, n.29, jul./dez. 201254

ComafinalidadedeverificaraincidênciadeBurnout nos colaboradores ativos dainstituiçãoeconfirmarsuaocorrêncianacategoriadocente,optou-sepelaaplicaçãode questionário com uma pequena amostra da população em análise, com o objetivo de averiguar se os professores percebem os sintomas de exaustão emocional, sensação de que não possuem energia ou recursos emocionais para enfrentar suas atividades profissionais;despersonalização,distanciamentodosalunos, sentimentoseatitudesnegativas em relação ao público atendido, percepção dos alunos e colegas como objetos; e baixa realização pessoal, sensação de infelicidade e insatisfação com o desenvolvimentoprofissional,autoavaliaçãonegativa.Taispercepções,comoreferidapor vários autores, são consequências/sintomas da Síndrome de Burnout.

Com base nos dados coletados e após sua análise foram obtidos os resultados apresentados na seção seguinte.

6 RESULTADOS OBTIDOSNaprimeira parte da análise, apresentamos os resultados da verificação dos

índices de afastamentos relacionados com os sintomas da Síndrome de Burnout. A instituição realiza o controle de seus afastamentos com indicação do CID relacionado, o que facilitou o levantamento dos dados.

Os relatórios possuíam o período de um ano, Maio/2011 a Maio/2012, indicando a data de afastamento, o motivo do mesmo, segundo código do Ministério de Trabalho e Emprego (Licença Maternidade, Acidente de Trabalho, Auxílio Doença) e o respectivo código da doença, o que possibilita averiguar a relação do trabalho nestes afastamentos.

No período analisado, os afastamentos por Auxílio Doença, em sua totalidade sem a caracterização de relação com o trabalho, atingiram o montante de 68% das incidências,ficandoaLicençaMaternidadeemsegundolugarcomopercentualde30%.AfastamentosdecorrentesdeAcidentedeTrabalhoconfiguramapenas2%daamostra, caracterizada por somente um afastamento desta natureza, decorrente de um acidentedetrajeto.Osdaodspodemservisualizadosnográficodafigura1.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 55

FIGURA 1 – Afastamentos anuais.

Fonte: Elaborado pela autora.

Realizando a fragmentação do percentual encontrado referente aos afastamentos porauxíliodoença(figura2),medianteolevantamentodascausasdestes,nota-seque,embora não muito elevado, somente 18%, o percentual relativo a doenças do trabalho é bastante preocupante, ainda mais considerando que a amostra estudada é pequena, de somente 10% do total de docentes da instituição.

Ainda que o percentual de afastamento decorrentes do trabalho não seja alarmante, o número de pessoas expostas a riscos psicossociais no local de trabalho tende ao crescimento, visto que as mudanças nas características do trabalho estão se efetivando, aumentando o número de demandas sobre os trabalhadores, exigindo uma maiorflexibilidadedecompetênciasefunçõeseummaiorequilíbriotrabalho-família,conformeafirmaCarlotto(2010).

Embora não tenha sido localizado na literatura analisada um índice aceitável para os afastamentos decorrentes de doenças de trabalho, entendemos que a instituição deva buscar o menor índice possível, considerando que, em sua área de atuação, o público interno,oscolaboradores,configuramseupatrimôniomaisimportante.

Opinio, n.29, jul./dez. 201256

FIGURA 2 – Causas de afastamentos por doença.

Fonte: Elaborado pela autora.

Relacionando o índice encontrado com a Síndrome de Burnout, por intermédio daverificaçãodocódigodedoençaspresentenos relatóriosanalisados,nãohouvevinculaçãosignificativadeafastamentosdesencadeadosporestasíndrome,conformefigura3:

FIGURA 3 – Índice de Doenças do Trabalho.

Fonte: Elaborado pela autora.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 57

Este resultado pode ser caracterizado pelo desconhecimento da síndrome e de seus sintomas por parte dos colaboradores, que descrevem sintomas típicos de estresse eoutraspatologias,dificultandoodiagnósticoe,ainda,atendênciaatualdeatribuiraoestresse os problemas físicos e psicológicos enfrentados pelos indivíduos. Também é possível que, por não haver uma divulgação tão intensa da Síndrome de Burnout, como ocorrecomoestresse,osprofissionaisdesaúdeaindatenhamdificuldadeemdarestediagnóstico aos pacientes.

Assim como descreve CARLOTTO (2010, p.19), “o fato de haver poucos estudos sobre burnout, uma vez que é recente seu reconhecimento como doença ocupacional, dificultasuaidentificaçãopelostrabalhadores,profissionaisdasaúdeegestores”.

Apesar deste resultado, segundo a análise documental realizada, os docentes entrevistados percebem com bastante clareza a incidência da Síndrome de Burnout em seu cotidiano de trabalho, se considerados os aspectos básicos da síndrome, como podeserpercebidonafigura4.

FIGURA 4 – Aspectos básicos de Burnout.

Fonte: Elaborado pela autora.

De acordo com os percentuais apresentados, após um pequeno detalhamento doqueconfiguraaSíndromedeBurnout, é possível perceber que esta patologia está presente no cotidiano dos docentes da instituição, sendo percebido por um percentual elevado da população analisada.

Apesar deste resultado outros entendimento podem ser levados em consideração, como aborda Carlotto (2010), quando refere que a despersonalização pode ser uma resposta de enfrentamento aceitável ao provocar distanciamento interpessoal do profissionalcomseucliente,masqueestapercepçãopassaaserpreocupantequando

Opinio, n.29, jul./dez. 201258

vem seguido de uma resposta negativa associada à exaustão emocional, percebido, neste estudo em 52% da população.

A despersonalização é elemento essência da Síndrome de Burnout, enquanto a exaustão emocional e a baixa realização pessoal podem estar associadas a outros tipos de síndromes.

Ainda analisando os índices encontrados nas entrevistas, Leiter (1991 apud CARLOTTO, 2010) apresenta uma forte associação entre a exaustão emocional e a despersonalização, que atingiu o índice de 38% da população do presente estudo de caso.

Diante dos resultados apresentados, em função das entrevistas e da análise das causas de afastamentos, pode-se afirmar que 38%da amostra emestudopossui orisco potencial de desenvolver a Síndrome de Burnout, confirmandoanecessidadeda implantação de políticas institucionais para minimizar e evitar a ocorrência desta enfermidadee,ainda,vindoaoencontrodopensamentodeCarlotto(2010),queafirmaque programas de intervenção que buscam prevenir e reduzir o burnout são de grande importância não só no que diz respeito à qualidade de vida das pessoas afetadas ou com riscos potenciais, mas quanto aos custos envolvidos com absenteísmo e rotatividade.

Percebe-se esta preocupação na instituição analisada, mediante a apresentação de ações em seu Planejamento Estratégico e da área de Gestão de Pessoas tais como: redução de atividades extraclasse, redução do número de alunos por turma, atendendo inclusive ao que orienta o Sindicato dos Professores do RS, equipes administrativas bem estruturadas para dar aos docentes suporte nas questões burocráticas do trabalho, apoio pedagógico para a utilização do material didático da rede, implantação de PlanodeCarreiraDocenteafimdepromoveravalorizaçãoeoreconhecimentodosprofessores e recompensar os esforços dos mesmos com a formação contínua, projetos de melhoria do ambiente físico e a aplicação de pesquisa de clima anual para a melhoria das condições de trabalho.

Com base nos resultados obtidos podemos desenvolver algumas considerações quanto ao Plano de Carreira Docente, vistos a seguir.

7 CONSIDERAÇÕES FINAISA Síndrome de Burnout é caracterizada como uma reação tensional crônica

proveniente do contato direto com as pessoas, acometendo profissionais que desempenham suas atividades auxiliando outros seres humanos, como é o caso dos professores.

Esta é uma síndrome através da qual o trabalhador perde o sentido de sua relação como o trabalho, de forma que as coisas já não o importam e qualquer esforço lhe parece inútil, sendo marcada pela exaustão emocional, pela despersonalização e pela baixa realização pessoal.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 59

Diante dos resultados obtidos pode-se concluir que, apesar da baixa incidência de afastamentos decorrentes da Síndrome de Burnout, medidas com base nos códigos de doenças presentes nos relatórios analisados, percebe-se a indicação, através da análise da percepção dos docentes quanto aos aspectos básicos presentes nesta patologia, de um grupo potencial de risco de 32% da população estudada, considerando ser este o índice presente no quesito Despersonalização e um percentual ainda maior de baixa realização pessoal, 47% da amostra, que juntos podem indicar uma forte tendência de desenvolvimento desta síndrome nos colaboradores docentes da instituição.

Ainda que a instituição desconhecesse a percepção dos colaboradores quanto aos aspectos básicos da patologia em estudo e seus relatórios não servissem para atribuir um graupreocupantedeafastamentosdecorrentesdaSíndromedeBurnout,verificou-seapresença de ações que podem prevenir e reduzir os fatores de risco a que os docentes estão sujeitos, presentes em seu Planejamento Estratégico e no Plano de Ação da área de Gestão de Gestão, tais como: melhoria de condições de trabalho, maior valorização dos professores e politicas de reconhecimento e recompensa pela busca contínua de qualificaçãoeatualização,oquedenotaapreocupaçãodaredeematenderaexigênciasrelativasaqualidadedevidaesatisfaçãoprofissionaldeseuscolaboradores.

O presente artigo pode ser utilizado no auxílio de novas pesquisas quanto aos impactos,inclusivefinanceiros,geradospelaSíndromedeBurnoutemInstituiçõesdeEnsino da rede privada, bem como subsidiar uma pesquisa mais aprofundada quanto à satisfação e motivação advindos da aplicação de políticas de prevenção e redução dos riscos psicológicos decorrentes da atividade docente.

REFERÊNCIASALBRECHT, K. O gerente e o estresse. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.BELLO, J. L. Educação no Brasil: a história das rupturas. 2001. Disponível em: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb14.htm. Acesso em: 28 jun.2012.BEVENIDES PEREIRA, A. M. T. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.CARLOTTO, M. S. Síndrome de burnout: o estresse ocupacional do professor. Canoas: Ed. ULBRA, 2010.CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. 3.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Campus, 2008.DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5.ed. São Paulo: Cortez, 1992.ENGUITA, M. F. A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.ESTEVÃO, C. Redescobrir a escola privada portuguesa como organização na fronteira da sua complexidade organizacional. Braga: Lusografe, 1998.FARBER, B. A. Crisis in education. Stress and burnout in the American teacher. San Francisco: Jossey-Bass Inc., 1991 apud CARLOTTO, M. S. Síndrome de burnout: o estresse ocupacional do professor. Canoas: Ed. ULBRA, 2010.

Opinio, n.29, jul./dez. 201260

LEITE, M. DE P.; SOUZA, A. N. DE. Condições do trabalho e suas repercussões na saúde dos professores da educação básica no Brasil. São Paulo: Fundacentro/Unicamp, 2007.LEITER, M. P. Coping patterns as predictors of burnout. Journal of Organization Behavior, 12, p.123-144, 1991 apud CARLOTTO, M. S. Síndrome de burnout: o estresse ocupacional do professor. Canoas: ED. ULBRA, 2010.LIMONGI-FRANÇA, A. C.; RODRIGUES, A. L. Stress e trabalho: uma abordagem psicossomática. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2007.LIPP, M. E. N. Mecanismos neuropsicológicos do stress: teoria e aplicações clínicas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.MALAGRIS, L. E. N. Burnout: o profissional em chamas, 2004 apudNUNESSOBRINHO, F. de P.; NASSALLA, I. (Orgs.). Pedagogia Institucional: fatores humanos nas organizações. Rio de Janeiro: ZIT Editores, 2004.MOURA, E. P. G. DE. Saúde mental e trabalho: esgotamento profissional em professores da Rede de Ensino Particular de Pelotas/RS. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997.SARDÁ JR., J. J.; LEGAL, E. J.; JABLONSKI Jr, S. J. Estresse: conceitos, métodos, medidas e possibilidades de intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.SELYE, H. Stress: Atenção da vida. São Paulo: IBRASA, 1956.YIN, Robert K. Estudos de caso: Planejamento e métodos. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.ZANELLI, J. C. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

Opinio Canoas n.29 p.61-79 jul./dez. 2012

Inteligência espiritual, diferencial perceptível, relevante e desejável

nas organizaçõesJosemar V. Garcia

Iria M. Garaffa

RESUMOO presente artigo estuda as características das pessoas espiritualizadas e se tais atributos

contribuem para as organizações obterem melhores resultados. Para atingir os objetivos propostos, primeiramente foi desenvolvido o referencial teórico com o propósito de obter conhecimentos necessáriossobreasinteligências,especialmenteaespiritualeasuainfluêncianavidaenoambientedos negócios. O levantamento de dados foi realizado com três empresas, onde foram realizadas entrevistascomosgestorescomoobjetivodeidentificarapercepçãodestessobreaespiritualidadee se privilegiam a contratação de colaboradores com estas características. Também foi aplicada uma pesquisa quantitativa com os colaboradores das empresas, com o objetivo de conhecer a percepção destes sobre a espiritualidade e se este atributo faz parte de sua vida e pode proporcionar um diferencial às organizações, bem como na sua vida pessoal. Os resultados do estudo demonstram quepessoasespiritualizadaslevamavidacommaissignificadoepropósito,consequentemente,trabalham com mais alegria e disposição, gerando maior produtividade, contribuindo para as organizações obterem melhores resultados.

Palavras-chave: Inteligência Espiritual. Comportamento Organizacional. Pessoas Espiritualizadas.

Spiritual intelligence, differential noticeable material and desirable in organizations

ABSTRACTThis paper studies the characteristics of spiritualized people and if these attributes are helpful

fororganizationsachievingbetterresults.Toachievetheproposedobjectives,wefirstdevelopedthe theoretical basis for the purpose of obtaining necessary knowledge about the intelligences, speciallythespiritualoneanditsinfluenceonlifeandonthebusinessenvironment.Thesurveywas conducted with three companies where interviews were conducted with managers in order to identify their perception about spirituality and if they favor the contraction of employees with these characteristics. A quantitative research with employees of the companies was also applied, in order to know their perception about spirituality and if this attribute is part of their life, and if it can provide a differential for the organizations, as well as in their personal life. The study results demonstrate that spiritualized people have a more meaningful and purposeful life, working, therefore, with more joy and readiness, generating higher productivity, helping organizations in getting better results.

Keywords: Spiritual Intelligence. Organizational Behavior. Spiritualized People.

Josemar V. Garcia é bacharel em Administração pela Universidade Luterana do Brasil. E-mail: [email protected] M. Garaffa é bacharel em Administração. Mestrado em ciência da computação. E-mail: [email protected]

Opinio, n.29, jul./dez. 201262

1 INTRODUÇÃOOs estudiosos do comportamento humano avançam em pesquisas na área das

inteligências humanas. O século XX foi marcado por aprofundamentos nas pesquisas da inteligência intelectual ou, como foi sistematizado, QI (quociente de inteligência). Tais estudos dedicaram-se a valorizar a inteligência como forma de resolver as questões davida.Jánofinaldoséculo,no iníciodadécadade1990,opsicólogo,PhdpelaUniversidade de Harvard, Daniel Goleman, organizou e popularizou pesquisas de neurocientistas e psicólogos sobre a inteligência emocional, também conhecida por QE (quociente emocional). Estes estudos valorizaram a percepção clara dos nossos sentimentos, bem como dos de nossos semelhantes. Entendeu-se que a correta aplicação do QI depende de um QE equilibrado e bem desenvolvido.

NofinaldoséculoXXeiníciodoSéculoXXI,estudiososaprofundaramsuaspesquisasnaáreadainteligênciaespiritualouQS(quocienteespiritual),paraidentificarainteligênciaqueutilizamosparasignificarevaloraravida.AfirmamZohareMarshall(2002) que nos servimos da inteligência espiritual para decidir a trajetória de nossa vida e os propósitos pelos quais lutamos. Acreditam que o quociente espiritual é responsável pela utilização adequada das inteligências intelectual e emocional.

DiantedadifusãodocapitalismomaterialistapercebidonofinaldoséculoXIXeinício do século XX, as organizações avançaram em busca do lucro ou dos “resultados”. Neste contexto, a gestão contemporânea dos negócios envolve-se cada vez mais com conceitosrelacionadosàcompetição,eficiência,produtividade,negociação,resultados,inovação, empreendedorismo, entre outros (VASCONCELOS, 2010).

Surge então, a necessidade de adotar princípios como ética, honestidade, respeito, fidelidade,valoresepropósito.Com isso,emergecomforçae relevânciaaatitudeespiritualizada,ouseja,aquevalorizaavida,lheatribuisignificadoeconduzasaçõesdos gestores pautadas em valores e princípios que observam e preservam com cuidado a vida das pessoas e do meio ambiente.

Rabello(2008,p.9)afirmaque“deacordocomaneuroteologia,asexperiênciasreligiosas têm base neurológica e podem ser investigadas a partir de experimentos controladosemlaboratório,comautilizaçãodeimagensobtidasatravésdetomografiacomputadorizada”.Esta afirmação indica que podemos detectar o comportamentoespiritualizadoeconfirmá-locomodesejável tantoparaas relaçõeshumanascomoparaodesempenhodoprofissionalnasorganizações.

AfirmaArruda(2005,p.94)que,seasorganizações“souberemdesenvolveremcada indivíduo sua inteligência espiritual, terão resultados melhores”. Já Guillory (2000, p.74) considera que “aqueles que se tornam mais integrados através do entendimento e da adoção da espiritualidade abrem-se para um desempenho extraordinário”. Considera o autor que o sucesso das organizações e valores espirituais são compatíveis, portanto, valores espirituais consistentes proporcionam comportamentos definitivamente benéficosaosclientes,àempresaeatodasaspartesenvolvidas.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 63

Assim, surge o interesse do tema deste estudo, o de investigar com gestores e colaboradores de empresas, se os valores espirituais contribuem para que estas obtenham melhores resultados.

2 INTELIGÊNCIAO termo inteligência surgiu no século XIV e foi originado do latim

“intelligentia”. Gardner, Kornhaber e Wake, estudiosos de Harvard na área da inteligência,afirmamque

[...]inteligênciaéumconceitosemumadefiniçãouniversalmenteaceita,oqueé considerado inteligência depende da pessoa à qual perguntamos, dos métodos que os respondentes usam para explorar o tópico, do nível da análise de sua investigação e dos seus valores e crenças. (1998, p.18)

Para Gardner (2000) inteligência é a capacidade de solucionar problemas ou elaborar produtos que são importantes em um determinado ambiente ou comunidade cultural. A capacidade de resolver problemas permite às pessoas abordar situações, atingir objetivos e localizar caminhos alternativos a esse objetivo.

Sobre a inteligência, Piaget (2008) considera que é inconcebível pensar que ela surja como um mecanismo montado, pronto, num determinado período da vida. Ao contrário,elaapresentaumacontinuidadedosreflexosadquiridosouinatos,oriundosdaassociaçãonormaledoreflexo.Estesprocessosseconstituemnabasedainteligênciae,simultaneamente, são utilizados por ela. Ainda declara que “a inteligência é assimilação na medida em que incorpora nos seus quadros todo e qualquer dado da experiência” (ibid., p.17).

Por sua vez, Cury (2008, p.31) apregoa que podemos desenvolver o intelecto através de treinamento, afirmandoque, se umapessoadeseja ter saúdepsíquica eexpandir os horizontes da sua inteligência, não há atalhos, não há mágica, deve “decifrar o código da inteligência, conhecer o funcionamento básico da mente humana, e fazer exercícios,estágiointelectualeeducaçãocontinuada”.Afirmaqueamentesóécapazde resolver os problemas ligados a sobrevivência se for treinada, equipada, educada. Complementa afirmando que as pessoas que aprenderem a decifrar osmelhorescódigosdainteligência,afastam-sedomundointoleranteeinflexívelparahumanizar-se. Estes tornam-se gradativamente mais resilientes, maleáveis, solidários, sensíveis, compassivos, pacientes, generosos, magnânimos. Neste contexto, o ser humano paulatinamentedeixadeserrígidoeautossuficientenaproporcionalmedidaemquedecifra o código da inteligência, tornando-se mais humano e sensível.

Entretanto, o autor alerta para a necessidade de estarmos atentos às armadilhas da mente humana que bloqueiam a inteligência e prejudicam a execução dos projetos

Opinio, n.29, jul./dez. 201264

de vida, os quais conceitua como: o conformismo, o coitadismo, o medo de reconhecer os erros e o medo de correr riscos (ibid., p.47).

Quanto à relevância de se utilizar a inteligência, Marks (1998, p.VII) declara que “o triunfo do indivíduo não será obtido através de recursos ligados à sorte, mas dos ligados à competência, e a competência é produto desenvolvido na mente, com o concurso da inteligência”.Afirmaaindaque“tantoindivíduosquantoorganizaçõesdependemdainteligência e isto se acentuará rapidamente, com o decorrer do tempo”.

Falando sobre o desenvolvimento da inteligência, a escritora norte americana Ellen G. White aponta a Bíblia Sagrada como agente educador e grande fonte de cultura mental,afirmandoque

[...] pesquisando as várias partes e estudando as relações entre elas, são chamadas a uma intensa atividade as mais altas faculdades da mente humana. Ninguém pode empenhar-se em tal estudo, sem desenvolver poder mental. (WHITE, 2008a, p.73)

Aautoraafirmaqueodesenvolvimentodainteligênciaedasfaculdadesmentaisnão está somente ligado à descoberta das verdades contidas na Bíblia, mas também como resultado do esforço demandado para assimilar e associar os vários temas abordados ali. White (2008b, p.20) também associa o desenvolvimento intelectual com a saúde físicaquandoafirmaque“énecessárioumcorposãoparaterumintelectosão”.

Conclui-sequeosignificadodeinteligência,eespecialmentenossacompreensãosobre a mesma, está diretamente ligado à sociedade em que estamos inseridos e sua cultura, onde cada pessoa, comunidade e tempo possui seu ideal de inteligência. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, depreendeu-se um ideal de pessoa inteligente, no entanto, as características e conceituação deste ideal variam de acordo com o tempo e cultura que presenciamos. Por muito tempo, o estudo da inteligência restringiu-se à capacidade de linguística e lógica. Assim, ao conceituar inteligência, poderíamos afirmarqueéa capacidadehumanadeperceber,verificar, compreender, conferir egerar informações (LEÃO, 2009).

2.1 Inteligências múltiplasO autor Howard Gardner, da Universidade Harvard, organizou, sistematizou e

popularizou o termo Inteligências Múltiplas. Em sua obra, sustenta que as inteligências podem ser divididas e conceituadas em pelo menos sete e podem ser devidamente identificadaselocalizadasnocérebrohumano,asaber(GARDNER,2000,p.22-30):

1. Inteligência musical: Capacidade voltada para a música. Exemplos de pessoas com destaque desta inteligência: Beethoven, Mozart, Bach.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 65

2. Inteligência corporal cinestésica: Capacidade de resolver problemas ou de elaborar produtos utilizando o corpo inteiro, ou partes do corpo. Exemplos de profissionaiscomdestaquedestainteligência:dançarinos,atletas,cirurgiõese artistas.

3. Inteligência lógico-matemática: Capacidade lógico-matemática, assim como acapacidadecientífica.

4. A inteligência linguística: Capacidade exibida em sua forma mais completa, possivelmente pelos poetas.

5. Inteligência espacial: Capacidade de formar um modelo mental de um mundo espacial e ser capaz de manobrar e operar utilizando este modelo. Exemplos deprofissionaiscomdestaquedestainteligência:marinheiros,engenheiros,cirurgiões, pintores, escultores.

6. Inteligência Interpessoal: Capacidade de compreender outras pessoas, suas motivações, como elas se relacionam, como trabalhar cooperativamente com elas.Exemplodeprofissionaiscomdestaquedestainteligência:vendedores,políticos, professores, clínicos (terapeutas) e líderes espirituais bem-sucedidos.

7. Inteligência Intrapessoal: Capacidade correspondente à observância para dentro de si mesmo, de formar um modelo acurado, verdadeiro e honesto de si mesmo e de utilizá-lo para atuar efetivamente na vida.

Para Gardner, em pessoas normais, as inteligências funcionam combinadas, podendo estas apresentar fusões de várias delas. No entanto, em muitos casos, as pessoas demonstram uma facilidade incomum em uma determinada inteligência, permitindo assimser facilmente identificada.Consideraqueo indivíduopode ser consideradocomo uma coleção de aptidões e não como sendo portador de uma única faculdade para a solução de problemas.

Outros autores sugerem a existência de outras inteligências não apontadas por Gardner tais como: “espiritualidade, sensibilidade moral, humor, intuição, criatividade, capacidade culinária, percepção olfativa, capacidade de sintetizar as outras inteligências e capacidade mecânica” (ARMSTRONG, 2001, p.23).

Armstrong (2001, p.33) considera que a maioria das pessoas pode desenvolver suas inteligências múltiplas de forma significativa, alcançando assim razoável competência. O autor apresenta três principais fatores que considera determinantes para o desenvolvimento das inteligências: (1) a dotação biológica, incluindo a hereditariedade ou fatores genéticos e lesões cerebrais antes, durante e depois do nascimento; (2) a história de vida pessoal, incluindo experiências com os pais, professores, colegas, amigos e outros que estimulam as inteligências ou as impedem de se desenvolver e; (3) referencial histórico e cultural, incluindo a época e o local em que o indivíduo nasceu e foi criado, e a natureza e o estado de desenvolvimento cultural ou histórico nas diferentes áreas.

Opinio, n.29, jul./dez. 201266

Conforme Zohar e Marshall (2006) há três capitais, que estão ligados diretamente com as inteligências. A nossa Inteligência Racional que é chamada de QI (Inteligência Intelectual) e tem como função principal o que penso, o que aprendi e a forma lógica do pensamento. No Capital Social onde usamos o nosso QE (Inteligência Emocional), a inteligência tem como função principal o que sinto e como meu próximo se sente e porfimoQS(InteligênciaEspiritual)quetemcomofunçãoprincipaloquesou.

Para os autores, as inteligências podem ser infinitas e possivelmente estãoligadas aos sistemas neurais do cérebro, portanto, todos os tipos de inteligência que Gardnerdescrevesão,naverdade,variaçõesdoQI,QEeQSedesuasconfiguraçõesneuraisassociadas(ZOHAR;MARSHALL,2002).Estaafirmaçãonosinduzapensarque estamos em um campo bastante fértil e passível de muitos estudos e futuras pesquisas.

2.2 Inteligência intelectualO século XX popularizou o termo Quociente de Inteligência (QI), também

conhecida como inteligência intelectual ou racional, que permite ao homem utilizar o pensamento racional, lógico e pautado por regras, constituindo a inteligência que utilizamos para resolver problemas lógicos e de grande importância. A partir de estudos, ospsicólogoscriaramtestesparamedirestainteligência,classificandoentãoaspessoaspor seu grau de QI, que pretensamente deveria indicar as habilidades e talentos do indivíduo. A teoria apregoava que quanto mais alto o QI, maior seria sua inteligência (ZOHAR; MARSHALL, 2006).

Deformasimplificada,tambéméconhecidacomoaformadeinteligênciaqueprocura compreender “o que”. O QI é normalmente sequencial e lógico e é ativado quando um questionamento aciona uma célula do cérebro que, por sua vez, aciona outras nabuscasináptica(contatoentreosneurôniosondeocorreatransmissãodoinfluxonervoso) da resposta coerente e, se possível, acertada ou desejada. Se, por exemplo, formos questionados quanto a cálculos básicos, certamente faremos uso do QI para alcançar nossa memória e desencadear sinapses com o objetivo de relembrar fatos e realizar cálculos matemáticos (BOWELL, 2006).

2.3 Inteligência emocional No ano de 1990, os psicólogos Peter Salovey e John Mayer notabilizaram

a expressão inteligência emocional (QE) conceituando como “a capacidade de compreender e regular as emoções – reconhecer e lidar com nossos próprios sentimentos e com os sentimentos dos outros” (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006), apontando-a como um elemento importantíssimo do comportamento inteligente afetivo.

Goleman (2001b) conceitua inteligência emocional como “a capacidade de identificar nossos próprios sentimentos e os dos outros; demotivar e de gerenciar

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 67

bem as emoções dentro de nós e em nossos relacionamentos”. Novas e diferentes habilidades pessoais e conhecimentos são valorizados neste conceito: o controle emocional, a iniciativa, a empatia, a capacidade de persuasão e de adaptação ganham grande importância.

O autor ainda enumera cinco competências emocionais distintivas e necessárias paraaspessoasquedesejamproeminênciaprofissionalepessoal:(a)Autocontrole;(b)Confiabilidade;(c)Conscienciosidade;(d)Adaptabilidade;(e)Inovação.

Deformasimplificada,éainteligênciaquebuscaentendero“como”.Teracessoao nosso QE é bem diferente da forma como resolvemos um cálculo matemático (QI), uma vez que se utiliza de contexto, memória, comparação, pertinência e outros atributos (BOWELL, 2006).

O QE é que nos dá o entendimento e a compreensão dos nossos sentimentos e dossentimentosdosnossossemelhantes.Fornece-nosaindaaidentificaçãoafetiva,o sentimento benévolo, a piedade para com o outro, bem como a razão e a condição de reação de forma adequada a exposição à dor e ao prazer (ZOHAR; MARSHALL, 2002).

Hendrie Weisinger, outro estudioso da Inteligência emocional, destaca que sãoinfinitasaspossibilidadesemqueainteligênciaemocionalpodeseraplicadanoambientedetrabalho.Citaexemploscomo:solucionarumconflitocomumcolega,fechar um contrato com um cliente intratável, criticar colegas ou o chefe, dedicar-se com entusiasmoàexecuçãodastarefas,alémdemuitosoutrosdesafiosrelacionadosaoseusucesso. Ressalta ainda que “a inteligência emocional é usada tanto intrapessoalmente – para ajudar a si mesmo – quanto interpessoalmente – para ajudar outras pessoas” (WEISINGER, 2001, p.15).

Assim, a inteligência emocional também contribui para o sucesso ou insucesso profissional.Poroutrolado,afaltadeinteligênciaemocionalprejudicaoprogressoeosucesso, tanto do indivíduo quanto da empresa, e, inversamente, o uso da inteligência emocional leva a resultados positivos, tanto no que diz respeito ao indivíduo quanto à organização (ibid., p.15).

2.4 Inteligência espiritualZohar e Marshall (2002) consideram que a raça humana é essencialmente espiritual

e vive motivada pela busca de respostas a perguntas essenciais tais como: “Por que nasci?Qualosignificadodaminhavida?Porquedevocontinuaralutarquandoestoucansado, deprimido, ou me sinto derrotado? O que torna a vida digna de ser vivida?” Ou seja, vivemos, nos movemos, existimos com o impulso sempre presente de “encontrar sentido e valor naquilo que fazemos e experimentamos”. Buscamos no decorrer da vidaalgoquedêrealmentevaloratodasasnossasações,queconfirasignificadoàexistência.

Opinio, n.29, jul./dez. 201268

Conforme estes autores, nenhuma das inteligências (intelectual ou emocional) podem, separadamente, ou mesmo agrupadas, explicar a inteligência humana em sua complexidade e riqueza. Consideram que a inteligência espiritual (QS) oferece respostas a estas perguntas quando possibilita ao ser humano ser criativo, mudar as regras,alterarsituações,enfim,oferecerapossibilidadedaescolhaatravésdautilizaçãode um senso moral (do bem e do mal) que nos capacita a amalgamar normas muitas vezesinflexíveiscomcompreensão,compaixão,amor,ternuraeoutrascapacidadesbaseadas em sentimentos tidos como bons.

ZohareMarshall(2002)afirmamqueaQSéumacapacidadetãoantigaquantoa humanidade, no entanto, os estudos começaram a avançar nos últimos anos. Inferem tambémadificuldadequeaciênciatemparatratardesteassunto,umavezquetrabalhacom coisas que possam ser devidamente mensuradas, o que ainda não é o caso desta inteligência em sua plenitude e complexidade.

Apesardestasevidentesdificuldades,estesautoresdeclaramquedispomosdegrandesecontundentesprovascientíficasparaasseguraraexistênciaeaimportânciadaQS. Extensos estudos em áreas da neurologia, psicologia, antropologia, além de estudos sobre o pensamento humano, os processos envolvendo a linguística e a inteligência humana,confirmamestaciência.“Cientistasjárealizaramamaiorpartedapesquisabásica que revela as fundações neurais do QS no cérebro” (ibid., p.25).

Conforme Rabello (2008, p.87), a inteligência espiritual se desenvolve “por meio de um processo de aquisições inteligentes, evidenciado pelo aumento da compreensão e prática religiosas”. O desenvolvimento espiritual apresenta uma linha de crescimento ascendente que acompanhao desenvolvimento físico e direciona-se ao infinito.Asabedoria espiritual acompanha o indivíduo no decorrer de sua vida: no entanto, o entendimento e aceitação da vontade de Deus para sua vida conferem a este homem um crescimento da espiritualidade e o desenvolvimento da inteligência espiritual.

Buzan(2005,p.11)afirmaquea“inteligênciaespiritualéamaisimportantedenossas muitas inteligências, a que tem o poder de transformar a sua vida, a civilização, o planeta e o curso da história”. O autor ainda declara que contato, compreensão e apreciação da natureza são aspectos muito importantes e complementares no desenvolvimento da inteligência espiritual.

A espiritualidade potencializa a importância da verdade na vida, assim, esta ganhaumsignificadoevaloraçãomuitomaiornavidaespiritualizadaumavezque,para se lidar adequadamente com as situações da vida, precisamos necessariamente encarar a urgência de sermos coerentes na busca por soluções honestas e equilibradas (JULIATTO, 2009).

Sobesteenfoque,Senge(2006)afirmacategoricamentequeaúnicaforçacapazde reverter as motivações de uma cultura que coloca o crescimento material acima de tudo, mesmo à custa da destruição dos capitais natural e social, é o capital espiritual baseado no cultivo da inteligência espiritual.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 69

Zohar e Marshall (2006) consideram que a QS também apresenta papel determinante aos nossos valores mais fundamentais, quando somos invocados a pensar ou decidir sobre os propósitos existenciais e o papel que estes apresentam em nossa vida.

3 RELIGIOSIDADE, ESPIRITUALIDADE E SAÚDEGrüneAssländer(2010,p.195)afirmamquepessoasqueestão“enraizadasem

sua religião, que vivem a partir de sua fé, são claramente mais estáveis psíquica e fisicamentedoquepessoasqueperderamsuaféouqueforamcriadasnoateísmo”.

Para Grasel (2011), a importância do desenvolvimento da fé pessoal em Deus como forma de visualização do sentido da vida, foi evidenciada nos estudos e sistematização dopsiquiatrajudeu,ViktorFrankl,criadordalogoterapia.Esteafirmatersobrevividoaos campos de concentração a que foi submetido, por causa da fé pessoal desenvolvida e apoiadaemDeus,agarrando-seapromessasbíblicasdesustentação,confiançaeapoio.Postula que o amor próprio, quando apoiado em áreas mais consistentes, espirituais, não pode ser abatido com facilidade. Acrescenta que

[...]napirâmidedasnecessidadeshumanas,Maslovidentificaanecessidadedesentido de ser, de propósito de vida. Às vezes, sentimos saudade “não sei do quê”, um anseio e desejo pelo inexplicável, pelo indescritível, pelo mistério. Por essemotivo,asrecentespesquisascientíficasatestamque“fazbemacreditar”emalgo superior. Os gurus do “otimismo religioso” ou da autoajuda espiritualizada vendem bem seus produtos. A visão de que o ser humano é um todo físico, psicossocialeespiritualestáconfirmada.Aassistênciaespiritualaosenfermoshospitalizados, com certeza, pode ser traduzida em resultados de consolo. Faz bemacreditar,terfé!Atétemresultadofinanceiro,poiseconomizamedicamentos.(GRASEL, 2011, p.13 e 14)

Por outro lado, é importante inferir que a religiosidade pode ser desenvolvida no aspecto da espiritualidade de forma independente e não necessariamente sujeita à prática da religião. No entanto, na religião ela encontra forma e estímulo para o seu desenvolvimento mais pleno (JULIATTO, 2009).

A espiritualidade é assunto emergente e necessário uma vez que permeia as pessoas e suas atitudes e, consequentemente, as relações pessoais e corporativas (BETTO; BOFF, 2010).

Juliatto (2009, p.91) infere que a espiritualidade é um inevitável processo pessoal interior inerente à condição humana. Este processo conecta as pessoas ao sagrado, motivandoasaçõesefornecendosignificadoesentidoàvida.Aespiritualidadetorna-seo “caminho que produz mudanças interiores”.

Opinio, n.29, jul./dez. 201270

Walsh (2001, p.268) apregoa que a tendência de uma vida espiritualizada é o crescimento de virtudes tais como: generosidade, ética, amor, serviço, gratidão e ajuda. Poroutrolado,oautortambéminferequeexistemprovascontundentes,confirmadaspelosprofissionaisdapsicologia,quedãosuporteàposiçãoreligiosadosbenefíciosdagenerosidade.Estesprofissionais,afirmamtambém,queaspessoasgenerosaspossuema tendência de serem mais felizes e emocionalmente mais equilibradas e saudáveis. O tempo dedicado ao serviço ao semelhante e à empreitada de fazer o próximo feliz nos faz sentir ainda melhor do que quando procuramos atender nossas necessidades e prazeres pessoais. Existem muitas formas de usufruirmos de benefícios pessoais com o serviço ao próximo: fortalecer as forças positivas enfraquecendo as negativas em nossas mentes. Quando utilizamos nosso tempo e recursos em benefício de terceiros, ainda diminuímos nossas tendências ao ciúme, egoísmo, cobiça e medo de perder. “Quando desejamos a felicidade para os outros, pensamentos de felicidade enchem nossas mentes, para, em seguida, transbordarem em ação de projeção”. Este acaba se tornando um dos motivos pelo qual a generosidade aplaca os efeitos do sentimento da dor e colabora por diminuir ou até mesmo eliminar a depressão.

O autor Guillory (2000, p.74) pondera que “aqueles que se tornam integrados, através do entendimento e da adoção da espiritualidade, abrem-se para um desempenho extraordinário”.

Já os autores Guimarães e Avezum (2007, p.92) declaram que “há indícios suficientesdisponíveisparaseafirmarqueoenvolvimento religiosohabitualmenteestá associado àmelhor saúdemental”.Afirmamque o envolvimento religioso eespiritual apresenta-se como um impactante fator sobre as condições de saúde física, tornando-se um fator de prevenção, aquisição e desenvolvimento de patologias em pessoas anteriormente sadias e considerável diminuição de mortes ou impacto de várias doenças.

Correlacionando a espiritualidade com a qualidade de vida Panzini et al declaram que

A qualidade de vida é um conceito recente, que engloba e transcende o conceito de saúde, sendo composto de vários domínios ou dimensões: física, psicológica, ambiental, entre outras. Considerada a medida que faltava na área da saúde, tem sidodefinidacomoapercepçãodoindivíduodesuaposiçãonavidanocontextoda cultura e sistema da valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Há indícios consistentes de associação entre qualidade de vida e espiritualidade/religiosidade, por meio de estudos com razoável rigor metodológico, utilizando diversas variáveis para avaliar espiritualidade (por exemplo: afiliação religiosa, oração ecoping religioso/espiritual). (2007, p.105)

Considerando o referencial teórico pesquisado, pode-se afirmar que a espiritualidadeouenvolvimentocomreligiosidade,nãonecessariamentecomconfissão

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 71

religiosaespecífica,apresenta-secomofatorpositivoparaaqualidadedevidaeestadode saúde das pessoas e, consequentemente, das organizações.

3.1 Espiritualidade no ambiente de negóciosAlguns pesquisadores entendem que gestão organizacional não se harmoniza com

espiritualidade. Entretanto, para Murad (2010), uma vez que a espiritualidade trata do comportamento da pessoa na busca de sua felicidade e sentido para sua existência, apresenta ligação direta com a gestão dos negócios e, consequentemente, de sua própria vida buscando um futuro melhor para si e para a organização.

Vasconcelos(2010,p.62)consideraqueaespiritualidadenasorganizações“reflete-se na cultura, no clima organizacional e no comportamento dos trabalhadores que, por sua vez, afeta o desempenho organizacional”. Assim, a espiritualidade no ambiente de trabalho pode ser correlacionada com o comportamento e atitude dos funcionários em pelo menos três áreas: motivação, comprometimento e adaptabilidade.

As inúmeras pesquisas relacionadas ao comportamento espiritualizado no ambientedenegóciospermitemafirmarquehávantagensparaasorganizaçõesquese valem de princípios espirituais para nortear suas atividades, portanto, podemos considerar que funcionários espiritualizados podem ser desejáveis principalmente por organizações que consideram relevante a espiritualidade.

Vasconcelos (2010, p.61) cita os estudos de Scott (2002) onde este demonstra que as“organizaçõesquevalorizamsuaorientaçãoespiritual,superaramsignificativamentesuas metas de crescimento,eficiênciaeoretornosobreosinvestimentos”.PorsuavezDent;Higgins;Wharff(2005)emsuaspublicações,afirmamqueháumacorrelaçãopositiva entre a produtividade nas organizações e pessoas espiritualizadas, uma vez que o desempenho individual de pessoas com estas características induz “orientação à qualidade da força de trabalho e que, por sua vez, produz excelência e orientação unificadaparaaorganização”.CitaaindaosestudosdeMarques(2005)queconsideraque“aespiritualidade,nolocaldoexercíciodaprofissão,trazresultadosdedesempenhoagradáveis,osunificaeorientaaqualidadedotrabalho”.

Percebe-se,assim,quepessoasespiritualizadascontribuemsignificativamentepara que organizações obtenham melhores desempenhos, pois os colaboradores são mais “motivados, adaptáveis e comprometidos com seu trabalho” (VASCONCELOS, 2010 p.65).

Guillory (2000, p.43) enumera situações ligadas à espiritualidade que podem oferecer vantagem às empresas e pessoas:

- Ouvir a voz interior;

- Aprender a se adaptar às novas exigências do local de trabalho;

- Transformar o direito de fazer algo em autorização para fazê-lo;

Opinio, n.29, jul./dez. 201272

- Integrar a ética e os valores nas operações no local de trabalho;

- Instituir a responsabilidade moral;

- Aceitar a responsabilidade social;

- Alternar entre competência e cooperação.

Concluímos que há indícios de que pessoas espiritualizadas podem ser mais produtivas, mais felizes e saudáveis e, portanto, podem contribuir para melhores resultados das organizações.

4 METODOLOGIA Quanto aosobjetivos, a presente pesquisa é classificada comoexploratória e

descritiva. ParaGil (2010), pesquisas exploratórias têmpor finalidade promovermaior intimidade com o problema, visando levantar hipóteses ou deixá-lo mais em evidência, tendo o aperfeiçoamento das ideias ou a descoberta de intuições como seu objetivo principal. A pesquisa descritiva visa à observação, à análise e ao registro dos fatos e explicativas que buscam uma interpretação para a pesquisa. Assim, a pesquisa exploratória objetiva apresentar maior familiaridade com o tema espiritualidade no ambientedetrabalho.Justifica-seapesquisadescritivaaoanalisarosdadosobtidosatravés das entrevistas com gestores e pesquisas com funcionários.

Quanto ao método de apoio ao estudo, trata-se de uma pesquisa quantitativa e qualitativa. Neste trabalho, foi empregado o estudo de casos múltiplos, uma vez que o estudo foi aplicado com três empresas. Segundo (YIN, 2005), o estudo de casos múltiplos permite que os casos proporcionem evidências inseridas em diferentes contextos, tornando a pesquisa mais substancial e robusta. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi o questionário aplicado aos colaboradores e a entrevista aplicada aos gestores.

Para o estudo foram realizadas entrevistas abertas com os gestores das três empresas envolvidas na pesquisa, uma Instituição Adventista (IA), uma empresa de Confecções (C), e uma indústria que fabrica medidores de Energia (IE). Também aplicou-se um questionário para avaliar a percepção dos funcionários sobre a espiritualidade no ambiente de trabalho. Na Instituição Adventista, 41 funcionários responderam ao questionário, sendo 3 rejeitados por estarem incompletos. Na empresa de Confecções, 9 funcionários responderam, sendo 2 rejeitados por estarem inconclusos. Na empresa de Medição de Energia, 19 funcionários responderam, sendo apenas 1 rejeitado por estar incompleto. O total de questionários usados para a tabulação dos dados somou 63. Os dados receberam tratamentos estatísticos através do software SPSS.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 73

5 RESULTADOS DA PESQUISAAo analisarmos as respostas dos gestores quanto ao tema espiritualidade,

concluímos que este é um assunto sobre o qual não há consenso.

Comoeradeseesperar,emfunçãodaconfissãofilosóficaereligiosa,ogestorda Instituição Adventista, acredita no diferencial positivo para vida do colaborador espiritualizado, em funçãodopropósito e significado atribuído à existência.Alémdisso, a Instituição privilegia contratar pessoas com estas características e, ao mesmo tempo, estimula a manifestação e o exercício da fé, entendendo que é um fator relevante nosucessopessoaleprofissional,consequentemente,dasorganizações,ressaltandoque a espiritualidade precisa, necessariamente, ser saudável e sem desvios como o fanatismo.

O gerente da empresa Indústria de Medidores de Energia declara que entende menos do assunto espiritualidade, no entanto, considera que, normalmente, as pessoas espiritualizadas são pessoas de bem. Assim, considera que a espiritualidade adotada na gestão das organizações pode tornar estas mais éticas, produtivas, além de contribuir para um melhor ambiente de trabalho. No entanto, não acredita que as empresas tornam-se mais competitivas do que as que não empregam a gestão espiritualidade.

A gestora da empresa de Confecções se considera uma pessoa espiritualizada e estimula a manifestação da espiritualidade no ambiente de trabalho. Entretanto, não acredita que as pessoas espiritualizadas possam levar vantagem para a organização. Também não estabelece como critério contratar pessoas com estas características, preferindoocritériodecompetênciatécnicaeprofissional.Jáogestorcomercialdaempresa atribui grande valor à espiritualidade, considera que os colaboradores com estas características são mais produtivos e contribuem para melhores resultados das organizações.Afirmaqueahonestidade,oslaçosdeconfiança,ocomprometimentopessoal e a tranquilidade, estabelecidos através de um ambiente de trabalho que permite e estimula a espiritualidade, são fatores determinantes para o sucesso pessoal e empresarial.

Assim, as considerações dos gestores da Instituição Adventista e da empresa de Confecções, são as que mais combinam com as prerrogativas pesquisadas sobre espiritualidade.

5.1 Pesquisa quantitativa com colaboradoresCom base nos dados da pesquisa identificamos que há a predominância

de funcionários do sexo feminino em todas as empresas. Atribui-se este fato às características das atividades das organizações Instituição Adventista e da empresa de Confecções. Quanto à faixa etária, há uma concentração nas faixas etárias entre 21 e 30 anos (39,7%), entre 31 e 40 anos (20,6%) e entre 41 a 50 anos (20,6%) da amostra.

Opinio, n.29, jul./dez. 201274

Percebeu-se um nível de escolaridade elevado dos funcionários, onde a maioria possui nível superior em curso e com Ensino Fundamental ou Médio Completo. Segundo Arruda (2005, p.94), funcionários espiritualizados buscam mais escolarização, crescimentoedesenvolvimentopessoalecorporativo.Aafirmativadoautorseconfirmanesta pesquisa, mesmo considerando que as empresas pesquisadas atuam em diferentes ramos de atividade.

Quanto ao tempo de trabalho na empresa, há uma concentração de funcionários com até 5 anos de empresa (65,1%), em seguida destaca-se a faixa de 6 a 10 anos (14,2%) e da faixa de 11 a 15 anos (11,1%) da amostra. Estas constatações nos permitem ressaltaraafirmaçãodoautorArruda(2005,p.94)quandodescrevequefuncionáriosde companhias que se engajam em projetos espirituais apresentam produtividade maior e menor rotatividade, permanecendo maior tempo na empresa.

No segundo bloco de questões da pesquisa, formulou-se um conjunto de 17 questões (quadro 1) com a finalidade demelhor compreender o emprego daespiritualidade na vida das pessoas e das organizações, no qual, para cada questão, definiu-seasescalas:1)Discordoplenamente;2)Discordo;3)Nãodiscordoenemconcordo; 4) Concordo; 5) Concordo plenamente. Para uma melhor compreensão, os dados foram analisados individualmente para cada uma das três empresas. Para este artigo, demonstramos apenas as médias e Desvio padrão (DP) na tabela 1.

TABELA 1 – Média das respostas das afirmativas da escala.

QuestãoAdventista Indústria Confecção

Média DP Média DP Média DP

1. Você se considera uma pessoa espiritualizada. 4,29 0,65 3,67 0,91 3,43 0,98

2. O exercício da espiritualidade afeta sua vida pessoal.

4,82 0,69 2,83 1,54 3,00 1,29

3. No seu entendimento, a espiritualidade afeta sua vida profissional.

4,74 0,72 2,72 1,56 2,86 1,46

4. Você considera que pessoas espiritualizadas contribuem para o resultado da organização onde trabalham.

4,84 0,37 3,33 1,50 3,57 1,13

5. Você considera que pessoas espiritualizadas contribuem para o resultado da organização onde trabalham.

4,82 0,39 3,06 1,00 3,00 1,00

6. A empresa em que você trabalha possui um lugar para o exercício das manifestações espirituais (cultos, meditação,...)

4,92 0,27 2,17 1,25 2,00 0,00

7. Você acredita que a empresa que emprega a espiritualidade na sua gestão é mais ética do que as não empregam.

4,39 0,79 3,06 1,11 3,00 1,00

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 75

QuestãoAdventista Indústria Confecção

Média DP Média DP Média DP

8. Você acredita que a empresa que emprega a espiritualidade na sua gestão é mais competitiva.

3,50 1,06 2,56 1,15 2,57 0,79

9. A empresa em que você trabalha privilegia a contratação de funcionários espiritualizados.

4,68 0,53 2,33 1,37 2,29 0,95

10. A empresa espiritualizada pode ser mais produtiva e eficiente que os seus concorrentes.

4,45 0,95 3,06 1,21 3,00 0,82

11. A empresa espiritualizada dá mais liberdade a seus funcionários permitindo que sejam mais criativos.

4,08 0,82 3,33 1,03 3,00 0,82

12. A empresa que emprega a espiritualidade, proporciona um ambiente mais agradável e assim os funcionários são mais felizes.

4,47 0,73 3,89 0,96 4,00 1,15

13. Você entende que um ser humano espiritualizado pode empreender esforço no sentido de alcançar o melhor resultado para sua organização, observando, no entanto, a preservação ambiental e social?

4,53 0,56 3,83 0,86 3,86 1,07

14. As organizações que souberem desenvolver em cada indivíduo sua inteligência espiritual, terão resultados melhores e mais rapidamente

4,32 0,81 3,56 1,20 3,29 0,76

15. Pessoas que se tornam mais integradas, através do entendimento e da adoção da espiritualidade , abrem-se para um desempenho extraordinário.

4,32 0,77 3,39 1,29 3,14 0,90

16. “A espiritualidade nas organizações está representada nas oportunidades para realizar trabalho com significado, no contexto de uma comunidade, com um sentido de alegria e de respeito pela vida interior”. Você entende esta declaração como verdadeira?

4,24 0,63 3,94 1,11 3,71 0,49

17. Os adeptos da espiritualidade são mais saudáveis, alegres, honestos, éticos, comprometidos e produtivos.

4,53 0,56 3,39 1,24 3,43 0,79

17.1 Você percebe a afirmativa acima como verdadeira na prática profissional.

4,26 0,92 3,61 1,14 3,29 0,76

Médias 4,45 0,68 3,21 1,19 3,13 0,90

Fonte: Dados coletados na pesquisa, 2012.

Osresultadosdatabela1nosmostramdadosinteressantes.ConfirmamqueaInstituiçãoAdventistaéumaorganizaçãoespiritualizada,ondeidentificamosumamédiageral nas respostas em 4,45, o que representa um alto índice geral de concordância e um baixo índice de desvio padrão de 0,68, indicando uma grande unanimidade. Destaca-se ainda que o índice de concordância mais alto do bloco para a Instituição Adventista foi

Opinio, n.29, jul./dez. 201276

de 4,92 para a questão 6, e o menor índice de desvio padrão com 0,27, que avalia se a empresa dispõe de local para manifestações da espiritualidade.

As respostas dos colaboradores da Instituição Adventista indicam que são funcionáriosespiritualizados,vivemcommaissignificadoe,consequentemente,vivemmelhor, produzindo resultadosmelhores,mais rapidamente, fato refletido em suasatitudesnavidaparticulareprofissional.Obviamente,devemoslevaremcontaqueesta organização privilegia a contratação de funcionários “espiritualizados”.

Analisando os dados da Indústria de Medidores de Energia, constatamos uma média geral das respostas em 3,21, indicando uma leve tendência geral de concordância, uma vez que em uma escala de 1 a 5, 1 indica discordo plenamente e 5 concordo plenamente. Encontramos a maior concordância para a questão 16, com um índice de 3,94, o qual declara que a espiritualidade nas organizações está representada nas oportunidadespararealizar trabalhocomsignificado,eparaaquestão12,comumíndice de 3,89 que avaliou se a empresa que emprega a espiritualidade proporciona um ambiente mais agradável e assim os funcionários são mais felizes. O desvio padrão médiodaempresaficouem1,19,sendoomaiselevadodastrêsempresas,indicandoa menor unanimidade entre as respostas dos funcionários.

Nas respostas desta empresa encontramos os maiores índices de discordância sobre otemaespiritualidade.Talconstataçãorefleteapercepçãodogestordaempresaqueacredita que a espiritualidade adotada na gestão das organizações pode tornar a mesma mais ética, produtiva e proporcionar um melhor ambiente de trabalho. No entanto, não considera que uma empresa que emprega a espiritualidade no seu processo de gestão pode ser mais competitiva do que outra que não emprega.

A empresa de Confecções apresentou a menor média geral nas respostas com um índice de 3,13 e desvio padrão médio de 0,90. Destacamos os índices da questão 6, que avalia se a empresa dispõe de um local para as manifestações da espiritualidade, com todos os funcionários (100%) discordando com desvio padrão igual a 0. A questão 8 apresenta o menor índice de concordância geral. A mesma avalia se a empresa que adota a espiritualidade é mais competitiva. Também vale destacar a maior concordância com índice de 4,0 pontos de média, indicando alto índice para a questão 12, que avalia se a empresa que emprega a espiritualidade proporciona um ambiente mais agradável e, assim, seus funcionários são mais felizes.

Mesmo constatando que a maioria dos colaboradores da empresa de Confecções não se consideram espiritualizadas, os resultados demonstram que os respondentes percebem que há vantagens da adoção deste princípio, tanto na vida pessoal, quanto poderá levar benefícios para as organizações. Estes resultados vão ao encontro da visão dos gestores desta organização, os quais consideram que a honestidade, os laços deconfiança,ocomprometimentopessoal,estabelecidosatravésdeumambientedetrabalho que permite e estimula a espiritualidade, são fatores determinantes para o sucesso pessoal e empresarial.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 77

Ainda de acordo com os dados da tabela, observa-se a média das respostas das empresas Indústria de Medidores de Energia e de Confecções muito próximas, 3,21 e 3,13 respectivamente, indicando uma tendência de concordância conforme a escala de 1 a 5, sendo o 1 discordo plenamente e o 5 concordo plenamente. A Instituição Adventista apresentou a maior média geral de concordância em 4,45, com o menor desvio padrão em0,68,confirmandoserumaorganizaçãoquevalorizaaespiritualizaçãoequedápreferência por contratar funcionários que declaram ser espiritualizados.

6 CONSIDERAÇÕES FINAISCom a utilização do referencial teórico conhecemos melhor as diversas

inteligências, especialmente a espiritual, bem como as características comuns a pessoas espiritualizadasesuasvantagensparaavidapessoaleprofissional,consequentemente,para as organizações. O referencial apresentou argumentos para destacar as vantagens percebidas nas pessoas que adotam a espiritualidade em suas vidas. Já no ambiente corporativo, os resultados podem ser considerados sob diferentes enfoques, principalmente, em mais saúde entre os colaboradores, mais produtividade, mais alegria, maisvontadedeservirerealizartrabalhocomsignificado,consequentemente,maislucro para as organizações.

Quanto ao objetivo específico de demonstrar a importância da inteligênciaespiritual para as organizações, percebeu-se que os gestores que adotam este princípio napráticaprofissional,reconhecemclaramenteasvantagens,procuramincentivaraprática da espiritualidade tanto no ambiente de trabalho como na vida pessoal. Este fato não é atribuído somente pelo gestor da Instituição Adventista. Quando analisamos as respostas dos gestores das outras duas empresas, também percebemos a concordância, mesmo que, no caso do gestor da empresa Indústria de Medidores de Energia, que se declarou pouco espiritualizado ou minimamente conhecedor do assunto.

Aplicando os questionários aos funcionários, constatou-se que a maioria dos respondentes acredita que a prática da espiritualidade na vida constitui-se como importante atributo. Mesmo aqueles que não são participantes desta prática concordam coma premissa que é apresentada na literatura. Podemos afirmar isto através dasrespostas das questões 7, 11 e especialmente 12 com alto índice de concordância.

Apartirdosresultadosobtidosatravésdapesquisabibliográfica,dasentrevistase pesquisas realizadas com gestores e colaboradores, recomenda-se aprofundar estudos do tema espiritualidade na área da administração. Considerando a declaração de Arruda (2005,p.94)queafirmaque“se as organizações derem espaço para os trabalhadores fazerem algo mais, se souberem desenvolver em cada indivíduo sua inteligência espiritual, terão resultados melhores e mais rapidamente” e, levando-se em conta que a razão da existência das organizações é oferecer bens e serviços à sociedade e em troca disto obter lucro, só por estas premissas já teríamos motivos para adotar a espiritualidade e potencializar a inteligência espiritual nas organizações.

Opinio, n.29, jul./dez. 201278

REFERÊNCIASARMSTRONG, Thomas. Inteligências múltiplas na sala de aula. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2001. 192p.ARRUDA, Vitório César Mura de. A inteligência espiritual – Espiritualidade nas organizações. São Paulo: IBRASA, 2005. 128p.BETTO, Frei. Amor e justiça como frutos da espiritualidade. In: BETTO, Frei; BOFF, Leonardo. Mística e espiritualidade. Petrópolis: Vozes, 2010. 275p.BOWELL, Richard A. As sete etapas da inteligência espiritual: a busca prática de propósito, sucesso e felicidade. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2005. 196p.BUZAN, Tony. O poder da inteligência espiritual: 10 maneiras de ativar o seu gênio espiritual. São Paulo: Cultrix, 2005. 167p.CURY, Augusto J. O código da inteligência: a formação de mentes brilhantes e a buscapelaexcelênciaemocionaleprofissional.RiodeJaneiro:ThomasNelsonBrasil/Ediouro, 2008. 239p.GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. 258p.GARDNER, Howard; KORNHABER, Mindy L.; WAKE, Warren K. Inteligência: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Artmed, 1998. 356p.GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5.ed., 3.reimpr. São Paulo: Atlas, 2010. 184p.GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional:ateoriarevolucionáriaquedefineoqueé ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001a. 370p.______. Trabalhando com a inteligência emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001b. 416p.GRASEL, Gerhard. Espiritualidade. Revista Mensageiro Luterano, Canoas, ano 94, n.1.155, p.12-15, jan.-fev. 2011.GRÜN, Anselm; ASSLÄNDER, Friedrich. Administração espiritual do tempo. Petrópolis: Vozes, 2010. 259p.GUILLORY, William A. A empresa viva: espiritualidade no local de trabalho. São Paulo: Cultrix, 2000. 192p.GUIMARÃES, Hélio Penna; AVEZUM, Álvaro. O impacto da espiritualidade na saúde física. Revista da Psiquiatria Clínica, v.34, supl. 1, 2007, p.88-94.JULIATTO, Clemente Ivo. O horizonte da educação: sabedoria, espiritualidade e sentido da vida. Curitiba: Champagnat, 2009. 272p.LEÃO, Deusilene Silva de. Espiritualidade, inteligência essencial ao ser humano. Dissertação de mestrado em Ciências da Religião. Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2009.MARKS, Sikberto R. Ruptura da mente:excelênciaprofissionalatravésdaleituraeestudo de pérolas – a estratégia revolucionária do alto desempenho pessoal no terceiro milênio. Ijuí: [s. n.], 1998. 336p.MARQUES,J.RedefiningtheBottomLine.In:The Journal of American Academy of Business. Cambridge, v.7(1), 283-287. 2005.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 79

MURAD, Afonso. Gestão e espiritualidade: uma porta entreaberta. 4.ed. São Paulo: Paulinas, 2010. 252p.PANZINI, Raquel Gehrke et al. Qualidade de vida e espiritualidade. Revista da Psiquiatria Clínica, v.34, supl. 1, 2007, p.105-115.PAPALIA, Diane E.; OLDS, Sally Wendkos; FELDMAN, Ruth Duskin. Desenvolvimento Humano. 8.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 888p.PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. 4.ed. [reimpr.]. Rio de Janeiro: LTC, 2008. 392p.RABELLO, Maria do Carmo. Inteligência espiritual: a nova dimensão para a vida plena. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2008. 166p.SCOTT,Q.OrganizationalSpiritualityNormativityasanInfluenceonOrganizationalCulture and Performance in Fortune 500 Firms. Unpublished Ph. D. Dissertation, Iowa University, USA. 2002.SENGE, Peter. Capa. In: ZOHAR, Danah; MARSHALL, Ian. Capital espiritual: usando as inteligências racional, emocional e espiritual para realizar transformações pessoais eprofissionais.RiodeJaneiro:BestSeller,2006.226p.VASCONCELOS, Fábio de Souza. O desenvolvimento espiritual integrado ao planejamento estratégico pessoal. Dissertação de Mestrado em Engenharia da Produção. Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2010.WALSH, Roger. Espiritualidade essencial: as sete práticas centrais para despertar coração e mente. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. 319p.WEISINGER, Hendrie. Inteligência emocional no trabalho: como aplicar os conceitos revolucionáriosdaIEnassuasrelaçõesprofissionais,reduzindooestresse,aumentandosuasatisfação,eficiênciaecompetitividade.18.ed.RiodeJaneiro:Objetiva,2001.219p.WHITE, Ellen G. Educação: um modelo de ensino integral. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008a. 190p.______. Fundamentos da educação cristã: a família, a escola e a comunidade no contexto da aprendizagem. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008b. 391p.YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.ZOHAR, Danah; MARSHALL, Ian. QS: inteligência espiritual. 2.ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. 352p.______. Capital espiritual: usando as inteligências racional, emocional e espiritual pararealizartransformaçõespessoaiseprofissionais.RiodeJaneiro:BestSeller,2006.226p.

Opinio Canoas n.29 p.80-110 jul./dez. 2012

Paradigmas epistemológicos: os clássicosAlmiro Petry

RESUMO O propósito do texto é abordar, brevemente, a temática dos paradigmas epistemológicos

gerados pelos clássicos da sociologia. Procura-se destacar os aspectos mais relevantes de cada umdostrêsfundadoresdasociologiamoderna.Aofinal,tenta-semostraralgunsdesdobramentosdo legado teórico e metodológico dos clássicos.

Palavras-chave: Paradigma. Epistemologia. Teoria social.

Epistemological paradigms: The classics thinkers

ABSTRACTThepurposeofthistextistoanalysebrieflythethemeofepistemologicalparadigmsfrom

the classics of sociology. The major sociological aspects of each of the three founding fathers of modern sociology are highlighted. At the end, emphasis is provided on the development of classics’inheritancetothetheoreticalandmethodologicalfields.

Keywords: Paradigm. Epistemology. Social Theory.

1 INTRODUÇÃOOs paradigmas epistemológicos clássicos das ciências sociais foram construídos

no contexto histórico do século XIX e princípios do século XX, com base em sociedades nacionais. Marx, Durkheim e Weber tiveram como ponto de partida a economia do contexto geopolítico e social determinados em sua sociedade. Nestes prolegômenos cabe destacar os conceitos de paradigma, epistemologia e clássico.

O primeiro é paradigma. Envolve complexa conceituação que abrange desde um modelo, um padrão, um “exemplar” ou um protótipo ao pensamento social focado na centralidade da vida coletiva e individual. Para Touraine (2006), os valores e normas sociaisconfiguramoolhareacompreensãoquesedesenvolvemnaconstituiçãodeumparadigmapolítico,econômicoesocial.Nocampodasciênciasconfigurauma“matriz disciplinar” constituída de valores, crenças e técnicas compartilhados pelos membrosdeumacomunidadecientífica,colocando-se,àsvezes,emconfrontocomoutras comunidades.

O segundo é epistemologia. NocampodaFilosofia,aEpistemologiaéconsideradaa“filosofiadaciência”,queinvestigaaabrangênciadosobjetosemétodosdasciênciasemgeral,identificandoasdiferentescorrentesdepensamentoqueaelassubjazem.A

Almiro Petry é Mestre em Sociologia Rural (UFRGS) e Doutor em Ciências Sociais (UNISINOS). Professor do Departamento de Sociologia da UFRGS. E-mail: [email protected]

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 81

Epistemologia nasce da Teoria do Conhecimento. Nas ciências sociais, a Epistemologia se preocupa com os problemas ontológicos, metodológicos e conceituais em torno dos objetos investigados. Assim, um “paradigma epistemológico” envolve estas questões a partir de um olhar, de um ponto de vista da sociedade humana, que se apresenta na compreensão,intelecçãoeinterpretaçãodamesma.Enfim,aEpistemologiaconstituiofundamentoteóricodocampocientíficoemquestão.Configura-senafilosofiadoconjunto teórico formulado na compreensão do objeto empírico na abrangência do mesmo campo.

Para Bourdieu,

[...] é na sociologia do conhecimento sociológico que o sociólogo pode encontrar oinstrumentoquepermitedarsuaforçaplenaesuaformaespecíficaàcríticaepistemológica, tratando-se mais de colocar em evidência os pressupostos inconscientes e as petições de princípio de uma tradição teórica, do que colocar em questão os princípios de uma teoria constituída. (BOURDIEU et al., 2005, p.87)

Porfim,clássico, que é

[...] o resultado do primitivo esforço da exploração humana que goza de status privilegiado em face da exploração contemporânea no mesmo campo. O conceito de status privilegiadosignificaqueosmodernoscultoresdadisciplinaemquestãoacreditam poder aprender tanto com o estudo dessa obra antiga quanto com o estudo da obra de seus contemporâneos. (ALEXANDER, 1999, p.24)

As ciências sociais constituem-se como tais por focalizarem, como objeto investigativo seu, a chamada questão social, ou seja, as múltiplas indagações sobre as causas e as consequências do quadro diagnosticado da sociedade moderna, como resultado de dois acontecimentos: a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Fazem parte, portanto, da modernidade. Segundo Giddens, “refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência” (GIDDENS, 1991, p.11).Das ciências sociais, Giddens enaltece asociologia “como a disciplina mais integralmente envolvida com o estudo da vida social moderna” (ibid., p.13) e destaca três concepções: a primeira se refere ao diagnóstico institucional da modernidade; a segunda enfatiza a sociedade como foco principal da análise; e a terceira ressalta as conexões entre o conhecimento sociológico e a modernidade.

Em primeiro lugar, o diagnóstico institucional da modernidade: Marx e Durkheim avaliam a era moderna como uma era turbulenta, acreditando, porém, em sua superação.

Opinio, n.29, jul./dez. 201282

Marx via na luta de classes – fonte de dissidências fundamentais na ordem capitalista – a emergência de um sistema social mais humano, justo e igualitário. Durkheim acreditava queaexpansãodoindustrialismogerariaumavidasocialharmoniosaegratificante,noentanto, sua crença acabou com a 1ª Guerra Mundial.1 Weber, em contrapartida mais pessimista, percebia o mundo moderno como paradoxal, onde, por um lado, o progresso material era obtido pela expansão racional da burocracia, esmagando, por outro lado, a criatividade e a autonomia dos indivíduos.

Para Marx, o que modela o mundo moderno é o capitalismo industrial, regido pelo ciclo investimento-lucro-investimento-acumulação,configurandoaordemsociale as instituições, com ênfase na competição e na concorrência.

Segundo Durkheim, o mundo moderno é delineado pelo industrialismo, que gera as rápidas transformações através da complexa divisão do trabalho e sua crescente especialização, na exploração industrial dos recursos naturais, utilizados para a produção de bens para as ilimitadas necessidades humanas. A ordem, portanto, é industrial, e não capitalista.

Conforme Weber, o que configura o mundo moderno é a racionalização econômica, expressa na tecnologia e na organização das atividades humanas, na forma da burocracia. A ordem, por conseguinte, é o capitalismo racional. À racionalização seassociaasecularizaçãoeodesencantamentodomundo,configurandoumanovaWeltanschauung (visão de mundo).

Giddens considera, ao abordar a temática, que a modernidade “é multidimensional noâmbitodas instituições,ecadaumdoselementosespecificadosporestasváriastradições representam algum papel” (GIDDENS, 1991, p.21).

Em segundo lugar, o conceito de sociedade: Giddens chama a atenção sobre a ambiguidade da noção, que pode referir-se “à associação social de um modo genérico quanto a um sistema específicode relações sociais” (ibid., p.21).Para o autor, nasociologia, o uso do termo sociedade remete às relações sociais, como síntese, porém, do contexto histórico em que surgiu, ou seja, da sociedade moderna.

Em terceiro lugar, a compreensão da sociologia como geradora de conhecimento sobre a vida social moderna, que está sendo utilizada “no interesse da previsão e do controle” (GIDDENS, 1991, p.23). Duas versões são proeminentes: uma, em que “a sociologia proporciona informação sobre a vida social que pode nos dar uma espécie de controle sobre as instituições sociais semelhantes àquela proporcionada pelas ciências físicas no domínio da natureza” (ibid., p.23), isto é, o conhecimento sociológico mantém uma relação instrumental com o mundo social, sendo um recurso tecnológico, para intervir na vida social; outra, em que “as descobertas da ciência social não podem apenas seraplicadasaumobjetoinerte,masdevemserfiltradasatravésdoautoatendimento

1 Em 1916, perdeu seu filho nos campos de batalha; a metade de seus colegas docentes da École Normale sucumbiu na guerra. Estes fatos abalaram sua saúde e vida que culminou com um fatal ataque cardíaco, aos 59 anos de idade.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 83

aos agentes sociais” (ibid., p.23 a 24), ou seja, a chave é a ideia de usar a história para fazer história.

Nesses questionamentos, Giddens levanta um dos problemas cruciais que é a relação entre a sociologia e seu objeto associado ao fato de o investigador ser parte integrante, portanto, um agente do meio que é seu objeto.

O conhecimento gerado pela sociologia, na forma de teoria social e seus conceitos e, de modo geral, as ciências sociais, está constitutivamente envolvido com amodernidade.Comoseufim(oucomtransiçãoparaapós-modernidade),ocorrearuptura com essas concepções e emergem novas, cunhadas no processo da globalização.2 Estaemergênciaconfiguraumacrisedoparadigmaoriginaleodebatevoltaafocarosfundamentos do objeto e sua metodologia de investigação.

Seguem breves ponderações a respeito dos paradigmas epistemológicos dos clássicos.

2 MARX, DURKHEIM E WEBER NO CONTEXTO DA MODERNIDADEConsideram-se os três pensadores como fundadores desta nova ciência empírica.

Cada qual deu sua contribuição à epistemologia e à metodologia que se consolidaram através dos tempos, em escolas ou correntes, dando-lhes este status privilegiado. Mesmo que entre suas concepções e o século XXI tenham ocorrido desvios, revisões, reformulações, etc., elas são atribuíveis às novas circunstâncias históricas, aos novos tempos, às novas compreensões dos contextos históricos na busca incessante das explicações causais e de seus efeitos, bem como, à dinâmica evolutiva da própria ciência. Se naquela época a preocupação primeira era a construção do objeto, a formulação metodológica e suas explicações, hodiernamente, prevalece a preocupação dialogal entre as diferentes ciências, tanto das da natureza física, quanto das humanas. Busca-se a ruptura dos grilhões isolacionistas num movimento que passa pela interdisciplinaridade paraatingiratransdisciplinaridade,visandoàunidadedoconhecimentocientíficonabusca da compreensão da complexidade da sociedade humana.

2.1 Karl Marx (1818-1883) A matriz epistemológica3 do paradigma dialético-materialista encontra-se, em

especial, na obra A ideologia alemã de Marx e Engels. A ideologia alemã, escrita de

2 Termo que pretende sintetizar o fenômeno da pós-modernidade – nova ordem social, em substituição à vigente na modernidade; da sociedade pós-industrial – nova ordem que sucede à ordem estabelecida pelo capitalismo, o industrialismo, e o poder militar como dimensões institucionais da modernidade.3 Entende-se por matriz epistemológica o que gera, o que produz, o que alicerça, o que dá origem aos fundamentos do campo científico a partir da empiria para a formulação da teoria, no caso, a teoria social. É o caminho para se atingir a compreensão e a interpretação do quadro histórico-social. Daí a necessidade da vigilância metodológica e da vigilância epistemológica, como ensinava Pierre Bourdieu (1930-2002).

Opinio, n.29, jul./dez. 201284

setembro de 1845 a maio de 1846, em dois volumes, aborda a concepção materialista da históriacomobasefilosóficadateoriadosocialismocientíficoedocomunismo,trilhando o caminho da dialética materialista. Esta obra está inserida na evolução histórico-social da época, condicionada pela sociedade capitalista do século XIX, pelo movimento operário de então que se manifesta na crescente consciência do proletariado como classe frente à classe burguesa dominante. O conhecimento do quadro histórico-social é indispensável para a compreensão do pensamento de Marx e de Engels, pois dele emerge a concepção do proletariado como classe revolucionária. Por meio do método da dialética materialista não se pretende abarcar toda a realidade,

[...] mas apreender essa realidade mediante a categoria metodológica da totalidade, pela qual infraestrutura e superestrutura, pensamento e quadros sociais, teoria e prática, “consciência” e “ser” não estão separados em compartimentos estanques, petrificados em oposições abstratas,mas (aomesmo tempo reconhecendoplenamente sua autonomia relativa) estão dialeticamente ligados uns aos outros e integrados no processo histórico. (LÖWY, 2002, p.28)

Por isso, se pretende concentrar, neste texto, o foco do debate em alguns eixos, consideradosessenciais,quaissejam:aorganizaçãofilosóficadomundodasideiasx o mundo do concreto (real); o mundo do concreto (real) e a questão da ideologia. Na impossibilidade de distinguir o pensamento de Marx do de Engels, considera-se como opensamentodeMarx.OpróprioEngelsafirmaque,noseureencontrocomMarx,em 1845,

[...] ele já havia construído completamente a sua teoria materialista da história. Essa descoberta, que subverte a ciência histórica e que é, como se vê, essencialmente obra de Marx e da qual posso me atribuir apenas uma parte bastante frágil, era de importância direta para o movimento operário. (ENGELS, apud LÖWY, 2002, p.174)

Assim Marx, na trajetória de seu pensamento, resultante da autocrítica – livrando-se dos antagonismos entre a visão materialista da história e da concepção ideológica da filosofiaalemã–,compreendeasociedadehumana,desdeospressupostosdaeconomiapolítica, que em sua conclusão, revelam “a anatomia da sociedade” que, grosso modo, é constituída por uma estrutura econômica sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política. Em síntese, Marx assim se expressa:

Na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 85

de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina a realidade; ao contrário, é a realidade social que determina sua consciência. Em certa fase de seu desenvolvimento, as forças produtivas da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade, no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas, que eram, essas relações convertem-se em seus entraves. Abre-se, então, uma era de revolução social. (MARX, 1996, p.82-93)

Aestruturaeconômicadasociedadeconfiguraadivisãodotrabalho,asforçasprodutivas materiais, as relações de produção e a produção social da própria existência. Aí se encontram os meios de produção, as forças produtivas e a relação do ser humano com o meio ambiente na luta pela sobrevivência. O ser humano se relaciona com a natureza para garantir a sobrevivência através dos bens materiais que lhe são oferecidos. Dessa relação resultam formas históricas de produção e as relações de dominação tornam aquelas relações perturbadas e destruidoras.

A superestrutura configura-se em dois níveis.O primeiro, constituído pelaestrutura jurídica e política, isto é, um conjunto de normas, regras e leis que sistematizam as relações existentes, tanto as sociais e políticas quanto as econômicas; eosegundo,compostopelaestruturaideológica,istoé,afilosofia,aarte,areligião,asideias,osvalores,ossímbolos,quejustificamavidareal,concreta,docotidiano,representando formas sociais determinadas de consciência. Isso leva Marx e Engels aafirmar:

As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as ideias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. (MARX; ENGELS, 1991, p.72)

Noeixodaorganizaçãofilosóficapode-sedestacaroconflitoestabelecidopelomundo das ideias x o mundo do concreto. Marx e Engels consideram que, na Alemanha, há uma dependência do sistema hegeliano, com predominância de categorias como substância e autoconsciência,“[...]puras,isentasdefalsificação”ecompreendidaspelos velhos hegelianos. Esses, no seu idealismo, “[...] haviam compreendido tudo, desde que tudo fora reduzido a uma categoria da lógica hegeliana” (MARX;

Opinio, n.29, jul./dez. 201286

ENGELS,1991,p.24).Hegelinfletesuadialéticaaumprocessológicoeaconsideraa força deste processo. Assim, do princípio idealístico emerge o conceito de razão, transformando a dialética em processo de razão que ele chama “a compreensão dos contrários em sua unidade ou do positivo no negativo” (HEGEL apud BHASKAR, 2001, p.102).

Os jovens hegelianos, porém, profanam “as categorias com nomes, mais mundanos, tais como os de gênero, o único, o homem, etc.” (MARX; ENGELS, 1991, p.24). Mas tanto os velhos quanto os novos hegelianos “concordavam na crença no domínio da religião, dos conceitos e do universal no mundo existente” (ibid., p.25). Portanto, o mundo das ideias determinando o mundo da realidade, do concreto. Por isso acreditavam que as categorias da religião e teologia deveriam ser substituídas pelas categoriasdapolítica,dodireitoedamoral(significandooprogresso).

Marx e Engels chamam a isso de ilusões da consciência e fantasias. E consideram os neo-hegelianos “ideólogos [...] conservadores por exigirem a troca da “consciência atual pela consciência humana, crítica ou egoísta” (ibid., p.26). Eles contrapõem às interpretações hegelianas e neo-hegelianas pressupostos reais, de “indivíduos reais, sua ação e suas condições de vida” como o mundo concreto, ou seja, a história humana, dos indivíduos humanos em suas múltiplas relações.

O primeiro pressuposto é “a existência de indivíduos humanos vivos”, que gera o primeiro fato: “a organização corporal” e sua relação com a natureza. Com essa relação os seres humanos geram seus meios de vida, produzindo “sua própria vida material”. Assim, o que diferencia os seres humanos dos animais é “produzir seus meios de vida”, em substituição às categorias de consciência, religião, razão, ou quaisquer outras categorias abstratas (oriundas do idealismo ou do racionalismo). Eis aí o alicerce da concepção materialista da história: a história humana construída pela ação dos humanos na produção dos meios próprios de vida e gerando sua própria vida material, como “atividade humana sensível, como práxis”, ou seja, “a própria atividade humana como atividade objetiva” (MARX; ENGELS, 1991, p.11). A manifestação da vida humana depende daquilo que os seres humanos produzem e do modo como produzem. “O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção” (ibid., p.28).IssopermiteaMarxeEngelsafirmarem:

A produção de ideias, de representação, da consciência, está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparece aqui como emanação direta de seu comportamento material. (MARX; ENGELS, 1991, p.36)

Para Marx e Engels, a história humana é constituída assim: “O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades (fome, sede, proteção...), a produção da própria vida material” (ibid.,

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 87

p.39).Naobservaçãohistórica, aprimeira condiçãoé identificar abasematerial ecomoissoacontece.Asegundaéverificarasnovasnecessidadescriadas.Aterceiraéareproduçãohumana:“éarelaçãoentrehomememulher,entrepaisefilhos,afamília”.A quarta é o modo de produção, isto é, uma “força produtiva”. Por isso a “história da humanidade deve sempre ser estudada e laborada em conexão com a história da indústria e das trocas” (ibid., p.41-42). A quinta é a consciência. “Os homens têm história porque devem produzir sua vida, e devem fazê-lo de determinado modo: isto está dado por sua organização física, da mesma forma que a sua consciência” (ibid., p.43, nota). De uma consciência natural, gregária, das relações humanas, o ser humano evolui para uma consciência de que ele “vive em sociedade”.

Nessa fase, desenvolve-se a divisão de trabalho que, originariamente, era tão somente “a divisão do trabalho no ato sexual” (reprodução). A divisão torna-se divisão de fato “a partir do momento em que surge uma divisão entre o trabalho material e o espiritual” (ibid., p.45). As contradições geradas com a divisão do trabalho (nos três momentos: a força de produção, o estado social e a consciência) são: a distribuição desigual (do trabalho, de seus produtos); a propriedade; a escravidão; a dominação; a oposição entre interesse do indivíduo e do coletivo. O Estado assume o papel do interesse coletivo para equalizar as contradições, gerando, por sua vez, lutas no seu interior (a luta entre democracia, aristocracia e monarquia, a luta pelo direito do voto, etc.) (ibid., p.48).

A divisão do trabalho no interior de uma nação, em geral, apresenta-se em doisgrandesblocos,identificadoscomacidade e o campo, ou seja, a separação “entre o trabalho industrial e comercial, de um lado, e o trabalho agrícola, de outro” (ibid., p.29).

O desenvolvimento dessas modalidades multiplica subdivisões de atividades, levando os indivíduos a ocuparem essas posições. Às diferentes fases do desenvolvimento da divisão do trabalho correspondem formas de propriedade, ou seja, “cada nova fase da divisão do trabalho determina igualmente as relações dos indivíduos entre si, no que se refere ao material, ao instrumento e ao produto do trabalho” (ibid., p.29).

Marx e Engels distinguem as seguintes formas de propriedade:

a) a tribal (Stammeigentum). Corresponde à fase não desenvolvida da produção com predomínio da caça, da pesca, da coleta, “da criação de gado ou, no máximo, da agricultura”. Essa forma contém uma divisão do trabalho em torno da divisão natural no seio da família. “A escravidão latente na família desenvolve-se paulatinamente com o crescimento da população e das necessidades” (ibid., p.30);

b) a comunal e estatal. Encontra-se na antiguidade “e na qual subsiste a escravidão”. Desenvolve-se a propriedade móvel (a imóvel é incipiente). A estrutura social baseada na propriedade coletiva “e com ela o poder do povo no mesmo grau, decaem na medida em que se desenvolve a propriedade privada imóvel” (ibid., p.31);

Opinio, n.29, jul./dez. 201288

c) a feudal ou estamental. Encontra-se no feudalismo, quando a propriedade principal “consistia, de um lado, na propriedade territorial à qual estava ligado o trabalho dos servos e, de outro, no trabalho próprio com pequeno capital dominando o trabalho dos oficiais” (ibid., p.34).No apogeu do feudalismo, havia pequenadivisão do trabalho. A nobreza, como classe dominante, organiza-se no Estado. Desta forma, “indivíduos determinados, que como produtores atuam de um modo também determinado, estabelecem entre si relações sociais e políticas determinadas” (ibid., p.35);

d) a burguesa. Corresponde ao capitalismo, quando a propriedade privada domina os meios de produção e o capital concentrado em poucas mãos. A burguesia, como nova classe dominante, “toma o lugar da que dominava antes dela. É obrigada, para alcançar osfinsaquesepropõe,aapresentarseusinteressescomosendoointeressecomumdetodos os membros da sociedade” (ibid., p.74). Isso gera a classe revolucionária, que surge “desde o início, não como classe, mas como representante de toda a sociedade, porque já se defronta com uma classe; aparece como a massa inteira da sociedade frente à única classe dominante” (ibid., p.74).

No mundo do real ainda se localizam as relações sociais de produção – produzidas no processo histórico da humanidade –, que assumem formas próprias e podem ser identificadasnasociedadeantiga (com modalidade de propriedade própria), na sociedade feudal e na sociedade burguesa, que são estágios de desenvolvimento na história da humanidade.

A divisão do trabalho gera a separação da atividade espiritual da material, isto é, “a função e o trabalho, a produção e o consumo” cabem a indivíduos diferentes, o que estabelece as contradições entre “a força de produção, o estado social e a consciência” (ibid., p.45).

No desenvolvimento da divisão do trabalho de uma fase inteiramente natural, a humanidade passa para outra, a da “separação entre a produção e o comércio”. A essa acompanha a formação de uma classe especial de comerciantes, o que gerou uma ação recíproca entre “a produção e o comércio”.

As cidades entram em relação umas com outras, novas ferramentas são levadas de uma cidade para outra e a separação entre a produção e o comércio não tarda a suscitar uma nova divisão da produção entre as diversas cidades, cada uma das quais logo explorará predominantemente um ramo industrial. (MARX; ENGELS, 1991, p.83)

Desse contexto resultam novas invenções e nasce a manufatura. “A tecelagem foi a primeira e continuou sendo a mais importante manufatura. A manufatura mobilizou uma massa de capital (que surgiu naturalmente) e aumentou a massa de capital móvel”. A manufatura mudou “as relações entre trabalhador e empregador”, passando a serem “relações monetárias entre o trabalhador e o capitalista”. O aumento da produção

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 89

ampliou o comércio entre cidades e nações; a expansão “do comércio e da manufatura acelerou a acumulação do capital móvel. O comércio e a manufatura criaram a grande burguesia” (ibid., p.88-89).4

Para Marx e Engels, no curso do desenvolvimento histórico, as relações sociais adquirem, no interior da divisão social do trabalho, uma existência autônoma, produzindo “uma divisão na vida de cada indivíduo, na medida em que uma vida é pessoal e na medida em que está subsumida a um ramo qualquer do trabalho e às condições a ele correspondentes”(ibid.,p.119),oqueconfigura“adivisãoentreoindivíduopessoaleoindivíduo de classe”, sendo a segunda contingencial na vida “engendrada e desenvolvida pela concorrência e pela luta dos indivíduos entre si” (ibid., p.119).

Aí entra a função ideológica, que leva os indivíduos a se julgarem “mais livres sob a dominação da burguesia do que antes, porque suas condições de vida parecem acidentais; mas, na realidade, não são livres, pois estão mais submetidas ao poder das coisas” (ibid., p.120). A ideologia é um fenômeno objetivo produzido pelas condições reaisdaexistênciadosindivíduosqueconfiguraavidamaterial.“Deladependemasoutras formas: a espiritual, a política, a religiosa, etc.” (ibid., p.111).

Para os proletários, ao contrário, a condição de sua existência, o trabalho, e com ela todas as condições de existência que governam a sociedade moderna, tornaram-se algo acidental, algo que eles, como indivíduos isolados, não controlam e sobre o qual nenhuma organização social pode dar-lhes o controle. A contradição entre [...] a personalidade de cada proletário isolado e a condição de vida a ele imposta, o trabalho, torna-se evidente para ele mesmo, pois ele é sacrificadodesdeajuventudeeporque,nointeriordesuaprópriaclasse,nãotem chance de alcançar as condições que o coloquem na outra classe. (MARX; ENGELS, 1991, p.121)

Por essa e outras razões, em 1848, Marx e Engels concluíam o Manifesto do Partido Comunista, conclamando: “Proletärier aller Länder, vereinigt euch!”5.

2.2 Émile Durkheim (1858-1917)ApartirdosescritosdeDurkheim,tentou-seidentificarasprincipaisvariáveis

da matriz teórico-metodológico-analítica. Na construção da sociologia como ciência,

4 Em O Capital, Marx descreve o modo capitalista de produção e lhe atribui duas características. Primeiro, “ele produz os seus produtos como mercadorias”; segundo, ele se caracteriza pela “produção da mais-valia”. No modo capitalista de produção, “o capitalista e o operário assalariado, não são, como tais, senão encarnações do capital e do trabalho assalariado, determinados característicos sociais que o processo social de produção imprime nas pessoas, produtos destas relações determinadas de produção” (MARX, apud IANNI, 1996, p.9). 5 “Proletários de todos os países, uni-vos!” (MARX; ENGELS, 2001, p.84). Para Aron, o Manifesto é, ao mesmo tempo, “o coroamento do esforço intelectual que conduziu Marx da filosofia à sociologia e à economia e o ponto de partida das pesquisas que o levaram à publicação de O Capital” (ARON, 2005, p.24).

Opinio, n.29, jul./dez. 201290

Durkheim retrata a posição da academia, pois uma de suas preocupações é dar status de disciplina ao corpus de seus estudos. Levine faz a seguinte síntese de Durkheim:

[...]algunsconsideram-noumnominalistafilosófico,outrosumrealista,algunsum defensor, outros um inimigo do individualismo moderno; uns viram nele um ardente secularista, outros um homem cuja religiosidade se inclinava para o misticismo. Foi variadamente rotulado como conservador, liberal e socialista. (LEVINE, 1997, p.86)

É fundamental ter presente, na leitura de Durkheim, a sua preocupação em torno do objeto a ser investigado, o método a ser seguido, e a explicação a ser dada daquilo que foi estudado. Em As regras do método sociológico, propõe que a sociologia seja a ciência do fato social. Ele concebe a sociedade como uma soma de fatos possíveis de serem estudadas como coisas, e conceitua os fatos assim: “consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem” (DURKHEIM, 1999b, p.48); antes já havia dito “[...] que apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais” e “não são apenas exteriores ao indivíduo, são também dotadas de um poder imperativo e coercitivo, em virtude do qual se lhe impõem, quer queira, quer não” (ibid., p.47). A coerção varia inversamente proporcional à conformidade, ou seja, quanto maior a conformidade (de bom grado) menor é a coerção (pois então torna-se inútil). Os fatos são sociais porque são fenômenos que não se incluem nos orgânicos ou nos psíquicos e, por isso, são do “domínio próprio da Sociologia”.

O autor divide a Sociologia (como ciência) em três níveis: Sociologia Geral – o estudo dos fatos sociais; a Fisiologia Social – sociologia religiosa, moral, jurídica, econômica, linguística e estética, cada qual estudando os fenômenos sociais que lhe são pertinentes; e Morfologia Social–estudodabasegeográficadospovosemsuasrelaçõescom a organização social; e, estudo da população, seu volume, densidade e distribuição geográfica(ibid.,p.45).Essadivisãodanovaciênciapermite-lheestabelecercamposde investigação sem perder no horizonte a conceituação mais ampla e complexa de fatos sociais(comomorfológicosaosubstratosocial)–“definiçãoquecompreenderá,pois,todoodefinido”,assim,

[...]éfatosocialtodaamaneiradeagirfixaounão,suscetíveldeexercersobreo indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter. (DURKHEIM, 1999b, p.52)

Os fenômenos sociais são constituídos pelas crenças, as tendências, e as práticas do grupo, tomados coletivamente. Os fatos, porém, “que nos fornecem a base para ela são

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 91

todos estes modos de agir;sãodeordemfisiológica.Ora,existemtambémmaneiras de ser coletivas, isto é, fatos sociais de ordem anatômica ou morfológica” (ibid., p.50).

Essasafirmaçõesnosapontamparaachavedaleituradurkheimianadosocial:osfatos que asseguram a permanência e a coesão do coletivo, através da coerção imposta aos indivíduos. Desta forma, a sociedade é um conjunto de processos de controle, socialmente legítimos, objetivos, com força normativa. Essa leitura poderá induzir ao reducionismo de a sociologia durkheimiana ser a sociologia da ordem, do consenso. A conceituação dos fatos sociais conduzDurkheim a definir o procedimento dainvestigação sociológica que deverá ocorrer no reino social, para “dar ao espírito uma direção que lhe permita conduzir julgamentos sólidos e verdadeiros sobre tudo que se lhe apresente” (DURKHEIM, apud RODRIGUES, 1999, p.23). Julga que “as regras do método são para a ciência o que as regras do direito são para o comportamento; elas dirigem o pensamento do sábio como estas governam as ações humanas” (ibid., p.97).Elepropõeiniciaraclassificaçãodassociedades

[...] segundo o grau de composição que estas apresentam, tomando por base a sociedade perfeitamente simples ou de segmento único; no interior dessas classes se distinguirão as diferentes variedades, conforme se produza ou não uma coalescência completa dos segmentos iniciais. (DURKHEIM apud RODRIGUES, 1999, p.24)

IssosignificaqueDurkheimbuscavaaautonomiadosocialsemprecisartomaremprestadaalgumaexplicaçãodeoutraciência,pois“fizemosverqueumfatosocialnão pode ser explicado senão por um outro fato social”, isso é, explicar o social pelo social. Dessa forma, a consciência coletiva, exterior ao indivíduo, integra o reino social, e esse reino interessará a Durkheim para formular hipóteses, fazer previsões e descobrir concatenações.

A moral, para Durkheim, integra o social e se incorpora na consciência individual, pela consciência coletiva, e diferencia o ser humano do animal, pois, no plano anatômico, fisiológicoepsicológico,

[...] há apenas diferenças de gradação; e, entretanto, o homem tem uma eminente dignidade moral, o animal não tem nenhuma. No que se refere a valores, existe, portanto, um abismo entre eles. Os homens são desiguais tanto em força física como em talento; apesar disso, tendemos a reconhecer em todos um idêntico valor moral.[...].Quandoasconsciênciasindividuais,emvezdeficaremseparadas,entram em relação íntima, agindo ativamente uma sobre as outras, origina-se de sua síntese uma vida psíquica de um novo gênero. (DURKHEIM, 1999c, p.58)

Opinio, n.29, jul./dez. 201292

Na questão dos julgamentos de valor e julgamentos de realidade, Durkheim explica que os julgamentos de realidade se limitam a exprimir determinados fatos, pois “eles enunciam aquilo que existe e, por essa razão, nós os chamamos julgamentos de existência ou de realidade”; os julgamentos de valor “têm por objetivo dizer não aquilo que as coisas são, mas aquilo que elas valem em relação a um sujeito consciente,ovalorqueesteúltimoaelasatribui”(ibid.,p.53).Issosignificaqueosjulgamentos de valor são aqueles que se relacionam a valores que se constroem no reino social e pode haver diferentes tipos, como “uma coisa é o valor econômico, outra os valores morais, religiosos, estéticos, especulativos”. É no social que se forma a escala de valores, e o julgamento social é objetivo em relação aos julgamentos individuais e “assim se pode explicar a espécie de pressão que sofremos e da qual temos consciência quando emitimos julgamentos de valores [...] sentimos bem que não somos os senhores de nossas apreciações; que estamos amarrados e contrafeitos” (ibid., p.55).

Dessa forma, o julgamento de valor é uma questão epistemológica fundamental em Durkheim, pois ele é um retrato do entrelaçamento da sociedade (maneiras de ser, deagir,desentir,depensar,enfim,doscostumes)comamoral (o bem, o reto agir humano, o certo x o errado) e com o direito (os fenômenos jurídicos, as regras de conduta sancionadas – direito penal: regras repressivas, ligadas a regras morais, podem ser difusas, mas são organizadas; direito restitutivo: restabelecimento do estado de coisas anteriores, compreendendo o direito civil, comercial, processual, administrativo e constitucional). Rodrigues (1999) remete o leitor à obra:

L’education morale,emqueamoralédefinidacomoum sistema de regras de ação que predeterminam a conduta, as quais nos dizem como devemos agir – e bem agir é obedecer bem. É clara a vinculação com a autoridade. Daí esta colocação complementar: A moral não é pois apenas um sistema de hábitos, é um sistema de comando. Não se pode perder de vista a lição básica das Régles de que a moral é um fato social e que se impõe aos indivíduos por intermédio da coerção social. (RODRIGUES, 1999, p.32, n. 18)

Em decorrência, Durkheim entende, por um lado, que “agir moralmente é conduzir-se segundo as máximas que possam, sem contradição, serem estendidas à universalidade das vontades” e, por outro lado, “pensar racionalmente é pensar segundo as leis que se impõem à universalidade dos seres racionais”. Não há, portanto,conflitoentreaciênciaeamoral,masambas“implicamqueoindivíduoécapaz de se elevar acima do seu próprio ponto de vista e viver uma vida impessoal” (DURKHEIM, 1999i, p.181).

Para Durkheim, “a sociedade não é, de maneira alguma, o ser ilógico ou alógico, incoerente e fantástico, que se quer ver nela muitas vezes. Ao contrário, a consciência coletiva é a forma mais elevada da vida psíquica, visto que é uma consciência das consciências” (ibid., p.179). Assim, o pensamento lógico tem origens sociais e se

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 93

formula na realidade social, mas “tende cada vez mais a se desembaraçar dos elementos subjetivos e pessoais que traz na sua origem”, pois a sociedade “é universal com relação ao indivíduo”, mas ela própria tem “uma individualidade [...], sua idiossincrasia; é um sujeito particular e que, por consequência, particulariza o que pensa” (ibid., p.180).

A educação enfrenta os conflitos da homogeneização x diversificação; da coletivização x individualização; da universalização x idiossincrasização;enfim,umasérie de antagonismos. Para Durkheim, os primeiros prevalecem sobre os segundos, porque a sociedade determina o modo de sentir, de pensar e de agir dos indivíduos, com sua consciência individual, que tem “o poder de perceber semelhanças entre as coisas particulares”. A comunicação,

[...] a conversação, a transação intelectual entre os homens, consiste numa troca de conceitos. O conceito é uma representação essencialmente impessoal: é por seu intermédio que as inteligências humanas se comunicam [...], os conceitos são representações coletivas [...], correspondem à maneira pela qual esse ser especial que é a sociedade pensa sobre as coisas de sua própria experiência. (DURKHEIM, 1999i, p.174-175)

Por essa razão “é-me impossível transmitir uma sensação da minha consciência para a consciência de outrem” por ser pessoa, mas “tudo que posso fazer é convidar alguém a se colocar diante do mesmo objeto que eu e se submeter à sua ação” (ibid., p.173). Durkheim posiciona-se, por um lado, na perspectiva da negação da intersubjetividade das pessoas e, por outro lado, enfatiza o papel integrador e autorreprodutor da consciência coletiva através da manutenção dos mecanismos sociais de coesão.

Nainvestigaçãocientífico-social,Durkheimtentaidentificarascausasdefatossociaisparaanalisarosefeitoseverificarsua(s)função(ões)ouobjetivos.Assim,aoinvestigar a divisão do trabalho,afirma:“osserviçoseconômicosqueelaproporcionasão de menor monta ao lado do efeito moral que produz, e sua verdadeira função é criar entre duas ou mais pessoas um sentimento de solidariedade” (ibid., p.61). Nesse caso, a ênfase é na função, e não nos resultados econômicos.

ParaDurkheim,nãosetratadeverificarseexisteounãoasolidariedade,decorrenteda divisão de trabalho, porque “esta é uma verdade evidente”, no entanto,

[...] é preciso, sobretudo, determinar em que medida a solidariedade por ela produzida contribui para a integração geral da sociedade: somente então saberemos até que ponto ela é necessária, se é um fator essencial da coesão social ou, ao contrário, se não passa de uma condição acessória e secundária. (DURKHEIM, 1999d, p.66-67)

Opinio, n.29, jul./dez. 201294

Tem-se, portanto, a divisão do trabalho com a função de gerar a solidariedade; essa, por sua vez, gera a integração, que, por sua vez, gera a coesão social. Durkheim, porém alerta:

[...] a solidariedade é um fenômeno, sobretudo moral que, por si mesmo, não se presta à observação exata e principalmente a uma medição. Para proceder tantoaessaclassificaçãocomoaessacomparação,éprecisosubstituir,aofatointerno que nos escapar o fato exterior que o simboliza, e estudar o primeiro através do segundo. Esse símbolo visível é o direito. Com efeito, onde existe solidariedade social, apesar do seu caráter imaterial, ela não permanece no seu estado puro, mas manifesta sua presença pelos seus efeitos sensíveis (DURKHEIM, 1999d, p.67)

A citação sintetiza a proposta metodológica de Durkheim para estudar esse fato social. A presença sensível é que “quando ela é forte, aproxima os homens uns dos outros, coloca-os frequentemente em contato, multiplica as oportunidades de seu relacionamento”. É, portanto, a expressão das relações sociais, que são diretamente proporcionais, isto é, “quanto mais solidários sejam os membros de uma sociedade, mais eles mantêm relações diversas” (ibid., p.67).

Durkheim, em seu conceito de evolução da sociedade humana6, abrange a organização da vida social, porque “sempre que exista de maneira durável, tende inevitavelmenteaassumirumaformadefinidaeaseorganizar”.Odireito é, ao mesmo tempo,aexpressãodaprópriaorganizaçãoqueregeavidageraldasociedadeeoreflexode “todas as variedades essenciais da solidariedade social” (ibid., p.67).

O direito rege, por um lado, todas as relações sociais essenciais “e são os únicos que temos necessidade de conhecer”; por outro lado, os costumes regem relações sociais “que só comportam aquela regulamentação confusa” (ibid., p.68). É assim que surge o antagonismo entre direito e costumes, e a solidariedade social surgida a partir de costumes é, certamente, do tipo secundário. Por isso, a solidariedade social pertence aos estudos da sociologia por ser “um fato social que só se pode conhecer por meio de seus efeitos sociais” (ibid., p.69), para não confundi-la com a sociabilidade, que é a tendência geral e a mesma em todo lugar, de as pessoas se ligarem umas às outras.

Para Durkheim, a consciência coletiva ou comum – “o conjunto de crenças e de sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem sua vida própria” – que está “difusa em toda extensão da sociedade” e “independe das condições particulares em que se encontram os indivíduos”, gera um “conjunto de similitudes sociais” (DURKHEIM, 1999e, p.74). Assim, Durkheim entende que “existem em nós duas consciências: uma contém os

6 De simples para composta – isto é, a simples tem pouca divisão do trabalho; a composta é complexa, diversificada – sociedade industrial – e tem alta divisão do trabalho.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 95

estados que são pessoais a cada um de nós e que nos caracterizam, enquanto os estados que abrangem a outra são comuns a toda a sociedade” (ibid., p.75). A solidariedade nascida desta relação liga o indivíduo diretamente à sociedade.

Durkheim entende que os tipos fundamentais de solidariedade social são a mecânica e a orgânica. A solidariedade mecânica “é um produto das similitudes sociais as mais essenciais, e tem por efeito manter a coesão social que resulta dessas similitudes” (ibid., p.76) e caracteriza a sociedade simples. A expressão material dessa solidariedade social é o direito repressivo. Exerce um papel integrador, ligando os indivíduos ao grupo, oportunizando, dessa forma, a coesão social. Atinge seu maximum “quando a consciência coletiva abrange exatamente nossa consciência total e coincide em todos os pontos com ela” (ibid., p.82), anulando, por outro lado, toda a individualidade. Intensifica-senarazãoinversadapersonalidade.

IssolevaDurkheimajustificaradenominaçãoadotada:solidariedade mecânica, “por analogia com a coesão que une os elementos dos corpos brutos, em oposição àquela que faz a unidade dos corpos vivos” (ibid., p.83), que é totalmente diferente da produzida pela divisão do trabalho, ou seja, a solidariedade orgânica.

A solidariedade orgânica é um produto da divisão do trabalho social, porque “é da natureza das tarefas especiais escapar à ação da consciência coletiva [...] e quanto mais elas se especializam, menos é o número daqueles que têm consciência de cada uma delas” (ibid., p.80). Isso aumenta a individualidade, ou seja, os indivíduos diferem uns dos outros, autonomizando sua personalidade. Ele recorre à analogia dos animais superiores7, para denominar essa solidariedade de orgânica. As regras jurídicas que correspondem (as formas exteriores que a simbolizam) à solidariedade orgânica são o direito restitutivo, isto é, o direito cooperativo com sanções restitutivas. O direito varia “com as relações sociais que regula” (ibid., p.84), ou seja, do direito repressivo (relações sociais mecânicas) ao direito restitutivo (relações sociais orgânicas), como simplescoroláriodacomplexificaçãosocietária.

O esforço de Durkheim é traduzir em categorias analíticas a passagem da sociedade tradicional (horda, clã, sociedades segmentares à base de clãs) para a sociedade industrial,escolhendocomofiocondutoracoesãosocial,comoexpressãoda solidariedade social. A observação histórica revela que a nova sociedade só progride na medida em que a outra regride, ou seja, a passagem de uma é a evolução para a outra. Isso gera uma crise, mas que Durkheim quer ver superada através da integração social e da coesão social.

A coesão social depende de dois elementos: a moral e o normativo para dar estabilidade integrativa e organizativa. Essa poderá ser perturbada (desorganizada), sendo a anomia e o suicídio exemplos dessa crise. O estado de anomia é a ausência de regulamentações em decorrência da divisão do trabalho. A diversificação, a

7 Cada órgão, com efeito, tem sua fisionomia especial, sua autonomia e, por conseguinte, a unidade do organismo é tanto maior quanto a individualização das partes seja mais acentuada.

Opinio, n.29, jul./dez. 201296

complexificaçãoeintensificaçãodadivisãodotrabalhoexigemnovasregulaçõesparasuperar as segmentações até abranger toda a sociedade. O mercado, por exemplo, de segmentado abrangerá a sociedade e tende a se tornar universal, pois “as fronteiras que separam os povos se reduzem” (ibid., p.99). Na ampliação do mercado entra a grande indústria que transforma “as relações entre patrões e operários”

[...] e o trabalho da máquina substitui o do homem; o trabalho da manufatura ao dapequenaoficina;ooperárioécolocadosobregulamentos,afastadoodiainteirode sua família [...]. Estas novas condições da vida industrial exigem naturalmente uma nova organização [...]; a divisão do trabalho [...] foi muitas vezes acusada de diminuir o indivíduo, reduzindo-o ao papel de máquina. E, com efeito, se ele não sabe para onde tendem essas operações que se lhe exigem, não as associa aqualquerfimesópodesecontentarcomarotina.Todososdiaselerepeteosmesmos movimentos em uma regularidade monótona, mas sem se interessar nem compreendê-los. Não é mais a célula viva de um organismo vivo [...], não passa de uma engrenagem inerte que uma força externa põe em funcionamento e que se move sempre no mesmo sentido e do mesmo modo. (DURKHEIM, 1999g, p.99-100)

É um diagnóstico do mundo do trabalho dos tempos modernos, e Durkheim acredita que a proposta – ao lado dos conhecimentos técnicos, seja oferecida uma instrução geral –, caso concretizada, não eliminará o fato de que o operário “tenha sido tratado o dia inteiro como uma máquina”.

O suicídio, para Durkheim (1999h), não é uma enfermidade, nem resulta de fatores genéticosouclimáticosegeográficos,neméexpressãodeperturbaçõespsicológicas,mas é um indicador social, resultado do grau de coesão da sociedade. O suicídio, como ato individual, interessa ao sociólogo porque sua natureza é eminentemente social (quando observado o conjunto de suicídios cometidos numa certa sociedade durante determinado período). Ao longo do tempo, os suicídios podem tornar-se crônicos, em decorrência da ruptura do equilíbrio social e “a evolução do suicídio é assim composta de ondas de movimento, distintas e sucessivas, que se dão por impulsos, desenvolvem-se durante algum tempo e depois cessam, para recomeçar em seguida” (ibid., p.104). Interessa, portanto, ao sociólogo investigar as causas que agem sobre o grupo (e não sobre o indivíduo, que é perquirição do psicólogo) e “o conjunto da sociedade”. E conclui: “o suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos grupos sociais de que o indivíduo faz parte” (ibid., p.108).

Eleclassificaossuicídiosemegoísta, altruísta e anômico. O suicídio egoísta é gerado pelo egoísmo. As sociedades pouco integradas ou em transição de uma determinada organização para novos critérios integradores induzem os indivíduos a afirmarem suavontadeprópria, negando-se a colaborarem. “Exprimemo estadodedesagregaçãoemqueseencontraasociedade”(ibid.,p.110).Issosignificaqueo

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 97

indivíduo afrouxa o laço que o liga à vida, como retrato do afrouxamento de seu laço com a sociedade.

O suicídio altruísta é gerado pela filantropia e é típico de sociedades fortemente integradas, nas quais o indivíduo sente sua própria vida e, paradoxalmente, por vontade própria, se sente no dever de praticar o suicídio (homens que chegaram à velhice ou são atingidospordoença;mulheres,porocasiãodamortedomarido;fiéisouservidores,por ocasião da morte de seus chefes). Poderá ser ainda obrigatório, facultativo ou agudo.

O suicídio anômico é gerado pelo estado de anomia, isto é, por uma situação de desorganização e ausência de consenso em torno de valores integradores ou até a falta de normas. Isso acontece em épocas de crise ou brusca desorganização ou súbitas transformações. Desastres econômicos, inesperado aumento de poder e de riqueza, decadência da prosperidade, ambições superexcitadas são situações em que “o estado de desregramento ou de anomia é reforçado pelo fato de que as paixões são menos disciplinadas no momento mesmo em que elas teriam precisão de uma disciplina mais forte”(ibid.,p.118).Durkheimafirmaque“aanomiaé,pois,nasnossassociedadesmodernas,umfatorregulareespecíficodesuicídios”.

Em suma, “o suicídio egoísta resulta de que os homens não veem mais razão de ser na vida; o suicídio altruísta de que esta razão lhes parece estar fora da própria vida; o suicídio anômico decorre do fato de estar desregrada a atividade dos homens, e é disto que eles sofrem” (ibid., p.121). Para Durkheim, o suicídio egoísta e o anômico estão relacionados, porque “os dois decorrem do fato de que a sociedade não está suficientementepresentenosindivíduos.Masaesferadaqualelaestáausentenãoéamesma nos dois casos” (ibid., p.122).

A preocupação de Durkheim é formular uma teoria da integração e coesão social, dando proeminência ao coletivo em detrimento do indivíduo, trabalhando as categorias como a coesão, a solidariedade, a autoridade, as representações coletivas, com vistas à manutenção da ordem social. Dá prioridade ao social na explicação da realidade natural, física e mental em que vive o ser humano.

2.3 Max Weber (1864-1920)ApartirdosescritosdeWeber,tentou-seidentificarasprincipaisvariáveisda

matriz epistemológica e metodológica. Para ele, a ordem da sociedade moderna é o capitalismo racional, por isso ele “se debruça sobre os problemas da racionalização, da secularização, da burocratização das estruturas e dos comportamentos das pessoas como traços específicos da civilização ocidental” (TRAGTENBERG,1992, p.XII).

O texto A objetividade do conhecimento na ciência social e na ciência política (1904)éumaprofissãodefénapossibilidadedaobjetividadedoconhecimentonaciênciasociale,aomesmotempo,umadefiniçãodecritériosparaaRevistaArchiv für

Opinio, n.29, jul./dez. 201298

Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, não admitindo sectarismos ou dogmatismos, mas assegurando a diversidade, respeitando, porém, certo consenso em torno do valor do conhecimentoaserexpresso,porserumarevistaexclusivamentecientífica.

Weber coloca a Revista como representante de uma disciplina empírica que atua no nível do que é, e não do que deve ser. Estará, portanto, sempre em questionamento, emúltimainstância,ovalorcientífico,sejanaformadejuízo de valor, seja na questão metodológica, ou naquilo que trata da ação humana, pois “queremos algo em concreto ou em virtude de seu próprio valor” (WEBER, 1992, p.109).

Weber defende a posição de que uma disciplina empírica não tem a tarefa de proporcionar normas e ideais obrigatórios para a conduta humana que sejam, portanto, receitas para a ação prática. Mas deve garantir a objetividade, o rigor da explicação causal e certa neutralidade valorativa do objeto investigado. A questão do valor, para Weber,define-sepelasignificação cultural e, por ser assunto pessoal, pode induzir o pesquisador à escolha do seu objeto, e não estar na ótica dos valores universais.

Entretanto, no que diz respeito a esta opção, podemos oferecer algo mais: o conhecimento do significado daquilo que é oobjeto da aspiração. Podemos ensinaraalguémoconhecimentodosfinsqueessealguémprocura,eentreosquais faz uma seleção, num primeiro momento, por meio da indicação e conexão lógicadasideiasquetalvezpossamestarnabasedofimconcreto.(WEBER,1992, p.110)

Weber insiste no fato de que a “ciência empírica não pode ensinar a ninguém o que deve fazer; só lhe é dado – em certas circunstâncias – o que quer fazer” (ibid., p.111). Assim, a sociologia se move no mundo fatual, e não no ideal. Dessa forma o Arquivo “tratará – ao lado da ciência social – que é o ordenamento conceitual dos fatos – inevitavelmente, também da política social – que é a exposição de ideais” (ibid., p.115).

Weber alerta que “não pretendemos de modo nenhum apresentar tais polêmicas como ciência, e empregaremos os nossos melhores esforços em precaver-nos de não confundirascoisas”.E,maisadianteafirma,noapeloàobjetividade, que “o Arquivo não foi um órgão socialista, nem será futuramente um órgão burguês” e continuará “aserviçodoconhecimentocientífico”(ibid.,p.115).IssolevaWeberaindagarsobre“a limitação objetiva da nossa área de pesquisa” com vistas à “validade objetiva a que pretendemos chegar nesta nossa área de saber”. O problema realmente existe

[...] e é algo que não pode escapar a alguém que observa o combate que se trava ao redor de métodos, de conceitos básicos e de pressupostos, bem como a contínua mudança dos pontos de vista e a constante redefinição dos conceitos utilizados [...].Oquesignifica,aqui,objetividade? (WEBER, 1992, p.117)

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 99

O Arquivo abordou, como seus objetivos de estudo, todos os fenômenos que “designamos por socioeconômicos” vinculados ao fato básico da nossa existência física. Entretanto,

[...] a ciência que pretendemos exercitar é uma ciência da realidade. Procuramos entender na realidade que está ao nosso redor, e na qual nos encontramos situados, aquiloque ela temde específico; por um lado, as conexões e a significaçãoculturaldasnossasdiversasmanifestaçõesnasuaconfiguraçãoatuale,poroutro,as causas pelas quais ela se desenvolveu historicamente de uma forma e não deoutra[...].Assim,todooconhecimentodarealidadeinfinita,realizadopeloespíritohumanofinito,baseia-senapremissatácitadequeapenasumfragmentolimitado dessa realidade poderá constituir de cada vez o objetivo da compreensão científicaedequesóeleseráessencial no sentido de digno de ser conhecido. (WEBER, 1992, p.124)

Imediatamente, Weber conduz o questionamento sobre os princípios que direcionarão a escolha desse fragmento. Diante das diversas concepções, Weber aponta

[...] que não há dúvida de que o ponto de partida do interesse pelas ciências sociaisresidenaconfiguraçãoreale,portanto,individualdavidasocioculturalque nos rodeia, quando queremos apreendê-la no seu contexto universal, nem por isso menos individual, e no seu desenvolvimento a partir de outros estudos socioculturais, naturalmente individuais também. [...]. No setor das ciências sociais, o que nos interessa é o aspecto qualitativo dos fatos [...] cuja compreensão por revivênciaconstituiumatarefaespecificamentediferentedaquepoderiam,ou quereriam resolver as fórmulas do conhecimento exato da natureza. (WEBER, 1992, p.125-126)

Maisadiante,Weberafirmaquenãohárazãoparaqueumestudoobjetivo dos acontecimentosculturais,comoestudocientífico,“deveráconsistirnumareduçãodarealidade empírica a certas leis”, porque

[...] a) o conhecimento de leis sociais não é um conhecimento do socialmente real [...], b) nenhum conhecimento dos acontecimentos culturais poderá ser concebido senãocombasenasignificaçãoquearealidadedavida,sempreconfiguradademodo individual, possui para nós em determinadas relações singulares. (WEBER, 1992, p.130)

Dessa forma, “todo o conhecimento da realidade cultural é sempre um conhecimentosubordinadoapontosdevistaespecificamenteparticulares”.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012100

Propõe,parasuperarodesafiometodológico,aconstruçãodo tipo ideal para cada realidade particularizada a ser investigada, como método a ser seguido, nessa ciência empírica.

Aconstrução de tipos ideais abstratos não interessa comofim,mas única eexclusivamente como meio de conhecimento. [...]. Ou será que o conteúdo de conceitos tais como individualismo, imperialismo, feudalismo, mercantilismo, convencional, bem como as inúmeras construções conceituais deste tipo, mediante asquaisprocuramosdominararealidadepormeiodareflexãoedacompreensão,deverá ser determinado mediante a descrição, sem pressupostos, de um fenômeno concreto [...] que, via de regra, apenas podem ser determinados de modo preciso e unívoco sob a forma de tipos ideais. (WEBER, 1992, p.139)

O tipo ideal é uma construção intelectual, mental

[...] não da realidade histórica, e muito menos da realidade autêntica, [...]; tem, antes,osignificadodeumconceito limite, puramente ideal, em relação ao qual se mede a realidade, [...]; o tipo ideal é, acima de tudo, uma tentativa de apreender os indivíduos históricos. (WEBER, 1992, p.140)

Desta forma, o tipo ideal, como construção intelectual, destina-se “à medição eàcaracterizaçãosistemáticadasrelaçõesindividuais,istoé,significativospelasuaespecificidade”.

Após a discussão do conceito de tipo ideal como típico abstrato, Weber adentra a questão dos conceitos genéricos tão presentes na forma de enunciados históricos

[...] trata-se de um dos modos práticos mais frequentes e importantes de aplicar os conceitos de tipo ideal, pois cada tipo ideal individual é composto de elementos conceituais que têm um caráter genérico, e que foram elaborados àmaneiradetiposideais.[...].Afinalidadedeformaçãodeconceitosdetipoideal consiste sempre em tomar rigorosamente consciência não do que é genérico,mas,muitopelocontrário,doqueéespecíficoafenômenosculturais.(WEBER, 1992, p.145)

Weberconcluiestadiscussão,afirmando:

[...] conceitos genéricos, tipo ideal, conceitos genéricos de estrutura tipo-ideal, ideiasnosentidodecombinaçõesdepensamentoqueinfluemempiricamentenoshomens históricos, tipos ideais dessas ideias, ideais que dominam os homens,

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 101

ideais a que o historiador refere a História, construções teóricas com utilização ilustrativa do empírico, investigação histórica com utilização de conceitos teóricoscomocasos-limiteideais,enfim,asmaisdiversascomplicaçõespossíveis,que apenas pudemos aqui assinalar – tudo são construções ideais cuja relação com a realidade empírica do imediatamente dado é, em cada caso particular, problemática. (WEBER, 1992, p.147)

E prossegue em suas conclusões, mostrando que a discussão

[...] teve como único propósito destacar a linha quase imperceptível que separa a ciência da crença, e pôr a descoberto o sentido do esforço do conhecimento socioeconômico. A validade objetiva de todo saber empírico baseia-se única e exclusivamente na ordenação da realidade dada segundo categorias que são subjetivas. (WEBER, 1992, p.152)

Emais,aoarrematarWeberafirma:“éprecisonãodarmosatudoissoumafalsainterpretação no sentido de considerarmos que a autêntica tarefa das ciências sociais consiste numa perpétua caça a novos pontos de vista e construções conceituais” (ibid., p.153).

Com esta proposta metodológica, Weber julga preservar a objetividade do conhecimento na ciência social, pois o sociólogo que procura o rigor conceitual deve construir tipos ideais, para ler e interpretar a realidade e medir, qualitativa e quantitativamente, o afastamento da ação empírica do ideal. Em suma, esta é uma robusta contribuição metodológica e epistemológica à nova ciência empírica no campo das humanidades.

Em Conceitos sociológicos fundamentais8, Weber expõe os conceitos básicos da sociologia empírica e inicia com o próprio conceito de sociologia, e os demais estão em função deste. Assim, sociologia é a ciência “voltada para a compreensão interpretativa da ação social e, por essa via, para a explicação causal dela no seu transcurso e nos seus efeitos”, que pretende compreender interpretativamente a ação social e explicá-la causalmente em seu curso e em seus efeitos (WEBER, 1994, p.3).

Weber tem como horizonte da sociedade moderna, a questão da racionalidade, da secularizaçãoedodesencantamentodomundo.Tenta,porisso,identificarascondutase vê na razão umafontedeaçãosocial–finsevalores–,juntamentecomasquenãosão da razão, ou seja, a emoção e o modo tradicional. Qual predomina? Qual é mais intensa? Qual é mais frequente? As respostas deverão ser buscadas na realidade.

8 Artigo publicado em 1913, na Revista Logos, sob o título: Sobre algumas categorias da Sociologia Compreensiva. Passou a constituir o 1º Capítulo de Economia e Sociedade, com o título: Conceitos sociológicos fundamentais (p.3-35, da edição brasileira, 1994), com algumas modificações e simplificações feitas pelo próprio Weber.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012102

Essas ações podem ser construídas, operacionalmente, em uma escala, indo da racionalidadeàextremanãoracionalidade.Weberenfatizaaaçãoracionaldefinsemeios como a mais compreensível da conduta humana. Essa concepção estará presente quando Weber utilizar os tipos básicos da estrutura social, associados aos tipos de ação, como sendo a sociedade – racionalmente adequado –, associação – ação afetiva –, e comunidade – ação tradicional.

O método da compreensão enfatiza o indivíduo como a unidade final de explicação, posição que não é aceita pelos organicistas e nem marxistas. O indivíduo équedásignificadoàssuas intenções.Essas intençõesWeberquercompreendereinterpretar. Para atingir a compreensão atual da ação é preciso recorrer à regressão histórica ou causal.

Ocapitalismo,porexemplo,segundoMarx,giraemtornodoconflitodotrabalho,resultantedadominaçãoeexploração.Mascomosurgiuoconflito?Essaéaregressão,ouseja,caminha-separatrásnahistóriaeidentificam-seasorigens.ParaWeber(2004),a reforma luteranaéopontodepartidapararegressarnaHistóriaeverificaraorigemda racionalidade, do individualismo, até chegar ao capitalismo (qual a origem da vida frugal? planejada? etc.). Conforme Weber, a intenção do indivíduo nem sempre produz o resultado desejado; assim, os puritanos e ascetas queriam servir a Deus, mas ajudaram a desenvolver o capitalismo moderno.

O método weberiano coloca-se em posição oposta ao método quantitativo, porque a singularidade histórica, ou seja, a ação social é o objeto e o indivíduo, ao agir, tem em mente a cultura, a história, ou seja, fatores gerais do seu contexto, dando significadoàsuaação.Webernãoreduzaquantidadeàqualidade,maschamaaatençãoà singularidade qualitativa da ação social. Para atingir sua meta metodológica, sugere a construção do tipo ideal,comoinstrumentoanalíticoparaidentificarasdiferençasentre o ideal e o real.

Ele propôs esse método para melhor compreender os conceitos utilizados nas ciências sociais, como feudalismo, capitalismo, individualismo, mercantilismo, etc. e, dessa forma, evitar ambiguidades e atingir a univocidade conceitual. Assim, acredita Weber, os casos puros, construídos abstratamente, permitem compreender qualquer problema particular. O método comparativo recorre tanto aos resultados alcançados pelo método quantitativo quanto aos atingidos pelo qualitativo, pois é da essência do comparativo comparar alguma característica comum entre instituições ou organizações, ou entre fatos históricos de culturas distintas.

Weber também se interessa pela construção de concepções gerais para compreender a sociedade que é regida por leis ou apresenta suas regularidades. Para sustentar a compreensão da ação social, é necessário conhecer as causas que regem as manifestações particulares. As causas, que podem ser uma sequência, são encontráveis na história. Assim, para compreender e validar o capitalismo racional no Ocidente, Weber estudou e examinou outras civilizações em que havia condições favoráveis para seu aparecimento e desenvolvimento, mas outros fatores o bloquearam.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 103

3 CONSIDERAÇÕES FINAISNa atualidade, para se apropriar de modo criativo dos legados teóricos dos

clássicos, é necessário ter presente os cenários históricos dos quais emergiram. Isto envolve algumas ponderações. Primeiramente, é preciso respeitar o espírito que orientou a obra do pensador em sua contextualização, na medida em que, as circunstânciashistóricasposterioresmudaramsignificativamente.Alémdisso,cadaqualmodificava o significado se suas concepções em sua trajetória intelectual.Um segundo aspecto a se considerar é o fato da incompletude do projeto de suas obras (evidente em Marx; em Durkheim e Weber, pela morte precoce), frente às ponderações críticas da existência de contradições na totalidade de suas obras. Por fim, os impactos das circunstâncias histórico-estruturais, que redesenharam as fronteiras das pressuposições que fundamentaram a concepção original, associados às leituras que as gerações posteriores de pensadores fazem de seu momento, com a chave das matrizes epistemológicas hauridas dos clássicos, se faz necessário para adaptar o pensamento original aos novos horizontes dos cenários históricos. Em vista disto, é possível delinear:

Em primeiro lugar, o paradigma epistemológico e metodológico herdado da concepçãodeMarx,mantémumameridianaatualidade,apesardasnovasconfiguraçõescircunstanciais da recente história humana. No centenário da morte de Marx (1983), Bottomore, Harris, Kiernan e Miliband assim se expressaram:

As ideias que ele introduziu passaram a constituir uma das correntes mais estimulantes e influentes do pensamento moderno; seu conhecimento é indispensável para todos os que trabalham nas ciências sociais ou estão engajados em movimentos políticos. Entretanto, é igualmente claro que essas ideias nada adquiriam da rigidez de um sistema fechado e acabado: ainda estão evoluindo ativamente, tendo assumido, no transcurso dos últimos cem anos, uma grande variedade de formas. E isto não apenas porque se estenderam a novos campos de investigação, mas também por efeito de processos de diferenciação interna que se produziram em resposta, por um lado, a novas críticas e a novos movimentos intelectuais, e, por outro, à transformação de circunstâncias sociais e políticas. (BOTTOMORE et al., 2001, p.ix)

Passadas três décadas estas ponderações continuam atuais em especial pelas profundas transformações que ocorreram nas circunstâncias econômicas, políticas, sociais e científicas no final do século XX e inícios do século XXI. Basta mencionar que

[...] Impérios vieram abaixo, as sociedades se transformaram, as modas se alteraram: o modernismo foi substituído pelo pós-modernismo, o estruturalismo

Opinio, n.29, jul./dez. 2012104

pelo pós-estruturalismo, o keynesianismo pelo neoliberalismo, o muro de Berlim pelo muro do dinheiro. E Marx? (LÖWY, 2002, p.16)

Após a queda do muro de Berlim (1989) e do desmembramento da União das RepúblicasSocialistasSoviéticas(1991),seresgatouumafrase,proferidapelofilósofoliberalBenedettoCroce,em1907,“Marxestádefinitivamentemortoparaahumanidade”para proclamar “em nome da História, do Mercado ou de Deus – se não dos três – que ‘Marx está morto’” (LÖWY, 2002, p.16).9 Ao contrário desta corrente de pensamento, está ocorrendo um “retorno a Marx”, com uma postura de renovação crítica que perpassa as diferentes formas avançadas de “marxismos”, seguindo o exemplo do próprio Marx, que soube utilizar amplamente os trabalhos de seus coetâneos, rejeitando qualquer postura monopolista de ciência.

Temos, consequentemente, no legado epistemológico e metodológico de Marx um paradigma próprio das ciências sociais. Esta abordagem da sociedade humana opera com os contrários, interpretando e analisando as relações sociais, as instituições, as estruturas a partir dos conflitos, sejam elesmanifestos ou latentes, como umprocesso histórico de lutas. Esta análise histórico-social-estrutural é considerada um empreendimento científico consistente e respeitável.No entanto, a saída dosconflitos, em especial a “superação do capitalismo numa forma de organizaçãosocial comunista” (NASCIMENTO, 2002, p.9) passa, historicamente, a ser vista como“apêndicearbitráriodateoria”oumeraquimera.Assim,esteparadigmaficou“reduzido a uma disciplina acadêmica tradicional, desprovida de toda dimensão revolucionária” (ibid., p.9). Entrementes, a linhagem revolucionária do pensamento de Marx se opõe radicalmente a esta “aceitação histórica” e propugna em defesa da concepção de que a “dialética materialista é uma dialética revolucionária” como doutrinava Lukács.10

Omarxismo se configura, portanto, como ummovimento político prático,“uma forma de socialismo que se distingue no interior das correntes de pensamento socialista por sua combinação de uma prática revolucionária com uma teoria social radicaleabrangente.Estateoriapretendeserumaciênciasocialenãoumafilosofia”(EDGLEY, 2001, p.152).

Em 1997, Löwy grifava no prefácio da reedição de seu livro A teoria da revolução no jovem Marx, a desafiadora pergunta:Marx está morto? Em seu texto, o autor demonstra a perene atualidade deste legado, na medida em que permanecerem as acentuadas desigualdades sociais, as dominações e explorações, etc., e a humanidade

9 “No mundo ocidental, o socialismo está morto.” Friedrich A. Hayek (1899-1992), economista liberal e o pai do neoliberalismo, em 1959.“É o fim da História.” Francis Fukuyama (1952-), a afirmação da civilização capitalista de ser capaz de ir além da história, como o surgimento de uma era messiânica dentro da história para resolver os males inevitáveis, 1989.“Um dia vamos perceber que na realidade somos o único país do mundo que procura ingressar no século XXI com a ideologia ultrapassada do século XIX.” Boris Yeltsin (1931-2007), em 1990.10 Georg Bernhard Lukács von Szegedin (1885-1971). Segundo ele, “se o marxismo quer hoje voltar a ser uma força viva do desenvolvimento filosófico, deve vincular-se, em todas as questões, ao próprio Marx.”

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 105

não concretizar a radical aspiração marxiana da sociedade comunista – estágio superior da humanidade – na qual não existiriam exploradores e explorados, formando o ser humano, a sociedade e a natureza um todo harmônico.

Naquele momento histórico, Marx entendeu que a sociedade industrial capitalista estava pronta para se transformar numa sociedade “de iguais”, mediante uma reviravolta radical, uma vez que “os homens devem mudar de cima a baixo as condições de sua existência industrial e política, e consequentemente todo o seu modo de ser” (MARX apud MÉZÁROS, 2002, p.515). Entretanto, como observa Adorno,11 já não é mais assim. Contudo, a humanidade, no dizer de Bauman,12 está emcontínuabuscada“boasociedade”,odesafioestánaconstruçãodepontes visíveis para a passagem.

Em segundo lugar, o paradigma epistemológico e metodológico herdado da concepção de Durkheim se evidencia de modo mais vivo na abordagem positivista-funcionalista da sociedade humana, nos diferentes campos das ciências humanas. Houve aperfeiçoamentos e desdobramentos como o estrutural-funcionalismo e, mais recentemente, o funcionalismo-sistêmico. Contudo, parece inadequado insistir em imitar os procedimentos dominantes nas ciências naturais, como quis Durkheim com as “regras do método”, não diminuindo sua valiosa contribuição, na medida em que era uma exigência histórica para a sociologia conquistar o status de ciência, que foi efetivamente atingido.Deste procedimento configurou-se ométodo quantitativo presença tão vigorosa nas ciências sociais.

Sem dúvida, o sucesso alcançado por Durkheim o colocou no topo do ranking como um dos fundadores da sociologia moderna e suas contribuições foram fundamentais para o desenvolvimento das ciências sociais e da cultura acadêmica. Seus estudos sociológicos tiveram como principal motivação, além do estudo dos fatos, a própria comprovação da viabilidade da sociologia como ciência de caráter empírico, analítico, interpretativo e explicativo.

Cabe ressaltar que Durkheim concentra-se na especificidade do social, dando particular atenção à epistemologia, sinalizando com a perspectiva das teorias de médio alcance em vez das grandes narrativas, porque a novel ciência padecia da escassez de vastas pesquisas históricas.

No prefácio da obra O suicídio, Durkheimtraçaumperfildasociologiaedosociólogo,quaseumaplataformaepistemológicaemetodológica,afirmando:

Uma ciência tão recente tem o direito de errar e de tatear, contanto que tome consciência de seus erros para evitar que se repitam. A sociologia, portanto, não deve renunciar a nenhuma de suas ambições; por outro lado, se deseja

11 Theodor Ludwig Adorno Wiesengrund (1903-1969), filósofo e sociólogo alemão da Escola de Frankfurt [Assinava: Theodor W. Adorno].12 Zygmunt Bauman (1925-), sociólogo polonês.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012106

responder às esperanças que se colocaram nela, deve aspirar se tornar algo mais doqueumaformaoriginaldaliteraturafilosófica.Queosociólogo,emvezdese comprazer em meditações metafísicas a propósito das coisas sociais, tome como objetos de suas pesquisas grupos de fatos nitidamente circunscritos, que possam, de certo modo, ser apontados com o dedo, dos quais se possa dizer ondecomeçameondeterminam,eatenha-sefirmementeaeles!Queeletenhaocuidadodeinterrogarasdisciplinasauxiliares–história,etnografiaeestatística–, sem as quais a sociologia nada pode fazer! Se há algo que ele deve temer, é que, apesar de tudo, suas informações não tenham relação com a matéria que ele tenta abranger; pois, por maior que seja seu cuidado em delimitá-la, ela é tão rica e tão diversa que contém como que reservas inesgotáveis de imprevisto. Mas não importa. Se o sociólogo proceder desse modo, mesmo que seus inventários de fatos sejam incompletos e suas fórmulas muito restritas, ele pelo menos terá feito um trabalho útil a que o futuro dará continuidade. Pois concepções que têm alguma base objetiva não dependem estritamente da personalidade de seu autor. Elas têm algo de impessoal que faz com que outros possam retomá-las e continuá-las; elas são suscetíveis de transmissão. Assim, uma certa sequência tornou-sepossívelnotrabalhocientífico,eessacontinuidadeéacondiçãodoprogresso. (DURKHEIM, 2000, p.2-3)

Nomesmoprefácioelereafirmaqueo“métodosociológicobaseia-seinteiramenteno princípio fundamental de que os fatos sociais devem ser estudados como coisas, ouseja, realidadesexterioresao indivíduo. [...]Porfim,paraqueasociologiasejapossível, é preciso antes de mais nada que tenha um objeto, e que este objeto seja só dela” (ibid., p.5).

Durante muito tempo o pensamento funcionalista foi a tradição sociológica dominante. Entretanto, nas últimas décadas,

[...] a popularidade do funcionalismo começou a diminuir, à medida que suas limitações começaram a se tornar aparentes. Uma crítica comum ao funcionalismo é a de que ele enfatiza desnecessariamente fatores que conduzem à coesão social, àscustasdaquelesqueproduzemdivisãoeconflito.Oenfoquenaestabilidadeenaordemsignificaquedivisõesoudesigualdadesnasociedade–baseadasemfatores como classe, raça e gênero – estão minimizadas. Há igualmente menor ênfase no papel da ação criativa social dentro da sociedade. Tem parecido a muitos críticos que a análise funcional atribui às sociedades qualidades sociais que elas não possuem. Os funcionalistas frequentemente escreveram como se as sociedades tivessem “necessidades” e propósitos”, ainda que esses conceitos fizessem sentido somente quando aplicados a seres humanos individuais. (GIDDENS, 2005, p.35)

Em terceiro lugar, o paradigma epistemológico e metodológico legado por Weber, expresso nas teorias da ação, enfatiza a atenção na ação e na interação dos membros dasociedade,aocontráriodosfuncionalistasedefensoresdoconflitoquedestacam

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 107

as estruturas da sociedade.Segundoos últimos, são as estruturas que influenciamos comportamentos dos indivíduos e Weber entende que as ações e interações dos indivíduos formam aquelas estruturas. Para Giddens, a perspectiva weberiana considera que“opapeldasociologiaéabarcarosignificadodaaçãosocialedainteraçãomaisdoque explicar quais forças externas às pessoas induzem-nas a agir da forma que agem” (GIDDENS, 2005, p.35).

Uma das principais escolas que se formaram em torno deste paradigma é o interacionismo simbólico, cujoelemento-chaveéosímbolo.Giddensafirma:“Vistoque os seres humanos vivem num universo ricamente simbólico, virtualmente todas as interações entre indivíduos humanos envolvem uma troca de símbolos” (GIDDENS, 2005, p.36).

No início do século XXI, com toda a euforia da globalização e da sociedade humana globalizada – o encanto da pós-modernidade – sociólogos e pensadores sociais buscam resgatar o conceito weberiano do desencantamento, processo a se concretizar com a ciclicidade das crises do capitalismo. Mesmo que a racionalidade vinculada ao desenvolvimento do capitalismo, processo apontado por Weber, tenha se transformado em razão técnica instrumental em prol do capitalismo, viabiliza-se um processocivilizatóriodamodernidade.Oesforçoweberianoemidentificarasinter-relações econômicas, religiosas e políticas nas antigas sociedades, no feudalismo e no capitalismo revela a opção por uma metodologia orientada pelo tipo ideal, o qual permite desvelar mais aspectos qualitativos do que quantitativos do objeto empírico em foco. Cabe ressaltar que a caracterização do tipo ideal é uma construção mental, existente no plano das ideias sobre a realidade e não na própria realidade. Por isso, segundo Weber, as características devem ser “exageradas”, apoiado no pressuposto de que “a realidade social só pode ser conhecida quando aqueles traços” interessam ao pesquisador, permitindo a clara formulação das relevantes questões “sobre as relações entre os fenômenos observados” (COHN, 1997, p.8).

O tipo ideal é, portanto, um recurso metodológico heurístico de análise histórico-social que orienta o cientista ao

[...] interior da inesgotável variedade de determinados traços da realidade – por exemplo,aquelesquepermitamcaracterizaracondutadoburocrataprofissionale a organização em que ele atua – até concebê-los na sua expressão mais pura e consequente, que jamais se apresenta assim nas situações efetivamente observáveis. (COHN, 1997, p.8)

Este recurso metodológico permite diferenciar a ordem histórica da ordem social, construindoaperspectivahistoriográficaeasociológica,ambascarasaWeber.Emseusestudoseanálisesdarealidade,Webervoltavasuaatençãosobrea“configuraçãohistórica em que vivia”, tendo como referência concreta “o Estado nacional e, mais especificamente,aAlemanhadesuaépoca”(COHN,1997,p.16).Apartirdestapostura,

Opinio, n.29, jul./dez. 2012108

sugere-seavalidadeeaconfiabilidadedométodoparaasanálisesaseremprocedidasdoscontextos atuais, sem se sujeitar à querela de oposição entre o método dito quantitativo e o método dito qualitativo, como propõe Bourdieu.

Nesta perspectiva está em construção um consenso de que ambas as metodologias não se excluem e que não se pode mais manter paradigmas reducionistas e paralelos, embora haja divergências e antagonismos quanto aos procedimentos. Para Santos (2009), a tendência é articular as duas metodologias e hibridá-las na construção de um novo paradigma, ou seja, o paradigma quanti-qualitativo. Para tanto, a superação das barreiras,historicamenteconstruídas,pareceserumgrandedesafio.TambémTouraine(2006) entende que deva ser construído um novo paradigma para compreender o mundo e a sociedade globalizada.

Porfim,acredita-sequeoobjetivopropostoparaeste texto– traçaralgumasponderações sobre o paradigma epistemológico da reconhecida tríade de clássicos, tidos por fundadores da sociologia – tenha sido relativamente atingido; por outro lado, muitas das questões não abordadas, em especial dos pensadores que desdobraram a concepção seminal dos clássicos durante o século XX e na passagem para o século XXI, são temas em aberto.

REFERÊNCIAS ALEXANDER, Jeffrey C. A importância dos clássicos. In: GIDDENS, Anthony; TURNER, Jonathan. Teoria social hoje. São Paulo: UNESP, 1999, p.23-89.ARON, Raymond. O marxismo de Marx. 3.ed. São Paulo: ARX, 2005.BHASKAR, Roy. Dialética. In: BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p.101-106. BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.BOURDIEU, Pierre ; CHAMBOREDON, Jean-Claude, PASSERON, Jean-Claude. 5.ed. Ofício de sociólogo: metodologia da pesquisa social. Petrópolis/RJ: Vozes, 2005.COHN, Gabriel. Introdução. In: COHN, Gabriel (Org.). Weber. São Paulo: Ática, 1997, Vol. 13. FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia. p.5-34.DURKHEIM, Émile. O suicídio. São Paulo: Martins Fontes, 2000.______. Divisões da sociologia: as ciências sociais particulares. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999a. Vol.1: FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia. p.41-45.______. O que é o fato social? In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999b. Vol.1: FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia. p.46-52.______. Julgamentos de valor e julgamentos de realidade. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999c. Vol.1: FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia. p.53-62.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 109

______. Método para determinar a função da divisão do trabalho. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999d. Vol.1: FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia. p.63-70.______. Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. In: RODRIGUES, José Albertino (org.). Durkheim. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999e. Vol.1: FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia. p.73-84.______. Preponderância progressiva da solidariedade orgânica. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999f. Vol.1: FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia. p.85-96.______. Divisão do trabalho anômico. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999g. Vol.1: FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia. p.97-102.______. Suicídio e suas formas. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999h. Vol.1: FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia. p.103-143.______. Sociedade como fonte do pensamento lógico. In: RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999i. Vol.1: FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia. p.166-182.______.Algumasformasprimitivasdeclassificação.In:RODRIGUES,JoséAlbertino(Org.). Durkheim. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999j. Vol.1: FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia. p.183-203.EDGLEY,Roy.Filosofia.In:BOTTOMORE,Tometal. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001; p.152-156.GIDDENS, Anthony. As consequências da Modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991.______. Sociologia. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.IANNI, Octávio (Org.). Karl Marx. São Paulo: Ática, 1996.LEVINE, Donald. Visões da tradição sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.LÖWY, Michael. A teoria da revolução no jovem Marx. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 8.ed. São Paulo: HUCITEC, 1991.______. O manifesto do partido comunista. Porto Alegre: L&PM, 2001.MARX, Karl. Prefácio da contribuição à crítica da economia política. In: IANNI, Octávio (Org.). Karl Marx. São Paulo: Ática, 1996, p.82-83.MÉZÁROS, István. Para além do capital. São Paulo: BoiTempo Editorial; Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2002. NASCIMENTO, Rodnei. Apresentação. In: LÖWY, Michael. A teoria da revolução no jovem Marx. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002, p.9-14.RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. 9.ed. São Paulo: Ática, 1999. Vol.1: FERNANDES, Florestan (Coord.). Grandes cientistas sociais. Coleção Sociologia, p.5-38.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012110

SANTOS, Tânia Steren dos. Do artesanato intelectual ao contexto virtual: ferramentas metodológicas para a pesquisa social. Sociologias, Porto Alegre, ano 11, n.21, jan./jun. 2009, p.120-156. Disponível: http://www.scielo.br/pdf/soc/n22/n22a07.pdfTOURAINE, Alain. Um novo paradigma: para compreender o mundo de hoje. Petrópolis/RJ: Vozes, 2006.TRAGTENBERG, Maurício. Atualidade de Max Weber. In: WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992, p.XII-L.WEBER, Max. A objetividade do conhecimento na ciência social e na ciência política. In: Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992, p.107-154.______. Economia e sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva. 3.ed. Vol.1:Brasília: Editora UNB, 1994.______. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Opinio Canoas n.29 p.111-122 jul./dez. 2012

A inserção e a gestão do trabalho de pessoas com deficiência da empresa

AES Sul – Centro-OesteAna Paula Dutra Garcia

Adriana Porto Gilmar Luiz Colombelli

Cláudia de Freitas Michelin

RESUMOO objetivo desta pesquisa foi analisar as possíveis relações entre as formas como os gestores

fazemainclusãodepessoascomdeficiênciafísica,aadequaçãodascondiçõesdetrabalhoeasatisfação destas frente aos aspectos relevantes para a manutenção da qualidade de vida no trabalho. A pesquisa foi realizada na empresa AES Sul – Centro-Oeste, distribuidora multinacional de energia elétrica,sendoentrevistadosdoisgestoresecincocolaboradorescomdeficiência.Atécnicadecoleta de dados utilizada foi a entrevista semiestruturada. Como resultados, conseguiu-se elaborar um quadro com a apresentação dos pontos relevantes da pesquisa, destacando-se que: a maioria doscolaboradoresdeficientessente-semotivadaparatrabalharnaorganizaçãoobservando-se,noentanto,grandesdificuldadesdeacessibilidadeedeadequaçãodosmeiosdelocomoçõesparaosmesmos.Verificou-se,também,queaorganizaçãopesquisadatemumaestruturasólidareferenteàinserçãoegestãodepessoascomdeficiênciatendocomopontoprincipaldemelhoriaareavaliaçãoda adequação e acessibilidade aos prédios, o que permitirá incluir cadeirantes nas cotas de vagas paradeficientes,bemcomopermitiráomelhoracessoparaaspessoasdeficientesquejáestãoinseridas na organização.

Palavras-chave: Pessoascomdeficiência.Gestãodotrabalhoparadeficientes.Inserçãododeficientenaorganização.

The insertion and the management of the labor of the handicapped of the company AES Sul – Center West

ABSTRACTThe aim of this research was to analyze possible relations between the ways administrators

include people with special needs, the adaptation to work conditions, and their satisfaction compared to those relevant aspects for the maintenance of quality of life at work. The research has been

Ana Paula Dutra Garcia é bacharel em Administração pela ULBRA Cachoeira do Sul/RS. E-mail: [email protected] Adriana Porto é professora mestre do curso de Administração da ULBRA Cachoeira do Sul/RS. E-mail: [email protected] Gilmar L. Colombelli é professor mestre do curso de Administração da ULBRA Cachoeira do Sul/RS. E-mail: gilmarcolombelli@gmailCláudia de F. Michelin é professora mestre do curso de Administração da ULBRA Cachoeira do Sul/RS. E-mail: [email protected]

Opinio, n.29, jul./dez. 2012112

carriedoutatAESSul–Midwest,amultinationalelectricityplant,andtwoadministratorsandfiveemployees with special needs have been interviewed. The methodology of data collection was a semi structured interview. As results, it was possible to elaborate a table where it was possible to check the relevant points of the research, highlighting that: the majority of disabled employees feel motivatedtoworkintheorganization.However,therearegreatdifficultiesintheaccessibilityandinthe adequacy of their moving means. It was also possible to notice that the researched organization has a solid structure in relation to the insertion and administration of people with special needs having as a main point of improvement the reassessment of adequacy and accessibility to buildings which will enable to include people on wheelchairs in the vacancies for people with special needs, as well as permit a better access for disabled people who are already inserted in the organization.

Keywords: People with special needs. Administration of work for people with special needs. Insertion of people with special needs in the organization.

1 INTRODUÇÃOA estrutura das sociedades, desde os seus primórdios, sempre inabilitou os

portadores de deficiência,marginalizando-os e privando-os de liberdade. Essaspessoas, sem respeito, sem atendimento, sem direitos, sempre foram alvo de atitudes preconceituosas e ações impiedosas.

Quando se fala em igualdade entre pessoas de uma mesma sociedade ou quando se observa o art. 5º da nossa Constituição Federal, logo se imagina a igualdade em um sentido ideal. Entretanto, acaba-se questionando: realmente todos são iguais perante a lei?Tambémsequestionaaeficáciadaleitantoparahomensquantoparamulheres,paraadultos e para crianças, para jovens e para idosos, para pessoas físicas e mentalmente intituladascomo“normais”eparaaspessoasdeficiente.

Ainclusãodapessoacomdeficiêncianocontextodotrabalhoéumtemaquevemfazendo parte das discussões relativas à área de Educação Especial, porém a preocupação com essa questão atualmente estende-se para o meio empresarial, principalmente a partirdaaprovaçãodeleisespecíficasquetentamassegurarodireitodeparticipaçãodosdeficientesnasaçõeslaboraisdasorganizações.

Mesmocomapromulgaçãodessasleis,aoportunidadeparaaspessoasdeficientes,de ter acesso ao mercado de trabalho, ainda caminha a passos lentos, restringindo-se aos números advindos do cumprimento, por parte das empresas, do número de cotas definidaslegalmentetomandoimpulso,muitasvezes,apartirdasaçõesdefiscalizaçãorealizadas pelo Ministério Público do Trabalho – MPT, vista imputação de punições às empresas que não cumprem os preceitos da legislação. Por tal motivo, surge o interesse em desenvolver este estudo, baseando-se no caso de uma empresa em relação aoprocessodeinclusãodepessoascomdeficiênciaegestãodetalprocesso.

EstapesquisatemcomofinalidadeidentificarnaempresaAESSul–Centro-Oesteaformadeinserçãoegestãodotrabalhodoscolaboradoresdeficientes,considerandoaperspectivadosgestoresedosfuncionáriosquepossuemdeficiência.Especificamentebuscou-se identificar os aspectos relevantes da inclusão e gestão do trabalho dosdeficientes,reconhecendoalegislaçãovigente;levantardadosjuntoaoscoordenadores

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 113

e colaboradores da empresa AES Sul – Centro-Oeste em relação à inclusão e gestão dotrabalhodosdeficientes;descreverospontosfortesepontosfracosemrelaçãoàinclusãoegestãodotrabalhodosdeficientes;eproporalternativasdenovasformasdeinclusãoegestãodotrabalhoparadeficientes.

2 DEFICIÊNCIAConformeCarmo(1991)otermodeficiência,quecorrespondeaoinglêsdisability

e ao espanhol discapacidad refere-se a todo segmento independentemente do tipo de sequelaoucaracterísticadadeficiência.Sendoassim,osmembrosdeumasociedadeque apresentem alguma forma de “anormalidade” ou de “diferenciação” perante aos demais, quer no domínio cognitivo, afetivo ou motor, tem sido objeto de atenção de profissionaisquebuscamodesenvolvimentodeaçõesefetivasdeintegraçãodepessoasdesta forma designadas em seus meios sociais e econômicos.

Considerando a priorização de ações inclusivas de pessoas deficientes nosambiente econômicos, percebe-se que uma das maiores conquistas contemporâneas napropostadeinclusãodapessoacomdeficiênciaestárelacionadacomomundodotrabalho, já que o indivíduo passa a ser compreendido, incondicionalmente, como ser humano capaz de produzir e cooperar para a geração de valor nas organizações (ROCHA; FRITSCH, 2002).

Neste sentido, os meios legais foram fortes impulsionadores no processo de inclusãodedeficientesnoambientelaborale,semapretensãodeentraremdiscussõessobreoméritodaimposição,pode-severificaraimportânciaeopapelvitalsobreumanova ordem nas relações de trabalho.

2.1 Legislação que regula o trabalho dos deficientesA legislação estabeleceu a obrigatoriedade de empresas com cem (100) ou mais

empregadospreencheremumaparceladeseuscargoscompessoasdeficientes.Areservalegal de cargos é também conhecida como Lei de Cotas (art. 93 da Lei nº 8.213/91). A cota depende do número geral de empregados que a empresa tem no seu quadro, na seguinte proporção, conforme estabelece o art. 93 da Lei nº 8.213/91:

I – de 100 a 200 empregados, cota de 2% dos colaboradores;

II – de 201 a 500, cota de 3% dos colaboradores;

III – de 501 a 1.000, cota de 4% dos colaboradores;

IV – de 1.001 em diante, cota de 5% dos colaboradores.

Acondiçãodepessoacomdeficiência,porsuavez,podesercomprovadapormeio de laudo médico, emitido por médico do trabalho da empresa ou outro médico que ateste enquadramento legal do(a) empregado(a) como integrante da cota, de acordo

Opinio, n.29, jul./dez. 2012114

comasdefiniçõesestabelecidasnaConvençãonº159daOIT,ParteI,art.1;Decretonº3.298/99, arts. 3º e 4º, com as alterações dadas pelo art. 70 do Decreto nº 5.296/04.

A lei 7.853 de 24/10/1989, promulgada em 1989 e regulamentada pelo Decreto 3.298 de 20/12/1999, dispõe sobre a política nacional para integração das Pessoas PortadorasdeDeficiência(PPD).JáaLei8213/91(BRASIL,1991)apresenta-secomofacilitadoraàparticipaçãodaspessoascomdeficiêncianomercadoformaldetrabalho,pois garante reserva de mercado e obriga as empresas à contratação, além de prever a nãoexigênciadeexperiênciaprofissionaleidadeparaacontratação.

A Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, em seu art. 8º, de acordo com a conduta discriminatóriaemrelaçãoàspessoascomdeficiência,tipificoucomocrimepunívelcom reclusão de um a quatro anos e multa:

- obstar, sem justa causa, o acesso de alguém a qualquer cargo público, por motivosderivadosdesuadeficiência;

- negar,semjustacausa,aalguém,pormotivosderivadosdesuadeficiência,emprego ou trabalho.

Aempresa,aonegarempregooutrabalhoaumapessoaportadoradedeficiência,deveexplicarseuato,devendosuajustificativaestarfundadaemrazõesdenaturezatécnica,enãosubjetiva.Assim,nãobastamjustificativasvagasegenéricascomoadequeocandidatonãoseenquadranoperfildaempresa(FEBRABAN,2006).Amultaéa prevista no art. 133 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, calculada na proporção estabelecida pela Portaria nº 1.199, de 28 de outubro de 2003.

3 GESTÃO DO TRABALHO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIAAo incentivar a inserção no mercado de trabalho desse grupo de pessoas excluídas,

a imposição legal objetiva assegurar o direito à isonomia e aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana.

A noção de acessibilidade ao trabalho envolve duas categorias, uma física, ligada à eliminação de barreiras arquitetônicas, ou seja, de todas as estruturas físicas que separem odeficientedoambientedetrabalho,comoporexemploescadas,aoinvésderampasde acesso, ou transporte oferecido pela empresa que não comporte o deslocamento do cadeirante; e outra jurídica, ligada a inclusão no mercado de trabalho propriamente dito que, nos termos do art. 35 do Decreto nº 3.298/99, será feita por três formas distintas: a) colocação competitiva; b) colocação seletiva; e c) promoção do trabalho por conta própria. A empresa deverá disponibilizar todos os meios para minimizar ou excluir todas asbarreirasqueimpeçamaperfeitacomunicaçãodostrabalhadorescomdeficiência.

Aequipequeefetuaaseleçãodoempregadocomdeficiênciadeveestarpreparadapara viabilizar a contratação desse segmento. Principalmente, precisa ter claro que as exigências a serem feitas devem estar adequadas às peculiaridades que caracterizam as

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 115

pessoascomdeficiência.Seissonãoocorrer,vaiserexigidoumperfildecandidatosemqualquer tipo de restrição, o que acaba por inviabilizar a contratação dessas pessoas.

Oscandidatos a empregocomdeficiênciapodemser encontradosnospostosdo Sistema Nacional de Empregos (SINE) que mantêm cadastro de candidatos com deficiênciaparainserçãonomercadodetrabalho.OsreabilitadospodemserencontradosnosCentroseUnidadesTécnicasdeReabilitaçãoProfissionaldoInstitutoNacionaldo Seguro Social (INSS).

Não há nenhuma regra especial quanto à assinatura da CTPS e à formalização do contratodetrabalhocomumapessoacomdeficiência,aplicando-seasnormasgeraisdaCLT(ConsolidaçãodasLeisdoTrabalho).Apessoacomdeficiênciapodeterumhorárioflexívelereduzido,comproporcionalidadedesalário,quandotaisprocedimentosforemnecessáriosemrazãodoseugraudedeficiêncianosentidodeatender,porexemplo,a necessidades especiais, como locomoção, tratamento médico, etc. (art. 35, § 2º, do Decreto nº 3.298/99).

Não há previsibilidade legal de estabilidade para o empregado portador de deficiência.Noentanto,paragarantirareservadecargosparaapessoadeficiente,adispensadeempregadocomdeficiênciaoureabilitado,quandosetratardecontratoporprazo determinado, superior a 90 dias, e a dispensa imotivada, no contrato por prazo indeterminado, somente poderá ocorrer após a contratação de substituto em condições semelhantes.Ademissãodeumapessoacomdeficiênciaensejaráacontrataçãodeoutrapessoacomdeficiência.Essaregradeveserobservadaenquantoaempresanãotenhaatingido o percentual mínimo legal. Fora desse requisito, valem as regras gerais que disciplinam a rescisão do contrato de trabalho (art. 93, § 1º, da Lei nº 8.213/91).

3.1 Gestores auxiliando no desenvolvimento do deficiente Para coibir qualquer tipo de discriminação, a empresa deve manter em seu

ordenamento interno normas sobre o tratamento a ser dispensado aos empregados portadoresdedeficiência,comoobjetivodereprimirtodaformadediscriminação.Nos estabelecimentos de ensino, essa previsão é uma imposição legal (art. 24, inciso III, do Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004).

Para a integraçãodo empregado comdeficiência no ambiente de trabalho, éimportante que a empresa desenvolva um processo de acompanhamento do empregado comdeficiênciavisandoàsuaintegraçãocomoscolegasechefiaesuaadaptaçãoàsrotinasdetrabalho.Respeitaroslimitesepeculiaridadesnãosignificaquenãosejaexigidodo empregado comdeficiênciao cumprimentodas obrigaçõespróprias docontrato de trabalho (art. 5º, III, do Decreto nº 3.298/99).

Opinio, n.29, jul./dez. 2012116

4 MÉTODO DE PESQUISAEste trabalho caracteriza-se por uma pesquisa qualitativa, identificada pelo

aspecto subjetivo e interpretativo dos dados obtidos. Quanto aos objetivos, refere-se a uma pesquisa descritiva, que, segundo Gil (2002), tem como objetivo descrever as características de determinado grupo e o estabelecimento de relações entre as variáveis. Como método de pesquisa utilizou-se o estudo de caso.

Para tal trabalho, pesquisaram-se dois gestores da empresa AES Sul – Centro-Oesteecincocolaboradorescomdeficiênciasubordinadosaeles.SegundoGil(2002)a determinação do sujeito da pesquisa é uma tarefa de fundamental importância, visto que a pesquisa tem por objetivo generalizar os resultados obtidos para a população da qual os sujeitos pesquisados constituem uma amostra. Esta pesquisa foi executada com dados coletados através de entrevista semiestruturada. Para a análise de dados, utilizou-se a metodologia de análise de conteúdo proposta por Bardin (2004).

5 ANÁLISE DOS DADOS OBTIDOSOsresultadosdapesquisafundamentaram-senasseguintesvariáveis:deficiência,

gestãodotrabalhoparadeficienteseainserçãododeficientenaorganização.

O Quadro 01 demonstra os resultados obtidos através das entrevistas com os Gestores,aquidenominadosdeAeBparamanteraconfidencialidade.

Através da análise realizada a partir das entrevistas junto aos gestores A e B foram constatados vários pontos de percepção em comuns entre eles, como por exemplo o gestor A e o gestor B relatam que a empresa não proporciona cursos para quedesenvolvamcompetênciasparaagestãodepessoascomdeficiência,entretanto,ponderam que a empresa disponibiliza total apoio caso seja necessário.

QUADRO 1 – Síntese dos resultados obtidos na pesquisa com os gestores.

Variáveis Gestor A Gestor B

Deficiência • Colaboradores com deficiência nos membros superiores;

• A organização não tem restrições a nenhum tipo de deficiência para contratação;

• A organização não tem acessibilidade a todos os locais dos prédios;

• A restrição a cadeirantes ocorre pela falta de acesso.

• Colaboradores com deficiência motora e nanismo;

• A organização não tem restrições a nenhum tipo de deficiência para contratação;

• Há uma procura muito grande da organização para inserir pessoas com deficiência no seu grupo;

• Deve-se ocorrer uma adaptação para necessidade que estes deficientes possuam, como novas instalações para cadeirantes.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 117

Variáveis Gestor A Gestor B

Gestão do Trabalho para Deficiente

• Não recebem capacitação diferenciada para a gestão de pessoas com deficiência;

• A empresa disponibiliza um apoio para todos os gestores caso necessitem de ajuda;

• Colaboradores deficientes não viajam sozinhos porque a empresa não possui veículos adaptados;

• Nas atividades de dentro do escritório os colaboradores com deficiência não têm diferenciação nenhuma dos demais nas atividades;

• O feedback é igual para todos os colaboradores;

• No início, alguns colaboradores foram contratados espontaneamente, pois já eram funcionários de empresas terceirizadas, e os demais foram em questão da política de cotas.

• Não recebe nenhuma capacitação diferenciada para a gestão de pessoas com deficiência;

• O planejamento para execução das metas é igual para todos os colaboradores, com igualdade em todas as tarefas;

• Caso o colaborador com deficiência tenha dificuldades em acompanhar alguma tarefa, analisa-se o processo;

• A diferenciação acontece apenas no momento de carregar alguma caixa de arquivo e na locomoção para áreas externas, pois necessitam de companhia para dirigir os veículos da empresa.

• Para a inclusão de uma pessoa com deficiência, primeiramente é pesquisado em órgãos responsáveis pela seleção dos currículos, SENAI, CIEE.

Inserção do Deficiente na Organização

• O quesito para a inserção das pessoas com deficiência vai depender do cargo que ela vai ocupar na empresa, sendo que irá concorrer apenas com pessoas com deficiência também.

• Já ocorreu de não poderem contratar um cadeirante em uma seleção somente pela falta de acesso.

• A dificuldade é encontrar alguém que tenha um grau de instrução mais elevado, como um ensino médio completo, ou superior incompleto, para poder ocupar cargos administrativos;

• Com a política de cotas ele está de acordo, pois se não tivesse este procedimento não seriam inseridas tantas pessoas no mercado de trabalho.

Fonte: Pesquisa.

Os dois gestores informam que, em relação à acessibilidade, a empresa não pode contratar pessoas cadeirantes devido a não ter o acesso ao prédio, o que os impede de incluir essas pessoas nas seleções.

Nadefinição,distribuiçõesecobrançasdetarefasemetas,informamquenãohádiferenciaçãoparaaspessoascomdeficiência;estassãotratadasigualmenteaosdemais colaboradores. O feedback e os trabalhos de motivação são realizados sem distinçãoaosdeficientes.

Os dois gestores concordam com a política de cotas, mas consideram que o governodeveprepararaspessoascomdeficiênciaparaqueingressemnomercadodetrabalho com um grau de escolaridade mais avançado, facilitando a contratação pelas empresas.

Os quadros 02 e 03 demonstram os resultados da pesquisa com os colaboradores A, B, C, D e E. Em seguida, apresenta-se uma síntese comparativa entre eles.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012118

QUADRO 2 – Síntese dos resultados obtidos na pesquisa com os colaboradores A e B.

Variáveis Colaborador A Colaborador B

Deficiência • Feminino, 25 anos, formada em Administração de empresas;

• Amputação da mão direita;• Não tem dificuldades de locomoção;• Não necessita de nenhuma adaptação

para trabalhar.

• Masculino, 24 anos, cursando faculdade de Direito;

• Deficiência física no membro superior direito;

• Tem acesso a todas as áreas da empresa;

• Não necessita de adaptação especial para trabalhar.

Gestão do Trabalho para Deficientes

• Gestor está apto para exercer o papel de gestão;

• Nunca teve discriminação pela sua deficiência;

• Recebe o auxílio financeiro para deficientes que a empresa fornece;

• O feedback é feito igual para todos os colaboradores;

• Sente-se motivada para trabalhar na organização;

• Consegue atingir todas as metas propostas a ela.

• Gestor atende todas as suas necessidades;

• Não teve nenhuma discriminação pela sua deficiência;

• Todos trabalham em grupo, sem restrições e ajudam sempre que solicitado;

• Realiza todas as tarefas solicitadas;• Carga horária e salários são iguais aos

demais colaboradores;• Recebe o auxílio financeiro para

deficientes;• Às vezes sente-se motivado para

trabalhar.

Inserção do Deficiente na Organização

• Acha o processo de inserção correto, mas ainda não absorve todos os tipos de deficientes;

• Não contratam cadeirantes pela falta de acesso;

• Antes de trabalhar na empresa era estagiária da Receita Federal;

• Trabalha há dois anos e seis meses na empresa;

• Acha correta a política de cotas;• Seu círculo de amizades aumentou

bastante, pois convive com vários colegas fora do horário de serviço também.

• O processo de inserção é correto;• Uma pessoa que já trabalhava na

empresa lhe informou a vaga;• Trabalha na empresa há um ano e

quatro meses;• Acha correto a política de cotas, pois

teve muita dificuldade para ingressar no mercado de trabalho;

• Antes de trabalhar na empresa dava aula de xadrez;

O convívio com seus amigos diminuiu devido à falta de tempo.

QUADRO 3 – Síntese dos resultados obtidos na pesquisa com os colaboradores A e B.

Variáveis Colaborador C Colaborador D Colaborador E

Deficiência • Masculino, 34 anos, formado em Ciências Contábeis;

• Sequela de uma poliomielite, neuropatia aguda;

• Tem dificuldades de acesso para subir as escadas do estacionamento para o prédio;

• Feminino, 35 anos, cursando faculdade de Direito;

• Não têm acesso às tomadas de luz;

• Necessita de um teclado menor e suporte para as pernas embaixo da mesa.

• Masculino, 52 anos, formado em Administração de Empresas;

• Sequela no braço direito, paralisia infantil;

• Tem acesso a todos os locais na empresa;

• Não necessita de adaptação.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 119

Variáveis Colaborador C Colaborador D Colaborador E

Gestão do Trabalho para Deficientes

• Seu gestor exerce bem a sua função;

• Não teve nenhuma discriminação;

• Trabalha há dez anos na empresa;

• Já percebeu restrições para colocá-lo em alguma tarefa;

• Feedback é igual para todos;

• Seu gestor atende às suas necessidades;

• Feedback e avaliações são iguais para todos;

• Dificuldade para realizar tarefas na impressora;

• A empresa não tem acesso para cadeirante;

• A motivação vai depender de seu problema, ela é bipolar;

• A gestão não é diferente das dos demais colaboradores;

• Nunca teve discriminação;

• Metas e feedback são iguais para todos;

• Sente-se muito motivado para trabalhar na empresa;

• Consegue atingir todas as metas propostas;

Inserção do Deficiente na Organização

• A inserção é correta e de forma bem natural;

• Já se sentiu excluído pela sua deficiência;

• Soube da vaga pela sua coordenadora da faculdade.

• A inserção foi complicada devido a um colega que não queria sua inserção;

• Trabalha há 11 anos na empresa;

• Acha correto a lei de cotas, apenas devem inserir mais deficiências.

• Quando ingressou não tinha processo de inclusão elaborado;

• Trabalha na empresa há 12 anos;

• Ficou sabendo da vaga por uma colaboradora da empresa.

Fonte: Pesquisa.

Através da análise realizada a partir das entrevistas junto aos colaboradores A, B, C, D e E constatam-se pontos comuns entre eles.

Todosrecebemoauxíliofinanceiroparapessoascomdeficiênciaqueaempresafornece. Em relação à escolaridade, todos têm um elevado nível de educação; três possuem curso superior completo e dois estão cursando o ensino superior.

Os cinco colaboradores já exerciam outras atividades antes de ingressar na organização, trabalhavam em outras empresas ou faziam estágios, eram autônomos, trabalhando como vendedores ambulantes, professores particulares ou proprietários de negócios.

Os cinco colaboradores também consideram que os seus gestores exercem perfeitamente suas atividades, atendem suas expectativas e são gestores competentes, cumprem as metas, apoiam a equipe e mantêm os processos em ordem na organização.

Emrelaçãoàdiscriminaçãoepreconceito,oscincocolaboradoresafirmamquenunca enfrentaram este problema dentro da organização. São tratados iguais aos demais colaboradores, sem restrição nenhuma e sempre que precisam de apoio recebem ajuda doscolegas.Todoselestambémafirmamatingirasmetaspropostaspelosseusgestores,trazendo assim resultados produtivos para a organização.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012120

Os colaboradores consideram adequado o processo de reserva de cotas, pois todosrelataramenfrentardificuldadeparaconseguirumavaganomercadodetrabalhoconcorrendocompessoasquenãopossuemdeficiência.

Todos os colaboradores citam como ponto negativo da empresa a falta de acesso paradeficientescadeirantes,poispessoasqualificadascomgrandespotenciaisparagerar bons resultados para a organização são eliminados nas seleções apenas pela falta deacesso.Relatamtambémdificuldadesdeacessibilidadenaorganização,tantonasinstalações do prédio quanto nas atividades exercidas no dia a dia, como acesso às impressoras, tomadas de luz, acesso da área interna para a área externa da organização eadificuldadedelocomoçãotambémnasviagensparareuniões.

Em relação à motivação, dos cinco colaboradores entrevistados, um colaborador relata que não se sente totalmente motivado para trabalhar na empresa devido a sua doença de bipolaridade. Os outros quatro consideram-se motivados com o trabalho na organização.

5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕESNo que diz respeito às restrições dos gestores no momento da contratação,

verificou-se que a empresa não impõe restrições a nenhum tipo de deficiência;entretanto, como não tem instalada infraestrutura para acessibilidade, acaba excluindo doprocessodeseleçãoalgunscandidatoscadeirantes.Tambémdificultaalocomoçãodos funcionários portadores de necessidades especiais dentro da organização.

Uma recomendação interessante seria a disponibilidade de veículos adaptados para osdeficientes,poisacolaboradoraAtemhabilitaçãoparadirigirveículosadaptados.

No que se refere à política de cotas, e tendo a obrigatoriedade de contratação devido à lei de cotas, a organização está implantando um programa de capacitação depessoascomdeficiêncianaempresa.Osgestoresrelataramquehádificuldadedeencontrar pessoas com os requisitos necessários para os cargos. Assim, a organização irá ofereceraosdeficientescursosprofissionalizantescomoobjetivodedesenvolvimentode conhecimentos e habilidades necessários à realização das tarefas.

Conclui-se que os colaboradores entrevistados estão motivados. Eles são considerados iguais, em todos os sentidos, aos demais colaboradores, recebem um feedback positivo e cumprem as metas propostas pelos gestores com grande sucesso.

Analisando o cenário encontrado na organização, pode-se concluir que a empresa possuiumaboapolíticadecontratação,qualificação,treinamentoegestãodepessoascomdeficiência.

Sugere-se,aofinal,amelhoriadasinstalações(infraestrutura)deacessibilidadeemtoda a organização, tanto para o processo de seleção quanto para acesso à empresa e áreas decirculaçãointerna,evitandolimitareprivaroscolaboradorescomdeficiência.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 121

REFERÊNCIASBARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 3.ed. Lisboa/Portugal: Edições 70, 1998/2004.BIANCHETTI, Lucídio; FREIRE, Ida. Maria. Um olhar sobre a diferença: interação, trabalho e cidadania. São Paulo: Papirus, 1998.CAMARGO, Duílio Antero de Camargo; NEVES, Sergio Nolasco Hora das. Transtornos mentais, saúde mental e trabalho. In: GUIMARÃES, L. A. M; GRUBITS, S. (Eds.). Série Saúde Mental e Trabalho. (Vol. 3, PP 23-42). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.CARMO, Apolônio Abadio do. Deficiência física: a sociedade brasileira cria, “recupera” e discrimina. Brasília: Secretaria dos Desportos/PR, 1991.CARREIRA, Dorival. A integração da pessoa deficiente no mercado de trabalho. EAESP-FGV. São Paulo, 1992.CARVALHO-FREITAS, Maria Nivalda de; MARQUES, Antônio. Luiz. Construção e validação de instrumentos de avaliação da diversidade: a inserção no mercado de trabalhodepessoacomdeficiência.In:Encontro da ANPAD (ENANPAD), Salvador, 2006.CONADE. Deficientes em ação. Acessado em: 22 mar. 2011 em: http://www.deficientesemacao.com/acessibilidade/1559-campanha-do-conade-ressalta-a-importancia-da-acessibilidadeFEBRABAN, Federação Brasileira de Bancos. Acessado 27 abr. 2011 em: http://www.febraban.org.br/Arquivo/Cartilha/Cartilha_Gestao.pdfFISCHER, André Luiz. Um resgate conceitual e histórico dos modelos de gestão de pessoas. In: FLEURY, M. (Org.). As pessoas na organização. São Paulo: Gente, 2002.GIL, Antônio Carlos. Projetos de pesquisa. Como elaborar. São Paulo: Atlas, 2002.GIL, Marta. O que as empresas podem fazer pela inclusão das pessoas com deficiência. São Paulo: Instituto Ethos, 2002.GIMENES, Antônia Maria; BENVENHO Silvia Helena. A inclusão do deficiente no mercado de trabalho. Acessado 17 abr. 2011 em: http://www.faculdadeintegrado.com.br/revista/arquivos/arq-idvol_12_1295382099.pdfLIMA, M. E. A.; BRESCIA, M. F. Q. O trabalho como recurso terapêutico. In: GOULART, I. B. (Ed.). Psicologia organizacional e do trabalho: teoria, pesquisa e temas. São Paulo: Casa do Psicólogo, Correlatos, 2002. MARQUES, Carlos Alberto. Integração: uma via de mão dupla na cultura e na sociedade. São Paulo: Memnon, 1997.MONTAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? Por que é? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.MTE. Inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho 2.ed. Brasília: SIT, 2007.SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012122

SASSAKI, Romeu Kazumi. Vida independente: história, movimento, liderança, conceito, reabilitação, emprego e terminologia. São Paulo. Revista Internacional de Reabilitação, 2003.SOMBRA, Luzimar Alvino. Educação e integração profissional de pessoas excepcionais, análise da Legislação. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro (Dissertação, Mestrado), 1983.

Opinio Canoas n.29 p.123-142 jul./dez. 2012

Microempreendedor individual: um estudo sobre os impactos percebidos

a partir da formalizaçãoMichele Gonçalves de Oliveira

Adriana Porto Gilmar Luiz Colombelli

Cláudia de Freitas Michelin

RESUMOPara formalizar milhões de autônomos que operam na informalidade no Brasil, o governo

sancionouaLeiComplementar128/2008criandoafiguradoMEI(microempreendedorindividual),incluindo uma nova modalidade de empreendedorismo menos burocratizada. O objetivo principal da pesquisafoiodeidentificaraspercepçõesdosMicroempreendedoresIndividuaisdoMunicípiodeCachoeiradoSul/RS,peranteaosimpactosprovenientesdesualegalizaçãocomoprofissionais,tantonosâmbitospessoalcomoprofissional,baseadonaLeiComplementarno.128/2008.Foirealizadaumapesquisa de abordagem qualitativa com cinco MEIs deste município, utilizando-se de uma entrevista semiestruturada como instrumento. A partir dos levantamentos e análises realizados concluiu-se que as percepções dos entrevistados em relação aos impactos advindos da formalização foram em sua maioria positivos, pois puderam realizar o sonho de suas vidas, ter seu próprio empreendimento dentro das normas da Lei, com benefícios iguais aos de outros trabalhadores, que lhes proporcionou melhoria de imagem, aumento de clientela e aumento de receitas. Também se observou que a isenção de algumas taxas e a redução da carga tributária foram fatores que contribuíram para a formalização dos negócios.

Palavras-chave: Empreendedorismo. Microempreendedor individual. Lei Complementar 128/2008.

Individual microentrepreneur: A study about the impact perceived from the formalization on

ABSTRACTIn order to formalize millions of freelancers who work informally in Brazil, the government

sanctioned the Complementary Law 128/2008 creating the status of MEI (Individual Micro Entrepreneur), including a new modality of entrepreneurship with less bureaucracy. The main objective of the research was to identify the perceptions of individual micro entrepreneurs in the town of Cachoeira do Sul/RS in relationtotheimpactsoriginatedfromitslegalizationasprofessionals,notonlyinthepersonalfieldbut

Michele Gonçalves de Oliveira é administradora, graduada em Administração. ULBRA – Martinho Lutero, 301, Universitário, RS 96.501-595, Cachoeira do Sul/RS. E-mail: [email protected] Porto é Mestre em Engenharia de Produção, professora universitária. ULBRA – Martinho Lutero, 301, Universitário, RS 96.501-595, Cachoeira do Sul/RS. E-mail: [email protected] Luiz Colombelli é Mestre em Administração, professor universitário. ULBRA – Martinho Lutero, 301, Universitário, RS 96.501-595, Cachoeira do Sul/RS. E-mail: [email protected]áudia de Freitas Michelin é Mestre em Engenharia de Produção, professora universitária. ULBRA – Martinho Lutero, 301, Universitário, RS 96.501-595, Cachoeira do Sul/RS. E-mail: [email protected]

Opinio, n.29, jul./dez. 2012124

alsointheprofessionalfield,basedontheComplementaryLaw128/2008.Wehavecarriedoutresearchofqualitativeapproachwith5(five)MEIsofthistown,usingasemistructuredinterviewasinstrument.Through the data and analysis carried out we have concluded that the perception of the interviewees in relation to the impacts originated from their formalization were most of them positive because they have beenabletofulfilltheirdreams,havingtheirownentrepreneurshipwithinthelaw,withbenefitssimilarto the other workers, which provided them with an improvement of their image, increase of clients and income. We have also observed that the exemption of some taxes and reduction of some of the taxes were the factors that contributed the most for the formalization of businesses.

Keywords: Entrepreneurship. Individual Micro Entrepreneur. Complementary Law 128/2008.

1 INTRODUÇÃONo Brasil, a carga tributária é considerada alta sobre as atividades empresariais, com

obrigaçõescomofisco,recolhimentoeretençõesdetributos.Destaforma,aburocraciae a complexidade fazem com que os empreendedores optem pela informalidade.

Em um mundo onde todos buscam levar uma vida digna, com direitos iguais, muitas pessoas desenvolvem o trabalho autônomo, pois percebem suas habilidades e transformam estas em oportunidades. Os trabalhadores também fazem isto para fugir do desemprego, criando então seu próprio “negócio”, porém na informalidade.

Ciente da grande parcela de trabalhadores informais ativos no mercado e certificadosdequeamaioriadelesatuasozinho,ogovernobrasileirosancionouaLeiComplementarnº128/2008quecriaafiguradomicroempreendedorindividual(MEI)ealtera a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa. Através desse instrumento normativo, o poder público instituiu meios para que milhares de pequenos empreendedores se formalizemjuntoaofiscoeaoordenamentojurídico.

Esta ideia se tornou um passo importante no combate à informalidade e no processo de desenvolvimento da economia brasileira, com efeitos em todo o território nacional,aumentandonãosóaarrecadação,masestimulandoaprofissionalizaçãodoscidadãos. Esta medida provê ferramentas para que os empreendedores tenham acesso ao crédito, a participação em licitações públicas, o direito de ser um segurado do INSS, entre outras vantagens.

Sabendo-se que o impacto gerado pela formalização pode ser considerado positivo ou negativo, o presente trabalho teve como problema de pesquisa: quais as percepções dos Microempreendedores Individuais do Município de Cachoeira do Sul em relação ao impacto proveniente da formalização do seu empreendimento à luz da Lei Complementar 128/2008?

2 REFERENCIAL TEÓRICONo referencial foram abordados os seguintes temas: empreendedorismo, a atividade

empreendedora no Brasil, a informalidade e seus problemas no crescimento do país, a

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 125

base legal para formalização dos negócios e o passo a passo para o processo de inclusão doMEI,desdeadefiniçãodoqueéserclassificadocomotal,ospassosdarealizaçãodainscrição como também os benefícios de ser registrado, as responsabilidades e quanto ao atendimento facilitado por órgãos competentes.

2.1 EmpreendedorismoSegundo Navarro (2006), o empreendedorismo pode ser motivado por

necessidades que geralmente está ligado a pessoas de baixo nível educacional. Isso não impedequeboapartedosprofissionaisqualificadosquetrabalhamporcontaprópriasó esteja nessa situação porque não encontrou (ou perdeu) colocação nas empresas. Mas, no que dependesse apenas deles, não estariam nessa situação.

Segundo a visão de Filion e Dolabela (2000), o empreendedor é uma pessoa que empenha toda sua energia na inovação e no crescimento, manifestando-se de duas maneiras: criando sua empresa ou desenvolvendo alguma coisa completamente nova em uma empresa preexistente (que herdou ou comprou, por exemplo). Nova empresa, novo produto, novo mercado, nova maneira de fazer – tais são as manifestações do empreendedor. Em geral, ele visa ao crescimento e cresce progressivamente com sua organização.

Tavares e Lima (2004) argumentam que, embora não haja perfil científicodefinido, o empreendedor é aquele que possui criatividade, possui capacidade deestabelecer objetivos e os persegue, mantém alto nível de consciência do ambiente em que vive, usando-a para detectar oportunidades de negócios; um empreendedor continua a aprender a respeito de possíveis oportunidades de negócios, toma decisões moderadamente arriscadas, objetiva a inovação e continua a desempenhar um papel empreendedor; é uma pessoa que imagina, desenvolve e realiza visões.

Para Schumpeter (1982), o empreendedor é um inovador. O autor destaca que as funções inovadoras e de promoção de mudanças do empreendedor, ao combinarem recursos numa maneira nova e original, servem para promover o desenvolvimento e o crescimento econômico.

ConceitualmenteDrucker(2003)apontaalgumascaracterísticasqueidentificamo comportamento do empreendedor. São elas:

a) Busca de mudança;

b) Capacidade de inovar;

c) Senso de missão;

d) Estabelecimento da cultura.

O papel do empreendedorismo no desenvolvimento econômico envolve mais do que apenas o aumento de produção e renda per capita; envolve iniciar e constituir mudanças na estrutura do negócio e da sociedade. Tal mudança é acompanhada pelo

Opinio, n.29, jul./dez. 2012126

crescimento e por maior produção, o que permite que mais riqueza seja dividida pelos vários participantes (HISRICH, 2004).

Conforme a Global Entrepreneurship Monitor – GEM, a capacidade de empreender faz a diferença nos processos de desenvolvimento socioeconômico das nações (GEM, 2008). Por isso, torna-se cada vez mais importante conhecer, com segurança,osdiferentesperfisdeempreendedores,quaisosfatoresemotivosqueoslevam a empreender e como empreendem.

Mais do que aumentar a renda nacional através da criação de novos empregos, o empreendedorismo atua como uma força positiva no crescimento econômico ao servir como ligação entre a inovação e o mercado (HISRICH, 2004).

2.2 Atividade empreendedora no BrasilO Brasil ocupou a 13ª posição no ranking mundial de empreendedorismo,

conforme estudo realizado pela Global Entrepreneurship Monitor (GEM, 2008). A Taxa de Empreendedores em Estágio Inicial (TEA) brasileira foi de 12,02, o que significaquedecada100brasileiros12realizavamalgumaatividadeempreendedoraaté o momento da pesquisa.

O Brasil em 2008 estimava em torno de 14.644.000 empreendedores e possuía uma TEA superior à média dos países observados pela pesquisa GEM, que foi de 10,48%. A TEA média brasileira de 2001 a 2008 é de 12,72% contra uma TEA média dos demais países GEM de apenas 7,25%. Isso reforça que o Brasil é um país de alta capacidade empreendedora e que na média entre 2001 e 2008 o brasileiro é 75,58% mais empreendedor que os outros. O país ocupa a terceira posição no ranking mundial em termos de participação de jovens empreendedores (25%), sendo superado somente pelo Irã (29%) e pela Jamaica (28%) (GEM, 2008).

O Brasil supera muitos países em números de empreendedores por oportunidade e um dos fatores que explicam estes números é que o jovem empreendedor por oportunidade diferencia-se por possuir uma renda maior (36% até 3 salários mínimos; 34% de 3 a 6 salários) e uma escolaridade maior, sendo que 25% estão cursando ou já terminaram o nível superior. Os empreendedores por oportunidade têm uma participação maior em serviços orientados à empresa (19%), uma vez que esse tipo de serviço exige maiorníveldequalificaçãoeformação.

Por falta de empregos formais na atividade econômica o jovem busca no empreendedorismo uma alternativa de trabalho e renda, assim surge o empreendedorismo por necessidade. O jovem empreendedor por necessidade, em 2008, representava 28% dos empreendedores brasileiros, uma taxa superior à média no período, que é de 20,6% (GEM, 2008).

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 127

2.3 Negócios informaisA economia informal responde quase pela totalidade das pequenas empresas

brasileiras,segundodadosdivulgadospeloIBGE(InstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística) em parceria com o SEBRAE com o objetivo de retratar a informalidade do país (IBGE, 2003).

Os negócios informais nas cidades estão concentrados no comércio, nos pequenos serviços, nas fabriquetas de fundo de quintal e na construção civil. São setores com forte presença na economia e que garantem a sobrevivência de muitas pessoas. Podem-se considerar ocupações precárias, sem proteção social ou legal. Com a informalidade a empresa poderá continuar pequena ou desaparecer rapidamente, já que o ambiente de negócio não permite a ela acesso a crédito, uma situação regular, de formalidade e aumento de produtividade.

Um grande problema com a informalidade é que os pequenos negócios neste ambiente não ajudam o crescimento do país, pois, na medida em que eles não conseguem se relacionar com as empresas formais, restringem o crescimento, incorporando pouca produtividade e sem tecnologias modernas, e evidentemente a produtividade da economia cresce menos do que poderia crescer.

Lahóz (2004) destaca que, com os impostos nas alturas, geram sonegação, que podeserrecompensadacomumavantagemdeaté30%nopreçofinal.Podeacarretarcompetição entre os formais e informais comprometendo a imagem da empresa e até mesmo abandonar o mercado, já que é desleal concorrer com a informalidade.

2.4 Base legal para formalização dos empreendimentos e empreendedores Conforme o Portal do Empreendedor (2009), as leis que regulamentam a inclusão

doMEIsãoanº11.258/2007quecriaaRedeNacionalparaaSimplificaçãodoRegistroe da Legalização de Empresas e Negócios – REDESIM; a Lei Complementar nº 123/2006 da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; e a Lei Complementar nº 128/2008 quecriaafiguradoMEIemodificapartesdaLeiGeraldaMicroePequenaEmpresa(Lei Complementar 123/2006).

Tendo em vista a publicação da Medida Provisória nº 529, de 07/04/2011, a contribuição previdenciária do MEI foi alterada, a partir da competência Maio/2011.

ALeicomplementarnº123/06defineoconceitodeMEIemseuart.18-Adaseguinte forma:

§ 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se MEI o empresário individual a que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil,

Opinio, n.29, jul./dez. 2012128

que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo.

A nova Lei complementar nº 128/2008 que altera a Lei nº 123/2006, segundo oDiárioOficialdaUnião(2008)trazumestímuloqueéacargatributáriareduzida,conforme o texto do art. 18-A caput:

O Microempreendedor Individual – MEI poderá optar pelo recolhimento dos impostosecontribuiçõesabrangidospeloSimplesNacionalemvaloresfixosmensais, independentemente da receita bruta por ele auferida no mês, na forma prevista neste artigo.

Conforme a Cartilha do Empreendedor Individual (SEBRAE-RS, 2010) e também destacado pelo Portal do Empreendedor (2009), essa nova lei traz um grande benefício tanto para os MEIs como para a economia brasileira de modo geral: a formalização legaldessesprofissionais.Atravésdesseprocesso,elesadquiremdireitosimportantescomoaqualificaçãodeseguradodoINSS,oacessoaocrédito,odireitodeparticiparde licitações públicas e a possibilidade de negociar com as demais empresas de forma transparente,semamenorpreocupaçãocomaatuaçãodofiscosobresuaatividade,uma vez que aderiu à legalidade.

O recolhimentofixomensal do INSS refere-se à contribuiçãoprevidenciáriarelativa à pessoa do empresário na qualidade de contribuinte individual, que se deu a partir de Maio de 2011 de 5% sobre o salário mínimo (o valor irá variar de acordo com o salário mínimo, segundo o art. 18, § 11), sendo que desde o início das formalizações até a competência Abril/2011 a contribuição era de 11%.

2.5 Requisitos, processo de registro e obrigações de um MEIPara ser um empreendedor individual (EI), é necessário faturar no máximo até

R$ 36.000,00 por ano, não ter participação em outra empresa como sócio ou titular e ter no máximo um empregado contratado que receba o salário mínimo ou o piso da categoria, conforme o Portal do Empreendedor (2009).

OEIseráenquadradonoSimplesNacionaleficaráisentodostributosfederais(ImpostodeRenda,PIS,Cofins,IPIeCSLL).PagaráapenasovalorfixomensaldeR$27,25 à R$ 33,25, que será destinado à Previdência Social e ao ICMS ou ao ISS, sendo que essas quantias serão atualizadas anualmente, de acordo com o salário mínimo.

As atividades que podem se enquadrar para um empreendedor individual estão relacionadas ao comércio em geral, indústria em geral (com poucas exceções, exemplo: Indústria de bebidas alcoólicas), serviços de natureza não intelectual (que não dependam

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 129

deumaprofissãoregulamentada)eescritóriosdeserviçoscontábeis,sendoqueesteúltimo é uma exceção à regra, pois foi concedido este benefício em contrapartida ao atendimento prestado aos EIs de maneira gratuita.

Algumas atividades não se enquadram nesta categoria, sendo elas: construção de imóveis e obras de engenharia em geral; serviços de natureza intelectual regulamentada por lei; serviços de conservação, vigilância e limpeza (por caracterizar cessão de mão de obra, com subordinação e continuidade no serviço) (SEBRAE/RS, 2010).

ParacadaumadasocupaçõesdoMEIexisteoCNAE,queéaClassificaçãoNacional de Atividades Econômicas, representado por uma numeração a qual se referirá aonúmerodeprofissãonomomentodoregistrodoMEI.

São permitidas até 16 atividades por MEI. Uma atividade deve ser indicada como sendo a principal e as demais como secundárias (SEBRAE/RS, 2011).

Segundo o Portal do Empreendedor (2009) e a Cartilha do Empreendedor Individual (SEBRAE/RS, 2010), para se formalizar como EI a pessoa deverá acessar a internet através do endereço eletrônico www.portaldoempreendedor.gov.br, contendo em mãos o CPF, RG, comprovante de endereço pessoal e de onde será a execução de suas atividades. Este acesso começou a ser realizado a partir do dia 1º de julho de 2009, que pode ser feito pessoalmente, ou por intermédio de escritórios de serviços contábeis optantes pelo Simples Nacional, por meio de entidades representativas de classe, por órgãos e entidades dos entes federados ou através do auxílio do Sebrae.

Inicialmente o empreendedor deverá realizar pesquisas prévias no Portal do Empreendedor referente à possibilidade de uso do nome empresarial de interesse do Microempreendedor, nas bases de dados do sistema nacional de registro mercantil. Nesta pesquisa,jáéverificadoseoempreendedorjáétitularcomoempresárioindividualese possui mais de um estabelecimento, se é sócio de entidade empresária de natureza contratualouadministradordesociedadeempresária.Osistematambémiráverificara descriçãooficial do endereçode interesse doMEIpara exercício das atividadesdesejadas e da possibilidade do exercício dessas atividades nesse local.

É feito um cadastramento solicitando vários dados do empreendedor e em seguida, o CNPJ e o número de inscrição na Junta Comercial são obtidos. As Juntas Comerciais realizarão automaticamente a inscrição provisória do MEI, pelo prazo de 180 dias, após a transmissão dos dados cadastrais realizada com sucesso através do Portal.

Efetuada a inscrição provisória na Junta Comercial e no CNPJ, será disponibilizadonoPortaldoEmpreendedorodocumentoqueirácertificaracondiçãode MEI para consulta por qualquer interessado, e o empreendedor deverá imprimir, assinar e encaminhar na Junta Comercial acompanhado de cópia de Identidade e do CPF no prazo de 60 dias, caso contrário o CNPJ será anulado, tornando sem efeito, retroativamente à data da transmissão do pedido de inscrição do EI, deixando de ser legalmente constituído como tal.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012130

Imediatamente à inscrição provisória na Junta Comercial e mediante o recebimento dos dados correspondentes a essa inscrição, os demais órgãos e entidade realizarão automaticamente as respectivas inscrições e concessão de alvará requerido em decorrência da atividade do empreendedor.

É importante ressaltar que após a formalização oCPF eCNPJ doEIficaminterligados um ao outro para a questão do controle do faturamento, ou seja, o nome da empresa e o nome da pessoa estarão diretamente relacionados.

São inexistentes os primeiros custos referentes a taxas, emolumentos e demais obrigações relativas à abertura, à inscrição, ao registro, ao alvará, à licença, ao cadastro e outros itens que fazem parte do registro e funcionamento da empresa.

Os valores devidos pelo empreendedor individual a partir de 01/07/09 conforme o Portal do Empreendedor serão, para a previdência R$ 27,25 a título de contribuição para a Seguridade Social, relativa à pessoa do empresário, na qualidade de contribuinte individual,paraoestadoR$1,00fixopormês,atítulodeICMS,seaatividadeforcomércioouindústriaeparaomunicípioR$5,00fixospormêsseaatividadeforaprestação de serviço, a título de ISS, que serão pagos mensalmente através da DAS (DocumentodeArrecadaçãoSimplificado).O ICMSe ISS, serãodeterminadosdeacordocomoscódigosdeatividadeseconômicasprevistosnaClassificaçãoNacionalde Atividades Econômicas (CNAE) registrados no CNPJ.

Diante disso, o MEI poderá pagar para a previdência relativa à sua contribuição 5% do salário mínimo se desejar aposentar-se por idade ou 20% se desejar aposentar-se por tempo de contribuição. Ele poderá optar depois por este último, mas deverá pagar a diferença de 15% faltante mais os juros para entrar nessa opção.

Conforme destacado pela Cartilha do Empreendedor Individual (SEBRAE/RS, 2010)édeverdoMEI:retersuasnotasfiscaisdecompras;emitirnotasfiscaisparapessoajurídica;fazeroregistrodevendas,deformasimplificada(controledeentradasesaídas);declarar anualmente, através do site da Receita Federal, a receita bruta total correspondente ao ano anterior; entregar a GFIP caso tenha empregado; consultar previamente a prefeitura local quanto à viabilidade de registrar a atividade pretendida no local desejado.

Todo mês, até o dia 20, o EI deverá preencher (podendo ser manualmente), o Relatório Mensal das Receitas Brutas que obteve no mês anterior.

Todo ano o Empreendedor Individual deve declarar o valor do faturamento do ano anterior. A primeira declaração poderá ser preenchida pelo próprio empreendedor individual ou pelo contador, gratuitamente (PORTAL DO EMPREENDEDOR, 2009).

O MEI, segundo o Portal do Empreendedor (2009) está dispensado de manter e escriturar os livros que se refere o artigo 3º da Resolução CGCN 10/2007. Deverá guardar as notas de compras das mercadorias e todos os documentos do empregado contratadoeoscanhotosdasnotasfiscaisemitidas.

O EI emitirá Nota Fiscal quando vender por outra empresa ou para o Governo. A notafiscalnãoseráobrigatórianasvendasparapessoasfísicas.OsEstadoseMunicípios

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 131

podemfornecergratuitamente,notafiscalavulsadeserviçosouautorizaçãoaimpressãosemcobrançasetaxas.Semandarimprimiranotafiscal,oempresáriopagaráapenasopreçocobradopelagráfica.

A primeira declaração será preenchida pelo contador gratuitamente, e as demais dos anos seguintes poderão ser feitas pelo próprio empreendedor.

O empreendedor deverá consultar primeiro a prefeitura do município para saber se existe ou não restrição para exercer sua atividade no local escolhido, antes de começar qualquer processo. Isso se deve para evitar multas, apreensões e até mesmo fechamento do empreendimento. Caso o município averiguar que consiste alguma irregularidade, todo o registro da empresa é revogado.

Conforme destacado na Cartilha do Empreendedor Individual do SEBRAE-RS (2010), caso o empreendedor contrate uma pessoa para ajudá-lo, ele terá responsabilidades e deverá cumpri-las tais como:

1) Reter e recolher a contribuição previdenciária relativa ao empregado conforme na forma da lei e prestar informações através da GFIP;

2) Recolher a contribuição do INSS patronal, calculada à alíquota de 3% (três por cento) sobre o salário de contribuição.

Ainda estará sujeito a todas as outras obrigações trabalhistas, como o pagamento do FGTS, férias, décimo-terceiro salário e todas as outras obrigações.

CasoopagamentodaDeclaraçãoAnualSimplificada(DAS)nãosejaefetuadonadata certa, terá multa de 0,33% por dia no limite de 20% de atraso e juros calculados pela taxa do Selic, caso seja o primeiro mês de atraso os juros serão de 1%. Lembrando que este documento de contribuição (guias de INSS para o ano todo) foi impresso no momento em que foi efetivada a inscrição do MEI (PORTAL DO EMPREENDEDOR, 2009).

Caso o faturamento anual do empreendedor individual for superior a R$ 36.000,00, mas não ultrapassou a R$ 43.200,00, o empreendimento será incluído no sistema do Simples Nacional a partir de janeiro do ano seguinte ao ano em que o faturamento excedeu os R$ 36.000,00.

Se o faturamento for superior a R$ 43.200,00 o enquadramento no Simples Nacional será retroativo e o recolhimento será sobre o faturamento, e passará a ser feito no mesmo ano em que ocorreu o excesso no faturamento, com acréscimos de juros e multa. É importante que o MEI, ao perceber que seu faturamento no ano será maior que R$ 43.200,00, inicie imediatamente o cálculo e o pagamento dos tributos acessando diretamente o Portal do Simples Nacional.

Antesdeseformalizar,oambulante,comousemlugarfixo,deveráverificarnaPrefeitura se pode exercer sua atividade no local escolhido. A obtenção do CNPJ, a inscrição na Junta Comercial e o Alvará Provisório não dispensam o atendimento às normas de ocupação dos Municípios, que devem ser observadas e obedecidas.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012132

OMEInãopoderá realizarcessãoou locaçãodemãodeobra. Isso significaqueobenefíciofiscalcriadopelaLC128/2008édestinadoaoempreendedor,enãoàempresa que o contrata.

Tornar-se um empreendedor individual poderá ter vários benefícios, conforme o Portal do Empreendedor (2009) que são:

• CoberturaPrevidenciária;

• Contratação de funcionário: o empreendedor poderá registrar até 1 (um)empregado com baixo custo;

• Isençãodetaxasparaoregistrodaempresa:oempreendedorteráisençãodataxa de registro da empresa e concessão de alvará para o funcionamento. Todo o processo de formalização é gratuito;

• Ausênciadeburocraciaecontrolessimplificados:alémdocustoreduzido,aum empreendimento a formalização é rápida, simples e sem burocracia;

• Acesso a serviços bancários: terá condições de obter créditos junto aosbancos;

• Comprasevendasemconjunto:aleifacultaaunirempreendedoresindividuaispara formação de consórcios para realizar compras, tendo condições vantajosas em preços e condições de pagamento;

• Reduçãodacargatributária;

• Emissãodealvarápelainternet;

• Cidadania: formalizandoo negócio, o empreendedor exerce sua profissãode acordo com as leis do país, tornando-se formal, com direito a dignidade e realizaçãoprofissional,socialepessoal;

• Benefícios governamentais: sendo um estabelecimento formalizado, terábenefíciospúblicoscomocréditosatravésdesuasinstituiçõesfinanceirasevender para o governo seus serviços ou produtos;

• Assessoriagratuita:oempreendedorindividualteráassessoriagratuitaparaoregistrodaempresaetambémparaaprimeiradeclaraçãoanualsimplificada,que será feita pelas empresas de contabilidade optantes do SIMPLES;

• Apoio do técnico doSebrae na organização do negócio: o Sebrae estaráorientando e assessorando os empreendedores, com cursos para a capacitação dos mesmos, para tornarem aptos a manter seu negócio;

• Possibilidades de crescimento como empreendedor: tornando formal, aschances de crescimento podem aumentar, começando como um pequeno negócio, e com o tempo, tornam-se médias ou grandes empresas;

• Segurançajurídica:oEmpreendedorIndividualfoiaprovadopeloCongressoNacional, pela LC 128/2008, dando segurança ao mesmo, já que para serem

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 133

alteradas as regras atuais, necessitam de outra LC a ser votada, ou seja, isto não é feito facilmente.

O quadro 1 a seguir traz um resumo dos principais requisitos, benefícios e obrigações acima listados, para um empreendedor individual.

QUADRO 1 – Requisitos, benefícios e obrigações para um MEI.

REQUISITOS

Requisitos Principais para se registrar como MEI

- Faturar no máximo R$ 36.000,00 por ano;- Não ter participação em outra empresa como sócio ou titular;- Ter no máximo um empregado que receba salário mínimo ou piso da categoria;- Trabalhar com comércio em geral, indústria em geral (há exceções), serviços de

natureza não intelectual (que não dependam de uma profissão regulamentada) ou ser um escritório contábil (que tenha aderido ao Simples Nacional) e deve prestar serviço gratuito aos MEIs;

- Pode-se registrar em até 16 atividades.

Benefícios concedidos com a formalização

- Inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ);- Custo zero referente a taxas, emolumentos e demais custos relativos à

abertura, inscrição, registro, alvará, licença, cadastro e demais itens de funcionamento inicial do negócio;

- Abertura de conta bancária (com concessão de empréstimos);- Emissão de notas fiscais;- Isenção de tributos federais;- Cobertura previdenciária;- Contratação de funcionário;- Benefícios governamentais;- Apoio gratuito de entidades (Sebrae e escritórios de contabilidade);- Segurança jurídica;- Crescimento do negócio;- Estando dispensado de manter e escriturar livros (contabilidade).

Obrigações - Consultar previamente a prefeitura do município;- Emitir a DAS (documento de arrecadação mensal) no Portal do Empreendedor

e pagá-lo mensalmente, caso contrário terá multa;- Pagar diferença caso queira se aposentar por tempo de contribuição;- Reter notas fiscais de compras de mercadorias;- Reter canhotos das notas fiscais emitidas;- Emitir notas fiscais para pessoa jurídica;- De forma simplificada controlar entradas e saídas;- Declarar anualmente através do site da Receita Federal, a receita bruta total

correspondente ao ano anterior;- Entregar a GFIP caso tenha empregado;- Guardar todos os documentos do empregado contratado;- Preencher mensalmente o Relatório mensal das Receitas Brutas que obteve no

mês anterior;- Caso ultrapasse a receita anual, mas não ultrapasse R$ 43.200,00 (20%) será

incluído ao Simples Nacional a partir de janeiro do ano seguinte;- Caso o faturamento seja superior aos 20% o enquadramento no Simples

Nacional será retroativo.

Fonte: Autores.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012134

2.6 Dados estatísticos dos MEIs no País, Estado e MunicípioAté o mês de junho de 2010, quando a LC 128/2008 completou um ano de

validade, no país, mais de 311 mil trabalhadores autônomos já haviam se formalizado como MEI. Neste mesmo mês, o Estado do Rio Grande do Sul possuía 17 mil MEIs cadastrados (SEBRAE-RS, 2010).

Em 2010 o número total de MEIs no Rio Grande do Sul foram 11.691 registros. Em 2011 até o mês de agosto o RS teve 79.400 MEIs inscritos. Os dados colhidos na Prefeitura Municipal de Cachoeira do Sul, no setor de Fiscalização Tributária, indicam que a partir de 1º de julho de 2009 até o dia 31 de dezembro de 2009, 39 MEIs teriam se inscrito, no ano de 2010 mais 267 microempreendedores haviam aderido ao programa e no ano de 2011, até a data desta coleta de dados foram 58 registros.

Segundo o Jornal Sebrae (2011), a formalização de mais de 1 milhão de empreendedores individuais foi comemorada pelo Sebrae em parceira com o governo federal. A solenidade aconteceu no dia 7 de abril, no Palácio do Planalto, com a presença da presidenta da República Dilma Rousseff, de diversos ministros e de MEIs.

3 MÉTODO DE PESQUISAEsta pesquisa, considerando seu desenvolvimento, classifica-se como uma

pesquisa de abordagem qualitativa. Quanto ao seu objetivo, trata-se de uma pesquisa descritiva; quanto ao método, um estudo de campo pela profundidade que se quis obter, e a coleta de dados realizou-se através de entrevista semiestruturada.

Conforme Hair (2005), os dados qualitativos são mais úteis para descobertas, oferecem informações aprofundadas (maior compreensão) sobre algumas características e promove a descoberta de motivações e valores “ocultos”. As entrevistas são relativamente longas (no mínimo, meia hora), o entrevistador é ativo e deve ser altamente capacitado, as amostras são pequenas e os resultados subjetivos.

Segundo Gil (2002), as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis.

Na abordagem onde a entrevista é semiestruturada, conforme Hair (2005), o pesquisadorficalivreparaexercitarsuainiciativanoacompanhamentodarespostaauma pergunta. O entrevistador pode querer fazer perguntas relacionadas que não foram previamente imaginadas e que não estavam originalmente incluídas. Essa abordagem pode resultar no surgimento de informações inesperadas e esclarecedoras, melhorando as descobertas.

Segundo Gil (2002), para que se efetive um experimento, torna-se necessário selecionar sujeitos. Seguindo o método e objetivos deste trabalho, os sujeitos da pesquisa foram os MEIs deste município, totalizando 5 (cinco) microempresários, independentemente de atividades exercidas por eles.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 135

O conceito de variável, segundo Gil (2002), refere-se a tudo aquilo que pode assumir diferentes valores ou diferentes aspectos, segundo os casos particulares. De acordocomotítuloeoproblemadepesquisadestetrabalho,asvariáveisdefinidasforam:

1- Percepção do que é ser MEI:estavariávelvisouidentificaroentendimentodoMEIquantoasuadefinição,sabia-sedaLCqueoapoia,motivaçõesqueolevaramasetornarformal,meiosdecomunicaçãoqueinfluíramepercepçõesde vantagens/desvantagens como MEI.

2- Impactos para o MEI: esta variável dispôs-se a explorar os impactos advindos da formalização relacionados à utilização dos benefícios previdenciários, acesso ao crédito, taxas reduzidas e isenções, apoio e auxílio de entidades, métodos de controle do negócio, melhoras e/ou pioras após o registro.

3- Responsabilidades do MEI: comestavariávelsequisidentificarseoMEIestaciente de suas responsabilidades e em dia com as mesmas, se sentiu ou sente dificuldadesparaopreenchimentodedocumentosviainternet, qual alíquota optou por contribuir e porque esta escolha foi mais vantajosa para ele e se tem cumprido seu papel como micro empresário.

4- Período informal:estavariávelvisouidentificarapercepçãodoMEIquantoaoperíodo que trabalhava na informalidade para que se pudesse fazer comparações dos períodos anterior e posterior à formalização.

O quadro 2 apresentado a seguir, contém as variáveis, porém com as suas descrições e categorização. Esta pesquisa foi executada com dados coletados através de entrevista semiestruturada com MEIs residentes no município de Cachoeira do Sul, uma vez que esta foi uma forma de obter informações concretas do problema em questão, abordado neste trabalho.

Inicialmente, entrou-se em contato com escritórios de contabilidade optantes pelo Simples Nacional e Sebrae, para solicitar apoio para fazer contato com os MEI, pois seus contatos são sigilosos e posteriormente foi entrado em contato com os microempreendedores para explicar a importância da pesquisa, também foi solicitada autorização para a entrevista, sendo esta realizada a partir de um roteiro e gravada para registrar o relato dos microempresários, considerando as variáveis do quadro 2.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012136

QUADRO 2 – Descrição e categorização das variáveis trabalhadas na pesquisa.

VARIÁVEL DESCRIÇÃO DA VARIÁVEL CATEGORIAS

1- Percepção do que é ser MEI

O MEI é a pessoa que trabalha por conta própria e que se legaliza como pequeno empresário. Para ser um empreendedor individual, é necessário faturar no máximo até R$ 36.000,00 por ano, não ter participação em outra empresa como sócio ou titular e ter no máximo um empregado contratado que receba o salário mínimo ou o piso da categoria (Portal do Empreendedor, 2009).

- Conceito.- Percepção.

2- Impactos para o MEI

Todas as mudanças ocasionadas na vida dos MEIs tanto nos aspectos pessoal quanto profissional a partir de sua regularização podem ser considerados impactos.

- Positivos.- Negativos.

3- Responsabilidades do MEI

Até o dia 20 de cada mês, o EI deverá preencher o Relatório Mensal das Receitas Brutas que obteve no mês anterior.O pagamento da DAS deverá ser efetuado na data certa.Toda ano o EI deve fazer Declaração Anual de Receitas Brutas, ou seja, declarar o valor do faturamento do ano anterior.Caso o EI contrate uma pessoa para ajudá-lo, ele terá responsabilidades e deverá cumpri-las (Cartilha do Empreendedor Individual, SEBRAE/RS, 2010).

- Relatório Mensal.- Pagamento DAS.- Declaração Anual.- Contratação de

um Empregado.

4- Período Informal Os negócios informais nas cidades estão concentrados no comércio, nos pequenos serviços, nas fabriquetas de fundo de quintal e na construção civil. Podendo ser consideradas ocupações precárias, sem proteção social ou legal (IBGE, 2003).

- Percepção.- Contrapontos.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quanto à análise dos dados, esta se caracteriza como análise do conteúdo, pois, segundoMinayo(2006),estaferramentabuscaidentificarrelaçõesesemelhançasentreo tema pesquisado. Minayo (2006) destaca ainda que através da análise de conteúdo pode-se caminhar na descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado. Conforme Hair (2005), a análise de conteúdo frequentemente é usada para interpretar textos de entrevistas.

4 RESULTADOSA seguir, são apresentados os resultados da pesquisa advindos de informações

levantadas junto aos MEIs, através de uma entrevista semiestruturada.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 137

4.1 Nominação dos entrevistadosEsta etapa se inicia com dados coletados individualmente dos empreendedores

individuais, nominados como A, B, C, D e E, para manter a identidade dos mesmos em sigilo.

Entrevistado A: foi realizada uma entrevista pessoal com o MEI A, sendo este do sexo feminino, que fez a abertura de um Pet Shop e nunca trabalhou na informalidade.

Entrevistado B: a entrevista com o MEI B foi feita pessoalmente, sendo este do sexo masculino, que trabalhou durante 10 anos na informalidade, sua atividade principal a de técnico em equipamentos odontológicos e médico-hospitalar.

Entrevistado C: a MEI C é do sexo feminino e fez a abertura de um restaurante japonês, sendo sua entrevista aplicada através de e-mail, devido ao não encaixe dos horários do entrevistador e do entrevistado.

Entrevistado D: o MEI D é do sexo masculino, sua principal atividade econômica é técnico em eletrônica e sua entrevista também foi aplicada via e-mail, pelo mesmo motivo da MEI C.

Entrevistado E: a entrevista foi realizada pessoalmente, com uma costureira que faz reparos e costuras em geral, sendo esta a pessoa de mais idade dos 5 (cinco) entrevistados.

4.2 Análise das variáveisA seguir analisam-se as variáveis conforme a categorização, de acordo ao quadro 2.

a) Síntese da variável 1 – Percepção do que é ser MEI.

Todos os entrevistados relataram saber e entender os requisitos necessários para tornarem-se MEIs. Quanto à Lei Complementar 128/2008, apenas o entrevistado D sabiaqueeraamesmaquedavaembasamentoasuacategoriaprofissional.

Quanto aos meios de comunicação pelos quais souberam da oportunidade do registro, foram citados o Sebrae, a Revista Tempo de Agir, a Internet, amigos que se registraram e deram o conselho, familiares e por intermédio da prefeitura da cidade.

Sobre o questionamento motivação para o registro, os mais citados foram: menos burocracia, iniciar um empreendimento legalizado, correto perante as leis do país, ganhar licitações, trabalhar com mais segurança, adquirir benefícios e realizar o sonho de ter o próprio negócio.

Os entrevistados B e E foram pessoalmente em busca de informações para que pudessem efetuar os seus registros, o entrevistado B buscou informações movido pela

Opinio, n.29, jul./dez. 2012138

necessidade de ganhar uma licitação, a entrevistada E pela realização de um sonho de ter seu próprio empreendimento, os demais foram motivados por amigos e familiares para operarem de acordo com a legislação deste país.

Comestavariávelfoipossívelidentificaroentendimentodosentrevistadosquantoasuaclassificaçãocomoempreendedores,asformascomtomaramconhecimentodaoportunidade, órgãos aos quais recorreram para pedir auxílio, as vantagens percebidas em se registrar como MEI e os fatores motivadores que os levaram à formalização.

b) Síntese da variável 2 – Impactos para o MEI

Quanto aoquestionamento realizado comos entrevistados sobre a influênciados benefícios na vida dos MEIs, eles citaram que puderam adquirir um CNPJ que lhes garantiu direitos como custos mais reduzidos, o auxílio gratuito de entidades que também foi bastante importante e que os benefícios trouxeram mais segurança. Quanto aos benefícios previdenciários estes ainda não foram utilizados por nenhum dos 5 entrevistados. Todos relataram que sentiram facilidade em fazer registro pela internet, que o mesmo foi simples, rápido, fácil e ágil.

Apenas o entrevistado B se utilizou do benefício bancário quando fez a abertura de uma conta corrente para emitir os boletos de cobrança e receber pagamentos da sua carteira de clientes. As entidades listadas para auxílio foram o Ponto de Atendimento do Sebrae da cidade, a Prefeitura Municipal e os escritórios de contabilidade Lied e Loreto. Estas entidades foram elogiadas por todos quanto ao atendimento. A entrevistada A relatou que considera que o Ponto de Atendimento do Sebrae da cidade apresentou-se um pouco despreparado sobre o assunto, ao contrário do entrevistado B que elogiou bastante o atendimento recebido neste local.

Quanto aos controles contábeis os entrevistados relataram que possuem seus próprios métodos de fazer os controles de seus negócios, tais como caixa simples com entradas e saídas diárias, planilhas no Excel e que depois repassam aos seus contabilistas para fazer as declarações necessárias.

Osimpactosgeradosnavidatantoemâmbitopessoalcomoprofissionaldestestrabalhadores poderiam ser vistos como positivos ou negativos, percebeu-se então que os impactos foram positivos, devido a todos os benefícios adquiridos, tanto previdenciários quanto aos voltados ao empreendimento, o apoio e agilidade das entidades, facilidade de registro, fácil contabilidade e a segurança que passaram a ter para trabalhar com dignidade e transparência.

Nenhumdosentrevistadosrelatouimpactosnegativos,porémfizeramressalvasquanto ao atendimento recebido em uma das entidades que algumas vezes era dúbio e pelo próprio governo que altera constantemente a legislação o que distorce algumas orientações que lhes são repassadas.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 139

c) Síntese da variável 3 – Responsabilidades do MEI

Descobriu-se que todos os MEIs, conhecem e também expuseram suas responsabilidades, porém o entrevistado B salientou ser bastante desorganizado (esquecendo de pagar sua 1ª guia de contribuição).

Quandoquestionadossobreodireitodacontrataçãodeempregados,identificou-se que apenas a entrevistada C possui um empregado, mas destacou conhecer todas as obrigações e custos referentes a ele.

Todos os entrevistados relataram ser fácil de preencher os documentos online e a entrevistadaE,porserumasenhoradestacouqueéauxiliadapelofilhonestaetapa.

Todos optaram por contribuir 5% (antes 11%) sobre o salário mínimo, até mesmo por não saberem que podiam pagar diferença para aposentadoria diferenciada.

Aoseremquestionadossobresuasatualizaçõesprofissionais,descobriu-sequeapenas o entrevistado B participou de um evento para MEIs promovido pelo Sebrae. Os demais relataram que não participaram de nenhum curso ou palestra, mas que estão sempre em busca de melhorias e atualizações para seus empreendimentos.

Apesar do processo de formalização ser mais simples e menos burocrático, os MEIs tem de estar em dia com suas obrigações como qualquer outro empresário, quanto a empregados, relatórios de receitas e atualizações constantes.

d) Síntese da variável 4 – Período informal

Com os questionamentos desta variável constatou-se que apenas a entrevistada A não havia trabalhado informalmente, já os demais entrevistados relataram que na ilegalidade não estavam plenamente satisfeitos com suas atividades, não podiam participar de licitações, não possuíam segurança e nem benefícios e direitos como os que possuem hoje.

Trabalhar informalmente não garante direito aos trabalhadores, nem a chance de trabalharem com transparência. Os negócios informais por não trazerem nenhuma segurança aos trabalhadores, em sua maioria não crescem, nem perduram por muito tempo.

4.3 Recomendações para um microempreendedor individualCom o objetivo de auxiliar um empreendedor informal, e com base nos estudos

realizados, a seguir foram repassadas algumas recomendações.

Em primeiro lugar recomendamos ao MEI manter-se atualizado sobre a legislação vigente para ter ciência de seus direitos e deveres.

Participardeeventosquetenhaminfluênciasobreseunegócio,alémdebuscaresseseventosoucursosprofissionalizantes.Aparticipaçãoemeventoseemcursos

Opinio, n.29, jul./dez. 2012140

pode trazer mais conhecimento aos empreendedores, fazendo com estes se praticados melhorem o desempenho do negócio do MEI.

Todos devem melhorar seu empreendimento (marketing), criando nome e imagem, que consequentemente irão aumentar sua clientela e faturamento, pois após estarem formais podem agir com transparência e crescendo até mesmo podem ter a oportunidade depassarparaumapróximaclassificaçãodeempreendimento.

Também devem ajudar a divulgar a empreendedores informais a oportunidade daformalizaçãoeoquanto isto influenciousuasvidaseseusempreendimentos.Oempreendedor legalizado tem o dever de ajudar no crescimento de nosso país e orientar seus colegas que ainda trabalham informalmente.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS As isenções, reduções de carga tributária e menos burocracia propostas pela Lei

Complementar 128/2008 foram fatores cruciais para que alguns dos entrevistados formalizassem seus negócios.

Deacordocomoobjetivodestapesquisaemidentificarosimpactosgeradosnavida dos MEIs, constatou-se que nenhum impacto negativo foi relatado, apenas uma desvantagem que estava relacionada à receita mensal de faturamento muito baixa, ou seja, aproximadamente R$ 3.000,00 ao mês, no período da pesquisa.

OsimpactospositivosidentificadosatravésdapercepçãodosMEIsentrevistadosforam a facilidade de registro pela internet, auxílio e apoio gratuito de entidades, obtenção de benefícios previdenciários e outros benefícios, tais como registro de CNPJ lhes garantiu direitos, processo de registro simples, barato e rápido, realização de concretizar um sonho por poder abrir um empreendimento de forma facilitada, melhoria financeira,aumentodeclientelapelofatodepossuirnotafiscal,melhoriadeimageme aumento de faturamento. Nenhum dos entrevistados relatou impactos negativos, porémfizeramressalvasquantoaoatendimentorecebidoemumadasentidades,alémde considerar que o Governo altera constantemente a legislação, o que distorce algumas orientações que lhes são repassadas.

O sentimento da maioria dos entrevistados, de quando operavam na informalidade, éodequepassaramporumperíodoarriscadoedifícil,sembenefícios,comdificuldadesde crescimento e sem segurança. Ressaltam que não se arrependem de terem se formalizado (tornado MEI), pois o registro só lhes trouxe benefícios.

Porfim, notou-se que a legislação é de grande relevância para a sociedade,devido a todos os impactos positivos, que geram mudanças grandiosas na vida dos microempreendedores, que antes trabalhavam na informalidade e não podiam desfrutar dos benefícios que possuem hoje, e levar uma vida digna como a de outros trabalhadores deste país, além de que, com a formalização passaram a alavancar ainda mais a economia.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 141

Com isso, recomenda-se a disseminação desta pesquisa para as entidades envolvidas no processo de formalização, aos empreendedores legais e aos que ainda pretendem se legalizar, para que se motivem com os impactos positivos gerados e registrem-se nos órgãos competentes.

Recomenda-se estender esta pesquisa para avaliar um maior número de MEIs, dada a relevância do tema, que por consequência, pode contribuir para melhorar a economia da cidade.

REFERÊNCIASDIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Lei Complementar nº. 123/06, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e dá outras providências. Poder Executivo, Brasília, DF, 15.12.2006.DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Lei Complementar nº. 128/08, de 19 de dezembro de 2008. Altera a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, altera as Leis nos 8.212, de 24 de julho de 1991, 8.213, de 24 de julho de 1991, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, 8.029, de 12 de abril de 1990, e dá outras providências. Poder Executivo, Brasília, DF, 22.12.2008.DRUCKER, Peter Ferdinand. Tradução de Carlos J. Malferrarri – Inovação e Espírito Empreendedor – Entrepreneurship – Prática e Princípios – Editora Thomson – São Paulo Pioneira, 2003.FILION, Louis Jacques. O planejamento do seu sistema de aprendizagem empresarial: identifiqueumavisãoeavalieoseusistemaderelações.Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.31, n.3, p.63-71, jul./set. 1991.GEM – Global Entrepreneurship Monitor. Empreendedorismo no Brasil. 2008.GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. Editora Atlas S.A, 2002.HAIR, Jr. et al. Fundamentos de métodos de pesquisa em administração. Porto Alegre: Bookman, 2005.HISRICH, Robert D.; PETERS, Michael P. Empreendedorismo. 5.ed. Bookman, 2004.IBGE. Brasil tem mais de 10 milhões de empresas na informalidade. 2003 [on line] Disponível na internet via http://www.ibge.gov.br/.../noticia_visualiza.php?.id. Arquivo capturado em 16 ago. 2009.JORNAL SEBRAE. Brasil comemora 1 milhão de empreendedores individuais formalizados. n.110, abr. 2011.LAHÓZ, André. Uma luz sobre o Brasil das sombras – 2004. [on line] Disponível na internet via http://www.portalexame.abril.com.br/revista/exame/edições/ .../m0041746.html. Arquivo capturado em 16 ago. 2009.MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 23.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.NAVARRO, Leila. O autoemprego é sua “carta na manga” – Volume 3 – Sua carreira, seu sucesso. Saraiva, 2006.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012142

PORTAL DO EMPREENDEDOR. O empreendedor individual. 2009 [on line] Disponível na internet via http://www.portaldoempreendedor.gov.br. Acessado em 29 mar. 2010, 28 fev. 2011 e 23 maio 2011.SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juros e o ciclo econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982.SEBRAE/RS. Cartilha do empreendedor individual, 2010.TAVARES, T. S.; LIMA, J. B. Empreendedorismo, empreendedores e ação empreendedora. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 28., 2004, Curitiba. Anais... Curitiba: Anpad, 2004.

Opinio Canoas n.29 p.143-164 jul./dez. 2012

Estudo de caso sobre a utilização de uma ferramenta wiki no auxílio

da gestão do conhecimentoElizabete Rosa Moraes

Anderson YanzerFlávio Régio Brambilla

RESUMONo contexto organizacional, a gestão do conhecimento apresenta-se como um possível

diferencial competitivo. Um dos problemas percebidos neste contexto, associados à gestão do conhecimento, é a falta de compartilhamento de conhecimentos entre as pessoas em uma organização, em razão da falta de padrões ou do hábito de usar ferramentas que geram memória organizacional. Uma das formas de minimizar este problema é através do uso de ferramentas de colaboração. Desta forma, este artigo apresenta uma proposta de solução, através do uso de uma ferramenta wiki, para compartilhar informações técnicas de um setor de TI, assim como experiências associadas à resolução de problemas e melhores práticas.

Palavras-chave: Gestão do Conhecimento. Compartilhamento. Wiki.

Case study about the use of a wiki tool to support knowledge management

ABSTRACTIn organizational context, in which companies need to handle a large volume of information

and knowledge, the knowledge management can be a competitive advantage. One of the problems perceived in this context, associated with knowledge management, is the lack of sharing information among people in an organization. One way to minimize this problem is through of the use of the collaboration tools. This paper propose a solution, based in the use of a wiki, to share technical information in a TI department, as well as experience about problems resolution and best practices.

Keywords: Knowledge Management. Share. Wiki.

Elizabete Rosa Moraes é graduada em Redes de Computadores e especialista em Gestão do Conhecimento e TI pela ULBRA Canoas. E-mail: [email protected] Yanzer é Doutor e Mestre em Ciência da Computação. Professor e coordenador dos cursos de Ciência da Computação e Sistemas de Informação da Universidade Luterana do Brasil. E-mail: [email protected]ávio Régio Brambilla é Doutor e Mestre em Administração. Docente Unilasalle (Canoas) e ULBRA (Porto Alegre). E-mail: [email protected]

Opinio, n.29, jul./dez. 2012144

1 INTRODUÇÃOAs informações estão disponíveis em grande volume no ambiente

organizacional,deformadispersaeàsvezessuperficial.Assim,surgeanecessidadedas organizações buscarem uma maneira de gerenciar o conhecimento como uma forma de diferencial competitivo, o que se aplica ao contexto da Tecnologia da Informação (TI) (TURBAN, 2004).

Informações significativas para empresa são adquiridas pelos colaboradorescom base em suas habilidade e experiências vividas ao longo de sua trajetória, e que permanecem em suas mentes (na forma de conhecimento tácito). Isso é um fator preocupante onde existe alta rotatividade de colaboradores, pois, ao deixarem a empresa, levam consigo o conhecimento adquirido na empresa. O registro do conhecimento é importante para as melhores práticas de gestão e para que a empresa possa obter uma vantagem competitiva real e sustentável.

Umdos desafios é transformar este conhecimento tácito em conhecimentoexplícito (conhecimento que pode ser expresso e transmitido através de documentos, diagramas,figurasetc.)deformaquesejacapturadoecompartilhadointernamentenaorganização, gerando um novo conhecimento. Informações externalizadas, dependendo do contexto, podem configurar uma excelente estratégia de compartilhamento deconhecimento em uma organização (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).

A gestão do conhecimento objetiva, através de suas práticas, a captura do conhecimento existente, transformando-o, através de métodos e técnicas, em um formato que possa ser compartilhado, aumentando o capital intelectual da organização. Aliada à gestão do conhecimento estão as ferramentas colaborativas, como as ferramentas wiki, que permitem a criação, edição e fácil acesso à informação, além de manter um histórico das atividades e contribuir para a disseminação do conhecimento, melhorando e inovando produtos e serviços.

Desta forma,opresente trabalhopropõeadefiniçãoe implementaçãodeumprocesso de gestão do conhecimento, através do uso de uma ferramenta wiki. O trabalho será aplicado à área técnica de um setor de TI, que presta atendimento direto aos usuários de uma Universidade.

Este trabalho está dividido em 5 capítulos, onde, no capítulo 2, é apresentado o referencialteórico,definindogestãodoconhecimentoeasferramentasdecolaboraçãoonde temos um estudo sobre ferramentas wiki, suas características, utilização na gestão do conhecimento e as principais ferramentas disponíveis, dando um enfoque maior na ferramenta MediaWiki. No capítulo 3 será apresentado um estudo de caso, aplicado em um setor de TI. Os capítulos 4 e 5 apresentarão, respectivamente, os resultados e as conclusões deste trabalho.Porfim, é apresenta a bibliografiautilizadapara aelaboração deste estudo.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 145

2 REFERENCIAL TEÓRICOEste capítulo irá apresentar o referencial teórico que dará embasamento aos

tópicos trabalhados neste projeto.

2.1 Gestão do conhecimento Turban(2004)defineconhecimentocomooconjuntodeinformaçõesgeradasnas

organizações, em contexto, e que é relevante para seu funcionamento. O conhecimento difere da informação, já que é estruturado e pode proporcionar a resolução de problemas commaioreficáciadoqueapenasoacúmulodeinformaçãodesordenada.

Nonaka e Takeuchi (2009) fazem a seguinte observação sobre o conhecimento:

1º – o conhecimento trata de crenças e compromisso;

2º–émaispróximodaação,aplicadoaumadeterminadafinalidade.

3º–éainformaçãocomsignificado,específicoerelacionável.

Oconhecimentopodeserclassificadoemduasformasquesecompletameserelacionam. O conhecimento explícito e conhecimento tácito. Nonaka e Takeuchi (2009)definemconhecimentoexplícitocomosendotodooconhecimentoquepodeser expresso e transmitido rapidamente ao indivíduo, formalmente, seja no formato de dados, manuais, livros, documentos e etc. Já o conhecimento tácito é o conhecimento pessoal, adquirido durante a trajetória do indivíduo. Difícil de ser compartilhado e formalizado.

Para que o conhecimento do indivíduo seja mais bem aproveitado no contexto organizacional, a transformação do conhecimento tácito para explícito deve ser proporcionada.EmNonaka eTakeuchi (2009) são identificados quatromodos deconversão do conhecimento: Socialização, Externalização, Combinação e Internalização, expressos no quadro 1.

QUADRO 1 – Modos de conversão do conhecimento.

Modo de Conversão

InteraçãoTácito <-> Explícito

Finalidade Entidade de Criação

Socialização Tácito para Tácito Compartilhar e criar conhecimento tácito através de experiência direta

Indivíduo para indivíduo

Externalização Tácito para Explícito Articular conhecimento tácito através de diálogo e da reflexão

Indivíduo para grupo

Opinio, n.29, jul./dez. 2012146

Modo de Conversão

InteraçãoTácito <-> Explícito

Finalidade Entidade de Criação

Combinação Explícito para Explícito Sistematizar e aplicar o conhecimento explícito e a informação

Grupo para organização

Internalização Explícito para Tácito Aprender e adquirir novo conhecimento

Organização para indivíduo

Fonte: Adaptado de Nonaka e Takeuchi (2009, p.60-68).

Esta interação entre o conhecimento tácito e explícito pode ser representada através do modelo SECI (Socialization, Externalization, Combination, Internalization) ou também chamada de “espiral do conhecimento”, que demonstra o processo de criação do conhecimento (Figura1).

FIGURA 1 – Espiral do conhecimento.

Fonte: Nonaka e Takeuchi (2009, p.24).

Através deste modelo, pode-se observar que o processo de criação do conhecimento é contínuo. O conhecimento que anteriormente, na etapa de socialização, era tácito, tornou-se explícito e expresso em uma linguagem formal na etapa de externalização. O conhecimento explícito fora combinado com outros conhecimentos (experiências e crenças), na etapa de combinação, que interpretado pelo indivíduo, torna-se novamente

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 147

conhecimento tácito na etapa de internalização. Ao chegar nesta etapa o processo é iniciado novamente, ampliando e elevando o conhecimento.

NonakaeTakeuchi(2009)afirmamquenomercadoempresarialondeasmudançassão constantes e rápidas, as empresas que serão bem-sucedidas serão aquela que, como vantagem competitiva, tiverem seu conhecimento gerenciado, criando, disseminando e incorporando a novos produtos e serviços.

Naliteraturapodemserencontradasváriasdefiniçõesdegestãodoconhecimentocomo:

Gestãodoconhecimentoéumprocessoqueajudaas empresasa identificar,selecionar, organizar, distribuir e transferir a informação e conhecimento especializado que fazem parte da memória da empresa que normalmente existem dentro delas de forma não estruturada. A estruturação do conhecimento permitearesoluçãoeficazeeficientedeproblemasdeaprendizadodinâmico,planejamento estratégico e tomada de decisão. A gestão do conhecimento coloca ênfasenaidentificaçãodoconhecimento,explicando-odetalformaquepossaser compartilhado de modo formal e assim ter seu valor alavancado devido sua reutilização. (TURBAN, 2004, p.326)

Conforme Santos et al. (2012), a gestão do conhecimento é um processo, sistematicamente desenvolvido, onde os conhecimentos são processados e reprocessados para que sejam úteis para organização tomar suas decisões de maneira a ser mais competitiva. A gestão do conhecimento permite que a empresa administre seu conhecimento interno e, através de métodos e técnicas, transforma este conhecimento em um formato que possa ser compartilhado aumentando seu capital intelectual.

Como benefícios esperados no uso de gestão do conhecimento podem ser citados aproveitamento do conhecimento existente, diferenciação em relação às demais empresas, agilidade na tomada de decisão, otimização de processos, redução de custos e aumento de receita.

Entre as barreiras para uso da Gestão do Conhecimento, estão: mudança da cultura da organização e estilo de liderança, falta de incentivo para a troca de informação e controle das informações (HSM MANAGEMENT, 2004).

2.2 Ferramentas de colaboraçãoCom o surgimento da segunda geração da internet, chamada de Web 2.0, uma

nova percepção em relação ao comportamento na rede é criada. O conteúdo, antes estático, torna-se dinâmico, o usuário que antes era apenas um espectador passa a ter mais autonomia e se torna um executor de conteúdo, criando, editando, compartilhando e principalmente colaborando com outras criações.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012148

Esta nova visão em relação ao comportamento dos usuários traz para dentro das empresas o incentivo à colaboração, o que permite que a gestão do conhecimento possa ser aplicada com mais naturalidade, pois, para que a conversão do conhecimento aconteça, é necessário que exista colaboração por parte dos envolvidos. Esta colaboração pode ser auxiliada pelo uso de ferramentas de colaboração. Estas ferramentas proporcionam a criação, colaboração, interatividade e execução de trabalhos em grupo e compartilhamento de conteúdo independente do local e do tempo. Usuários podem estardistantesgeograficamenteeteracessoaomesmoconteúdocolaborandocomacriação do conhecimento.

No quadro 2 são mostrados alguns exemplos de aplicação das ferramentas colaborativas:

QUADRO 2 – Ferramentas colaborativas e suas aplicações.

Função Descrição Exemplo

Escrita Permite que o usuário altere o conteúdo em tempo real

Googledocs, Wikispaces, MediaWiki, Blogs

Grupos São grupos de usuários, com o mesmo interesse, que compartilham informações e se comunicam através de emails

Google groups, WindowsLive,

Áudio e vídeo Publicação e compartilhamento de vídeos editados e gravados

Youtube, Google vídeo

Mensagem instantânea

Permite que usuários se comuniquem em tempo real

Google Talk, Skype, MSN

Fonte: Elaborado pelos autores, 2012.

2.3 Wiki Entre as ferramentas colaborativas que vêm ganhando cada vez mais espaço

estão as ferramentas wikis. As wikis são ferramentas consideras de produção coletiva, que permitem a alteração do conteúdo apresentado por um autor. Toda a manipulação de conteúdo é facilmente realizada através de um software browser. Além disso, toda alteração é registrada permitindo que um histórico do documento seja montado, o que auxilia na construção do conhecimento.

Wiki são páginas web interativas/colaborativas, que permitem a criação, gerenciamento e publicação de conteúdo por parte de seus usuários (SCHONS, 2007). A ideia principal do wiki é permitir que novos conhecimentos sejam acrescentados aos já existentes.

O termo wiki surgiu em 1995 com a criação da primeira página colaborativa da internet, a WikiWikiWeb, pelo programador americano Ward Cunningham. A partir de então surgiram inúmeros projetos que demonstraram a diversidade de aplicações do wiki, sendo o mais popular a Wikipedia (www.wikipedia.org), apresentada em 2001.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 149

Moreira (2006) descreve vantagens relevantes no emprego de wikis no ambiente organizacional:

• MassaCrítica–númerodecolaboradoresdevesersignificativo,dispostos,comafinalidadedeparticipardaelaboração;

• Cultura–aorganizaçãoeosparticipantesdevemterrealinteresseemadotara ideia de colaboração;

• Atualização–owiki deve estar em constante atualização, para que o benefício de colaborar seja aparente, fazendo com que desperte a vontade de outros colaborarem;

• Administração – é necessário que o sistema tenha umadministrador, queseja responsável pela moderação do ambiente. Mantendo a segurança das informações, disseminando a cultura e mantendo a infraestrutura do projeto;

• Investimento–inicialmenteoswikis podem ser hospedados em servidores de baixo custo. Muitos dos mecanismos wikis são baseados em software livre, o que não gera custo à empresa. Conforme a ferramenta for se tornando popular, irá exigir pessoas responsáveis por monitorar assegurando o funcionamento do sistema.

2.4 Wiki e a gestão do conhecimentoOsautoresDavenportePrusak(1999)afirmamqueagestãodoconhecimentovai

além do uso de tecnologias, mas que as tecnologias auxiliam nos processos de gestão do conhecimento. O uso de novas tecnologias impulsiona o interesse no conhecimento e em sua gestão, fortalecendo o conceito de gestão do conhecimento.

Coma popularização do siteWikipédia, ficou claro para as organizações obenefício colaborativo no uso de ferramentas wiki. A versatilidade encontrada nestas ferramentas possibilita que ela seja aplicada em vários ambientes organizacionais como apoio à gestão do conhecimento.

A wiki, como uma tecnologia de auxílio para a gestão do conhecimento, permite a criação de um espaço interativo, aumentando a rapidez com que o conhecimento é disseminado e estendendo o alcance aos funcionários de diferentes segmentos que buscamunificarconhecimentoemtornodeumdeterminadoassunto,sejaparaagregarvalor, inovar ou resolver problemas.

No estudo apresentado por Sousa, Aparicio, Costa (2010), os autores fazem uma análise de como as ferramentas wiki podem ser utilizadas em um ambiente organizacional de acordo com as etapas de conversão do conhecimento apresentadas por Nonaka e Takeuchi (2009) mostradas a seguir:

Socialização – Na etapa de socialização, que é a conversão do conhecimento tácito para tácito, a ferramenta wiki é utilizada para reutilização de informações e

Opinio, n.29, jul./dez. 2012150

identificaçãodeperitos,auxiliandonacriaçãodemapasoudiretóriosdeconhecimentotácito.Aidentificaçãodepotenciaisespecialistasdentrodaorganizaçãopodeserfeitaatravés de:

• Listagemdemudançasrecentes,autoriadasversõesdaspáginaserevisãodehistóricos – através da contribuição do colaborador, pode-se vislumbrar com qualáreaeletemmaisafinidadeeinteresse;

• Páginadoperfildousuário–podeconterinformaçõesvaliosasqueajudamnestaidentificaçãocomoosprojetosnoquaiselejáparticipou.Seuscursoseespecialidades.

Externalização – Na etapa de externalização a conversão do conhecimento é feita de tácito para explícito. Por incentivar a escrita colaborativa, consequentemente a ferramenta incentiva a produção de conhecimento colaborativo. Devido a sua natureza informal e não estruturada, ela se torna um ambiente propício para a captura do conhecimento. Entre as tarefas que externalizam o conhecimento, podem ser citadas:

• Adiçãodenovos conteúdos as páginas – usuários contribuemempáginasexistentes adicionando seu conhecimento;

• Criaçãodepáginasnovas–apartirdeumainformaçãonãopresentenawiki, o usuário cria uma página com um novo conhecimento;

• Comentárioempáginasexistentes–usuáriospodemopinarsobreoassuntoatravés de discussões;

• Correçãodeconteúdo–usuáriospodemcorrigiroumelhorarainformaçãopresente na página.

Combinação – Combina diferentes formas de conhecimento explícito como gráficos,dadosestruturados,documentosetc.Açõescomotriagemdasinformações,combinação, categorização e acréscimo podem gerar um novo conhecimento. Os autoresidentificamdoisgruposquecontribuemnessaetapanowiki. São os somadores, que são focados na adição de novos conteúdos e os sintetizadores, que reorganizam o conhecimento executando tarefas como:

• Integrandoideiaspostadasnaspáginas;

• Reorganizandoconjuntodepáginas;

• Reescrevendoparágrafos;

• Gerandorelatóriossobreinformaçõesexistentes.

Internalização – Converte conhecimento explícito para tácito. Nesta etapa o conhecimento deve ser acomodado pelo usuário. Pelo fato de wikis proporcionarem o compartilhamento e o reuso do conhecimento, a probabilidade é que o usuário acesse-o comafinalidadedebuscaroconhecimentoexternalizado.Issofazcomqueexistaumacomparação natural entre seu próprio conhecimento e as informações apresentadas pelo wiki. Havendo divergências entre seu conhecimento e o conteúdo da wiki, é possível

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 151

acrescentar novas informações, levando a uma evolução no conhecimento individual do usuário e uma evolução do conhecimento coletivo.

Como motivação para uso do wiki como pesquisa de informações estão as seguintes situações: Resolução de problemas imediatos; Informações adicionais sobre determinadoprocedimentoeassuntosespecíficos;Acessoainformaçõesemgeral.

2.5 Ferramentas wikiAtualmente há uma grande quantidade de mecanismos wiki. O site WikiMatrix (www.

wikimatrix.org) apresenta um comparativo entre eles, conforme demonstrado no quadro 3, com destaque das principais características dos 5 mecanismos wiki mais populares, DokuWiki, MediaWiki, Twiki, Drupal Wiki, PHP Wiki (WIKIMATRIX, 2012).

Observa-se que os mecanismos wiki são muito similares. As variações consideráveis são relacionadas aos itens linguagem utilizada e tipo de armazenamento. Algumas funcionalidades tornam-se presentes através de plugins onde cabe ao usuário a decisão de inseri-los.

QUADRO 3 – Comparativo entre 5 principais mecanismos wiki.

CaracterísticaFerramentas

DokuWiki Mediawiki Twiki Drupal Wiki PhPWiki

Free e OpenSource

Sim Sim Sim Não Sim

Linguagem utilizada

PHP PHP Perl, Java Script

PHP PHP

Armazenamento de dados

Arquivo Banco de dados

Arquivo, RCS Banco de dados

Arquivo, banco de dados e RCS

Público-alvo Privado, pequenas e médias empresas

Usuário final, educação

Grandes empresas, peq. a médios negócios

Empresas Variado

Sistema operacional

Linux, UNIX, Windows, MacOS X

Unix, Windows, Mac OS X

Linux, Windows, OS-X

Linux, Unix, Windows, OS X

Linux, Unix, Windows, OS X

ACL (Access Control List)

Sim Não Sim Sim Sim

Permissão de página

Sim Sim Sim Sim Sim

Pré-visualização Sim Sim Sim Sim Sim

Histórico Sim Sim Sim Sim Sim

Opinio, n.29, jul./dez. 2012152

CaracterísticaFerramentas

DokuWiki Mediawiki Twiki Drupal Wiki PhPWiki

Notificação por email

Opcional Opcional Sim Sim Sim

Comentários Plugin Página de discussão

Visível a baixo de cada página

Página de discussão

Plugin

Redirecionamento de página

Plugin Sim Plugin Sim Sim

Edição de seção Sim Sim Plugin Plugin Não

Estatística de páginas alteradas

Sim Sim Sim Sim Sim

Páginas mais/menos populares

Não Sim Sim Plugin Sim

Visualização de visitantes recentes

Não Plugin Plugin Plugin Sim

Permite anexar arquivos

Sim Sim Sim Sim Sim

Fonte: Adaptado de WikiMatrix (2012).

Com base na tabela de comparação dos mecanismos, foi escolhido como objeto de estudo deste trabalho o mecanismo MediaWiki, pela sua popularidade e por ser um mecanismo já amplamente testados. Mais informações sobre este mecanismo serão vistas na próxima seção.

2.6 MediaWiki O MediaWiki é um programa sob licença GNU (GPL – General Public License)

mantido pela Wikimedia Foundation1, uma organização semfins lucrativos queincentiva a produção e distribuição de conteúdo. Originalmente foi desenvolvido para o projeto Wikipédia e atualmente é utilizado por muitos outros projetos como Locaweb2, Wikicionario3, Wikibooks4 e Wikinews5.

O MediaWiki conta com uma comunidade de voluntários que colaboram no desenvolvimento de recursos e melhorias da ferramenta. Devido este fato, podemos encontrar muitas atualizações e recursos que incrementam o Wiki. Segundo o próprio sitedoMediaWiki(2012),existemmaisde700definiçõesdeconfiguraçãoemaisde

1 http://wikimediafoundation.org/wiki/Home2 http://wiki.locaweb.com.br/ 3 http://pt.wiktionary.org/4 http://www.wikibooks.org/5 http://www.wikinews.org/

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 153

1.800 extensões para personalização do ambiente. Para processar os dados o MediaWiki emprega-se PHP e MYSQL para gerenciar o banco de dados.

Rahman e Orloff (2010) apresentam algumas das principais características do MediaWiki:

• Fácil sistema de navegação: através do campo de pesquisa, o MediaWiki retorna qualquer página que contenha a palavra escrita neste campo;

• Edição e formatação: facilidade na edição e formatação das páginas. Todas as páginas possuem em seu cabeçalho e nas subseções um link editar que só precisa ser clicado para que o editor do wiki abra e o usuário altere o texto. MediaWiki possui uma sintaxe simples que permite que qualquer usuário possa facilmente criar uma página, não sendo necessário que saiba de HTML ou outra linguagem web;

• Histórico: permite gerenciamento de conteúdo, pois é possível visualizar quem criou ou editou a página. É mantido um histórico de todas as movimentações das páginas o que possibilita a restauração de uma versão anterior. Também é possível fazer um comparativo das páginas que mostra com exatidão as alterações feitas;

• Upload de arquivos: existe opção de fazer upload de arquivos para uso no wiki;

• Suporte a idiomas: suporte para muitas línguas e UTF-8 que permite que o MediaWiki seja visualizado e escrito em diversos idiomas;

• Gestão de usuário: possui sistema de gerenciamento de usuário, onde é possível, através de um usuário privilegiado, criar novos logins ou personalizar privilégiosparadeterminadostiposdeusuáriosegrupos,afimdeatenderàsnecessidades de segurança;

• Incentivo a discussões: os usuários podem se comunicar e colaborar com o conteúdo de uma página através da página de discussão. Ela é editável pelo usuário, o que facilita a comunicação.

3 METODOLOGIA Ametodologiadepesquisaempregadaéclassificadacomodotipoexploratória,

pois se busca uma maior compreensão do assunto Gestão do conhecimento, um tema relevante para as organizações nos dias atuais.

Quanto ao delineamento da pesquisa, ou seja, o ambiente para a coleta de dados, classifica-se comoumestudode caso.SegundoYin (2010), a aplicaçãodo estudode caso deve ser feita quando propostas as questões “Como?” e “Por quê?”. Seu foco é relacionado a um fenômeno contemporâneo no contexto da vida real que se deseja entender, explorar ou descrever. Neste sentido, é centrado em um contexto ou

Opinio, n.29, jul./dez. 2012154

organizaçãoespecíficaparaserexploradaemdetalhesnãocaptadosporoutrastécnicasde pesquisa que requerem conhecimento prévio de variáveis e proposições.

Para este trabalho, o estudo foi desenvolvido em um ambiente de Tecnologia da Informação, que presta atendimento direto aos usuários de uma Universidade. Para a coleta de dados, foram empregadas as técnicas de analise de documentos do setor, entrevistaseaplicaçãodequestionáriocomosfuncionáriosdosetorparaidentificaraspectos relacionas as ferramentas wiki.

3.1 Ambiente apresentado no estudo de casoO ambiente analisado é composto por um corpo técnico que realiza manutenção

nos computadores utilizados pelos alunos da Instituição. Os técnicos trabalham em duas escalas, manhã/tarde e tarde/noite, e entre suas atividades estão manutenção e configuraçãodehardware,instalaçãoeconfiguraçãodesoftwareeatendimentodiretoao usuário para orientação e solução de problemas.

Os técnicos realizam manutenções preventivas e corretivas. As manutenções preventivas consistem em manutenções periódicas em cada técnico atende um laboratórioacadaturno,realizandoaverificaçãodosequipamentoscomafinalidadedeprever as falhas. Já a manutenção corretiva é atendida através da abertura de chamados, emquesãorelatadososproblemasidentificadospelosusuárioseumtécnicoatendeindependentemente do laboratório que está agendado para manutenção.

A estrutura do laboratório é composta por 27 laboratórios de informática, contendo aproximadamente 570 computadores. Por ser um laboratório multidisciplinar, que atende os diversos cursos da Universidade, cada sala possui uma característica distinta, como configuraçãodehardwareousoftwareparausodasdisciplinasalocadas.

Arotatividadedetécnicosésignificativa,e,considerandoagrandequantidadede informações necessárias para o desenvolvimento das atividades no setor, é possível afirmarqueocorreperdadoconhecimentocomasaídadecadacolaborador.Nãoexisteum repositório de conhecimento, o que faz com que o conhecimento seja repassado, em muitos casos boca a boca e detalhes importantes sejam perdidos.

O treinamento dos técnicos novos se dá pelo acompanhamento das atividades de um técnico mais experiente onde algumas atividades de rotina são vivenciadas. Durante o período de treinamento não é possível repassar todas as informações e situações. O que desfavorece o técnico novo, pois ele atende sem conhecer soluções ou experiências anteriores.

Quando ocorre um problema do qual o técnico desconheça a solução, ele precisa procurar um técnico mais antigo que saiba como resolver o problema ou até mesmo pesquisar em sites e fóruns a solução mais adequada. Esta informação não é registrada, e se outro técnico tiver o mesmo problema, terá que buscar novamente a solução, gerando retrabalho.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 155

Diante da falta de experiência do técnico e de padronização dos procedimentos, aumentam os problemas, tempo e custos na busca por uma solução adequada, o que gera uma perda na qualidade do serviço.

4 PROPOSTA PARA O USO DE UMA WIKI – WIKITIOs autores Nonaka e Takeuchi (2009, p.99) apontam a necessidade de criação de

umambientequepermitaque“ainformaçãorecebasignificadoatravésdainterpretaçãopara tornar-se conhecimento”. Este ambiente é denominado “ba” e pode ser atribuído a qualquer ambiente que proporcione a interação e o compartilhamento do contexto dos indivíduos. Podem ser ambientes como escritórios, salas de reuniões, equipes de projetos, ambientes virtuais e grupo de emails.

Com base neste contexto e na análise do ambiente que apontou a necessidade de se explicitar e armazenar o conhecimento tácito, foi criado o ambiente WikiTI que propiciará a criação, compartilhamento e reutilização de parte do conhecimento técnico referente ao contexto da Instituição apontada no estudo de caso.

A WikiTI incentivará a gestão do conhecimento neste ambiente de TI, servindo como uma ferramenta de apoio às atividades técnicas, auxiliando no compartilhamento do conhecimento existente e na redução do tempo de busca por este conhecimento.

A WikiTI irá atuar como repositório de conhecimento, armazenando lições aprendidas e procedimentos técnicos como instalação e configuraçãode software,manutençãoeconfiguraçãodehardwareeprocedimentosdeconfiguraçãogeraldosequipamentos.

4.1 Parametrização do ambienteDe acordo com as necessidades apuradas, visto que a ferramenta MediaWiki

possui recursos limitados em sua forma original, foi necessária a parametrização da ferramenta para adequação da mesma às atividades exercidas pelos técnicos. Através das extensões disponíveis no site do MediaWiki, foi possível o complemento e ativação de funções.

Porquestãodesegurançadasinformaçõescontidasnoambiente,foramdefinidosgruposdeusuários(perfil)deacordocomosetor,quepermitiramacessosebloqueiosaos usuários pertencentes a estes grupos. Normalmente as ferramentas wiki permitem que qualquer pessoa torne-se membro, apenas criando uma conta. Por se tratar de uma ferramenta que será utilizada em um ambiente privado, esta opção de criação de conta foi excluída, sendo permitido o acesso ao conteúdo somente por colaboradores da TI, cadastrados no domínio (servidor que controla a rede), necessitando de autenticação paracriação,visualizaçãoeediçãodaspáginas,comomostraafigura2.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012156

FIGURA 2 – Autenticação WikiTI.

Fonte: Ferramenta WikiTI, 2012.

Deacordocomasrotinasdetrabalhoidentificadas,surgiuanecessidadedecriaçãode categorias e subcategorias para agrupar páginas de mesma natureza organizando e facilitando a navegação e pesquisa, agilizando a busca e localização de conteúdos. Foramdefinidasasseguintescategorias:

• Software

- Configuraçãodesoftware

- Incidentes de software

- Instalação de software

• Sistema

- Configuraçãodesistema

- Incidentes de sistema

- Instaladores

• Hardware

- Configuraçãodehardware

- Incidentes de hardware

- Drives

Como a WikiTI também armazenará procedimentos mais formais como documentação de instalação de software, foi adotado um modelo padrão de formatação para os procedimentos desta natureza. O modelo foi dividido nos seguintes tópicos:

• Objetivo/Abrangência:ondeserãoinseridososobjetivosdadocumentaçãoeem qual cenário o procedimento deverá ser utilizado;

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 157

• Informações adicionais: deverão constar característicasmais técnicas dosoftwarecomo,porexemplo,tipodelicença,tipodesoftware,suafinalidadeesenecessitadeumaconfiguraçãoamais;

• Procedimento:épassoapassodoprocedimento,comimagenseinformaçõesque auxiliem a quem estiver lendo a executar o procedimento sem maiores dúvidas;

• Liçõesaprendidas:nesteespaçoserãoinseridasasinformaçõesrelevantesquevierem das páginas de discussão sobre o assunto. Essas informações poderão ser resultados e testes, correção do procedimento, problemas encontrados e suas soluções. Será todo o conhecimento que contribua com o conhecimento já explicitado.

4.2 Inserindo a ferramenta no ambiente operacionalPor se tratar de uma nova ferramenta de trabalho, com um novo conceito,

observou-se a necessidade de uma orientação inicial, pois muitos dos colaboradores nunca tiveram contato com ferramentas wiki e desconheciam suas funcionalidades.

Para tanto foram inseridas páginas de orientação aos usuários contendo as funções básicas que visam auxiliar no primeiro contato com a ferramenta. As páginas de orientação foram inseridas na categoria “Ajuda” e contém os procedimentos de criação,edição,formataçãodaspáginas,inserçãodelinksefiguras.Foramrealizadastambém, reuniões práticas, periódicas, onde foi possível apresentar a ferramenta (seu conceito e objetivo) sua sintaxe, modo de trabalho e quais informações são importantes para armazenamento.

Foram realizadas práticas em conjunto, onde os usuários puderam inserir procedimentos padrões de instalação de software. Durante os encontros os usuários puderam solucionar dúvidas quanto ao uso da ferramenta e surgiram sugestões de melhoria da ferramenta que após análise foram implementadas.

4.3 UtilizaçãoAo fazer a autenticação, o usuário será direcionado para a página principal da

WikiTI(Figura3),ondeencontraráoobjetivo,afinalidadeeaárvoredecategoriasque mostrará as páginas já existentes categorizadas (Figura 4).

Opinio, n.29, jul./dez. 2012158

FIGURA 3 – Página principal WikiTI.

Fonte: Ferramenta WikiTI, 2012.

FIGURA 4 – Categorias e subcategorias.

Fonte: Ferramenta WikiTI, 2012.

O usuário pode fazer uso das opções presentes no cabeçalho da wiki que contém asseguintesopçõesmostradasnafigura5:

Informações sobre o usuário: discussões que ele tenha criado, suas preferências, páginas vigiadas que possibilita ao usuário controlar as mudanças de determinadas páginas marcadas por ele, e páginas criadas por ele mesmo.

Barra de ações: estão presentes as opções editar, eliminar, mover, altera proteção e vigiar, além do histórico de ações da página.

Editar: os tópicos das páginas podem ser editados pelo link “editar”. Ao clicar, o editor de texto da wiki abrirá permitindo a edição somente do tópico, diferentemente do editar da barra de ações que permite a edição de toda a página.

Barra de pesquisa: usuários podem realizar consultas por palavra ou categoria.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 159

Discussão: os usuários podem utilizar a barra de discussão para interagir com outros usuários, tratando de assuntos pertinentes à página como problemas encontrados, dicas sobre o assunto da página ou para tirar dúvidas. Nesta aba os usuários poderão gerar soluções ou melhoria do procedimento que após analisado passarão a fazer parte da página como tópico “Lições Aprendidas”.

FIGURA 5 – Opções WikiTI.

Fonte: Ferramenta WikiTI, 2012.

Asdefiniçõesacimacompreendemométodoempregadoparaaimplantaçãodaferramenta de gestão do conhecimento, atuando no gerenciamento e armazenamento do conhecimento obtido nas atividades da equipe técnica, na realização de procedimentos e solução de problemas, tornando-o disponível para consultas futuras.

5 EXEMPLO DE USO A seguir será apresentado um exemplo de uso da ferramenta WikiTI para um

problema corriqueiro no ambiente apresentado para o estudo de caso.

O turno da noite é o período em que se observa a maior utilização dos laboratórios. Em determinados dias chegando a 90% de ocupação. Para atendimento a todos os usuários, dois técnicos permanecem de plantão auxiliando nas mais diversas atividades, desde informações básicas como em problemas de rede, hardware e software que ocorrem durante as atividades em aulas.

O laboratório disponibiliza aos seus professores um espaço para armazenamento de seus arquivos utilizados em aula. Este espaço trata-se de uma unidade mapeada qual

Opinio, n.29, jul./dez. 2012160

se denomina “unidade y” ou “público”, que está disponível para todos os usuários, porém possui permissões de escrita apenas para os usuários de professores. Os alunos possuem apenas a permissão de leitura.

Em alguns momentos, quando ocorre um alto tráfego na rede, a unidade não é mapeada corretamente causando transtorno, seja para o professor que quer disponibilizar seu arquivo ou para o aluno que deseja visualizar o arquivo disponibilizado. Como solução para este problema, o técnico deve digitar um comando, no prompt de comando do Windows, para que a unidade seja mapeada novamente.

Como este procedimento é de alta importância para o desenvolvimento da aula, optou-se por inseri-lo na WikiTI. O uso da WikiTI possibilitou que o procedimento, antes conhecido por apenas um técnico, fosse armazenado e distribuído entre o grupo, sendonecessárioapenasdigitarnocampodepesquisa“unidadeY”(figura6)paraqueaWikiTIretornepáginasquecontenhaminformaçõessobrecomoconfiguraraunidade Y.

Este é um exemplo simples, que demonstra como a busca por um determinado conhecimento tornou-se mais otimizada através do uso do WikiTI, possibilitando um atendimento mais ágil minimizando os transtornos causados aos usuários.

FIGURA 6 – Resultado da pesquisa pela palavra Unidade Y:

Fonte: Ferramenta WikiTI, 2012.

Nafigura6épossívelvisualizarabuscapeloprocedimentoeoresultadoobtido.Nota-se que a ferramenta traz as páginas que contenham em seu título ou no corpo do texto a palavra pesquisada.

Oexemploapresentadopodeservisualizadonafigura7emformatodeumfluxodeprocessosdousodeconhecimentosnaferramentaWiki.Ofluxoinicianomomentoem que o técnico se depara com a ocorrência de um determinado problema e, a partir

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 161

desta situação, ele busca na WikiTI o conhecimento necessário para saná-lo, passando pelas etapas de conversão do conhecimento.

Esta passagem pelas etapas de conversão do conhecimento se torna muito sutil dentro de um processo, em determinados momentos as etapas se misturam, fazendo com que cada tarefa pertença a mais de uma etapa de conversão.

FIGURA 7 – Fluxo do conhecimento com a utilização da WikiTI.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2012.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012162

Como se pode observar, ao buscar uma solução através da troca de ideias com a equipe, o técnico socializa a situação aos outros indivíduos que participam explicitando e socializando suas experiências. Caso encontre a solução através da socialização, por parte da equipe ou em outras fontes, o indivíduo combina esse novo conhecimento com suas experiências e soluciona o problema. Esta ação torna-se uma explicitação, assim como quando ele já possui o conhecimento internalizado e aplica a solução ou quando ele insere o novo conhecimento na Wiki. A Wiki desta forma auxilia em todas as etapas da conversão do conhecimento.

6 AVALIAÇÃO DOS RESULTADOSAté afinalizaçãodeste trabalho, a ferramentaWikiTI que está emusopelos

técnicos desde abril de 2012, contava com 18 documentações referentes a procedimentos de software, 3 referentes a sistema corporativos e 3 referentes a hardware, inseridas pelos próprios colaboradores.

Também foi avaliado com a equipe técnica composta por 5 técnicos e 2 estagiários, através da aplicação de um questionário, a percepção destes sobre o uso da ferramenta no ambiente de trabalho, conforme abaixo:

• Os acessos aWikiTI, em suamaioria, são realizados semanalmente, onde86%doscolaboradoresafirmaminseririnformaçõesnaWiki.Porém,quandoquestionados sobre a consulta de informações, este número cai para 71%. Fato estequesejustificapeloprocessoinicialdeutilizaçãodaferramentaWiki;

• Osconteúdosapontadoscomosendoosmaisimportantesparaasatividadesdos técnicos são os relacionados aos incidentes de sistemas, instalação de softwareeconfiguraçãodesistema;

• QuantoàavaliaçãodaferramentaWikiTI,nãohouverespostasnegativas.Ausabilidade é considerada boa e muito boa, assim como suas funcionalidades (cria/editar) e estrutura das páginas, que também receberam esta avaliação;

• AbuscaporsoluçõesdeproblemasnãoseresumeaWikiTI;oscolaboradoresafirmambuscar outras fontes de informação, como consulta a colegas epesquisas na web.

• Sobreousodeferramentawiki,43%afirmamquejáfaziamuso.

Analisandoo processo de implantaçãodoprojeto, é possível afirmar que oscolaboradores mais antigos são os que mais contribuíram com informações sobre instalação de software. Acreditamos que por possuírem maior vivência nos processos do setor, a contribuição neste sentido é facilitada, ao contrário dos procedimentos mais corriqueiros que foram inseridos pelos colaboradores mais novos.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012 163

A criação de um formato para as documentações possibilitou a padronização do material publicado, tornando mais fácil a organização e visualização das informações.

Devido ao conceito informal da ferramenta Wiki, conforme Sousa, Aparício e Costa (2010), esta propicia o compartilhamento das informações de forma mais natural, porém é necessário que haja um incentivo para as postagens. Notou-se também que algunsusuáriostiveramdificuldadesemseexpressarduranteainserçãodeprocedimentona Wiki. Fato este que necessita de uma atenção maior para que o usuário não se sinta constrangido e deixe de colaborar.

Apesar de 43 % dos usuários terem respondido que já utilizaram outra ferramenta Wiki, o mesmo não foi observado durante a apresentação da ferramenta. Como mostrado anteriormente, na fase inicial, existiu a necessidade de encontros semanais para práticas em conjunto que proporcionasse ao usuário uma maior familiarização com as funcionalidades da ferramenta.

7 CONSIDERAÇÕES FINAISO gerenciamento do conhecimento organizacional torna-se essencial para

empresas que buscam vantagem competitiva, seja para melhoria de produtos ou de serviços.Agestãodoconhecimentoapoiaestanecessidadepropondoaidentificação,armazenamento, tratamento e distribuição do conhecimento existente e a busca pelo conhecimentonecessárioafimdetorná-lospartedosprocessosorganizacionais.

As ferramentas colaborativas, componentes da gestão do conhecimento, promovem a distribuição deste conhecimento ao mesmo tempo em que acrescentam informações ao conhecimento existente. Como demonstrado no estudo de caso deste trabalho, onde a aplicação de uma ferramenta Wiki proporcionou um ganho na qualidade do atendimento prestado pela equipe técnica, o conhecimento tácito pode ser explicitado e disseminado entre os colaboradores, gerando maior agilidade na busca por determinada solução. O uso de uma ferramenta colaborativa, bem estruturada, torna-se de suma importância para a otimização e bom andamento das tarefas do setor.

No estudo realizado por Sousa, Aparício e Costa (2010), os autores concluíram que a etapa de conversão do conhecimento mais evidente no seu estudo de caso é a internalização. Diferentemente desta conclusão, para o presente trabalho conclui-se que a etapa de conversão do conhecimento que prevalece é a externalização, pelo fato da ferramenta WikiTI estar em sua fase inicial de utilização, onde existe a necessidade primária de inserção e armazenamento das informações para posterior consulta, fazendo com que seja formada a base para as outras etapas de conversão do conhecimento.

Entretanto, é imprescindível que os envolvidos tenham entendimento da importância da relação colaborativa, que permite a renovação e troca de conhecimento mútuo. O apoio da organização na adaptação para esta mudança de cultura torna-se fator determinante para o sucesso da gestão do conhecimento no ambiente.

Opinio, n.29, jul./dez. 2012164

Como trabalho futuro relacionado à ferramenta WikiTI, existe a intenção de ampliação de uso da ferramenta para outros setores e unidades da TI da Instituição. Para que esta etapa se torne realidade é necessário, primeiramente o amadurecimento da ferramenta e a disseminação da cultura de gestão do conhecimento entre os novos usuários. Posteriormente uma nova parametrização da ferramenta deve ser feita adequando as necessidades de todos os envolvidos.

Porfim,propõe-secomomelhoriadasfuncionalidadesainserçãodeumanovaextensão que possibilite a avaliação das páginas, onde o usuário contribua com seu voto permitindo assim a medição do grau de relevância da mesma.

REFERÊNCIASDAVENPORT, Thomas H.; PRUSAK, Laurence. Conhecimento empresarial. São Paulo: Campus, 1999.MEDIAWIKI. Disponível em www.mediawiki.org. Acesso em: 25 fev. 2012.MOREIRA, Daniela. Wikis podem aposentar o conceito de intranet nas empresas. 2006. Disponível em: <http://idgnow.uol.com.br/computacao_corporativa/2006/08/23/idgnoticia.2006-08-23.0309930415> Acesso em: 03 mar. 2012.NONAKA, Ikujiro; TAKEUCHI, Hirotaka. Criação de conhecimento na empresa. Rio de Janeiro: Campus, 1997.NONAKA, Ikujiro; TAKEUCHI, Hirotaka. Gestão do Conhecimento. Porto Alegre: Bookman, 2009.RAHMAN, Mizannur; ORLOFF, Jefrey T. MediaWiki 1.1 – Beginner´s Guide. Packt Publishing Ltd. 2010. REVISTA HSM MANAGEMENT . A Gestão do Conhecimento na prática., n.42, 2004. Disponível em: <http://www.paradigma.com.br/gestao-do-conhecimento-na-pratica/view> Acesso em: 23 jan. 2012SANTOS, Antônio R. dos et al. Gestão do Conhecimento como modelo empresarial. Disponível em: <http://www1.serpro.gov.br/publicacoes/gco_site/m_capitulo01.htm>. Acesso em: 23 jan. 2012.SCHONS, Claudio H.; SILVA, Fabiano C.C.; MOLOSSI, Sinara. O uso de wikis na Gestão do Conhecimento em organizações. UFSC. 2007.SOUSA, Fernando; APARICIO, Manuela; COSTA, Carlos J. Organizational Wiki as a Knowledge Management Tool. Lisboa, Portugal. 2010.TURBAN, Efraim; MCLEAN, Ephraim R.; WETHERBE, James C. Tecnologia da Informação para Gestão: transformando os negócios na economia digital. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2004.WIKIMATRIX. Disponível em: <www.wikimatrix.org>. Acesso em: 25 fev. 2012.YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4.ed. Porto Alegre: Bookman,2010.