Origens da escravidão moderna em Portugal

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    DAS ORIGENS!JA

    ESCRAVIDO MODERNAEM PORTUGAL ~,... '. : . . / ... ~ .. ,.. A

    [ '\ 1.'Ul: \ . ..~ f. \

    I ' I' 'ANTONIO PEDRO DE :' CARVALHO t-.1.. , .. .... ' .,....

    LISBOATYPOGRAPHIA UNIVERSAL

    DR T H O ~ I A Z QUINTINO ANTUNES, IMPRESSOR DA CASA UEALRua dos Calafates, 110 \

    1877

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    MEMOR IADE

    LUIZ AUGUSTO REBELLO DA SILVAH O : l \ I E N A G E ~ l DE SAUDADE E GRATIDO

    DO AUCTOR

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    Corre entre os estrangeiros, como boa moeda de lei, e tem-no repetido alguns nacionae.s, que aos ~ o r t u g u e z e s se deve o restabelecimento da escravido, quando ella de todo havia desapparecido daEuropa. um erro historico, que os mais auctorisados monumentos con

    demnam, e que a nossa dignidade exige seja desmentido.Todas as naes tem commettido contra a humanidade delictos quea historia, seguindo os preceitos immutaveis da moral, ha de julgarcom severidade ; Portugal no alcanou lagar preeminente no grandetheatro do mundo, nem podia concorrer, como e.fficazmente concorreu, para o desenvolvimento da civilisao, sem os haver commettidotambem; mas no juntemos por incuria propria aos delictos verdadeiros outros filhos da pura phantasia.

    O trafico dos negros no data dos descobrimentos martimos doxv seculo ; nem a explorao das terras americanas, que alis o augmentou consideravelmente, foi a origem da escrvido moderna.

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    A escravido um facto nniversal na historia da humanidade.Nasceu com ella, como outros muitos males, e similhana do pa-rasita, cujo germen foi depositado na raiz, e cresceu com a arvore,desinvolveu-se ao passo que a civilisao progrediu. Nas mais antigas sociedades, onde a communidade de interesses comeava apenasa congregar os homens, j

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    8manos, cuja civilisno dominou nnivcrsalmente, nZio comprehendiamque a sociedade podesse estabelecer-se sobre outras bases. Os maisapplaudidos esc ri ptores, os j nrisconsultos mais j ustamentc admirados,os mais illnstres philosophos, SoCIates, DE>mosthenes, Lycnrgo, Xenofonte, Aristoteles, Plato, Ccero, Plinio, Cato, acceitavam, seno defendiam, o qne hoje se nos affigura monstruosa atrocidade.

    A jurispruclencia em materia de escravido era em todos os povos similhante na origem; podendo rednzir-se conhecida formula-servi aut nascuntw aut .fiunt-todos os variados preceitos das leisque regiam, n'este assmnpto, as clifferentes sociedades.

    Entre os hebreus a escravido perpetnava-se por meio da guerra,do nascimento e da compra. Em caso de miseria era permittielo vender-se a si proprio, c aos filhos. A lei de ~ I o y s s foi muito favoravelao escravo, o qual, vivendo na servido domestica que podia terminar no fim de curto praso, era alimentado pelo rico em troco doservio que lhe prestava debaixo da vigilancia da anctoridade. Erapunido de morte o senhor qnc matava o escravo; se o feria alcanava este a liberdade; e do mesmo modo ficava livre a escrava quetivesse servido aos prazeres elo senhor. Foi para o escravo, assimcomo para todas as miserias, que se instituiu o descano do setimodia, e o elo setimo anno. l\Ias a lei ele ~ I o y s s no creon raizes nopovo hebreu, e quando as dez tribus foram captivas dos assyrios,os pobres de Jud gemiam na escravido dos ricos.

    No Egypto era a miseria que miistrava escravos aos particulares; ao estado fornecia-os o crime, desde que nm legislador substituiu a pena de morte pela elos trabalhos pnblicos. O commercio e aguerra iam nas naes estrangeiras recrutar estes infelizes.

    As leis de ~ I a n , subdividindo as castas, conseguiram na Incliagradnar em sete classes a nfima, a mais abjecta camada social, fazenc1o descer algumas abaixo do nvel dos irracionaes. As fontes daescravido eram tambem alli o captiveiro na guerra ou a miseria;a lei do nascimento, e a condemnao publica; e os rliversos modospor qne a propriedade se transmitte- a venda, doao ou herana.

    :Xn China mantinha-se por meio ela gnerra, e pela miseria; massendo difficil obter prisioneiros fra do paiz, e offerecendo dentrocl'elle vantagens e facilidades o trabalho livre, a escravido entroupouco nos costumes c1'esta nao excepcional.

    ConservaYa-se entre os povos da nobre raa hellenica sob a trplice sanco do facto, da lei, e ela opinio. Era necessaria segundoo juizo de todos, chegava a ser natural segundo o parecer de algm1s.

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    Encontrava-:: e em todos os usos da viela; no servio das famlias,nos cuidados ela agricultura, nas occupaes diversas dos officios edas artes, e at, tomando o logar do cidado, nos ultimos graus doservio do estado, e na litteratura. No tempo de Demosthenes umescra\o, homem de letras, poderia ter o mesmo preo de um cavallo.Era no s o instrumento, mas tambem a fora motriz elo trabalho :o que hoje fazem as machinas, e antes d'ellas faziam os animaes decarga, executavam ento os escravos. A guerra e a pirateria erama fonte mais abundante da escravido na Grecia. Os seus habitantes recrutavam os escravos entre as raas mais civilisaclas, e muitas vezes a si }Jroprios se captivavam: alguns philosophos, semcontar Diogenes o cynico, foram escravos; Esopo tambem o foi.Havia homens e mulheres, cujo officio era roubar creanas na confuso dos jogos e elas festas, quando a miseria no lh'as offereciaexpostas nas estradas. Outra fonte de escra-\riclo era o commercio:a Thracia era um paiz ele escravos, e a Thessalia um paiz de mercadores. O Egypto vendia-lhes os seus naturaes, escravos da pena,e os negros ela Ethiopia, que eram escravos elo luxo. O escravo ouvido como testemunha era necessariamente submettido tortura;d'outro modo o depoimento no tinha valor. Em paiz algum a escravido tem sido mais horrenda elo que em Sparta.

    A vontade do pae, a aco do crdor, e a fora da lei contribuamem Roma para fazer escravos. A escravido effectuacla em virtudeelo direito paterno, ou ela adjudicao feita ao crdor, era pro,risoria. A lei captivava o que pretendia subtrair-se ao recenseamento,o que tendo mais de vinte e cinco annos se fazia vender fraudulentamente, e o condemnado morte; mas o maior numero de escravosera obtido por meio da guerra; e a pirateria, transformada em tra-fico de mercadoria ,-r},a, era o commercio mais lucrativo, e portantoo mais seguido. Xo tempo dos imperadores todas as naes do mundooffereciam escravos aos poderosos romanos, e todas as raas conhecidas, a gente da Lybia, Phrygia, Grecia, Capadocia, Syria, ~ I e d i a ,do Danubio, Rheno, da Libnrnia, ela Numiclia, arrastavam as cadeias da escravido no exerccio ele todos os misteres do campo e dacidade, os quaes os orgulhosos cidados ele Roma clespresavam comovis, em que eram reputados. As mulheres da Andaluzia, j entorival dos paizes mais a:'lmados no culto ele Venus, eram preferidasentre as cantoras e danarinas para augmentar o deleite nos banquetes dos mestres da sensualidade. Era to grande a copia de escravos em Roma, que o senado recusou adoptar um trajo para os

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    10distinguir, receiando que ellcs lograssem conlwcer a inferioridadedo numero dos homens livres. O escravo, como coisa que era, notinha famlia, nem propriedade, nem direito em geral, nem acoperante os tribunaes. Do mesmo modo que succedera na Grecia, postoque menos rigorosamente, o seu testemunho s era autentico quandoouvido entre tratos. l\Ienos felizes que os bois, no tinham dias consagrados ao descano, e o escravo rustico nunca largava de dia,durante o trabalho, a cadeia que de noite o prendia no mgastulwm.Era tal o poder do senhor sobre o escravo, c to manifesto o direitode vida e de morte, que V edius Pollion sustentava as moreas dosseus lagos com a carne dos escravos que lhes lanava vivos. Quandoo senhor morria ele morte violenta todos os escravos que lhe pertenciam eram conduzidos ao supplicio: uma vez foram mortos quatrocentos, apezar da opposio do povo, ~ e v o l t a d o contra tamanhacrueldade. Os doentes eram abandonados sem soccorros na ilha deEsculapio pelos mais piedosos. A impnclicicia, reputada crime noingenuo, era no escraVQ necessidade. Emfun, Roma foi a cidade dosgladiadores, a mais repugnante manifestao da escravido na antiguidade.

    Chegou porm epoca em que os costumes principiaram a modificar-se, e o direito, alumiado pelo reflexo da luz que ao longe brilhava do lado da Galilea, tornou-se mais suave. A legislao comeou a soffrer modificaes importantes, e ainda antes do triumphocompleto da ida nova, a escravido, posto permanecesse o direitoa ella, e o favor da liberdade no preparasse, nem sequer remotamente, a sua abolio, comtudo passou a ser de condio menosdura, e alargou-se e facilitou-se o caminho aos libertos. A philosophia, talvez penetrada dos christos principios ele humanidade, j.regeitava pela voz de Seneca as pretendidas distinces entre livree escravo. Domiciano prohibiu, alis com pouco fructo, que houvesse eunuchos; .Trajano declarou os expostos livres; Adriano tirouaos senhores o direito de vida e de morte sobre os escravos; Autonino o Piedoso restringiu a escra-vido de nascimento, e impoz apena de morte ao senhor que fizesse justia por suas mos ; l\iarcoAurelio no eonsentiu que sem interveno do juiz se vendessemescravos para os combates de feras ; Caracalla promulgou variasleis favoraveis manumisso d'estes desgraados; Alexandre Severodispoz que o homem livre casado com escrava estrangeira permanecesse livre, e prohibiu que se fizesse injmia ao escravo estrangeiro ; Diocleeiano renovou a prohibio de vender as creanas, e

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    iisubtraiu ao jugo do crdor o devedor insolvente; Justiniano ordenouque o escravo libertado passasse logo condio de ingenuo. Nosegtmdo seculo do imperio, ainda no tempo dos cesares pagos, comearam a ser livres muitas profisses que eram exercidas por escravo s - a medicina, o magisterio, a pintura, musica, varias artes eofficios, e at a dos gladiadores. O colonato, estado de transio para

    . a liberdade, ~ u m facto contemporaneo dos auctores do Digesto.Para este grande progresso indubitavel ter concorrido o chris

    tianismo; mas tambem certo que durante seculos a escravido foicompatvel com elle.

    A aco constante e benefica da moral do evangelho sobre o individuo e a sociedade operou profundas modificaes nos costumes eno direito, e creou os elementos da civilisao moderna. O mtmdoantigo, e os barbaras depoi_, tiveram de ceder perante a evidenciada verdade eterna. Na lucta incessante da icla elo bem contra oabuso da fora, e contra a exploso das ms paixes, tinham necessariamente de ficar prostradas no campo muitas instituies defeituosas, que caracterisavam a civilisao pag, e das quaes a escravido era 1m1a das mais notaveis.

    Engana-se porm qnem julgar que a egreja atacou a escravidocomo frma social. O christianismo nunca pretendeu alterar o direitopublico, nem a constituio da sociedade; e sendo a escravido abase dos estados, era impossvel, sem perturbar profundamente arepublica, que a egreja, que acceitava todas as desigualdades sociaes, limitando-se a conciliai-as com a dignidade humana, proclamasse ele repente a emancipao dos escravos.

    Se os Apostolas repetem que j no ha judeu nem grego, nemhomem nem mulher, nem escravo nem livre; mas que todos so umamesma coisa em Jesus Christo; j::i antes d'elles o Divino l\Iestre, declarando que o Filho de Deus no tinha vindo ao mundo para o jul-gar, mas para o salvar, e que este no era o seu reino, mandava dara Cesar o que de Cesar, c pagar o tributo, e prestar homenagem,a qt{em sejam devidos. O christianismo estabeleceu a egualclade detodos os homens perante Deus, annunciando a liberdade da alma emnome do direito e da graa; mas acceitou a sociedade tal como estavaconstituda, e reconheceu n'ella o predomnio das classes superiores, etodas as hierarchias. A egreja, em nome de Christo, pedia aos escravos obediencia, e aos senhores commiserao, sem que por isso oscaptivos, por serem filhos de Deus, deixassem de ser livres debaixodo ponto de vista moral. O homem livre, mas no independente;

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    12porque cada um obrigado a prestar os servios que a sua condio determina.

    Segundo a doutrina dos Santos Padres, a escravido nasceu dopeccado; porque rnaldito foi o filho de Clzanaan; elle o esc1avo deseus 1nos: uma pena, ou uma expiao. Um escravo virtuoso mais livre na presena de Deus do que o senhor algemado nascadeias do vicio. S. Jeronymo chegou a pedir ao escravo que noprocurasse obter a liberdade.

    Se os Apostolas no tinham exigido a abolio da escravido, osPadres da Egreja no se encontravam cm melhores condies paraa alcanarem, no obstante terem cessado as maiores perseguiesque o christianismo soffreu. J no existia aquella primitiva sociedade dos esforados cvangelisadores que sellavam com o sangue domartyrio a propaganda da nova religio. A sociedade christ qnesnccedeu aos tempos difficeis de Nero, Cmacalla e Diocleciano tinhatodas as formas exteriores da sociedade antiga; por isso vemos Justiniano prohibir aos padres e bispos assistirem aos combates deferas, e Constantino restabelecer o direito de vender os filhos. AEgreja teve, at ha muito poucos annos, bispos, clerigos e mongespossuindo e vendendo escravos t.

    Os papas sanccionaram a escravido dos negros, porque eramencontrados submettidos a este regmen conforme ao antigo direito.Os conclios diocesanos, e todas as autoridades ecclesiasticas limitavam-se a evitar os captiveiros no permittidos na lei d'aquellaspocas ; a favorecer as manumisses ; a cohibir que os christos cahissem em poder dos infieis; a persuadir os senhores a observar ospreceitos religiosos e moraes com relao aos seus escravos ; e aproteger estes contra o rigor dos castigos. A escravido dos africanos, e o trafico de escravatura, foram definitivamente condemnados pelo Papa Gregorio xvr, j nos nossos dias, quando era geralna Europa a opinio de que to grande iniquidade opposta brandura dos costumes modernos.O resultado da influencia da philosophia christ sobre a escravido manifesta-se nas leis, que Justiniano legou aos sccnlos medias,e que talvez alcanassem vantagens assignaladas, devidas principalmente ao natural progressso das idas, e ao melhoramento dos

    1 Temo-nos at aqt servido quasi exclusivamente do primoroso trabalhode H. \Vallon- Histoi1e de l'esclavage dans l'antiquit- em que elle desenvolveu e completou a sua memoria premiada pela Academia das sciencias moraese politicas de Frana.

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    13costumes, se a invaso elos barbaras, revolvendo as instituies, edesorganisando a sociedade, no tivesse lanado a Emopa na maiorconfuso.

    Quando cada um dos povos invasores, na precipitao e ardorda conquista, procurava eleger o lagar em que se fL-x:asse sobre osolo, a fora e a violencia reinavam em todas as regies do esfacelado imperio do occidente; e portanto no para extranhar que setornasse mais cruel a sorte elos humildes, dos escravos.

    Os barbaras, adoptando a escravido nos campos e na cidade,tal como a achavam estabelecida seg1mdo o direito romano, tornaram-n'a comtudo to rigorosa, quanto naturalmente resultava daspaixes desordenadas, companheiras da conquista, e da dureza decostumes elos invasores. Assim deixaram ele ter effeito por muito

    tempo as grandes alteraes que a civilisao e a moral christ haviam introduzido na escravido.

    Em Italia os colonos, que eram j homens livres, posto que adscriptos hereditariamente ao solo, assumem de novo o caracter deescravos, em consequencia da lei de Theoelorico, que auctorisavaos senhores a transferir para o servio domestico das cidades as fa-milias ?'usticas. D'este modo a humanidade recuava para poca anterior aos primeiros progressos do direito civil do imperio. Seg1mdoas leis dos wisigodos os escravos que alcanavam a liberdade :ficavam em condio inferior aos libertos romanos. Justiniano tinhaabolido a lei que condemnava na pena de captiveiro a mulher livreque se ligava em matrimonio com escravo; os wisigodos, abrangendo na condemnao at o liberto, lanavam-n'a no fogo junta-mente com o cumplice.

    A classe dos homens livres climinuia constantemente, e as egrejas, os mosteiros, e os grandes dignatarios cobriam as terras deinnumeraveis escravos. De Alcuino se refere, que rmmiu 20:000.

    No VI e VII seculos ainda a escravido, apesar da influenciabenefica da egreja, no tinha tido mudana sensivel. To barbaras,to crueis, como os primeiros conquistadores, todos os que possuiamescravos em casa ou nos campos os submettiam, como d'antes, aosmais rigorosos tratamentos. No seculo immediato a sociedade, firmando-se sobre bases mais solidas, torna-se menos irregular, e asorte do escravo, como conseqnencia, tende a melhorar. A revoluo progride, muitos individuas da ordem ecclesiastica, a mais iilustrada e preponderante, saem ela classe dos escravos, e elevam-seat ao episcopado; o casamento dos escravos protegido, a sua

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    14condio torna-se cada vez menos dura, c a emancipao j maisfacil no IX seculo ; comtudo nas fronteiras a frequencia das guerras continua a alimentar a escravido, e as suas victimas so tra-tadas como no tempo antigo.Nas Galias, e no territorio sobre que se estendia o imperio deCarlos :Magno, o escravo geralmente substitudo pelo servo dagleba no fim do IX seculo, ou o mais tardar nos princpios do seguinte. Para esta salutar transformao tinham concorrido a divisoda propriedade; a immobilidade a que foram sujeitos os escravos;as revolues politicas do IX seculo, que produziram o enfraquecimento do poder central; e a invaso dos Normandos. A Allemanha,ao que parece, seguiu os passos da Frana.

    Em Inglaterra, onde a maior parte da populao anglo-saxoniaestava reduzida escravido, e onde os escravos, mais numerososque os homens livres, eram designados pela frase pecunia viva porserem cousas que respiravam, tambem no fim do IX seculo comeava a melhorar a condio d'estes desgraados; mas s ao expirardo XI seculo, depois da conquista dos Normandos, de suppr quea escravido desapparecesse para dar logar servido da gleba.No paiz de Galles a substituio d'nma por outra classe s se realisou depois do XIV seculo.

    Talvez por causa da proximidade dos sarracenos d'Africa a escravido permanecesse por mais largo praso em Italia. Nos VIII eIX seculos os italianos traficavam em escravos com os bysantinos,e depois com os arabes, chegando a ser accusado o papa Joo XIIde vender christos aos infieis no x seculo i .

    Na Hungria ainda nos XIII e XIV seculos os cristos, foradospela miseria, vendiam os filhos aos mahometanos.

    Da servido dizia nos ultimos annos do XVI seculo o jurisconsultoallemo Frederico Hussam que uma especie de escravido, na verdade moderada, e menos dura, mas apresentando a muitos respeitos a imagem da servido antiga, existia ainda, e no podia cessarde existir sem arriscar a segurana do estado.

    A Russia s em 1861 aboliu o estado de servido. A Turquia,1 No conhecemos autor que tenha tratado mais desenvolvidamente da his

    toria da escravido na idade media do que J. Yanoski na sua obra De l'abo-lition de l'esclavage ancien au moyen ge, et de sa transfmmatio;t e:n servitude dela glbe: infelizmente elle attendeu ptH'O aos monumentos historicos de Italia,nos quaes certamente se ho de t>ncontrar valiosos subsidios para o estudo daescravido n'aquella poca, e nas que ;,-1mcc.liatamente se lhe seguiram.

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    15graas ao apoio do negrophilo governo inglez, continua a ser contada no numero das potencias europeas.

    :No presente seculo escriptores e polticos, illustres por mais d'umtitulo, toleravam a escraYido dos africanos, quando no a patrocinaYarn. No anuo de 1844 o secretario d'estado encarregado dasrelaes diplomaticas com a Europa recusou o concurso dos Estados unidos s naes associadas para a abolio da escravido, fundando-se nas doutrinas polygenistas, isto na theoria que nega aunidade da especie humana t .

    A propria Frana, c mas, como incontestavel, caminha navanguarda elos povos da raa latina, foi talvez, segundo o testemunho d'nm auctor insuspeito, a que diligenciou com maior obstinao justificar tamanho abuso de fora 2

    A escraYido est condemnada em todas as instancias, e a sentena j passou em julgado; comtudo esta instituio, propria dassociedades imperfeitas, teve, e tem onde continua a existir, razesde ser, em quanto a dignidade humana, prevalecendo sobre a necessidade menos escrupulosa, no soube, ou no souber, fazer acceitaro trabalho livre voluntariamente offerecido: prova-o a antiguidadec a nniversalidade do facto.

    Aos olhos ela philosophia moderna a escravido foi sempre abuso,acto de violencia, crime, e o crime nunca pde constituir direito;mas quantas vezes a manuteno da ordem, em povos barbaros, noestaria dependente d'esta violencia; e o abuso no traria em si mesmocomo consequencia aproximar do baptismo da civilisao individuosque d'outro modo permaneceriam nas trevas da ignorancia c da barbaria? O meio grosseiro, informe e sujeito a abominaveis excessos, oppe-se dignidade do homem, devia portanto acabar; pormna historia d'esse facto, to interessante ao estudo da civilisao, necessario considerai-o com animo sereno, evitando o caminho facildas declamaes humanitarias, que pdem commover; mas no esclarecem.

    1 Types of },fankind, obra americana citada por A. de Quatrefages.2 Peut-tre l'esclavage n'a-t-il jamais t justifi avec plus de verve etd'obstination qu'en France, A. Cochin- L'abolition de l'esclavage, tom. 2, pag.67 not.

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    A escravido em Hespanha seguiu, at conquista arabe, a mesmaevoluo historica que n'outras partes foi successivamente modificando a primitiva dureza d'esta rude e illicita manifestao do poderdo homem sobre o seu s i m i l h ~ n t e .Subjugada a pennsula pelo insuperavel poder dos conquistadoresdo mundo, a sociedade modelou a sua organisao pelas instihesromanas, que a civilisao adiantada do grande povo, no menosque as espadas dos generaes, lhe haviam imposto. Os costumes, asleis, os magistrados, os tribunaes eram os mesmos de Roma, e ofacto da escravido, tal como havia existido nas differentes tribusque estanciavam entre o Mediterraneo e os Pyrineos, ficou sanccionado pelo direito romano; de modo que, ao desabar o imperio, quandoos barbaros invadiram o extremo occidente da Europa, vieram encontrar aqui profundamente radicada aquella frma social que ellestambem conheciam.

    A influencia moral da civilisao dos vencidos era to superiorao poder da fora bruta dos invasores vindos do norte, que durantemuito tempo as duas sociedades, a romana e a gothica, se conservaram juxtapostas, mas distinctas-os wisigodos governando-se pelosseus costumes tradicionaes, e os hispano-romanos pelo seu Brevia-ri'llm7 at que no vn seculo as diversas instituies, mutuamentemodificadas, se reuniram no Codigo wisigothico 1

    Ao promulgar-se o celebre codigo j a escravido no tinhaaquella horrvel simplicidade de Sparta, onde no havia mais que

    1 A. Herculano, Hist. de Portugal.

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    !7senhores e escrasos, pessoas e coisas. Posto que os homens de trabalho ainda ento merecessem qnasi tanta considerao como os animaes do servio domestico, comtudo a escravido tinha a esse tempotomado aspecto diverso, elo mesmo modo que vimos em geral occorrera progressivamente nas outras provncias elo destruido imperiodo occidente. As classes servis, por cansas variadas que no facilindicar rigorosamente, aproximavam-se ela emancipao, e teriamseguido na monarchia wisigothica a so rte que fra reservada a eguaesclasses em Frana e Allemanha, se a invaso musulmana no viessedar s idas direccrio differente. n'este ponto,"para o qual chamamos muito particularmente aattenrio d o ~ leitores, que a historia ela escravido na pennsula co

    mea a di:::;tanciar-se consideravelmente do que succedeu nas outrasnaes. As coisas no se passaram elo mesmo modo qnem e almdos Pyrineos; e d'ahi principalmente provm, como esperamos demonstrar, a escravido nos tempos modernos.

    O mahometismo, muito ao contrario elo que geralmente se pensa,era ele sua natmeza tolerante. Os arabes no pretendiam possuirpropriedades territoriaes nos paizes por elles conquistados, e respeitavam na sociedade vencida tudo quanto no repugnava ao estabelecimento do seu domnio. Deixaram portanto ficar na pennsula,como as encontraram, as classes inferiores dos colonos, servos elibertos, e os homens livres, mais ou menos nobres, que continuaram a reger-se pelas suas leis, e render culto religio de seuspaes. As duas crenas porm eram muito oppostas para que a tolerancia do islamismo alcanasse impr aos hespanhoes, sem contradico, o predomnio musnlmano. A reaco depressa levantou ogrito ele rebellio, e ela lucta que durou secnlos resurgiu o quasi esquecido direito, em virtude do qual o vencedor podia reduzir a captiveiro o prisioneiro de guerra.

    A contar da epoca em que a nascente monarchia de Oviedo, hasteando o pendo da independencia, comeou a talar os campos sarracenos, a escravido na Hespanha tem ele ser considerada sob doisaspectos inteiramente oppostos.

    As classes servis christans continuaram nas monarchias neo-gothicas, n.o obstante as interminaveis convulses sociaes d'aquellaepoca de guerra, a caminhar, em virtude elas causas geraes que semanifestavam em toda a Europa, para a completa emancipao, postoque lentamente. As mesmas emigraes, foradas ou voluntarias, quedo territorio submettido aos sarracenos se encaminhavam para os2

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    18desvios das Asturias, deviam concorrer para tornar menos pezadaa exi::;tencia tlas classes inferiores. A gramle r e v o l n o flue se agitava na peninsula trazia sociedade verdadeiro progresso, apezardos irreparaveis clesa:::;tres que tinham produzido a conquista arabe,e a reaco asturiana.

    A servido, ainda assaz gravoza e desprezada, posto que materialmente melhorada, transformava-se em adscripiTo gleba, e estatendeneia se foi tornando, at separao de Portugal do reino deLeo, cada vez mais geral. A sociedade estava ento dividida emtres classes-nobres, homens livres inferiores, e homens sujeitos aservido mais ou menos dura.Nos primeiros annos da monarchia portugueza o infimo gro daescala social era o dos homens de creao ou adscriptos. Seguiam-seos colonos livres Juniores) ou pees. Acima d'cstcs estavam os her-dadores) os proprietarios no nobres, sujeitos s aos encargos e tributos publicos, c que foram os precursores do cidado moderno. Todas estas gradaes se incluiam na denominao generica de villani.Durante os XII c XIII seculos a liberdade do homem converteu-seem principio universal, e a servido em facto excepcional: a servi

    do passava para a terra. :Muitas circumstancias concorriam para atransformao do adscripto em colono livre; mas a principal era arapida formao dos municipios, determinada pela necessidade derepovoar o reino: assim o attestam os foracs em que vulgar a concesso da liberdade aos individuos das classes opprimidas, quandose acolhiam aos municipios. A mais humilde das classes populares,a ultima na ordem dos homens livres, os jornaleiros, os prolctarios,e os servos ruraes assalariados, nasceu da substituio gradativa daservido forada da gleba pela liberdade pessoal 1

    1\Iui outro era o destino que estava reservado aos habitantes dapeninsula no christos.

    Quando Pelagio, congregadas as reliquias do exercito godo, encetou a continuada serie de combates que durante larguissimo periodoensaguentou a terra de Hespanha, parecia querer vencer com aviolencia da aggresso, unica esperana do seu pequeno bando, o numero, e o esforo intelligente dos musulmanos. Nas repetidas algaras em que elle e seus successores levavam a devastao ao territorio que pretendiam reconquistar, c em que muitas vezes pela importancia da victoria lanavam o desalento no campo inimigo, a

    1 A. Herculano, Historia de Portugal.

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    19morte do prisioneiro s podia ser resgatada com a escravido, torigorosa como havia sido na antiga idade. Os sarracenos pela suaparte no lhes eram inferiores nas reprezalias, no s por terra mastambem por mar. Saam os navios elos portos de Hespanha e cl 'Africa,corriam as costas de Portugal, Galliza e Asturias, roubavam e incendiavam, c captivavam quantos christos escapavam ao alfange.A guerra entre duas raas irreconciliavcis, e duas crenas rivaes,legitimava assim um facto que a icla christan, e as leis naturaesdo progresso, tendiam a fazer dcsapparecer da Europa 1

    Esta. primeira violencia no conservou sempre o mesmo caracter.O tempo, as vantagens alcanadas pelos reis christos, a politicamais illustracla ele Affonso VI de Leo, e a propria necessidade deattender ao estado economico das monarchias catholicas, alteraramo systema sem o destruirem de todo. S passaram a ser escravisados os musulmanos que armados resistiam aos conquistadores, porfrma que nos XI e XII seculos, e principalmente no XIII, a tolerancia politica salvou do captiveiro muitos infelizes, com vantagem indubitavel dos vencedores.

    O fundador da monarchia portugueza foi um dos reis que melhorc o m p r e h e n d e r a m , e souberam imitar, a benevolencia dos seus inimigos para com os vencidos, e o systema politico applicado pelo mahometismo a todos os paizes onde dominava. Os mouros ela Extrema-dura e do Alemtejo, que acceitaram o nosso domnio submettendo-seao poder do venturozo capito, foram conservados nas suas terras,e foi-lhes concedido, mediante pagamento de tributo cora, viverpacificamente nas aljamas ou mourarias; observar a religio do profeta; governar-se com magistrados proprios, e leis especiaes. As cartas de foro outorgadas por D. Affonso Henriques aos momos forrosde Lisboa, Almada, Palmella e Alcacer, e depois por D. Affonso maos do Algarve, foram roboradas pelos reis que se lhes seguiram.O esclarecido D. Joo r distinguiu com singular proteco os descendentes dos antigos dominadores, os quaes se tornavam notaveispela sua industria e sciencia. Aqui permaneceram povoando bairrosinteiros das maiores terras de Portugal, concorrendo com os judeos,com as colonias estrangeiras, e com outros elementos de populao,para o rapiclo desenvolvimento ela nossa nacionalidade, e para oaugmento da riqueza publica, at que D. :Manuel cm 1497 lison-

    1 A. Herculano, Historia de Portugal.2 Ordenao manuelina, liv. m, tit. xLr.

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    20geando o esprito intolerante do seculo cm que VIVIa, determinou,no s tolher a indignidade das mesquitas, mas despejar o reinode tal gente t !

    realmente muito para notar o facto de co-existir no mesmo seculo, com a tendencia manifesta para a completa emancipao dohomem, a escravido de gente branca, to rigorosa como era anteriormente no imperio romano. Quando se Y, attestado pelos maissabidos documentos historicos, que os mouros e os hebreos viviamnos primeiros tempos da monarchia perfeitamente livres nas al}amas e fudimias) gosando ele isempes que certamente hoje nolhes seriam concedidas, difficilmente se acreditar, que muitos indivduos das mesmas seitas gemiam nos ferros da escravido. Homens muito doutos o tem ignorado: o insigne l\Iello Freire, desmentindo o jurisconsulto Vinnius, nega positivamente a existencia dosescravos mouros 2 O proprio Yanoski, que se dedicou a estudarespecialmente a escravido na idade media, no duvidou assegurar queella cessou ele todo na Europa occidental, at em Hespanha, no principio do seculo x, mostrando que no tinha a menor noo da existencia dos escravos mouros 3. Comtudo nada mais certo, nem maisclaramente demonstrado nos monumentos historicos, que ter havidosem interrupo escravos na pennsula hispanica nos seculos posterimes ao x, e portanto durante toda a epoca que precedeu o descobrimento da Costa d'Africa.

    Os mahometanos que eram encontrados vivendo pacificamente nasterras que os nazarenos iam arrancando do poder do islamismo, logravam resgatar a liberdade com o preo de pesadas contribuies;mas os que se tomavam na guerra, oppondo-se com as armas namo ao incessante caminhar das hostes christs, esses eram lanados em escravido to cruel como o fora desde o principio, logo aoirromper a primeira reaco contra a invaso arabe. A condiod'estes desgraados no podia ser mais abjecta e miseravel. Possudo at pelos seus correligionarios livres, o escravo mouro, inteiramente similhante ao escravo romano, era uma coisa, e difficilmentealcanava a manumisso 4

    1 Souza, Historia de S. Domingos, P. 3. 8 liv. I cap. III.z Mcllo Freire, Institutiom's juris civilis lusitani, lib. rr, tit. r, vr, e nota..3 J. Yanoski, De l'auolition de l'esclavage ancien au moyen ge, et de sa irans-

    formation en servitude de la glebe, chap. n in fine.4 Livro vermelho, nos Ineditos de historia portugueza, tomo m, paginas 470.

    -Elucidaria, pai. Carta d'alforria.- Ord. A.ff. Liv. rv tit. c:x1.-Esta legisla-

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    21s vezes, no furor da contenda, os proprios christos mosarabes t , s porque viviam entre inimigos sombra da proteco musulmana, eram postos em captiveiro. D'uma vez mais de mil mosa

    rabes foram conduzidos a Coimbra como escravos por Affonso Henriques, e s fora das severas reprehenses de S. Theotonio obtiveram a liberdade 2Os escravos mouros, como cousas cuja propriedade se transmittia por todas as frmas, encontram-se mencionados nos testamentos,ttulos de doao, e nos contratos de compra e venda, juntamentecom os irracionaes, objectos de vcstuario, moveis e alfaias:

    ~ O anno de 1141 Dordia Ramires doa ao mosteiro de Pendoradametade de seus bens, e wn rnowo dos da Slla aiao. Nos antigos documentos se chamava criao, no s aos rebanhos, ou fructos dequaesquer animaes, propriedades c fazendas, mas ainda aos escravos,que se reputavam como animaes, e fazenda de seus senhores 3.>>D. Toda doa mn casal Albergaria de Arn.a.rante, e wn mouropara servio da mesma em 1192 4.

    o:Em 1171 Thereza Soares faz remmcia da maior parte dos seusbens em beneficio de seu irmo D. Pelagio Romeu, o qual em agradecimento se obriga Ut contineam vos (vos mantenha) et darem vo-bis una maura, et in uno anno uno mantu" et in aliu una pele; et inaltero tma saia 5. L-se no codicillo de D. Affonso Henriques : Et mando manaste-rio Sanctm Orucis milli montbit. rnayores; et milli rnozmodis rninusdecem; et modiwm; et om.nes mauros meos, et eq_uos; et azemelas; q_uostempore obitus rnei habuero 6. D. Sancho r dispoem o seguinte no seu testamento: Eq_uos" etazimelas; et loricas; et tota arma; qum habeo; et sellas; etfrena; et mauros, et mauras Jubeo divid6re inte1 Fratres de Elbora et Alcazar 6, o mais antiga ainda se encontra confirmada nas Ordenaes llianuelinas,Liv. rv, tit. 82.1

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    22Pedro Gonalves doa em 1200 aos frades de Thomar metade de

    quanto tinha, com condio de que elles cuidassem de tudo, e tambem d ~ u r n a escrava, que o servia muito mal, deixando ao arbtriodelles darem-lhe outra melhor, ou venderem aquella moura para noperderem o seu preo t.

    c.D. Ousenda, e sua filha D. Froyle Pires fazem doao de seusbens, em 1227, ao mosteiro de Santa l\Iaria de l\Iacenaria, obrigando-se os monges a dar-lhes em quanto vivas tudo que tinham emFragilde, e na granja de Felgosela, e a cada uma seu alqueire deazeite, e um par de sapatos todos os annos; e a ambas doze pescadas, e seis queijos, e uma .sarracena, e pitana como a um mongeda communidade. E a D. Froyle dez ovelhas, c seis cabras, e umaboa junta de bois, e duas vaccas, e uma porca 2.

    Urraca Fernandes, fazendo testamento em 1254 a favor do mosteiro de Tarouca, dispoem: Et mando etiarn quantos saracenos etsaracenas habuero in morte rnea (excepto duas quas dabo filiabusme is de ordine 3J

    D. Thereza Pires lega em 1267 Salzeda quatro casaes, Etmando a mia rnuct) et unum 'l'ocinum) et meum maurum et vasum deplata) et meum lectum cum una coced1a) et duas chumaas) et unum fa-cei?ooJ et una colcha) et unum alfanbw 4

    As ordenaes affonsinas 5, dispondo o modo como as compras evendas se haviam de fazer por certo preo, dizem: Estabelecerom,e poserom por ley os antigos, que compilarom os direitos, em estaforma que se segue ... E vista per ns a dita ley, adendo e declarando em ella dizemos, que pero o preo da cousa comprada nom sepossa cometer ao comprador ou vendedor, pode-se porem cometer acousa comprada, se vendida a prazimento do comprador: assy comose o vendedor vendesse hum tonel de vinho) ou. d'azeite) ou hum servo,

    1 Viterbo Elucidario, pai. Veiza.2 Ibid. pai. Familiares.3 Ibid. pai. Casar.4 Ibid. pai. Alfanbar.

    A compilao]de leis, conhecida pelo nome de ordenaes affonsinas, mandada fazer por D. Joo 1, e continuada no curto reinado de seu filho D. Duarte,s se concluiu durante a r ~ g e n c i a do infante D. Pedro em 1446 sendo aindamenor D. Affonso v, de quem lhe veiu o nome. As fontes deste codigo, o maisantigo da Europa depois dos da idade media, so as leis promulgadas desdeo principio da monarchia ; os captulos das cortes celebradas desde o tempode D. Affonso IV ; o direito romano e canonico interpretados pelos glossadores

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    23ou, hua besta) e o comp1ador comp1asse essa cousa aprazendo-lhe dellaataa tempo certo etc i.

    Em outros logares d'aquelle Codigo encontram-se os escravosconsiderados na mesma cathegoria das aves, cavalgaduras, do po,e de outras cousas preciosas 2

    Os mouros eram levados aos mercados, e ali vendidos como osirracionaes, e como tudo que pode ser objecto de permutao. Comocousas pagavam portagem, dizimos, foro e outros tributos, apparecendo muitas vezes valendo menos para o fisco que os animaesde uso domestico :

    FORAL DE SANTAREM 3

    Pescadores dem dizima. Do cavalo ou da mua que venderem, oucomprarem homens de fora, de dez maravedins a suso (para cima)dcm hum maravedim; e de dez maravedins a juso (para baixo) demmeio maravedim. Da egoa venduda ou comprada, dem dois soldos,e da vaca hum soldo, e do asno e da asna hum soldo, e do mouroou da moura hwn soldo nwio maravedim etc.>>

    Quem cavalo vender ou comprar, on nwuro, fora de Santarem,hu ele comprar ou vender, y d ~ po1'fagem 4

    antigos; as concordatas de D. Diniz, D. Pedro I e D. Joo I; as leis das Par-tidas de Hespanha; os antigos costumes ou assentos da Chancellaria; e finalmente algumas determinaes particulares. Contemporaneo dos primeiros descobrimentos dos portuguezes no se referem as disposies d'elle escravidomoderna.

    1 Ord. Affons. Liv. rv, T. 35.2 Ibid. Liv. n, Tit. n, art. IV , e Liv. m, tit. 83 I .3 Ineditos da hist. port. tom IV, pag. 531.4 Portagem, ou portadigo, segundo a opinio de Viterbo, era o direito real

    que se pagava das fazendas e viveres que entravam e se vendiam nas cidades,villas, julgados ou coutos, que tinham jurisdico propria. No deve confundirse com passagem ou peagem: a portagem referia-se s cousas que se tra.ziam avender, e a passagem era paga pelos que atravessavam pela terra com algumas mercadorias, posto as no vendessem na praa. ((A portagem, diz o sr. A.Herculano a, era verdadeiramente o moderno imposto de barreira, e denominava-se assim, porque sendo as villas em regra muradas e fortificadas, se re-cebia nas portas da povoaio.>)

    a Hist. de Portugal, vol. IV, p a g . ~ 4 2 0 .

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    24Paadeiras dem por foro de 30 paes hum. 1\Iays as portagens e oforo, c a quinta dos 11wwos. etc.

    FORAL DE GRAVAO 1ceDe portagem .. De caballo quem vendiderint in azougue unumsolidum, de mulo lmum solidum. De asino sex dinarios. De carneirotres mealias, de porco duos dinarios. De mawo quem vendiderint in

    mercato 'ltnum solidum. De mauro qui se redimit decimam. De maumqz taliaverit (que se compozer) cmn suo domno deciman.) de cario devaca et de zevra duos dinarios.

    FOnAL DE BEJA 2

    s pescadores dem dizima .. De egua venduda ou comprada demdons soldos. E da vaca huu soldo. E do asno e da asna hnu soldo.Do mouro e da, mowa meyo maravedi. Da carrega do azeite, ou decoiros de boys, ou de zevras, ou de cervos dem meyo mara vedi. c\Portagees verdadeiramente, e foros, e quintas de nwwos.) e dosoutros, assy as paguem, assy como he de costume, eixete aquelascousas que som escritas, que eu a vos quito.

    FORAL DE CASTELLO BRANCO 3

    Portagem de cavalo qui vendiderint in azougue, unum solidum.De mawo qui vendide1int in mercado wwm solidum etc.

    Ainda no xvr seculo se encontra um documento que nos diz que,tendo sido isemptos os moradores d'Africa de pagarem dizna demouros e mouras, se accrescentou a merce dispensando-os tambemde pagarem dizima dos cavallos tomados igualmente em Africa 4

    Era frequente a fuga dos mouros, que saam de Portugal paraevitarem a escravido, e como no havia quem se dsse ao trabalho de os buscar, e muitas vezes eram protegidos de pessoas livres,ordenou D. Duarte que todos aquelles que achassem, ou podessem1 Ined. da Hist. port. tom. v, pag. 367.2 Ibid. pag. 456.3 Viterbo, Elucidaria, pai. P01tagem.4 Regimento dos vedores da Fazenda de 17 d'outubro de 1516, cap. ccxxxv.

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    25prender os fugitivos, recebessem de achadego) ou, como hoje clirinmos, d'alviaras, por cada mouro mil reaes brancos, podendo servir-se d'elles como seus captivos at que lhes fosse feito o pagamento t. D. Affonso v, confirmando esta lei, mandou comtudo quefosse observada a de D. Affonso rv, quando se tratasse de algumaoutra alimalia bruta que fosse achacla de vento) isto p e r d i d a ~ .

    A' similhana elo que snccedia antigamente, segundo o direito romano, O servo no podia ser testemunha, nem devia ser perguntado geralmente em feito algum 3

    O homem livre era responsavel pelos crimes commetticlos pelo escravo que andasse solto, c pelos prejuzos que causassem os animaes domesticos ; era porm indemnisado se o visinho lhe ferisse oumatasse o escravo. Em virtude d'uma das mais vulgares estipulaes dos Foraes, os criminosos, quando juravam no ter commetticlo o dclicto de qne eram accusados 1 livravam-se da pena correspondente; mas o jmamcnto do escravo no era acceito, e s lhe aproveitava o beneficio da lei, se o senhor jurava por elle:

    FORAL DE OZEZAR 4

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    26FORAL DA GUARDA 1

    E quem ferir mouro, ou moura com punho, ou a cabellos, ou acouces, peyte um maravedi; e se o ferir cum qual arma quer, peytedons maravedis, e se o matar peyteo a seo dono quallo fezer.

    Se mouro que ferir cristaho, e se o negar, iure con o dono domouro, que o non ferio nem messou, e saia da quella coomha(coima) 2 >>

    Todo mouro ou moura, que forto fezer, peyte um maravedi asuso, e iure seu dono cum dous vizinhos, e se nom puder iurar, peyteo forto per nosso foro.

    FORAL DE BEJA 3Costume h e, que os mouros enferrolhados, se furto fezerem, nom

    am por que morrer, nem por que se anoviar, mais seu dono devearrefazer o furto a seu dono do furto, e a justia azorrogar os mou'ros pela villa. >>

    O uso de escravos mouros estava de tal sorte generalisado que atos conventos de freiras os possuiam 4

    Nem s os mouros eram escravos, tambem o podiam ser christose judeos. O mouro que, estando em captiveiro se tornava christo,nem porisso recuperava a liberdade: s no era permittido ficar empoder d'outro mouro ou judeo; porque segundo direito divino e positivo o christo no podia ser captivado por qualquer infiel 5.

    Considerando D. Affonso v como poderia acontecer que algumjudeo comprasse um escravo mouro, que viesse a seguir a lei deChristo, ordenou que o judeo no perdesse o direito que tivesse sobre o escravo, e concedeu-lhe o espao de dois mezes para o vender apessoa que fosse christan. Se a venda no se effectuava dentro d'estepraso, o escravo era confiscado para a cora ((podendo o rei fazerd'elle o que fosse sua merc, assim como de cousa sua 6

    t Ineditos, tom. v, pag. 399.2 Coima era satisfao, multa ou pena, que se levava pela injustia, injuria,ou affronta commettida. Viterbo, Elucidaria.3 Ineditos, tom. v, pag. 456.4 Souza, Hist. de S. Dom.s Ord. Aff. Liv. v, tit. 113.6 Ibid. Liv. 1v, tit. 51.

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    27Segtmdo direito canonico o malfeitor que pelo seu crime mere

    cesse haver pena de morte, cortamento de membro, ou qualquer outra pena de sangue, gosava da immunidade da egreja quando n'ellase acoutasse; mas o escraYo, ainda que fosse christo, se fugisse aseu senhor para a egreja afim de se livrar do captiveiro, no gosavade immlmidade: devia ser tirado fora, e resistindo, podia logoali ser morto. Era menos protegido que os maiores criminosos judeos ou mouros livres: estes no podiam, em quanto infieis, gozarda immlmidade da egreja; porque ella no defendia aquelles queno viviam sob a sua lei, nem obedeciam a seus mandamentos; maspodiam livrar-se quando logo se quizessem tornar christos, e defeito se tornassem f de Christo antes de sarem da egreja 1

    Na Pennsula havia escravos da pena como os tinha havido noEgypto, na Grecia e em Roma. Aos clerigos que se aggravaram deque a justia secular prohibia, que se conhecesse no foro ecclesiastico do crime do judeo ou infiel que, tendo-se feito christo, depoisvoltava sua seita, respondeu D. Joo 1, que elle era o juiz em talcazo, segundo uma lei de D. Affonso ir; p o r q u e ~ s e fosse doutro modoos judeos e mouros ficariam escravos dos prelados, e no do rei aquem pertenciam 2 Com a mesma pena de escravido eram punidosos judeos que traziam armas sem ordem ou consentimento da communa 3, Os mouros e judeos, que se disfaravam em trajes de christo, eram logo por esse facto, sem outra sentena, feitos escravosda cora, a qual podia fazer d'elles merc a quem lhe aprouvesse,assim como de cousa propria; e nem por serem servos do rei deixavade se lhes fazer justia, se tivessem, debaixo d'aquelle disfarce, perpetrado falta por que a merecessem 4 No menos rigorosa era adisposio que fazia servos dos denunciantes aquelles que levassem armas, ferro, madeira ou outros objectos similhantes para terra demouros 5

    Ainda em tempo de D. Joo I I foram reduzidos a captiveiro osjudeos castelhanos que no sairam de Portugal dentro do termo quelhes havia sido limitado. Os menores de ambos os sexos foram ti-

    1 Ord. Aff. Liv. rr, tit. 8.:z Ibid. Liv. n, tit. 7, art. u.3 Ibid. Liv. n, tit. 75.-A ordenao manuelina ainda impunha, em certos casos, a pena de captiveiro aos christos novos. Liv. 1v1 tit. 82. 04 Ibid. Liv. v, tit. 26.5 Ibid. Liv. Iv, tit. 63.

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    m

    Os sarracenos foram completamente expulsos do territorio portuguez no xnr secnlo. A conquista do Algarve terminou-se em 1249ou 120, e pelo tratado de Badajoz de 1267 foram fL'\:ados os limites de Portugal; mas no cessou a luta com o islamismo, nem porconsequencia cessaram as causas da escravido na pennsula. Nos se perpetuava pela descendencia, porque em virtude do antigoprincipio s eram livres os que nasciam de ventre livre, mas tarobem por causa da guerra que continumos a sustentar, ou por impulso proprio no mar, ou em terra, alm dos nossas fronteiras, auxiliando os reis de Castella na destruio do inimigo commum.

    D. Diniz, o instituidor da nova Ordem de Christo, que substituiu a dos Cavalleiros do Templo, perseguiu constantemente os arabes com as suas naos. D. Affonso IV foi o aliado de D. Affonso vde Castella, e desempenhou brilhante papel na famosa batalha doSalado, onde os captivos avultaram entre os despojos.

    Para incitar os brios dos christos, e no deixar ociosas as suasarmas, bastava Granada, to apetecida, e que por tantos annos resistiu aos ataques dos hespanhoes. A guerra em que D. Fernandoandava empenhado com o rei de Granada absorvia-lhe de tal sorteas foras, que quando D. Henrique fue mandou pedir soccorro contra os inglezes, o soberano portuguez, apesar do bom desejo quepretendia mostrar, no poude offerecer ao de Castella mais que metade do numero de gals que eram precisas t. Gibraltar tomada aos

    1 Fern:lo Lopes, Chronica de D. Fernando.

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    30mouros por D. Fernando de Castella, perdida no tempo de seu filhoD. Affonso, e recuperada em 1462, viu dentro de seus muros o condeD. Duarte, e outros cavalleiros portuguezes t . Portanto, apezar donosso paiz estar libertado do jugo arabe, nunca os portuguezes deixaram mais ou menos de ver o rosto aos soldados sarracenos at epocade D. Joo I, em que a lucta se tornou to obstinada que fazia recordar os tempos da mais viva aggresso.

    Portugal, entalado entre o oceano e o territorio pertencente smonarchias de Leo e Castella, rompeu os estreitos limites que lhehaviam sido demarcados pelo azar das guerras, e, obedecendo ao impulso do rei popular, levou o seu exercito triumfante propria Africa,transferindo para alm mar os odios que dividiam as duas raas e asduas crenas antagonistas. Ceuta, recheada ainda d'aquellas mesmas armas, que foram instrumento da servido que por 800 annosopprimiu Hespanha , caiu em poder dos portuguezes, que d'alisaiam em continuadas correrias a talar os campos, roubar os gados,e captivar os habitantes.

    Quando o valoroso conde D. Pedro, capito de Ceuta, voltou aoreino, nove annos depois de conquistada a praa, trouxe escravos mouros entre o seu valioso espolio 3.De Ceuta passmos a Alcacer, Arzila e Tanger, e sempre os es

    cravos eram contados no numero dos objectos de maior preo tomados aos arabes. Calculou-se que no assalto de Arzila os captivos seriam 5:000 4. D'estes deu D. Affonso v alguns a sua piedosafilha, a infanta D. Joanna, a qual lhes concedeu carta de alforriaquando em 1475 tomou o habito de novia no convento de Jesus emAveiro 5Era vulgar entre os cavalleiros fazer dons dos captivos sarrace

    nos, por serem cousas de valor. Como exemplo da liberalidade doconde D. Duarte, refere Azurara 6, que elle em 5 annos dera muitos mouros e mouras, e passante de 120 cavallos. Ao alcaide de Me-

    1 Ruy de Pina e Azurara.2 Sousa, Historia de S. Domingos.3 ~ < A c h a m o s que trouxe a estes regnos muytas, e muy especiaes joyas, enom somente joyas, mas grande soma d'ouro, e de prata, e mouros, e outras

    cousas de grande valor, nas quaes alguns estimaram, que caberia valor de7.000 coroas.-Azurara, Chronica do conde D. Pedro. Liv. u, cap. n.4 Ruy de Pina, Chronica de D. Affonso v, cap. cLxv.5 Sousa, Historia de S. Domingos, P. n, cap. xv.G Chronica do conde D. Duarte.

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    31dina offereceu uma vez quatro mouros, e quatro mouras com seusfilhos recemnascidos; e porque o alcaide em agradecimento o presenteou com um bom cavallo, tornou o conde a mandar-lhe umamoa mui especial. J)Aos capites das fortalezas tinha el-rei feito merc do quinto detodas as cousas) que se ganhassem aos mouros t. Uma d'estas cousas eram os escravos apresados nas cavalgadas em que saiam coma sua gente a correr o campo. Na distribuio da presa nem sempre os capites ficavam de melhor partido, porque os pees, e atcavalleiros de elevada cathegoria, podendo, sonegavam os captivosque faziam, para no lhes darem o quinto. Outras vezes algunssarracenos conseguiam esconder-se nos mattos, e s eram recolhidosnas fortalezas se passados dias os encontravam, ou se elles constrangidos da fome se vinham entregar

    Cada almogaravia era a repetio das mesmas scenas de sanguee rapina. No eram batalhas que tivessem por fim decidir, em aco campal, da sorte definitiva d'uns ou outros contendores: erammeras correrias nas quaes se destruam as culturas dos campos, esaqueavam os haveres dos inimigos, e que tinham principalmente porfim roubar, e captivar a gente. Porventura a descripo d'um d'estes combates, extrahida d'entre as muitas narraes originaes dosescriptores coevos, dar melhor ida do que era uma almogaraviaem Africa.

    O conde de Vianna, D. Duarte de :Menezes, capito d'Alcacer,havia logrado fazer levantar o cerco que lhe pozera o exercito dorei de Fez; j inutilmente havia tres vezes investido Tanger para atomar de assalto, quando resolveu, com o auxilio de alguns caste-

    1 O quinto era um tributo real, que n'este caso passava a ser cobrado peloscapites em seu proveito.

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    32lhanos, e um pequeno soccorro que lhe envira o capito de Ceuta,entrar novamente em terra de mouros, pela honra e tambem peloproveito, que d'isso lhe proviria. Saiu de noite levando 125 de cavallo e 350 de p, e no seguinte dia, quarta feira ele trevas, antemanh caiu sobre uma aldeia de 300 visinhos, a qual por se acharproxima duas leguas de Tanger, e estar situada n'uma sena fragosa,se podia suppor bem defendida pela natureza. Bateram-se os christos com o valor costumado, e os sarracenos, que demasiadamenteconfiaram na superioridade da sua posio, em breve foram derrotados. No podendo so:ffrer os golpes elos nossos, voltavam-lhes ascostas: uns fugiam, e na queda iam deixando os membros despedaados pela rocha; outros, mais felizes, ali davam o ultimo alento.Os que no queriam seguir esta sorte, deixavam-se prender parasegmar as vidas: os maridos eram separados das mulheres, os filhosarrebatados aos paes. Alguns christos, que no entendiam seno noroubo, e se mettiam nas casas sem resguardo, foram mortos com igualfuror. A terra era povoada toda em redor, e como a gente das aldeiascomarcs andava alvoraada com a frequencia d'estas entradas, tinhapostas suas almenaras para darem aviso, e mutuamente se soccorrerem em caso de necessidade; receava por tanto o capito que lhe fossecortada a retirada; e por isso, logo que desbaratou a aldeia qne havia atacado, e que tinha feito uma presa sufficiente, mandou rClmira cavalgada, e dispoz que todos juntos e em boa ordem retrocedessem para Alcacer. No foi porm tanto a tempo que no se visseperseguido muito de perto pelo povo das outras aldeias, e pelo alcaide de Tanger, os quaes com muita gente de ca-vallo e de p lhedemoravam a marcha. Cobria a rectaguarda o capito da fortalezacom os seus cavalleiros mais estimados, indo a seu lado o Adail deCeuta, Loureno de Caceres, homem muito experimentado naa guerras d'Mrica. Os nossos levavam, alm de 355 captivos atados emcordas, mais de mil cabeas de gado grosso, 200 de gado pequeno,e muitos cavallos e jumentos. A multido dos contrarios era cada vezmaior, e como to grande despojo embaraava os christos, o condelimitava-se defeza, sem tentar vencer o inimigo. Quando eram maiores as difficuldades uma moura vell1a deitou-se no cho, recusando-se a andar por mais qne a ferissem. Quizeram-na deixar ir; maso Adail atalhou que tal no fizessem, porque se os mouros a vissem ir livre tomariam coragem; pelo que foi logo morta, e as outras, tomando medo, foram seguindo o seu caminho. Bradavam osprisioneiros a seus irmos, que lhes acudissem, e os no deixassem

    ~ .

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    33padecer em captiveiro; mas ficaram sem ecco as suas vozes dolorosas, o conde alcanou entrar salvo em Alcacer, e os infelizes foramaugmentar o numero dos escravos t.

    Em quanto por terra se praticavam e-stas, e muitas outras aces similhantes, nunca os navios portuguezes cessaram de fazerguerra aos sarracenos no mar, atacando-lhes os portos das costasde Hcspanha e Mrica; tomando-lhes as embarcaes, com o quelibertavam o commmcio do l\Iediterraneo; e enchendo as galsde mercadorias e e s c r a v o s ~ . A diviso da presa era regulada porlei :

    Ha de haver o almirante de todas as cousas que ganhar, e filharpor mar nas gals dos inimigos da f, ou dos inimigos dos nossosreinos, a quinta parte; e isto se no entenda nos cascos das gals,nem d'outros n a , ~ i o s , nem d'armas, nem apparelhos d'ellas, nem demouros de merc) porque estas sobreditas cousas so livremente nossas;pero quando o mouro lle merc ns quizermos tomar, devemol-o tomar pelo custo, que usado no nosso senhorio, que so cem librasde portuguezes 3 ; e do preo que ns dermos pelo dito mouro, haver o almirante a quinta parte 4

    A averso contra os sarracenos no foi modificada pelo tempo.Os descendentes dos antigos captivos, e os que se foram aprisionando nas guerras, permaneceram na escravido. Os mouros livres, que a principio tinham sido tratados com benevolencia, foram lanados fra do reino dois seculos antes de ser prohibida aescravido dos musulmanos. Os mouros livres foram expulsos dePortugal no xv seculo; mas s no XVII se ordenou, por alvarde 23 de maro de 1621, que ninguem tivesse mouros captivos emLisboa, e nos logares distantes da cidade vinte leguas em torno,bem como nos outros portos de mar 5 Por outro alvar de 1 dejunho de 16-!1, confirmando o disposto na ordenao, se prohibiunova:rnente que se tivessem escravos mouros, dos quaes havia

    1 ~ u r a r a , Cltronica do conde D. Pedro, cap. cxxvi.2 Idem, Chronica de Guin, cap. 2. 0 c 5. 0 - Ch.ronica de conde D. Pedro, cap.

    XLII, XLVI, XLIX, LIII, LV , LVIII e LXII.3 Um escravo escolhido podia chegar a valer 150 dobras.-Azurara, Chronica

    do conde D. Pedro, Liv. n, cap. xvi.4 Ord. Aff. Liv. I , tit. 5-!.

    Coll. de leis extr. e

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    34grande quantidade cm todas as cidades, villas e logarcs de Portugal 1.>>

    Quando luz da civilisao moderna consideramos as violenciasque se praticavam em Mrica, sem nos preoccuparmos com a indubitavel gloria militar, que de certo modo as attenna, e faz esquecer, somos levados pelos mais suaves sentimentos do corao a condemnar a politica d'aquelles tempos. justo porm que os fastos dahistoria sejam placidamente ponderados, julgando-os, no s pelosdictames da moral pura, mas tambem segundo as idas predominantes da epoca em que elles occorreram.

    N'aquelles seculos de lucta e extermnio, o antagonismo de religio e de raa provocava mutuamente as mais grosseiras paixes, abrutalidade dos instinctos, e a ferocidade dos combates. A ira, oodio, a vingana, a ambio tornavam n'um e n'ontro campo crueisaquelles valentes guerreiros- coraes creaclos para altas em prezas militares, mas incapazes ele esquecer as injurias reciprocas. Areligio que entre os catholicos era um grande elemento de progresso,o principal protector dos desvalidos, nada tinha que ver com os sectarios de l\fahomet, com os inimigos da cruz, com os infieis quetinham usurpado a patria. Se entre os christos que batalhavam noresto da Europa, a servido, como sabido, foi mais pesada nasfronteiras onde se feriam as batalhas, quanto menor no seria atendencia para a emancipao do homem em Hespanha, onde estiveram durante tantos seculos frente a frente duas crenas inimigas? As reprezalias eram inevitaveis, para no dizer cles-culpaveis: reduzamos a escravido os prisioneiros de guerra; masos sarracenos tinham feito o mesmo, e quando poderam haver smos o infante D. Fernando obrigaram-no em Fez a executar osmais vis e infamantes servios.

    A prolongao da guerra, o antagonismo de religio, e o naturalincitamento das paixes, mantinham pois em Hespanha o antigo direito da escravido, j esquecido n'outras naes.

    1 Andrade e Silva, Coll. de leg.

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    IV

    No foram estereis para o progresso da humanidade as guerrasque os portugnezes sustentaram em Africa. Ali se geraram, ou parafallm com maior exaco, ali amadureceram os agigantados projectos do infante D. Henrique.

    Dos cinco filhos cb illustre Filippa de Lencastre, D. Hemiqne no por certo o mais sympathico; mas sem duvida, por feliz concurso de circnmstancias, o mais afamado. sciencia de que eradotado reunia energia e tenacidade nunca desmentidas, e tal forade vontade, que as mais difficeis em prezas no o faziam acobardar.Foi e ser uma grande gloria nacional, e por isso o patriotismo,prejudicando a severidade ela historia, tem feito do celebre infantequasi nm semi-deus; comtudo estava longe da perfeio que lhe attribuem. D. Henrique, cuja imprudente ambio de gloria foi causado captiveiro de seu infeliz irmo, e porventura da morte do malogrado D. Duarte, mostrou-se duro c cruel, seno desleal, com oinfante D. Pedro, aqnellc excellcnte cavalleiro, cuja nobre existencia, e desastroso fim, nunca podero esquecer os espiritos generosos.:Mostram tambem muitos actos da sua vida que nem s o amor dagloria o movia: o d e s ~ j o exagerado de possuir riquezas chegou n'ellea merecer censura.

    Essas manchas, porm, no p6dem deslnzir o brilho elas grandesaces da sna vida memoravel. Aperseverana elo sabio principc devePortugal a invejada honra dos descobrimentos, que to c o n ~ i d c r a -velmente alargaram a esphera da actividade humana, c forosoreconhecer que a sciencia, c no o acaso, lhe serviu de guia n'essctrabalho collossal.

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    3()D. Henrique, desprezando as idas do vulgo que julgava a Africa

    inhabitavel, convencera-se pelas informaes dos arabcs, e acasopelo estudo dos antigos cscriptores, que ao norte e ao sul de Senegal, ento reputado como brao do famoso Nilo, havia povoaesque se occupavam no commercio, e sobre as qnaes poderia exercercom bom resultado a aco do christianismo; e que circumnavegando a Mrica chegaria a encontrar o caminho da India. Trespensamentos animavam a gro mestre da Ordem de Christo: levara guerra contra os musulmanos at onde fosse possvel chegar; estabelecer novas relaes de commercio com outros povos; e propagara religio catbolica.

    Durante doze annos os navegadores sados de Sagres por industria de D. Henrique tentaram em vo dobrar o Cabo Bojador; maselle nunca esmoreceu. Os homens do infante, como soldados da milcia de Christo, no se esqueciam de que um dos seus primeirosdeveres era combater por todas as formas o islamismo ; e por isso,quando voltavam ao reino, depois de terem diligenciado penetrarno mar teneb1oso, que se estendia alm do temvel Cabo, vinhampela costa da Berberia at ao estreito, entravam n'elle, iam aos portos de Granada, corriam pelo mar de levante, faziam entradas e saltos nas povoaes arabes, e traziam grossas presas de in:fieis, no scomo testemunho do feito, mas tambem como preo do officio 1

    Finalmente Gil Eannes dobra o Cabo Bojador pelos annos de1429 ou 1430, descobre-se o paiz dos a z e n e g u e s ~ e comeam a virpara reino muitos d'estes mouros captivos. Entre elles, como refere Azurara 2, havia alguns de razoada brancura, formosos e apostos, outros menos brancos que queriam sirnilhar pardos; outros tonegros como ethiopes.

    Estes mouros azenegues, que o infante recebia com grande satisfao, porque lhe traziam noticias do que elle ambicionava conhecer, logo que aprendiam a lngua, acceitavam sem grande di:fficuldade as aguas do baptismo, e por esta raso eram tratados commuita mais caridade qne os outros. Depressa se afaziam aos costumes da terra, no tentavam fugir, eram bons e leaes servidores, ccontinentes. Os senhores, por sua parte, consideravam-nos como livres; aos menores mandavam ensinar officios, e se os viam dispostos para governar fazenda davam-lhes carta de alforria, e casavam-

    1 Azurara, Chron. ele Guin, cap. v iu . - Barros, Dec. I , Liv. I , cap. u c rv.2 Ch1on. de Guin, cap. xxv.

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    nos com mulheres portuguezas, fazendo-lhes valiosas doaes. Algumas viuvas honradas que compravam (l'estas mouras, umas asrecebiam por filhas, a outras legaYam seus bens, outorgando-lhes aliberdade, e promovendo-lhes bons casamentos. Nunca traziam ferros como os outros escravos, e os que se faziam christos ainda erammais docemente tratados. De um se refere que chegou a ser religioso de S. Domingos 1

    O mesmo esprito que animara os guerreiros da primeira epocada monarchia nos fossados e algaras que faziam no territorio musnlmano, e que depois guira os heroes de Ceuta, Alcacer e Tanger nas cavalgadas e almogaravias contra os antigos inimigos, conduzia agora no s a. peonngem, mas at os escudeiros, e os maisdistinctos cavalleiros de Portugal, e de outras naes, a fazeremsaltos e entradas nos portos d'Africa para tomarem captivos. Era omesmo odio rancoroso, o mesmo desejo de fazer reprezalias, quedepois ss, sem amdlio de qualquer outra nao, nos levou a combater os arabes na Asia, no ultimo oriente, nas l\Iolucas. Os descobrimentos dos portuguezes, que mudaram a face da Europa, forampreparados pelas guerras com os arabes, e pelo piedozo desejo de o ~submetter))

    Por muito grande que fosse o proveito material que effectivamentese auferia do captiveiro dos mouros, e a satisfao que produzia estecontinuado triumphar sobre os adversarios, justo reconhecer queo sentimento religiozo dominava todos os outros. O mais antigochronista dos feitos, que vamos relembrando, registou que de 927almas que vieram at 1448, em que D. Affonso v saiu da tutellade seu tio, a maior parte foram tornados ao verdadeiro caminho dasalvaon 3.

    Quando se receberam no reino os primeiros escravos azenegnes,o infante mandou a Roma como embaixador Ferno Lopes d'Azevedo. O papa concedeu perdo dos peccados a todos os christosque morressem na guerra que D. Henrique estava movendo contraaquelles mouros ; l\Iartinho v concedeu-lhe o senhorio das terras quedescobrisse at India, e os seus successores Eugenio rv, Nicolau ve Sixto IV confirmaram a concesso 4 Reinando D. Duarte veiu a

    1 Azurara. Chron. de Guin, cap. xxiv e xxvi.2 Herder, Jdas sobre a philosophia da hist. da humanidade, liv. xu, cap. v.3 Azurara, Chron. de Guin, cap. xcn.4 Ibid., cap. xv . - Ruy de Pina, Cltron. de D. Aff'on.

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    Portugal, cm 1436, o legado do papa .r.ugenio trazer a bulia cbcruzada contra os inficis 1 A o ~ capites c1ue iam a o ~ descobrimentos entregava o infante a bandeira da cruzada, com juramento deque ellcs nunca a largariam at morrer, obrigando-se a defendei-a at ao ultimo instante, c com clla nas mos r..tacaYam as povoaes, e captivaYam os musulmanos 2.

    Finalmente os navegadores descobrem o Senegal, ultimo limite dopredomnio arabc, e entram em terra dos negros jalofos. Antes cl'essetempo j os nossos tinham no rio do Oiro e nas ilhas de Arguim assentado trato mercantil com os mouros azenegucs, e por seu intermedio haviam comprado oiro e escravos negros a troco de fazendas. }.luitos cl'estes eram dados em resgate elos mouros captivos.

    Homens que andavam empenhados em tacs expedies no seriam difficeis em deixar tentar-se pela cubia de captivar tamhemos negros, visto como esse era o seu principal mister, e porque todos desejavam satisfazer ao infante que pretendia haver directamente dos habitantes das terras que se iam descobrindo informaes do Preste Joo. 1\Ias desde que se descobriu terra de negros,D. Henrique sempre recommendou aos seus capites que no rompessem guerra com os moradores seno mui forados, e depois delhes fazer suas admoestaes, c requerimentos de paz e amisade. Osqne no cumpriam as ordens do infante, arriscavam-se a perder avida; porque os jalofos vendiam mais cara a liberdade do que osazencgues. L succumbiu ~ t m o Tristo; Gonalo de Cintra, morrendo, legou o seu nome a um golfo 3.Desde 1448 cessaram os assaltos de guerra, que havia no principio, por frma que em 1461 o negocio fazia-se pacificamente, concorrendo muitos povos do serto ao commercio de nossas mercadorias. O principal objecto das permutaes eram os escravos negros 4

    O commercio cl'Africa tomou grande incremento em tempo de D.Joo n, o qual abriu relaes com os regulas mais poderozos, chegando a enviar mensageiros aos prncipes de )Iandinga, rei dos Fulos, e ao de Tombuctu 5 no interior do continente. J no era s porintermedio dos arabes que vinham escravos a Portugal, os propriosafricanos nol-os vendiam. Em 1487 Bemoim, rei do Senegal, man-

    1 Rny de Pina, Clzron. de D. Duarte.2 Azurara, Chron. de Guin, cap. LV.3 Ibid., cap. xxvu.-Barros, Dec. 1, Liv. 1, cap. nv.4 Ibid., cap. xcVI.-Ibid., Liv. n, cap. n.5 Barros, Dec. r, Liv. rn, cap. 1 c xu.

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    dou quelle monarcha de presente cem escravos, e outras coisas devalor 1Xo devemos comtudo occultar factos que a historia registou, eque em qualquer epoca, at n'aquella, ho de ser forosamente reputados dignos de censura. Taes foram as violcncias feitas aos haLitantes das Canarias. Gil Eannes, o mesmo que pela primeira vezdobrou o Cabo Bojador, trolL"\:e captivos d'aqucllas ilhas; outros selhe seguiram, c algumas vezes procuravam supprir a pouca fortuna.com que tinham diligenciado alcanar prezas em Mrica, fazendocorrerias em Palma, Gomeira e outras ilhas, recorrendo em maisd'uma occasio a meios illicitos, pelo que os reis de Castella tiveram de queixar-se. certo que D. Henrique reprovou alguns d'esses factos, e procurou indemnisar as victimas, de maneira que voltassem satisfeitas para a patria; mas no podemos a:ffirmar quefizesse tudo quanto cumpria para evitar to reprehensiveis abuzos 2

    ~ I a s se ter companheiros na culpa pcle ser modo de defeza, consolemo-nos porque o exemplo j tinha sido dado pelo francez, ou antespelo normando Joo de Bettencourt, o qual trouxe das Canariasmuitos captivos que vendeu em Hespanha, Portugal e Frana 3Resumindo, podemos deixar ficar por assentado que tres castas dehomens da raa negra vieram a Portugal em navios portuguezes,desde a tomada de Ceuta at epoca de D. Jvo n :

    1. 0 l\Iouros azenegues tomados em acto de guerra, em virtude domesmo esprito de reprezalias, que incitava os portuguezes contraos arabes ; mas tratados mais humanamente por se submetterem comfacilidade ao jugo da egreja.2. 0 Negros gentios captivados por excesso dos capites, os quaesD. Henrique estimava receber porque lhe davam informaes directas das terras cnjo descobrimento o preoccnpava; mas que elleprohibiu que continuassem a ser violentados.3. 0 Negros gentios, escravisados em Africa pelos arabes, ou pelos proprios naturaes, e por elles vendidos ou dados de presente.

    1 Barros, Dec. r, Liv. m, cap. VI. -Ruy de Pina, Chron. de D. Joo n, cap.XXXII.

    2 Barros e Azurara.3 R. H. )lajor, The life oj Prince HennJ of Portugal, cap. xr.

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    O Cardeal Saraiva no Indice Ckronologico das navegaes dos por-tuguezes, narrando qne: Anto Gonalves voltou a Africa no armoele 1442 para trazer o ouro e os negros de Guin que alguns mou-ros tinham promcttido em seu resgate, accrescenton: Este (dizemos nossos cscriptores) foi o primeiro ouro que veiu d'aquellas par-tes, assim como os negros foram os primeiros escravos, que da costaoccidental de Africa vieram a Portugal.)) Nunca passou pela mentedo erudito beneelictino, que as suas expresses seriam interpetradasde modo que se podesse attribuir aos portuguezes o restabelecimentoda escravido na Europa, e a prioridade sobre os outros povos notrafico elos escravos. Estava to convencido do contrario que em1829, para combater a opinio d'nm estrangeiro, escreveu uma dis-sertao na qual provou t :

    1. 0 Que o trafico dos negros no remonta aos princpios do se-culo XVI; mas muito mais antigo.))

    2. 0 Que a sua origem no ele inveno portugucza, nem denenhuma nao moderna.))

    3.0 Que a origem do trafico de homens vem da mais alta anti-guidade, a que a historia pode subir.))

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    Os negros de Anto Goncalves seriam os primeiros que vieramda costa occidental d'Africa a Portugal por mar em navios porlu-guezes; mas no foram os primeiros escravos africanos que entra-ram na Europa, como tero muitos julgado erradamente.A Ethiopia, no tempo de Herodoto, assim como nos nossos dias,enviava ao Egypto ouro, marfim e escravos. Os negros eram osescravos ele l l L ~ O no Egypto, que os vendia aos gregos. Roma quetirava escravos ele todas as partes elo mundo tambem os tinha afri-canos 1 Deviam portanto ser vulgares na pennsula antes da in-vaso dos barbaros. Que os havia no tempo do dominio arabe in-duLitavel. Na epocha das cruzadas o uso dos escravos negros estavamuito espalhado pela Europa, e foi moda entre os grandes senhoresque se entregavam quellas aventurosas expedies

    No foi portanto, como reflecte com excellente fundamento umautor francez 3, o descobrimento da America, e a necessidade de cul-tivar as suas terras, que motivaram o trafico de escravos africanos. 1

    Na idade media, e na epoca dos nossos descobrimentos, os arabessustentavam um commercio immenso. No s todas as riquezas doOnente eram trazidas nos seus navios ao golfo pe rsico e arabico;mas tambem as mercadorias d'Africa, atravessando o Sahara, eramtransportadas s cidades do Mediterraneo, para d'ali passarem a !ta-lia, e ao resto da Europa. Entre estas mercadorias avultavam osescravos negros. J em tempo do infante D. Henrique vemos queos mercadores de Castella iam a Messa, e a outros portos do imperiode :Marrocos, a traficar em escravos 4

    Quando chegmos costa occidental d'Mrica encontrmos os ne-gros constitudos em sociedades imperfeitas, como elles ainda hojeesto, tendo a escravido como fundamento das suas instituies, eo commmcio de escravos inteiramente organisado, e feito por inter-medio dos arabes. Estas verdades historicas, que no devem serignoradas, encontram plena confirmao nos autores que escreveramdos nossos descobrimentos. No resistimos ao desejo de citar o tes-temunho d'um dos mais autorisados, o qual nos ensina como os ber-beres faziam o trafico nos portos do l\Iediterraneo.

    Em 1445 ficou entre os mouros no Rio do Ouro Joo Fernandes,1 H. Wallon, Hist. de l'esclavage dans l'antiquit, tom. r, eap. 1 e v, tom. u,cap. 111.2 .i\Iajor, Tlle Life of Prince Henry, cap. )[I .3 Granier de Cassagnac, Voyage aux Antilles, tom. n, cap. xvr."' Azurara, Chron. de Guin, cap. XVII c xcm.

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    homem de extremado valor que, tendo estado captivo na. Manritania,onde aprendeu o arabe e provavelmente o berbere, se offereceu a irexplorar o interior d'Africa. Demorou-se entre os naturaes por espao de sete mezes. Azurara, dando conhecimento das informaesprestadas pelo audaz viajante, refere o seguinte:

    Dura esta terra desde Tagaoz at terra dos negros, c vai cerrarcom o mar 1\'Iediterraneo, no cabo do reino de Tunis, a 1\Iomdebarque. E dali vai toda terra, tal como esta de que tenho dito, desdeo mar 1\Iediterraneo at os negros, e at Alexandria, a qual todapovoada de pastores. Todos so da seita de 1\Iafamede, e so chamados alarves e azenegues e barbaros. Estes guerream com os negros mais per fmto que per fora, porque no tem tamanho podercomo elles. E vem a sua terra alguns mouros, e vendem-lhe d'aquelles negros que assi ham per fm,to, ou, os levam elles a vender a llfom-deba'rque) que alent do reino de Tunis) aos mercadores christos queali v!1o) e damnos por troco de po) e dout1'as algumas cousas) comoagora fazem no rio do Ouro, segundo adiante ser contado. E diz-seque na terra dos negros ha um outro reino, que se chama de l\lelli;mas isto no certo, porque elles trazem d'aquellc reino os negros,

    Ie os vendem como os outros, no que se mostra que se fossem mouros,que os no venderiam assim. E diz aquelle Joo Fernandes que temcaptivos negros, e os honrados abasto d'ouro, que trazem d'aquellaterra donde os negros vivem. E diz que as cousas de que em aquellaterra podem haver proveito os que vivem de mercadoria, tratandocom elles que so aquelles negros, de que elles tem muitos que furtam, e ouro que ham da terra daquelles, e coirama e lan & 1

    Da malagueta, um dos generos que juntamente com os escravosconstitua o commercio dos arabes no 1\'Iediterraneo, escreve Barros:

    A malagueta de Guin, da qual alguma que em Italia se havia,antes d'este descobrimento, era per mos dos mouros destas partesde Guin, que atravessavam a grande regio de 1\Iandinga, e osdesertos da Lybia7 a que elles chamam ahar, t a portarem em omar Mediterraneo cm um porto por elles chamado 1\Iundi barca, ecorruptamente 1\Ionte da Barca.

    1 Chron. de Guin, cap. LXXVII e LXXVIII.2 Dec. 1, Liv. n, cap. n.

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    Parece-nos que no ser temerario snppor que, alm da circmn:;tancia muito attendivel de termos encontrado na costa occidentald'Africa a escravido e o trafico dos negros como cousas conhecidas c usadas de longa data, e consoantes aos costumes d'aquellespovos, tambem concorreu muito para a instituio se fixar e desenvolver no meio dia da Europa, nos :xv e :XVI seculos, a universalinfluencia que sobre os espritos exerciam ento as letras gregas elatinas, e a jmisprudencia romana.

    A escola de jurisprndencia romana, :: qual concorriam discpulosidos de todas as partes da Emopa, comeou a estabelecer-se emBolonha nos princpios d o ~ scculo. Suppoem l\Iello Freire queas primeiras noes do direito justiniano entraram em Portugal depois que no tempo de Affonso I I foi mandado a Roma o jurisconsulto Leonardo, e mais tarde quando foi nomeado D. Gomes, doutorde direito civil, para juiz na causa entre o rei e o mestre de S.Thiago. Depois de D. Affonso III mandou-se ensinar na Universidade, c generalisou-se completamente. O direito romano constituaa principal base das leis elas partidas de Castella, mandadas traduzir por D. Diniz, as qnaes depois foram a mais abundante fonte danossa legislao posterior 1

    Como prova da influencia das doutrinas mais vulgares dos tempos da civilisao antiga, bastar lembrar que a auctoridade deAristoteles era tamanha sobre os portuguezes no XV secnlo que atos procuradores dos povos nas crtes de 1481 citaram as suas obrasde politica 2.

    Debaixo do imperio cl'estas idas, no seria muito para extranharque os europeus considerassem naturalmente como licita a escravido africana, que se apresentava satisfazendo a todas as condies e preceitos do direito positivo. Do mesmo modo a considerou aEgreja, que sempre entendeu que era permittida a escravido denascimento.

    A incontestavel inferioridade moral da raa negra deve egualmente ter concorrido para o desenvolvimento da escravido na Eu-ropa primeiro, e depois na America.

    A Mrica parece repellir a civilisao: o individuo pde excepcio-1 l\Iello Freire e Coelho da Rocha.Um dos documentos que acompanha o 3.0 concilio de Goa (1585) no Bul-

    larium do V. de Paiva Manso, a lei do imperador Justiniano que prohibia.que judeu, gentio ou herege tivesse escravos christos.

    2 V. de Santarem, llfemorias sobre as crtes, tom. n, pag. 186.

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    nalmente transformar-se pela educao; mas a raa permanece embrutecida. Como observou um distincto jurisconsulto t , qualquerque tenha sido a causa determinante do estado de inercia, ouimmobilidade intellectual em que estes povos foram achados, certoque elles no poderam elevar-se ao culto externo da divindade,nem ao conhecimento da escripta. Os pretos- referimo-nos principalmente s variedades da raa de que so typos os negros dOCongo, e o cafre- crem na immortalidade da alma, sacrificam aosseus cazumbis e muzimos, tem notavel venerao pelas s e p u l t u r a s ~ ;mas, se possuem alguma noo da existencia de um ente supremo,no lhe rendem culto; porque toda a religio se resume n'clles emgrosseiras, e muitas vezes crueis, praticas de feiticeiria. Os mesmoshorrores de Dahom, que tem espantado os viajantes modernos, jos haviam encontrado os nossos em Cassange e no ~ I m a v e , naAfrica central.

    Teve o Oriente um S. Francisco Xavier, e o Brasil um Jos deAnchieta e um ~ I a n u e l da Nobrega; mas em Mrica os maiores esforos dos missionarios foram infructiferos. Lem-se as chronicasdas religies que mandaram os seus obreiros catechese dos pretos, e em todas ellas se encontra egual desalento. O mesmo enthusiasmo em pedir e receber os padres, e honrai-os ; a mesma vehemencia em sollicitar e acceitar a agua do baptismo ; o mesmo respeito e venerao pelo culto externo ; o mesmo desprezo da moralchrist; sempre a mesma polygamia, gula e preguia. Nem jesutas, nem dominicos, nem outras ordens, levantaram edificio que perseverasse. A misso do Congo foi uma das mais brilhantes : no principio do XVII seculo a S tinha doze conegos e dignidades, e os reispagavam os curas que havia pelo reino ; mas os pretos

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    45em comer e beber at perder o juizo 1 Aos frades de S. Domingos seguiram-se os capuchos italianos, que entraram no Congo cm1645, e de tantas diligencias resta na chamada cidade de S. Salvador um miseravel sobado onde, de tudo quanto existia antigamente, s se encontram algumas paredes derrocadas, e os mesmosvcios. E assim por toda a parte.

    O preto naturalmente indolente, no tem brios que o estimulem, escravisa a mulher que exerce as pequenas industrias, s asnecessarias para viver, e incapaz de sentir as aspiraes do homem branco. O negro livre-jumento na brutalidade dos costumes,como lhe chamou o padre Francisco de Sonsa 2 - procura a florestapara comer os fructos das arvores ao p das quaes se deitar dedia para danar noite.

    A Africa por essencia a terra da escravido. O preto escravopor nascimento; ou pde cair em escravido pela fora das armas ;em conseqnencia de algum delicto, como adulterio, f1uto, feiticciria;ou cm virtude da miseria, como tem snccedido por occasio de grandes fomes, em que elle proprio se offerece ao captiveiro. Entre ogentio de Angola dizer que o soba morreu antes de se publicarofficialmente a sua morte, crime que tem pena de escravido.A feiticeiria, to frequente entre os povos africanos, castiga-seno s com a morte affrontosa do criminoso, mas tambem com a escravido de todos os seus parentes. Promulgmos uma lei que aboliu a escravido no Ambriz, e no Congo, ninguem deu por ella:continua a haver escravos como sempre houve, e no consta. quenem um s preto do territorio para o qual legislmos, mas onde seno sente a aco das leis portuguezas, viesse refugiar-se sombrada proteco das nossas auctoridades, nos locaes em que as temos,para evitar o captiveiro entre os seus ! No vem, porque o pretono tem o sentimento da dignidade humana ; no aspira a possuiro direito de cidade; e s prete:r:de que o deixem jazer no ocio. Entre elles vale mais ser escravo a donnir, que homem livre a trabalhar.

    O preto hoje o mesmo que era ha seculos. Em 1610 marchavam para o Congo alg1ms missionarias da ordem de S. Domingos,e Os negros carregadores como se viram longe de quem lhes podesse fazer fora, de criados fizeram-se senhores, e senhores insof-

    1 Sousa, Historia de S. Domingos, P. n, liv. vr, cap. x.2 Oriente Conq.

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    46frivcis : jc. se ausentavam, c deixavam os padres ss; j se sentavam sem quererem dar passo adiante; surdos a rogos, a mimos, apromessas. 1 Digam os que tem tido a desventura de viajar cmAfrica, se isto no a dcscripo exacta do que hoje succcdc comos pretos quer sejam livres, apenas ligados por ajuste particular,quer sejam obrigados a servio mais ou menos forado.

    Factos identicos se observam em outras colonias, como por exemplo cm Serra Leoa onde, apesar do muito que os inglezes tem feito,o trabalho agricola considerado desprcsiYcl, e quando muito propriode escravos e das mulheres. Os indgenas moos que aprenderama lr e a escrever, de ordinario reputam aqnella occupao por indigna d'elles

    Prohibiu-se o trafico de escravatura, aboliu-se a escravido nascolonias europeas, e o commercio dos negros nunca foi mais horrvel do que est sendo actualmente na Africa central. O governo inglez, tirando pretexto da escravido africana para lanar sobre aAfrica uma extensa rede em proveito exclusivo do seu commercio,e da sua politica absorvente, tem gasto sommas avultaclissimas emcruzeiros para realisar a extinco elo trafico; mas os arabes, transformando o escravo em vehiculo ele si proprio, jm1tam grandescomboios ele negros, que levam por terra atravez elo continente,percorrendo enormes distancias, ao Egypto, e d'ali Persia, e a:l\Iascate. Pelo caminho vo deixando os que, extenuados de fomee cansao, no podem vencer as immensas clifficuldades da marcha.

    Alm de outras causas ha uma, poderosa, para perpetuar a escravido nos sertes de Africa : a fraquissima densidade da populao. A ab1mdancia da terra gera a ociosidade : quando o territorio apenas sufficiente para ministrar a alimenta?to dos habitantes, o homem naturahnente fixa-se no solo; foi o que succedcu naChina, onde a escravido entrou pouco nos costumes ; e o que seobservou nas monarchias neo-gothicas, em que o accrescimo da populao, e o maior valor das t e r r a ~ tenderam, como demonstrou osr. A. Herculano, a alterar os caracteres ela servido.

    Alguns negrophilos, m a i ~ dominados pelo sentimentalismo que pelaraso, tem tido a ingenuidade de pensar que o preto em Africa eralivre, vivendo n'aquella innocencia fabulacla pelos poetas, e que osbrancos foram l arrancai-os patria, famlia e independencia,

    1 Sousa, Historia de S. Domingos, P. n, liv. vr, cap. nu .2 Ed. Fraissinet, La colonie de Sierre Lonne.

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    47Rssaltando-lhes as povoaes. Pelo contrario, os mais empenhados notrafico da escrtwatnra sno, e foram sempre, os proprios chefes indgenas, que d'elle tiram os seus melhores lucros, desfazendo-se aomesmo tempo por este meio dos criminosos, e prisioneiros de guerra.Pde a Europa promulgar que leis quizer a favor dos africanos: aescravido continuar a existir n'aquelle Yasto continente, e continuar a ser, como nos povos antigos, a base da sociedade, reconhecida, e acceita sem rcluctancia, pelos mesmos opprimiclos.

    Sendo este ainda hoje o estado ela civilisao nas tribus d'Africa,que philantropia poderia rasoavclmente prohibir- n'uma epoca emque a escravido era considerada compatvel com o direito positivoque se comprassem os pretos que eram offereciclos venda, e que cmpoder das naes enropeas v i ~ h a m effectivamente receber o baptismoda igreja e da civilisaito? ccE menos condemnavel o facto dos pretos serem admittidos aos beneficios do christianismo e da civilisao,embora sejam miseraveis as condies da escravido, do que a vendade christos para serem e s c r a v i s ~ d o s no oriente, e com tudo aindanos XIII e XIV seculos os arabes compravam christos na Hungria 1 Portugal, Hespanha, c as outras naes que se lhes seguiram,acharam a escravido em Africa constituindo o nmdamento dasociedade, e os escravos offerecidos venda como mercadoria.Depois dos nossos descobrimentos, compraram-nos directamente nosportos onde o commercio se podia effectuar, e transportaram-nos emnavios de christos, em logar de os comprar por intermedio dos arabes, que desde longas eras os conduziam por terra. Os inglezes, maispositivos, quando os hottentotes se oppunham ao desenvolvimento dacivilisao europea na sua colonia do Cabo da Boa Esperana, fizeram outra cousa-exterminaram-nos 2,

    Quando se tratou de explorar a'3 riquezas do novo mundo com otrabalho forado dos a f r i c a n o s ~ todas as naes europeas peccaram,

    1 H. Major, Tlte Life of Prince I lenry, cap. XI.2 No sabemos o que ser mais reprehensivel, se ter aproveitado a escravido dos negros no XVI seculo, se impor no XIX China o commercio do opio:((Tel est le mal qui ronge et qui dmoralise la Chine, et que lui cause sans

    scrupule l'humanitairc Angleterre, si vigilante et si susceptible Iorsqu'il s'agitde n ~ g r o p h i l i e . L'on ne peut passer \Voosung et voir ces grands receiving-ships, coulant bas d'opium, et hrisss de canons, sans une secrctc indignation. C'est le droit de la force, c'cst le triomphe du lucre sans pudcur, sansprncipe!,

    l\Ir. Aloges, Voyage en Chine, no Tour du l.fonde, tom. 1, pag. 159.

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    4.8e nenhuma tem direito de atirar a primeira pedra 1 ; mas Portugal ufana-se de haver sido a que sempre tratou com maior humanidade os indivduos das raas inferiores submettidas ao seu poder.Poderamos provai-o, se no nos limitassemos n'este trabalho a e