Ordens Do Amor - Bert Hellinger - 30-4-2013

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  • Bert Hellinger

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    Bert Hellinger

    ORDENS DO AMOR

    Um Guia Para o Trabalho com

    Constelaes Familiares

    Traduo

    NEWTON DE ARAJO QUEIROZ

    Reviso tcnica

    ELOISA GIANCOLI TIRONI

    TSUYUKO JINNO-SPELTER

    EDITORA CULTRIX

    So Paulo

  • Ordens do Amor

    2

    Ttulo do original: Ordnungen der Liebe. Ein Kurs-Buch

    Copyright 2001 Bert Hellinger.

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou

    por qualquer meio, eletrnico ou mecnico, inclusive fotocpias, gravaes ou sistema de armazenamento em

    banco de dados, sem permisso por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas crticas ou

    artigos de revistas.

    O primeiro nmero esquerda indica a edio, ou reedio, desta obra. A primeira dezena direita indica o

    ano em que esta edio, ou reedio foi publicada.

    Edio ________ Ano

    2-3-4-5-6-7-8-9-10-11-12 04-05-06-07-08-09-10

    Direitos de traduo para a lngua portuguesa adquiridos com exclusividade pela

    EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA.

    Rua Dr. Mrio Vicente, 368 - 04270-000 - So Paulo, SP

    Fone: 6166-9000 - Fax: 6166-9008

    E-mail: [email protected]

    http://www.pensamento-cultrix.com.br

    que se reserva a propriedade literria desta traduo.

    Impresso em nossas oficinas grficas.

  • Bert Hellinger

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    Este livro fala de destinos humanos e da possibilidade de transform-los. Em suas pginas

    so reproduzidos textualmente vrios cursos teraputicos de Bert Hellinger, que documentam

    e explicam os procedimentos por ele empregados, sobretudo seu trabalho especfico com as

    Constelaes Familiares. Para finalizar, o autor convida o leitor a acompanh-lo no caminho

    do conhecimento que leva compreenso das ordens aqui descritas, explicando, numa entre-

    vista, as etapas do longo trabalho que resultaram na criao do seu mtodo de cura.

    BERT HELLINGER, nascido na Alemanha em 1925, formou-se em Filosofia, Teologia e Pe-

    dagogia. Como membro de uma ordem de missionrios catlicos, estudou, viveu e trabalhou

    durante 16 anos no sul da frica, dirigindo vrias escolas de nvel superior. Posteriormente,

    tornou-se psicanalista e, por meio da Dinmica de Grupos, da Terapia Primal, da Anlise

    Transacional e de diversos mtodos hipnoteraputicos, desenvolveu sua prpria Terapia Sis-

    tmica e Familiar.

    Seu entendimento das leis segundo as quais os membros de um sistema familiar ficam tragica-

    mente implicados, assim como sua maneira de configurar as Constelaes Familiares visando

    uma soluo imediata, valeram a Hellinger o reconhecimento como uma das figuras-chave do

    mundo psicoteraputico atual.

    Uma introduo extensa ao pensamento e ao trabalho de Bert Hellinger pode ser encontrada

    em suas obras anteriores, A Simetria Oculta do Amor e Constelaes Familiares, publicadas

    pela Editora Cultrix.

    Pea catlogo gratuito

    EDITORA CULTRIX

    Rua Dr. Mrio Vicente, 368 Ipiranga 04270-000 - So Paulo, SP

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  • Ordens do Amor

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    SUMRIO

    Prefcio edio brasileira ............................................................... 5

    Introduo.. .............................................................................. 6

    Agradecimentos ....................................................................... 8

    A compreenso por meio da renncia ....................................... 9

    Os envolvimentos sistmicos e sua soluo ........... ....................... 14

    (de um curso de vivncia pessoal e aperfeioamento)

    Vnculos familiares de crianas adotadas .................................... 177

    (de um curso para profissionais de orientao familiar)

    O que faz adoecer nas famlias e o que cura ................................ 195

    (de um curso para enfermos, terapeutas e mdicos durante um congresso internacional sobre Medicina e Re-

    ligio)

    Perguntas a um amigo .................................................................. 270

    (Entrevista com Norbert Linz)

  • Bert Hellinger

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    PREFCIO EDIO BRASILEIRA

    Estou certo de que este livro ajudar muitas famlias a encontrar a soluo para os problemas que sempre lhes

    pareceram insolveis. Ento o amor poder unir de novo todos os membros da famlia.

    O dia-a-dia de muitas famlias mostra que no basta que nos amemos reciprocamente. O amor tambm precisa

    de uma ordem, para que possa se desenvolver. Essa ordem nos preestabelecida. Somente quando sabemos al-

    go sobre as ordens do amor que podemos superar os obstculos que, apesar da boa vontade de todos os envol-

    vidos, muitas vezes se colocam no nosso caminho. Este livro mostra em muitos exemplos o caminho que leva

    at l.

    Alegra-me que tambm no Brasil e em Portugal estejam sendo oferecidos muitos cursos onde os participantes

    podem configurar suas famlias. Assim eles experimentam, de forma imediata, como atuam as ordens do amor

    e como podem aplicar essas experincias situao das prprias famlias. Para aqueles que ainda no tm essa

    possibilidade, este livro indica o caminho para entenderem o que decisivo e o realizarem por si mesmos.

    Newton Queiroz traduziu este livro para o portugus com muito cuidado e profundo conhecimento de seus con-

    textos. Agradeo a ele pela traduo, e agradeo a Ricardo Riedel por ter acolhido este livro na programao

    editorial da Cultrix.

    Desejo, caros leitores, que este livro traga bnos para vocs e suas famlias.

    BERT HELLINGER

    (Janeiro de 2002)

  • Ordens do Amor

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    INTRODUO

    No decorrer dos ltimos anos, este livro se converteu numa obra que, ultrapassando em muito os limites da psi-

    coterapia, oferece ajuda a muitas pessoas na vida cotidiana. Assim, depois de sua quinta edio, chegou o mo-

    mento de fazer uma reviso deste livro, levando em conta o crescente nmero de leitores. O texto foi reformu-

    lado e, em algumas partes, ampliado. Um novo captulo sobre o caminho do conhecimento mostra como um

    olhar sem preconceitos para a realidade nos proporciona a intuio liberadora e curativa.

    O tema deste livro so as ordens preestabelecidas para o amor nas relaes humanas. Seu conhecimento ne-

    cessrio para que sejamos bem-sucedidos nesse amor. O amor cego e inconsciente, que desconhece essas or-

    dens, frequentemente nos desencaminha. Mas o amor que as conhece e respeita realiza o que almejamos, pro-

    duzindo em ns e ao nosso redor efeitos benficos e curativos.

    Este livro reproduz textualmente, se bem que de forma abreviada, trs cursos teraputicos.

    O primeiro deles versa sobre os envolvimentos sistmicos e sua soluo. Foi um curso de vivncia pessoal e

    aperfeioamento, aqui reproduzido praticamente na ntegra.

    Ele introduz ao trabalho com as constelaes familiares, ajudando a revelar o que nos enreda nos destinos de

    outros membros da famlia e do grupo familiar, bem como os efeitos desses envolvimentos. Traz luz, sobretu-

    do, quando, como e de acordo com que leis possvel desprender-se de tais enredamentos.

    Manifesta-se a que na famlia e no grupo familiar existe uma necessidade de vnculo e de compensao, parti-

    lhada por todos, que no tolera a excluso de nenhum membro. Quando ela acontece, o destino dos excludos

    inconscientemente assumido e continuado por membros subsequentes da famlia. isso que entendemos aqui

    por envolvimento.

    Quando, porm, os membros remanescentes reconhecem os excludos como pertencentes famlia, o amor e o

    respeito compensam a injustia que foi cometida contra eles, e seus destinos no precisam ser repetidos. E isso

    que chamamos aqui de soluo.

    O envolvimento sistmico obedece a uma ordem que estabelece que algo nefasto seja expiado por meio de algo

    nefasto e que os pequenos, inocentes, paguem e expiem pelos grandes, culpados. Por outro lado, a soluo

    obedece a uma outra ordem que atende, de forma salutar, necessidade de vnculo e de compensao. Ambas

    so ordens do amor, sendo que a primeira causa infortnios e a segunda proporciona a cura.

    O segundo curso foi dirigido a profissionais da rea de orientao familiar. Dele foram selecionados os trechos

    que mostram qual o lugar dos filhos que perderam um dos pais, ou ambos, e as consequncias que advm

    quando os pais entregam filhos para adoo ou quando estranhos adotam uma criana sem necessidade.

    O terceiro curso foi dirigido a doentes, terapeutas e mdicos. Nele, os pacientes configuraram suas famlias de

    origem ou atuais, diante de centenas de observadores participantes. Esse trabalho tomou visvel para as pessoas

    diretamente envolvidas, assim como para os colaboradores e espectadores, aquilo que na comunidade de desti-

    no constituda pela famlia e pelo grupo familiar provoca doenas graves, acidentes ou suicdios, e o que pode

    reverter tais destinos.

    Este livro , em vrios sentidos, um guia:

    Em primeiro lugar, reproduz literalmente os cursos teraputicos selecionados, permitindo que o leitor

    participe da busca de solues, como se estivesse pessoalmente presente, e talvez que tambm encontre cami-

    nhos para superar as prprias crises e a cura para doenas condicionadas pela alma.

    Em segundo lugar, apresenta e esclarece importantes procedimentos teraputicos. Isso se aplica sobre-

    tudo s constelaes familiares que, de forma simples, trazem luz envolvimentos e mostram solues. Aplica-

    se tambm retomada do movimento amoroso para a me ou o pai, o que possibilita a cura ou o abrandamento

    de medos e danos sofridos por causa de uma prematura separao ou perda dos pais.

  • Bert Hellinger

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    Em terceiro lugar, quem, alm disso, se interessa tambm pelo caminho do conhecimento que conduz

    percepo das ordens aqui descritas, poder experimentar em si mesmo, na leitura deste livro, que a intuio li-

    beradora e curativa, que nasce do simples olhar centrado, fulgura de repente como um raio na escurido e atin-

    ge o alvo (psicoterapia fenomenolgica).

    Foram alterados os nomes dos participantes e eliminadas as indicaes de lugares.

    As constelaes familiares so graficamente registradas em todos os seus passos. Captulos intermedirios es-

    clarecem os procedimentos teraputicos e descrevem os padres recorrentes, eventualmente contando histrias

    ou agregando pontos dispersos. A entrevista no final do livro (Perguntas a um amigo) contribui para melhor

    entendimento da prtica aqui descrita. Ela mostra as diversas etapas de minha evoluo como terapeuta e escla-

    rece as intuies e os propsitos que esto por trs dos procedimentos mais importantes que, de outra forma,

    ofereceriam a algumas pessoas dificuldade de compreenso.

    Finalmente, desejo que esta leitura lhes proporcione alegria, o reconhecimento das ordens do amor e a seguran-

    a de que, conhecendo essas ordens, alcanaro xito nesse amor.

    BERT HELLINGER

  • Ordens do Amor

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    AGRADECIMENTOS

    Gostaria de agradecer a muitos amigos por suas sugestes e ajuda.

    O Dr. Gunthard Weber e o Dr. Norbert Linz me acompanharam durante todas as fases da redao deste livro e

    no descansaram enquanto no consegui organizar e apresentar, de maneira clara e compreensvel, o grande vo-

    lume de dados.

    O Prof. Dr. Michael Angermaier e Heinrich Breuer ajudaram-me na coleta dos dados, prepararam o primeiro

    curso aqui apresentado e o gravaram em vdeo. O segundo curso foi documentado por Friedrich Fehlinger e o

    terceiro por Verena Nitschke.

    O Prof. Michael Angermaier, Felizitas Betz, Heinrich Breuer, o Dr. Otto Brink, a Dra. Marianne Krll, Jakob

    Schneider e o Dr. Gunthard Weber leram as provas, completando e melhorando o texto com numerosas suges-

    tes.

    O Dr. Norbert Linz cuidou da redao final e tambm realizou a entrevista Perguntas a um amigo, que encer-

    ra este livro.

    A todos eles o meu cordial agradecimento.

    De modo especial agradeo a Herta, minha mulher, por ter-me concedido o espao exigido por este trabalho e

    por t-lo acompanhado com pacincia e compreenso.

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    A COMPREENSO

    POR MEIO DA RENNCIA

    Para comear, uma histria:

    O conhecimento Algum se decide afinal a saber. Monta em sua bicicleta, pedala para o campo aberto, afastando-se do cami-

    nho habitual e seguindo por outra trilha.

    Como no existe sinalizao, ele tem de confiar apenas no que v com os prprios olhos diante de si e no que

    mede com seu avano. O que o impulsiona , antes de tudo, a alegria de descobrir. E o que para ele era mais

    um pressentimento, agora se transforma em certeza.

    Eis, porm, que o caminho termina, diante de um largo rio. Ele desce da bicicleta. Sabe que, se quiser avanar,

    dever deixar na margem tudo o que leva consigo. Perder o solo firme, ser carregado e impulsionado por

    uma fora que pode mais do que ele, qual precisar entregar-se. Por isso hesita e recua.

    Pedalando de volta para casa, d-se conta de que pouco conhece do que poderia ajudar e dificilmente conse-

    guir comunic-lo a outros. J tinha vivido, por vrias vezes, a situao de algum que corre atrs de outro

    ciclista para avis-lo de que o para-lama est solto: Ei, voc a, o seu para-lama est batendo! O qu?

    O seu para-lama est batendo! No consigo entender, responde o outro, o meu para-lama est ba-

    tendo!

    Alguma coisa deu errado aqui, pensa ele. Pisa no freio e d meia-volta.

    Pouco depois, encontra um velho mestre e pergunta-lhe: Como que voc consegue ajudar outras pessoas?

    Elas costumam procur-lo, para pedir-lhe conselho em assuntos que voc mal conhece. No obstante, sentem-

    se melhor depois.

    O mestre lhe responde: Quando algum para no caminho e no quer avanar, o problema no est no saber.

    Ele busca segurana quando preciso coragem e quer liberdade quando o certo no lhe deixa escolha. Assim,

    fica dando voltas.

    O mestre, porm, no cede ao pretexto e aparncia. Busca o prprio centro e, recolhido nele, espera por uma

    palavra eficaz, como quem abre as velas e aguarda pelo vento. Quando a outra pessoa chega, encontra-o no

    mesmo lugar aonde ela prpria deve ir, e a resposta vale para ambos. Ambos so ouvintes.

    E o mestre acrescenta: No centro sentimos leveza.

    O caminho cientfico e o caminho fenomenolgico do conhecimento

    Dois movimentos nos levam ao conhecimento. O primeiro exploratrio e quer abarcar alguma coisa at ento

    desconhecida, para apropriar-se e dispor dela. O esforo cientfico pertence a esse tipo e sabemos quanto ele

    transformou, assegurou e enriqueceu o nosso mundo e a nossa vida.

    O segundo movimento nasce quando nos detemos durante o esforo exploratrio e dirigimos o olhar, no mais

    para um determinado objeto apreensvel, mas para um todo. Assim, o olhar se dispe a receber simultaneamen-

    te a diversidade com que se defronta. Quando nos deixamos levar por esse movimento diante de uma paisagem,

    por exemplo, de uma tarefa ou de um problema, notamos como nosso olhar fica simultaneamente pleno e vazio.

    Pois s quando prescindimos das particularidades que conseguimos expor-nos plenitude e suport-la. As-

    sim, detemo-nos em nosso movimento exploratrio e recuamos um pouco, at atingir aquele vazio que pode fa-

    zer face plenitude e diversidade.

    Esse movimento, que inicialmente se detm e depois se retrai, eu chamo de fenomenolgico. Ele nos leva a co-

    nhecimentos diferentes dos que podemos obter pelo movimento do conhecimento exploratrio. Ambos se com-

    pletam, porm. Pois tambm no movimento do conhecimento cientfico exploratrio, precisamos s vezes parar

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    e dirigir o olhar do estreito ao amplo, do prximo ao distante. Por sua vez, o conhecimento obtido pela fenome-

    nologia precisa ser verificado no indivduo e no prximo.

    O processo

    No caminho fenomenolgico do conhecimento, expomo-nos, dentro de um determinado horizonte, diversida-

    de dos fenmenos, sem escolha e sem avaliao. Esse caminho do conhecimento exige portanto um esvaziar-se,

    tanto em relao s ideias preexistentes quanto aos movimentos internos, sejam eles da esfera do sentimento, da

    vontade ou do julgamento. Nesse processo, a ateno simultaneamente dirigida e no-dirigida, concentrada e

    vazia.

    A postura fenomenolgica requer uma disposio atenta para agir, sem contudo passar ao ato. Ela nos torna ex-

    tremamente capazes e prontos para a percepo. Quem a sustenta percebe, depois de algum tempo, como a di-

    versidade presente no horizonte se dispe em torno de um centro; de repente, reconhece uma conexo, uma or-

    dem talvez, uma verdade ou o passo que leva adiante. Essa compreenso provm igualmente de fora, experi-

    mentada como uma ddiva e, via de regra, limitada.

    A renncia

    O primeiro pressuposto para alcanar essa compreenso a ausncia de inteno. Quem mantm intenes im-

    pe realidade algo de seu; talvez pretenda alter-la a partir de uma imagem preconcebida ou influenciar e

    convencer outras pessoas de acordo com ela. Procedendo assim, procede como se estivesse numa posio supe-

    rior face realidade; como se ela fosse um objeto para a sua subjetividade e no fosse ele, ao invs, o objeto da

    realidade. Aqui fica evidente o tipo de renncia exigido de ns para abdicarmos de nossas intenes, inclusive

    das boas intenes. Alm do mais, o prprio bom senso exige essa renncia, pois a experincia nos mostra que

    frequentemente sai errado o que fazemos com boa inteno ou at mesmo com a melhor das intenes. A in-

    teno no substitui a compreenso.

    A coragem

    O segundo pressuposto para essa compreenso o destemor. Quem teme o que a realidade traz luz coloca

    uma viseira nos olhos. E quem receia o que outros vo pensar ou fazer quando diz o que percebeu fecha-se a

    um novo conhecimento. Aquele que, como terapeuta, teme defrontar-se com a realidade de um cliente por

    exemplo, a de que lhe resta pouco tempo de vida transmite- lhe medo, dando-lhe a ver que o terapeuta no

    est altura dessa realidade.

    A sintonia

    A ausncia de inteno e de medo permite a sintonia com a realidade como ela , inclusive com seu lado ate-

    morizante, avassalador e terrvel. Dessa maneira, o terapeuta fica em sintonia com a felicidade e a infelicidade,

    a inocncia e a culpa, a sade e a doena, a vida e a morte. Justamente por meio dessa sintonia ele adquire a

    compreenso e a fora para encarar o mal e, s vezes, em sintonia com essa realidade, para revert-lo. Sobre es-

    te tema contarei tambm uma histria:

    Um discpulo perguntou a um mestre: Diga-me, o que a liberdade?

    Que liberdade?, perguntou-lhe o mestre.

    A primeira liberdade a estupidez. Lembra o cavalo que, relinchando, derruba o cavaleiro, s para sentir

    depois o seu pulso ainda mais firme.

    A segunda liberdade o remorso. Lembra o timoneiro que, aps o naufrgio, permanece nos destroos em vez

    de subir ao barco salva-vidas.

    A terceira liberdade a compreenso. Ela sucede estupidez e ao remorso. Assemelha-se ao caule que se ba-

    lana com o vento e, por ceder onde fraco, permanece de p.

    Isso tudo?, perguntou o discpulo.

    O mestre lhe respondeu: Algumas pessoas acham que so elas que procuram a verdade de suas almas. Con-

    tudo, a grande Alma que pensa e procura atravs delas. Como a natureza, ela pode permitir-se muitos erros,

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    porque est sempre e sem esforo substituindo os maus jogadores. Mas aquele que a deixa pensar recebe dela,

    s vezes, certa liberdade de movimento. E, como um rio que carrega o nadador que se deixa levar, ela o leva

    at a margem, unindo sua fora dele.

    Fenomenologia filosfica

    Eu gostaria agora de dizer algo sobre a fenomenologia filosfica e a fenomenologia psicoteraputica. Na feno-

    menologia filosfica, procuro perceber o essencial dentre a grande variedade dos fenmenos, na medida em que

    me exponho totalmente a eles, com minha mxima abertura. Esse essencial surge repentinamente do oculto,

    como um raio, e sempre ultrapassa em muito o que eu poderia excogitar ou deduzir logicamente a partir de

    premissas ou de conceitos. No obstante, ele nunca se revela totalmente. Permanece envolvido pelo oculto, co-

    mo cada ser envolvido por um no-ser.

    Dessa maneira, considerei os aspectos essenciais da conscincia, por exemplo, que ela atua como um rgo de

    equilbrio sistmico, ajudando-me a perceber imediatamente se me encontro ou no em sintonia com o sistema

    e se o que fao preserva e assegura o meu pertencimento ou se, pelo contrrio, o coloca em risco ou suprime.

    Portanto, nesse contexto, a boa conscincia significa apenas: Posso estar seguro de que ainda perteno ao meu

    grupo. E a m conscincia significa: Receio no fazer mais parte do grupo. Assim, a conscincia pouco tem a

    ver com leis e verdades universais, mas relativa e varia de um grupo para outro.

    Reconheci igualmente que essa conscincia reage de um modo totalmente diverso quando no est em jogo o

    direito de pertencimento, como acabo de descrever, mas o equilbrio entre o dar e o receber. Ela reage tambm

    de forma diversa quando vela pelas ordens da convivncia. Cada uma das diversas funes da conscincia di-

    rigida e imposta por ela por meio de diferentes sentimentos de inocncia e de culpa.

    Contudo, a principal diferena que se evidenciou nesse contexto a que existe entre a conscincia sentida e a

    conscincia oculta. Com efeito, verifica-se que, justamente por seguirmos a conscincia sentida, atentamos con-

    tra a conscincia oculta; e, embora a primeira nos declare inocentes, a segunda pune esse ato como culpa. A

    oposio entre essas conscincias a base de toda tragdia o que, no fundo, nada mais significa do que uma

    tragdia familiar. Ela provoca os enredamentos sistmicos responsveis por doenas graves, acidentes e suic-

    dios. Essa oposio igualmente responsvel por muitas tragdias de relacionamento, quando uma relao en-

    tre um homem e uma mulher se desfaz, apesar de um grande amor recproco.

    Fenomenologia psicoteraputica

    Esses conhecimentos, porm, no resultaram apenas da percepo filosfica e da utilizao filosfica do mto-

    do fenomenolgico. Foi necessria ainda uma outra via de acesso, a do saber por participao. Essa via se

    abre atravs das constelaes familiares, quando acontecem sob o enfoque fenomenolgico.

    O cliente escolhe arbitrariamente, entre os participantes de um grupo, representantes para si prprio e para ou-

    tros membros significativos de sua famlia, por exemplo, seu pai, sua me e seus irmos. Estando interiormente

    centrado, o cliente posiciona os representantes no recinto, relacionando-os entre si. Atravs desse processo, o

    cliente surpreendido por algo que subitamente vem luz. Isto significa que, no processo da configurao da

    famlia, ele entra em contato com um saber que antes lhe estava vedado. Um colega me contou recentemente

    um exemplo do fato. Na constelao de uma famlia evidenciou-se que a cliente estava identificada com uma

    ex-namorada de seu pai. Posteriormente, ela interrogou o pai e outros parentes a respeito, mas todos lhe garanti-

    ram que estava enganada. Alguns meses mais tarde, seu pai recebeu uma carta da Bielo-Rssia. Era de uma

    mulher que tinha sido seu grande amor durante a guerra e descobrira seu endereo depois de uma longa procu-

    ra.

    Mas este apenas um lado, o do cliente. O outro lado que o representante, logo que posicionado, comea a

    sentir-se como a pessoa que representa; s vezes, chega a experimentar sintomas fsicos dela. Presenciei casos

    em que o representante ouviu intimamente o nome da pessoa. Tudo isso experimentado, embora os represen-

    tantes saibam somente qual a pessoa que esto representando. Portanto, no trabalho com as constelaes fami-

    liares, fica evidente que entre o cliente e os membros de seu sistema atua um campo de fora que dotado de

    saber e o transmite atravs da simples participao, sem mediao externa. O mais surpreendente que tambm

    os representantes possam conectar-se com esse conhecimento e com a realidade dessa famlia, embora nada te-

    nham a ver com ela e nada possam saber sobre ela.

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    O mesmo se aplica, naturalmente e de modo especial, ao terapeuta. Mas a condio para isso que tanto ele

    quanto o cliente e os representantes estejam dispostos a defrontar-se com a realidade que pressiona por mani-

    festar-se e a dizer sim a ela, tal como , sem intenes, sem medo e sem recorrer a teorias ou experincias ante-

    riores. Nisso consiste, alis, a postura fenomenolgica aplicada psicoterapia. Aqui tambm, a compreenso

    obtida por meio da renncia, do abandono de intenes e medos e do assentimento realidade, tal como se ma-

    nifesta. Sem essa postura fenomenolgica, sem a concordncia com o que se manifesta, sem interpretaes,

    atenuaes ou exageros, o trabalho com constelaes familiares fica superficial, sujeito a desvios e destitudo

    de fora.

    A alma

    Mais surpreendente ainda do que esse conhecimento transmitido pela participao o fato de que esse campo

    dotado de saber ou, como prefiro cham-lo, essa alma dotada de saber, que transcende e dirige o indivduo,

    procura e encontra solues que ultrapassam em muito o que poderamos imaginar, produzindo efeitos de muito

    maior alcance do que poderamos obter com uma ao planejada. Isso se revela mais claramente naquelas cons-

    telaes em que o terapeuta procede com a mxima reserva, limitando-se a colocar representantes para as pes-

    soas significativas e entregando-os, sem prvias instrues, quilo que os arrebata como um poder externo irre-

    sistvel e os conduz a revelaes e experincias que de outra forma pareceriam impossveis.

    Citarei um exemplo. H pouco tempo, na Sua, depois de constelar sua famlia atual, um homem julgou neces-

    srio acrescentar que era judeu. Coloquei ento, lado a lado, sete representantes de vtimas do holocausto. Pus

    ento, atrs deles, sete representantes dos assassinos e fiz com que as vtimas se virassem para eles. Um incrvel

    processo sem palavras desenrolou-se ento entre todos, durante cerca de um quarto de hora. Esse processo evi-

    denciou que existe algo como uma morte consumada e uma morte no-consumada. Para a vtima e seu agres-

    sor, a morte s se consuma quando nela mutuamente se encontram, (e) percebem que foram igualmente deter-

    minados e dirigidos por um poder que atuou sobre eles, e nele se sentem finalmente acolhidos.

    Fenomenologia religiosa

    Aqui, o nvel da filosofia e da psicoterapia substitudo por um outro mais amplo. Nele nos experimentamos

    como entregues a um todo maior, que temos de reconhecer como ltimo e abrangente. Esse nvel poderia cha-

    mar-se religioso ou espiritual. Mesmo nele, contudo, mantenho a postura fenomenolgica, livre de intenes,

    de medo e pressuposies, apenas presente ao que se manifesta. Ilustrarei com uma terceira histria o que isso

    significa para a experincia religiosa e o ato religioso.

    Algum nasce na sua famlia, na sua ptria, na sua cultura. Desde criana ouve falar de seu modelo, professor

    e mestre, e sente um desejo profundo de tornar-se e ser como ele.

    Junta-se a pessoas que tm o mesmo propsito, disciplina-se por muitos anos e segue seu grande modelo, at

    que se toma igual a ele at que pensa, fala, sente e quer como ele.

    Entretanto, julga que ainda lhe falta uma coisa. Assim, parte para uma longa viagem, buscando transpor tal-

    vez uma ltima fronteira na mais distante solitude. Passa por velhos jardins, h muito abandonados, onde ape-

    nas continuam florescendo rosas silvestres. Grandes rvores do frutos todos os anos, mas eles caem esqueci-

    dos no cho porque no h quem os queira. Da para a frente, comea o deserto.

    O viajante logo cercado por um vazio desconhecido. Para ele, todas as direes se confundem e as imagens

    que esporadicamente aparecem diante dele so reconhecidas como vazias. Caminha ao sabor dos impulsos.

    Quando j tinha perdido, h muito tempo, a confiana nos prprios sentidos, avista diante de si a fonte. Ela

    brota do solo e nele imediatamente se infiltra. Porm, at onde a gua alcana, o deserto se converte num pa-

    raso.

    Olhando em volta, o viajante v ento dois estranhos se aproximarem. Tinham procedido exatamente como ele.

    Seguiram seus prprios modelos at se tornarem iguais a eles. Partiram igualmente para uma longa viagem,

    buscando transpor talvez uma ltima fronteira, na solido do deserto. E, como ele, encontraram a fonte. Jun-

    tos, os trs se curvam, bebem da mesma gua e acreditam que esto perto de atingir a meta. Depois, dizem

    seus nomes: Eu me chamo Gautama, o Buda. Eu me chamo Jesus, o Cristo. Eu me chamo Maom, o

    Profeta.

  • Bert Hellinger

    13

    Ento chega a noite, e acima deles, brilham as estrelas, como sempre brilharam, extremamente distantes e si-

    lenciosas. Os trs se calam. Um deles sabe que est mais prximo do grande modelo do que jamais estivera

    antes. E como se pudesse, por um momento, pressentir o que Ele sentira quando conheceu a impotncia, a frus-

    trao, a humildade. E como deveria sentir-se, se conhecesse igualmente a culpa. E julgou ouvi-Lo dizer: Se

    vocs me esquecessem, eu teria paz.

    Na manh seguinte ele retoma, fugindo do deserto. Mais uma vez, seu caminho o leva por jardins abandona-

    dos, at que chega a um jardim que lhe pertence. Diante da entrada est um velho, como se estivesse esperan-

    do por ele. O velho lhe diz: Quem vai to longe e encontra, como voc, o caminho de volta, ama a terra mi-

    da. Sabe que tudo o que cresce tambm morre, e quando acaba nutre. Sim, responde o outro, eu concordo

    com a lei da terra.

    E comea a cultiv-la.

  • Ordens do Amor

    14

    OS ENVOLVIMENTOS

    SISTMICOS E SUA SOLUO

    (DE UM CURSO DE VIVNCIA PESSOAL E APERFEIOAMENTO)

    PRIMEIRO DIA

    Abertura

    HELLINGER: Sejam bem-vindos a este curso. Para comear, peo a cada um que diga, em poucas palavras:

    como se chama;

    o que faz profissionalmente;

    qual o seu estado civil;

    e o que pretende aqui.

    A busca de solues comear logo que surja a ocasio. Os diversos passos para a soluo podero ser experi-

    mentados por meio da prpria constelao ou participando de outras, e sero comprovados pelo seu efeito. As

    eventuais perguntas sobre os procedimentos, os resultados ou os fundamentos sero respondidas por mim, da

    melhor maneira possvel.

    A adoo perigosa

    KARL: Eu me chamo Karl e vivo com minha mulher e nosso filhinho adotivo. Temos quatro filhos prprios,

    com idades que variam entre vinte e seis e trinta e dois anos. Todos eles j saram de casa. Tambm foram cria-

    das por ns trs meninas, da mesma idade de nossos filhos. Uma delas a me do filho adotivo que agora vive

    conosco. De profisso, sou pastor evanglico e trabalho com crianas e jovens deficientes e com suas famlias.

    No ano passado, a partir de um encontro com voc, tomei conscincia de que meu trabalho at ento era muito

    limitado. Digo isso porque naquela ocasio s atendia aos jovens como pessoas deficientes ou, quando apresen-

    tavam distrbios de relacionamento, somente em carter individual. Noto agora que quase no faz sentido que-

    rer ajudar uma criana se no posso trabalhar tambm com sua famlia ou quando esta no tem a mesma cons-

    cincia do problema.

    HELLINGER: Voc precisa anular essa adoo.

    KARL: Anular a adoo?

    HELLINGER: o que voc precisa fazer.

    KARL: Isso eu nem consigo imaginar.

    HELLINGER: Voc no tem direito a ela. A adoo uma coisa perigosa. Quem a faz sem uma razo de fora

    maior paga caro por ela, com seu prprio filho ou com sua parceira. Ele os sacrifica como compensao. Quem

    quis a adoo?

    KARL: Ambos a quisemos, minha mulher e eu.

    HELLINGER: Por que o garoto no est com a me?

    KARL: Ela veio nossa casa quando seu filho tinha quatro meses. Como queria morar com amigos, deixou-nos

    ento o menino, como filho de criao.

  • Bert Hellinger

    15

    HELLINGER: Como filho de criao est bem, mas a adoo vai longe demais, alm do que a criana precisa.

    Ela arrancada de seu contexto familiar.

    KARL: Ainda no percebo bem esse ponto, porque a relao dele com sua me natural continua como antes.

    HELLINGER: A relao da criana com sua me natural no a mesma de antes; este o lado mau. Voc tirou

    da me e tambm do pai os seus direitos e responsabilidades. O que acontece com ele?

    KARL: O pai turco e agora est casado em segundas npcias com uma turca. Tem outros filhos com ela e

    abriu mo da relao com esse filho.

    HELLINGER: Por que a criana no pode morar com o pai? Voc teme que se torne muulmana? Pois deveria

    tornar-se!

    KARL: Sim, poderia tornar-se.

    HELLINGER: O melhor lugar para a criana l. No um menino?

    KARL: Sim.

    HELLINGER: Ento o lugar dele com o pai, est claro.

    KARL: Preciso refletir a respeito.

    HELLINGER: Voc sabe o que acontece com o refletir a respeito? como a histria daquele pastor que dizia,

    no fim de um retiro espiritual: Caramba, depois do retiro preciso sempre de umas seis semanas para voltar aos

    velhos hbitos.

    Enfrentar o risco de expor-se

    BRIGITTE: Meu nome Brigitte. Sou psicloga e tenho consultrio particular. Tive quatro filhas do primeiro

    casamento e depois me divorciei. Meu primeiro marido faleceu mais tarde. Em seguida, casei-me novamente e

    desse casamento tenho duas enteadas. Vivo distanciada de meu marido para concentrar minhas foras. Vim

    aqui para aprender algo sem me esforar muito.

    HELLINGER: Isto est fora de cogitao aqui. O que voc deseja realmente?

    BRIGITTE: Gostaria de no entrar mais fundo do que eu possa suportar internamente.

    HELLINGER: Acho arriscado demais admitir aqui a presena de uma pessoa que no esteja disposta a se expor,

    mesmo sob risco pessoal, pois tal atitude inibe a manifestao do ntimo. Portanto, quero adverti-la: nosso tra-

    balho no se destina a espectadores.

    BRIGITTE: No quero ser entendida dessa forma. Porm, como sou responsvel pela formao de alguns parti-

    cipantes deste grupo e como o grupo to grande, gostaria de manter uma certa reserva. Mas quero fazer o que

    for necessrio para poder participar.

    HELLINGER: J lhe expliquei as regras e voc as entendeu. Com isso, est tudo em ordem para mim. Mas gos-

    taria de lhe contar ainda uma histria.

    Quem recebe mais, e quem menos

    Nos Estados Unidos, um professor de psicologia chamou um estudante, entregou-lhe uma nota de um dlar e

    outra de cem dlares e lhe disse: V sala de espera. L esto sentados dois homens. D a um a nota de um

    dlar e, ao outro, a nota de cem. O estudante pensou: Esse cara est maluco! Ento pegou o dinheiro, foi

    sala de espera e deu a um a nota de um dlar e, ao outro, a nota de cem. Ele no sabia que o professor tinha

    secretamente dito a um dos homens: Voc receber um dlar e ao outro: Voc receber cem dlares.

    Casualmente, o estudante deu a nota de um dlar ao que esperava receber um dlar e ao outro, que esperava

    receber cem dlares, deu a nota de cem.

    HELLINGER (com um sorriso): Curioso, agora me pergunto o que esta histria est fazendo aqui.

    A dupla transferncia

    CLAUDIA: Meu nome Claudia. Sou psicloga e trabalho como psicoterapeuta e tambm como perita judicial,

  • Ordens do Amor

    16

    em assuntos de direito familiar. Dou tambm cursos para pessoas que perderam sua habilitao para dirigir e

    precisam passar por um treinamento psicolgico. Quanto ao estado civil, sou divorciada. Isso algo embarao-

    so para mim, porque s fiquei seis meses casada e fico em dvida se devo considerar-me casada ou divorciada.

    HELLINGER: Voc j foi casada e esse fato no pode ser anulado. Tem filhos?

    CLAUDIA: No, no tenho.

    HELLINGER: Por que vocs se separaram?

    CLAUDIA: Porque estava terrvel. Tivemos pouco tempo para nos conhecer, decidimos nos casar rapidamente e

    ento achei tudo terrvel.

    HELLINGER: Voc achou terrvel, e ele tambm?

    CLAUDIA: Eu me esforcei por tornar a situao terrvel tambm para ele.

    HELLINGER: Quem foi a mulher raivosa do seu sistema familiar que voc imitou ?

    CLAUDIA: Minha me, seguramente.

    HELLINGER: Vamos procurar mais algum. A pergunta a seguinte: que mulher, em seu sistema de origem, ti-

    nha motivos para ficar com raiva de um homem? Quando acontece algo como voc contou, a dinmica que atua

    no fundo a dupla transferncia. Sabe o que isso?

    CLAUDIA: No.

    HELLINGER: Vou dar-lhe um exemplo. Num seminrio onde Jirina Prekop fazia demonstrao da terapia do

    abrao, ela pediu a um casal que se abraasse firmemente. De repente, a expresso da mulher mudou e ela fi-

    cou furiosa com o marido sem que houvesse motivo para isso. Ento eu disse a Jirina: Veja como mudou a ex-

    presso dela. Por a voc pode reconhecer com quem ela est identificada. Com efeito, ela havia assumido de

    repente a expresso de uma velha de oitenta anos, embora no tivesse mais de uns trinta e cinco. Ento eu disse

    mulher: Repare em sua prpria expresso. Quem que tinha uma cara assim? Minha av, respondeu ela.

    O que aconteceu com ela?, perguntei. Ela respondeu: Minha av tinha um restaurante, e meu av vrias ve-

    zes arrastou-a pelos cabelos no salo, diante dos fregueses. E ela aguentou isso.

    Voc pode imaginar como realmente se sentiu a av? Ficou furiosa com o marido, mas no expressou esse sen-

    timento. Foi essa raiva reprimida que a neta adotou dela. Essa foi a transferncia no sujeito da raiva: da av pa-

    ra a neta. Contudo, a neta dirigiu essa raiva para o marido e no para o av. Essa foi a transferncia no objeto

    da raiva: do av para o marido. Isso era menos arriscado para a neta, porque seu marido a amava e tolerava is-

    so. Esta a dinmica da dupla transferncia. Mas ningum est consciente dela.

    Minha pergunta a seguinte: aconteceu com voc algo de parecido?

    CLAUDIA: Que eu saiba, no.

    HELLINGER: Se fosse assim, voc ainda estaria devendo muito ao ex-marido.

    CLAUDIA: Hum.

    HELLINGER: Isso mesmo. (Ela ri.)

    HELLINGER: Apanhei voc?

    CLAUDIA: No. Mas acabo de pensar que estou contente porque ele est bem.

    HELLINGER: Isso acontece quando algum se sente culpado. Mas s na continuao do trabalho poderemos ve-

    rificar o acerto de minha suposio. Por enquanto s uma hiptese.

    A precedncia da primeira mulher

    GERTRUD: Meu nome Gertrud. Sou mdica e tenho um consultrio de clnica geral. Sou solteira e tenho um

    filho que vai completar dezenove anos.

    HELLINGER: O que acontece com o pai dele?

  • Bert Hellinger

    17

    GERTRUD: Faz uns cinco anos que meu filho no v seu pai.

    HELLINGER: O que h com o pai?

    GERTRUD: Casou-se, e tem trs filhos do atual casamento. H uns cinco anos teve ainda uma filha com outra

    mulher. Mas isso problema dele, pois faz cinco anos que j no falo com ele.

    HELLINGER: Ele j era casado quando voc o conheceu?

    GERTRUD: Est casado agora pela terceira vez. Naquela ocasio j era casado, creio que pela segunda vez, e es-

    tava se divorciando. Eu o conheci nos tempos da escola, onde estivemos juntos. Depois, cada qual foi para seu

    canto. Ele morava em outra cidade e l se casou. Da primeira vez, casou-se por favor, para que a mulher pudes-

    se sair da Hungria. Depois divorciou-se e casou outra vez.

    HELLINGER: Isso no se faz. No se pode casar por favor. Vocs tiveram um relacionamento ntimo antes do

    primeiro casamento dele?

    GERTRUD: Sim.

    HELLINGER: Ento voc a sua primeira mulher e tem precedncia sobre as demais. um sentimento agrad-

    vel?

    GERTRUD: Sim, sim, mas difcil.

    HELLINGER: O que h de to difcil nisso?

    GERTRUD: que agora j no tenho uma necessidade absoluta de ter esse sentimento. Agora no mais.

    HELLINGER: A precedncia no depende do sentimento.

    GERTRUD: Ah, no?

    HELLINGER: So realidades que subsistem independentemente do sentimento.

    A felicidade d medo

    HELLINGER: Vou lhe dizer algo sobre a felicidade. Ela sentida como perigosa, porque traz solido. O mesmo

    se passa com a soluo: tida como perigosa, porque traz solido. No problema e na infelicidade temos com-

    panhia.

    O problema e a infelicidade se associam a sentimentos de inocncia e de fidelidade. A soluo e a felicidade, ao

    contrrio, esto associadas a sentimentos de traio e de culpa. Por isso a felicidade e a soluo s so possveis

    quando enfrentamos esse sentimento de culpa. No que a culpa seja racional, mas experimentada como se o

    fosse. Por esta razo tambm to difcil passar do problema para a soluo. Pois se fosse verdade o que eu lhe

    disse e voc o aceitasse como tal, voc teria de mudar radicalmente.

    HARTMUT: Preciso acostumar-me primeiro a essa concentrao em relaes familiares. Meu nome Hartmut.

    Sou consultor de empresas e trabalho cientificamente com a filosofia da religio, que minha rea de estudos.

    Tive duas filhas do primeiro casamento e depois casei-me de novo. Continuo casado com essa segunda mulher

    mas h sete anos estamos separados.

    HELLINGER: E o que voc pretende aqui?

    HARTMUT: Gostaria de ver com clareza at que ponto devo envolver-me com relacionamentos de qualquer es-

    pcie. Tornei-me um perfeito eremita e tenho a sensao de estar perdendo com isso. Sinto uma grande capaci-

    dade de amar, mas no sei para onde dirigi-la.

    HELLINGER: Vamos configurar agora sua famlia de origem. J a configurou alguma vez? Sabe como isto funci-

    ona?

    HARTMUT: No sei ao certo como se faz, mas tenho um esquema na minha cabea.

    HELLINGER: Esse esquema est errado, com toda a certeza. Ele s serve como defesa. O que se elabora de an-

    temo um meio de defesa. Tambm o que se conta a um terapeuta sobre os prprios problemas serve como

    defesa. A seriedade s comea quando se passa ao. Est bem, quem poderia representar seu pai?

  • Ordens do Amor

    18

    HARTMUT: Robert poderia represent-lo, porque...

    HELLINGER: No precisa justificar. Quantos irmos voc tem?

    HARTMUT: Tenho dois irmos e uma meia-irm. Por isso hesitei. Mas no fui criado com ela.

    HELLINGER: filha de quem?

    HARTMUT: De meu pai.

    HELLINGER: Ele foi casado antes?

    HARTMUT: No, casou-se depois. Depois do divrcio casou-se de novo e ento nasceu essa meia-irm. Minha

    me no se casou mais.

    HELLINGER: Quem o primeiro filho de seus pais?

    HARTMUT: Sou eu.

    HELLINGER: Algum dos pais foi antes casado ou noivo ou teve um relacionamento firme?

    HARTMUT: No. Quer dizer, minha me teve um outro pretendente, que depois se tornou meu padrinho.

    HELLINGER: Precisamos dele. Mais algum que tenha sido importante?

    HARTMUT: Extremamente importante o irmo da minha me.

    HELLINGER: O que houve com ele?

    HARTMUT: Minha me sempre quis viver com ele e tambm tentou moldar-me imagem dele.

    HELLINGER: Ele pastor ou coisa parecida?

    HARTMUT: No, ele foi um ator muito conhecido.

    HELLINGER: Ela queria viver com ele?

    HARTMUT: Ela realmente o preferia a meu pai.

    HELLINGER: Vamos introduzi-lo mais tarde. Colocaremos de incio o pai, a me, os irmos, a segunda mulher

    do pai, a meia-irm e o namorado da me. Escolha no grupo representantes do mesmo sexo para cada uma des-

    sas pessoas. Coloque-os, a seguir, em relao uns com os outros, de acordo com a sua sensao do momento.

    Por exemplo, a que distncia do pai fica a me, e em que direo eles olham. Coloque cada um em seu lugar,

    sem dizer ou explicar nada. E faa-o centrado e com seriedade, caso contrrio no funciona.

    H Homem

    M Mulher

    grifado o smbolo da pessoa que est colocando a prpria famlia ou para quem ela est sendo colocada. O

    corte indica a direo em que a pessoa est olhando. As perguntas, salvo registro especial, so dirigidas aos

    representantes das pessoas nomeadas, e eles se exprimem sempre no papel dessas pessoas.

    Hartmut monta sua famlia de origem.

    HELLINGER: Agora d uma volta em torno e corrija, se necessrio. Ento sente-se, de modo que voc possa ver

    bem.

    P Pai

    M Me

    1 Primeiro filho (=Hartmut)

    2 Segunda filha

  • Bert Hellinger

    19

    3 Terceiro filho

    2MuP Segunda mulher do pai

    4 Quarta filha, da segunda mulher

    NM Namorado da me

    Figura 1

    HELLINGER: Como se sente o pai?

    PAI: Sinto-me muito isolado aqui. Minha famlia anterior est muito longe, e atrs de mim existe algo que no

    consigo ver.

    HELLINGER: Como se sente a me?

    ME: Sinto contato com meu ex-marido. At ento estava entorpecida.

    HELLINGER: Como voc se sente a?

    ME: Impotente. Incapaz de agir.

    HELLINGER: E como se sente em relao ao namorado, o padrinho de Hartmut?

    ME: Ele me d apoio, mas tambm pesa sobre meus ombros. Meu sentimento ambivalente.

    HELLINGER: Como est o amante, o namorado?

    NAMORADO DA ME: Ambivalente, posso dizer tambm. Acho a mulher atraente e simptica e tambm me sin-

    to ligado a ela. Mas, no presente contexto, isto no me agrada. Sinto-me imobilizado, pregado no cho.

    HELLINGER: Como est o filho mais velho?

    PRIMEIRO FILHO: Quando fui colocado aqui, veio-me a palavra Ui! e senti como se algum me tentasse

    agarrar, curiosamente na barriga da perna. Sinto muito calor ali. como se um cachorro quisesse me morder.

    uma sensao de calor, mas tambm de perigo. Na direo do pai existe um certo calor que escoa pelo lado.

    Com os irmos, atrs de mim, no tenho nenhuma relao. A segunda mulher do pai e a meia-irm no tm im-

    portncia para mim.

    HELLINGER: Como est a segunda filha?

    SEGUNDA FILHA: Durante o processo da colocao, quando minha me ainda estava perto de mim, eu me sentia

    bem. Agora no me sinto to bem.

    HELLINGER: Como est o terceiro filho?

    TERCEIRO FILHO: Tenho meus pais diante dos olhos, mas no consigo decidir- me. Sinto-me atrado por meu

    pai, mas no consigo sair daqui.

    HELLINGER: Como est a segunda mulher?

    SEGUNDA MULHER: Estou me perguntando: por que meu marido no pode se virar para mim?

    HELLINGER: Como est a meia-irm?

  • Ordens do Amor

    20

    QUARTA FILHA: No incio eu me sentia excluda e tambm achava o pai ameaador. Desde que a me ficou

    atrs de mim, estou melhor. Mas o pai est me barrando a passagem.

    PRIMEIRO FILHO: Desde que fiquei aqui assim, sinto muito calor na minha frente, como se estivesse carregado

    de energia e querendo agarrar alguma coisa.

    HELLINGER (para Hartmut): Agora coloque tambm o irmo de sua me!

    Figura 2

    IrM Irmo da me

    HELLINGER: O que mudou para o filho mais velho?

    PRIMEIRO FILHO: Sinto-me atrado para o lado esquerdo e pergunto-me: o que pretende aquele ali? O que est

    fazendo ali?

    HELLINGER: melhor ou pior do que antes?

    PRIMEIRO FILHO: A fora que eu tinha antes est se escoando pela esquerda. Isso me dilacera. Assim no pode

    ficar. Alguma fora ainda vai para o pai. Atrs de mim, tudo est carregado e, para a esquerda, algo est se es-

    coando.

    HELLINGER: Como est o irmo da me?

    IRMO DA ME: No sei o que estou fazendo aqui.

    HELLINGER: Como est agora a me?

    ME: Sinto-me apertada.

    HELLINGER: E como!!!

    ME: Sim. (Ela ri.)

    HELLINGER (para Hartmut): Era casado, esse ator?

    HARTMUT: No, e tambm j morreu h muito tempo.

  • Bert Hellinger

    21

    Figura 3

    HELLINGER: O que se passa agora com a segunda mulher?

    SEGUNDA MULHER: Acho bom que todos estejam a. Sinto que est certo assim.

    HELLINGER: Como isto para o filho mais velho? Melhor ou pior?

    PRIMEIRO FILHO: Agora est claro aqui. um bom lugar.

    HELLINGER: Como para o pai?

    PAI: Agora posso me voltar tambm para minha famlia atual.

    Hellinger muda as posies. O namorado da me pode ser dispensado, pois evidentemente j no exerce ne-

    nhum papel.

    Figura 4

    HELLINGER: Como isto para o pai?

    PAI: Assim muito bom para mim. Posso olhar bem para minha primeira mulher. O que aconteceu com ela foi

    uma tentativa que no deu certo. A nova ligao positiva para mim e meus filhos esto bem perto, o que acho

    bom.

    HELLINGER: Como est o terceiro filho?

    TERCEIRO FILHO: Gostaria de ter mais contato com minha me.

    HELLINGER: Como est a filha?

    SEGUNDA FILHA: Aqui no crculo est bem.

    HELLINGER: Como est o filho mais velho?

    PRIMEIRO FILHO: Muito bem, desde que minha meia-irm e sua me tambm foram includas. Que minha me

  • Ordens do Amor

    22

    v embora, est bem para mim.

    HELLINGER: E como est agora a me?

    ME: Gostaria de olhar para meus filhos.

    HELLINGER: Como est o irmo dela?

    IRMO DA ME: Sinto-me muito bem aqui. Gostaria de fazer alguma coisa espontaneamente.

    HELLINGER (para Hartmut): Que diz voc desta configurao?

    HARTMUT: Naturalmente no consigo mais reconhecer nela a situao real; mas talvez no seja este o objetivo.

    Essa soluo teria funcionado se os filhos tambm tivessem colaborado. Mas justamente a soluo que no

    aconteceu. Por isso, parece-me meio utpica.

    HELLINGER: Comentrios servem frequentemente para questionar e evitar a soluo. Eu s queria saber como

    voc se sente quando v isso.

    HARTMUT: Sem nenhum entusiasmo. Mas com esta sensao: pena que no foi assim. No fundo, eu deveria ca-

    lar-me.

    Hellinger torna a virar a me e seu irmo para a famlia, colocando a me do lado esquerdo do seu irmo, de

    forma que ela fique mais perto de seus filhos.

    Figura 5

    HELLINGER (para os representantes): Assim melhor ou pior?

    PRIMEIRO FILHO: Tem mais calor.

    SEGUNDA FILHA: pior.

    HELLINGER: Para a me?

    ME: Para mim melhor.

    IRMO DA ME: Para mim tambm.

    HELLINGER (para o grupo): Essa mulher enganou seu marido.

    A representante da me ri.

    HELLINGER: Esta mulher enganou o marido, porque no o quis. Por isso ela deveria realmente virar-se. Ela

    perdeu o direito de olhar nessa direo.

  • Bert Hellinger

    23

    Figura 6

    HELLINGER (para os representantes): Que tal assim?

    ME: Assim est certo.

    HELLINGER: Exatamente. Agora vocs podem ver com quem Hartmut est identificado. A me tem agora com

    seu irmo a mesma relao que tinha inicialmente com o filho mais velho. Hartmut est identificado com esse

    tio.

    PRIMEIRO FILHO: Um calafrio desce pelas minhas costas e me vem a frase: Pobre me!

    HELLINGER (para o grupo): Nessa famlia acontece um drama, sobre o qual nem o pai nem os filhos tm qual-

    quer influncia. No sabemos por que isso acontece e no podemos interferir. Temos que deixar que a situao

    evolua. Para Hartmut, a nica soluo ficar ao lado do pai.

    HELLINGER (para Hartmut): Voc quer se colocar pessoalmente?

    HARTMUT: Sim.

    Hartmut ocupa seu lugar no quadro da famlia.

    HELLINGER: Esta a ordem agora. Vou dizer-lhe ainda como se lida com isso. Voc tinha em si uma imagem da

    famlia que era louca, no sentido literal da palavra. Foi dessa forma louca que voc a colocou. Agora eu confi-

    gurei a ordem e voc tem a chance, se quiser aproveit-la, de deixar-se penetrar pela nova imagem, apagando a

    antiga. Ento voc ser uma pessoa renovada, sem que mais ningum precise mudar e sem que a situao se

    modifique. Voc est mudado porque leva em si uma imagem da ordem, e ento poder relacionar-se com a sua

    famlia atual de uma forma totalmente diferente. Pois, na posio que voc ocupava, identificado com uma pes-

    soa por quem sua me tinha mais amor do que por seu pai, nenhuma mulher podia segurar voc e voc tambm

    no podia segurar nenhuma mulher. Est claro para voc?

    Est bem, foi isso a.

    A diferena entre identificao e modelo

    IDA: Como foi possvel acontecer, no sistema de Hartmut, uma identificao com o tio?

    HELLINGER: A me dele procurava inconscientemente algum que representas- se para ela, no sistema atual, o

    irmo a que tinha renunciado no sistema de origem. Por isso, seu filho mais velho assumiu para ela o papel des-

    se irmo, sem que o filho ou a me ou qualquer outra pessoa tivesse conscincia do fato.

    HARTMUT: H, porm, uma diferena se minha me me induz a representar o irmo que perdeu cedo e que

    cheguei a conhecer, ou se eu mesmo tomo esse tio como modelo, o que no fiz. No so dois tipos distintos de

    identificao?

    HELLINGER: No. Um modelo no uma identificao. Um modelo eu tenho diante de mim; por conseguinte,

    estou separado dele. Posso segui-lo ou no, e sou livre. Porm, quando estou identificado, no sou livre. Ge-

  • Ordens do Amor

    24

    ralmente nem mesmo tenho conscincia disso. Por esta razo, quando estou identificado, sinto-me tambm ali-

    enado de mim mesmo, o que no acontece quando sigo um modelo.

    HARTMUT: Certssimo. Portanto, voc usa o termo identificao para descrever objetivamente um processo que

    ningum desencadeou conscientemente.

    HELLINGER: Isso mesmo. E ningum tem culpa disso. Sua me no escolheu voc para essa identificao; no

    se pode censur-la. uma dinmica que resulta de sua constelao, sem inteno consciente por parte de nin-

    gum e sem que uma criana possa se defender dela.

    HARTMUT: Portanto s existem vtimas.

    HELLINGER: Sim. S existem pessoas emaranhadas, cada qual sua maneira. Por isso, neste contexto, intil

    perguntar pela culpa ou pelo culpado.

    Ter coragem de fazer o mnimo

    DAGMAR: Quer dizer que agora no preciso colocar tambm o lado materno da famlia para descobrir o que

    aconteceu l?

    HELLINGER: Pelo amor de Deus, aonde que voc quer chegar? Hartmut no precisa disso, pois agora a solu-

    o est perfeitamente clara para ele. O resto no pode ser reconstrudo. Quando se tenta isso, cai-se no dom-

    nio da fantasia. Por isso, as grandes reconstrues familiares ficam confusas e trazem poucas solues. Hartmut

    j tem tudo o que precisa para agir. Quando se chega a esse ponto, dou o trabalho por terminado. Nunca se deve

    ir mais longe do que a pessoa precisa para chegar soluo! Tambm no procuro solues para pes- soas au-

    sentes. Oriento-me, portanto, pelo princpio do minimalismo, e limito-me a encontrar a soluo para a pessoa

    em questo. Com isso dou por encerrado o trabalho e passo imediatamente ao seguinte. Tambm no quero fa-

    zer longos comentrios posteriores. Estes que estou fazendo so excees e servem para complementar a in-

    formao num curso de aperfeioamento. No devem ser feitos em outros casos. Excluo igualmente controles

    de resultados e coisas semelhantes. Isso s tira a fora.

    A individualizao diminui a intimidade nas relaes

    IDA: Num sistema como o que foi configurado aqui, no verdade que as crianas tambm recebem algo im-

    portante pelo simples fato de existir um tal sistema?

    HELLINGER: Naturalmente, pois atravs dessa constelao original que recebem a vida, mesmo quando lhes

    traz uma carga negativa. Por outro lado, essa constelao tambm inibe o seu desenvolvimento. Em nosso caso,

    por exemplo, o filho mais velho assumiu algo que dificultou o seu desenvolvimento. Agora tem chances de

    crescer, superando isso.

    Na famlia de origem e em nossos relacionamentos atuais o desenvolvimento se d no sentido da individualiza-

    o; isso significa que o indivduo progressivamente se desprende de seus vnculos. Esse desprendimento visa

    simultaneamente integrao num contexto bem mais amplo onde a pessoa fica conectada, porm livre.

    Algo semelhante acontece em regies montanhosas. Quando algum sai de uma aldeia, onde tudo estreito e

    prximo, e sobe ao alto de uma montanha, descortina um horizonte cada vez mais amplo. Quanto mais alto so-

    be, mais solitrio se torna. Apesar disso, percebe-se num contexto mais amplo que antes. Assim, na medida em

    que nos desprendemos do que est prximo, ns nos vinculamos a algo maior, mas o preo disso o aumento

    da solido. Da a grande dificuldade que muitos sentem, de passar de um vnculo estreito a outro novo e mais

    amplo. Por outro lado, toda ligao estreita fora a evoluir para algo maior e mais amplo. Por esta razo, quan-

    do uma relao conjugal alcana o seu ponto culminante que o nascimento do primeiro filho ela perde

    em intimidade e ganha em amplitude. Com isso a relao se enriquece, mas a intimidade forosamente diminui.

    Ao comearem um relacionamento, algumas pessoas pensam que ficaro sempre estreitamente unidas. Mas o

    relacionamento tambm um processo de morte. Cada uma de suas crises experimentada como uma morte,

    como uma fase de nosso processo de morrer. Nesse processo, algo da intimidade se perde. Porm, num outro

    nvel, o relacionamento ganha uma nova qualidade e fica diferente: mais relaxado, solto e amplo.

    IDA: Ento no o amor que se perde a?

  • Bert Hellinger

    25

    HELLINGER: No, no, o amor pode tomar-se maior, muito maior, mas passa a ter uma outra qualidade.

    A ordem precede o amor

    HELLINGER: Muitos problemas surgem quando algum pensa que pode superar a ordem por meio de racionali-

    zaes, de esforos ou mesmo do amor, como o exige, por exemplo, o Sermo da Montanha1. No obstante, a

    ordem nos preestabelecida e no pode ser substituda pelo amor. Isso seria uma iluso. preciso voltar or-

    dem, voltar ao ponto da verdade. S a encontramos a soluo. HARTMUT: Voc fez h pouco, num comentrio,

    uma afirmao terrvel: que nesse caso o amor no ajuda e no resolve e que, por conseguinte, no possvel

    resolver um problema desses por meio do amor. De fato, j tentei isso em muitas variantes e fracassei. Mas

    uma terrvel constatao.

    HELLINGER: O amor uma parte da ordem. A ordem precede o amor, e este s pode desenvolver-se dentro de-

    la. A ordem preexiste. Quando inverto essa relao e pretendo mudar a ordem atravs do amor, estou condena-

    do a fracassar. Isso no funciona. O amor se adapta a uma ordem e assim pode florescer, assim como a semente

    se adapta ao solo e ali cresce e prospera.

    HARTMUT: Neste caso estou realmente louco ou me comportei como tal.

    HELLINGER: Sim, porm agora voc tem a chance de colocar isso em ordem. Algumas pessoas conseguem re-

    cuperar em pouco tempo um monte de coisas, quando realmente agem. J confisses de culpa e lamentaes

    so apenas substitutivos para a ao. Elas frustram a ao e enfraquecem.

    A ordem de origem

    DAGMAR: Voc colocou o sistema de Hartmut dentro de uma hierarquia. Que tipo de ordem essa?

    HELLINGER: Existe uma hierarquia baseada no momento em que se comea a pertencer a um sistema: esta a

    ordem de origem, que se orienta pela sequncia cronolgica do ingresso no sistema. Por essa razo, no sistema

    de Hartmut, a primeira mulher tinha precedncia sobre a segunda, e o filho mais velho sobre seus irmos mais

    novos. Quando se dispe uma famlia de acordo com essa ordem, por exemplo, num crculo, as pessoas que

    ocupam posio inferior ficam, no sentido horrio, esquerda das pessoas que ocupam posio superior.

    O ser definido pelo tempo e, atravs dele, recebe seu posicionamento. O ser estruturado pelo tempo. Quem

    entrou primeiro num sistema tem precedncia sobre quem entrou depois. Da mesma forma, aquilo que existiu

    primeiro num sistema tem precedncia sobre o que veio depois. Por essa razo, o primognito tem precedncia

    sobre o segundo filho e a relao conjugal tem precedncia sobre a relao de paternidade ou maternidade. Isso

    vale dentro de um sistema familiar.

    Entretanto, os sistemas tambm possuem entre si uma hierarquia, que nesse particular invertida: o sistema no-

    vo tem precedncia sobre o antigo. Assim, a famlia atual tem precedncia sobre a famlia de origem. Quando

    essa relao se inverte, as coisas correm mal. No exemplo que vimos, para a me de Hartmut o sistema de ori-

    gem teve precedncia sobre o sistema atual e as coisas correram mal.

    DAGMAR: Ento voc diz que existe uma precedncia cronolgica, mas tambm que o sistema atual tem prece-

    dncia. Entendi bem?

    HELLINGER: Dentro de um sistema existe uma ordem de precedncia, de acordo com o incio da vinculao ao

    sistema. Porm, na sucesso dos sistemas, a famlia atual tem precedncia sobre a anterior.

    A precedncia do primeiro vnculo

    FRANK: Deveria haver tambm uma ordem de precedncia quanto qualidade dos sistemas, isto , entre um sis-

    tema natural e saudvel e um outro no natural ou patognico.

    HELLINGER: No, esse tipo de distino no funciona. O primeiro vnculo de uma pessoa tem precedncia so-

    bre o segundo, independentemente da qualidade da primeira ligao. Isso significa que o segundo vnculo pren-

    de menos que o primeiro. A profundidade do vnculo vai, portanto, diminuindo de relao em relao. Entretan-

    to, vnculo no significa amor. Pode acontecer que num segundo relacionamento o amor seja maior, apesar de

    1 Sermo de Jesus, relatado no Evangelho de S. Mateus, cap. 5. (N.T.)

  • Ordens do Amor

    26

    ser menor o vnculo. A profundidade de uma ligao pode ser avaliada pelo peso da culpa que se sente ao des-

    prender-se. Ao desprender-se de uma segunda ligao, sente-se uma culpa menor do que da primeira; no obs-

    tante, o segundo sistema tem precedncia sobre o primeiro.

    HARTMUT: Sinto-me renovado e cheio de energia. Lembrando a mxima: A verdade vos livrar, sinto-me

    como no incio de uma libertao.

    Hierarquias

    HELLINGER: Gostaria de dizer algo sobre hierarquias, de modo especial sobre a ordem de origem. Cada grupo

    tem uma hierarquia, determinada pelo momento em que comeou a pertencer ao sistema. Isso quer dizer que

    aquele que entrou em primeiro lugar em um grupo tem precedncia sobre aquele que chegou mais tarde. Isso se

    aplica s famlias e tambm s organizaes.

    A hierarquia na famlia

    Sempre que acontece um desenvolvimento trgico numa famlia, uma pessoa em posio posterior violou a hie-

    rarquia, arrogando-se o que pertence a pessoas em posio anterior. Essa presuno tem frequentemente um ca-

    rter puramente objetivo e no subjetivo.

    Por exemplo, quando um filho tenta expiar por seus pais ou carregar em lugar deles as consequncias de suas

    culpas, incorre numa presuno. Mas a criana no se d conta disso porque est agindo por amor. No ouve

    nenhuma voz em sua conscincia prevenindo-a contra isso. Da decorre que todos os heris trgicos so cegos.

    Pensam que esto fazendo algo de bom e grande, mas essa convico no os protege da runa. O apelo boa in-

    teno ou boa conscincia, quando acontece geralmente, aps o evento no muda em nada o resultado e

    as consequncias.

    A criana no pode defender-se contra tal presuno, pois levada a ela por amor e na melhor das intenes. S

    na idade adulta, quando chega razo, que pode livrar-se das amarras dessa presuno e retomar o lugar que

    lhe compete. Mas abandonar essa posio difcil para a criana porque ento, de repente, ter de apoiar-se

    apenas em seus prprios ps, recomeando bem de baixo e construindo apenas no que seu. A ela fica em con-

    tato com seu centro; no lugar que se arrogou fica descentrada e alienada de si mesma.

    Na terapia familiar preciso, portanto, observar se algum est se arrogando algo que no lhe compete e, antes

    de mais nada, colocar isso em ordem.

    A proteo da intimidade

    Uma criana jamais tem o direito de saber o que pertence relao dos pais: isso no lhe diz respeito. Da mes-

    ma forma, o que pertence relao do casal jamais diz respeito a terceiros. Quem revela assuntos de seu relaci-

    onamento ntimo comete uma quebra de confiana com srias consequncias, pois a relao se rompe. O que

    ntimo pertence exclusivamente s pessoas que assumiram o relacionamento e deve permanecer como um se-

    gredo para as outras pessoas. Por exemplo, um homem no deve contar sua segunda mulher coisa alguma que

    se refira ao seu relacionamento ntimo com a primeira. Tudo o que pertence relao do casal deve ficar prote-

    gido como um segredo entre o homem e a mulher. Quando os pais contam aos filhos algo sobre o assunto,

    muito mau para os filhos. Um aborto, por exemplo, no diz respeito a eles; pertence ao relacionamento ntimo

    dos pais. Mesmo a um terapeuta deve-se falar somente de forma a proteger o parceiro, seno o relacionamento

    se rompe.

    A precedncia no divrcio

    PARTICIPANTE: O que fazer quando os pais se separam e os filhos perguntam: por que vocs se separaram?

    HELLINGER: Deve-se dizer a eles: Isso no diz respeito a vocs. Ns nos separamos, mas continuamos sendo

    seus pais. Pois a relao de paternidade ou de maternidade inseparvel. Em casos de divrcio, acontece com

    frequncia que os filhos so confiados a um dos pais e tirados do outro. Ora, os filhos no podem ser tirados

    dos pais. Mesmo aps o divrcio, estes mantm integralmente os seus direitos e deveres de pais. O que se des-

    faz somente a relao de parceria. Da mesma forma, no se deve perguntar aos filhos com quem querem ficar.

    Caso contrrio, sero forados a decidir entre seus pais, a favor de um e contra o outro. Isto no se pode exigir

    deles. Os pais devem combinar entre si com quem ficaro os filhos e ento dizer-lhes como isso se far. Mesmo

  • Bert Hellinger

    27

    que os filhos protestem, sentem-se livres e satisfeitos porque no precisaram decidir- se entre os pais.

    PARTICIPANTE: No verdade que muitos pais procuram desculpar-se diante dos filhos, contando-lhes o que

    no funcionou em seu relacionamento?

    HELLINGER: Tomem como princpio que as separaes acontecem sem culpa. So, via de regra, inevitveis.

    Quem procura pelo culpado ou pela culpa, em si ou no parceiro, recusa-se a encarar o inevitvel. Procede como

    se pudesse ter havido uma outra soluo, se... E no verdade. Separaes so consequncias de envolvimen-

    tos, e cada parceiro est enredado da sua prpria maneira. Por esta razo, em minha prtica teraputica jamais

    procuro saber quem ou o que poderia ser culpado pelo fato. Digo a eles que acabou e que agora enfrentem a dor

    por ter acabado, apesar das boas intenes iniciais. Quando enfrentam a dor, conseguem separar-se em paz e re-

    solver de comum acordo o que precisa ser resolvido. Em seguida, cada um fica livre para o prprio futuro.

    assim que procedo. Isso alivia a todos.

    PARTICIPANTE: Participei de uma pesquisa sobre as consequncias do divrcio para os filhos e me interessaria

    saber o que voc diz a respeito. Quando os casais revelavam aos filhos sua inteno de se divorciarem, o pri-

    meiro impulso das crianas era sempre pensar que elas tinham feito algo de errado e que os pais estavam se se-

    parando por causa disso.

    HELLINGER: Quando algo d errado entre os pais, os filhos buscam a culpa em si mesmos. Preferem ser culpa-

    dos a atribuir a culpa aos pais. Ento ficam aliviados quando estes lhes dizem: Ns, como casal, decidimos nos

    separar. Mas continuamos a ser seus pais e vocs continuam a ser nossos queridos filhos.

    PARTICIPANTE: Posso aceitar isto. Mas j reparei, muitas vezes, que as crianas continuam questionando por

    que razo os pais ficaram to decepcionados. E a, o que fao?

    HELLINGER: J lhe dei a soluo. Mas existe uma outra coisa importante com relao ao divrcio. Depois da

    separao, os filhos precisam ficar com o pro- genitor que mais respeite neles o outro. Via de regra o homem.

    O homem respeita mais a mulher nos seus filhos do que a mulher respeita neles o marido. Ignoro a razo, mas

    possvel observar isso. Quando aconselhamos um casal em vias de separao, devemos dizer-lhes que o melhor

    para o bem dos filhos que cada um continue a cultivar neles o amor original que inicialmente sentiu pelo par-

    ceiro, seja no que for que se tenha transformado depois. Volta- se ao incio do relacionamento que, para a maio-

    ria dos casais, foi um tempo abenoado, um tempo de intimidade. Com a lembrana dessa intimidade eles po-

    dem contemplar os seus filhos, mesmo aps o divrcio.

    A hierarquia em organizaes

    HELLINGER: Nas organizaes, alm da ordem de origem, existe tambm uma hierarquia por funo e desem-

    penho. Por exemplo, o departamento administrativo tem precedncia sobre os demais, porque assegura os con-

    tatos externos. Por isso tem precedncia, da mesma forma que na famlia o homem tem precedncia sobre a

    mulher.

    Numa clnica, por exemplo, o administrador est do lado do chefe, pois a sua mo direita. A funo do chefe

    e da administrao fornece a base para toda a organizao. S depois vm os mdicos, apesar de constiturem o

    grupo mais importante, do ponto de vista da finalidade da clnica, assim como a mulher aparece como mais im-

    portante que o homem, do ponto de vista da finalidade da famlia. Portanto, o segundo grupo mais importante

    constitudo pelos mdicos. Seguem-se as enfermeiras, novamente como um grupo prprio, e depois o pessoal

    auxiliar, por exemplo, o da cozinha, tambm como grupo prprio. Entre esses grupos existe portanto uma hie-

    rarquia, de acordo com sua funo.

    No interior desses grupos vigora ento, alm da hierarquia das funes, a precedncia pela ordem de origem. O

    mdico que se associou primeiro ao grupo tem precedncia sobre os que vieram depois, e assim por diante. Es-

    sa hierarquia nada tem a ver com sua funo, e determinada apenas pelo tempo em que se pertence ao grupo.

    Quando, num desses grupos, um novo chefe, que antes no pertencia a ele, colocado frente dos demais, en-

    to, apesar de ser agora o chefe, ele ocupa a ltima posio pela ordem de origem. Deve, pois, dirigir esse gru-

    po como se fosse o ltimo nessa hierarquia, e pode faz-lo facilmente se entender sua funo como prestao

    de um servio ao grupo. O comando de quem ocupa a ltima posio particularmente eficaz, desde que tal

    chefe saiba como proceder. Aquele que dirige mantendo-se na posio de ltimo ganha todos para si porque

  • Ordens do Amor

    28

    respeita a hierarquia. Precisa, portanto, presidir e dirigir como se fosse o ltimo.

    As vezes existe ainda uma hierarquia pela ordem de origem entre os departamentos e grupos. Quando numa

    clnica, por exemplo, criado um novo departamento, ele ocupa uma posio inferior aos anteriores, a no ser

    que ganhe um novo significado, subordinando a si os departamentos preexistentes.

    PARTICIPANTE: Pode esse chefe demitir algum que, por ser mais antigo, ocupa na hierarquia uma posio

    mais elevada que ele?

    HELLINGER: Se o chefe o despede injustamente, o grupo perde a segurana e se dissolve em pouco tempo. Se,

    porm, o chefe o despede por ter incorrido em alguma culpa, ento est dentro da ordem. Se o outro no tiver

    cumprido seu dever ou for incompetente, tambm pode ser rebaixado de funo, mas nem por isso perde a sua

    posio na hierarquia de origem. Trata-se de dois domnios distintos: a funo um domnio, e a ordem de ori-

    gem outro.

    Uma organizao se dissolve quando um grupo hierarquicamente inferior se arroga o que compete a um grupo

    hierarquicamente superior: por exemplo, quando a administrao quer dominar o chefe, em vez de servi-lo, ou

    ainda quando, no interior de um subgrupo, uma pessoa se arroga algo que compete a algum que a precede na

    hierarquia. Existe naturalmente, entre os membros de um grupo, a competio pelo posto superior, pela posio

    de comando. Isso no envolve problema, desde que a pretenso se baseie na competncia e no servio prestado

    ao grupo, e ao mesmo tempo mantendo-se o respeito outra hierarquia. Isso comparvel luta dos cervos pe-

    las fmeas. Mesmo quando o macho dominante se retira, as fmeas ficam. Isso se v tambm nas organizaes.

    Mesmo quando o macho dominante se retira, expulso por um outro, as fmeas permanecem. No tenho

    aqui a inteno de esclarecer mais este ponto, mas qualquer observador pode not-lo.

    A objeo

    GERTRUD: Essa ordem de precedncia me deu o que pensar, e logo tive a sensao que no consigo mais re-

    produzir de que o pai de meu filho poderia, naquela ocasio, ter-se casado comigo. Isso mexeu comigo e

    gostei da ideia, mas logo abafei essa sensao.

    HELLINGER: Certa vez, uma pessoa faminta teve oportunidade de sentar-se a uma mesa ricamente servida. Mas

    ela disse: Isto no pode ser verdade! e continuou morrendo de fome.

    A deciso de no ter filhos

    SOPHIE: Eu me chamo Sophie e tenho trinta e sete anos. Sou psicloga e mantenho h seis meses um consult-

    rio particular. Quanto minha vida privada, sou casada h dez anos.

    HELLINGER: Vocs tm filhos?

    SOPHIE: No, e justamente sobre isso que eu queria falar. Esta questo premente, porque chegamos a uma

    idade em que precisamos decidir isso.

    HELLINGER: J est decidido.

    SOPHIE: J est decidido? No vamos ter filhos, ou o qu?

    HELLINGER: Isso mesmo.

    SOPHIE: Hum. Como que voc chegou a essa concluso?

    HELLINGER: fcil ver.

    SOPHIE: Sim, j me questionei sobre isso por muito tempo.

    HELLINGER: Vocs decidiram assim. Agora assumam a deciso e coloquem um ponto final! Do contrrio, fica-

    ro encravados nesse ponto.

    O ser e o no-ser

    HELLINGER: Quero expor-lhes algumas ideias bsicas sobre este assunto. Quando algum se decide por uma

    coisa, geralmente precisa abrir mo de outra. A coisa pela qual se decide aquilo que , que se realiza. A coisa

    de que se abre mo comporta-se, em relao ao que e que se realiza, como um no-ser. Assim, cada ser que

  • Bert Hellinger

    29

    existe e se realiza est envolvido por um no-ser e no imaginvel sem um no-ser que lhe corresponde. En-

    tretanto, o no-ser atua; no um nada, apenas um no-ser. Quando desprezo o no-ser que corresponde ao

    meu ser, ento o no-ser retira algo daquilo que . Quando, por exemplo, uma mulher se decide pela carreira,

    contra a famlia e os filhos, mas de maneira a desprezar e depreciar famlia, filhos e marido, ento esse no-ser

    retira algo do objeto de sua escolha, que assim fica diminudo. Inversamente, quando ela respeita, como algo de

    grande, esse no-ser do qual abriu mo em favor de sua carreira, esse no-ser acrescenta algo ao objeto de sua

    escolha, que assim fica acrescido e maior. Voc consegue compreender isso?

    SOPHIE: Sim.

    HELLINGER: Agora voc pode aplic-lo sua situao, se quiser.

    (Sobre esse assunto, veja tambm a histria: O no-ser, p. 300.)

    Consequncias para o relacionamento

    SOPHIE: Creio que no me decidi pela carreira e sim pela relao, pois obviamente imagino que ela se desfaz

    quando existe um filho. Quando voc disse que j tnhamos nos decidido contra ter um filho, ficou claro para

    mim que fui eu que tomei a deciso. Mas acho que no tenho o direito de privar meu marido de um filho.

    HELLINGER: Se ele quer um filho mas voc no quer, isso significa que a relao terminou. Voc precisa levar

    isso em conta, como consequncia de sua deciso; caso contrrio, estar se iludindo. Se seu marido, apesar de

    tudo, decide permanecer com voc, voc precisa honrar isso expressamente.

    IDA: Eu me chamo Ida e estou aqui com Wilhelm, meu marido. Temos muito trabalho em nosso negcio, onde

    ocupo um cargo de responsabilidade. Sou ainda me e dona de casa e tambm gostaria de trabalhar como psic-

    loga, profisso em que me formei, mas parece que ainda no chegou o momento. Tenho ainda um assunto im-

    portante. Na ltima vez em que estive com voc, notei que estava em p de guerra com voc.

    HELLINGER: Voc sempre esteve um pouco assim.

    IDA: Um pouquinho. Mas atualmente sinto falta de alguma coisa. De certa forma eu tinha colocado voc dentro

    de mim. Sempre que me defrontava com um problema urgente, dizia a mim mesma: Ah, vou escrever ao

    Bert! Comeava a redigir a carta, corrigia aqui e ali e, num dado momento, fosse de dia ou de noite, encontra-

    va a soluo sem precisar importun-lo. Mas, de uns dois anos para c, isso j no acontece.

    HELLINGER: Existe a algo no resolvido. Voc est querendo algo de mim e chama isso de estar em p de

    guerra.

    IDA: Eu gostaria de recuperar aquilo, pois era bom para mim.

    HELLINGER: Quando algo j no funciona, preciso troc-lo por uma coisa melhor.

    IDA: Ah, voc! No vou encontrar.

    HELLINGER: Podemos procurar juntos, para ver se encontramos algo melhor ou algum melhor. (Veja p. 247)

    IDA: Em termos pessoais, sinto muito que...

    HELLINGER: Eu lhe fiz uma oferta. Voc aceita?

    IDA: Sim. Outra coisa: ontem peguei a tesoura e podei minha franja.

    HELLINGER: Mas no bastante curta.

    (Risadas. J tinha sido anteriormente observado que as mulheres que deixam cair os cabelos sobre os olhos es-

    to confusas, e tanto mais quanto mais longa for a franja.)

    HELLINGER: Alguma coisa mais?

    IDA: Sim. Apesar de toda a algazarra em torno, sinto-me bem.

    Mau desempenho escolar dos filhos

    WOLFGANG: Eu me chamo Wolfgang. Trabalho na Universidade e tambm me dedico psicoterapia, em mbi-

    to limitado. No estava ciente de que haveria aqui tanta oportunidade de trabalhar com assuntos pessoais. Sou

  • Ordens do Amor

    30

    casado e tenho dois filhos. O que me incomoda h muito tempo que sou atingido de um modo incrivelmente

    profundo quando meus filhos tm mau desempenho na escola. No momento, isso est acontecendo com meu fi-

    lho.

    HELLINGER: O que sucedeu com voc quando era criana? Tirava boas notas na escola?

    WOLFGANG: Fui um excelente aluno na escola primria, mas quando passei para o ginsio, tive um baque do

    qual nunca me recuperei totalmente.

    HELLINGER: Quando seus filhos trouxerem ms notas, voc precisa dizer isto a eles: Comigo aconteceu a

    mesma coisa: tive um baque do qual nunca me recuperei totalmente.

    WOLFGANG: Preciso refletir a respeito.

    HELLINGER: Voc precisa dizer isso a eles. No precisa refletir, mas simplesmente usar essas palavras.

    (para o grupo): Ser que ele vai dizer isso a eles? No vai dizer. Est evitando a soluo.

    (para Wolfgang): Certa vez, uma mulher me contou que estava muito preocupada com a sua filha. Ela se apai-

    xonara por um certo Michael Jackson, fizera um altar para ele e ali rezava todas as manhs. Se Michael Jackson

    tivesse tosse, ela tossia tambm. A me me perguntou: O que devo fazer? Respondi: Diga-lhe: eu tambm

    era assim.

    Voc conhece o dilema do bom comprimido? Voc o engole e ele faz efeito. Mas, se voc o esfarela, j no

    consegue engoli-lo to bem.

    Luto transferido

    ROBERT: Chamo-me Robert e trabalho como consultor de empresas. Tenho trs filhos adultos e vivo com o

    mais novo deles.

    HELLINGER: divorciado?

    ROBERT: Separado.

    HELLINGER: H quanto tempo?

    Robert comea a soluar.

    HELLINGER: Mantenha os olhos abertos! Essa emoo o enfraquece e no ajuda em nada. Olhe para mim! Est

    me vendo realmente? Est vendo a cor de meus olhos?

    (para o grupo): preciso tentar desviar a ateno dele, para que saia dessa emoo.

    (para Robert): H quanto tempo est separado?

    ROBERT: H seis meses.

    HELLINGER: Quem foi embora?

    ROBERT: Ela.

    HELLINGER: E o que aconteceu?

    ROBERT: Ela no quis continuar.

    HELLINGER: Repare na emoo que voc tem agora. Qual a idade dela?

    ROBERT: Acho que bem antiga.

    HELLINGER: Qual a idade da criana que tem essa emoo?

    (para o grupo): Vocs podem observar isso, quando olham para ele.

    (para Robert): Que idade tem essa criana, aproximadamente?

    ROBERT: Trs anos.

    HELLINGER: Exatamente. O que houve aos trs anos?

  • Bert Hellinger

    31

    ROBERT: Minha irm mais nova morreu.

    HELLINGER: Sua irm. ela.

    (para o grupo): Aqui existe a transferncia, para o presente, de uma situao e de uma emoo antigas. Essas

    emoes no devem ser trabalhadas no presente. Devem ficar no seu contexto original e ser trabalhadas nele.

    (para Robert): Vamos montar agora a sua famlia atual.

    ROBERT: No, agora no! (Solua.)

    HELLINGER: a ltima chance que lhe dou.

    Robert configura sua famlia atual.

    Constelao de Robert: Filha representa a falecida irm de seu pai

    HELLINGER (para Robert): Algum de vocs foi casado ou noivo anteriormente?

    ROBERT: No.

    Figura 1

    Ma Marido (=Robert)

    Mu Mulher

    1 Primeira filha

    2 Segundo filho

    3 Terceiro filho

    HELLINGER: Como est o marido?

    MARIDO: Sinto-me perdido, apesar de estar alinhado aqui.

    HELLINGER: Como est a mulher?

    MULHER: Sinto-me virada para o lado errado. Estou olhando para meu filho mais velho e gostaria de me virar.

    HELLINGER: E como voc se sente?

    MULHER: Nada bem.

    HELLINGER: Como est a filha?

    PRIMEIRA FILHA: Estou bem posicionada, mas realmente s vejo meu pai.

    HELLINGER: Como est o filho mais velho?

    SEGUNDO FILHO: Estou bem, na medida em que vejo a todos, mas sinto certa falta de contato.

    HELLINGER: Como est o filho mais novo?

    TERCEIRO FILHO: Aqui estou num confronto muito forte com meu irmo mais velho e no me sinto bem, em

    absoluto. Por outro lado, gostoso para mim estar encaixado assim entre meus pais, aparentemente.

    MARIDO: Gostaria de acrescentar que no estou percebendo minha mulher, mas somente minha filha. A sensa-

    o de estar perdido veio provavelmente de baixo. Sinto-me prximo do filho mais novo.

  • Ordens do Amor

    32

    HELLINGER (para Robert): O que aconteceu com sua irm mais nova?

    ROBERT: Morreu quando eu tinha trs anos.

    HELLINGER: Morreu de qu?

    ROBERT: De pneumonia.

    HELLINGER: Coloque-a tambm agora.

    Figura 2

    IrMa Irm do marido, prematuramente falecida

    HELLINGER (para o grupo): V-se que a filha est identificada com a irm mais nova. Ela representa para o pai

    sua falecida irm.

    O que mudou para o marido?

    MARIDO: Senti um calafrio por todo o corpo.

    HELLINGER: Como est agora a filha, melhor ou pior?

    PRIMEIRA FILHA: Mais nervosa.

    HELLINGER: E como se sente agora a mulher?

    MULHER: Uma coisa est clara para mim. Tenho a sensao de que deveria agora entrar nisso. Com isso me

    sinto diferente e, na verdade, melhor.

    HELLINGER (para o grupo): A irm aqui a pessoa mais importante. Um sistema sofre perturbao quando fal-

    ta algum importante, sejam quais forem os motivos. Muitas vezes, trata-se de um irmo precocemente falecido

    do pai ou da me. Logo que essa pessoa se reintegra, o sistema recebe uma nova energia. S ento algo pode

    mudar.

    HELLINGER: Como est a irm falecida?

    lRM DO MARIDO: No sei bem o que dizer.

  • Bert Hellinger

    33

    Hellinger coloca a irm falecida ao lado de seu irmo.

    Figura 3

    HELLINGER: E agora, como se sente a mulher?

    MULHER: incrvel, mas agora posso me virar para meu marido.

    Figura 4

    HELLINGER: Como isto para o marido?

    MARIDO: Foi muito bom quando minha irm veio para c. Tambm foi bom quando chegou minha mulher.

    Mas tenho a sensao de que deveriam trocar de lugar.

    HELLINGER: bem possvel.

    Figura 5

    MARIDO: Assim est bem.

  • Ordens do Amor

    34

    MULHER: Agora est diferente e melhor.

    HELLINGER: Como est a irm falecida?

    lRM DO MARIDO: Bem.

    HELLINGER: Como esto os filhos?

    TODOS: Bem.

    HELLINGER (para a mulher): O que voc sente quando os filhos ficam assim na sua frente?

    MULHER: Sinto-me bem.

    HELLINGER (para Robert): Agora coloque-se voc ali.

    ROBERT (quando se coloca na figura): No estou entendendo isto.

    HELLINGER: Voc no precisa entender. S precisa colocar-se a.

    Robert sacode a cabea.

    HELLINGER (para o grupo): Esto vendo como a soluo difcil? Como ele resiste a ela? Pacincia.

    Est bem, foi isso a.

    Compensao atravs da renncia

    HELLINGER: A questo a seguinte: o que ele pode fazer para que sua irm recupere seu lugar e o que deve ser

    observado?

    Primeiro ponto: Pelo fato de estar vivo, ele se sente culpado diante da irmzinha, que est morta. Ele ficou em

    vantagem, ela em desvantagem. Essa a ideia que ele faz. Quando acontece um caso assim, a pessoa que levou

    vantagem no toma o que poderia ter, no intuito de compensar. Assim, Robert no toma sua vida e tambm no

    toma sua mulher, porque quer chegar a um equilbrio com sua irmzinha. Essa uma reao cega, que atua co-

    mo uma compulso irresistvel. Por detrs dela atua tambm a crena mgica de que sua irm ficar melhor se

    ele estiver mal e viver se ele morrer.

    Compensao atravs da ordem do amor

    HELLINGER: Existe, contudo, uma soluo num nvel superior. Essa compulso cega de compensar pode ser

    superada por uma ordem mais elevada, que uma ordem do amor. No podemos super-la somente pelo amor

    j que o impulso de compensar tambm uma forma de amor mas apenas num nvel superior, por uma

    ordem mais elevada do amor. Dentro dessa ordem, reconhecemos nosso prprio destino e o destino da pessoa

    amada como independentes entre si e humildemente nos submetemos a ambos. Qual seria ento, para Robert, o

    ato liberador? Ele precisa reconhecer seriamente que se sente culpado e ento dizer sua irm uma frase libera-

    dora. A frase que traz a soluo seria esta: Como se chama sua irm?

    ROBERT: Adelheid.

    HELLINGER: Querida Adelheid. Repita o que digo. Diga: Querida Adelheid. Diga!

    Robert solua.

    HELLINGER: O que voc est fazendo mau para a sua irm.

    (para o grupo): Quando ele procede assim, a morte duplamente m para sua irm. Ele est agindo como se

    no somente ela tivesse morrido, mas tambm como ele precisasse morrer por causa disso. Com seu luto toma

    ainda pior o destino dela, pois do mesmo modo como ele ama sua irm, ela tambm o ama.

    Contudo vou dizer a frase, embora ele no queira servir-se dela. A frase seria: Querida Adelheid, voc est

    morta, eu vivo ainda algum tempo e depois tambm morrerei. Esta a frase que traz soluo. Nela existe

    compensao, mas tambm liberdade. E existe humildade. A presuno acaba. Ele solidrio com os mortos

    e vive.

    Como segundo ponto, proponho um exerccio que ser proveitoso, tanto para ele quanto para sua irm. Durante

  • Bert Hellinger

    35

    um ano, ele lhe mostra o mundo. Imagina que a toma pela mo e lhe mostra as coisas belas do mundo. Pode

    mostrar-lhe, por exemplo, sua mulher e seus filhos. Seria uma possibilidade. Assim, ele resgata alguma coisa

    para ela.

    (para Robert)