os cova rd e s · 2015. 8. 24. · reincidência: “Nem você nem seu ex-companheiro podem se...

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DIÁRIO DE S. PAULO - DOMINGO / 23 DE AGOSTO DE 2015 2 DIÁRIO DE S. PAULO - DOMINGO / 23 DE AGOSTO DE 2015 3 dia a dia Só neste ano, 43 mulheres mortas por parceiros n Embora seja muito bem avalia- do pelas mulheres que partici- pam, o programa Guardiã Maria da Penha ainda atende uma pe- quena parcela de vítimas de vio- lência doméstica. Atualmente, 98 mulheres recebem visitas da Guarda Civil Metropolitana. Dados da Secretaria de Segurança Pú- blica de São Paulo, entretanto, in- dicam que apenas em junho des- te ano foram registradas no es- tado 4.614 ocorrências de amea- ça, 3.752 de lesão corporal dolo- sa (quando há intenção), 45 es- tupros consumados, além de sete homicídios. Tudo isso dentro da Lei Maria da Penha. De janeiro a junho foram 43 mulheres mortas por parceiros na capital, em fla- grante contra a lei que tenta inibir a violência doméstica. Os casos de lesão corporal dolosa provo- cadas por parceiros de vítimas femininas chegaram a 25.146. As ameaças fecharam os primeiros seis meses do ano com 29.265 ocorrências registradas. Já os es- tupros consumados atingiram 259 registros. Pelas estatísticas, os meses mais violentos contra a mulher foram janeiro, março e abril, com oito homicídios cada um em São Paulo. ESCUDOS HUMANOS Os anjos da guarda protege m contra l + Casa da Mulher não saiu do papel A Casa da Mulher Brasileira, que deveria abrigar no Cambuci, região central, uma delegacia da mulher, um centro de formação profissional e um abrigo, ainda não saiu do papel e segue como um sonho no bairro. 20 anos é o tempo em que o imóvel está ocioso no Cambuci Previsão era de inauguração em 2014 Anunciada pela Prefeitura em agosto de 2013, com previsão de inauguração em 8 de março do ano passado, a Casa da Mulher é uma parceria dos governos federal com o municipal. No local funcionava um estacionamento de ambulâncias do INSS. Comandante da GCM (Guar- da Civil Metropolitana) de São Paulo, Gilson de Menezes fala da expansão do programa Guardiã Maria da Penha. DIÁRIO_ Por que o programa funciona apenas no Centro da cidade? GILSON DE MENEZES_ O pro- jeto começou como uma pro- posta para combater a violência doméstica de forma preventiva, sem investimentos grandiosos. Foi um teste para ver se funcio- nava e os resultados foram sur- preendentes. E por que o Centro foi esco- lhido para começar? Por uma questão de logística, já que o Grupo de Atuação Espe- cial de Enfrentamento à Vio- lência Doméstica, do Ministério Público, funciona no Fórum da Barra Funda. São eles que enca- ENTREVISTA Gilson de Menezes _Comandante da GCM Não há estrutura para levar programa para toda a cidade minham as mulheres para o programa. Por que dentro do Centro o projeto funcionou mais na re- gião do Bom Retiro? Porque é uma região com mais casos de violência doméstica reportados ao MP. E agora, com mais de um ano de atuação, o projeto vai ser ampliado? Passado mais de um ano o pro- jeto ficou mais robusto. Hoje já é um programa. Colocamos mais uma viatura e estamos aumentando o número de atendimentos. Outras regiões serão contempladas? Sim. Nossa proposta é abrir um debate com a comunidade para ver aonde é necessário levar o programa. Para toda a cidade? Não temos estrutura para isso. ABORDAGEM Preventiva A guarda-civil metropolitana Patricia Favela chega ao prédio na Rua Augusta onde mora a cantora Fabiane Ramos, que está com medida protetiva determinada pela Justiça Fernando Granato [email protected] S egurança. Essa é a sen- sação sentida pela can- tora Fabiane Ramos, de 26 anos, quando os agentes do programa Guardiã Maria da Penha che- gam à sua casa. Os agentes inte- gram a GCM (Guarda Civil Me- tropolitana) e promovem visitas diárias a mulheres vítimas de violência doméstica. “Me sinto tranquila em saber que eu e meu filho estamos pro- tegidos”, disse Fabiane. Ela con- seguiu na Justiça uma medida protetiva para manter seu ex- companheiro a mais de 300 metros e distância. Isso depois de sucessivas ameaças de vio- lência por parte dele. O DIÁRIO acompanhou uma ida da equipe do Guardiã Maria da Penha à casa de Fabiane, na última quarta-feira. “Como fa- zemos a visitas todos os dias, já somos conhecidos no bairro”, disse a GCM Patricia Favela, que compõe a equipe com mais dois agentes. “Estou há 12 anos na corporação e este foi o traba- lho com o qual mais me identi- fiquei nesse tempo.” Em apenas um ano de funcio- namento do programa, Patricia já acumula histórias comoven- tes. “Atendemos apenas mulhe- res com medidas protetivas de- terminada pela Justiça e sob in- dicação do Ministério Público”, disse. “Mas a nossa simples pre- sença tem reduzido violência doméstica nos lugares onde atuamos. Outro dia uma mulher me abordou para dizer que seu marido não tinha mais batido os co nela com medo da polícia que tem rondado a rua.” Patricia não se esquece tam- bém de uma mulher do bairro da Luz, ne região central da capital, que era perseguida pelo ex-com- panheiro, um ambulante. “Todas as noites ela arrastava a geladeira até a porta, para evitar que ele en- trasse em casa”, contou. “Após começarmos as visitas ela disse que passou a dormir.” No caso de Fabiane, a insegu- rança estava no fato de seu ex- companheiro, músico, chegar na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta, onde ela mora. “Tinha de passar todos os dias pelo lugar onde ele toca na rua e isso me deixava muito ner- vosa”, contou. “Agora me sinto protegida porque ele sabe que a GCM está fazendo um acompa- nhamento de tudo.” O programa é uma parceria entre as secretarias municipais de Segurança Urbana e de Políti- cas para as Mulheres, com o Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Do- méstica, do Ministério Público do Estado de São Paulo, que en- caminha as mulheres. Em abril deste ano, foi adicionada uma nova viatura ao programa: hoje são duas. 145 vítimas foram atendidas pelo programa desde junho de 2014 VIOLÊNCIA EM NÚMEROS 98 mulheres recebem atualmente visitas dos GCMs do programa 8.513 visitas foram feitas pelos agentes em pouco mais de um ano de existência 2 viaturas com duas equipes de GCMs atuam no programa vardes Um ano após entrar em funcionamento, programa Guardiã Maria da Penha já promoveu 8.513 visitas de guardas-civis metropolitanos a mulheres vítimas de violência doméstica no Centro de São Paulo Uma rotina de visitas que geram segurança PRESENÇA Tranquilizadora Patricia faz visitas diárias e já conhece os costumes e problemas enfrentados por Fabiane, que apanha do mardio. “Criamos um vínculo e isso ajuda muito”, disse a GCM RELATOS Violência Fabiane conta episódios de ameça sofridos e recebe instruções para o caso de reincidência: “Nem você nem seu ex-companheiro podem se aproximar um do outro” Análise José dos Reis Filho, Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Unesp A presença do Estado inibe o agressor n A Lei Maria da Penha foi um passo fundamen- tal na luta contra a violência doméstica, mas não basta só ela. Uma das medidas previstas pela le- gislação é a restrição imposta aos agressores, que não podem se aproximar. Ocorre que essa garantia de preservação da segurança nem sem- pre é cumprida. Nesse sentido, estão aparecen- do iniciativas da Polícia Militar e de Guardas-Civis Metropolitanas para assegurar esse direito e os resultados são muito positivos. As policiais estão atentas e prestando atenção nos locais onde es- tão essas mulheres e isso está fazendo toda di- ferença. Isso está acontecendo, por exemplo, na cidade de Araraquara, no interior, por parte da PM. E, em São Paulo, com a GCM. É a presença do Estado nesses lugares. Não basta a lei. Programa mantido pelo município foi implantado em 2014 na região central

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DIÁR IO DE S. PAULO - DOMINGO / 23 DE AGOSTO DE 20152 DIÁR IO DE S. PAULO - DOMINGO / 23 DE AGOSTO DE 2015 3

dia a dia

Só neste ano, 43mulheres mortaspor parceiros

n Embora seja muito bem avalia-do pelas mulheres que partici-pam, o programa Guardiã Mariada Penha ainda atende uma pe-quena parcela de vítimas de vio-lência doméstica. Atualmente, 98mulheres recebem visitas daGuarda Civil Metropolitana. Dadosda Secretaria de Segurança Pú-blica de São Paulo, entretanto, in-dicam que apenas em junho des-te ano foram registradas no es-tado 4.614 ocorrências de amea-ça, 3.752 de lesão corporal dolo-sa (quando há intenção), 45 es-tupros consumados, além de setehomicídios. Tudo isso dentro daLei Maria da Penha. De janeiro ajunho foram 43 mulheres mortaspor parceiros na capital, em fla-grante contra a lei que tenta inibira violência doméstica. Os casosde lesão corporal dolosa provo-cadas por parceiros de vítimasfemininas chegaram a 25.146. Asameaças fecharam os primeirosseis meses do ano com 29.265ocorrências registradas. Já os es-tupros consumados atingiram259 registros. Pelas estatísticas,os meses mais violentos contra amulher foram janeiro, março eabril, com oito homicídios cadaum em São Paulo.

ESCUDOS HUMANOS

Os anjos da guardaprotege m contra

l+Casa da Mulhernão saiu do papelA Casa da MulherBrasileira, que deveriaabrigar no Cambuci, regiãocentral, uma delegacia damulher, um centro deformação profissional e umabrigo, ainda não saiu dopapel e segue como umsonho no bairro.

20anos é o tempo emque o imóvel estáocioso no Cambuci

Previsão era deinauguração em 2014Anunciada pela Prefeituraem agosto de 2013, comprevisão de inauguraçãoem 8 de março do anopassado, a Casa da Mulheré uma parceria dosgovernos federal com omunicipal. No localfuncionava umestacionamento deambulâncias do INSS.

Comandante da GCM (Guar-da Civil Metropolitana) de SãoPaulo, Gilson de Menezes falada expansão do programaGuardiã Maria da Penha.

DIÁRIO_ Por que o programafunciona apenas no Centro dacidade ?GILSON DE MENEZES_ O pro-jeto começou como uma pro-posta para combater a violênciadoméstica de forma preventiva,sem investimentos grandiosos.Foi um teste para ver se funcio-nava e os resultados foram sur-pre endente s .

E por que o Centro foi esco-lhido para começar?Por uma questão de logística, jáque o Grupo de Atuação Espe-cial de Enfrentamento à Vio-lência Doméstica, do MinistérioPúblico, funciona no Fórum daBarra Funda. São eles que enca-

E N T R E VISTAGilson de Menezes _Comandante da GCM

Não há estrutura para levarprograma para toda a cidade

minham as mulheres para oprograma .

Por que dentro do Centro oprojeto funcionou mais na re-gião do Bom Retiro?Porque é uma região com maiscasos de violência domésticareportados ao MP.

E agora, com mais de um anode atuação, o projeto vai serampliado ?Passado mais de um ano o pro-jeto ficou mais robusto. Hoje jáé um programa. Colocamosmais uma viatura e estamosaumentando o nú mero deatendimento s .

O u t r a s r e g i õ e s s e r ã ocontemplada s ?Sim. Nossa proposta é abrir umdebate com a comunidade paraver aonde é necessário levar oprograma .

Para toda a cidade?Não temos estrutura para isso.

ABORDAGEM P reve nti vaA guarda-civil metropolitana Patricia Favela chega ao prédio na Rua Augusta onde moraa cantora Fabiane Ramos, que está com medida protetiva determinada pela Justi ça

Fernando Granatofe r n a n d o . g ra n a to @ d i a r i os p . co m . b r

Segurança. Essa é a sen-sação sentida pela can-tora Fabiane Ramos, de26 anos, quando osagentes do programa

Guardiã Maria da Penha che-gam à sua casa. Os agentes inte-gram a GCM (Guarda Civil Me-tropolitana) e promovem visitasdiárias a mulheres vítimas deviolência doméstica.

“Me sinto tranquila em saberque eu e meu filho estamos pro-tegido s ”, disse Fabiane. Ela con-seguiu na Justiça uma medidaprotetiva para manter seu ex-companheiro a mais de 300metros e distância. Isso depois

de sucessivas ameaças de vio-lência por parte dele.

O DIÁRIO acompanhou umaida da equipe do Guardiã Mariada Penha à casa de Fabiane, naúltima quarta-feira. “Como fa-zemos a visitas todos os dias, jásomos conhecidos no bairro”,disse a GCM Patricia Favela,que compõe a equipe com maisdois agentes. “Estou há 12 anosna corporação e este foi o traba-lho com o qual mais me identi-fiquei nesse tempo.”

Em apenas um ano de funcio-namento do programa, Patriciajá acumula histórias comoven-tes. “Atendemos apenas mulhe-res com medidas protetivas de-terminada pela Justiça e sob in-dicação do Ministério Público”,disse. “Mas a nossa simples pre-sença tem reduzido violênciadoméstica nos lugares ondeatuamos. Outro dia uma mulherme abordou para dizer que seumarido não tinha mais batido

os conela com medo da polícia quetem rondado a rua.”

Patricia não se esquece tam-bém de uma mulher do bairro daLuz, ne região central da capital,que era perseguida pelo ex-com-panheiro, um ambulante. “To da sas noites ela arrastava a geladeiraaté a porta, para evitar que ele en-trasse em casa”, contou. “Ap óscomeçarmos as visitas ela disseque passou a dormir.”

No caso de Fabiane, a insegu-rança estava no fato de seu ex-companheiro, músico, chegarna esquina da Avenida Paulistacom a Rua Augusta, onde elamora. “Tinha de passar todos osdias pelo lugar onde ele toca narua e isso me deixava muito ner-vo sa ”, contou. “Agora me sintoprotegida porque ele sabe que aGCM está fazendo um acompa-nhamento de tudo.”

O programa é uma parceriaentre as secretarias municipaisde Segurança Urbana e de Políti-cas para as Mulheres, com oGrupo de Atuação Especial deEnfrentamento à Violência Do-méstica, do Ministério Públicodo Estado de São Paulo, que en-caminha as mulheres. Em abrildeste ano, foi adicionada umanova viatura ao programa: hojesão duas.

145vítimas foram atendidaspelo programa desdejunho de 2014

VIOLÊNCIA EM NÚMEROS

98mulheres recebematualmente visitas dosGCMs do programa

8.513visitas foram feitas pelosagentes em pouco mais deum ano de existência

2viaturas com duasequipes de GCMs atuamno programa

va rd e sUm ano após entrar em funcionamento,programa Guardiã Maria da Penha jápromoveu 8.513 visitas de guardas-civismetropolitanos a mulheres vítimas deviolência doméstica no Centro de São Paulo

Uma rotina de visitasque geram segurança

PRESENÇA Tra n q u i l i z a d o raPatricia faz visitas diárias e já conhece os costumes e problemas enfrentados porFabiane, que apanha do mardio. “Criamos um vínculo e isso ajuda muito”, disse a GCM

RELATOS Vi o l ê n c i aFabiane conta episódios de ameça sofridos e recebe instruções para o caso dereincidência: “Nem você nem seu ex-companheiro podem se aproximar um do outro”

Aná li s eJosé dos Reis Filho,Coordenador do Núcleo de Estudosda Violência da Unesp

A presença do Estadoinibe o agressor

n A Lei Maria da Penha foi um passo fundamen-tal na luta contra a violência doméstica, mas nãobasta só ela. Uma das medidas previstas pela le-gislação é a restrição imposta aos agressores,que não podem se aproximar. Ocorre que essagarantia de preservação da segurança nem sem-pre é cumprida. Nesse sentido, estão aparecen-do iniciativas da Polícia Militar e de Guardas-CivisMetropolitanas para assegurar esse direito e osresultados são muito positivos. As policiais estãoatentas e prestando atenção nos locais onde es-tão essas mulheres e isso está fazendo toda di-ferença. Isso está acontecendo, por exemplo, nacidade de Araraquara, no interior, por parte daPM. E, em São Paulo, com a GCM. É a presençado Estado nesses lugares. Não basta a lei.

Programa mantidopelo município foiimplantado em 2014na região central