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FILOGÉNES DA MOTRICIDADEABORDAGEM BIOANTROPOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

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FLOGÉNESE DA MOTRICIDADEABORDAGEM BIOANTROPOLOGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

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ÍNDICEINTRODUÇÃO ................................................................................................... 51 ORIGEM DA VIDA ...................................................................................... 92 ORIGEM DAS ESPÉCIES ........................................................................ 143 DOS INVERTEBRADOS AOS VERTEBRADOS ...................................... 214 PALEONTOLOGIA FUNCIONAL .............................................................. 29

4.1 O Ictiomorfismo.................................................................................. 304.2 O Anfibiomorfismo.............................................................................. 314.3 O Sauromorfismo............................................................................... 314.4 O Teromorfismo ................................................................................. 334.5 O Pitecomorfismo............................................................................... 36

5 ANTROPOMORFISMO E ADAPTAÇÕES HOMINÍDEAS ........................ 385.1 O Desenvolvimento dos Membros como Órgãos de Preensão ......... 415.2 O Desenvolvimento dos Membros Anteriores como Órgãos de Exploração.................................................................................................... 455.3 O Desenvolvimento do Sistema Herbívoro e Omnívoro de Digestão e Consequente Estrutura Cranio-dental .......................................................... 495.4 A Redução do Sentido OIfactivo ........................................................ 545.5 O Desenvolvimento da Acuidade Visual ............................................ 555.6 Mudanças no Esqueleto Pós-Craniano.............................................. 575.7 Desenvolvimento do Cérebro: Aprendizagem, Linguagem e Fabricação de Instrumentos ......................................................................... 615.8 Redução do Número de Descendentes por Nascimento, Dependência Maternal e Organização Social..................................................................... 75

6 CONCLUSÃO ........................................................................................... 81

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INTRODUÇÃO

O objetivo do trabalho que vou apresentar insere-se numa continuidade de pesquisas e de estudos, que situo por volta de 1969, ano em que iniciei o estágio pedagógico do curso do Instituto Superior de Educação Física (ex-lNEF). Aí, tive como metodólogo o professor Nelson Mendes, que me abriu várias perspectivas científico--pedagógicas e me proporcionou, mais tarde como diretor do mesmo Instituto, oportunidades ímpares e verdadeiramente facilitadoras, para concretizar a presente obra.

Na procura dos fundamentos interdisciplinares da Educação, como ação global dirigida a um ser Bioantropológico e Psicobiológico, isto é, à totalidade biopsicossocial do Ser Humano, parti para uma aventura episódica e preferencialmente orientada para os problemas da Motricidade. Tal esforço culminou na dissertação final, concluída já em 1971, cujo título: De Uma Filosofia (do conhecimento) à Minha Atitude (pedagógica), em pouco sugeria o que nela estava contido, ou seja, o tema referente ao seu subtítulo: Subsídios para a Ontogênese da Motricidade Humana.

E deste subtítulo que emerge parte do atual trabalho, agora enriquecido com outros dados, procurando apontar para uma Ciência do Homem, onde os aspectos biológicos e antropológicos, não se oponham aos aspectos sociológicos e culturais, ou melhor, onde a filogênese não se oponha à ontogênese, onde o organismo não se oponha ao meio, e onde a motricidade humana não se oponha a toda a criação da Civilização.

E óbvio que este objetivo é demasiado ambicioso, porém a minha experiência profissional tem-me proporcionado ocasiões e desafios que convergem nesse sentido. Primeiro, no Instituto Nacional de Educação Física como responsável pelo ensino das cadeiras de Antropologia (1972, 73, 74 e 75), de Educação Psicomotora (73 e 74) e Teoria do Movimento Humano (74 e 75); segundo, como bolsista do Instituto Nacional de Investigação Científica (ex-IAC) na Universidade de Northwestern (Evanston - Ilinóis), como pós-graduado (mestrado) em Ciências de Educação (74 e 75), onde obtive um crédito em Antropologia Biológica («Primate Evolution» — Evolução dos Prima-tas); terceiro, no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, como responsável «episódico e esporádico» das cadeiras de Neurobiologia (1977) e Dificuldades de Aprendizagem, especialmente orientadas para problemas de desenvolvimento e de aprendizagem na criança normal e na criança deficiente; e, por último, no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, como responsável pela cadeira de Psicobiologia (4.° ano - área de Psicopedagogia), cujo programa, que temos orientado desde 1975, após convite do Dr. Bairrão Ruivo, se encontra neste livro mais ou menos sintetizado, na mira de proporcionar aos alunos de Psicobiologia um modesto livro de estudo (textbook).

Foi esta a idéia central e motivadora da longa e perturbada construção deste trabalho subdividido em dois volumes. Todas as 'flutuações adaptativas e conceptuais da minha vida e experiência no ensino superior têm-me oferecido uma visão multidisciplinar e cientificamente integrada, visão

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inconclusa que podemos agora apresentar com um mínimo de coerência conceptual e com um mínimo de unidade dialética.

Não pretendo avançar com generalizações abusivas nem com reducionismos encantatórios, desejo fundamentalmente, neste estudo, não vulgarizar o lugar do Homem na Natureza. Por isso, apresento humildemente uma abordagem filogenética e ontogenética, rodeada de constelações temáticas, muitas vezes preliminares e rudimentares, porém suficientemente justificadoras para oferecer duas abordagens do desenvolvimento humano.

A primeira abordagem, eminentemente bioantropológica é apresentada neste volume. A segunda abordagem, fundamentalmente psico-biológica, será apresentada, noutro volume, nesta mesma coleção. Em ambas, as abordagens estão contidas uma unidade indispensável e recíproca, unidade que esteve na base da minha pesquisa e na base da elaboração do manuscrito. Só dentro de uma leitura complementar, entre um volume e o outro, se pode alcançar o objetivo expresso da minha reflexão. Nos dois volumes procuro defender a idéia de que o Desenvolvimento da Criança (ontogénese) recapitula, acelerada e qualitativamente, o Desenvolvimento da Espécie Humana (filogénese).

Neste primeiro volume tento partir da Antropologia Biológica, na qual procuro, apenas, aflorar a Evolução pré-orgânica e orgânica, passando rapidamente pela origem das espécies e pela transição que decorre dos animais invertebrados aos vertebrados. No sentido de abordar a motricidade dos animais, como comportamento adaptativo por excelência, evoluo em seguida para um estudo paleontológico-¦funcional, afim de demonstrar o papel daquela, nas libertações anatômicas, e o papel destas, nas modificações cerebrais das diferentes espécies. Do protozoário ao metazoário, do peixe ao réptil, do mamífero ao primata, e deste ao Homo Sapiens, tento fornecer dados que permitam visualizar interações endógenas (genótipo) e exógenas (fenótipo), que ponham em jogo a relação dialética, invariável e teleonómica, dos organismos vivos com o seu meio envolvente.

Com base na Genética, procuro então dimensionar o papel da informação e transdução bioquímica que hierarquiza e controla os fatores inatos e adquiridos em todas as espécies, daí resultando uma seqüência evolutiva de transformações anátomo-funcionais, que culminam no primata e no Homem.

É no enfoque preferencial das Adaptações Hominídeas que me situo neste primeiro volume. Aqui, abordamos comparativamente as transformações anatômicas e as modificações cerebrais concomitantes, na tentativa de enunciar algumas relações inequívocas entre o Biológico e o Social.

No outro volume procurarei lançar subsídios sobre a ontogênese recapituladora da seqüência filogenética, que objetivamente resume a evolução do Zigoto ao Feto, isto é, todo o Desenvolvimento Intra-Uterino, que é estudado pela Embriologia Humana. Posteriormente, e com base em alguns processos

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maturacionais, abordo a Neonatalogia e o Desenvolvimento Extra-Uterino, especialmente no que concerne às relações entre o psiquismo e a motricidade.

Nas duas abordagens procuro um certo equilíbrio lexico-visual entre o texto e a introdução de esquemas e desenhos, afim de facilitar a compreensão da minha mensagem. Desenhos e esquemas, ou melhor, esboços muito simples, uns originais meus, outros adaptados de obras que lemos e dissecamos.

O resultado da minha investigação, sempre numa tentativa de renovação evolutiva, coloca este trabalho como um complemento a um outro já publicado noutra editora com o título Contributo para o Estudo da Génese de Psicomotricidade. Por motivos alheios à minha vontade, mas que lamento profundamente, este livro deveria ser editado em 1978 na mesma coleção. Sai agora, três anos depois, com riscos de desatualização em algumas áreas, numa coleção que se lhe ajusta mais criteriosamente e onde espero publicar outros temas.

Independentemente de novos ajustamentos conceptuais e de reforços bibliográficos mais atualizadas, o trabalho não se afasta do objetivo inicial, que aponta para o estudo da motricidade humana e da psicomotricidade, agora fundamentadas em duas perspectivas.

O meu estudo procura lançar, todavia consciente das suas limitações, algumas bases para a compreensão do primeiro processo humano de aprendizagem e apropriação do real, ou seja, a motricidade, meio através do qual a inteligência humana se desenvolveu e se materializou, se constrói e edifica.

A motricidade humana, grande arquiteta da Civilização, tem as suas raízes filogenéticas a partir da Antropologia, da Genética e da Embriologia. Por outro lado, a motricidade humana para além de ser a consciência precoce, reúne em si duas componentes ontogenéticas fundamentais: a diferenciação estrutural do sistema nervoso central e a aquisição progressiva de padrões comportamentais (skills), justificadoras da hierarquia da experiência humana que vai da sensação à conceptualização, passando pela percepção, pela retenção e pela simbolização.

E pela importância que a motricidade assume na estruturação, organização e regulação da linguagem humana, que ela nos permite compreender a razão de ser da evolução decorrente do gesto à palavra, do ato ao pensamento e do ato reflexo à atividade de reflexão.

Por ser uma área subestimada no estudo do Homem, por uma deficiente interpretação do seu comportamento psicobiológico (que raramente vemos ultrapassada em estudos sobre o desenvolvimento da criança, quer em termos antropológicos quer em termos ontogenéticos, para não dizer também educacionais), vimos, agora, lançar mais este novo contributo.

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Termino com «inconclusões», que pelo seu inacabamento, apenas nos abrem o desejo de continuar a valorizar os fundamentos de uma perspectiva científica do Desenvolvimento Humano.

Apresentamos este contributo a todos os que se interessam pelo Desenvolvimento Humano, nomeadamente: pais, educadores de crianças deficientes e inadaptadas, educadores em geral, pediatras, pedo-psiquiatras, psicólogos, pedagogos, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas, reeducadores, investigadores, antropólogos, etc.

Um agradecimento especial a todos os meus alunos do INEF (cursos desde 1972 a 1975), do IAACF (cursos de 1977 e 78) e especialmente do ISPA (cursos desde 1975), que nos «obrigaram» a preparar as aulas, que aqui surgem agora com uma certa unidade, nem sempre alcançada nas situações dialéticas de leccionação. Agradecimento extensivo também a colegas de trabalho, donde destaco: Nelson Mendes, Arquimedes da Silva Santos, José Marinho (já falecido), Vítor Soares e restantes companheiros do Gabinete de Estudos e Intervenção Psicopedagógica. Do convívio científico que conseguimos criar nasceram luzes e reflexões que permitiram a transformação da nossa informação no presente livro, englobando uma Perspectiva do Homem já apresentada no IV Congresso Internacional de Psicomotricidade (Madrid, Março de 1980) e no Congresso Internacional de Aprendizagem e Desenvolvimento organizado pelo Instituto Piaget (Lisboa, Outubro de 1980).

Por último, dedico este trabalho a todas as crianças portuguesas, deficientes ou não deficientes, que considero, em termos antropológicos e históricos, os verdadeiros pais dos adultos.

Nova Oeiras, Novembro de 1978.O Autor

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1 ORIGEM DA VIDA

Não podendo aprofundar uma perspectiva bioantropológica, não queremos deixar de equacionar, embora superficialmente a origem da vida, o que põe de imediato em jogo a evolução pré-orgânica que antecedeu a evolução orgânica.

A origem da vida não pode ser estudada objetivamente. Só por analogia e inferência podemos compreender a vida na sua unidade e na sua diversidade, que engloba em si inúmeras transformações físico-químicas geradoras de mutações genéticas, as quais justificam os milhões de espécies de seres vivos, que compreendem uma dinâmica energético-material processada ao longo de milhões de anos.

O fenômeno vital (o misterioso fenômeno de Teilhard de Chardin) não é mais que uma série de processos que têm lugar dentro de certos níveis complexos de organização da matéria. Já Engels concebia a vida (independentemente de não ser um biólogo) como uma forma particular de movimento da matéria. E óbvio que a definição de vida é sinônimo de energia, energia essa libertada a partir do aniquilamento nuclear mútuo da matéria e da anti-matéria.

E evidente que a origem da vida se presta a explicações teleológicas, espiritualistas, animistas e vitalistas; no entanto, as investigações no domínio da física, da química e da biologia permitem uma explicação científica da origem da vida. O ponto de vista idealista considera a vida como um princípio espiritual e sobrenatural. Estão nesta linha as explicações que vão de Platão a Aristóteles, passando por Plotino, Santo Agostinho e S. Tomás de Aquino, nos quais sobressai uma concepção de vida determinada por uma força vital, animada de um dom supremo, sublime e divino.

No entanto, outras aproximações antimísticas justificaram a «pluralidade dos universos habitados», começando em Anaximandro a noção de que os mundos nascem e morrem, e enriquecendo-se em Anaxágoras, que iniciou a concepção heliocêntrica. Posteriormente, Lucrécio, Copérnico, Bruno e Galileu, tendo sido em alguns dos casos considerados «hereges», foram dissecando o mistério da origem da vida.

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O rompimento do obscurantismo que envolve a origem da vida, bem como a descoberta dos «parâmetros ocultos», iniciaram-se com os trabalhos de Pasteur, Elsasser, Bohr, Einstein, Hinshelwood, Heisen-berg, Glass, Neumann e tantos outros. Em todos estes autores há uma convergência anti-reducionista da noção de vida. A vida, se quisermos unificar as suas concepções, não é um simples metabolismo químico; ela é um estado limitado de organização e duração que envolve dialeticamente processos de regularidade de repetição, mas também processos invariantes e processos teleonomicos (Jacques Monod).

A noção de vida contém o gérmen da morte. O que vive morre. No fim da vida está a morte. É óbvio que esta dimensão dialética e inacabada reúne a noção dinâmica da vida, que compreende um nascimento e uma desintegração final, estando entre os dois estados os fenômenos de metabolismo, de irritabilidade, de movimento, de crescimento, de reprodução de acomodação e de assimilação. Por outras palavras, a vida requer um conjunto de fenômenos físicos, químicos e biológicos que põem em destaque os fenômenos de assimilação, de acomodação e de reprodução e a observância de certas condições de radiação, temperatura, gravitação, etc.

A teoria panspérmica é uma das abordagens que nos permite reconhecer a noção de vida, ou melhor, a formação da matéria, resultante da combinação e da constelação de fenômenos físico-químicos que originaram o aparecimento da vida no planeta Terra. O aparecimento da vida no nosso planeta põe em relevo a importância da formação de uma atmosfera. Segundo Weizsãcker, a aglomeração de poeiras, de nuvens e de gases, juntamente com o choque e a explosão de fragmentos de matéria, permitiu um envolvimento gasoso, rico em hidrogênio do qual resultou a formação do Sol. A partir de fenômenos de gravitação e, de contração de gases (hidrogênio e hélio), surgem forças eletromagnéticas que explicam a atração recíproca entre estrelas e planetas, os quais se organizam, em termos cada vez mais complexos, em enxames, espirais, nebulosas, ou melhor, em galáxias.

Se aceitarmos este princípio, evocado por cientistas, podemos compreender que a Terra, apenas um fragmento de um planeta original, se constituiu em três elementos fundamentais: atmosfera, hidrosfera e litosfera.

Desaparecendo as nuvens e os envolvimentos gasosos, a luz solar pôde atingir a Terra. As estruturas resultantes da aglomeração e da contração de gases, ao reagirem entre si, geraram minerais primitivos e a desintegração de materiais radioativos. É fácil, a partir daqui, prever que as partículas subatômicas (nêutrons, prótons e elétrons) se reuniram, por bombardeamentos meteoríticos, num só prótons, mais complexo e organizado, o que, em si, explica a formação de estrelas e poeiras cósmicas, da qual surgiram agregações que se deslocam e se fixam no Cosmos. Depois desta estabilização cósmica instável, bastou que se dessem libertações de gases, como as do bióxido de carbono, de metano, dos gases sulfurosos e das combinações de azoto, para se originarem as atividades vulcânicas e os fenômenos de vaporização que permitiram o aparecimento dos mares primitivos.

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O «puzzle vital» está quase concluído. Dos oceanos resultam sais minerais e fenômenos de condensação que geram chuvas. Este ecossistema, que tem tanto de invariante como de teleonómjciL, permite a decomposição do vapor de água, dando origem à libertação de oxigênio, condição indispensável à vida dos seres vivos. Fácil se torna agora compreender o aparecimento da vida através de elementos químicos e de fenômenos físicos integrando um processo evolutivo que tem a sua origem no Sol.

O Sol, como núcleo energético gigantesco e superaquecido, passou por períodos de alteração, num dos quais, por arrefecimento, se deu o deslocamento de elementos que formaram os planetas, um dos quais a Terra.

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A Terra, composta, como já vimos, por litosfera, hidrosfera e atmosfera, que não existem em Marte nem em Vênus, tem hoje uma história calculada em quatro mil e quatrocentos milhões de anos. Tendo sido primeiro uma nuvem de poeiras cósmicas, passou posteriormente a modificar a sua forma esférica e sólida através de uma complexa actividade vulcânica que lhe conferiu uma estrutura dependente da solidificação dos metais (litosfera) e, concomitantemente, um invólucro gasoso (atmosfera).

A Terra, sofrendo pressões atmosféricas e forças electromagnéticas e radioactivas, alterou os seus elementos químicos, os quais, por sua vez, se combinaram adquirindo novas propriedades.

A mais importante destas propriedades gerou a proteína, composto a partir do qual se justifica o aparecimento da própria vida. A proteína encontra-se no mundo vegetal e no mundo animal. Trata-se de uma substância plástica e protectora essencial aos seres vivos, podendo conter mais de quinhentas moléculas de aminoácidos.

O número de aminoácidos, segundo Bronowski, é uma medida de distância, em termos de evolução, entre o ser humano e qualquer mamífero. Vinte aminoácidos (espécies químicas) encontram-se em todos os seres vivos, da bactéria ao Homem.

Podemos perceber, efectivamente, que a vida não surgiu de repente, antes resulta de uma progressiva estrutura e de uma organização evolutiva de elementos químicos que permitiram uma constante recriação de novos atributos que explicam a impossibilidade de separar radicalmente o mundo inorgânico do mundo orgânico.

A complexidade crescente que vai das substâncias simples (as quais, como o metano, os hidrocarbonetos, a água e o azoto, pairam no seio da hidrosfera e da atmosfera) às substâncias proteicas, encontra necessariamente a sua explicação na biologia molecular, problema este de significação genética, de onde ressaltam os ácidos nucleicos, que, propriamente, definem a vida no seu todo.

A vida exige naturalmente um determinado tipo de composição química da atmosfera e da hidrosfera. Só assim se verificam fenómenos diversos, que se dão em limites aceitáveis de temperatura, gravitação e radiação. Stanley Miller, em 1950, com amónia, metano, hidrogénio e por vapor de água obteve aminoácidos em condições laboratoriais, por meio de descargas eléctricas e por condensações, provando assim que é possível, experimentalmente, a síntese não biológica de moléculas orgânicas. Um passo crucial se deu em termos de evolução, dado que os aminoácidos são considerados como os tijolos do grande edifício da vida. Deles se fazem as proteínas, e estas são, nem mais nem menos, os constituintes de todos os seres vivos.

A massa, o raio e o afastamento do Sol permitiram o aparecimento de vida na Terra, através de radiações, gravitações, radioactividade, humidade,

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calor, vento, electricidade natural, luminosidade, etc, resultantes de reacções ditadas por leis físico-químicas. Por acumulação, a actividade vulcânica, as erupções, as glaciações, as condensações, as polimerizações e as oxi-reduções, associadas às reacções dos hidrocarbonetos, do vapor de água e do amoníaco, permitiram o aparecimento do protoplasma (composto proteico) nos oceanos primitivos. Nos oceanos primitivos — meios privilegiados de vida, livres de radiações ultravioletas mortais — surge a matéria viva. O protoplasma, matéria básica de que são feitos os corpos de todas as plantas e animais, contém inúmeras propriedades, como por exemplo: irritabilidade, sensibilidade, contractibilidade, bem como propriedades prefor-madas e pré-elaboradas, que permitem a transmissão, a selecção, a acumulação e a conservação de energia, susceptível de ser transferida e auto-reproduzida. Essa missão é essencialmente controlada pelos ácidos nucleicos.

A condição da matéria orgânica é a condição dos seres vivos, que, por definição, são organismos compostos de órgãos, compreendendo uma organização que mais não é que uma adaptação às condições do meio exterior.

Os organismos vivem na razão directa de se alimentarem ou de traduzirem a energia existente no exterior. O organismo subentende um corpo (aspecto morfológico) que vive em permanente troca energética (aspecto comportamental) com o meio. Isto é, transforma o meio exterior para criar condições indispensáveis à sua actividade, ou seja a manutenção de um estado relacional num dado estado estrutural. Quer dizer, há nos seres vivos a necessidade de uma permanente adaptação ao meio exterior, a qual resulta de processos de assimilação e acomodação que concretizam biologicamente a dialéctica organismo--meio.

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2 ORIGEM DAS ESPÉCIES

Depois de termos tentado apresentar uma abordagem superficial da origem da vida, vamos agora avançar com um outro conceito fundamental - a origem das espécies.

Constata-se hoje, que os organismos descendem um dos outros por transformações, como resultado de adaptações lentas em grandes períodos de tempo.

Neste âmbito, A Filosofia Zoológica, de Lamarck (1809), A Lei que Regula a Introdução das Novas Espécies, de Wallace (1855), e a Origem das Espécies, de Darwin (1859), são, de fato, marcos cruciais na teoria da evolução, independentemente de todos eles desconhecerem os mecanismos da hereditariedade, só enunciados por Mendel em 1866 e praticamente desconhecidos até 1900.

Para vários autores, nomeadamente Burma, Mayr, Gregg, Simpson e Dobzhansky, a noção de espécie implica a noção de descendência e a noção de continuidade biogenética, isto é, requer a observância de processos de reprodução sexual. Embora a «espécie» seja uma ficção, uma construção mental sem existência objetiva, convém definir espécie biológica como o maior grupo natural de indivíduos que atual e potencialmente são capazes de reprodução e intercriação, ou seja de produzirem descendências férteis do ponto de vista biológico. Quer dizer, a noção de espécie leva-nos à noção de animal individual e sexualmente reprodutivo. Daqui, necessariamente, surge a noção de animal e de parentesco, pelo fato de um certo esperma e de um certo óvulo se fundirem num dado núcleo, contendo uma informação que permitirá a divisão celular e o aparecimento conseqüente de uma nova cria.

A espécie é vista como uma continuidade biológica e genética, isto é, o segmento de uma linha, de uma seqüência ancestral, descendente portanto de populações biológicas integradas numa dimensão temporal e numa mudança genética. A noção de espécie não é ambígua, embora do ponto de vista zoológico e paleontologico surjam muitas controvérsias. Ela inclui uma noção de tempo, uma seqüência de populações genéticas e um conjunto de realidades biológicas que compreendem: a criação, a variabilidade e a fertilidade.

As espécies não são senão segmentos da filogénese, digo de sucessões e de criações contínuas sem interrupção, que se dividem em subespécies e variedades classificadas segundo a taxonomia animal. Há que encarar, pelo menos, uma relação dialéctica entre amostras ou entidades (unidades) e as populações, que se transformam através dos tempos e migram de umas zonas geográficas para outras.

É evidente que com 1 000 000 de espécies animais e 350 000 espécies vegetais, com toda a sua diversidade e especificidade, necessário se tornou classificá-las. Neste aspecto, temos de destacar dois naturalistas, Ray e Linné, a quem se deve o Sistema Natural (1735) que motivou a taxonomia

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moderna. Para Linné, a sistemática dos seres vivos devia integrar as seguintes categorias: reino, filo, classe, ordem, família, género e espécie.

Para Linné e muitos dos seus contemporâneos, as espécies eram distintas e imutáveis, categorizadas segundo a sua semelhança morfológica. Só mais tarde, com Erasmos, Danvin e Lamarck, se reconheceu a variabilidade e a diversidade das espécies. A espécie passou a não ser explicada puramente por um simples acto de criação, mas por um processo lento de transformação em longos períodos de tempo.

Estas concepções, ridicularizadas, como sempre, pelos cientistas contemporâneos de Lamarck, levaram cerca de cem anos para serem reinterpretadas, e aqui surgem Darwin e Wallace. Estes autores expuseram a teoria da selecção natural segundo um princípio evolutivo, no qual todas as espécies vivas evoluíram a partir de formas preexistentes mais simples.

A taxonomia, a partir daqui, abandonou a categorização por semelhanças e entrou num novo horizonte: a categorização por evolução. As pressões da evolução vão posteriormente explicar por que é que os animais não relacionados entre si se transformam em novas espécies: as espécies passaram a ter laços de parentesco, mesmo com um antepassado muito remoto. Daí fundamentar-se, por exemplo, que o Homem e os Simios superiores têm um antepassado comum, que Simons designou por Procônsul.

Através desta visão, a taxonomia não é mais que um resumo da história da evolução, exemplificando a evolução das espécies em termos de complexidade crescente, de organização e adaptação biológica. Como Simpson, concordamos que as espécies devem ter uma definição em relação com o processo da evolução. Só assim a definição de espécie atinge uma significação biológica, porque profundamente evolutiva e genética.

Esta visão, de que as espécies mudam no espaço e no tempo, é filha da obra de Darwin, aliás já contida no seu trabalho Origem das Espécies, considerado o livro mais importante do século XIX, e só possível depois da sua

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viagem no «Beagle» à volta do Mundo.

É evidente que há dados de fósseis que permitem a defesa desta perspectiva, embora os paleontólogos não se encontrem suficientemente satisfeitos com os factos evidenciados pelas provas contidas nos fósseis. O que interessa, aqui, é perceber a grande mensagem darwiniana, que encerra uma visão multidimensional que surge como uma dificuldade para os taxonomistas. Estes terão de contar com variações de populações, polimorfismos, adaptações, ecofenótipos, isolamentos, migrações, variações etárias, alterações do envolvimento, etc., isto é, com a noção de que a espécie contém também em si um movimento, aliás em analogia com a própria vida.

Como se justifica então a evolução das espécies? Para Wallace e Darwin, a justificação encontra-se no processo de selecção natural e na luta pela sobrevivência. Tais processos geram variações favoráveis (daí a preservação de espécies), ou variações desfavoráveis e destruição de outras espécies, ou, eventualmente, o aparecimento e a formação de novas.

Para além desta explicação, Darwin introduz dois novos conceitos: a variação e a hereditariedade.

No primeiro, demonstrou que nenhum ser da mesma espécie é igual a outro ser: subsistem diferenças de tamanho, proporção, adaptação, etc. No segundo, tentou equacionar que todas as espécies são susceptíveis de transmissão hereditária reprodutiva.

Destas duas novas concepções resultam dois significativos conceitos biológicos, de uma importância crítica para a compreensão da evolução. O primeiro põe em destaque a noção de adaptação, que mais não é que um ajustamento contínuo do organismo ao meio em mudança, contendo complicados processos de assimilação (do meio para o organismo) e de acomodação (do organismo para o meio). O segundo abre a porta à Genética e ao estudo da hereditariedade, iniciado por Mendel, na qual se explicam os mecanismos de duplicação genética de entidades biológicas, transmitidos por mapas cromos-sómicos para as novas gerações. Tal transferência requer não só a conservação de uma herança genética como pode compreender mutações, que, segundo Hugo de Vries, produzem genuinamente novas características, das quais dependem a evolução e a selecção orgânica e natural.

Sulton, Boveri e Morgan são os principais responsáveis por recombinarem as teses de Mendel e de Hugo de Vries. Os autores acima focados partem do reconhecimento dos cromossomas, estruturas que se encontram localizadas no núcleo e que transportam os caracteres hereditários (genoma).

Foi Morgan quem demonstrou, com a Drosophila, que os determinantes genéticos se apresentam numa ordem linear e numa sequência ou encandeamento contido no próprio cromossoma. A célula, ao dividir-se, leva à individualização de pequenas barras ou bastões em forma de X,

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denominados por cromossomas. Os cromossomas são o substrato citológico da hereditariedade e o seu número é par, fixo em cada espécie animal. No ser humano, por exemplo, o número de pares é de 23, dos quais 22 são autossomas, isto é, cromossomas somáticos, e um par é genossoma, ou seja cromossoma sexual. É necessário que se note que esta individualização cromossómica se mantém, desde a fecundação até à morte, e é de 46XX para o sexo feminino e de 46XY para o sexo masculino.

Depois da reunião de Denver (1960), os grupos de cromossomas encontram-se diferenciados desde o grupo A ao grupo G, segundo o comprimento total e respectivo dos braços articulados pelo centró-mero.

À montagem da divisão celular em estado de metafase é dado o nome de cariótipo, que mais não é que a carta geográfica dos traços hereditários, ou seja o mapa cromossómico de McKusick. A divisão celular, como é óbvio, obedece a um complicado mecanismo hierarquizado e controlado, dependente do ADN1 e do ARN2.

O ADN detém a informação genética e o ARN assegura o transporte e a recepção da mensagem genética. Toda a perturbação da mensagem codificada no ser humano («dislexia genética») provoca aberrações quer nos autossomas (trissomias: Down (21), Patau (13), Edwards (18) ) quer nos genossomas (Klinefelter, Turner e outros), as quais traduzem normalmente anomalias de desenvolvimento. São conhecidas outras malformações dos genes mutantes, como por exemplo: a acondroplasia (nanismo), a gota, a coreia de Huntington, a diabetes, a distrofia muscular de Duchenne, etc.

Estes exemplos da genética humana servem para demonstrar que a evolução da espécie não pode ser interpretada sem o esclarecimento necessário da genética, daí este desvio em termos de contexto. É evidente que a mutação de genes, dependente da mudança de condições do meio, põe em jogo processos bioquímicos e fisiológicos que determinam posteriomente os aspectos comportamentais dos diferentes organismos.

Os extraordinários trabalhos de Watson, Crick e Wilkins são demonstrativos do que acabamos de referir. A vida e as espécies são explicadas por transmissão hereditária, traduzida em termos de ADN e ARN que mediatizam as proteínas e são a razão de ser da evolução dos seres vivos, controlando o seu desenvolvimento e o seu movimento, isto é, toda uma engenharia genética que explica as mutações e as populações animais. A vida é possível a partir da reprodução de organismos através da divisão celular.

A divisão celular, por natureza, produz gerações idênticas, como regra, e mutações como excepção. É esta capacidade de autocópia que caracteriza os seres vivos, pois, como afirma Jacques Monod, «os organismos vivos são estruturas que se constróem a si próprias», isto é, os seres vivos justificam-se pela realização de um projecto. As moléculas simples, básicas, 1 ADN — Acido desoxiribonucleico

2 ARN — Ácido ribonucleico.

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como as bases (adenina, timina, guaninae citosina), que, por sinal, compõem o ADN em espirais de fosfato e açúcar, auto-reproduzem-se descodificando a mensagem genética numa série de arranjos atómicos que implicam uma sequência de acções que operam a síntese das proteínas. É nesta linguagem que se passa o fenómeno da hereditariedade em todas as criaturas que conhecemos, desde a bactéria ao elefante, desde o vírus à rosa, desde o réptil ao Homem.

O segredo da vida emerge da reprodução sexual, primeiro no mundo vegetal, depois no mundo animal. A partir daí a norma biológica que permite a integração da noção de espécie advém de dois sexos. O sexo produz diversidade, e esta é a mola da evolução. A multiplicidade de formas, de cores e de comportamentos nos indivíduos e nas espécies é produzida por pares de genes, uns dum sexo, outros do outro, como Mendel focou. Os genes, ocupando uma posição nos cromossomas, somente visível na divisão celular, são compostos de ácidos nucleicos, e, como tal, participam na produção das proteínas, que, organizadas e estruturadas, dão origem aos seres vivos.

Para penetrar nos parâmetros ocultos da genética, foi preciso que, desde Mendel a Watson e Crick, decorressem cerca de 90 anos. Em 1953, o ADN foi decifrado. O ADN é um ácido nucleico, um ácido contido na parte central (núcleo) das células, que contém as mensagens químicas da hereditariedade, as quais passam de umas gerações para as outras. A arquitectura (química) do ADN é feita de açúcares e de fosfatos e de quatro pequenas moléculas ou bases, como já vimos atrás. Duas são pequenas, a timina e a citosina, e as outras duas são maiores, a guanina e a adenina. As primeiras estão organizadas em hexágonos, as segundas em hexágonos e pentágonos, dentro dos quais se encontram átomos de carbono, nitrogénio, oxigénio e hidrogénio. O ADN é portanto uma longa cadeia em espiral, com uma estrutura invariante e rígida, uma espécie de cristal orgânico, como diz Bronowski. A ligação das bases não é arbitrária, os seus pares são obrigatoriamente: timina-adenina, guanina-citosina, os quais, ordenados por andares sempre da mesma forma, contêm o código genético.

As quatro letras do ADN são um código que transmite à célula, passo a passo, todas as informações, que permitem a manufactura das proteínas. Um código, o do ADN, implica outro código, o das proteínas. Podemos acrescentar que o ADN traz os planos de mais de mil proteínas que são manufacturadas pela célula viva. O ADN contido nos cromossomas passa as suas informações ao ARN mensageiro, que, por sua vez, se desloca aos ribossomas, para aí fabricar as proteínas, materiais fundamentais de construção dos organismos vivos.

Temos, assim, elementarmente concluído o ciclo da hereditariedade, onde surge o invariante fundamental do ADN (Jacques Monod), ou seja o gene, portador imutável das características hereditárias, já designado por Mendel, o que constitui, sem dúvida alguma, a mais importante descoberta da biologia, à qual necessariamente se deve juntar a teoria da selecção natural, de Darwin, que só agora é entendida na sua dimensão mais plena.

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Temos então explicada sumariamente a relação de prioridade entre a invariância e a teleonomia: dilema fundamental da vida. Como afirma Jacques Monod, no seu ensaio sobre a filosofia natural, «a invariância precede necessariamente a teleonomia, ou, para ser mais explícito, a ideia darwiniana de que a aparição, a evolução e o aperfeiçoamento progressivo das estruturas, cada vez mais intensamente teleonómicos, são devidos a perturbações ocorridas numa estrutura, possuindo já a propriedade de invariância, capaz, portanto, de conservar o acaso e, por isso mesmo, de submeter os seus efeitos ao jogo da selecção natural».

O ADN não é senão uma instrução activa e dinâmica que transmite à célula todas as informações que vão alterar a sua estrutura e função. A vida é uma sequência de fenómenos, ou melhor, um encadeamento rigoroso de operações que tem o seu início no próprio mecanismo e sinergismo do ADN. A célula limita-se a ler a informação do ADN, leitura essa sem omissões nem adições, que reagrupa as moléculas básicas em triplas (códãos ou códon ou mesmo triplete), para formar um aminoácido, ponte para juntar dois enzimas, que, por sua vez, originam a formação de proteínas, resultantes de 20 aminoáci-dos, isto é, o código do código.

Voltando a Bronowski, «todas as células transportam no seu soma o potencial necessário para fazer um animal no seu todo, exceptuando as células do espermatozóide e do óvulo. O espermatozóide e o óvulo são incompletos, e não passam de metades de células: elas transportam metade do número total de genes». É um facto, só quando o óvulo é copulado pelo espermatozóide ele é fertilizado, para dar origem ao zigoto, que está organizado, como já vimos, em pares de genes. Só a partir daqui podemos encontrar a totalidade das instruções hereditárias que vão originar os sucessivos estados de desenvolvimento embriológico.

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Podemos agora compreender a diversidade da vida e a sua variação, e perceber que as combinações de genes presentes nas populações animais são astronómicas. É provável que neste mecanismo complexo se verifiquem mudanças de direcção genética (genótipo) naturalmente implicadoras de um processo evolutivo dependente do meio (fenótipo), onde surgem novos arranjos e recombinações que justificam a evolução das espécies.

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3 DOS INVERTEBRADOS AOS VERTEBRADOS

Depois de termos feito esta viagem pela hereditariedade, estamos em condições de retomar a abordagem filogenética e, ao mesmo tempo, o processo de evolução das espécies, basicamente explicado por duas variáveis cruciais: hereditariedade e adaptação.

Para compreendermos os caminhos da filogénese, que nos levam até ao Homem, temos, em primeiro lugar, de destacar a unidade da vida e o significado da sua síntese, que nos impede de separar radical e abruptamente o mundo inorgânico do mundo orgânico e, evidentemente, o mundo vegetal do mundo animal.

Só nesta unidade vamos equacionar o mecanismo que justifica a evolução, que vai dos seres unicelulares aos seres multicelulares, dos protozoários aos metazoários, dos invertebrados aos vertebrados, da bactéria ao Homem.

Em termos esquemáticos, podemos apresentar o seguinte quadro, que reforça exactamente o sentido do Universo, da Vida e da Evolução das espécies, bem como o lugar do Homem na Natureza.

Dentro de uma linha filogenética, os metazoários são formados por duas camadas de células, a ectoderme e a endoderme (exterior e interior), que caracterizam um tipo de movimento dependente de uma simetria radial. Tal característica tende a transformar-se, em termos evolutivos, numa simetria bilateral, dado que uma nova estrutura se interpõe no meio das duas camadas acima apontadas, isto é, a mesoderme, implicadora de uma morfologia esquelética e de uma musculatura específica pondo em jogo grupos musculares agonistas e antagonistas, flexores e extensores, esquerdos e direitos, anteriores e posteriores. É evidentemente a partir daqui que as condutas sensório--motoras tendem a uma complexidade crescente. Podemos já dissecar a adaptação progressiva, que vai dos invertebrados aos vertebrados. E é o que nos propomos fazer de momento.

Os vertebrados expandem-se pela água, pelo are pela terra. Como características adaptativas fundamentais, temos a referir: caixa craniana óssea, desenvolvimento do esterno, da cintura pélvica e da escapular, desenvolvimento dos membros, desenvolvimento muscular, alongamento da coluna cervical e independência da cabeça.

Como representantes fósseis que justificam os primeiros vertebrados, temos a referir os placodermes, os crossopterígeos e os actinopte-rígeos.

Dos peixes aos anfíbios dão-se de novo adaptações, tal como dos anfíbios aos répteis. Assim, o peixe, ao levantar a cabeça das águas, inicia a conquista da terra firme, transformando-se num peixe blindado que comporta novas adaptações que o vão levar aos répteis. As características filogenéticas primordiais são a transformação da barbatana em membros, a estrutura

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pulmonar com narinas, uma circulação sanguínea dependente de um coração, o robustecimento do esqueleto e a aquisição de uma coluna cervical móvel, dado que os problemas de orientação em terra requerem maior número de conexões sensório-motoras.

Fig. 4 — Os crossopterígios elevam a cabeça das águas. A conquista da terra foi primeiro feita pelas plantas e depois pelos vertebrados. Estes iniciam um passo muito importante da evolução. Dos peixes aos répteis surgem novas adaptações: as barbatanas transformam-se em membros; as funções biológicas complexificam-se; a motricidade mais diferenciada origina novas modificações no cérebro. (Segundo F. H. T. Rhodes)

Fig. 5 — Ichthyostega (esqueleto e reconstituição esquemática). (Segundo F. H. T. Rhodes)

Uma das características mais importantes do vertebrado, e que convém desde já assinalar, é a simetria bilateral, em que uma parte do corpo é espelho da outra.

Romer chega mesmo a diferenciar a simetria bilateral morfológica como a condição fundamental de os vertebrados serem considerados animais activos que se deslocam facilmente, daí o seu sucesso de adaptação ao meio exterior.

A simetria bilateral está na base da filogénese da motricidade, é ela que explica a evolução adaptativo-funcional que mais tarde justificará o desenvolvimento do órgão de maior diferenciação do mundo animal — o cérebro humano.

A simetria bilateral depende da coluna vertebral, que suporta a cabeça, o tórax e o abdómen. E é a chave da filogénese da motricidade que evolui da reptação (dos répteis) ao bipedismo (do Homem), passando pela quadrupedia (dos mamíferos) e pela braquiação ou quadrumania (dos primatas).

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A simetria bilateral ajuda-nos a perceber a importância capital da coluna vertebral, não só porque sustenta os órgãos mas também porque constitui o princípio e o fim de todas as condutas sensório-motoras. A coluna contém na sua extremidade anterior a cabeça (cefalização) e na sua extremidade posterior a cauda. É interessante notar que daqui advém uma lei fundamental de desenvolvimento dos vertebrados — a lei cefalocaudal, lei essa que exemplifica o desenvolvimento embrio-lógico e a ontogénese da motricidade no ser humano, que iremos estudar num segundo volume.

É óbvio que as aquisições motoras humanas, que se iniciam primeiro na posição de deitado (maturação neuromuscular dos metâ-meros dorsais e lombares), até à posição de pé (maturação neuromuscular dos metâmeros sagrados), põem em destaque a importância da lei cefalocaudal, característica inerente à motricidade de todos os animais vertebrados.

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Os animais vertebrados dispõem todos de uma coluna e de uma cabeça. A coluna suporta os órgãos responsáveis pelas grandes funções (respiração, circulação, digestão), enquanto a cabeça concentra as estruturas mais sensíveis dos órgãos sensoriais (orientação e adaptação). Estes dois elementos constituem o esqueleto axial, o mais fundamental, ao passo que os membros anteriores (superiores) e os membros posteriores (inferiores) constituem o esqueleto apendicular, unido à coluna por duas cinturas articulares: a escapular e a pélvica.

Um estudo de anatomia comparada levar-nos-ia muito longe, saindo fora desta introdução, onde se pretende dar uma visão, tanto quanto possível adequada e rigorosa, entre a filogénese e a ontogénese da motricidade; porém, ela é fundamental para a compreensão dos aspectos osteológicos e anatómicos, não só importantes para a leitura dos fósseis como também necessários para a explicação das adaptações mais diferenciadas que se deram nos vertebrados.

A evolução que vai dos seres unicelulares como os protozoários, e que passa, segundo Oparine e tantos outros, pelos colonialismos celulares ou coacervatos, até atingir os metazoários marítimos, seres multicelulares, sem espinha dorsal, também designados por invertebrados, é a mais difícil de determinar, exactamente porque faltam dados fósseis, ou melhor, dados paleontológicos.

Embora a paleontologia, como ciência do passado, segundo nos assegura Piveteau, não nos garanta muitos fragmentos formulativos da história da evolução dos invertebrados, não restam dúvidas de que o estudo dos ossos (osteologia) nos permite mais seguramente redesco-brir a idade relativa dos restos animais, através de um conjunto de conexões (G. St. Hilaire) e de processos adaptativos que nos confirmam uma perspectiva materialista da evolução dos vertebrados.

O esqueleto é um elemento importante para o estudo dos vertebrados; só por ele se podem analisar as espécies extintas. O que resta para além das partes moles é efectivamente o que interessa para o estudo dos fósseis e, mais globalmente, para os estudos dos dados arqueológicos.

Para além das características que já apontámos, importa determinar objectivamente como se deu a evolução dos vertebrados para conhecermos por que é que os animais vertebrados (e portanto o Homem) se transformaram no que são.

A simetria bilateral é, como já vimos, fundamental, daí advirem as seguintes adaptações nos animais vertebrados:

- Maior facilidade de movimentos; - Melhores condições de resistência ao sedentarismo; - Separação das narinas da cavidade bucal (aparecimento do

sistema olfactivo);

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- Emergência de um sistema de equilíbrio (sistema vestibular), dado que o equilíbrio e a orientação são mais complexos em terra firme;

- Coluna vertebral flexível; - Cefalização progressiva com assimetria funcional dos dois

hemisférios cerebrais.

A transformação de uns seres noutros explica-se, como já vimos, em termos genéticos, por isso fácil se torna agora perceber a evolução que decorre do vertebrado ao Homem, não apenas em termos anatómicos mas também em termos funcionais, ou seja perspectivar toda uma evolução que parte de um aspecto biológico para outro já extrabiológico.

Fig. 6 — Filogénese do SNC (Sistema Nervolo Central). (Segundo Max Ceccatty)

Nesta revolução biológica é evidente que uma das características fundamentais dos vertebrados, quer sejam os peixes, os anfíbios ou os répteis, e a sua actividade. A actividade, melhor, a motricidade no seu sentido biológico total foi e é uma das chaves do sucesso dos animais vertebrados.

A motricidade, por si só, para além de ter permitido ao peixe do Devónio-Crossopterígio a conquista da terra firme, levou o animal vertebrado às seguintes libertações anatómicas sucessivas, focadas por Leroi-Gourhan:

1.° — do corpo em relação à água (répteis); 2.° — da cabeça em relação ao solo (mamíferos); 3.° — da mão em relação à locomoção (primatas); 4.° — do cérebro em relação ao maciço faciodental (Homem).

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Em termos de evolução, a motricidade é uma condição de adaptação vital Só por ela a nutrição é satisfeita e só em função desta necessidade se justifica o processo de relação com o meio, dado que todos os animais, inclusivamente o Homem, necessitam de obter determinados alimentos a partir do seu envolvimento.

A motricidade, como berço significativo da evolução, deve permitir ver a Adaptação Humana não só pela inteligência mas igualmente pela sua motricidade, que lhe deu a origem e que sucessivamente a determinou.

A motricidade é o complemento da cerebração, isto é, a regulação e o controlo, que a motricidade humana atingiu através dos tempos, é a condição, (em termos ontogenéticos) e foi a condição (em termos filogenéticos) da evolução do cérebro., órgão central de localização cefálica que assume os comportamentos, ou sejam os processos motores materializadores de adaptação, e da relação «inteligível» entre a situação (factores exógenos) e a acção (factores endógenos).

O cérebro beneficiou da filogénese da motricidade, através da conquista locomotora que decorre da reptação, da quadrupedia e especialmente do bipedismo.

No princípio, é a motricidade que explicita a progressiva diferenciação do cérebro. O cérebro não provoca a motricidade como muitas vezes as explicações idealistas quiseram argumentar. A motricidade é o invariante da evolução biológica! e como tal da evolução do sistema, nervoso central. Aqui está outra das chaves da evolução, a qual aponta necessariamente para uma visão científica baseada em factores conhecidos e controlados pela acção e pelo saber humanos, independentemente de muitas teorias acientíficas continuarem a subsistir, exactamente porque não podem ser cientificamente analisadas.

A função e a utilização constante do aparelho locomotor justifica em parte a Hominizacjio, que resume uma evolução anatómica, essencialmente associada a uma revolução reflexiva ou cerebral. O problema tem ainda uma justificação lamarckiana: as características adaptativas, explicadas em termos genéticos, verificam-se em termos de uso ou desuso, isto é, a função faz o órgão. Assim, explicamos o pescoço comprido da girafa, a ausência de membros da cobra, o bipedismo humano. Trata-se, como diz Romer, de uma teoria simples, razoável e natural, à qual devemos juntar as mutações, quer sejam vantajosas ou não, e o mecanismo de selecção natural explicado inicialmente por Charles Darwin.

No caso dos vertebrados, e é isso que importa agora abordar, a adaptação à vida terrestre levou à transformação dos peixes em anfíbios, que, como sabemos, têm um duplo habitat. Afirma Sanides, que as larvas destes anfíbios conservam ainda a vida aquática, como aliás, se pode observar no processo de maturação da rã.

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Os primeiros peixes a «tirarem a cabeça fora de água» surgiram na segunda metade do Silúrico, e durante o Devónio atingiram maior variabilidade e adaptabilidade. São considerados peixes pulmonados (ou dipnóicos) e também designados por peixes blindados, dada a estrutura extremamente rígida da sua ectoderme, exactamente porque só assim se protegiam das radiações muito intensas da época. Nesta transição, a bexiga natatória transforma-se em pulmão; as barbatanas em membros; as extremidades em cinco dedos; a coluna cervical rígida num pivot móvel para permitir à cabeça uma maior independência de movimentos (pescoço) e, consequentemente, uma orientação visual e auditiva mais ampla; as fossas nasais diferenciam-se da cavidade bucal e adquirem uma comunicação com a faringe, o que permite desenvolver um telerreceptor químico, isto é, o olfacto, de grande significado adaptativo para todos os mamíferos terrestres.

Todas estas adaptações funcionais podiam ser rejeitadas dum ponto de vista explicativo. Porém, em 1936, na Gronelândia, surge um fóssil que permite ligar a adaptação aquática à adaptação terrestre e atmosférica. Tratava-se de um peixe de quatro pernas, o Ichthyostega, apresentando já um conjunto de condutas, que podemos caracterizar como inerentes aos anfíbios. Convém reprecisar que este exemplar encontra um testemunho actual num peixe da ordem dos crossopterigeos que ainda hoje habita as ilhas Comores, perto de Madagáscar.

É evidente que as exigências da vida na terra são diferentes das exigências da vida na água, e mais uma vez essas diferenças têm a ver essencialmente com a motricidade. Para se movimentar em terra firme, o animal necessita de quatro extremidades que permitam sustentar o corpo e garantir o equilíbrio à extremidade cefálica, dado que esta precisa de responder a um maior número de estímulos do meio exterior.

A libertação do crânio da primeira vértebra, atlas, obedece à necessidade de o animal vertebrado desenvolver vários sentidos, quer à distância (visão, audição, etc.) quer ao nível do corpo e da pele (gosto, tacto, movimento, etc), sendo uns denominados telerreceptores e outros proprioceptores.

A aquisição de uma extremidade cefálica independente e móvel, sustentada pelas massas musculares do pescoço, dotou, como evoca Sanides, o animal de um sistema silencioso de orientação e de sobrevivência, permitindo uma observação dirigida quer para uma presa quer para um predador.

O animal vertebrado tem de responder mais adequada e rapidamente aos estímulos e às situações, dado que as modificações das condições de vida são mais bruscas na terra do que na água. Os seus sistemas de orientação e de acção são mais aperfeiçoados e mais organizados, justificando portanto um sistema nervoso mais complexo. Para a complexidade do sistema nervoso contribui um novo sistema proprioceptivo, adquirido a partir dos fusos neuromusculares e dos corpúsculos de Golgi, que informam permanentemente o cérebro das condições em que a acção decorre.

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Só com estes dispositivos táctilo-quinestésicos, que advêm, uma vez mais, de uma motricidade cada vez mais diferenciada, os animais vertebrados obtiveram um sistema sensorial mais complexo e interligado.

É fácil perceber agora o papel do cérebro, que tem como função fundamental organizar os dados de vários órgãos receptores, antes de programar um sistema de acções que concretizam propriamente a adaptação do animal ao seu meio.

Do Anfioxo ao Homem verifica-se, podemos dizer, uma paleontologia funcional, evidenciada pela prioridade dos dispositivos esquelético-corporais, em comparação com os dispositivos sensório--cerebrais. Aqui se encontra a confirmação da importância dos aspectos funcionais e adaptativos, que só poderiam ser satisfeitos pelos aspectos anatómicos e osteológicos antecedentes, necessariamente dependentes da motricidade.

Como dados filogenéticos indispensáveis à compreensão da ontogénese da motricidade dos vertebrados, temos:

1.° — Organização mecânica da coluna e dos membros, entendidos não só como órgãos de locomoção mas também, e fundamentalmente, como órgãos de relação com o meio; 2.° — Suspensão craniana, onde subsiste a colocação da cabeça, como dispositivo funcional de orientação no meio; 3.° — Estruturação da dentadura como órgão de relação com funções de captura de presas, defesa de predadores e preparação alimentar;4.° — Evolução neuromotora da mão, a qual, estando colocada na extremidade dos membros superiores, justifica a evolução técnico-instrumental;5.° — Expansão associativa e interneurossensorial do cérebro, que permitiu no Homem a manipulação simbólica (linguagem) e a evolução sociocultural.

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4 PALEONTOLOGIA FUNCIONAL

Para situarmos objectivamente este ramo da filogénese, vamos recorrer às obras de Leroi-Gourhan e de David Pilbeam, que nos apresentam simultaneamente uma hierarquização morfologico-motora dentro dos vertebrados e segundo o seguinte quadro esquemático:

• Ictiomorfismo — equilíbrio no meio aquático; • Anfibiomorfismo — libertação do meio aquático; • Sauromorfismo — libertação da cabeça; • Teromorfismo — locomoção quadrúpede; • Pitecomorfismo — postura sentada; • Antropomorfismo — bipedismo.

Fig. 7 — Hierarquização morfológico-motora (segundo Leroi-Gourhan).

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É dentro desta hierarquização filogenética que passaremos a abordar a progressiva diferenciação funcional da motricidade, sem no entanto deixar de recorrer ao quadro de Pilbeam, que se segue e onde estão assinalados, em termos de evolução, os acontecimentos mais significativos que nos levam até ao aparecimento do Homo Sapiens.

Numa breve síntese, e respeitando a hierarquização morfológico--motora dos vertebrados, vamos agora dissecar cada um dos estádios evolutivos.

4.1 O Ictiomorfismo

Trata fundamentalmente da evolução do peixe, na qual se observa uma locomoção no meio aquático assegurada por batimentos laterais e rítmicos, pela acção de músculos antagónicos suportados pelo esqueleto interno. É efectivamente este mecanismo motor elementar que propulsiona o

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eixo do corpo do peixe, com a acção dinâmica da cauda, equilibradora das barbatanas e direccional da cabeça.

A extremidade cefálica assegura a inserção das mandíbulas e pode conter dentes elementares em forma de cone e com superfícies cortantes.

A cabeça não apresenta liberdade de movimentos com o eixo corporal: encontra-se solidamente unida à primeira vértebra, recebendo já um minúsculo cérebro, composto de tubo neural e vestibular.

4.2 O Anfibiomorfismo

Compreende a passagem da vida aquática à vida terrestre, englobando novas aquisições respiratórias e motoras. As guelras transformaram-se em bexigas natatórias e as mandíbulas acusam já um certo grau de libertação anatómica.

É evidente que se dá uma adaptação exclusiva à água e uma adaptação relativa à terra, como, aliás, prova a sua reprodução, quase toda desenrolada no meio aquático.

A locomoção terrestre é feita com os quatro membros, e a cintura escapular ainda está articulada com o crânio, de forma que a liberdade da cabeça é quase nula. A bacia faz já suporte à marcha, os braços e as pernas têm os mesmos ossos que o ser humano, e a mão e o pé acusam a pentadáctila.

São óptimos nadadores, com movimentos simétricos e propulsi-vos coordenados entre os membros anteriores e os membros posteriores.

A cabeça, em terra, assume uma posição semi-horizontal e semivertical, exactamente para facilitar a orientação, o que vai permitir o aparecimento do pescoço, separando anátomo-funcionalmente a cabeça do resto do corpo por uma musculatura da nuca. A dentadura apresenta uma relação osteológica determinada em relação à postura, o que introduz tracções motoras que favorecem a mobilidade da cabeça em relação ao tronco, com concomitante separação da cintura escapular.

4.3 O Sauromorfismo

Traduz definitivamente a adaptação ao meio terrestre. A locomoção é obtida sob a forma de ondulação do eixo corporal ou por movimentos inconstantes tipo atetótico, o que introduz novas libertações articulares, como as da cintura escapular, e as transformações anatómicas do crânio.

A cabeça encontra-se definitivamente separada do eixo corporal e ocupa a extremidade do pescoço. Surge a musculatura das mandíbulas e o osso hióide, que mobiliza o maxilar inferior e a língua. A faringe especializa-se

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fundamentalmente na deglutição e a boca na captura e na pré-mastigação dos alimentos, dadas as características conedontes e homodontes da dentadura.

Os membros encontram-se individualizados do esqueleto axial, as extremidades são pentadáctilas e o crânio está suspenso sobre o basion, obedecendo a relações alométricas e adaptativas que se estabelecem dialecticamente entre a evolução corporal e a evolução cerebral.

O sauromorfismo compreende efectivamente o estudo dos répteis, considerados os primeiros habitantes da terra firme, onde a locomoção pode apresentar em primeiro lugar uma reptação e posteriormente uma locomoção quadrúpede em cima do solo. O estudo dos répteis explica a evolução dos vertebrados, daí a sua importância. Na linha de evolução dos répteis vamos encontrar os pterossauros, que originam as aves e os morcegos, e os dinossauros, que originam os teropsídeos (répteis gigantes), os quais, por sua vez, vão originar duas classes de mamíferos: os herbívoros e os carnívoros.

Em qualquer dos casos, o sauromorfismo é caracterizado por um equilíbrio entre o crânio dentário e o crânio cerebral, ao contrário dos ruminantes, em que o crânio dentário é nitidamente superior ao crânio cerebral.

No aspecto corporal, muitas aquisições filogenéticas se encontram desvendadas: o eixo vertebral é o centro do edifício corporal, e o esqueleto apresenta já algumas características humanas, isto é, os membros estão individualizados, as extremidades têm cinco dedos, o crânio está suspenso da coluna, a dentadura condiciona o complexo do crânio, etc. Temos aqui outro parâmetro fundamental da filogénese da motricidade: a evolução triunfante do cérebro encontra-se, como foca Leroi-Gourhan, imperiosamente dependente das libertações anatómicas do corpo.

A cada libertação anatómica do corpo corresponde uma libertação funcional do cérebro, ou seja uma complexificação e estruturação neurobiológica. A evolução do corpo determina a evolução do cérebro, e esta realidade da evolução é invariante do Anfioxo ao Homem. Em nenhum vertebrado o sistema nervoso precedeu a evolução da motricidade, daí a importância desta evolução naquela.

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Fig. 8 — A redução do crânio dentário implicou um aumento do crânio cerebral. Veja-se o encurtamento progressivo da base PCB, desde o mamífero (Herbívoro) até ao Homo sapiens, passando pelo chimpazé (Leroi-Gourhan)

4.4 O Teromorfismo

Compreende a transformação dos répteis em mamíferos. Os répteis ascendem a uma locomoção quadrúpede, similar à do elefante e do cão. Os membros encontram-se articulados perpendicularmente ao eixo vertebral, permitindo uma elevação do corpo em relação ao solo, o que vai dar origem a melhores condições de locomoção, isto é, a uma motricidade mais coordenada, económica, veloz e adequada ao meio e às suas circunstâncias, como resultado de um controlo estriado, cerebeloso e piramidal, mais eficaz.

Por motivos de adaptação biomecânica e alométrica, as vértebras cervicais alongam-se e o pescoço move a cabeça num campo conside-ravelmente mais amplo, advindo daí novas adaptações e novas capacidades de orientação. Em acumulação, surgem outras adaptações, não só ao nível dos dentes (heterodontes), em virtude de uma dieta mais rica e variada, como ao nível da pelagem isolante (homeo-termia) como ao nível do aparecimento definitivo do diafragma, que permite melhor ventilação pulmonar; do palatino secundário, com consequente desenvolvimento do sistema olfactivo, permitindo pela primeira vez a operação conjunta da mastigação e da respiração; dos membros verticais, em vez de membros oblíquos e projectados lateralmente como nos répteis; da arcada temporal espessa, da arcada zigomática, da mandíbula, etc.

No teromorfismo encontramos outros tipos de diferenciação biológica, que compreendem o desenvolvimento de uma motricidade de captura e de preparação alimentar, e também uma mastigação elaborada,

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naturalmente dependente da heterodontia, a qual, por si só, introduziu modificações posturais consideráveis.

A cabeça adquire uma independência motora muito complexa, que apresenta um desequilíbrio entre o crânio cerebral e o crânio dentário nos herbívoros e uma tendência para o equilíbrio dos mesmos índices nos carnívoros.

Os mamíferos quadrúpedes dividem-se em monotrématos ovípa-ros, marsupiais e placentários, e, dentro destes, temos a diferenciar: insectívoros, morcegos, cetáceos, focas, roedores, herbívoros, carnívoros e primatas.

Em todos os mamíferos se desenvolve predominantemente o campo anterior, que envolve dois aspectos morfomotores complementares:

- O primeiro: acção da cabeça; - O segundo: acção do membro anterior.

Estes dois pólos, o facial por um lado e o manual por outro, constituem, provavelmente, as aquisições motoras mais significativas em termos de controlo e coordenação cerebral, isto é, são dois aspectos da evolução que materializam o êxito biológico que culmina no ser humano nas funções de aprendizagem e de trabalho.

Em termos de evolução, a parte cefálica está ligada à parte motora, através dos membros que intervêm na captura e na preparação alimentar. Por exemplo, no caranguejo as primeiras patas servem de pinças para a preensão e esmagamento das presas, nos vertebrados essa função surge no membro anterior,* ora com funções de locomoção ora com funções de relação, preensão, defesa ou preparação alimentar. No peixe, as barbatanas anteriores servem necessidades motoras elementares, como a equilibração e a locomoção aquática. No anfíbio e no réptil a intervenção do membro anterior serve para manutenção da comida no solo. Nas aves, os membros anteriores estão adaptados ao voo e os posteriores têm a função de preensão alimentar e de construção do ninho.

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Fig. 9 — Importância do campo anterior, que põe em relação a face com as extremidades da mão (FACE/MÃO). (Segundo Leroi-Gourhan)

Nos mamíferos surgem inúmeras adaptações preensivas, como a língua da girafa, a tromba do elefante, a garra nos carnívoros ou a mão nos insectívoros e nos primatas. Esta adaptação, de grande importância filogenética e ontogenética, explica a importância da motricidade nos mecanismos locomotores que permitem satisfazer as necessidades e os tipos de nutrição: carnívoros, herbívoros, frugíveros e omnívoros.

No ser humano, a relação pólo facial - pólo manual não é feita pelo membro anterior da locomoção, dado que a mão não acumula duas funções: a da preparação de alimento e a de locomoção. Trata-se de um novo teorema da filogénese da motricidade — a libertação da mão.

No Homo Sapiens, a mão opera as funções de defesa e de preensão, bem como se libertou da locomoção, permitindo a partir daqui a disponibilidade para o trabalho, ao mesmo tempo que, dialecticamente, permitiu a libertação dos órgãos faciais para a linguagem.

Em resumo:

Do mamífero ao macaco, duas grandes divisões nos surgem: os que utilizam os membros anteriores na relação com o meio (mamíferos preensores); os que utilizam só a cabeça nessa relação (mamíferos locomotores).

Os primeiros compreendem os que são especializados na preensão e apresentam uma relação entre o cérebro e os caninos, e a aquisição postural de sentado, muito importante, como vamos ver, em termos de ontogénese da motricidade.

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A mão com cinco dedos, herdada dos anfíbios da Era Silúrica, permite a preensão, dado que representa uma libertação anatómica que tem a ver com a mobilidade da omoplata, do rádio e do cúbito, permitindo a supinação e a pronação. Para se dar esta libertação ao nível da mão é necessário que o esqueleto dos mamíferos preensores seja mais disponível em termos de movimento. O crânio cerebral tende a equilibar-se ao crânio dentário.

Os segundos compreendem os especializados na locomoção e apresentam uma dentadura alongada, adaptada ao tratamento de vegetais e de folhas. As extremidades não têm dedos e são especializadas na sustentação e na locomoção terrestre e não adquirem a postura de sentado. Tudo se concentra no edifício craniano, único campo corporal que estabelece relação com o meio, ocupando a língua e os lábios as funções de preensão, e ocupando os apêndices faciais as funções de defesa. O crânio dentário tende a ser superior ao crânio cerebral.

4.5 O Pitecomorfismo

Resta-nos o pitecomorfismo para concluirmos as etapas da filogé-nese da motricidade, antes de abordar os primatas. Em termos zoológicos, podemos afirmar, com Leroi—Gourhan, que há um pouco de quadrupedia nos primatas e um pouco de primata no ser humano.

Em termos paleontológicos, o primata assegura, como intermediário morfológico, a ligação entre os seres humanos e os terópodes.

Do ponto de vista da filogénese da motricidade, a quadrumania está entre a quadrupedia e o bipedismo. Quer dizer, os primatas adquirem uma preensão permanente e uma postura de sentado, característica. De uma preensão esporádica e temporária, passamos a uma preensão constante e diversificada. A preensão, como característica motora que mais libertações anatómicas compreende, é a consequência pura e simples de uma maior disponibilidade corporal e de uma maior autonomia postural, adquirida fundamentalmente com a postura de sentado.

A mão, agora como um dispositivo de libertação anatómica, pode realizar: supiniações, pronações, aduções, abduções, sustentações, tracções, rotações, flexões, extensões, oposições, digitações, etc, realizando uma complexa rede de aquisições motoras (braquiação) indispensáveis à adaptação arborial dos primatas.

Como já focámos, a postura de sentado compromete a redução e o parabolismo da dentadura, e esta, por si, vai comprometer um desenvolvimento cada vez mais complexo do cérebro.

O buraco occipital encontra-se articulado com a coluna vertebral, por meio de uma abertura posterior e inferior apta a facilitar a quadrupedia e a posição de sentado.

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A base opistion-basion encontra-se mais horizontalizada, a alavanca basion-inion baixa e liberta-se da sustentação do crânio, mantida pelos músculos fortes da nuca.

Basta agora realizar a expansão do frontal, enrolar o occipital e alargar consideravelmente em leque o parietal e o temporal. Para esta expansão craniana, e depois cerebral, é necessário reduzir a face e o prognatismo, superar a arcada orbital, verticalizando cada vez mais o frontal e reduzindo consideravelmente os molares e os pré-molares.

Só com as transformações anatómicas apontadas, o corpo (aspecto técnico) se estrutura progressivamente, e o cérebro (aspecto organi-zativo) ocupa todo o espaço mecanicamente disponível, dando nascimento a todas as manifestações cerebrais mais avançadas e que são corolário da evolução que vai do primata ao Homem.

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5 ANTROPOMORFISMO E ADAPTAÇÕES HOMINÍDEAS

Resta concluir agora os aspectos mais significativos que compreendem o estudo dos primatas e das adaptações hominídeas, que, no seu todo, significam a última e mais importante etapa da filogênese da motricidade — o antropomorfismo.

Antes de avançar nos mecanismos antropomórficos da filogênese da motricidade, convém apresentar o quadro da Ordem dos Primatas:

O termo antropomórfico, como nos surge em Leroi-Gourhan, cria a ligação entre os grandes símios e a Humanidade. Basicamente, compreende todos os antropomorfos que dominam a postura vertical bipede e todas as suas múltiplas conseqüências morfofuncionais.

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Fig. 10 — Arvoredos Primatas (segundo F.H.T. Rhodes)

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Fig. 11 — Árvore geneológica dos Hominideos. O Homo Sapiens, tem atrás de si uma evolução histórica.

Antes, porém, de avançar nas adaptações hominídeas, é urgente que se definam as características dos primatas resultantes da adaptação arborial.

A vida nas árvores oferece outro tipo de exigências, e de novo, como atesta Szalay no seu estudo sobre a paleobiologia dos primatas primitivos, a motricidade ocupa uma função capital.

Em termos esquemáticos, e segundo o mesmo autor, a motricidade arborial é responsável pelas seguintes tendências adaptativas alargamento do cérebro; recessão do prognatismo; convergência dos olhos; ossificação das paredes orbitais; atrofia do aparelho olfativo; especialização preensiva das

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extremidades; desenvolvimento dos receptores tácteis; desenvolvimento neurobiológico oculomotor; agilidade excepcional, pondo em jogo um alto nível de controlo cerebelos e o desenvolvimento da associação pré-frontal; desenvolvimento da função motora; integração interneurossensorial; visão estereoscópica; desenvolvimento do anel timpânico, de grande importância para o desenvolvimento da acuidade e da discriminação auditiva; etc..

A adaptação arborial é, por definição, a penúltima etapa da filogênese da motricidade, justificando posteriormente a verticalização a braquiação, a manipulação e a dentição hominídea.

Wasburn e Jay, no seu trabalho intitulado Perspectivas da Evolução Humana, procuram abordar uma chave biológica da adaptação arborial e hominídea, característica de todos os primatas e antropóides, diferenciando nomeadamente as seguintes:

1ª - Desenvolvimento dos membros como órgãos de preensão;2ª - Desenvolvimento dos membros anteriores como órgãos de exploração;3ª - Desenvolvimento dos sistemas herbívoro e carnívoro de digestão e conseqüente estrutura craniodental; 4ª - Redução do sentido olfativo;5ª - Desenvolvimento da atividade visual;6ª - Mudanças no esqueleto pós-craniano; 7ª - Desenvolvimento do cérebro: aprendizagem, linguagem e fabricação de instrumentos;8ª - Redução do número de descendentes por nascimento, dependência maternal e organização social.

Vejamos agora, na companhia de outros autores, como Tobias, Montagu, Simons, Simpson, Le Gros Clark, Leakey, Napier e outros, cada uma destas características antropomórficas.

5.1 O Desenvolvimento dos Membros como Órgãos de Preensão

A vida na árvore exige, objetivamente, que os animais que nela habitam se possam manter e sustentar. Uns com unhas, outros, como os primatas, com mãos e pés preensivos.

A preensão ao nível da mão, outra das aquisições filogenéticas da motricidade, implica a libertação da cintura escapular, a rotação do rádio e do cúbito, a mobilidade independente dos dedos, originando consequentemente uma maior dissociação entre as falanges e os metacarpos e entre este e os ossos do carpo.

A mão primata, e igualmente a mão humana, é constituída por vinte e sete ossos (oito no carpo; cinco metacarpos, dois no polegar e doze nos restantes quatro dedos), enquanto o resto do membro superior tem só três

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ossos unidos por inúmeros tendões e músculos, que se encontram inseridos na unidade motora mais complexa do mundo animal - a mão.

A preensão é garantida através da oponibilidade do polegar em relação aos restantes dígitos. A característica pentadáctila do primata vem já dos répteis; porém, a oponibilidade é só possível nos primatas. O polegar pode oferecer a sua superfície palmar às superfícies palmares dos outros dedos, e por via dessa unidade de coordenação o primata está apto a suspender-se nos ramos e a saltar de uns para outros, mantendo vertical, o seu corpo.

A coordenação motora dos primatas que é necessária para a preensão de ramos é a mais complexa de todos os mamíferos placentários. De fato, a agilidade e a disponibilidade motora que são exigidas para saltar de um ramo para outro e a seqüência de balanços aéreos que compreendem põem em destaque um diferenciado controlo cerebeloso, extrapiramidal e piramidal.

Fig. 12 — Adaptação arboreal. A coordenação perfeita é necessária a um meio, onde o equilíbrio é precário. A preensão é simultaneamente uma função de suspensão e de propulsão. (Segundo E. L. Simons)

Alguns dos primatas, nomeadamente os prossímios, acusam especializações preensivas, como nos lémures, onde o anelar é o maior dedo, ou como nos lóris, onde o indicador e o médio são reduzidos, porque não interferem na preensão.

Em termos filogenéticos, as garras dos carnívoros, já portadores de um simples dispositivo de flexão-extensão, ou dos insectívoros, são nos primatas substituídas por unhas, conferindo aos dedos uma morfologia arredondada e achatada e possibilitando uma pluriarticulação entre as pontas dos dedos e a palma da mão, unidade de coordenação indispensável às funções de sustentação, suporte, preensão, pronação e supinação.

A extensão e a flexão metacarpofalângica, característica de todos os primatas, permite a divergência e a convergência manodigital, condição resultante das inúmeras libertações anatômicas que se operam nos membros superiores e principalmente nas suas extremidades (mais um corolário da adaptação arborial de grande interesse para a filogénese da motricidade). As unhas, ao contrário das garras, são uma conseqüência da adaptação ao envolvimento arborial.

Por acumulação funcional, a mão sofre ainda outras transformações. A palma da mão expande-se e tende a uma superfície quadrangular, abandonando a sua forma retangular, dado que em termos de coordenação motora, como na preensibilidade ou na oponibilidade, tal forma facilita a especialização do polegar.

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A expansão da mão como caráter anatômico arrasta consigo um caráter funcional, isto é, a cobertura das superfícies plantares, dos dedos e da palma da mão, por uma pele rugosa e áspera, que está na base do desenvolvimento, em termos filogenéticos, do sentido táctilo-quinestésico (o «haptic system»). Este sentido interneurossensorial, já desenvolvido nos primatas, dada a sua adaptação ao movimento, combina dois tipos de informação, um ao nível dos contactos da pele, ou seja, do tacto, outro ao nível do movimento. De um lado as informações da textura, pressão, dor, temperatura e consistências (tacto). Do outro a informação da tensão muscular, do ângulo das articulações, da sensibilidade das diferentes partes do corpo e da relação com os objetos (movimento).

Veremos mais à frente, no estudo da filogênese do cérebro, a importância deste sentido em todos os aspectos da aprendizagem humana. Aqui, num sentido mais biológico, se encontra a transformação da «almofada» ou do «estofo» das extremidades que se encontram nas espécies plantígradas em superfícies de fricção, onde o sentido táctil tende a enraizar-se.

A indispensabilidade da preensão nas árvores é de tal ordem que alguns primatas, como os platirríneos, chegam a desenvolver uma cauda preênsil, capaz de agarrar um ramo e manter o corpo suspenso, como um membro e uma mão extra (Titiev).

Para que ao nível da mão se tivessem dado as transformações que assinalei, convém referir que se deram transformações na omoplata e na clavícula, no úmero, no processo olecrânico, no rádio e no cúbito, exactamente resultantes da braquiação e da quadrumania dos primatas, que no Homem já não se observam pelo abandono do comportamento sustentatório.

A preensão no Homem, é bom que se note, não serve para sustentações nas árvores, mas sim para a função de manipulação de objectos e para a fabricação de instrumentos, daí as suas mais recentes adaptações, que têm a sua origem filogenética na transição do teromorfismo para o pitecomorfismo e deste para o antropomorfismo, isto é, na alteração radical da locomoção terrestre horizontal para a locomoção arborial vertical (Le Gros Clark).

É evidente que uma das grandes diferenças que separam os primatas do Homem é o pé. Nos primatas acusa um alto grau de preensão, com oponibilidade do polegar e com uma mobilidade interna muito característica. No Homem, o pé assume uma especialização hierárquica que tem a ver com a postura bípede e a marcha. O pé humano tem um arco longitudinal idêntico ao dos primatas, mas é único quanto ao arco transversal, devido aos ligamentos e aos ossos do tarso que suportam antigraviticamente o peso do corpo, pois só assim pode criar o grau de tensão muscular adequado e necessário ao desequilíbrio, à propulsão e ao momento corporal que está envolvido na marcha (sinal de Trendelenburg).

No Homem, e por motivos da marcha bípede, os metatarsos são curtos e direitos. O primeiro e o quinto são os mais robustos, reflectindo o

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modo como o peso do corpo na marcha é transferido desde o calcanhar ao bordo externo do pé e, por último, ao terço ântero-interior e ao dedo grande do pé. Todos os dedos são reduzidos e o dedo grande é particularmente robusto, perdendo a sua função preênsil e juntando-se paralelamente aos restantes para efeitos de especialização na função de sustentação. O pé abandona progressivamente as funções de preensão para desenvolver funções de locomoção.

Como Shultz evoca, as transformações dos membros resultam, em termos comparativos entre o primata e o Homem, na grande diferença dos índices intermembros, ou seja a percentagem de relação entre os membros superiores e os membros inferiores, que oscila entre 136 e 178 nos primatas e que é de 88 no Homem.

Por outras palavras, as transformações nos membros estão, quer nos primatas quer nos seres humanos, dependentes das suas atitudes e movimentos característicos. Do lado dos primatas a quadrumania e a braquiação, do lado dos seres humanos o bipedismo e a preensão práxica.

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5.2 O Desenvolvimento dos Membros Anteriores como Órgãos de Exploração

É evidente que avancei algo neste aspecto na primeira adaptação arborial e hominídea; no entanto, o enfoque foi essencialmente anatómico, pelo que passarei agora a abordar o funcional, o neurológico e o integrativo.

O envolvimento arborial, para além de ser intrincado em termos de equilíbrio, é irregular, e, como consequência, os primatas tiveram de desenvolver formas extremamente complexas de agilidade (Le Gros Clark chama aos primatas «os acrobatas arboriais»), coordenação e regulação motoras, e por isso são os mamíferos placentários mais disponíveis em termos de aquisições motoras (motor skills).

É evidente que a locomoção aérea põe mais problemas de equilibração e coordenação que a locomoção terrestre, na medida em que os estímulos proprioceptivos tendem a multiplicar-se, até porque se encontram conjugados com os estímulos exteroceptivos visuais, razão pela qual as conexões corticais e cerebelosas se inter-relacionam cada vez mais, favorecendo um desenvolvimento cerebeloso que tem por função coordenar as informações que vêm dos músculos, dos tendões e das articulações e submetê-las à apreciação da motricidade, responsável pela equilibração (sistema extrapiramidal-teleocinético) e pela coordenação (sistema piramidal-ideocinético).

É interessante apontar, só como curiosidade, que as aves e os primatas, uns dominadores do ar, outros de um envolvimento muito similar — a árvore, são os animais em que o cerebelo ocupa funções muito importantes, daí o seu desenvolvimento privilegiado em comparação com as restantes estruturas cerebrais.

Recordemos para este efeito Sanides, que nos diz: «Ao grau mais elevado da diferenciação da representação motora neocortical, com o aperfeiçoamento progressivo dos movimentos unilaterais das extremidades, corresponde um aperfeiçoamento cerebeloso que assegura a harmonia dos movimentos (o sublinhado é meu) mais complicados através de sistemas cerebelosos proprioceptivos. Recordemos aqui a gravidade das perturbações da coordenação, a ataxia e a assinergia que as lesões cerebelosas provocam no Homem.»

Já vimos na adaptação anterior que duas das aquisições filogenéticas da motricidade mais relevantes são a pronação e a supinação, que por si sós implicam uma rotação do rádio e do cúbito, dependentes de uma articulação mais flexível e resistente que é garantida pelo processo olecrânico, o qual vai por sua vez originar uma alteração radical ao nível da omoplata e da clavícula, ossos importantes que ligam o esqueleto axial ao esqueleto apendicular superior.

A omoplata, por exemplo, passa para a zona posterior do tórax, aproximando-se da coluna, as clavículas alongam-se e robustecem-se, o tórax

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reduz a sua amplitude ântero-posterior e os membros superiores desenvolvem-se em comprimento, tudo contribuindo para a libertação progressiva dos membros anteriores e par i uma elevação e recuo do centro de gravidade, que favorece naturalmente a locomoção arborial.

Fig. 14 — A caixa toráxica do Homem oferece um achatamento no plano frontal (M, > H|), ao contrário da maior amplitude lateral (M2 < H2), ambas consequência da postura bícepede.

A libertação dos membros superiores acarreta igualmente o desenvolvimento da musculatura peitoral e deltóide, que subsequentemente introduz uma compressão ântero-posterior do tórax, com hiper-morfose do esterno e necessariamente com alterações nas funções cardiorrespiratórias, à base de uma maior mobilização do diafragma.

Torna-se necessário abordar todos estes aspectos para nos apercebermos de que a libertação da mão tem um mecanismo de causa e efeito morfológico que é indispensável equacionar, a fim de vermos a unidade da osteologia, da anatomia e da fisiologia que está contida na filogénese da motricidade.

Regressando de novo à adaptação arborial, é óbvio que a libertação dos membros superiores, o desenvolvimento da preensão e a dissociação palmidigital são a resposta a um envolvimento tão precário e irregular, onde a vigilância e a agilidade motora acusam um grande valor de sobrevivência.

A emancipação da mão, necessária às funções de locomoção arborial, produz consequentemente novas funções, agora de ordem exteroceptora e exterofectora, que naturalmente a vão caracterizar como um dispositivo exploratório do meio.

A mão passa a ser utilizada para a preparação alimentar, apanhando e separando a comida antes de a introduzir na boca, diminuindo consequentemente a função do prognatismo.

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A dextralidade manual (só possível ao primata na posição de sentado, enquanto o Homem a pode realizar na posição erecta), enriquecida com a sensibilidade táctil, vai introduzir a função manipu-latória, de grande significado mais tarde, na evolução humana, quando a mão se torna a grande obreira da civilização.

A mão dispõe agora de funções de palpação, discriminação táctil e de uma complexidade de funções preensivas, como por exemplo: apanhar, segurar, bater, riscar, catar, lançar, puxar, empurrar, etc.

A mão, como órgão de apropriação e relação com o real, vai ser um dispositivo fundamental ao desenvolvimento psicológico da criança, como vamos ver na ontogénese da motricidade. No Homem a mão assume a função de construção, de transformação e de fabricação, surgindo como o instrumento corporal privilegiado e materializado da evolução cerebral.

Fig. 15 — O instrumento corporal surgiu antes da evolução do cérebro. A dextralidade corresponde à especialização de cada uma das mãos. Um passo importante para a especialização hemisfério.

A mão humana, com os seus dedos reduzidos, com um polegar relativamente comprido, evidenciando a capacidade de rotação sobre o seu próprio eixo, podendo opor-se aos restantes dedos, permitiu ao Homem a capacidade de fabricar instrumentos, razão fundamental do fenómeno humano. Cuénnot e Bergson definem o fenómeno humano como um fenómeno instrumental; para eles, antes do Homem o instrumento não era conhecido, dado que, como diz Piveteau, no primata o intrumento encontra-se confundido com o organismo que o utiliza.

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Com o Homem, o instrumento não é intracorporal mas sim extracorporal, e as conseqüências que daí advêm, como sabemos, são fundamentais em termos de Hominização.

Reforçando este aspecto fundamental do antropomorfismo, o Homem pôde fabricar inúmeros intrumentos e objectos utilitários, variar infinitamente as suas formas e funções, modificar a sua utilização, apropriando-se, como é evidente, de um pensamento reflexivo, antecipado e programado.

A confirmar este corolário da filogenese da motricidade, bastados recorrer aos neurologistas, nomeadamente a Pienfield, e reconhecer que as partes do cérebro humano que controlam a motricidade voluntária da mão se encontram mais desenvolvidas no Homem do que no primata.

A área do córtex motor que representa a mão, particularmente o polegar e o indicador, isto é, os dedos que mais relações estabelecem com o exterior, expandiu-se na mesma dimensão que o cerebelo, justificando a importância das aquisições manipulativas, resultantes necessariamente de aspectos periféricos (proporções da mão, morfologia articular, organização muscular), mas também, fundamentalmente, de aspectos centrais-cerebrais (reconhecimento lateral e corporal da mão, gnosia digital, gnosias táctilo-quinestésicas, exterognosias, programação de práxias ideatórias, ideomotoras e construtivas).

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Fig. 16 — O anão invertido. Área de representação cortical do corpo. A mão c a face porque tem mais relações com o meio, são mais importantes. Com uma produz-se trabalho, com a outra produz-se comunicação. (Segundo D. Pilbeam)

Dois quartos da superfície do córtex motor (que representam o corpo) estão ocupados com a mão, daí a sua importância no aumento das aferências táctilo-visuoquinestésicas e no alargamento das zonas associativas.

5.3 O Desenvolvimento do Sistema Herbívoro e Omnívoro de Digestão e Conseqüente Estrutura Cranio-dental

A nutrição, como sabemos, é uma condição vital de sobrevivência animal, e, por conseguinte, ela põe-se como problema ao nível do meio arborial.

Se considerarmos os primatas, a maioria são herbívoros, tendo em atenção os alimentos disponíveis na árvore. No entanto, a tendência evolutiva é frugívora e omnívora, independentemente de alguns prossímios evidenciarem uma dieta insectívora.

A estrutura do sistema digestivo nos primatas não é diferente da dos insectívoros, porém ao nível da estrutura dental dão-se algumas transformações de grande significado morfológico, principalmente ao nível do crânio e do maxilar inferior, ao nível das cúspides (protuberâncias na superfície de mastigação de um dente) e ao nível da fórmula dentária:

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Fig. 17 — Arcada dentária em U invertido dos primatas com diastema, em comparação com a arcada parabólica do Homem, levando a uma redução significativa da mandíbula e do crânio dentário.

A diferenciação dentária mais característica entre os primatas e o Homem é evidentemente a ausência de caninos robustos e projectados, bem como a ausência de diastema.

O Homem, em comparação com os primatas, reduziu a maioria dos dentes e transformou a arcada dental. Da forma em U invertido passa-se à forma parabólica, que aumenta os efeitos mecânicos da mastigação, reduzindo consideravelmente a estrutura do maxilar inferior e levando, consequentemente, à expansão do crânio cerebral, nitidamente maior no Homem que no primata, onde subsiste o crânio dental.

A mandíbula humana apresenta aspectos evolutivos adaptativos e não adaptativos, adquirindo maior funcionalidade mecânica com menor estrutura óssea. Se pusermos em causa factores evolutivos convergentes e paralelos, entre o primata e o Homem, vamos verificar que, em termos filogenéticos, a dieta introduziu grandes transformações morfológicas no crânio, e estas, por efeito, grandes modificações neurobiológicas, dado que o cérebro encontrou mais espaço e volume de expansão, seguido posteriormente de maior organização e complexificação.

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Fig. 18 — Representação esquemática do crânio de vários Hominídeos. Em figura e fundo os australopitecos (A----), os pitecantropos (P —) e os neandertalenses (N----). À direita o crânio do Homo Sapiens. Vericar a esfericidade do crânio do Homo Sapiens em comparação com os outros Hominídeos. A redução do prognatismo introduziu alterações morfológicas cujo produto revertiu na expansão do sistema nervoso central.

Dentro de uma perspectiva antropológica, não podemos separar radicalmente a nutrição da locomoção. Já vimos que esta relação biológica dialéctica é uma chave da evolução das espécies, que atinge muito particularmente uma diferenciação extremamente significativa entre os primatas e o Homem.

A relação nutrição-locomoção está para a relação boca-órgãos de preensão, que, em si, como foca Leroi-Gourhan, põe em movimento a diferenciação funcional do campo anterior dos animais e do Homem, isto é, em termos adaptativos, a relação entre a face e a mão, uma das mais complexas em termos biológicos.

Os caninos humanos não são cónicos nem em forma de lâmina, mas em forma de cinzel, e acusam uma forma muito similar à dos incisivos. Estes são pequenos em relação aos pré-molares e aos molares e possuem coroas orientadas verticalmente. Outro pormenor dentário que convém sublinhar compreende a conginuidade que se verifica entre os dentes, desde os incisivos aos molares.

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Os pré-molares «molarizam-se», como destaca Pilbeam, e as suas cúspides hipocones e talonídeos tornaram-se mais reduzidas em altura e maiores em número.

De quatro cúspides que encontramos nos macacos do Velho Mundo, passamos a cinco nos símios e no Homem. O esmalte dos dentes é espesso e denso, o que constitui igualmente uma adaptação para uma dieta mais preparada fora da boca (papel da mão e do fogo) e também mais diversificada, daí a relação evolutiva que vai da dieta herbívora à dieta omnívora.

Todas estas transformações nos dentes, provocadas pela dieta e pela preparação manual prévia, foram introduzindo alterações morfológicas, como sejam a redução do prognatismo, a redução da face, a redução da arcada dentária, que acusa uma divergência da frente para trás, em forma arredondada e parabólica, aumentando o braço do momento da mastigação, o que origina uma maior eficiência mecânica, através da redução do braço da potência. O aparelho dentário produz reduções consideráveis na face e passa a ficar progressivamente por baixo do crânio cerebral, ou, mais exactamente, por baixo da região frontal.

Não podemos compreender estas transformações na face se não falarmos igualmente na redução da musculatura responsável pela mastigação, nomeadamente do temporal, do masséter e do pterigóideo.

Não sendo tão robusta, a mandíbula não necessita de ser sustentada por um grande músculo temporal, e por isso a sua inserção no osso temporal pode explicar a expansão do osso parietal do crânio. A mastigação nos hominídeos envolve movimentos muito intensos no sentido vertical e alguns movimentos menos intensos no sentido lateral, isto é, põe em jogo uma combinação de vários movimentos só possíveis porque os maxilares estão desobstruídos de caninos projectados e volumosos, permitindo uma oclusão perfeita e eficiente.

Destes aspectos dentários decorrem adaptações que se diferenciam do primata ao Homem em todos os sectores do aparelho digestivo, quer se trate da língua, do tubo digestivo ou do fígado, embora apresentando semelhanças em termos de anatomia visceral, que propriamente não afectam a anatomia esquelética.

O mesmo já não podemos evocar quanto à anatomia do crânio, dado que se dão transformações radicais em termos de anatomia comparada entre o primata e o Homem. As transformações dão-se em tamanho e forma, e reflectem-se no próprio cérebro.

Le Gros Clark especifica em termos paleontológicos três grandes diferenças (índices) entre os crânios dos primatas não hominídeos e do Homem: 1.° — índice dos côndilos occipitais, que se articulam com a coluna vertebral no buraco occipital, o qual, nos primatas, está colocado oblíqua e posteriormente em relação à caixa craniana, enquanto no Homem se encontra

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localizado inferiormente, pondo em relevo a importância da verticalização da coluna decorrente da postura bípede humana. Este índice, segundo Pilbeam e Simons, pode ainda justificar a razão da libertação da cabeça, a redução da face, a expansão cerebral na região occipital e temporal ou todas estas adaptações correlacionadas e combinadas;

2.° — índice da altura dos músculos da nuca, onde se verifica a grande superfície relativa de inserção do trapézio no occipital em relação aos primatas, que se traduz consideravelmente no Homem, dado que a sua face não projectada, e sem caninos para funções de defesa e ataque, já não necessita de grandes massas musculares de sustentação, na medida em que as curvaturas da coluna permitem ao Homem a suspensão do crânio numa posição mais equilibrada, dinâmica e vertical. A cabeça repousa em equilíbrio no vértice da coluna vertebral;

3.° — índice da altura da caixa craniana, definido pela altura da caixa craniana a partir da colocação da arcada orbital. No Homem, este índice é elevado, no primata é baixo, e daqui emerge a razão de ser da expansão cerebral, demonstrando objectivamente que no Homem o crânio cerebral é superior ao crânio dentário, ao contrário dos primatas. O cérebro vai ocupando os territórios cranianos, à medida que se vai libertando das resistências faciais, dependentes do aparelho dentário.

Fig. 20 — Crânios do Gorila (G) e do Australopiteco (A). De notar os índices: da altura da nuca AG/AB; da altura supraorbital FB/AB; da posição do condilo (D/CE), segundo W.E. Le Gros Clark. De realçar a expansão e a esferização do crânio A. O ganho corresponde a um maior volume do cérebro.

É óbvio que toda esta análise biológica não pode perder de vista outra análise extrabiológica reciprocamente dependente.

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O domínio da nutrição é um dos dados da antropogénese, na medida em que a passagem de uma alimentação herbívora para uma omnívora reflecte um conjunto de transformações biossociais de muito relevo. Assim se pode perceber a importância da caça e da pesca, permitindo a assimilação de novas substâncias químicas que implicam transformações histológicas, tendo em vista o que representa em termos de desenvolvimento uma alimentação mais rica do ponto de vista calórico-proteico.

Os estudos dos nutricionistas são unânimes em correlacionar a dieta com o desenvolvimento intelectual. Daí perceber-se o que representa em termos antropológicos o domínio e a diversificação da nutrição. O desenvolvimento do cérebro está deveras dependente da assimilação dos aminoácidos e dos açúcares, daí o significado de uma alimentação com maior valor nutritivo, ao qual tem de estar associada uma transformação morfológica do crânio e posteriormente do cérebro, não esquecendo o papel do fogo na alimentação aquecida e na redução do trabalho mecânico e metabólico do aparelho digestivo, o que constitui um outro tipo de libertação evolutiva.

5.4 A Redução do Sentido OIfactivo

Como foca Napier, o envolvimento arborial não é um «mundo de cheiros» como o envolvimento terrestre, e, por indução, o primata apresenta uma progressiva redução e atrofia dos mecanismos olfacti-vos, quer anatómicos quer funcionais.

Perde-se a glândula rinária (rhinarium) característica dos mamíferos, e as adaptações da mucosa e do epitélio nasal, que estão na base do prognatismo, que como sabemos, em termos filogenéticos, tem tendência a desaparecer nos primatas, embora ainda surjam nos babuínos, primatas também adaptados à locomoção terrestre.

Com o aumento e a precisão do sentido visual e porque o sistema olfactivo perdeu a sua utilidade prática na árvore, verifica-se uma progressiva atrofia dos centros neurológicos correspondentes.

Fig. 22 — Nas árvores o centro olfactivo exerce funções diferentes às que se operam nos mamíferos em terra. No Cercopiteco (C), no Homem (HS), os centros visuais (à direita das figuras)são essenciais para a adaptação arboreal. (Segundo D. Pilbeam)

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A redução dos órgãos olfactivos está associada à liberdade motora do lábio superior e à muscularização da região perioral, que, por sua vez, ocupa uma função muito especial na expressão facial e na comunicação não verbal entre os primatas e os seus grupos sociais.

O dispositivo nasal nos primatas é tão importante que constitui a base da diferenciação entre os platirríneos (narinas afastadas e separadas) e os catarríneos (narinas quase juntas), ou seja a distinção entre macacos do Novo e do Velho Mundo; no entanto, perdeu a sua significação em termos evolutivos.

A diminuição do prognatismo, associada à recessão dos maxilares, transformou radicalmente a cavidade nasal, reduzindo-a consideravelmente e subtraindo-lhe todos os filamentos da mucosa nasal (o turbinai process de Le Gros Clark), que está relacionada com os centros receptores e integradores do cérebro — o rinencéfalo.

A redução e a aparência externa da região nasal do crânio corrrespondem a uma superação do sentido visual sobre o sentido olfactivo, razão explicativa da dominância exteroceptiva da visão em relação aos outros telerreceptores. É evidente que se encontra aqui um novo corolário da filogénese da motricidade, culminando com a importância da hierarquização visuomotora, que, em termos de evolução, é responsável pela práxis humana, consequência, mais uma vez, da postura e da marcha bípedes.

Em termos neurológicos, o rinencéfalo, ou sistema olfactivo, é superado pelo neocórtex, o qual, segundo Sanides, é arrastado da convexidade do hemisfério para a base do mesmo.

Operam-se ao nível dos primatas expansões corticais associativas, exactamente porque a locomoção arborial põe em movimento complicadas conexões visuomotoras e visuoquinestésicas. Tais conexões vão levar necessariamente a uma progressiva e mais ampla representação sensório-motora, como resultante da obrigatoriedade da adaptação, como nos informam Sanides e Le Gros Clark.

5.5 O Desenvolvimento da Acuidade Visual

É significativo que a selecção natural entre os animais arboriais tivesse privilegiado os pronunciadamente visuais, na medida em que a visão se tornou o último escalão da hierarquia dos sistemas sensório--motores de todos os seres vivos. Já, por esta razão, Leonardo da Vinci dizia que a visão é o mais intelectual dos sentidos.

A liderança da visão em termos de exteroceptividade justifica-se pela migração das órbitas, pelo tamanho e estrutura do olho e pela diferenciação da retina.

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A migração das órbitas não permite que os eixos ópticos dos olhos se tornem divergentes; pelo contrário, os eixos tornam-se naturalmente paralelos e convergentes, condição indispensável à visão estereoscópica, que permite a focagem do campo visual em pontos correspondentes e simultâneos em ambas as retinas.

Esta condição permite a fixação de um ponto no espaço com seis referências posicionais: anterior-posterior, esquerda-direita e superior--inferior, ou seja a tridimensão do espaço que permite ao primata a perspectiva, condição essa superespecializada para quem, acima do solo, faz acrobacias complicadas e cálculos espaciais acelerados.

O tamanho e a estrutura do olho do primata, e evidentemente do ser humano, obedecem a uma constituição e função celular extremamente elaborada. A luz ou a reflexão entram no olho e, antes de chegarem à retina, têm de passar sucessivamente pela córnea, humor aquoso, íris, cristalino e corpo vítreo. Cada uma destas partes realiza um processamento da informação que tem a ver com vários mecanismos de transdução de energia, isto é, a transformação da luz em energia eléctrica, tendo de passar por transformações de energia electromagnética ao nível da córnea e químicas ao nível dos cones e dos bastonetes.

A diferenciação da retina é demonstrada pela conversão das imagens em respostas fisiológicas que se passam ao nível dos fotorre-ceptores. Primeiro ao nível dos bastonetes, que têm a função de modelar a luminosidade e particularmente de responder ao movimento dos objectos na periferia do campo visual, e segundo ao nível dos cones, que têm a função de responder à intensidade da luz e garantir as condições da visão fotópica que proporciona o alto nível de discriminação das relações espaciais e das formas, bem como a apreciação da cor e da textura.

Na maioria dos mamíferos, os cones encontram-se no centro e os bastonetes na periferia da retina. É importante assinalar, em analogia com Washburn e Le Gros Clark, que a retina apresenta uma diferenciação local na mácula lutea, ou melhor na sua zona central, denominada por fóvea, zona essa livre de vasos sanguíneos, onde efectivamente se acusa o mais alto grau de acuidade visual, com as relações «ponto na retina» e «ponto no cérebro» a estabelecerem-se um por um, de sentido neurofuncional extremamente relevante.

É evidente que para saltar de um ramo para outro o primata necessita de um alto grau de acuidade visual, só possível com a migração orbital, com a complexidade da retina e com o paralelismo dos eixos ópticos.

A retina composta de dois sistemas visuais distintos, mas dialecti-camente complementares (cones e bastonetes), processa, por um complicado sistema fotoquímico, a transformação do campo visual em mensagens eléctricas que vão pelos nervos ópticos, passam pelo quiasma óptico e os corpos feniculados laterais, antes de atingirem a zona de projecção primária, denominada por área calcarina, localizada no lóbulo occipital.

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A título informativo e segundo Lindsay e Norman, o olho humano tem aproximadamente seis milhões de cones e cento e vinte milhões de bastonetes, ou sejam cento e vinte e seis milhões de fotorreceptores na totalidade. É óbvio que esta complexidade ao nível de retina representa uma evolução, isto é, uma filogénese, daí o seu interesse em termos de expansão progressisva do córtex visual, que tende a verificar-se do primata ao Homem.

Em termos filogenéticos, as associações visuomotoras passam a colocar a motricidade a um plano cada vez mais dependente da integração visual, que constitui, por exemplo, a base do desenvolvimento perceptivo-motor humano.

Fig. 23 — A complexidade do sistema visual humano tem a sua filogénese na adaptação ao espaço aéreo.

5.6 Mudanças no Esqueleto Pós-Craniano

Não me vou debruçar sobre o esqueleto apendicular em termos de extremidades, mão e pé, na medida em que já as analisámos no primeiro e no

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segundo aspectos da chave biológica do antropomorfismo, que temos vindo a tratar.

Vou agora debruçar-me sobre o esqueleto axial, caindo fundamentalmente na análise da coluna vertebral e da bacia e nos aspectos morfofuncionais que decorrem da postura e da marcha bípede. As grandes transformações esqueléticas que se observam no Homem em termos filogenéticos têm uma relação de dependência com a postura vertical permanente e com a marcha bípede, características únicas entre todos os mamíferos.

A justificação está preferencialmente ao nível da extensão da bacia e da articulação do joelho, que permitem manter vertical a coluna vertebral. O peso do corpo é sustentado pela base de apoio dos pés, que, embora origine uma restrição em termos de equilibração postural, é, porém, a condição ideal para o movimento, visto requerer um mínimo de energia tónico-muscular.

Só no Homem a linha da gravidade coincide com o eixo do corpo, e os membros inferiores (em proporção, os mais compridos dos primatas superiores — 172 por cento) com o centro de gravidade pélvico.

Noutro volume desta colecção desenvolverei este aspecto, quando abordar a função tónica e a atitude postural no desenvolvimento postural da criança. Aqui interessa-me apenas o problema dos ossos, das articulações e dos músculos envolvidos na marcha e na postura erectas permanentes.

Na postura bípede «normal», o equilíbrio do corpo exige que a vertical passe pelo buraco auditivo, pela cabeça do úmero, pelo corpo da 5.a vértebra lombar, pela cabeça do fémur, pelo joelho e finalmente pelo maléolo externo do pé.

Para que esta aquisição filogenética se desse, foi necessário que se observassem através dos tempos determinado número de transformações morfológicas, a designar: endireitamento do tronco, redução da coluna lombar, alongamento dos membros inferiores (carácter exclusivamente humano), redução e alargamento dos ossos da bacia, encurtamento das apófises transversais da coluna, libertação total dos membros superiores no processo de marcha, perda da função preensiva do pc, horizontalidade da superfície articular da tíbia, curvaturas fisiológicas na coluna, recuo do centro de gravidade corporal, etc, para nomear só as mais significativas.

Ao contrário das primatas, o Homem tem uma coluna cervical e uma coluna lombar reduzidas, verificando-se, da zona cervical para a zona lombar, um progressivo aumento do corpo das vértebras, exactamente porque as vértebras lombares, nomeadamente a quinta, têm de suportar o peso das restantes vértebras mais o peso do crânio. Este extraordinariamente reduzido, ao contrário dos primatas, exactamente porque o crânio se equilibra na coluna e não a prolonga; por isso a coluna humana apresenta quatro curvaturas flexíveis ao contrário da coluna rígida dos primatas.

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Na curvatura cervical e na lombar, a coluna vertebral humana acusa maior grau de mobilidade: a cervical para a mobilidade da cabeça, a lombar para a extensão do membro inferior.

A estabilização vertical da coluna é obtida fundamentalmente pelas quatro curvaturas compensatórias: a cervical para a dorsal e a lombar para a sagrada. Esta última, para além de se encontrar soldada com o ilíaco da bacia, introduz funções de equilibração muito importantes.

Fig. 24 — As duas colunas vertebrais representam dois níveis de libertação anatómica e de expansão cerebral. Veja-se a orientação do buraco occipital, quase horizontal no Homem(H)e oblíqua e superior no Gorila (G). (Segundo J. Rostand e A. Tétry)

Fig. 25 — Os dois cérebros têm volumes e pesos diferentes, por isso representam funções diferenciais de complexidade concomitante. (Segundo J. Rostand e A. Tétry)

O ilíaco humano é reduzido em altura, em comparação com o ilíaco primata, ao mesmo tempo que se alarga criando uma curvatura sigmóide, própria para receber a inserção dos glúteos (ou nadegueiros), que asseguram a rotação e extensão da bacia na marcha, e dos quadrados lombares e dos grandes dorsais, que asseguram a erecção do tronco.

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O ísquion humano, ligado ao púbis, compõe a pequena bacia, ou bacia visceral como realça Rostand, é pequeno, e reduz o braço do momento dos extensores da bacia e dos flexores do joelho (semimem-branoso, semitendentinoso e bicípete crural).

Por sua vez, a cavidade cotilóide e a cabeça do fémur (o maior osso humano) atingem maiores proporções, reflectindo a sua importância como transmissores do peso do corpo na marcha.

Os dois fémures fazem com as respectivas articulações do joelho uma maior aproximação, ao contrário da articulação com a bacia, que é mais afastada, decorrendo daí um triângulo invertido equilibrador, com base na bacia e vértice nos joelhos, o que biomecanicamente reforça a postura e facilita o seu controlo neuromuscular.

Ao contrário nos primatas, a articulação do fémur com a tíbia não se dá numa linha recta, dá-se sim uma semiflexão. No Homem, a articulação do joelho obedece a um ângulo equilibrador entre o fémur e a tíbia, que se encontram completamente em extensão, isto é, as superfícies articulares dos dois ossos são horizontais.

Outra característica importante na filogénese da motricidade, e que tem a ver com as fases de aquisição da marcha na criança, é que o equilíbrio do corpo nos primatas cai sobre os côndilos internos do fémur e consequentemente no bordo interno do pé, ao contrário do Homem, onde o equilíbrio do corpo recai nos condilos externos do fémur e no bordo externo do pé.

Fig. 26 — Bacia no chimpazé (C) e no Homo Sapiens (HS). A bacia humana perde em altura e ganha em largura.

Aqui estão alguns aspectos esqueléticos pós-cranianos, resultantes da adaptação humana à marcha bípede e à postura erecta, que demonstram bem a evidência das adaptações hominídeas que levaram os precursores do Homo Sapiens a desenvolver funções locomotoras cada vez mais disponíveis e variadas, aumentando assim o seu reportório comportamental em concomitância com a expansão cerebral.

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Fig. 27 — Sequências da marcha no Homem. Uma queda controlada. O pé livre aborda o solo pelo calcanhar, enquanto o peso do corpo e gradualmente transferido do calcanhar ao dedo grande do pé. (Segundo J. Napier, fotografia de E. Muybridge).

Fig. 28 — As diferenças são significativas. Repare-se no tamanho dos ossos da baia, principalmente o isquion que surge no Homem muito reduzido facilitando a verticalização do tronco e dos membros inferiores, conquistas significativas da adaptação à locomoção bípede. (Segundo J. Rostand e A. Tétry)

5.7 Desenvolvimento do Cérebro: Aprendizagem, Linguagem e Fabricação de Instrumentos

Sem dúvida nenhuma que a maior diferença entre os primatas e os mamíferos e entre o Homem e os primatas é a do desenvolvimento do cérebro, na sua proporção com o peso total do corpo.

A vida arborial, pondo em causa, por exigências da sua adaptação, um desenvolvimento muito elaborado dos órgãos sensoriais e motores, quer

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exteroceptivos quer proprioceptivos, levou necessariamente a uma expansão cerebral, só possível com as alterações morfológicas introduzidas, primeiro pela lomocoção arborial e, posteriormente, pela locomoção erecta.

Dado que a árvore, em si, não é senão um habitat precário e irregular, é óbvio que, pondo em causa uma complexa coordenação, harmonia e regulação de movimentos e de equilibrações, o cérebro dos primatas se revolucionou em termos de novas áreas e novas conexões. Como novas áreas, temos as que controlam o movimento (sistema piramidal), como sejam as áreas 4 e 6 de Broadman e as do cerebelo, característica esta já possível de detectar nos pongideos e nos fósseis hominídeos, como provam os endocastos dos fragmentos dos seus crânios.

Fig. 29 — A abertura tempo-parietal é superior no Homo Sapiens, que corresponde ao corte da motricidade voluntária e ás zonas de associação.

Em termos de comportamento, o mesmo é dizer em termos de organização cortical, o Homem possui o cérebro mais hierarquizado e mais diferenciado do mundo animal.

O cérebro humano contém três tipos de cérebro filogeneticamente reconstruídos e recombinados, que reflectem a evolução das espécies e se compõem de três sectores hierarquizados: 1.° — o reptiliano; 2.° — o paleomamífero; 3.° — o neomamífero.

O reptiliano, o mais antigo, inclui as estruturas responsáveis pelos comportamentos mais simples, como os que medeiam a regulação das funções biológicas vitais e as funções do sono, vigilância, atenção e alerta. Está

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igualmente envolvido nas respostas reflexas, que, como sabemos, sofrem uma hierarquização progressiva dos invertebrados aos vertebrados, e, dentro destes, dos peixes ao Homem.

O paleomamífero é uma herança dos mamíferos inferiores, compreende a sensibilidade protopática e o sistema límbico, que medeia e regula os impulsos relacionados com os comportamentos de sobrevivência e reprodução, compreendendo igualmente as funções pré-alimentares através de sistemas antagónicos de procura-fuga, de defesa-ataque, etc, que visam a satisfação de tendências e de necessidades adaptativas e emocionais.

O terceiro cérebro, o neomamífero, também designado por neocórtex, segundo Rosenthal, é a estrutura mais hierarquizada e organizada, sendo de aquisição filogenética recente. Está contido em todos os mamíferos superiores, nomeadamente nos primatas, principalmente nos pongídeos e essencialmente no Homem. O neocórtex é responsável pela sensibilidade epicrftica ou gnósica e pela programação da motricidade voluntária e da linguagem, permitindo: a manipulação dõs objectos, as práxias, o pensamento lógico e quantitativo, a simbolização e a conceptualização, a resolução de problemas, o reconhecimento de experiências e acontecimentos, o julgamento social e_a tomada de decisões, isto é, todos os comportamentos,humanizados.

Fig. 30 — Três cérebros que constituem a filogénese do SNC, segundo Rosenthal.

O Homem está dotado, como vimos, com três cérebros que funcionam hierárquica e harmoniosamente, designados por outros termos diferentes dos já assinalados: rombencéfalo (cérebro posterior), mesencéfalo (cérebro médio) e prosencéfalo (cérebro anterior). O rombencéfalo é predominante nos répteis; o mesencéfalo é dominante nos vertebrados inferiores e o prosencéfalo, subdividindo-se em diencefalo (estruturas talâmicas) e nos hemisférios cerebrais (telencé-falo) atinge um alto grau de diferenciação nos primatas e, posteriormente, no Homem.

Esta concepção hierarquizada, filogenética e ontogeneticamente confirmada, é igualmente suportada pelos neurobiólogos e neuropsicó-logos

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mais reconhecidos, como sejam: Luria, Ecclees, Sperry, Linds-ley, Pribram, Denny Brown e outros.

Luria, por exemplo, exemplifica a organização funcional do cérebro em três blocos:

1.° bloco — Tronco cerebral e rombencéfalo — Regula a energia e a atenção, e a função tónica, garantindo os alicerces dos vários processos cerebrais, normalmente dependentes da substância reticulada, onde se operam os processos primários de discriminação intersensorial;2.° bloco — Lóbulos occipital, temporal e parietal — Interferem na análise, na codificação e no armazenamento de informação visual, auditiva e táctilo--quinestésica, processando-a em: selecção, distribuição e identificação (zonas primárias); codificando-a e conservando-a (zonas secundárias) e combinando-a em termos de conduta (zonas terciárias); e o 3.° bloco — Lóbulo frontal — Implicado na formação das intenções e na associação e utilização da informação conservada e retida, planificando-a e programando--a em termos de comportamento.

Como sabemos, todos os animais estão equipados biologicamente com órgãos capazes de receber sinais (fontes energéticas) do seu meio, os quais desencadeiam, por concomitância, reacções apropriadas e ajustadas a tais condições. Este aspecto elementar do comportamento animal está implícito do protozoário ao Homem. Quer dizer, entre meio e animal há um processo de comunicação que é organizado em termos de sistema nervoso.

Qualquer sistema nervoso, quer se trate de um invertebrado quer se trate de um vertebrado, põe em jogo um grupo de células com funções bem definidas: células receptoras, que recebem os diferentes tipos de estímulos;

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células efectoras ou motoras, onde o influxo põe em actividade os músculos; e células associativas, que transmitem a informação às células efectoras aumentando-a ou diminuindo-a, provando o seu papel mediador e regulador.

É exactamente nestas células associativas que se vão encontrar as causas da filogénese do encéfalo, que tem por função conservar, e combinar e executar os diferentes tipos de informação que de facto materializam a conduta.

Dos peixes aos mamíferos, passando pelos anfíbios, pelos répteis e pelas aves, vamos observando que as células se diferenciam e se complexificam, dando origem a um córtex cerebral cada vez mais organizado e elaborado, à luz de um «maravilhoso computador» capaz de escolher o mais vantajoso e prioritário comportamento para a situação do momento. O cérebro humano garante uma liberdade progressiva de condutas, como resultante da liberdade progressiva de estruturas anatómicas que as precederam em termos filogenéticos.

Da célula ganglionar dos invertebrados, isto é, de conjuntos de células associativas, passamos a um cérebro portador de 14 biliões de neurónios e nevróglias (Hebb) no ser humano, o que lhe permite não só mo ver-se no mundo dos objectos como também no mundo das ideias.

Em qualquer animal, invertebrado ou vertebrado, podemos, com Jacques Monod, caracterizar as funções do sistema nervoso central:

1.° — Assegurar o comando e a coordenação central da actividade neuromotora em função, sobretudo das aferências sensoriais (relação aferências-eferências); 2.° — Conter, sob a forma de circuitos geneticamente determinados, programas de selecção mais ou menos complexos; dispará-los em função de estímulos particulares; 3.° — Analisar, filtrar e integrar as aferências sensoriais a fim de continuar uma representação do mundo exterior adaptado às funções específicas do animal; 4.° — Registar os acontecimentos que são significativos, agrupá-los por classes, segundo as suas analogias, associar essas classes de acordo com as relações dos acontecimentos que as constituem, enriquecer, aperfeiçoar e diversificar os programas inatos, neles incluindo estas experiências; 5.° — Imaginar, isto é, representar e simular acontecimentos exteriores ou programas de acção do próprio animal.

O cérebro é,« nem mais nem menos, um instrumento de uma liberdade sem limites. De acordo com A. Scott (1975), o número de ideias básicas ou de componentes ideacionais que o cérebro pode desenvolver é de um milhar de milhão. Dentro de uma estimativa, e respeitando que cada ideia se produzia num segundo, o Homem poderia manter-se a produzir ideias durante 45 anos de tempo de vigília (não contando com as horas de sono).

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De facto, dos primatas ao Homem passa-se um mínimo de diferenciação cerebral tal que justifica: de um lado, a relação com os objectos e, do outro, a relação com as ideias, isto é, de uma inteligência sensório-motora saltamos filogeneticamente para uma inteligência reflexiva e hipotético-dedutiva.

Aqui está também uma maturação ontogenética que os trabalhos de Piaget confirmam e que iremos ver mais adiante. De um estádio ao outro estão dois fenómenos que se entrecruzam dialecticamente: a aprendizagem biológica de um lado (maturação anátomo-funcional) e a aprendizagem extrabiológica do outro (integração gregária).

Todas estas aquisições cerebrais resultam efectivamente de alterações morfológicas no crânio, que decorrem das adaptações da postura erecta e do aparelho dentário, que passamos a referir em seguida:

1.° - Expansão do prosencéfalo e especialmente do neocórtex; 2.°- Aumento da fissuração do neocórtex com aparecimento da fissura de Rolando e de Sylvius. Maior número de circunvoluções; 3.° - Expansão do lóbulo occipital, decorrente do enrolamento esférico do crânio, originando a formação da área pós--calcarina; 4.° - Elaboração de um córtex motor e somatossensorial com inerente expansão do lóbulo parietal, que compreende funções de integração sensório-motora e de diferenciação somatognósica, que englobam a tecnicidade manual; 5.° - Elaboração do córtex pré-central, originando consequente-mente a verticalização do frontal, e a expansão do lóbulo frontal como central de comando muscular, quer para as acções intencionais e voluntárias quer para a expressão vocal da linguagem; aquisições só possíveis pela função associativa que está dependente desta recente aquisição filogenética; 6.° - Elaboração do lóbulo temporal, associado à perfeição da discriminação de sons que requer naturalmente a comunicação verbal;7.° - Estruturação do cerebelo e das suas conexões como central de harmonização e sistematização da motricidade do córtex cerebral e regulador da proprioceptividade inconsciente e consciente; 8.° - Redução dos mecanismos neurológicos do olfacto (redução do rinencéfalo).

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Fig. 32 — Volumes médios do cérebro (em cc) do Gorila, do Australopitecos (A.), do Homo Habilis (HH) e do Homo Sopiens (H.S.), segundo Pilbeam (à esquerda). Perfis posturais do gorila e do Homo Sapiens (à direita). A expansão do cérebro subentende uma libertação postu-ral específica, isto é, a osteologia tem uma relação recíproca com a neurologia. À libertação anatómica segue-se uma libertação do cérebro. Uma deu-se anteriormente à outra.

A expansão destas áreas cerebrais, bem como a sua estrutura e função (Lancaster), compreende uma série de transformações ósseas no crânio, nomeadamente as que se referem à redução da mandíbula e ao aparecimento da arcada zigomática, ao enrolamento do occipital, ao alargamento do parietal, à redução do temporal e à verticalização do frontal, todas elas como aspectos morfológicos exteriores.

No plano interior, temos a referir o alargamento da asa do esfenóide, o aparecimento do lacrimal e do etmóide. Livre de obstáculos ósseos, o cérebro pôde conquistar o máximo espaço possível, originando uma expansão em leque, que arrastou anteriormente o lóbulo frontal e posteriormente o lóbulc occipital, permitindo o alargamento da área associativa parietotemporal de onde emergiu a própria linguagem, segundo Lenneberg e Geschwind (área associativa das áreas associativas de Pilbeam).

Para termos uma noção do grau de expansão cerebral que se deu entre os primatas e o Homem, basta referir que o volume médio do cérebro humano está calculado em 1400 cm³ quando o do gorila é de 500 cm3 e o do chimpanzé não passa de 400 cm³.

Convém, no entanto, lembrar Pilbeam, quando nos diz que a expansão do cérebro humano não foi acompanhada no número de células nervosas, afirmando que existem apenas mais 25 por cento de células nervosas no Homem, relativamente ao chimpazé.

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Mas, continuando a tomar como referência Pilbeam, é importante que se refira que os neurónios humanos são maiores, mais complexos, com prolongamentos mais extensos e com uma densidade celular inferior à dos pongídeos, não esquecendo o aumento do número de nevróglias no cérebro humano. Porém, a grande diferença entre o cérebro humano e o cérebro dos primatas ou dos golfinhos não é um problema de quantidade de neurónios ou de volume, mas basicamente um problema de organização interna, nas inter-relações entre as várias áreas, na eficiência bioquímica e neuroendócrina e nas multiconexões entre os vários blocos funcionais, p resultado da filogénese da. rnotricidade não é a expansão do cérebro, mas sim a sua reestruturação.

É dentro desta constelação de revoluções morfofuncionais que a filogénese do cérebro deve ser compreendida, pois só assim podemos equacionar que as transformações são resultantes da antropogénese, que compreende três aquisições de grande importância: aprendizagem (a maioria dos comportamentos hominídeos são aprendidos), fabricação de instrumentos e linguagem.

Qualquer destes aspectos reflectem-se na expansão «organizada» do cérebro, e todos eles têm em comum um processo neurológico que os explica, ou seja a sequencialização significativa das acções que os justificam.

Quer a aprendizagem simbólica ou não simbólica, quer a linguagem verbal ou não verbal, quer a fabricação de instrumentos simples ou utilitários, todas exigem que no cérebro se organizem e se planifiquem as acções no espaço e no tempo, pois só assim as mesmas obtêm resultados, satisfazem necessidades e atingem determinados fins.

As acções ou as condutas sucedem-se dentro de uma sequência ordenada e previamente planificada e programada.

A aprendizagem, entendida como mudança estável e permanente de comportamento, adquirida através da experiência, põe sempre em jogo uma complicada rede neuronal, garantida por uma cadeia sináptica, por sua vez dependente, de uma activação bioquímica mais reficiente.

Para que se observe a aprendizagens, é necessário que se estabeleça uma conexão entre estímulos (ou situação) e respostas (ou acção-conduta), da qual resulta a percepção, só possível pela capacidade selectiva da atenção, ou seja a concentração em estímulos sensoriais relevantes, eliminando ou inibindo os estímulos irrelevantes.

A possibilidade do cérebro humano de aprender muitas coisas está dependente da eliminação de associações ou vias neurológicas inúteis e parasitas. A actividade dos «extraneurónios» pode complicar as associações «intraneurónios», que compreendem a aprendizagem, a não ser que tal actividade seja inibida, regulada e controlada. Esta função selectiva refinada e inibitória é a sombra da experiência no meio, nem mais nem menos, a consciência da acção.

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A experiência cognitiva do ser humano é pois o resultado de uma hierarquia de aprendizagens. Ela põe em jogo redes neuronais (network of cells assemblies) que recebem, conservam, combinam, associam e controlam a informação.

Toda esta constelação de acções corticais visa a maturação cerebral (formação), que por inibição regulam, por reaferência, as condutas, isto é, as acções voluntárias conscientes (transformação). No Homem, o cérebro, antes de ser um instrumento de acção (transformação), tem de ser um instrumento de preparação (informação-formação).

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O nascimento do pensamento reflexivo traduz, nem mais nem menos, segundo Sokolov e Anokhine, ^ relação entre a mão (aspecto motor) e o cérebro (aspecto psíquico) ^através da exploração e da observação visual.

A reflexão é a consciência da acção retardada, segundo Piveteau, daí que seja possível ao primata, em termos rudimentares, e ao Homem em termos complexos, a antecipação da acção, que exige uma imagem, que sustenta, ao nível do cérebro, o projecto (tácticas e estratégias) da acção que se prolongará através da mão.

Desta combinação entre a acção exterior e a consciência (acção interior), emerge «tijolo a tijolo» a experiência sensório-motora que vai construindo o «edifício» do pensamento. As acções manuais correspondem acções cerebrais, às coordenações gestuais correspondem coordenações cerebrais, que equacionam um conjunto de operações practo-gnósicas, que mais não são do que o diálogo entre a acção gji consciência, entre a mão e o cérebro. Interacção, vista como ponto de partida para a edificação do pensamento conceptual.

Fig. 34 — Do movimento ao pensamento reflexivo. Das acções a sequência dos seus efeitos. Acção e representação corolário um do outro.

A linguagem é, como a acção, um sistema sequencial significativo, característico 3ã espécie (Chomsky e Lenneberg), pois compreende uma ordenação e uma relação de elementos vocais que em si lhe dão i significado. Se alterarmos a sequência das letras numa palavra, quer falada quer escrita, alteramos o seu significado (braço em vez de barco, etc.)- A linguagem não é apenas um sistema de combinação, é, antes, um sistema de relação que tem a sua origem na sociedade. É a relação dos elementos fonéticos que em conjunto dão significado à palavra. A palavra, segundo Vygotsky, não é um

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som qualquer, é, sim, uma sequência de sons que lhe confere o significado que se edifica a partir da tendência gregária do Homem. Não se trata de um som ou de um conjunto de sons arbitrários e vazios. O significado das, palavras é o seu componente indispensável, e esse componente é basicamente uma sequência fonética ordenada, restruturada e codifica-_da socialmente. Como diz Chomsky, a competência linguística refere uma capacidade de aplicação de regras, e esta volta a ser -uma sequência significativa de unidades ordenadas sistematicamente.

Fig. 35 — O Girvs angular representa uma área de associação visuo-auditiva e tactilo-quinestísica. A mielinização desta área é mais lenta e corresponde ao período pré-operacional de Page, compreendendo a fase da linguagem falada.

Independentemente de não subsistirem dados paleontológicos da linguagem, convém frisar que a linguagem articulada é possível por cinco razões biológicas fundamentais como nos indica Lenneberg:

1a. Redução da dentição; 2a. Diminuição dos caninos; 3a. Encurtamento e hipermobilidade da língua; 4a. Aumento do espaço bucal vibratório; 5a. Um quarto da superfície cortical que representa o corpo é

ocupada pelos neurónios que controlam a língua, os lábios e a faringe.

Segundo uma perspectiva integrada, a evolução da linguagem obedece ao seguinte quadro:

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Como acabámos de ver, a linguagem está dependente da associação funcional de várias áreas do cérebro, que passam a estar ligadas, através de equivalentes interneurossensoriais (Myklebust). A simples nomeação de objectos envolve a ligação e a associação entre a experiência (visual e quinestésica) e a expressão verbal, só possível depois de uma recepção auditiva.

Fig. 36 — O neocortex do Homem (por fora) e o do macaco (por dentro). As regiões primárias expandem-se e conquistam regiões associativas fundamentais à produção do trabalho (motricidade ideacional) e à linguagem (instrumento do pensamento).

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A linguagem é um produto do cérebro e da organização social que rmite, para além de outras aquisições,.generalizar e compreender códigos linguísticos hierarquizados.

Todos estes comportamentos, embora rudimentares, são experimentados por primatas já portadores de musculatura facial expressiva, como provam as experiências dos Hayes (1955) e dos Gardners (1969), demonstrando que estes animais já possuíam aquisições organizadas numa sequência significativa.

A linguagem, antes de ser um produto do cérebro,,é um corolário da motricidade ou da experiência social e colaborai, na medida em que a sequencializaçáo significativa das acções já está contida na motricidade do primata e do hominídeo. A caça, por exemplo, é uma manifestação de cultura que exige: planificação, comportamento cooperativo, organização e coordenação de actividades económicas e diferenciadas nos dois sexos, etc.

A fabricação de instrumentos, como a linguagem por outro lado. é uma actividade e uma motricidade hierarquizada; por isso, um cérebro que é capaz de produzir objectos utilitários também gera a linguagem.

Destacamos estes aspectos aqui na medida em que o trabalho, (actividade co-laboral) forno forma de controlo do real, transformou o macaco em homem, pois, só por ele, o Homem se podia manter vivo.

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O trabalho, e a consequente fabricação de instrumentos, necessários para a caça por exemplo, rsó. pode ser explicado em termo.s dg. sobrevivência (nutrição), razão por que a organização social e a linguagem dele emergem.

O trabalho, grande arquitecto da consciência humana, desencadeia as funções extrabiológicas e culturais: da caça, da linguagem, da fabricação de instrumentos, da divisão do trabalho entre os sexos, do domínio do fogo, da cooperação, da formação da família, do domínio dâ alimentação, das primeiras relações com a terra (agricultura), da domesticação de animais, da fixação da territorialidade, das proibições do incesto, das regras exogâmicas, da

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sistematização das condutas, da conservação, do armazenamento dos produtos do trabalho e da experiência, etc.

Numa palavra, o trabalho gera a cultura, razão material predominante da expansão cerebral, com todas as suas ilimitadas capacidades e aptidões biológicas, natural e dialecticamente dependentes de uma organização social cada vez mais Complexa.

O comportamento social compreende o último degrau da inteligência humana, .que resultou de bases biológicas que em termos filogenéticos se foram diferenciando a partir da experiência no meio (motricidade).

Temos aqui, em resumo, a harmonia dialéctica entre os factores n{ ftiológicos e os factores sociais. De facto é incogniscível e impraticável . separar o biológico do social.

Chegamos finalmente ao último aspecto do antropomorfismo, e, assim, damos por concluída a análise da filogénese da motricidade.

5.8 Redução do Número de Descendentes por Nascimento, Dependência Maternal e Organização Social

Se a protecção de uma cria é particularmente difícil e complicada numa árvore, mais difícil seria a criação de mais descendentes. Daí uma explicação natural da tendência dos primatas para não terem, por nascimento, mais de um descendente.

Este «simples» facto biológico deu origem a consequências de ordem evolutiva muito profundas. Dado que não subsiste uma gravidez múltipla, os embriões não necessitam de «competir» selectivamente, e por via desse facto a lentidão de maturação intra-uterina e extra-uterina põe em causa a protecção maternal como dispositivo de sobrevivência.

O processo de maturação do primata e do Homem é lento e dependente, o que origina a protecção e o envolvimento maternal, base biológica da organização social dos primatas e do Homem.

Com um processo de maturação tão prolongado, dão-se dois Jenpmenos biossociais muito importantes: a aprendizagem e a socialização. ¦ A protecção às crias e a sua criação são a razão de ser de um dado núcleo ou grupo de primatas e de hominídeos, estando em causa a continuidade da linhagem.

O núcleo familiar com um adulto macho e um adulto fêmea num casamento formal» (De Vore) caracterizam a organização social dos primatas, principalmente quando a actividade exclusiva é a caça. Desde o babuíno aos gorilas e chegando ao Homem, a estabilidade temporária das relações entre macho-fêmea e fêmea-crias é uma constante em todos os primatas e no Homem, embora a relatividade cultural do problema mereça ser respeitada.

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A relação mãe-filho, entre os primatas, é a mais duradoura no reino animal, daí a importância do período de aprendizagem e de preparação para a vida adulta, que materializa o processo de socialização, caracterizado pelo jogo e pela imitação, comportamentos indispensáveis para a preparação e apropriação das aquisições manifestadas pelos adultos do grupo, que tendem a ser facilitadas por aprovação e reforço social.

É dentro destas condições que se opera a «filogénese da socialização», onde se forjam os comportamentos cooperativos, a rejeição de comportamentos agressivos arbitrários e esporádicos, a sustentação da motivação, o desenvolvimento de laços afectivos, a utilização e a fabricação de objectos e a apropriação da linguagem maternal.

Efectivamente, o comportamento cooperativo e a organização social consequente da sociedade que vive da caça (hunting society) originam a separação das funções sexuais entre os caçadores e os armazenadores, e o aparecimento de regras de casamento exogâmico, as diferentes dimensões religiosas, a relação social e económica entre diferentes bandos, etc, ou seja o reconhecimento de uma relação histórico-social, onde os fenómenos de comunicação e responsabilidade social e o desenvolvimento tecnológico assumem papel de relevo.

A experiência acumulada e a transmissão de valores culturais vão explicar, por um lado, a importância do trabalho, por outro, o papel relevante da linguagem,.que, como já vimos atrás, dependem estruturalmente da filogénese da motricidade.

Em resumo, o trabalho, como já o dissemos inclui uma evolução somática e uma evolução psíquica. Uma envolve as libertações corporis, a outra compreende as libertações cerebrais.

O desenvolvimento cerebral decorre de funções que têm de ser postas em jogo no trabalho: generalização, abstracção, dedução, memorização, orientação e planificação, ao mesmo tempo que promove o desenvolvimento dos órgãos dos sentidos: visual, auditivo e táctilo-quinestésico.

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É fácil ver que o trabalho é a finalidade da aprendizagem e da socialização, _é, por conseguinte, a fonte de toda a riqueza grupai. Representa o nível mais elevado de libertação alcançado pelo biológico permitindo a transformação do real e do social.

A dependência biológica do trabalho, quanto à filogénese da motricidade (principalmente a libertação da mão e as condições de reprodução), e a dependência social do trabalho combinam-se numa dialéctica inacabada que, em síntese, explica a Cultura e a Civilização.

A mão como órgão de trabalho e como seu produto adquire funções de apropriação e controlo da realidade. A mão, ao enriquecer-se com um diferenciado sistema táctilo-quinestésico, a que corresponde, em espelho, uma

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complexa área de associação cerebral interneu-jossensorial. alcança o mais alto afinamento práxico e a mais aperfeiçoada instrumentalidade de expressão, gomo se verifica na arte ou na criação cientifica.

Só através da produção de valores e de instrumentos se pode compreender a existência de mercado e as primeiras formas de utilização e de troca, condição indispensável para a expansão da cultura e para o desenvolvimento e progresso dos povos, como nos explicaram M. Mauss e Levi-Strauss.

A descoberta do Homem como ser trabalhador é um dos grandes acontecimentos do pensamento contemporâneo. O trabalho é a fonte de Relações sociais, económicas e culturais, é o meio indispensável pelo qual o

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Homem luta contra a raridade natural. É no e pelo trabalho que se organizam as relações Homem-Homem (aspecto social) e Homem-Natureza.(aspecto biológico).

Como nos assegura Marx. o trabalho contém o sentido material das relações humanas. Tal relação, exactamente nascida da função práxica (a função transformadora da filogénese da motricidade), e da função fabricadora, é inerente ao próprio Homem. E essa função que explica, fundamentalmente, toda a sua evolução sòcio-histórica. rSó o trabalho une o Homem ao seu envolvimento natural, jmde a resistência deste é um apelo para aquele.

O Homem atingiu o nível mais alto da filogénese da motricidade, isto é, a capacidade de fabricar um instrumento socialmente útil. O instrumento, como produto de uma consciência, reflecte não só um tipo especial de organização social mas também o próprio despertar da palavra.

O homem não se contenta em adaptar-se ao meio, transforma-o e transforma-se. Transforma a Natureza e transforma a sua natureza. O trabalho é a produção do Homem e das suas representações. Do acto ao pensamento, do gesto à palavra, interpõe-se o trabalho, isto é, a produção de instrumentos e de valores, por meio do qual o Homem ultrapassa os seus limites biológicos e alcança domínios extrabiológicos: religião, dança, moral, justiça,^ute, f iência, etc., numa palavra a Cultura, que, por definição, fé impossível sem uma libertação biológica que a antecedeu.

A grande dicotomia entre o instinto e a aprendizagem e entre o genótipo e o fenótipo já não se justifica. Todos os comportamentos, mesmo os mais básicos, independentemente de serem determinados geneticamente, requerem grandes períodos de aprendizagem.

Os fundamentos gerais da ciência do Homem não podem opor, a filogénese da motricidade à ontogénese da motricidade, o biológico ao. sociológico, na medida em que o social está inscrito no biológico.

Daqui a necessidade de compreendermos o ser humano na sua evolução, como um animal vertebrado, mamífero placentário que resultou da evolução dos primatas. Portador de um extraordinário desenvolvimento cerebral, condicionado pela filogénese da motricidade, mas sem especializações biológicas (generaliza as especializações dos outros animais), o Homem foi capaz de conceber e fabricar instrumentos, dispor de uma marcha bípede, e comunicar com os seus semelhantes por meio da linguagem articulada.

O Homem é o resultado de uma totalidade biossocial, isto é, o corolário de uma totalidade filogenética e ontogenética.

Esta abordagem, intencionalmente inacabada, contém abordagens pouco profundas num plano interdisciplinar. Estando consciente dos seus limites científicos, no entanto procuro combater o tradicional reducionismo abusivo, que tende a separar os diversos ramos do conhecimento e a impedir o

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estudo do ser humano naquilo que ele é, quer na sua essência quer na sua evolução.

Que fique mais ou menos claro que um estudo sobre o desenvolvi mento da criança não pode ficar separado do estudo antropológico do ser humano como totalidade biopsicossocial.

Esta perspectivação integrada no desenvolvimento humano é ainda demasiado rara para dela se recolherem aqui dados concretos e significativos. Desejamos, no entanto, desafiá-la, lançando neste trabalho algumas ideias e reflexões, pretendendo defender um princípio evolutivo fundamental: a

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motricidade não é senão o alicerce comum e original de onde emergiu a filogénese e a ontogénese cerebral.

6 CONCLUSÃO

Tentei nesta simples abordagem bioantropológica situar a posição única e original do desenvolvimento humano, naturalmente inter-relacionada, dialéctica e harmoniosamente, com o desenvolvimento de tudo o que o cerca.

O Homem Sapiente (como nos designamos) é compreensível à luz das suas limitações e disponibilidades, ditadas pela sua natureza anátomo-funcional, e esta, por sua vez, passa a ser mais compreensível à luz do seu passado, isto é, à luz da História Natural, como tentei demonstrar.

A Evolução, como vimos, envolve uma multiplicidade de criações inexplicáveis. Longe de mim a tentativa de arriscar uma explicação inequívoca; essa será a missão inconclusa dos especialistas. Quis apenas ilustrar, quase sempre de uma forma elementar, que a Evolução equivale à produção de adaptações anátomo-funcionais por adequações às diferentes circunstâncias dos diferentes envolvimentos. Adaptações que resultaram de processos activos e de reacções elementares e complexas, desencadeadas em todas as espécies, segundo o nosso ponto de vista, pela acção da motricidade (acção da acção).

Da origem da vida à origem das espécies verificam-se combinações geradoras de implicações entre significações (Piaget). De facto, as transformações evolutivas, ao operarem-se em estruturas adaptati-vas preexistentes, implicam modificações morfológicas, libertações anatómicas e aquisições funcionais, que se verificam em todos os organismos vivos. Trata-se

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de uma «força motora» da evolução, que, acumulando e rearranjando modificações morfológicas ao longo de gerações, vai originar processos evolutivos, tendo por base as transformações genéticas susceptíveis de transmissão aos futuros descendentes.

Os peixes arrastaram-se pela terra firme; os répteis expandiram--se por outros espaços, incluindo o espaço aéreo; os mamíferos desenvolveram-se em diversos ambientes, incluindo as árvores; os primatas tornaram-se aptos a avaliar distâncias e a coordenar movimentos complexos; os hominídeos tornaram-se gregários, engenhosos, inventivos e comunicativos depois de dominarem as aquisições antigravíticas da postura erecta. Embora com significativas omissões, obviamente inevitáveis, a minha abordagem pretendeu, fundamentalmente, proporcionar alguns subsídios para a percepção da continuidade da Natureza.

É impossível condensar 3000 milhões de anos da História Natural numa obra que apenas procura alicerçar, em termos antropológicos, uma certa perspectiva filogenética da motricidade e do desenvolvimento humano.

O Homem é um elemento do «puzzle», coerente e total, da manifestação de Vida no nosso planeta. Uma certa genética do acaso, um mecanismo de conservações e transformações, mutações aleatórias, inúmeras, modificações evolutivas, uma dialéctica genético--morfológica e as complexas interacções organismo-meio promoveram 0 sentido activo e dinâmico da Evolução.

No animal, a autolocomoção, ou melhor, a motricidade aliada a uma fecundação intrassomática u a um sistema nervoso plástico permitiram a edificação de comportamentos cada vez mais complexos, até atingir a espécie humana.

É ao comportamento, como acção exercida sobre o meio, que se deve a Evolução. A Evolução é uma acção. Uma acção da evolução e uma evolução da acção. Foi dentro desta dialéctica, constantemente renovada em novos «reforços completivos» (Piaget), que o cérebro se modificou e estruturou na base de combinatórias de comportamentos elementares e de comportamentos complexos.

O comportamento, como motricidade adaptativa, exige a informação detalhada do meio. Sem esta informação, a acção não se ajusta às suas circunstâncias. A motricidade, em termos evolutivos, é uma acção finalizada no meio, é uma acção com objectivos interiores e exteriores. Daqui resultam progressivas libertações anatómicas que se registam do peixe ao Homem, libertações geradoras de modificações funcionais operadas no sistema nervoso.

Quer dizer, as acções (comportamentos) geram novas libertações anatómicas, novas morfogéneses, novas organogéneses, novas siste-mogéneses e novos cérebros.

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Da bactéria ao Homem um denominador comum ressalta — a auto-iniciação do movimento. Os deslocamentos activos, ou seja,os deslocamentos de um corpo no espaço, implicam sistemas de acção dirigidos e controlados, sistemas que visam em cada animal superar-se a si próprio sem cessar, assegurando dessa forma o principal mecanismo motor da Evolução. Há, portanto, uma lógica na motricidade animal, e, consequentemente, uma lógica dos órgãos e uma lógica da Evolução.

A motricidade animal contém em si uma lógica e uma história. A imprescindibilidade da motricidade na conservação das espécies é óbvia, visto que a nutrição daquelas só é possível com a disposição para a acção inerente a todos os animais.

A motricidade, como tentámos perspectivar, é um sistema regulador melhorado no decurso da filo gene se, na medida em que materializa a transformação de estruturas anatómicas e de estruturas funcionais. Quanto mais complexa é a motricidade, mais complexo é o mecanismo que a planifica, regula, elabora e executa. A motricidade conduz a esquemas de acção sensório-motores, por sua vez transformados em padrões de comportamentos cada vez mais versáteis.

A filogénese da motricidade é uma sequência de motricidades construtivas.

O cérebro de cada animal é o espelho da sua motricidade, da sua acção sobre o meio. A cada animal um cérebro e uma motricidade concomitantes. Motricidade simples, combinada com motricidade complexa, gera novos programas e supraprogramas de realização sucessiva sobre o meio. A motricidade retraía, em termos de acção, os produtos e os processos funcionais criadores de novas acções sobre acções anteriores.

Em termos piagetianos, o comportamento reflecte as acções de carácter teleonómico, visando utilizar ou transformar o meio, ou ainda modificar a situação do organismo em relação a ele próprio.

A motricidade envolve consequentemente sistemas de acção que permitem outra exploração e alargamento do meio, para além de implicar o crescimento dos poderes do organismo, factores esses mobilizadores da melhoria funcional e do progresso do comportamento, como reflexo de uma organização aperfeiçoada que vai do protozoário ao primata, e deste ao Homem.

A filogénese da motricidade fornece-nos os dados necessários para compreendermos como ela implicou libertações anatómicas, que, por sua vez, introduziram libertações cerebrais. As respostas rápidas a modificações bruscas produzidas pela motricidade geraram orientações mais complexas e observações do envolvimento mais dirigidas e controladas, relações essas que estiveram na base da hierarquia da sobreviência, ou seja das relações entre predadores e presas.

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O desenvolvimento da motricidade está equiparado ao desenvolvimento dos sentidos em todos os animais vertebrados. Trata-se de um postulado da filogénese da motricidade. O desenvolvimento dos sentidos à distância — telerreceptores, e dos sentidos proximais — proprioceptores, está intimamente associado à expansão dos hemisférios e à reorganização do cerebelo. Tais implicações dependem, apenas, de diferentes graus de especialização adaptativa a diferentes meios.

Como tentei fundamentar no cérebro dos animais, estão mais representados os segmentos corporais que têm maior número e complexidade de relações e interacções com o meio. A boca nos herbívoros, a pata nalguns carnívoros e a mão nos primatas são efectivamente as estruturas da motricidade que maior número de neurónios reguladores mantêm no córtex daqueles animais. Quanto mais dissociada for a motricidade das extremidades, mais complexa é também a reorganização dos circuitos nervosos correspondentes.

Da simetria radial dos primeiros invertebrados à simetria bilateral dos primeiros vertebrados não se verifica apenas uma maior elaboração esquelética, verifica-se, em convegência, uma maior diferenciação de condutas e de acções sobre o meio.

Do sedentarismo ao nomadismo dão-se não só transformações morfosqueléticas, como transformações cerebrais e comportamentais. Os movimentos representam condutas, e estas representam a coordenação de órgãos, e, consequentemente, o surgimento de novas actividades nervosas.

Em suma, a motricidade tem progressos solidários com a corticalidade.

A motricidade exige membros articulados, estes exigem músculos, por sua vez os músculos para serem inervados exigem neurónios, neurónios que obviamente consubstanciam uma certa estrutura e organização do sistema nervoso.

O progresso dos comportamentos em termos filogenéticos é sinónimo do progresso da motricidade, quer no animal quer inclusivamente no Homem, como iremos ver no volume seguinte quando abordarmos a ontogénese da motricidade.

Os deslocamentos no meio, isto é, a motricidade, levam a uma sequência e a uma hierarquia de aperfeiçoamentos neurológicos e morfológicos. Primeiro os morfológicos, depois os neurológicos, sempre numa inter-relação dialéctica e plástica.

Nas diversas etapas da filogénese da motricidade a gravidade vai sendo sempre contrariada. Depois da sua compensação na água através da impulsão e desde que os peixes levantaram a cabeça das águas, a gravidade não mais deixou de constituir um obstáculo e um problema à motricidade. A superação da gravidade impõe-se aos répteis e, cada vez mais, aos

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quadrúpedes, mas ela é desafiada permanentemente com a vida nas árvores. Nas árvores, o domínio da gravidade representa uma questão de vida ou de morte.

A adaptação arborial representa uma grande etapa da filogénese da motricidade. Para Piaget, não há equivalente biológico ao nível do mundo vegetal que se aproxime das tendências adaptativas provocadas pela motricidade arborial. Desde a especialização preensiva das extremidades dos membros ao desenvolvimento de receptores táctilo--quinestésicos, passando pela visão estereoscópica (relação entre espaço óptico-exterior e espaço quinestesico-interior), pela integração intra e intersensorial, pela hipertrofia hemisférica, até ao alargamento do cérebro e ao aperfeiçoamento dos sistemas de organização motora (piramidal-ideocinético e extrapiramidal teleocinético), quase tudo se deveu à motricidade.

Não é por acaso que o cérebro dos primatas e do Homem regista o maior número de conexões entre os centros de comando motor e o sistema de detectores de movimento da visão. A coordenação da informação dada por tantas fontes dinâmicas confere ao cérebro novas faculdades de controlo e de regulação motora, que serão a chave do sucesso para novas aprendizagens. Pela motricidade utilizadora, exploratória, inventiva e construtiva, o Homem, humanizando, isto é, socializando o movimento, adquiriu o conhecimento.

A unidade dialéctica da acção sobre o meio e sobre os objectos promoveu a interiorização dos mesmos e simultaneamente a sua manipulação e transformação simbólica.

A motricidade é, por consequência, um produto da filogénese. Qualquer movimento como conduta surge como uma resposta a uma situação a resolver, quer decorrente de condições exteriores (fuga, perseguição, etc.) quer de condições interiores (sede, fome, etc). Para cada uma dessas situações coloca-se um determinado número de finalidades e iniciativas que vai solicitar uma motricidade da experiência anterior (presente) e uma motricidade programática da acção que se irá desenrolar (futuro). Vários processos de inibição e de facilitação terão de se operar no cérebro para que a motricidade surja auto-regulada e adaptada às circunstâncias.

Perante a situação exterior, em qualquer animal, e também no Homem, o cérebro, muito antes de decidir o programa motor da conduta, terá de resolver várias questões: quando deve iniciar um movimento, qual a velocidade de execução do mesmo, qual a postura ou posturas mais adequadas à situação, etc. A situação exterior pede um certo tipo de motricidade que terá de ser comparada com a motricidade realmente conseguida. E através destas sínteses de conduta que a motricidade se foi complicando e simplificando através dafilogénese.

A motricidade inteligente do Homem Sapiente é realizada como uma conduta e é determinada directa e indirectamente pela situação exterior como um todo. E neste processo que se baseia a acção e a coordenação das acções, isto é, a própria aprendizagem humana.

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A motricidade animal e humana constitui uma síntese cerebral, visto que reúne em si um conjunto de acontecimentos neurológicos que a orientam, regulam e coordenam. Acções e «intenções» aglutinam-se de uma forma particular e harmoniosa em todas as espécies até chegar ao Homem.

No Homo Sapiens a origem do pensamento põe em jogo uma antecipação do movimento. A antecipação do fim.a atingir leva a uma planificação e sequência de condutas previamente estabelecidas no cérebro antes de serem materializadas pela motricidade. A invenção de ferramentas artificiais permitiu à espécie humana a reflexão da sua relação com o mundo exterior.

Com base na filogénese da motricidade, sugiro que a acção, por um lado (aspecto motor), e a coordenação, por outro (aspecto psíquico), constituam os alicerces do diálogo funcional que gerou e gera a Hominização.

Em resumo, o desenvolvimento do cérebro é devido ao desenvolvimento da motricidade.

De facto, procurei neste primeiro volume «demonstrar» que os órgãos humanos nunca se desenvolveram independentemente da motricidade e dos comportamentos que esta permite. A motricidade possui um dinamismo próprio e uma lógica interna que têm significado no seu carácter intrinsecamente adaptativo.

Para clarificar a relação entre a motricidade e o comportamento aproveito a distinção entre comportamento e acção em Max Weber, pois nela podemos distinguir as actividades animais e as do Homem.

Segundo aquele autor, se se descreve o que os animais e as pessoas fazem, sem se saber das suas razões subjectivas para o fazer, nós estamos a falar acerca do comportamento. Se se estudam os aspectos subjectivos do que se fez, as razões e as ideias subjacentes e orientadoras da acção, então estamos a falar de significação. Se se está a estudar o que as pessoas fizeram (ou não fizeram), bem como as razões para o fazerem (ou não fazerem), quando as relacionam com o mundo da significação e da compreensão, então estamos a falar de acção.

Foi dentro deste contexto semântico que quis abordar afilogéne-se da motricidade. Quanto mais estudamos a motricidade animal (filogénese), mais compreendemos a motricidade humana. Pretendi defender que aquela não pode ficar reduzida a uma série de explicações mecânicas ou automáticas. A motricidade é, de facto, o produto de processos evolutivos da filogenese.

Tentei repensar a motricidade numa abordagem bioantropológica.Motricidade como parte vital do sistema que fez e faz o ser humano. Fui apenas tributário do meu ponto de vista, que visou uma aproximação sobre as origens do Homem, sem ter a vertigem ou a veleidade da verdade absoluta que jamais atingirei.

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As espécies vão no sentido de uma via de aperfeiçoamento contínuo de estruturas e de condutas, que são o suporte da motricidade e esta o motor da Evolução, quer em termos filogenéticos quer ontogenéticos.

Tentei avançar neste pequeno volume com uma abordagem bioantropológica sobre a filogénese da motricidade, espero agora em complemento evoluir para a ontogénese da motricidade, através de uma abordagem psicobiológica. Não quero separá-las visto que subsiste nelas uma unidade indivisível. A separação entre as duas abordagens obedece a necessidades de publicação editorial e não a uma compartimentação conceptual.

O volume que se segue procura lançar uma ponte entre a filogénese e a ontogénese da motricidade, como abordagens complementares do desenvolvimento humano.

Feito este aviso necessário nesta (in)conclusão do primeiro volume, que mais não é do que uma introdução ao segundo volume, vou apresentar um sumário do que tentarei abordar. Sem esta advertência não se pode alcançar a unidade pretendida e conseguida entre os dois volumes, isto é, da filogénese à ontogénese da motricidade humana.

No segundo volume recorremos à Embriologia que em si própria fundamenta a ontogénese pré-natal e pós-natal analisando a pré--reflexogénese e a pré-sistemogénese, axiomas fundamentais das condutas do recém-nascido. Posteriormente, pomos em reflexo o estudo da motricidade e a sua importância no desenvolvimento psicobiologico da criança complementado com um estudo do comportamento humano. A génese do psiquismo com base na motricidade e na tonicidade compreenderá outro enfoque do próximo volume, para alem do estudo neurobiológico da função tónica no controlo da postura bipede e na planificação e execução dos movimentos ideacio-nais. Culmino com um estudo do desenvolvimento postural e do desenvolvimento da preensão, mais diferenciados com o auxílio de uma dezena de Escalas de Desenvolvimento que sistematizam e materializam pedagogicamente a ontogenese da motricidade humana.

Nesta parte de cariz prático-pedagógico, apresento escalas de desenvolvimento de variáveis motoras, sensorio-motoras, perceptivo-motoras e psicomotoras, de aplicação clínico-pedagógica e não necessariamente, psicométrica, de interesse para o ensino geral e especial e igualmente para o ensino pré-primário, visto que pretende cobrir a evolução que decorre do nascimento aos 5 anos de idade.

Com o segundo volume, completamos a perspectiva que empreendemos desde o início, isto é, tentar apresentar uma dimensão do desenvolvimento humano onde a filogénese não se opusesse à ontogenese, ou melhor, onde o desenvolvimento da criança representasse a recapitulação acelerada da Evolução.

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Tentar demonstrar que a metamorfose da criança é o espelho da História Natural do Homem foi o propósito e a intenção que quis concretizar ao longo de dois volumes.

Assim como não é possível compreender o Homem e a sua sociedade sem ter em conta a sua Evolução, também não é possível separar na criança o seu ser biológico e o seu ser social, ou melhor, a sua motricidade da sua psicomotricidade. A sincronização adaptativa entre a filogénese e a ontogenese tornam o estudo do desenvolvimento humano uma história dentro doutra história.

Consciente da limitação das duas abordagens, aqui deixo uma mensagem inconc/usa que aposta na unidade da vida, na unidade do Homem e na unidade da sua motricidade em evolução.

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