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JAMILE DE BRITO LIMA OS “CABULAS” DE SALVADOR: CONFRONTANDO AS DELIMITAÇÕES DE 1992 E DE 2010

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JAMILE DE BRITO LIMA

OS “CABULAS” DE SALVADOR:

CONFRONTANDO AS DELIMITAÇÕES DE

1992 E DE 2010

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

CURSO DE BACHARELADO EM URBANISMO

JAMILE DE BRITO LIMA

OS “CABULAS” DE SALVADOR: CONFRONTANDO AS

DELIMITAÇÕES DE 1992 E DE 2010

Salvador

2010

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JAMILE DE BRITO LIMA

Os “Cabulas” de Salvador: confrontando as delimitações de 1992 e de 2010

Monografia apresentada como requisito

final de avaliação para concessão de

grau em Bacharel em Urbanismo pela

Universidade do Estado da Bahia, sob

orientação da professora Dra. Rosali

Braga Fernandes.

Salvador

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA : Sistema de Bibliotecas da UNEB

Lima, Jamile de Brito Os “Cabulas” de Salvador : confrontando as delimitações de 1992 e de 2010 / Jamile de Brito Lima . – Salvador, 2010. 70f. Orientadora: Profª Drª. Rosali Braga Fernandes . Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Exatas e da Terra. Colegiado de Urbanismo. Campus I. 2010. Contém referências, apêdice e anexo. 1.Cabula(Salvador,BA) - História. 2. Salvador(BA) - Geografia - História. 3. Urbanização - Salvador(BA) - História. I. Fernandes, Rosali Braga. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Exatas e da Terra. CDD: 981.42

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

CURSO DE BACHARELADO EM URBANISMO

JAMILE DE BRITO LIMA

Os “Cabulas” de Salvador: confrontando as delimitações de 1992 e de 2010

Monografia para concessão de grau de Bacharel em Urbanismo.

Salvador, _____ de __________________ de 2010.

Banca Examinadora:

Ana Clara Sousa e Silva _____________________________________________

Mestre em Planejamento Urbano e Regional

Universidade do Estado da Bahia

Plínio Martins Falcão ________________________________________________

Mestre em Arquitetura e Urbanismo

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia - IFBA

Rosali Braga Fernandes _____________________________________________

Doutora em Geografia Humana

Universidade do Estado da Bahia

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A todos aqueles que se dedicam ao

desenvolvimento do ensino público

de qualidade e que lutam por uma

sociedade mais justa e igualitária.

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Agradecimentos

Dentre todas as pessoas que participaram da minha formação devo um

agradecimento especial aos meus pais Maria Aparecida e Antonio. Eles foram os

primeiros a acreditarem no meu potencial mesmo quando os meus talentos se

resumiam a gracinhas infantis e palavras balbuciadas com dificuldade que

produziam gargalhadas.

Agradeço a minha irmã Juliane e minha prima Lorena pelos momentos em que

compartilharam das minhas dificuldades e compreenderam os meus problemas.

Uma lembrança terna e carinhosa tenho do apoio dado pelos meus padrinhos

Hilda e Zacarias. Não me esquecerei dos recortes de jornal nem das inúmeras

dicas.

Um agradecimento especial devo à minha banca examinadora pela atenção

dispensada ao meu trabalho e em especial ao professor Plínio pela dicas

antecipadas.

À minha orientadora agradecer seria pouco para demonstrar a minha gratidão e

admiração pelo seu trabalho. Não me canso de dizer que ela é uma pessoa

extremamente generosa, um exemplo de profissional a ser seguido em quem eu

me espelho.

Outros professores também foram fundamentais para a minha caminhada na

universidade. Ao professor Juan agradeço pelo comprometimento e pela

dedicação, não só como docente mas como coordenador do curso.

Uma lembrança especial terei do professor Angelo, professor responsável e

pesquisador exigente. Sem a experiência que obtive no Grupo Territórios seria

muito mais difícil a construção deste trabalho.

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A todos os funcionários da UNEB, eu devo um agradecimento especial, porém

dentre eles um se destaca: Edmilson, o famoso Ed. Sempre pronto a socorrer nos

momentos mais críticos.

Aos amigos que fiz neste período eu agradeço pelos ensinamentos que me

proporcionaram. Algumas pessoas eu não posso deixar de citar: Rivelle, João e

Leo, por me apresentarem o Centro Acadêmico por me permitirem lutar em prol

de algo maior.

A Patrício e Rodrigo não só por compartilhar conhecimentos na iniciação

científica, mas por momentos de descontração e companheirismo.

A veteranas como Gláucia, Márcia e Karina, devo a vontade de alçar voos mais

altos dentro da universidade. Muito obrigada por me permitir construir a

Urbanístika com vocês, por me inserir no mundo das Semanas de Urbanismo e

pelo afeto e amizade construídos.

A John, meu companheiro de tantas horas, vários trabalhos juntos. É o cara dos

seminários, das especializações, e dos currículos Lattes. Um amigo que levarei

pra sempre.

Por último, mas, com certeza, não menos importantes agradeço ao apoio, às

risadas, às lágrimas, às madrugadas em claro, aos passeios, aos mutirões

monográficos nessa etapa final, enfim a tudo que considero importante para a

construção de uma amizade sólida e verdadeira. Agradeço a Minie e Lia pelos

momentos que vivemos juntas e que com certeza irão além dos tempos da

graduação.

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RESUMO

O presente trabalho tem o intuito de investigar a importância da delimitação de bairros no contexto da cidade de Salvador, em especial como esse processo afeta a região do Cabula, foco deste estudo. A partir de uma discussão teórica sobre temas como espaço, região e bairro e do breve histórico sobre as regionalizações propostas para Salvador é construído um arcabouço teórico fundamental para o entendimento da complexidade do tema tratado. Para melhor elucidar a questão da delimitação de bairros faz-se um comparativo entre as delimitações propostas para o bairro do Cabula em 1992 e 2010 seus critérios e pontos críticos. Por fim algumas sugestões são colocadas como medidas mitigadoras dos problemas apontados neste trabalho.

Palavras-chave: Bairro, Salvador, Cabula.

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ABSTRACT

This paper intends to investigate the importance of the delineation of

neighborhoods in Salvador, specifically, how this process affects the region of

Cabula, focus at this paper. Starting from a theoretical discussion about space,

region and neighborhoods and a brief history of regionalization proposed to

Salvador, it builds a theoretical framework essential to provide the understanding

about the complexity of this theme. To better elucidate the neighborhoods’

delineation question, it makes a comparison between delineations proposed to

Cabula in 1992 and 2010, their criterions and critical points. Lastly, some

suggestions are pointed as mitigating factors to the problems discussed at this

paper.

Keyworks: Neighborhood; Salvador; Cabula.

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SUMÁRIO

Introdução -------------------------------------------------------------------------------------------- 12

Capítulo 1 – Espaço: um conceito fundamental ----------------------------------------- 14

1.1 O Bairro: unidade espacial, conceito popular ------------------------------------ 20

Capítulo 2 - Divisão territorial de Salvador: um breve histórico -------------------- 25

Capítulo 3 – Os “Cabulas” de Salvador ----------------------------------------------------- 35

3.1 Configuração espacial existente até 2000 ---------------------------------------- 35

3.2 O Projeto de Delimitação de Bairros de Salvador ------------------------------ 40

3.3 Confrontando as propostas de 1992 e de 2010 acerca dos limites do

Cabula -------------------------------------------------------------------------------------- 47

Conclusão --------------------------------------------------------------------------------------------- 56

Referências --------------------------------------------------------------------------------------------------- 59

Apêndice A - Entrevista com Adalberto Bulhões Filho – Assessor Chefe da Assessoria Estratégica de Gestão da Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Salvador ----------------------------------------------------------------- 61

Anexo A - Folder explicativo do Projeto de Delimitação dos Bairros de Salvador -- 69

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Introdução

O bairro é a unidade espacial inserida no tecido urbano onde são realizadas várias

das atividades humanas (moradia, trabalho, lazer, etc.). É no bairro que também são

percebidas, com mais facilidade as relações de pertencimento.

Compreendendo a importância do entendimento dessas relações e também para a

busca de uma unidade territorial comum a todos os órgãos de planejamento e

gestão municipais, a Prefeitura Municipal de Salvador em conjunto com outros

órgãos realizou um estudo acerca dos bairros soteropolitanos com o intuito da

atualizar a antiga malha de bairros da cidade.

Este trabalho tem por objetivo estudar a delimitação de bairros dentro do contexto da

cidade de Salvador, porém devido à complexidade do município no tocante à sua

configuração espacial, o bairro do Cabula foi eleito como objeto de estudo de caso,

devido ao fato de ser um importante bairro do Miolo de Salvador e que hoje passa por

profundas transformações o âmbito de sua conformação e do padrão habitacional.

Para a realização deste trabalho foi utilizado o método dedutivo, pois foi feito o

estudo das principais tendências do planejamento urbano voltados para este tipo de

unidade espacial verificando qual foi aplicada de forma mais marcante na área de

estudo.

O procedimento de pesquisa utilizado foi o histórico, a partir de análises sobre o

contexto histórico da delimitação de tais regiões no território. Este procedimento foi

de suma importância para que fossem feitas relações e comparações, bem como

para que fossem identificadas as intencionalidades que regiram a implementação

deste tipo de divisão territorial.

As técnicas usadas foram entrevista com o idealizador do projeto, Adalberto Bulhões

Filho e pesquisas bibliográficas e documentais referentes ao assunto.

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Neste trabalho são comparadas as delimitações propostas para o Cabula em 1992

(por Fernandes) e em 2010 (pela Prefeitura Municipal de Salvador). Para que esta

comparação fosse realizada com maior aprofundamento e para facilitar o

entendimento de algumas questões, este trabalho foi dividido em três capítulos.

No primeiro capítulo é feita uma discussão sobre alguns dos conceitos julgados

como fundamentais para o entendimento do tema. Para elucidar os questionamentos

acerca dos conceitos de espaço, de região, de unidade de vizinhança e

especialmente, de bairro, recorreu-se a alguns autores que contribuíram para o

entendimento destas questões, como por exemplo Lefébvre, Santos, Harvey,

Gomes, Barcellos, Caporossi, Santos, Ferrari, entre outros.

Apesar do conceito de bairro não ser tema de discussões teóricas aprofundadas, ou

seja, este é muito baseado no senso comum, este capítulo tem por objetivo trazer o

arcabouço teórico basilar para a formatação do conceito de bairro utilizado no

trabalho como um todo.

No segundo capítulo foi feito um breve histórico sobre as regionalizações que o

município de Salvador já teve e sobre as que ainda permanecem. Julga-se este

capítulo de fundamental importância para o entendimento da amplitude e

complexidade que é regionalizar, propor uma lógica de delimitação.

Para a organização deste histórico, o estudo realizado por Fernandes foi de

fundamental importância, sendo a base teórica para a construção deste capítulo.

É no terceiro capítulo que é feita efetivamente a comparação das duas delimitações

citadas. Neste faz-se uma breve caracterização acerca da área de estudo que em

1992 era tida como homogênea, como um único bairro e que hoje foi subdividida em

cinco bairros distintos.

Neste capítulo encontra-se de forma mais aprofundada a descrição das duas

delimitações propostas para o Cabula, assim, é traçado um panorama que possibilita

apontar os pontos críticos e fazer uma discussão a respeito dos mesmos.

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Com a realização deste estudo foi possível identificar pontos críticos e fazer uma

análise sobre o projeto de delimitação de bairros e especialmente sobre a

importância deste para a gestão do município de Salvador.

Na conclusão deste trabalho é possível encontrar algumas propostas sugeridas de

modo a contribuir para futuros trabalhos dessa natureza.

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Capítulo 1

Espaço: um conceito fundamental

Inúmeros autores vem, ao longo do tempo, tentando responder a esta questão tão

importante. O que é espaço? Ao tentar fazer isso, outras questões de igual

relevância são levantadas. De que forma ele interfere nas relações humanas? A

sociedade também interfere na formação do espaço?

Sobre essa discussão acerca do espaço, Barrios (1986) apud Braga (2007) faz

algumas contribuições. A autora entende que “o espaço geográfico como unidade

das práticas espaciais, é a base material, física modificada pela ação humana”

(p.70).

A autora apud Braga (2007) aponta ainda que o espaço é “resultado da produção

humana”:

Tal produção abarca pelo menos três níveis: econômico, cultural-simbólico e político. O nível econômico é reino da produção de bens e serviços do valor agregado ao trabalho humano. O nível cultural-simbólico é aquele da relação entre os seres humanos, dos significados e representações. O nível político é aquele dos interessas dos grupos sociais através das relações de poder, relações estas muitas vezes conflituosas. (BRAGA, 2007, p. 70)

Lefébvre (1976, 1991) apud Braga (2007) entende “o espaço geográfico como

produção da sociedade, fruto da reprodução das relações sociais de produção em

sua totalidade” (p. 70).

Santos (1999) apud Braga (2007), por sua vez, aponta que o espaço geográfico é: “a

forma-conteúdo de base sartoriana, onde as formas não existem por si só, mas são

dotadas de conteúdo, de significado através da ação humana em relação ao seu

entorno” (p. 70).

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Outra contribuição importante para a discussão sobre espaço vem de Harvey (2001)

apud Braga (2007), para ele “o espaço é tido como construção do homem e não

como algo dado; é o seu cotidiano” (p.69).

Harvey contribui ainda à medida que aponta três diferentes abordagens acerca do

espaço: espaço absoluto, relativo e relacional. O conceito de Harvey sobre o espaço

será de fundamental importância para a melhor compreensão da discussão trazida

no terceiro capítulo.

Pena (2010) cita Harvey (1980) e traz a conceituação dessas abordagens do

espaço, dessa forma o espaço absoluto é:

[...] o espaço em si mesmo [...] “ele possui então uma estrutura que podemos utilizar para classificar ou para individualizar fenômenos” (p.4). Então não há duas parcelas de terra ocupando exatamente a mesma localização, o que dá ao espaço absoluto um caráter singular. (PENA, 2010, p. 22)

Ainda com base em Harvey, Pena conceitua espaço relativo:

[...] pode-se considerar o espaço relativo, pois “a caracterização de um espaço relativo propõe que ele deve ser entendido como uma relação entre objetos, a qual existe somente porque os objetos existem e se relacionam” (p.4-5). O espaço relativo está ligado aos meios de transporte e à acessibilidade que fazem com que as partes do tecido urbano se comuniquem espacialmente. (PENA, 2010, p.22)

Acerca de espaço relacional Harvey (1980) apud Pena (2010) considera-o “como

estando contido em objetos, no sentido de que um objeto existe somente na medida

em que contém e representa dentro de si próprio as relações com outros objetos”

(p.X).

Para tornar ainda mais claro o conceito de espaço absoluto, relativo e relacional,

Fernandes, em suas aulas, relaciona espaço a valor e esboça diagramas que foram

trazidos na forma das figuras que seguem.

A figura 1 traduz o espaço absoluto, pois ao comparar terrenos com as mesmas

dimensões, porém com topografia totalmente diferente (uma bastante acidentada e

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outra plana) chega-se à conclusão de que o terreno B terá um valor maior, pois é

mais propício à ocupação que o terreno A. dessa forma o espaço absoluto / valor

absoluto tem relação com as características físicas.

Figura 1: Espaço Absoluto Fonte: Elaborado por FERNANDES, LIMA e PENA (2010)

A figura 2 já acrescenta outras variáveis à análise. Trata-se do espaço relativo / valor

relativo. Neste é importante considerar as conexões, as diversas redes de serviços

(água, energia elétrica, gás, etc.). Neste caso o terreno A possui um maior valor em

relação ao terreno B devido as suas conexões, mesmo possuindo uma topografia

acidentada.

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Figura 2: Espaço Relativo

Fonte: Elaborado por FERNANDES, LIMA e PENA (2010)

O espaço relacional / valor relacional demonstrado na figura 3 indica que mesmo

quando as redes de serviços e as conexões estão disponíveis para os dois terrenos

ainda há outra variável que interfere no valor, que é a vizinhança. Neste caso, por

estar próximo a serviços como banco, shopping center e parque o terreno A (apesar

de sua topografia bastante acidentada) ainda é mais atraente que o terreno B (um

local totalmente plano), devido à vizinhança que o torna mais valioso.

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Figura 3: Espaço Relacional Fonte: Elaborado por FERNANDES, LIMA e PENA (2010)

Além do próprio conceito de espaço, os aprofundamentos teóricos nos remeteram a

outros temas também importantes, como veremos a seguir.

Um desses temas é o território, que é o próprio espaço imbuído da categoria poder.

Dessa forma um espaço no qual é exercido poder é chamado de território. O

território é importante até entre os animais. Grupos de mesma espécie demarcam

territórios a fim de melhor defender as suas crias e o alimento existente na área,

promovendo assim, a perpetuação da espécie.

É tão importante saber exatamente as fronteiras de um território que há, em várias

partes do mundo, regiões onde as guerras para definição de territórios ocorrer

constantemente. Historicamente há vários relatos sobre guerras entre nações pela

disputa por certas áreas estratégicas. Estratégicas por sua localização, por seus

condicionantes naturais ou por riquezas ali existentes.

Além do propósito de evitar conflitos, a definição de fronteiras, territórios, está

diretamente ligada com a política, com relações culturais, econômicas e por

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consequência possui intencionalidade. Esta intencionalidade está também posta na

regionalização dos bairros de Salvador, mas antes de entrar nesse contexto vale a

discussão sobre o conceito de região.

Segundo Gomes (1995), a palavra região deriva de uma expressão em latim regere.

Esta expressão é composta pelo radical reg, que deu origem também a outras

palavras como: regente, regência, regra, entre outras. Ainda segundo o autor, nos

tempos do Império Romano, Regione, era o termo utilizado para designar áreas que

apesar de dispor de administração local, estavam subordinadas às regras gerais

impostas por Roma.

Região é um conceito que abrange várias escalas. Pode estar relacionada com a

pequena área de uma cidade e seu entorno, pode também se relacionar com a área

que representa vários estados, como por exemplo, as Regiões Norte, Nordeste, Sul

do Brasil e também pode se referir a escalas internacionais como é o caso da região

dos Países Baixos.

Ainda segundo Gomes:

Na linguagem cotidiana do senso comum, a noção de região parece existir relacionada a dois princípios fundamentais: o de localização e o de extensão. Ela pode assim ser empregada como uma referência associada à localização e à extensão de um certo fenômeno, ou ser ainda uma referência a limites mais ou menos habituais atribuídos à diversidade espacial. Empregamos assim cotidianamente expressões como – “a região mais pobre”, “a região montanhosa”, “a região da cidade X”, como referência a um conjunto de área onde há o domínio de determinadas características que distingue aquela área das demais. (GOMES, 1995, p. 4.)

É necessário compreender que o importante da regionalização não é apenas

identificar as divisões e subdivisões dos espaços, mas sim o critério que é utilizado

para a realização dessa divisão. Sempre há uma intencionalidade na proposição de

regiões.

Os motivos podem variar muito, desde aqueles ligados às questões naturais,

intrínsecas ao local, a questões políticas, de localização, entre outros. O fato é que

regionalizar, subdividir o espaço é essencial para conhecê-lo, para estudá-lo e, por

consequência, para melhor administrá-lo.

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Como já foi dito, a região se enquadra em várias escalas. A escala que será tratada

neste trabalho é a escala urbana. Neste caso, o estudo se baseia na escala do

bairro. Uma região que tem uma íntima ligação com o sentimento de pertencimento,

tem ligação com identidade.

No subitem a seguir esta região é tratada no âmbito conceitual. Apesar da

dificuldade em encontrar bibliografia a respeito, um conceito sobre o bairro é

proposto.

1.1 O Bairro: unidade espacial, conceito popular

Como será possível observar no próximo capítulo, Salvador possui uma série de

delimitações espaciais, uma série de regionalizações. Durante toda a sua história,

esteve regida por inúmeras divisões territoriais e ainda hoje alguns dos mais

importantes órgãos, tais como Companhia de Desenvolvimento do Estado da Bahia

(CONDER), Secretaria de Desenvolvimento, Habitação e Meio Ambiente (SEDHAM),

Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), entre outros, utilizam

regionalizações próprias a fim de viabilizar o trabalho a ser realizado por cada

instância.

Porém, no âmbito popular essas regionalizações específicas perdem espaço para

um tipo de divisão que está relacionada com o sentimento de pertencimento a um

lugar. Este lugar ou região em específico é comumente chamado de bairro.

Mas, afinal o que vem a ser um bairro? Ao tentar responder esta pergunta e buscar

dentro da produção teórica existente um conceito para este termo, constatamos a

quase inexistência de material a respeito do que vem a ser o conceito de bairro. É

estranho que uma palavra tão utilizada popularmente não seja tema de discussões

teóricas mais aprofundadas.

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Um termo bastante discutido no meio acadêmico e que se aproxima, (porém não se

iguala) ao conceito de bairro é a Unidade de Vizinhança (UV). Segundo Barcellos

pode-se conceituar a UV desta forma:

Unidade de Vizinhança é segundo a formulação original do início do século 20 uma área residencial que dispõe de relativa autonomia com relação às necessidades quotidianas de consumo de bens e serviços urbanos. Os equipamentos de consumo coletivo teriam assim sua área de atendimento coincidindo com os limites da área residencial. As concepções mais clássicas de Unidade de Vizinhança apresentam duas preocupações básicas. A primeira, com a distribuição dos equipamentos de consumo na escala da cidade – e aí a escola aparece como foco das atenções, inclusive por ser um dos motivos geradores da concepção. A segunda preocupação, refere-se ao anseio de recuperação de valores de uma vida social a nível local (relações de vizinhança), considerados enfraquecidos ou mesmo perdidos com as transformações por que passou a vida urbana em decorrência dos processos espaciais e sócio-econômicos ocasionados pela Revolução Industrial. (BARCELLOS, s.d., s.p.)

A partir deste conceito fica claro que o termo bairro está relacionado com uma

sociabilidade tradicional, com uma relação de vizinhança natural que se perde com o

passar dos anos e especialmente após a Revolução Industrial.

Segundo alguns autores, o conceito de Unidade de Vizinhança foi originalmente

formulado por Clarence Arthur Perry no contexto do plano de Nova York de 1929. O

que o idealizador desta unidade territorial propõe ao constituir este conceito é

reavivar essas relações de vizinhança perdidas com a modernidade, além de pensar

em um local onde as pessoas possam realizar as suas atividades quotidianas sem a

necessidade de grandes deslocamentos.

Parry, apud Barcellos assim define a UV em uma das monografias que integra o

plano (The Neighborhood Unit):

1. "Tamanho. Uma unidade de vizinhança deve prover habitações

para aquela população a qual a escola elementar é comumente requerida, sua área depende da densidade populacional. 2. Limites. A unidade de vizinhança deve ser limitada por todos os lados por ruas suficientemente largas para facilitar o tráfego, ao invés de ser penetrada pelo tráfego de passagem.

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3. Espaços Públicos. Um sistema de pequenos parques e espaços de recreação, planejados para o encontro e para as necessidades particulares da unidade de vizinhança devem ser providenciados. 4. Áreas Institucionais. Locais para escola e outras instituições tendo a esfera de serviço coincidindo com os limites da unidade de vizinhança, devem ser adequadamente agrupadas em lugar central e comum. 5. Comércio Local. Um ou mais locais de comércio adequados à população devem ser oferecidos, de preferência na junção das ruas de tráfego e adjacente a outro similar comércio de outra unidade de vizinhança. 6. Sistema Interno de Ruas. A unidade deve ser provida de um sistema especial de ruas, sendo cada uma delas proporcional à provável carga de tráfego. A rede de ruas deve ser desenhada como um todo, para facilitar a circulação interior e desencorajar o tráfego de passagem." (PERRY, 1929).

A partir da análise do conceito de UV, percebemos que este, seria, grosso modo, um

“bairro planejado”, uma área milimetricamente calculada. De certa forma todo esse

planejamento é interessante, pois há uma grande preocupação com as pessoas,

com o conforto dos habitantes desta localidade. Por outro lado percebemos que há

um esforço de promover relações que nascem, normalmente, de forma espontânea,

especialmente em locais mais populares.

Na busca pela resposta para a intrigante questão, buscamos vários textos de

distintas áreas científicas. Alguns autores tratam das histórias de luta que tiveram

bairros como palco como é o caso de Bolívar e Baldó (1995) em: La cuestión de los

Barrios.

Nesta obra as organizadoras trazem a questão da segregação e discriminação

sofridos por moradores dos bairros periféricos da Venezuela, porém os vários artigos

que compõe a obra não tocam no conceito de bairro. Apesar de tocar sempre na

questão do pertencimento e da identificação com o local.

Já Caporossi (2010) faz em seu artigo: En busca del barrio: reflexiones sobre San

Vicente, en Córdoba um estudo de um bairro em específico. Na verdade ela defende

que esta área se constitui um bairro e faz a sua defesa também baseada no principio

do sentimento popular de pertencimento, do sentimento de ser parte integrante

daquele local.

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Jacobs (2000), por sua vez, em sua obra Morte e vida de grandes cidades, faz uma

reflexão a respeito das consequências que o crescimento econômico e que a

modernidade traz para os grandes centros urbanos. Faz uma reflexão sobre as

relações de vizinhança que se perdem em meio à correria das grandes cidades.

Em seu livro “Cidade, democracia e socialismo” Castells (1980) retrata a luta de

associações nascidas em bairros operários em busca de melhores condições de

vida. Neste livro o autor alerta para uma questão interessante ao dizer que “um

bairro é mais que uma aglomeração de habitações”, ele quer dizer que além do local

de morar (do abrigo) é necessário que os bairros possam oferecer serviços (escolas,

comércio de primeira necessidade, transporte, serviços de saúde).

Uma outra referência no que diz respeito à questão urbana e que trata, desses

temas de forma simples e dinâmica é Santos (1998). Este autor tenta desvendar os

conceitos referentes às questões urbanas de forma divertida e de fácil leitura. No

seu livro “A cidade como um jogo de cartas”, ele traz algumas ilustrações no seu

livro e uma delas foi selecionada para entrar no rol de indícios que vão levar ao

conceito do tão famoso bairro.

Na figura extraída do livro de Santos é possível delinear com mais consciência um

conceito até então abstrato.

Figura 4: Níveis escalares dentro da cidade Fonte: SANTOS, 1998, p. 160.

Outro autor a ser lembrado é Ferrari. No livro de sua autoria Dicionário de

urbanismo, Ferrari faz um dicionário dos vocábulos mais utilizados pelos

profissionais da área do urbanismo e uma das palavras escolhidas foi bairro que o

autor define da seguinte forma:

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Unidade constitutiva da cidade de origem espontânea, integrada por indivíduos e grupos primários que podem manter entre si contatos simpáticos, desinteressados, e ter consciência de pertencerem à mesma comunidade. (FERRARI, 2004, p. 49)

Todos esses autores trazem contribuições extremamente importantes para a

compreensão do conceito de bairro. Por não esgotarem completamente a questão é

apresentado aqui o conceito da palavra bairro construído à partir das reflexões

propostas por estes autores:

Unidade espacial, componente do espaço urbano, conectado ao tecido urbano

através de vias de acesso, espontaneamente constituído, que possui em sua área

oferta de serviços básicos de educação, transporte, saúde e comércio de primeira

necessidade (padarias, pequenos mercados, pequenas lojas), e que possui uma

população consciente da sua condição de pertencimento a este local.

Essa definição será fundamental para a discussão proposta no capítulo 3, pois o

mesmo trata das delimitações do bairro do Cabula, assim como dos critérios a serem

considerados na definição de um bairro.

Depois dessa definição é possível afirmar que o que foi proposto nesse subitem foi

cumprido. No capítulo que segue é feito um breve histórico acerca das diversas

divisões territoriais que o município de Salvador já passou.

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Capítulo 2

Divisão territorial de Salvador: um breve histórico

Salvador possui um histórico bem extenso de regionalizações do seu território. Isto

se explica, também, por ser a primeira cidade fundada no Brasil. Para descrever as

regionalizações propostas para Salvador é possível recorrer a inúmeras leis e

decretos que discorrem a respeito do tema.

Será utilizado neste capítulo o trabalho de dissertação feito por Fernandes, em 1992,

a respeito do Cabula. Nele encontra-se um vasto material a respeito do tema e que

servirá de base para a construção deste capítulo.

Segundo a autora, do século XVI ao final do século XIX, a capital baiana passou por

um grande número de regionalizações. A primeira delas, feita com o propósito de

proteger a mais nova província portuguesa das Américas, dividiu o território

soteropolitano em “Cidade Alta” e “Cidade Baixa”, aproveitando a topografia local

que já apontava para essa perspectiva.

Ainda no século XVI outra divisão territorial é instituída em Salvador. Eram as

chamadas freguesias. Com base em alguns autores, Fernandes (1992) afirma que:

“freguesias eram delimitações territoriais feitas pela igreja, que se caracterizavam

como as menores unidades eclesiásticas sendo sediadas pelas respectivas igrejas

matrizes e estavam sob a responsabilidade dos párocos correspondentes.”

Não se tratava de uma delimitação administrativa da coroa portuguesa, porém o

controle exercido em cada freguesia possibilitava a elaboração das listas de

qualificação eleitoral, o recrutamento militar, além das cerimônias próprias da Igreja

Católica como batismos, casamentos, entre outras. Percebe-se a importância não

somente das freguesias, mas também, da Igreja na administração local.

A seguir uma figura que traz a configuração da cidade de Salvador dividida em

freguesias

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Figura 5: Freguesias Urbanas Fonte: FERNANDES, 1992, p.111.

Segundo Vilhena apud Fernandes (1992), as freguesias soteropolitanas

classificavam-se em dez urbanas e dez suburbanas no final do século XVIII. No

século XIX era em freguesias urbanas e rurais que o espaço de Salvador estava

dividido.

É importante destacar que é na freguesia de Santo Antônio Além do Carmo que está

localizada a nossa área de estudo, ou seja, o Cabula como é possível observar na

figura 5. Segundo Costa apud Fernandes (1992), a freguesia de Santo Antônio

possuía grandes dimensões e estava subdividida em dois distritos. O primeiro era

uma área mais urbanizada e situava-se nas proximidades da freguesia do Passo. O

segundo, por sua vez, possuía habitações dispostas de forma mais dispersa e sua

população se dedicava ao plantio de lavouras de subsistência.

No segundo distrito estava localizado o Cabula:

[...] onde existiam algumas áreas que por possuírem certa concentração populacional, correspondiam aos eixos de expansão de Salvador no século XIX. Eram elas: as ruas da Cruz do Cosme, do Pau Miúdo e da Vala até o rio Camurugipe, o Largo do Resgate, a

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Estrada do Cabula, a Estrada de São Gonçalo, Pernambués, Mata Escura e a Estrada das Boiadas. (FERNANDES, 1992, p.113)

É em 1891 que Salvador ganha uma nova organização territorial. Para Ruy apud

Fernandes (1992) a promulgação da Carta Magna da República e a Constituição do

Estado tiveram como consequência a aprovação da primeira lei baiana de

organização dos municípios Nesta lei estava posto que os municípios estivessem

divididos em distritos e estes, por sua vez, em quarteirões.

Apesar de a nova regionalização utilizar o termo distritos, as freguesias não haviam

sido esquecidas. Estas foram incorporadas a esta regionalização como partes

formadoras dos distritos. Até 1938, Salvador estava dividida em distritos.

Em aproximadamente 40 anos (1891-1938) a cidade passou por algumas leis que

instituíram alguns distritos, que os agruparam em circunscrições escolares, os

classificaram de várias formas. Finalmente, em 1920 a cidade estava dividida em

vinte distritos de paz classificados como distritos urbanos e suburbanos, conforme

configuração explicitada na figura 6.

DISTRITOS DE PAZ DE SALVADOR

URBANOS SUBURBANOS

Sé Pirajá São Pedro Paripe

Victoria Aratu Sant’Anna Cotegipe Nazareth Matoim

Rua do paço Passé Santo Antônio Maré

Brotas Itapoã Conceição da Praia

Pilar Mares Penha

Figura 6: Salvador: seus distritos e as classificações dos mesmos – 1920 Fonte: Acto N. 127 de 5 de novembro de 1920 apud FERNANDES, 1992, p. 120.

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Segundo Fernandes (1992), no ano de 1938, em 18 de novembro, que o prefeito da

cidade, baseado em lei federal, resolve que Salvador ficaria dividida em doze zonas

urbanas (os mesmos distritos urbanos listados na figura 3) e em doze suburbanas

(constituídas dos oito distritos suburbanos somados às zonas de Candeias, Periperi

e Ipitanga).

Em 12 de setembro de 1944, através do Decreto-Lei Nº 333, apud Fernandes

(1992), o então prefeito de Salvador decide que a cidade passaria a ter um total de

vinte e quatro subdistritos, estes classificados em três zonas (urbana, suburbana e

rural). Aproximadamente dez anos depois, em 12 de agosto de 1954, o prefeito de

Salvador, através de exigência da Lei Estadual, Nº 628, apud Fernandes (1992), do

ano de 1953, estabelece que o município ficaria dividido em cinco distritos (Salvador

- sede, Ipitanga, Água Comprida, Nossa Senhora das Candeias e Madre de Deus),

estes subdivididos.1

Finalmente em 15 de junho de 1960, através da Lei Nº 1038, apud Fernandes

(1992), o então prefeito faz algumas alterações na regionalização soteropolitana e é

nesta que o termo bairro aparece pela primeira vez em documento oficial. A partir

desta lei o município de Salvador passaria a ter apenas quatro distritos, já que

Candeias havia se emancipado. Cada distrito passaria a ter sua subdivisão em

zonas urbanas, suburbanas e rurais.

Na figura abaixo a listagem dos subdistritos urbanos do distrito de Salvador e seus

respectivos bairros:

1 Para maior aprofundamento no tema buscar em FERNANDES, 1992.

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Bairros dos Subdistritos da Zona Urbana do Distrito de Salvador - 1960

Subdistritos Bairros

I - de Amaralina

1 - Amaralina

2 - Pituba

3 - Rio Vermelho

II - de Brotas

4 - Acupe

5 - Cosme de Farias

6 - Engenho Velho

7 - Matatu

VI - dos Mares 8 - Calçada

9 - Uruguai

VII - de Nazaré 10 - Saúde

X - da Penha

11 - Bonfim

12 - Itapagipe

13 - Jardim Cruzeiro

14 - Massaranduba

15 - Monte Serrate

XV - de Santana 16 - Tororó

XVI - de Santo Antônio

17 - Barbalho

18 - Cruz do Cosme

19 - Liberdade

20 - Pau Miúdo

21 - Quintas

XVII - de São Caetano

22 - Fazenda Grande

23 - Lobato

24 - São Caetano

25 - Tanque da Conceição

XVIII - de Santo Pedro 26 - Barris

XX - da Vitória

27 - Barra

28 - Canela

29 - Fazenda Garcia

30 - Federação

31 - Graça

32 - Ondina

Figura 7: Bairros dos Subdistritos da Zona Urbana do Distrito de Salvador – 1960 Fonte: Lei Nº 1038 de 15 de junho de 1960, apud FERNANDES, 1992, p. 126.

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Como é possível constatar no texto, a primeira e até então, última delimitação oficial

de bairros feita para Salvador data do ano de 1960. Em cinquenta anos percebemos

grandes mudanças no tocante à configuração urbana do município. Algumas áreas

se consolidaram, outras começaram a ser ocupadas, outras não tiveram tantas

modificações. O fato é que nesse período a divisão de bairros em Salvador se

tornou obsoleta.

Atualmente a regionalização utilizada pela Prefeitura Municipal de Salvador é aquela

que divide a cidade em Regiões Administrativas (RAs). Essa delimitação é

endossada no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de 2004. Nele as RAs

ganham uma nova formatação (atualização da divisão feita na década de 1980).

Fernandes contribui para a compreensão do processo de implementação das RAs

no território da capital baiana:

O processo de formação das Administrações Regionais, já havia sido idealizado desde a década de 1970, pelo Grupo de Trabalho criado pelo prefeito Jorge Hage para fazer o Plano de Desenvolvimento Urbano (PLANDURB) para Salvador. O referido processo, contudo, só se institucionalizou com a aprovação da Lei 3668 de 28 de novembro de 1986 sendo que foi através do Decreto 7791 de 16 de março de 1987, que a Prefeitura regularizou a implantação e definiu a área de cada uma das dezessete Regiões Administrativas. (FERNANDES, 1992, p. 130)

Constata-se que a própria administração municipal percebe a inconsistência da

utilização dos bairros até então existentes em Salvador para a implementação de

suas políticas e para a efetivação do planejamento. As Regiões Administrativas

aglutinam áreas que até então não são oficialmente bairros, porém são integrantes

da área do município e por isso devem ser consideradas no planejamento municipal.

A seguir uma representação do que seria a regionalização em RAs na década de

1980. Nesta pode-se perceber as dezessete Regiões Administrativas citadas

anteriormente:

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Figura 8: Divisão do território de Salvador em Regiões Administrativas

Fonte: FERNANDES, 1992, p. 137.

Na atual delimitação das RAs o território continental ganha mais uma divisão.

Atualmente ao invés de dezessete regiões, Salvador passa a contar com dezoito

áreas. Na figura a seguir é possível analisar a atual regionalização do município em

Regiões Administrativas feita no PDDU de 2004.

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Figura 9: Divisão do território de Salvador em Regiões Administrativas Fonte: PDDU 2004

Não é apenas a prefeitura de Salvador que possui uma regionalização própria para

por em prática as suas políticas. Outros órgãos (em instâncias de atuação

diferenciada: municipal, estadual e federal, além de empresas privadas), também

utilizam regionalizações específicas a fim de facilitar a sua operação.

Pelo que é possível observar essas regionalizações feitas por estes diferentes

órgãos não estão, se quer, próximas. Essas regionalizações não possuem uma

lógica comum.

É fato que essa ultrapassada delimitação oficial dos bairros dificulta, porém não

impossibilita a atuação dos profissionais, afinal as correspondências chegam aos

seus destinos, os censos foram realizados durante todo esse tempo, a distribuição

de água e energia ocorre sem maiores transtornos e as obras públicas são

realizadas nos locais onde são propostos.

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Por outro lado, a falta de uma unicidade de regionalizações impossibilita que

qualquer cidadão possa reunir informações sobre certa área. É impossível fazer o

estudo com total precisão de dados, pois as bases territoriais em cada repartição

são diferenciadas. Na figura a seguir podemos perceber um emaranhado de linhas

formado pelas regionalizações atualmente usadas em Salvador:

Figura 10: Regionalizações utilizadas em Salvador Fonte: Prefeitura Municipal de Salvador/SMA.

Se um cidadão ou um pesquisador quisesse reunir informações a respeito de certo

bairro não obteria êxito. Ao buscar dados sobre os volumes de água e energia

dispensados para esta área hipotética encontraria informações distintas. A mesma

situação se repetiria ao buscar informações sobre a renda e a escolaridade dos

chefes de família da população local, no Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), já que este utiliza uma regionalização baseada em setores

censitários.

Também o setor público esbarra nas mesmas dificuldades, pois ao desenvolver um

projeto para melhoria na infraestrutura de certo bairro ou para a realização de um

Plano de Bairro, por exemplo, não teria posse de informações totalmente confiáveis

sobre a área.

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Proporcionar uma unicidade de informações é apenas uma das inúmeras vantagens

de conhecer os limites de cada bairro. No capítulo seguinte, além da caracterização

do foco deste estudo, o Cabula, será feita também uma discussão a respeito da

antiga delimitação deste local bem como da atual, ainda não oficializada.

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Capítulo 3

Os “Cabulas” de Salvador

3.1 Configuração espacial existente até 2000

Segundo Santos, Pinho, Moraes e Fischer (2010), a região onde está localizado o

bairro do Cabula e, segundo a nova delimitação, outros bairros como Resgate,

Saboeiro, Doron e Narandiba, era conhecida por ser uma área com fortes

características rurais e por suas plantações de laranjas.

Ainda segundo os autores, essas terras foram, por volta do século XVI, doadas a

Antônio de Ataíde e posteriormente arrendadas ao senhor Natal Cascão, que

construiu a capela de Nossa Senhora do Resgate, atualmente conhecida como

Igreja da Assunção. Nascia então um pequeno povoado a partir da ocupação nos

arredores dessa igreja.

Após algum tempo esses laranjais foram sendo destruídos por pragas e as fazendas

localizadas na área foram loteadas e vendidas. Foi por volta da década de 1970 do

século XX que a região do miolo de Salvador e consequentemente a região do

Cabula experimenta uma maior urbanização e passa a ser um local atraente para a

construção de conjuntos habitacionais.

Deu-se, especialmente por se tratar de um local onde as terras eram e continuam

sendo mais baratas que em outros pontos mais valorizados da capital baiana, porém

é alvo de interesse também por conta da sua localização.

Segundo Fernandes (2003) o nome do bairro tem uma origem peculiar:

[...] consideramos interesante tratar del significado del término Cabula que tienen su origen en el idioma Bantú, hablado en una región que se extiende entre los países Congo - Angola. De acuerdo con Y. Castro el término significa misterio, culto (religioso), secreto, escondido y, probablemente ha sido atribuido al sitio, para destacar la existencia de varios quilombos los cualesm a su vez, promocionaron el Candomblé, tan famoso en el Cabula. (FERNANDES, 2003, p. 165)

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Há, também, outra versão para a origem do termo que Rego apud Santos, Pinho,

Moraes e Fischer (2010), traz:

[...] o nome deste bairro é de origem africana. Ele afirma que “o termo Cabula vem do quincongo Kabula, que além de ser verbo, é nome próprio, personativo feminino e também o nome de um ritmo religioso muito tocado, cantado e dançado, daí o bairro tomar o nome do ritmo frequente naquela área, sendo suas matas utilizadas pelos sacerdotes quincongos”. (SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER, 2010, p. 210)

Como já colocado anteriormente, a última delimitação de bairros que Salvador

possui foi realizada em 1960, no entanto, essa delimitação deixa algumas lacunas

em várias áreas da cidade. Na figura 13 do subitem 3.2 é possível observar a

distribuição dos bairros dentro do território do município e perceber que a área, hoje

conhecida como miolo de Salvador, não é agraciada com subdivisão alguma.

Em 1992, para que fosse possível dar continuidade à análise do “bairro” do Cabula,

Fernandes, em sua dissertação de mestrado, propõe uma poligonal de delimitação

para a região do Cabula, definindo assim a sua área de estudos e por consequência

os limites do “bairro”.

Para tal definição a autora pesquisou as tantas regionalizações da cidade de

Salvador (detalhada no capítulo 2), com o intuito de chegar a uma área precisa do

que seria o bairro do Cabula e não obteve sucesso. Dessa forma houve a

necessidade de traçar uma estratégia para a delimitação do bairro.

Para chegar a uma conclusão Fernandes (1992) adotou o que chama de duas

exigências básicas para essa definição: “considerar, na medida do possível, a noção

comunitária do que vem a constituir o Cabula e não desrespeitar as atuais divisões

oficiais (Zonas de Informação - ZI’s e Regiões Administrativas - RA’s)”.

Dessa forma, destacou nas margens da Rua Silveira Martins (principal via do

Cabula) algumas ZI’s que constituíam a RA XI (Cabula). Dentro dessas ZI’s

destacou os setores censitários que possuíam ligação com o Cabula. Na figura

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abaixo é possível observar a justificativa dada pela autora para a escolha das ZI’s e

setores censitários:

Figura 11: Elementos constitutivos do Cabula, segundo o censo de 19802 Fonte: FERNANDES, 1992, p. 170.

Adiante é possível analisar espacialmente onde se encontram as ZI’s e setores

censitários selecionados no trabalho supracitado, com a atualização feita para os

setores censitários de 2000:

2 Alguns setores censitários estão acompanhados por letras. Isso se deve ao fato de que em 1980

terem sido definidos alguns setores censitários especiais (de ocupação não efetiva). No caso da letra E ser seguida de “A” indica que a ocupação é especial de alojamento, como por exemplo, hospitais, caso a letra E seja seguida de “C” significa que é um especial coletivo e como exemplo temos quartéis.

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Figura 12: O Cabula, seus limites e setores censitários 2000.

Fonte: Acervo pessoal de FERNANDES

Como já foi dito anteriormente, as áreas, que compreendem hoje os bairros do

Resgate, Saboeiro, Doron e Narandiba possuem historicamente uma estreita ligação

com a área do bairro do Cabula. Eram pertencentes a uma região basicamente rural.

Segundo Garibalde Alves Gonzaga apud Santos, Pinho, Moraes e Fischer (2010), o

Resgate era uma localidade situada nas proximidades de fazendas:

[...] aqui era terrível, tinha uma cerca de arame farpado na frente e pouquíssimas casas; no inverno era muita lama, no verão muita poeira. Onde hoje é o fim de linha, era a Fazenda Coqueiro, no início do bairro, era a Fazenda Santo Antonio. (SANTOS,PINHO, MORAES e FISCHER, 2010, p. 166)

Segundo os autores supracitados, o bairro do Saboeiro era, também, uma localidade

rural e passou a modificar o seu uso após a chegada da Companhia Hidrelétrica do

Vale do São Francisco (CHESF). A origem do nome da localidade possui duas

versões:

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Há quem afirme que o nome do bairro é devido à existência de uma fábrica de sabão no local. Oliveira discorda dessa versão e insiste que nunca houve fábrica na região do Saboeiro. Ela explica que este topônimo existe desde o século XIX em razão da presença de gias nas inúmeras lagoas da região. Elas escondiam seus ovos com uma camada grande de espuma que elas próprias produziam. Assim, quando as pessoas seguiam na direção destas lagoas costumavam dizer ”vou no Saboeiro”. (SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER, 2010, p. 212)

O local que hoje é identificado como Doron está situado nas proximidades da Igreja

de Nossa Senhora da Assunção, a mesma igreja citada como embrião do bairro do

Cabula. Segundo PINHO, MORAES e FISCHER (2010), o Doron nasce, em 1980, a

partir da construção de um conjunto habitacional pela antiga Habitação e

Urbanização do Estado da Bahia S/A (URBIS). Ailton Ferreira apud Santos, Pinho,

Moraes e Fischer (2010) aponta uma curiosidade a respeito do local:

Por volta de 1982, o Doron era visto como um conjunto de prédios baixos. Cercados de árvores por todos os lados, mais parecia uma cidadezinha do interior, com casas, umas sobre as outras. Nas cercanias, algumas poucas barracas improvisadas abasteciam os moradores e transeuntes. (SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER, 2010, p. 206)

Segundo os autores anteriormente citados, a área conhecida hoje por Narandiba se

desenvolveu no entorno do que seria inicialmente o rio Narandiba que depois foi

represado e posteriormente aterrado. Nas suas terras foram cultivadas hortas.

Conforme Consuelo Pondé de Sena apud Santos, Pinho, Moraes e Fischer (2010), o

nome do local tem grande relação com o cultivo das famosas laranjas já citadas

anteriormente:

Narandiba é um termo híbrido, formado por elemento de línguas diversas. Como os índios tupi não pronunciavam o fonema L, chamavam a laranja de narã. Narã, como assinala Teodoro Sampaio, é uma adaptação da palavra laranja. O final diba é o mesmo tyba, significa muitos, em grande quantidade, logo laranjal, ou seja, lugar de muitos pés de laranja. (SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER, 2010, p. 208)

Todos esses locais, hoje levados à condição de bairros, possuem uma íntima

ligação, seja pela origem da ocupação, seja pela história. Era bastante lógico que

eles fossem agrupados em um único bairro, afinal possuem características muito

semelhantes.

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No subitem a seguir será tratado o projeto de delimitação dos bairros de Salvador,

sua lógica e critérios.

3.2 O Projeto de Delimitação de Bairros de Salvador

Como foi colocado no capítulo dois, a primeira e última delimitação de bairros

proposta para Salvador data de 1960. Esta dividia o município em 32 bairros. Hoje

essa regionalização é completamente obsoleta, pois várias áreas que não estavam

consideradas nessa delimitação surgiram e/ou se consolidaram.

Na década de 1960, Salvador ainda estava iniciando o processo de expansão que

hoje é reconhecido sem maiores dificuldades. A área do miolo ainda possuía uma

ocupação rarefeita e isso foi levado em consideração na delimitação dos bairros

soteropolitanos proposta na época.

Ao analisar a imagem a seguir, percebe-se que eram reconhecidas como bairros as

áreas litorâneas da cidade, além, é claro, da área central, embrião do município.

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Figura 13: Delimitação dos bairros de Salvador em 1960 Fonte: Prefeitura Municipal de Salvador/SMA.

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Diante do panorama apresentado no capítulo dois a respeito da impossibilidade de

compatibilização de informações que dificulta até o poder público na proposição e

execução de projetos, fez-se necessário propor um projeto para delimitar os bairros

da capital baiana. Além desse, existem outros motivos que levaram a prefeitura de

Salvador a pensar na configuração de bairros.

Devido ao ineditismo deste trabalho e quase inexistência de estudos dessa

natureza, algumas informações foram colhidas em fonte primária, como, por

exemplo, as informações que o Assessor Chefe da Superintendência do Meio

Ambiente e idealizador do projeto, Adalberto Bulhões3, forneceu.

Segundo Bulhões, são motivos para a nova delimitação:

estabelecer um recorte territorial fundamentado na noção de identidade e

pertencimento;

construir unidades de referência de modo a compatibilizar unidades de

planejamento;

propor novos limites de bairros – instituídos anteriormente pela Lei Municipal

Nº 1038/1960;

referenciar a produção de indicadores sociais, econômicos, ambientais e

político-institucionais;

padronizar o endereçamento.

Segundo Adalberto Bulhões era impossível afirmar que um “bairro” possui

determinado número de habitantes, pois não há um limite claro para definir onde

termina esse bairro e começa o próximo. Foi para acabar com a miscelânea de

regionalizações e para proporcionar uma base territorial confiável para a proposição

de políticas públicas pelos órgãos de planejamento, que foi imprescindível a

realização desse projeto.

3 Adalberto Bulhões Filho é Assessor Chefe da Assessoria Estratégica de Gestão da

Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Salvador e idealizador do projeto de delimitação de bairros de Salvador. A entrevista completa está disponível no Apêndice A.

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Ainda segundo o Assessor Chefe, a prefeitura sozinha não tinha como dar

andamento ao trabalho, por isso outros órgãos e instituições fizeram parte desse

projeto. No plano federal, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a

Universidade Federal da Bahia (UFBA), no plano estadual a Companhia de

Desenvolvimento do Estado da Bahia (CONDER), a Empresa Baiana de Água e

Saneamento (EMBASA), o Instituto do Meio Ambiente (IMA), o Instituto de Gestão

das Águas e Clima (INGA), a Secretaria do Meio Ambiente do Estado e no plano da

municipal, a Superintendência do Meio Ambiente (SMA) e a Secretaria de

Desenvolvimento, Habitação e Meio Ambiente (SEDHAM).

Segundo informações obtidas na prefeitura, para chegar à malha de bairros proposta

hoje, com 160 bairros, a equipe que trabalhou no projeto obedeceu algumas etapas.

Inicialmente foi realizada uma pesquisa para saber quais as delimitações existentes

para a cidade, inclusive as possíveis malhas de bairros existentes (ver figura 10 do

capítulo 2).

Para a segunda etapa era necessário fazer um reconhecimento da área de estudo

além de levantamento histórico sobre a área em questão. Na terceira etapa foi

levada em consideração a opinião popular para a delimitação dos bairros. Para tanto

se utilizou o conceito de jurisdição associativa4 e essa malha de bairros foi traçada

após a realização de 76 reuniões onde foram ouvidas as comunidades. Essas

reuniões eram divulgadas, também, através de um folder, este está disponível no

anexo A.

Caso houvesse algum conflito referente aos limites de certo bairro, seria aplicado

questionário na população residente nas adjacências dos possíveis limites. Em

algumas ocasiões esse conflito existiu e teve que ser aplicado esse questionário

(Figura 14). Através dessa pesquisa direta, da aplicação de 21.175 questionários, a

delimitação pode finalmente ser traçada.

Ainda a respeito dos conflitos, Bulhões afirma:

4 Conceito criado no trabalho de delimitação de bairros para designar a área de atuação de entidades

de bairro, na qual a comunidade se reconhece pertencente. Ver mais a respeito na entrevista com Adalberto Bulhões, no apêndice A deste trabalho.

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Nós tivemos conflitos nos limites, aí, aparecia alguns conflitos entre entidades. Um achava que era até ali, outra entidade achava que não, que o limite era mais “assim”. Então quando houve esse conflito, nós aplicamos, como eu disse anteriormente, nós aplicamos a pesquisa pra dirimir e eles também aprovaram essa metodologia de aceitar o que apontava a pesquisa, então eles absorveram. (BULHÕES, 2010 – Anexo A)

Figura 14: Questionário aplicado nas áreas de conflito Fonte: Prefeitura Municipal de Salvador/SMA.

Após a apresentação para a comunidade dos mapas definitivos e aprovação das

mesmas, passou-se à última fase que foi o georreferenciamento dos marcos e

limites dos bairros.

Dentro da metodologia utilizada vale ressaltar alguns pontos: os critérios utilizados

para a definição dos limites dos bairros e os critérios utilizados para a definição de

um local como bairro. Segundo informações obtidas na SMA, os critérios utilizados

para a definição dos limites foram:

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dimensão histórica;

barreiras físicas naturais (hidrografia, topografia);

barreiras impostas por intervenções (urbanização);

eixo de logradouro, fundo de lote.

Já os critérios utilizados para que uma dada área fosse constituída como bairro

foram:

pertencimento da comunidade (critério norteador);

existência de unidade escolar de ensino fundamental (a partir da 6ª série)

pública, comunitária ou privada;

existência de unidade de saúde (pública, comunitária ou privada) de

atendimento geral ou especializado;

existência de um logradouro hierarquizado como via coletora (ou equivalente

em porte/capacidade de fluxo) ou superior;

disponibilidade de transporte público, seja por ônibus ou micro-ônibus, desde

que regulamentado.5

Segundo Bulhões, durante a realização desse projeto a equipe teve que enfrentar

alguns problemas, especialmente de ordem institucional e de financiamento.

Na imagem a seguir é possível observar a configuração de bairros proposta para

Salvador:

5 Para ser considerada bairro, a área deve atender a pelo menos 4 dos 5 critérios citados, sendo que

a noção de pertencimento é obrigatória.

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Figura 15: Atual configuração de bairros de Salvador

Fonte: Prefeitura Municipal de Salvador/SMA.

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Apesar de já estar concluído, o trabalho ainda não se tornou lei. Ainda terá que

passar por aprovação na Câmara de Vereadores para que então a lei seja

sancionada.

No subitem seguinte será feito com maior aprofundamento uma discussão acerca

dos critérios adotados nas duas delimitações, sua coerência e aplicabilidade.

3.3 Confrontando as propostas de 1992 e de 2010 acerca dos limites do Cabula

Na atual delimitação de bairros de Salvador, ao contrário da que foi realizada em

1960, toda a cidade está contemplada com subdivisões. Muitas áreas da cidade,

hoje consolidadas, se tornaram bairros. Uma dessas áreas que se consolidaram

dentro do cenário soteropolitano foi o Cabula, foco deste estudo.

Que muitas áreas cresceram em termos populacionais e em oferta de serviços são

fatos que não podem e nem devem ser negados, porém, será que localidades onde

foram construídos alguns conjuntos ou até um único conjunto habitacional pode ser

elevado à categoria de bairro?

No subitem 3.1 é possível constatar as semelhanças existentes entre os bairros do

Cabula, Resgate, Saboeiro, Narandiba e Doron. Estes poderiam constituir, juntos,

um mesmo bairro, porém, pela nova delimitação cada área é um bairro diferente.

O Cabula delimitado por Fernandes em 19926 compreende tanto a área do atual

Cabula como a área destes outros bairros já citados. Mesmo desvinculando essas

áreas do que seria o Cabula, o bairro ainda continua com uma grande área

territorial, grande parte dela formada pelo 19º Batalhão de Caçadores (19º BC). Na

6 O primeiro trabalho em que Fernandes faz uma delimitação do Cabula data de 1992, trata-se da sua

dissertação de mestrado, porém em 2000 o IBGE atualiza a divisão dos setores censitários da cidade e devido a isso a autora estende essa atualização para o seu trabalho. É também em 2000 que defende a sua tese de doutorado, a qual é publicada como livro em 2003 e conta com os mapas atualizados.

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figura a seguir é possível observar a poligonal traçada em 2000 (atualização

baseada nos setores censitários de 2000) e a atual poligonal do bairro do Cabula.

Figura 16: Delimitação proposta por FERNANDES (1992) – atualização (2000) e atual delimitação do Cabula (2010). Fonte: Produzida pela autora com base em FERNADES (2000); SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER (2010) e aerofotos de Salvador (2006).

A área que não foi incorporada ao Cabula foi subdividida em 4 bairros, já

rapidamente caracterizados no subitem 3.1. Estes podem ser observados na figura a

seguir que faz uma superposição dos Cabula(s), espacializa também estes quatro

bairros, além de adicionar o bairro de Pernambués, que tem uma pequena parte de

sua área inserida na poligonal do Cabula de 2000.

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Figura 17: Delimitação proposta por FERNANDES 2000, atual delimitação do Cabula e bairros adjacentes.

Fonte: Produzida pela autora com base em FERNADES 2000; SANTOS, PINHO, MORAES e FISCHER, 2010 e aerofotos de Salvador do

vôo de 2006.

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O questionamento que se faz a essa subdivisão está diretamente ligado ao respeito

dos próprios critérios apontados como ideais para a delimitação dos bairros e

também se esses são os melhores critérios a serem adotados.

Dentro dessa configuração o Doron e o Resgate são emblemáticos. O Doron é um

conjunto habitacional, o maior construído na região do Cabula e justamente por

possuir uma grande quantidade de unidades habitacionais atraiu serviços (como

pequenos comércios) e houve a necessidade também de implantação de escola e

unidade básica de saúde, por parte do poder público, nas imediações do conjunto.

O Resgate, por sua vez é constituído por uma “rua sem saída” e nas suas margens

foram sendo construídos alguns conjuntos com um padrão construtivo melhor e

voltados para uma faixa de renda maior que os construídos nas outras áreas do

Cabula.

Esses locais, assim como Narandiba e Saboeiro, poderiam ser denominados de

localidades do bairro do Cabula. Essa categoria está prevista na nova delimitação de

bairros e se enquadra nessas áreas.

As localidades de bairro, segundo Adalberto Bulhões, seriam áreas consolidadas e

conhecidas que não atendiam aos critérios para serem definidos como bairros7.

Como colocado no item 3.2, para ser considerada bairro, uma área deve atender a

pelo menos 4 dos 5 critérios elencados para a definição de um bairro, sendo que o

sentimento de pertencimento é obrigatório dentro de uma comunidade. A seguir,

uma tabela comparativa com os critérios utilizados nas delimitações de 1992 e de

2010:

7 Ver mais a respeito de localidades de bairro na entrevista (Apêndice A).

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Figura 18: Comparativo dos critérios utilizados nas delimitações de 1992 e 2010. Fonte: Construída pela autora, com base em FERNANDES (1992) e no Projeto de Delimitação de Bairros (2010)

Apesar de mais criteriosa, a proposta de 2010 se comunica com a proposta de 1992

pelo fato de possuírem um critério em comum, a idéia do pertencimento. A proposta

de 2010 considera a importante questão dos equipamentos para a delimitação de

um bairro, porém não faz menção alguma aos setores censitários ou a qualquer

outro tipo de regionalização oficial o que, ao contrário desta, faz a proposta de 1992.

Um questionamento importante a ser feito a respeito da delimitação de bairros em

2010 é o fato da omissão de um dos cinco critérios apontados como ideais para a

delimitação. É fato que os pontos elencados como critérios são de extrema

importância para que a comunidade de um bairro possa realizar as suas atividades

quotidianas com maior facilidade e conforto, dessa forma, como afirmar que uma

comunidade pode viver sem um desses serviços?

Uma localidade que possuísse sentimento de pertencimento, equipamento de

saúde, equipamento de educação, via coletora ou equivalente, mas não fosse

Critérios apontados para a definição do bairro do Cabula

1992 2010

Considerar a noção comunitária Pertencimento da comunidade

Não desrespeitar as divisões oficiais

(ZI’s e RA’s) da época

Existência de unidade escolar de ensino

fundamental (a partir da 6ª série) pública,

comunitária ou privada

Respeitar os setores censitários Existência de unidade de saúde (pública,

comunitária ou privada) de atendimento

geral ou especializado

------- Existência de um logradouro

hierarquizado como via coletora (ou

equivalente em porte/capacidade de

fluxo) ou superior

------- Disponibilidade de transporte público seja

por ônibus ou micro-ônibus, desde que

regulamentado

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servida de transporte público, seria definida como bairro. Seguramente essa

definição é questionável, afinal o transporte público é vital dentro do sistema de

mobilidade de uma cidade, ele facilita o trânsito de pessoas por meio das conexões

viárias. O mesmo questionamento vale para a falta de qualquer outro serviço listado

como critérios nessa nova delimitação.

Para um melhor entendimento a respeito das vias coletoras e das demais definições

das vias urbanas, a busca no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) revela importantes

conceitos:

VIA DE TRÂNSITO RÁPIDO - aquela caracterizada por acessos especiais com trânsito livre, sem interseções em nível, sem acessibilidade direta aos lotes lindeiros e sem travessia de pedestres em nível. VIA ARTERIAL - aquela caracterizada por interseções em nível, geralmente controlada por semáforo, com acessibilidade aos lotes lindeiros e às vias secundárias e locais, possibilitando o trânsito entre as regiões da cidade. VIA COLETORA - aquela destinada a coletar e distribuir o trânsito que tenha necessidade de entrar ou sair das vias de trânsito rápido ou arteriais, possibilitando o trânsito dentro das regiões da cidade. VIA LOCAL - aquela caracterizada por interseções em nível não semaforizadas, destinada apenas ao acesso local ou a áreas restritas. (Código de Trânsito Brasileiro, Anexo I, 1997, s.p.)

O critério relacionado à via coletora ou equivalente é muito importante, pois trata de

conectividade, porém esse critério perde um pouco de sua credibilidade já que a

última vez que Salvador teve as suas vias hierarquizadas foi em 1984 na Lei de

Ordenamento e Uso do Solo Urbano de Salvador (LOUOS), na qual é possível

perceber discrepâncias, se comparada com a realidade atual da cidade.

Um exemplo claro dessas discrepâncias é o fato de a Avenida Luis Viana Filho

(Avenida Paralela) estar classificada na LOUOS de 1984, como uma via expressa o

que equivale à de trânsito rápido na definição do CTB. Se analisada com um pouco

de cautela, hoje, a citada avenida não corresponde a uma via expressa. Ela não

possui trânsito livre, é semaforizada (diminuindo a velocidade que se traduz numa

menor fluidez) e possui travessia de pedestres em nível (faixas de pedestre). Esses

problemas de classificação, provavelmente, se estendem a toda a cidade.

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Outra questão intrigante no bojo dessa discussão é o que se chama de sentimento

de pertencimento. Por ser algo abstrato não é possível medir, é algo relativo. É

inegável que as pessoas se sentem “pertencentes” a um local, especialmente se o

local de moradia é agradável, é seguro, ou há relações de vizinhança estabelecidas

ao longo dos anos.

Por outro lado esse conceito é um tanto perigoso e trouxe problemas para a

definição dos limites dos bairros. Por exemplo, uma localidade com uma população

de alta renda, com padrão habitacional alto, que tem como vizinhança uma área de

ocupação precária, onde a população possui baixa renda e é vista muitas vezes

como um local perigoso, como é comum em Salvador, é uma situação geradora de

futuros conflitos.

Os moradores da área mais nobre não vão aceitar que parte da área precária seja

incorporada ao bairro, pois isso diminuiria o valor dos imóveis devido a vizinhança.

Por outro lado, será interessante para os moradores da área precária que suas

casas sejam incorporadas ao bairro dito nobre, pois isso aumentaria o valor dos

seus imóveis. Dessa forma, a vizinhança de uma localidade lhe confere um status, o

que interfere no valor, como dito no capítulo 1.

Dentro dessa nova delimitação de bairros existem pelo menos dois exemplos de

localidades que não seguem a lógica dos critérios para a definição de um bairro. São

eles o bairro do Centro Administrativo da Bahia (CAB), situado na Avenida Paralela,

nas proximidades de Sussuara, e o bairro do Aeroporto, nas imediações de Itapuã.

Esses bairros foram definidos sob outra lógica de delimitação já que o bairro do CAB

e do Aeroporto compreendem apenas a área dos empreendimentos, não existem

habitações e, dessa forma, não há sentimento de pertencimento. Apesar de serem

totalmente diferentes dos demais bairros da cidade, há uma justificativa para que

estes locais fossem destacados do tecido urbano, formando bairros específicos.

Segundo Bulhões, definir que o Aeroporto ou o CAB são integrantes de um bairro é

uma tarefa complicada, já que eles estão dentro de uma rede de bairros, possuem

vizinhanças e por isso não seria justo inseri-los em um bairro ou em outro, além de:

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Do ponto de vista do estudo, você ter uma base pra estudo, primeiro que ela converge pra outros bairros, ela tá delimitada junto a outros bairros, segundo ele passa a ser um elemento muito grande pra que você venha a estudar aquele bairro, quando você for fazer um trabalho urbanístico, de requalificação, de estudos socioeconômicos da comunidade, entendeu, ou outros estudos, estudos ambientais, que tem reflexo com a comunidade. Então era importante que a gente deixasse destacado. (BULHÕES, 2010)

Essas são as contradições encontradas no decorrer deste estudo. Muitas vezes um

projeto não toma o rumo esperado ao ser colocado em prática. Em outras, o que

estava previsto não sai exatamente como esperado devido a inúmeros problemas

encontrados durante a execução. Por isso é importante que os resultados sejam

discutidos e estudados. Assim, erros são detectados e as falhas podem ser

eliminadas.

Como uma contribuição, ao finalizar essa análise, destaca-se algumas propostas

que podem vir a ser subsídio para novos trabalhos desta natureza. De início

salienta-se a importância de seguir rigorosamente os critérios elencados na

delimitação de um bairro, avaliando-se, é claro, caso, a caso a depender das

especificidades.

Destaca-se, ainda a respeito dos critérios, que nenhum deles seja descartado em

nenhuma das localidades, já que, como dito anteriormente, tratam-se de serviços de

vital importância para uma comunidade.

Outro ponto importante é a subjetividade implícita nesta delimitação de bairros. É

indiscutível que o sentimento de pertencimento existe e deve ser levado em

consideração, pois as pessoas são peça fundamental na construção da cidadania e

da participação.

Há que se tomar cuidado com a hierarquia, com a importância dada a essa questão

do pertencimento, pois as forças atuantes dentro da cidade seguem uma lógica mais

ampla, que é a capitalista e por isso essas relações são desiguais. Dessa forma,

algumas comunidades possuem um “poder” de voto e barganha muito maior que

outras.

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Ao findar este trabalho, considera-se que o objetivo foi cumprido, apesar de acreditar

que a pesquisa científica não se esgota no término de um trabalho monográfico. É

claro que esta intrigante questão, assim como outras, estarão sempre postas para

serem respondidas e cabe ao pesquisador a incansável missão de buscar as

respostas, com o compromisso de sempre fazer proposições exequíveis e que

possibilitem a mitigação das desigualdades e a promoção de uma sociedade mais

equitativa no que tange aos direitos dos cidadãos.

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Conclusão

Ao cabo deste trabalho acredita-se que o objetivo proposto de analisar a delimitação

de bairros dentro do contexto da capital baiana foi cumprido. É fato que a pesquisa

científica se alimenta de indagações e busca por respostas e, com certeza, este

tema ainda não foi esgotado, por isso ainda será objeto de investigação de outros

pesquisadores.

Após perpassar por conceitos fundamentais como região, bairro, espaço (absoluto,

relativo e relacional) percebe-se que estes foram fundamentais para uma

fundamentação bem construída das críticas ao projeto que resultou na delimitação

da área que, a partir de hoje, chamaremos de bairro do Cabula.

Ao relembrar as regionalizações que Salvador já possuiu, foi possível entender a

complexidade inserida na questão da delimitação de áreas. Delimitar não é apenas

traçar limites, é, definir limites, porém com uma intencionalidade, com um propósito.

Estes conceitos e histórico alertam para uma questão importante que pode ser

percebida durante a análise do projeto de delimitação de bairros de 2010. A questão

da vizinhança e seu status.

Para que a definição de limites não se baseie apenas na questão do valor relacional

de uma localidade, os critérios de definição dos bairros devem ser pensados

cuidadosamente de maneira a não ratificar as injustiças existentes no tocante à

ocupação do solo urbano.

Dessa forma, espera-se que o resultado dessa delimitação não seja o mapa do valor

do solo, mas configure-se como bairros compostos de áreas mais e menos

valorizadas, afinal Salvador possui grandes desigualdades no que diz respeito à

distribuição de renda e a ocupação do solo demonstra este fato de forma bem clara.

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A idéia de pertencimento, colocada como sustentáculo dessa delimitação é

fundamental para a formatação dos bairros, porém não deve ser tida como

definidora, pois é frágil. Ela corrobora para a efetivação de uma configuração

baseada no valor e não em princípios técnicos.

Um outro ponto crítico apontado neste trabalho é relacionado com os critérios.

Acredita-se que são critérios fundamentais, porém em algumas situações eles não

são seguidos para a delimitação dos bairros.

Como exemplos dessa contradição podem ser citados os bairros do Aeroporto e do

Centro Administrativo. É fato que destacá-los do tecido urbano como bairros

especiais foi um acerto, porém em momento algum houve ressalva a respeito

dessas especificidades.

Apesar das críticas tecidas neste trabalho há que se ressaltar a importância da

iniciativa de delimitar os bairros em Salvador. Uma cidade complexa no tocante à

configuração do tecido urbano.

Mesmo que a delimitação de bairros estivesse perfeita seria importante estudar e

criticar o trabalho realizado a fim de buscar a excelência, a fim de fazer com que ele

possa contribuir para a promoção da equidade social.

A partir das questões tratadas neste trabalho, algumas medidas são colocadas como

sugestões para contribuir com o tema abordado e em consequência para a

promoção dessa equidade social.

Entende-se que a realização de atualizações periódicas é de fundamental

importância para que a delimitação de bairros não se torne obsoleta com o passar

do tempo.

Outras atualizações são importantes também, como por exemplo, a atualização na

hierarquização do sistema viário da cidade, já que esta serve de base na definição

de um dos critérios citados na delimitação dos bairros.

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É importante que nas próximas atualizações os critérios definidores sejam mais

rigorosos. Isso não significa que a população não pode ser ouvida. Ela deve ser

consultada, afinal vive-se numa democracia e os projetos ligados ao setor público

devem atender a demandas da sociedade como um todo.

Mas a regionalização de uma cidade não pode ser colocada, simplesmente, como

resultados de uma grande assembléia afinal existem técnicos capacitados para

opinar e garantir que o resultado do trabalho seja rigoroso, porém não exclua a

opinião popular, que, é importante frisar, é essencial.

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Referências

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PENA, João Soares. A especulação imobiliária chega à periferia urbana de Salvador: origens e perspectivas do Cabula na perspectiva da habitação. Monografia (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2010. SANTOS, Carlos Nelson F. dos. A cidade como um jogo de cartas. Niterói: Universidade Federal Fluminense: EDUFF. São Paulo: Projeto Editores, 1998. SANTOS, Elisabete; PINHO, José Antonio Gomes de; MORAES, Luiz Roberto Santos; FISCHER, Tânia. O Caminho das Águas em Salvador: Bacias Hidrográficas, Bairros e Fontes. Salvador: CIAGS/UFBA; SEMA, 2010. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004. SANTOS, Rivelle Rivétria Santana dos. A influência do modo de produção capitalista no processo de produção do espaço: o pensamento de Lefebvre, Santos, Carlos e Harvey Monografia (Graduação) Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2009.

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Apêndice A - Entrevista com Adalberto Bulhões Filho – Assessor Chefe da

Assessoria Estratégica de Gestão da Superintendência de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Salvador

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Os “Cabulas” de Salvador: confrontando as delimitações de 1992 e

de 2010

Órgão: SMA

Técnico: Adalberto Bulhões Filho – Assessor Chefe da Assessoria Estratégica de

Gestão da Superintendência de Meio Ambiente

Data: 22 de julho de 2010

1) Como surgiu a necessidade da realização do Projeto de Delimitação de

Bairros e que órgãos fazem parte da equipe que levou o projeto a diante?

Adalberto: A necessidade foi por conta de você não ter uma base, uma divisão

territorial que significasse a idéia de pertencimento da comunidade. Então hoje a

gente tem, hoje o que se trabalha no planejamento é que você tem uma

configuração de bairros, mas que esses bairros, normalmente criados pela própria

população, eles não tem uma delimitação, consequentemente você não tem um real

diagnóstico daquela área por que ela não tem compatibilidade com os setores

censitários do IBGE e por que não tem compatibilidade com nenhuma referência de

divisão da cidade.

Ao mesmo tempo, pesquisando a gente verificou que nós somos umas das poucas

capitais do Brasil, ou talvez a única, que não tem delimitação de bairros, essa

divisão geopolítica. E também descobrimos que o município já teve essa delimitação

que foi traçada no governo de Heitor Dias. Feita essa delimitação essa lei foi

sancionada em 1960. Em 1960, representávamos, o município tinha 600 mil

habitantes e chegou-se, naquela ocasião, a 32 bairros na cidade. Quarenta anos

depois, 50 anos depois nós temos uma população de 3 milhões de habitantes e sem

uma delimitação de bairros. Então, pra a gente foi fundamental que criássemos essa

referência, uma referência de planejamento com base no pertencimento e

consequentemente criando-se uma malha geopolítica para o município.

Esse projeto nasceu em conjunto com um outro projeto de delimitação das bacias

hidrográficas e qualidade da água em Salvador. Nós fizemos esse trabalho em

conjunto, com proposta da SEDHAM e conseguimos buscar um convênio amplo pra

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que a gente pudesse viabilizar e foi fundamental a participação da Universidade

Federal da Bahia, que viabilizou através da escola de Administração, viabilizou junto

ao Ministério da Educação através do CNPQ parte significativa do financiamento

desse projeto.

Participam também no plano estadual a CONDER, a EMBASA, o IMA, o INGA, a

Secretaria do Meio Ambiente do Estado, um órgão federal, o IBGE que é peça

fundamental pra que a gente defina os setores censitários dentro dessa nova malha

e no plano da prefeitura, com o advento da SMA e a SEDHAM que conduziram esse

trabalho. Surgiu-se, então um convênio entre esses órgãos e cada um entrou com

uma parte. Essa metodologia foi discutida com todos e foi conduzido, desta forma,

com a coordenação maior da Universidade Federal.

Esta delimitação a gente vem resolver, também, os problemas das concessionárias

e dos órgãos públicos que trabalham com o município. Ai, agora a nossa idéia é que

todos os órgãos públicos tenham uma única base, tenha um único bairro

configurado, então a gente vai eliminando os problemas que existem. Por exemplo,

durante a pesquisa encontramos um imóvel que tinha no endereço quatro bairros

diferentes, com quatro correspondências, da prefeitura era um, da concessionária

era outro, eram bairros diferentes. E hoje, em 2010, chegamos à conclusão de 160

bairros.

2) Qual a participação da Superintendência do Meio Ambiente (SMA) no

Projeto de Delimitação dos Bairros de Salvador?

Adalberto: A participação da SMA é exatamente a idéia. A idéia inicial partiu da

gente. Como eu fazia parte da SEDHAM e tive que me deslocar pra SMA, nós

também trouxemos o projeto para dentro da SMA.

3) Qual a importância desse projeto para a gestão municipal e para a SMA,

em específico?

Adalberto: E a importância pra a SMA é que também essa referência é fundamental

para você ter uma referência socioambiental. Por que você vai ter também dentro

das zonas de proteção ambiental você vai ter também a configuração dessas

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populações. E também encontra-se no sistema de planejamento que ela faz parte da

SEDHAM.

4) Durante a pesquisa houve reuniões/audiências públicas com a

população de alguns bairros. Gostaria de saber qual a relevância dessas

reuniões para o projeto como um todo?

Adalberto: A princípio, na metodologia que nós elaboramos a gente destacou que

era fundamental a participação da comunidade. Era fundamental e de vital

importância. Por que a comunidade que iria dizer os seus limites, até onde vai o seu

bairro e até a história do seu bairro, como a gente encontra na publicação. E aí está,

junto à população está o real significado de pertencimento deles.

A gente tomou como parâmetro uma nomenclatura que criamos de jurisdição

associativa, ou seja, a jurisdição associativa você tem no campo cartorial, jurisdição

de varas da justiça, vara criminal, cartório, et cetera que estabelece também limites e

a gente tomou também como jurisdição associativa, ou seja, há em cada bairro, eles

tem uma noção de bairro, o limite do bairro deles, onde começa, onde termina.

Então a gente passou a incorporar isso como uma jurisdição associativa.

Geralmente nas associações de bairros eles tem o limite imaginário deles, o bairro

deles vai até tal ponto, termina em tal ponto. Aí eles tem a sua atuação definida

dentro da comunidade.

5) Nessas reuniões ou em qualquer outro momento houve algum tipo de

conflito com a população de algum bairro? Caso positivo como ocorreu e

como foi solucionado?

Adalberto: E o importante, também, disso é que esse princípio de jurisdição

associativa é que os limites são as bases de conflito e nesses limites, quando

apresentaram conflito de um bairro com o outro, nós adotamos aplicar a pesquisa

direta para dirimir esse conflito. De fato onde pertencia então o resultado de

pesquisa foi estabelecido.

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A comunidade participou por que esse projeto tem esse feito de ser um projeto

participativo com a comunidade, consequentemente um projeto aberto

democraticamente, onde a comunidade foi quem, digamos, consolidou e ratificou e

aprovou esse limites. Ouvimos, no processo todo, em torno de 1.200 entidades no

universo de bairros que a gente chegou.

6) Quais problemas tiveram que ser solucionados durante a realização dos

estudos, quais as dificuldades enfrentadas durante a realização do projeto?

Adalberto: Bem, a dificuldade que a gente encontrou foi a dificuldade primeiro do

ponto de vista institucional e dificuldade financeira, que foi vencido pelo entusiasmo

técnico de todos que estavam envolvidos e a gente conseguiu vencer e levar a

metodologia e suplantar isso.

Nós tivemos conflitos nos limites, aí, aparecia alguns conflitos entre entidades. Um

achava que era até ali, outra entidade achava que não, que o limite era mais

“assim”. Então quando houve esse conflito, nós aplicamos, como eu disse

anteriormente, nós aplicamos a pesquisa pra dirimir e eles também aprovaram essa

metodologia de aceitar o que apontava a pesquisa, então eles absorveram.

Uma coisa interessante é que a gente, ao chegar no final do trabalho, o mapa era

apresentado, o mapa que eles mesmos traçaram, eles validaram o mapa assinando

esses mapas. Então, esses mapas estão documentados com as assinaturas das

entidades que participaram. Então eles validaram o mapa e delimitaram o bairro

deles.

7) Eu gostaria que o senhor falasse das localidades de bairro.

Adalberto: As localidades de bairro a gente já tinha, já na discussão inicial,

entendido que a gente ia estabelecer. Primeiro era a opinião popular, a opinião da

população e segundo alguns critérios técnicos que iam ser adotados para que se

configurasse um bairro, para que uma determinada área se configurasse como

bairro.

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Então nós estabelecemos que, no aspecto técnico, você tinha que dispor de alguns

serviços e equipamentos públicos que configurasse um bairro. Teria, também que a

gente ver o centro do bairro, a convivência, aquilo que levava também a ter essa

noção de centro de bairro, que necessariamente não é no centro da área, mas é o

centro de convergência entre eles. Por exemplo, a Ribeira, o centro da Ribeira é na

sua ponta é na orla. É ali que se concentra a população da Ribeira é uma área que

eles frequentam mais, etc., é um centro que fica na ponta.

E a Ribeira preenche também todas as exigências de equipamentos e serviços

públicos, assim também como serviços particulares ou concessionados, como é o

caso da COELBA, que é um serviço público, embora na mão do privado, por que é

uma concessão que dá a esta empresa e outros serviços que são consignados.

Então, aquelas áreas que são conhecidas e não preencheram esses dois requisitos

para ser considerados como bairros, eles passam a ser uma localidade daquele

bairro. Pra exemplificar uma coisa pra você: o Alto da Sereia, no Rio Vermelho, é

uma localidade bastante conhecida, mas ela não se configurou como bairro, então

ela passa a ser uma localidade de Rio Vermelho.

Assim como São Lázaro também, que é bastante conhecido, ali na Federação, mas

ela também não preencheu. Então, não preenchendo, ela passa a ser uma

comunidade do bairro que ela está. No caso de São Lázaro é uma comunidade da

Federação, o Alto da Sereia é do Rio Vermelho e consequentemente outros pontos

da cidade.

8) Estudando o livro Caminho das Águas, percebi que um bairro diferente

foi instituído, com outros critérios, que foi o bairro do Aeroporto. Quais os

critérios utilizados, qual a justificativa para que apenas a área do aeroporto

fosse delimitada como bairro?

Adalberto: É você tem também um bairro assim que é o Centro administrativo, ele é

uma área grande, ele se configura, ele é um bairro administrativo, como o outro é

um bairro aeroviário.

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Então a gente chegou também a esse critério: os bairros que são eminentemente

residenciais, os bairros que são de uso misto, né, ele é residencial e comercial, você

tem bairro eminentemente comercial, como é o caso do Comércio, e a gente tem

também os bairros institucionais, que são grandes áreas que se configuram por ter

todos os serviços em torno de uma procura grande. Então a gente procurou também

preservar pra que não misturasse com as outras categorias de bairro.

Teve essa preocupação de observar o uso daquele local e não privilegiar ele a um

bairro que fique próximo dele, por que ele, ali, vai estar próximo de alguns bairros,

então pra você não privilegiar um bairro desses, nós isolamos ele. Essas

comunidades vieram depois desses espaços já estarem consolidados como um

bairro institucional.

Do ponto de vista do estudo, você ter uma base pra estudo, primeiro que ela

converge pra outros bairros, ela tá delimitada junto a outros bairros, segundo ele

passa a ser um elemento muito grande pra que você venha a estudar aquele bairro,

quando você for fazer um trabalho urbanístico, de requalificação, de estudos

socioeconômicos da comunidade, entendeu, ou outros estudos, estudos ambientais,

que tem reflexo com a comunidade. Então era importante que a gente deixasse

destacado.

9) Há algum outro assunto de relevância que gostaria de comentar a

respeito desse projeto?

Adalberto: Eu acho que a relevância desse trabalho é, que a gente ouviu muito da

comunidade, que é a comunidade dizendo “agora teremos uma identidade física”, ou

seja, uma identidade consolidado por lei. E essa identidade, inclusive, vem resgatar

o próprio princípio da palavra bairro, que vem de barrí, do árabe, vulgar, que era

exatamente quando esses nômades formavam suas comunidades e a parir dessas

comunidades eles chamavam de bairro que vem a ser barrí, então a coisa do

bairrismo é exatamente de bairro, não é de cidade, nem de estado, nem de país.

Então quando você pensar em serviço público, ou mesmo manifestações de outra

natureza, por parte de serviço privado em que se coloca o nome do bairro aquilo

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estaria, também, contemplando esse princípio de identidade deles, o que não tava

ainda. Ele agora vai tá mapeado, configurado com uma população a ser contada e

registrada dentro do trabalho que se desenvolve pelo IBGE. Então a gente vai ter

uma identidade, com numeração, em fim, com todos os aspectos que caracterizam

uma certidão de nascimento.

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Anexo A - Folder explicativo do Projeto de Delimitação dos Bairros de Salvador

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