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OS DEBATES METODOLÓGICOS NA INGLATERRA NAS DÉCADAS DE
1870 E 1880: O DESAFIO HISTORICISTA À ECONOMIA POLÍTICA
Autora: Laura Valladão de Mattos
Filiação: Departamento de Economia FEA-USP
Resumo:
Esse artigo analisa um debate, ocorrido nas décadas de 1870 e 1880, que se seguiu a
fortes críticas lançadas por dois economistas historicistas, Thomas Cliffe Leslie e John
Kells Ingram, à natureza dedutiva, abstrata e universalista da Economia Política. O
objetivo desses economistas era substituir essa ciência por uma Economia de caráter
indutivo e histórico. Walter Bagehot e William Stanley Jevons – defensores,
respectivamente, da ortodoxia vigente e do marginalismo emergente – reagiram
diretamente a esses críticos. A resposta de Bagehot foi reafirmar o método dedutivo da
Economia Política, porém restringir a validade dessa ciência às sociedades comerciais
avançadas como a Inglaterra. A reação de Jevons foi enfatizar a natureza dedutiva e
universal da teoria econômica, mas defender a importância da existência de ramos de
históricos e aplicados de investigação. Argumenta-se que, o desafio historicista colocou
as questões metodológicas na ‘ordem do dia’ e fez com que esses economistas
atribuíssem um ‘lugar’ para a história – ainda que não aquele almejado por Leslie e
Ingram. Analisar esse debate metodológico permite uma compreensão melhor das
alternativas que se apresentavam para a Economia ao final do século XIX e pode, quem
sabe, jogar luz sobre os rumos que a nossa ciência tomou nas primeiras décadas do
século XX.
Palavras-chave: Cliffe Leslie, John Ingram, Stanley Jevons, Walter Bagehot,
historicismo
Abstract:
This paper analysis a debate that occurred in the 1870’s and 1880’s as a consequence
of the challenge that two historicist economists – Thomas Cliffe Leslie and John Ingram
– posed to the deductive, abstract and universal nature of Political Economy. The aim
of these economists was to replace the deductive science of Political Economy for an
inductive and historical science. Walter Bagehot and William Stanley Jevons –
representing respectively the prevailing orthodoxy and the emergent marginalism –
reacted directly to these critics. Bagehot’s answer was to reaffirm the deductive method
of Political Economy, and to restrict its validity to advanced commercial societies as
England. Jevons’s reaction was to emphasize the deductive and universal character of
economic science, but at the same time defend the necessity of developing historical and
applied branches of economic investigation. It is argued that the historicist challenge
placed methodological questions in the ‘order of the day’ of economic discussions, and
led Bagehot and Jevons to ascribe a ‘place’ for history – although not the one aspired
by Leslie and Ingram. The analysis of this debate helps us to understand better the
alternatives that existed for Economics in the late nineteenth-century, and might shed
light on the direction that our science followed in the first decades of the twentieth-
century.
Key-words: Cliffe Leslie,John Ingram, Stanley Jevons, Walter Bagehot, historicism
Código JEL: B1; B15; B5
ANPEC: ÁREA 1- História do Pensamento Econômico e Metodologia
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I. Introdução:
Quando pensamos no que ocorreu em termos de pensamento econômico nas
últimas décadas do século XIX na Inglaterra, em geral, o que vem à mente são as
críticas lançadas pelo marginalista William Stanley Jevons à Economia Política Clássica
e depois a grande obra econômica de Alfred Marshall, que ‘enterrou’ definitivamente a
ortodoxia Clássica e deu início a uma nova forma de fazer Economia.
Essa narrativa está correta, mas perde de vista o fato de que aproximadamente
vinte anos separam as publicações de A Teoria da Economia Política de Jevons em
1871 e dos Princípios de Economia de Marshall em 1890 – período de muitas
controvérsias entre os economistas, e no qual o futuro da nossa ciência parecia
indefinido.1
Nas décadas de 1870 e 1880, a Economia Política Clássica foi desafiada não
somente pelo projeto de Jevons de construção de uma teoria econômica dedutiva e
matemática baseada na utilidade e no interesse individual, mas também por economistas
historicistas, cujas críticas e propostas contestavam tanto a ortodoxia vigente, como a
emergente economia marginalista.
Houve, assim, nesse período um embate não entre duas, mas entre três visões
bastante diferentes de Economia. De um lado, a ortodoxia Clássica, de outro, as duas
escolas rivais que buscavam substituí-la (KOOT, 1980:179). E, pelo menos por um
tempo, os historicistas pareciam levar a melhor. Como sugere Maloney: “[...] entre os
seus dois herdeiros em potencial, marginalismo e historicismo, eram os historicistas
que estavam em sintonia com o clima intelectual geral da época.” (MALONEY,
2008:1).2
Esse artigo se propõe a analisar um debate que se seguiu ao desafio lançado por
dois economistas historicistas, Thomas Cliffe Leslie e John Kells Ingram, em meados
da década de 1870, às vertentes dedutivas da economia. Eles criticaram a pretensão
universalista da ciência da época, o seu método de investigação, e as políticas que os
economistas defendiam usando por base o conhecimento fornecido pela ciência abstrata
da Economia e defenderam substitui-la por uma ciência indutiva e histórica da
Economia. Evidentemente muitos de seus contemporâneos simplesmente ignoraram
essas ideias e continuaram a defender, sem alterações, os métodos até então utilizados
pela Economia Política. No entanto, dois importantes economistas da época, Walter
Bagehot e William Stanley Jevons – defensores, respectivamente, da ortodoxia Clássica
e do marginalismo – reagiram diretamente a esses críticos. A resposta de Bagehot foi a
de, por um lado, reafirmar a Economia Política Clássica e seu método de investigação,
mas por outro, restringir a sua validade às sociedades comerciais avançadas como a
Inglaterra. Jevons, por sua vez, propõe subdividir o campo da Economia e, ao mesmo
tempo em que reafirma a natureza dedutiva e universal da teoria econômica
1 Como aponta Coats (1954), essa intensa divergência se revelou de forma explícita em um jantar
comemoração ao centenário da publicação da Riqueza das Nações (em 1876) realizado no Clube de
Economia Política. A falta de consenso no jantar era tanta que, segundo Jevons, “[a]lguns jornais
sugeriram [...] que os economistas políticos deveriam estar celebrando as exéquias e não o jubileu de sua
ciência”(JEVONS, 1876: 619). 2. Phyllis Dean também ressalta a força do historicismo na época: “Na década de 1870, a comunidade
intelectual dos economistas […] não era nem um pouco receptiva à noção de que o primeiro passo em
direção a um consenso científico genuíno seria a construção de uma teoria geral e matemática do valor.
Pelo contrário, ela estava mais abalada pelos ataques [...] que vinham da direção oposta, isto é, dos
historicistas, que acusavam os economistas de serem muito abstratos e irrealistas nas suas teorias e
procedimentos analíticos. (DEAN, 1989:130). A autora ressalta o enorme prestigio desfrutado pela
História na época, o que reforçava as demandas de que a Economia deveria adotar o mesmo método que
estava tendo sucesso nessa disciplina (Dean:1989:132).
3
propriamente dita, defende a importância da existência de ramos de históricos e
aplicados de investigação econômica. Assim, argumenta-se no artigo que, apesar dos
dois rechaçarem a maior parte das ideias historicistas, o desafio por eles lançado fez
com que atribuíssem um ‘lugar’ para a história – apesar de não aquele almejado por
Leslie e Ingram.
Embora muito relevante na época, e muito interessante ainda hoje, esse episódio
foi relativamente pouco tratado pela literatura secundária – principalmente se
comparado à enorme atenção dada à reação marginalista à Economia Política Clássica e
ao methodenstreit alemão.3 Acredita-se que analisar esse debate metodológico nos
permite compreender melhor as alternativas que se apresentavam para a Economia ao
final do século XIX e, quem sabe, jogar luz sobre os rumos que a nossa ciência tomou
nas primeiras décadas do século XX.
O artigo está dividido em quatro seções além dessa introdução. Na seção II, as
críticas dos historicistas Cliffe Leslie e John Ingram à ortodoxia vigente serão expostas.
Na seção III, as respostas de Walter Bagehot e de Stanley Jevons a esse desafio serão
analisadas. E, por fim, na seção IV, algumas considerações sobre as consequências
dessa controvérsia para os rumos da Economia serão apresentadas.
II. As críticas historicistas à Economia Política:
II. I. Contexto histórico:
Antes de abordarmos as críticas dos historicistas, é importante expor, ainda que
rapidamente, o contexto não qual elas surgiram e o que estava em jogo nessa ‘batalha
dos métodos’.
A denominação de ‘escola histórica inglesa’ não é totalmente adequada, uma
vez que os seus dois principais protagonistas no período em análise, Thomas Edward
Cliffe Leslie e John Kells Ingram, eram irlandeses. E não foi mero acaso que o
historicismo de língua inglesa tenha se originado nesse país.
A Irlanda tinha uma condição social e econômica muito diferente daquela
existente na Inglaterra e, no entanto, era administrada por esse país de acordo com
princípios e preceitos econômicos derivados tendo em vista a realidade inglesa e não as
especificidades da sociedade irlandesa (Hodgson, 2001:65/67).
Em nome das ‘leis universais da Economia Política’, foram implementadas
políticas que levaram a resultados desastrosos na Irlanda e culminaram na grande fome
irlandesa de meados do século XIX – calamidade social que matou aproximadamente
um milhão de pessoas e fez com que mais de dois milhões de irlandeses deixassem o
país (Gray, 1995: 94 e Kinzer, 2001: 89). E o apelo aos mesmos ‘princípios
econômicos’ era utilizado, igualmente, para rechaçar reformas econômicas e sociais
que, segundo a visão de muitos irlandeses, poderiam equacionar os enormes problemas
do país. Assim, como explicita Koot, “[a escola histórica inglesa] teve sua raiz na busca
de soluções os problemas sociais e econômicos da Irlanda – problemas para os quais a
economia ortodoxa britânica não parecia oferecer uma solução”(KOOT, 1975: 336).
No centro do desafio historicista estava, portanto, um questionamento da
pretensa ‘universalidade’ dos princípios da Economia Política Clássica. Rejeitava-se a
pertinência de transpor os princípios desenvolvidos tendo em vista a Inglaterra para
outras sociedades, como a irlandesa, com cultura, hábitos, história e características
econômicas e sociais diferentes (Hodgson, 2001: 67).
Quando analisamos o seu contexto de origem, fica claro que, apesar de o embate
dos historicistas com a ortodoxia econômica ter se dado basicamente em termos
3 Há, no entanto, uma reduzida literatura secundária sobre o tema (apesar de muitas vezes tratar apenas de
alguns dos aspectos a serem aqui abordados) que será extensamente utilizada ao longo do trabalho.
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metodológicos, havia muito mais em jogo. Colocava-se em dúvida, principalmente, se a
ciência econômica dedutiva e abstrata que era desenvolvida pela ortodoxia vigente seria
um bom fundamento para formulação de preceitos e políticas. Com apontam Collini et
all:
[…] era, acima de tudo, o seu papel de comando nas discussões de assuntos
públicos que fazia da Economia Política algo pelo qual tão claramente valia a
pena lutar, e era o entendimento deste papel que os economistas históricos
tentavam, acima de tudo, alterar” (COLLINI et all, 1983: 274/5).
E esses questionamentos mais gerais, sobre a universalidade dos princípios e dos
preceitos da economia política clássica fundamentaram-se em uma radical crítica à
metodologia adotada pela ortodoxia vigente.
II.2. Crítica dos historicistas ao método dedutivo e abstrato da ortodoxia clássica:
O radical desafio metodológico dos historicistas teve como alvo central a
natureza dedutiva e abstrata dessa ciência. Eles questionaram a ambição de se construir
uma ciência separada (e autônoma) da Economia Política e rejeitaram a possibilidade de
utilizar o conhecimento abstrato e a-histórico fornecido por essa ciência como
fundamento para a formulação de políticas econômicas.
A economia ortodoxa – que ainda tinha como seu principal nome J.S.Mill –
fundava a sua ciência em um pequeno conjunto de motivações humanas, conhecidas por
introspecção, e consideradas universais.4 Partia-se da ideia de que na esfera dos assuntos
econômicos, os homens eram prioritariamente motivados pela busca da pela riqueza e
por duas motivações que perpetuamente a ela se contrapunham, o desejo de consumir
coisas dispendiosas e a aversão ao trabalho (Mill, [1844], 1967: 321). Esses
economistas sabiam que outras motivações também afetavam a ação econômica dos
homens, no entanto, consideravam que a preponderância desse conjunto de motivações
era grande o suficiente de forma a justificar estudo dos resultados que seguiriam caso
essas fossem as únicas motivações em ação – com esse argumento justificavam a
ciência separada e dedutiva da economia (MILL, [1844], 1967:323). Tendo, desta
forma, como base essa hipótese comportamental, a ciência da Economia Política
chegava às suas leis e princípios.
Uma vez que os resultados da ciência eram obtidos considerando apenas
algumas (as mais importantes) das motivações que efetivamente determinavam o
comportamento econômico, ela seria uma ‘ciência abstrata’. Ela afirmaria apenas
tendências. Não seria de se esperar uma concordância exata entre os resultados da
ciência e a realidade, já que a ciência propositadamente omitia uma série de fatores – as
‘causas perturbadoras’ – que poderia ser relevante no caso em questão.
Assim, a Economia Política ortodoxa era concebida como uma ciência abstrata,
dedutiva e autônoma – que tinha como fundamento uma abstração que ficou conhecida
como o ‘homem econômico’. Contra essa concepção, os historicistas propunham uma
ciência indutiva, histórica e muito proximamente articulada com a Sociologia. Como
descreve Bladen: “J.K.Ingram e Cliffe Leslie […] queriam reconstruir a Economia
sobre uma base indutiva e observacional” (BLADEN, 1941: 2). Ou seja, consideravam
que o método indutivo deveria ser usado para se chegar aos próprios ‘princípios’ da
ciência.5
4 Nesse artigo não se visa discutir o método defendido por J.S. Mill e aceito pela maior parte dos
economistas políticos clássicos. A estratégia é enuncia-lo de forma rápida para que as críticas dos
historicistas se tornem inteligíveis. Para a formulação de Mill sobre a metodologia da Economia Política
ver Mill([1844], 1967). 5 Como descreve Tribe, contra a pretensão da Economia Clássica, os historicistas apresentavam um: “[...]
projeto de construção de uma ciência histórica indutiva, na qual a diversidade das circunstâncias
5
No centro do desafio historicista estava uma crítica a abstração ‘homem
econômico’, a partir da qual eram obtidas as leis de funcionamento e os princípios
econômicos. Inclusive quem cunhou o termo– que tinha na sua formulação um sentido
pejorativo – foi o historicista John Ingram. Ele acusa a Economia Política de “[…] lidar
não com homens reais, mas com homens imaginários – ‘homens econômicos’
....concebidos como meros animais acumuladores de dinheiro” (INGRAM, apud
PERSKY, 1995:222).
Cliffe Leslie, que deu o pontapé inicial ao methodenstreit inglês na década de
1870 (KOOT, 1975:313), centra fogo no pressuposto comportamental assumido pela
ortodoxia da época – que, no seu entender seria “[...] um estereótipo psicológico irreal,
totalmente incapaz de sustentar a pirâmide de deduções lógicas jogadas sobre ele [...]”
(LESLIE apud MALONEY, 2008:2). 6
Um primeiro problema seria o fato de o desejo de riqueza – motivação básica da
economia política – ser na verdade uma abstração que agregava várias motivações
significativamente diferentes como se fossem uma única motivação homogênea (Leslie,
1876: 186). A esse respeito o autor afirma:
Nenhum tal princípio como ‘o desejo de riqueza’, no sentido de uma única
motivação universal, cujas consequências são uniformes e previsíveis,
realmente existe (LESLIE, [1879], 1888: 198). 7
Ele acreditava que ‘riqueza’ abarcava uma variedade muito grande de coisas e
que a forma específica de riqueza que seria buscada e as consequências que disso
derivariam em termos da produção e da distribuição do produto variavam de forma
significativa ao longo da história (Leslie, [1879], 1888: 199):
No que concerne a natureza da riqueza […] diferenças essenciais em seu tipo e
constituintes, que afetam profundamente as condições econômicas da
humanidade, manifestam-se em diferentes estágios de progresso, e cujas causas
devem ser buscadas na totalidade do estado de sociedade – física, moral,
intelectual e civil (LESLIE, 1876: 189).
E no que concerne à distribuição dessa riqueza, Leslie acredita que é “[...]
resultado não só da troca, mas também das ideias e sentimentos morais religiosos e
familiares, e de toda a história da nação.” (LESLIE, 1876:189).
Ao ignorar esses aspectos, e tratar ‘desejo por riqueza’ como algo homogêneo e
imutável, a economia política dedutiva deixava de fazer as perguntas que os historicistas
consideravam as mais relevantes. Como, por exemplo, qual seria o tipo de riqueza
buscada em determinada época e local? Como ela era adquirida e utilizada? Como esses
fatores variavam em diferentes estados de sociedade, e com diferentes instituições e
circunstâncias históricas? E fazia com que se ignorasse o próprio efeito das instituições
e da sociedade sobre o próprio desejo de riqueza dos homens:
Os próprios desejos e objetivos [wants and aims] sumarizados no ‘desejo de
riqueza’ surgem não de propensões inatas, originais e universais do homem
individual, mas da comunidade e sua de história (LESLIE, [1879], 1888: 212).
econômicas fosse adequadamente reconhecida. Assim, o que une todas essas preocupações com o projeto
de uma economia histórica [...] é uma lealdade a uma abordagem indutivista e empiricista à teoria
econômica, e uma hostilidade à economia dedutiva [...]”(TRIBE: 2002: 1). 6 “O ser humano ou ‘indivíduo’ a partir de cujas tendências assumidas as conclusões do sistema
dedutivo são traçadas e suas predições feitas, é uma ficção e não uma realidade – a personificação de
duas abstrações, o desejo por riqueza e a aversão ao trabalho – sentimentos que diferem [...] em
diferentes países, épocas e pessoas […]”(LESLIE, [1879], 1888: 207). 7 As motivações envolvidas têm caráter diverso em diferentes épocas: “[t] anto os desejos pelos quais as
riquezas de diferentes tipos são objetos, como os desejos que competem com eles são, em todas as
nações, resultado de seu curso histórico e seu estado de civilização” (LESLIE, 1876: 177/8)
6
Na concepção historicista, o presente só poderia ser compreendido à luz do
passado e havia, assim, uma enorme ênfase no estudo da evolução dos fenômenos
econômicos (KEYNES, [1890] 1985: 80/81).8 E a economia dedutiva perderia de vista
totalmente essa dimensão histórica do comportamento econômico, ou seja, as diferenças
existentes entre diversos países e épocas no que concerne ao que é efetivamente
desejado como riqueza, como ela é produzida e como é distribuída e sobre como essas
coisas evoluíram ao longo do tempo deixando a sua marca no presente (Leslie,
1876:189). Como ressalta Ingram:
Segue [...] de seu método a priori e a-histórico que eles chegam a resultados
que alegam ser aplicáveis a todos os estados de sociedade. Ao negligenciarem
o estudo do desenvolvimento histórico, eles tendem em medida excessiva a
conceber a estrutura da sociedade como um tipo imutável [...] (INGRAM,
1878: 24).9
Ingram, resumindo e subscrevendo as ideias de Leslie afirma:
O ponto sobre o qual o Sr. Leslie insiste […] não é meramente […] que a frase
desejo por riqueza representa uma generalização grosseira e rudimentar na
história natural do homem; mas que vários impulsos incluídos sob esse nome
assumem formas diferentes e variam na sua força relativa e, portanto,
produzem consequências econômicas diversas em diferentes estados de
sociedade; e que a abstração incorporada na frase é por demais vaga e irreal
para ser utilizada em uma investigação econômica de caráter realmente
cientifico (INGRAM, 1878: 15/16).
Outra crítica importante, também relacionada à utilização do ‘homem
econômico’, diz respeito à própria possiblidade de existência de uma ciência separada e
dedutiva da Economia Política. Ingram e Leslie, cada um à sua maneira, frisam a
tremenda interdependência existente entre os fenômenos econômicos e os demais
fenômenos sociais – o que traria problemas adicionais para o procedimento adotado pela
ortodoxia econômica da época de fundar a ciência econômica apenas nas motivações
relacionadas ao desejo de riqueza.
Leslie, um pouco menos radical que Ingram, admite a legitimidade de selecionar
os fenômenos econômicos como objeto de estudo, mas enfatiza a importância de fatores
morais, religiosos, afetividades familiares, militares, etc. na própria ação econômica do
homem:
O que chamamos de forças econômicas não só estão conectadas às forças que
são também morais e intelectuais, como são idênticas a elas. Os desejos que
governam a produção, a acumulação, a distribuição e o consume da riqueza são
paixões, apetites, afeições, sentimentos morais e religiosos, sentimentos pela
família, gostos estéticos e desejos intelectuais (LESLIE, 1876: 177/8).
8 Leslie frisa esse ponto: “Todo estado sucessivo [sucessive state][…] tem uma economia
indissoluvelmente conectada com o desenvolvimento intelectual, moral e civil; e a condição econômica
da sociedade inglesa hoje é o resultado de todo o movimento que desenvolveu a constituição política, a
estrutura da família, as formas de religião, as profissões aprendidas, as artes, a ciência, e o estado da
agricultura, manufatura e comércio. O método filosófico da economia política tem que ser tal que
exponha essa evolução” (LESLIE, 1876:190). 9 Sobre universalismo da economia clássica inglesa, o autor afirma: “A verdade é que na maior parte das
asserções dos teoremas econômicos pela Escola Inglesa, a prática é pressupor tacitamente que o estado
de desenvolvimento social e as condições históricas e sociais gerais são similares aos da Inglaterra
moderna [...]” (INGRAM, 1878: 25). Ressalta ainda: “O caráter absoluto da economia política atual é
evidenciado não só por sua negligência da influência do estado geral da sociedade, mas também pela
forma ilimitada e incondicional que dá à maior parte das suas conclusões” (INGRAM, 1878: 15).
7
A ortodoxia clássica também admitia que fatores extra-econômicos afetavam a
ação econômica dos homens, todavia considerava que a sua consideração só seria
relevante na hora de aplicar os princípios da ciência à prática. Nesse caso, seria sim
necessário levar em conta os fatores que, no caso específico em questão, colaborariam,
ou se contraporiam à busca de riqueza, afetando desta forma os resultados. No entanto,
a consideração destes seria relevante para somente para a ‘arte’ da economia, mas não
para a ciência.10
Os historicistas, ao contrário, consideravam que múltiplas motivações seriam
importantes para explicar a ação econômica e seria incorreto e radicalmente ‘não-
científico’ “[...] isolar uma única força, mesmo que seja real [...] e chamar as deduções
a partir dela de leis da riqueza” [...](LESLIE, [1879], 1888:212). Como afirma Leslie
afirma:
[…] a economia política é, portanto, um departamento da ciência da sociedade
que seleciona uma classe especial do fenômeno social para investigação
especial, mas para esse propósito deve investigar todas as forças e leis que a
governam (LESLIE,[1879], 1888: 212, grifo adicionado).
Para esses economistas, o tratamento da questão deveria ser realista (e não
abstrata) e, nesse sentido, mesmo na esfera da ciência econômica, se deveria lidar com
toda a natureza do homem. Como descreve Neville Keynes ao tratar dessa vertente:
[...] o economista deveria somente de forma muito parcimoniosa, se é que
deveria, [if at all], empreender uma abstração das realidades complexas da vida
econômica real, e consequentemente, deveria[...] lidar não com um ‘homem
econômico’ abstrato […] mas com os homens tais como eles realmente são,
movidos por diversas motivações e influenciados pelas condições reais da
época e sociedade em que vivem. […] (KEYNES, [1890], 1965:80).
A conclusão desses historicistas era a de que o estudo dos fenômenos
econômicos não poderia ser empreendido, nem em um primeiro momento de forma
autônoma ou separada, e que a investigação econômica deveria feita, quando muito,
como um ramo da Sociologia. Ingram, discípulo de Auguste Comte, chega a dizer que a
Economia deveria ser subsumida nessa ciência da sociedade.11
De toda forma, para
esses dois historicistas, como afirma Zouboulakis:
A abstração do ‘homem econômico’ não era uma base razoável para analisar o
fenômeno econômico e o desejo de riqueza, tal como qualquer outro motivo
específico não é suficiente para sustentar uma ciência separada da economia
(ZOUBOULAKIS, 2008: 97).
Seria impossível ter um conhecimento a priori (ou intuitivo) de todas as outras
motivações que influenciam a conduta humana, sobre o peso relativo destas motivações
e sobre todas as mudanças que ocorrem nesses fatores ao longo do tempo.12
Chegar
nesse conhecimento exigiria uma cuidadosa e extensiva pesquisa indutiva e histórica de
10
Os historicistas obviamente não compartilhavam essa visão. Ingram, por exemplo, a esse respeito
afirma: “Para os propósitos tanto da teoria como da prática os vários ramos da investigação social estão
inseparavelmente entrelaçados [...]” (INGRAM, 1878:12). 11
Ele afirma: “[…] me parece que seja como um ramo frutífero de especulação, ou como importante fonte
de orientação prática, ela [a economia política] deixará de comandar, ou fracassará em reconquistar,
atenção [...] a não ser que, de fato, seja subsumida a Sociologia e absorvida por ela (INGRAM, 1878:
14). 12
Para Leslie os seguidores da economia dedutiva se encontram diante de um dilema: Ou admitem que
homem é apenas motivado por riqueza “[…] ou devem aceitar que possuem um conhecimento intuitivo
de todas as motivações morais, políticas e outras que influenciam a conduta humana, e de todas as
mudanças pelas quais elas passam em diferentes países e períodos” (LESLIE, [1879], 1888: 202) – o que
obviamente não é factível.
8
forma a se chegar aos que princípios se faziam importantes naquela sociedade e naquela
época específica para a ação econômica. Desta forma, só depois de uma observação
empírica sistemática dos fenômenos econômicos e da sua histórica e é que seria possível
generalizar e se chegar a ‘princípios’. E mesmo estes princípios não seriam universais, e
sim pertinentes à situação histórica específica para a qual foram formulados.
Assim, era um estudo histórico e indutivo cuidadoso que deveria fornecer as
bases de uma economia aplicada, capaz de servir de guia para a intervenção social
(Koot, 1975: 336), e não o conhecimento fornecido pela doutrina econômica vigente.
Em referência a Leslie, Koot afirma:
[…] ele acreditava que um paciente tratamento histórico, comparativo e
estatístico dos assuntos econômicos […] era o único caminho verdadeiro de
criar uma economia política capaz de servir de guia para a formulação de
políticas públicas (KOOT, 1980: 183).
Não que Cliffe Leslie fosse, a rigor, contra utilização do método dedutivo. Ele
criticava a Economia Política por utilizar como base para as suas deduções princípios
que eram simplesmente ‘assumidos’, sem o necessário estudo empírico prévio. Cliffe
Leslie afirma em nome dos historicistas:
Nós somos [...] pela eliminação do método dedutivo de Ricardo: quer dizer, da
dedução a partir de hipóteses não verificadas [...]. Porém não somos contra a
dedução a partir de generalizações e princípios verificados, ainda que
consideremos a tarefa urgente do presente como sendo a indução, e encaremos
longas sequências dedutivas com suspeição (LESLIE [1879], 1984).
De toda forma, seria o trabalho indutivo que forneceria as bases para ciência
(Bladen, 1941:23).13
Desta forma, eles defendem a precedência do método indutivo,
fazendo extenso uso da história. 14
O ataque dos historicistas à economia política foi, portanto, bem radical. Eles
criticavam o seu método, o seu escopo, a universalidade das suas conclusões e a própria
possibilidade de uma ciência autônoma da Economia Política. Exigiam um estudo
cuidadoso, indutivo e histórico, que considerasse as especificidades locais e
engendrassem, depois de um estudo detalhado, princípios pertinentes às diferentes
situações históricas.15
Somente depois desse estudo realista, e detalhado das
características históricas, culturais, institucionais e políticas seria possível chegar às leis
13
Em uma bela descrição que resume, no meu entender, bem a posição dos seus colegas historicistas,
Herbert S. Foxwell afirma: “[eles] se interessam comparativamente pouco pelas deduções, pois eles
acreditam que os fatos não foram ainda observados de forma cuidadosa, que as hipóteses só têm uma
relação remota com os fatos, que os fatos em si estão em processo de evolução e mudança e que a
natureza e a direção dessa evolução social são objetos de estudo muito mais importantes do que
deduções elaboradas e complicadas [...] eles se opõem ao dogmatismo arrogante e dogmático que se
apoia em generalizações grosseiras e sobre uma base limitada de observação [...].”(FOXWELL,
1887:89). 14
Como muito do que foi dito por esses dois historicistas ficou no nível programático, não é fácil
vislumbrar o tipo de Economia que resultaria da concepção historicista. Collini et all, no entanto, fazem
esse exercício no que concerne as propostas de Leslie : “[…] Especificada de forma abstrata, parece que
resulta em uma sociologia histórica vagamente concebida, na qual os arranjos econômicos são
relacionados a mudanças nos gostos, nos valores religiosos e morais, nos arranjos políticos e legais e
assim por diante.” (COLLINI et all, 1983: 264). 15
Ingram resume as suas propostas para a Economia Política da seguinte forma: “1) Que o estudo dos
fenômenos econômicos deve ser combinado de forma sistemática com aquele de outros aspectos da
existência social. 2) Que a tendência excessiva à abstração e à simplificações irreais deve ser revertida;
3) Que o método dedutivo a priori deve ser substituído pelo histórico e; 4) Que as leis econômicas e os
preceitos práticos fundadas naquelas leis devem ser concebidas e expressadas numa forma menos
absoluta [...]” (INGRAM, 1878: 26).
9
econômicas específicas daquela nação e formular políticas adequadas para sanar os
problemas daquela sociedade em particular.16
Como resume Koot:
Para combater o falso universalismo da economia ortodoxa, Leslie promoveu a
posição historicista de que políticas econômicas, instituições e teorias deveriam
ser relativas a uma época e uma localidade especifica […](KOOT, 1980:183)
III. As respostas da economia clássica e marginalista ao desafio historicista: O caso
de Walter Bagehot e Stanley Jevons:
O ataque historicista suscitou várias respostas dos defensores de uma economia
dedutiva ao longo das décadas de 1870 e 1880. Dentre elas, duas parecem ser
especialmente interessantes: as de Walter Bagehot e de William Stanley Jevons. Eles se
posicionaram de forma original em relação às várias questões metodológicas que os
historicistas conseguiram colocar na ‘ordem do dia’. Como será visto, eles tomaram
posição em relação à questão da universalidade/contingência dos pressupostos da
ciência economia, em relação ao método adequado à ciência (dedução/indução), a
respeito da possibilidade de estudo autônomo da economia política, no que concerne a
relação entre a ciência e a prática, e em relação a outras questões levantadas pelos
historicistas. E, com isso, acabaram por designar um lugar para a ‘história’ na reflexão
econômica.
III.1. A reação de Walter Bagehot:
Walter Bagehot elaborou as suas posições metodológicas como uma reação
direta ao ataque historicista à Economia Política Clássica e o risco que ele representava
ao prestígio da escola à qual se filiava (Moore, 1996: 229 e 245). Bagehot era um
grande admirador de Ricardo e defensor do método dedutivo na economia, mas o seu
engajamento no ‘batalha de métodos’ contra os historicistas acabou gerando uma
posição original no que concerne ao status da Economia Política ortodoxa
(Zouboulakis, 1999: 79).
Bagehot se via como um defensor da ortodoxia econômica e considerava a
Economia Política muito importante para resolver os problemas da Inglaterra. Mostrou-
se, portanto, preocupado, com a rápida e intensa perda de prestígio que essa ciência
estava sofrendo e com aumento da descrença do público no que concerne a sua
relevância. Em 1876, ele afirma:
[…] a posição da nossa Economia Política não é de todo satisfatória. Ela
se encontra morta na mente do público. Não só ela não excita mais o
mesmo interesse de antes, como também não desperta mais a mesma
confiança. (BAGEHOT, [1876], 1882: 92/3).
O interessante é que, no intuito de ‘salvar’ a economia política ortodoxa, ele
aceita parte das críticas dos historicistas, especialmente no que concerne à pretensão de
universalidade da economia política vigente, e apresenta uma versão que alguns
consideram extremamente relativista dessa teoria. 17
Bagehot parte do reconhecimento de que a perda de prestígio era culpa dos
próprios economistas ortodoxos. Essa ciência era apresentada “[...] não como uma
teoria das principais causas que afetam a riqueza em certas sociedades, mas como uma
16
Maloney afirma que um dos pontos que unem os historicistas era a “[...] determinação em enfatizar que
nenhuma teoria ou política poderia ser apropriada para todas as épocas e lugares, e a convicção de que
tanto a economia clássica como a neoclássica eram muito abstratas para fornecer ao Estado ou ao
cidadão alguma ajuda prática [much practical help]” (MALONEY, 2008:sp) 17
Como explica Moore: “[...] A forma extrema de relativismo de Bagehot foi articulada como uma
resposta ao crescimento do movimento historicista, e ao desafio que eles representavam para as
doutrinas ortodoxas. (MOORE, 1996: 245).
10
teoria da principal causa ou, as vezes mesmo, de todas as causas que afetam riqueza
em todas as sociedades.”(BAGEHOT, [1876a], 1882: 105).18
Ele ressalta que os bons
economistas admitiam a existência de ‘fricções’ ou ‘causas perturbadoras’ que podiam
contrabalançar os efeitos das causas consideradas pela ciência econômica. No entanto,
mesmo estes, deixavam os seus leitores com a impressão de que essa ‘fricção’ seria algo
secundário e que aquelas causas apontadas pela ciência seriam as principais e as mais
relevantes (Bagehot, [1876 a], 1888: 105).
Nas sociedades comerciais avançadas (como a Inglaterra), Bagehot considerava
que essas ‘fricções’ ou ‘causas perturbadoras’ eram, de fato, secundárias e quase
negligenciáveis de forma que, no que concerne a elas, não tinha qualquer crítica a fazer
à adoção do método dedutivo baseado no ‘homem econômico’.
No entanto, ele
considerava esse procedimento totalmente inadequado quando aplicado a sociedades
tradicionais ou ‘não-econômicas’ pois, nelas “[...] essas outras causas – que em alguns
casos são umas e em outros, outras – são as mais ativas [...]”(BAGEHOT, [1876],
1882: 106), não fazendo sentido trata-las como ‘residuais’.
Assim, apesar de se juntar à tradição ortodoxa na defesa da necessidade de uma
análise econômica abstrata, esse economista acabou por se distinguir por sustentar
explicitamente a relatividade histórica dos postulados da Economia Política – cuja
validade estaria restrita apenas a sociedades comerciais avançadas como a Inglaterra. 19
Ao contrário da maior parte dos economistas ortodoxos, ele estava pronto para admitir
que muitas sociedades eram guiadas pelo costume e pelos hábitos, ou seja, eram o que
ele denominou de sociedades ‘não-econômicas’ (Collini et all, 1983: 256). No que
concerne a essas sociedades, os pressupostos assumidos pela Economia Política não
seriam observados e as conclusões derivadas a partir destes não teriam validade. E ele é
bem explícito a esse respeito:
[…] nenhum esforço intelectual pode ser mais absurdo do que tentar aplicar as
conclusões da nossa Economia Política às vidas das nações em um estágio não-
comercial de sua existência (BAGEHOT, 1882: 163).
Assim, ele se colocava claramente ao lado dos historicistas contra as pretensões
universalistas da Economia Política Clássica. Sobre o status da economia ortodoxa ele
afirma: “[...] a nossa economia política [inglesa] não é algo questionável de validade
ilimitada, mas algo muito certo e útil de extensão limitada” (BAGEHOT, [1876],
1882:109).20
Ele entende que “[…] a sua autoridade deve ser defendida, mas suas
fronteiras demarcadas.” (BAGEHOT, [1876], 1882: 196).21
18
Ele aponta dois outros defeitos que derivavam dessa pretensão à universalidade e que colaboravam para
o descrédito da Economia: o caráter árido da ciência, pela falta de ilustração histórica, e a correlata
tendência a ficar no nível abstrato (sem se ocupar com a verificação) – uma vez que o estudo de
sociedades específicas revelariam instâncias nas quais os princípios da ciência se aplicariam, mas também
aqueles nos quais fracassam (BAGEHOT, [1876], 1882:106). 19
Segundo Moore, “Bagehot estava convencido de que as leis da economia política ortodoxa poderiam
resolver os problemas sociais e econômicos da Inglaterra, e endossou, portanto, o método abstrato e
dedutivo a ela associado. No entanto, ao mesmo tempo, as suas próprias faculdades lidavam com o
concreto, e ele desconfiava de generalizações vazias e não-operacionais [...] Ele conseguiu reconciliar
essas crenças ao tornar a aplicabilidade das abstrações relativas a um período e lugar”(MOORE,
1996:245). 20
Como ele afirma em outra passagem: “[…] temos que entender de forma clara onde ela [a Economia
Política] está estabelecida e onde não está; isto é, a sua soberania deve ser defendida, mas as suas
fronteiras demarcadas” (BAGEHOT, [1876], 1882: 196). 21
No entanto, a metodologia de Bagehot não era apenas defensiva. Como afirma Moore, “[Bagehot] era
particularmente critico das alternativas propostas pelos historicistas ao método dedutivo.” (MOORE,
1996:242) Ele atacou o método indutivo defendido pelos historicistas, frisou que colecionar fatos não
faria progredir a ciência, e que a abstração era fundamental para a Economia Política Ele diz que o
11
De fato, ele restringiu o campo em que a Economia Política seria aplicável, no
entanto, no âmbito desse campo, ele sustentou afirmações bastante fortes sobre a
validade da ciência. Isso não passou despercebido aos seus contemporâneos. Giffen, por
exemplo, afirma na em 1880:
O que Bagehot fez foi […] provar, contra as alegações da Escola Histórica, que
existe uma época e sociedade – todo o mundo dos negócios da Inglaterra no
presente momento, e uma grande parte de outras comunidades – na qual as
hipóteses da Economia Política Inglesa são aproximadamente verdadeiras no
concreto bem como no abstrato (GIFFEN, apud HODGSON, 2001: 73). 22
Além disso, como apontam Collini et all o relativismo de Bagehot era limitado,
uma vez que ele acreditava que a racionalidade tenderia a vencer o costume e o hábito
mesmo nessas sociedades ‘não-econômicas’, e que na medida em que isso ocorresse, a
Economia Política se tornaria crescentemente aplicável (1983:257). Essa postura fica
clara na seguinte passagem:
A Inglaterra foi a primeira – ou uma das primeiras – nação a mostrar essas
características com tal vigor e tão isoladamente de forma sugerir a análise
separada delas, mas na medida em que o mundo segue, características similares
estão sendo desenvolvidas em uma sociedade após a outra[...] Da mesma
forma que os ‘homens do mundo’ são iguais em todos os lugares, o grande
comércio também é igual em todo lado. As peculiaridades locais, e as
circunstâncias perturbadoras antigas caem em ambos os casos; e é desse
comércio único e uniforme que cresce diariamente [...] que a economia politica
inglesa aspira ser a explicação.”(BAGEHOT, [1876], 1882: 108/9).23
Os historicistas perceberam a natureza da defesa da Economia Política feita por
Bagehot, e rejeitaram a sua saída. Apesar de concordarem plenamente com a ideia de
que seria inadequado aplicar os princípios e preceitos da Economia Política a países
muito diferentes da Inglaterra, a resposta apresentada por Bagehot não lhes pareceu
convincente. Por conta das questões metodológicas já discutidas, eles acreditavam a
Economia Política, tal como era desenvolvida, não seria adequada nem mesmo para a
Inglaterra da época. A esse respeito Leslie afirma:
Apologistas recentes do método a priori e abstrato de raciocínio econômico se
sentem forçados a confinar a sua aplicação ao estágio avançado da sociedade
comercial […] Ela é agora restrita por Mr. Bagehot a ‘um único tipo de
sociedade’ […] No entanto, o tipo de sociedade econômica que temos na
método (baconiano) que os historicistas sugerem foi tentado nas ciências físicas sem qualquer sucesso.
Para ele, o método que foi bem sucedido nas ciências “[…] não tem sido aquele de descartar as
especulações abstratas e sim de trabalhar essas especulações [working out abstract
speculations].”(BAGEHOT, 1882:102). E, depois de defender a importância do raciocínio abstrato contra
as críticas dos historicistas, Bagehot aproveita para dar uma alfinetada na teoria marginalista, que se
opunha à ortodoxia: “[...] qualquer um que acredite que o que é ensinado na Inglaterra é objetável por
ser muito pouco concreto em seu método e por se parecer pouco com a vida e os negócios, deve tentar as
nova doutrina, que ele irá considerar muito pior nesses pontos”(BAGEHOT, 1882: 104) 22
Pelo fato de Bagehot acabar negando a validade universal da Economia Política, alguns autores como
Blaug e mesmo Hutchinson o classificam como historicista. No entanto, essa visão não parece correta.
Como coloca Moore (1996) ele era um economista clássico tentando defender a ortodoxia de um ataque
que estava ganhando adeptos. Como aponta Neville Keynes, o Bagehot não limitou a economia política
ortodoxa às sociedades modernas para fazer avançar o historicismo, e sim “[...] para concentrar a
atenção no fenômeno econômico e para evitar distrações que resultariam de se desviar para os
fenômenos superficialmente correspondentes, mas essencialmente diferentes de épocas anteriores.”
(KEYNES, apud MOORE, 1996:246). 23
Como conclui Zouboulakis: “[...] já que, de acordo com Bagehot, as sociedades evoluem de forma
similar, o futuro pertence [lies ahead for] à economia política inglesa.” (1999:86).
12
Inglaterra […] é uma que exibe por todos os lados a influência de costumes,
tradições, leis, instituições políticas, sentimentos religiosos e morais: é uma
sociedade na qual o Estado, a Família, e mesmo a Igreja são elementos
poderosos [...] e na qual os objetivos dos indivíduos, [...] a estrutura do
comércio e as profissões não podem ser explicadas sem levar em conta a sua
história(LESLIE, apud BLADEN, 1941: 19).
De toda forma, na avaliação de Zouboulakis (1999: 89), com a sua defesa
original, Bagehot contribuiu para fortalecer o Programa de Pesquisa Ricardiano contra
os ataques dos historicistas na década de 1870.
III.2. A resposta de Jevons ao desafio historicista:
O ataque de William Stanley Jevons contra a ortodoxia de Ricardo/J.S.Mill é
bem conhecido pelos economistas. Ele se rebela contra ‘a influência nociva’ da
autoridade’ exercida por essa Escola, e certamente reserva boa parte de sua munição
para derrota-la. Posiciona-se contra a sua teoria do valor e clama por uma Economia não
só abstrata e dedutiva, mas, sobretudo, matemática. No entanto, como argumentado
anteriormente, a ortodoxia clássica não era a única frente na qual ele tinha que
combater. O desafio historicista também tinha como alvo o seu projeto para a Economia
– e esse era um adversário poderoso e que não podia ser ignorado. Como afirma
Robertson:
Por um tempo parecia que a ‘Escola Histórica’ poderia se erguer de forma a
empurrar a economia como ciência, pelo menos temporariamente, para um
lado. T.E. Cliffe Leslie [...] tinha protestado contra o que ele chamou de
economia política a priori […] Talvez a oposição mais severa ao que Jevons
representava tenha vindo do [...] Professor J.K. Ingram (ROBERTSON, 1951:
230).
Por conta disso, Jevons também não ficou indiferente às críticas proferidas pela
Escola Histórica. Afinal, ao criticarem o método dedutivo e abstrato na economia, os
historicistas também miravam o incipiente projeto marginalista de substituição à
ortodoxia clássica. E Jevons reconhece a importância e influência dessa vertente rival.
Em 1876, ele afirma:
É impossível ignorar o fato de que uma escola de autores que adotam uma
visão radical das reformas necessárias em nossa ciência tem gradualmente se
tornado importante. Eles questionam até mesmo a validade do método dedutivo
[...][e]defendem que a ciência tem que ser totalmente modificada em termos de
método e de conteúdo, e que deve tomar a forma de uma ciência histórica [...]
(JEVONS, 1876: 620)24
A importância atribuía aos estudos históricos e estatísticos por Jevons, o fato de
ser um economista aplicado25
, e também a circunstância de terem como alvo comum a
24
No Prefácio à 2ª edição da TEP ele volta a essa questão nos seguintes termos: “Uma discussão digna de
nota tem ocorrido recentemente […] sobre o método lógico da ciência [da economia política], que
envolve até a questão de se existe tal ciência […] É evidente, portanto, que uma atitude de crítica muito
ativa está se espalhando, que dificilmente falhará em minar ao final o prestígio das falsas velhas
doutrinas. Mas o que será colocada no seu lugar? […] O Sr. Cliffe […] reconstruiria a ciência em um
modo puramente indutivo. Ela terá ou a natureza de uma miscelânea de fatos desconexos, ou terá que ser
um ramo da [...] Sociologia.” (JEVONS, [1879] 1888: xiv). 25
A posição que Jevons assume nesse debate é interessante por ele ter se dedicado a estudos aplicados, e
por ter genuíno interesse em investigações empíricas. Na verdade, ele já era conhecido por seus trabalhos
aplicados – em especial por seu The Coal Question (1865) – antes de ter publicado o seu livro A Teoria
da Economia Política em 1871. E esses trabalhos tiveram, segundo Collison Black, uma aceitação melhor
do que a sua proposta de economia teórica pura, devido “[...] ao simples fato de que eram estudos
indutivos” (1962:217), já que esse tipo de investigação estava bastante em voga na época.
13
ortodoxia vigente fizeram com que Jevons e os historicistas se alinhassem em alguns
pontos.
De fato, Jevons valorizou a investigação histórica em medida maior do que os
autores ortodoxia clássica e procurou abrir um espaço para ela na Economia. A esse
respeito ele afirma:
[...] Eu estou longe de pensar que o tratamento histórico da nossa ciência é
falso ou inútil. Pelo contrário, eu o considero indispensável. O estado presente
da nossa sociedade não pode ser explicado somente pela teoria. Temos que
levar em conta o longo passado, do qual estamos constantemente emergindo.
(JEVONS, 1876: 622). 26
Ele discordava, entretanto, da intenção historicista de substituir a teoria abstrata
existente por um estudo indutivo e histórico dos fenômenos econômicos, que levaria, no
seu entender, à destruição desse ramo do saber e à virtual subsunção dessa ciência na
Sociologia. Jevons acusa Leslie e Ingram da ‘falácia da exclusividade’ (fallacy of
exclusiveness), e afirma:
Eu não consigo facilmente conceber um assunto para investigação mais
interessante ou útil do que aquele que o professor Leslie advoga e pratica. É
absolutamente essencial que nós encararemos o presente à luz do passado; no
entanto, eu discordo dele inteiramente quando ele defende que a economia
política histórica deve destruir e substituir a teoria abstrata que previamente
ocupava previamente o lugar da ciência [has previously held the place of the
science] (JEVONS, 1876: 623). 27
A proposta de Jevons era empreender os dois tipos de investigação (teórico e
histórico) lado a lado. Nesse sentido ele afirma:
[…] ao invés de converter a ciência atual em uma ciência histórica, destruindo-
a totalmente no processo, eu iria aperfeiçoar e desenvolver o que já possuímos,
e, simultaneamente, erguer um novo ramo da ciência social sobre uma
fundação histórica [….] A ciência da Evolução das Relações Sociais
(JEVONS, [1879] (1888): 20). 28
A proposta de divisão da Economia em vários ramos de investigação foi, na
realidade , resposta de Jevons ao desafio historicista. Ele afirma que a economia não
deveria mais ser tratada mais como uma única ciência (JEVONS, 1876: 624), muito
pelo contrário:
[…] A subdivisão é o remédio. Temos que distinguir o elemento empírico da
teoria abstrata, da teoria aplicada e da arte mais detalhada das financias e
administração. Desta forma, irão surgir as várias ciências, tais como a
estatística comercial, a teoria matemática da economia, a economia descritiva e
sistemática, a sociologia econômica e a ciência fiscal (JEVONS, 1879: xvi).
26
Ele diz: “Eu concordo com esses economistas eminentes [Leslie e Ingram] a ponto de aceitar que a
investigação histórica é de grande importância” (JEVONS, [1879] 1888, 20). E frisa que é importante
que os economistas façam o que Maine fez na Jurisprudência, ou seja: “[...] mostrar que todo [...] fato
social é o produto do passado [...].” (JEVONS, 1876:622/3). 27
Ele acusa Leslie de querer eliminar o método dedutivo na sua crítica à economia ortodoxa: “[...] no que
se refere ao destino do método dedutivo, eu discordo totalmente [... ] do Sr. Leslie; ele é a favor de seu
abandono [deletion]; eu sou por uma ampla reforma e reconstrução”(JEVONS, 1879: xv). 28
Sobre os historicistas ele afirma que “[…] podem ter sucesso na construção da nova ciência, mas eles
não vão revolucionar e destruir totalmente a velha da forma como parecem supor.”(JEVONS, 1876:
624).
14
E no que concerne o campo da teoria econômica propriamente dita, ele reafirma
enfaticamente que o método de investigação adequado seria o dedutivo e matemático.29
Para Jevons, os princípios básicos da economia política são tão [...] amplamente
verdadeiros e aplicáveis, que podem ser considerados universalmente verdadeiros no
que diz respeito à natureza humana. (JEVONS, 1876: 624). E esta seria a base segura
para a teoria dedutiva, abstrata e matemática da Economia Política. Nas suas palavras:
A teoria da ciência consiste daquelas leis que são tão simples na sua natureza, e
tão profundamente fundada na constituição do homem e do mundo externo,
que eles permanecerão as mesmas ao longo de todas as épocas sob nossa
consideração (JEVONS, 1876: 625). 30
E seria a teoria (abstrata, dedutiva e universal) que forneceria a chave para a
interpretação dos eventos históricos31
:
[...] os princípios básicos da economia política são tão largamente aplicáveis
que podem ser considerados universalmente verdadeiros no que concerne à
natureza humana. A economia política histórica, longe de deslocar a teoria
econômica, irá tão somente exibir e verificar a ação longa e contínua das suas
leis nos mais diferentes estados. (JEVONS, 1876: 624). 32
Assim, apesar de valorizar genuinamente a história, fica claro que Jevons
inverte totalmente o método proposto pelos historicistas. Ao invés de chegar aos
‘princípios econômicos’ por meio de um estudo indutivo e histórico minucioso, ele
propõe entender a história à luz dos princípios universais e imutáveis da teoria
econômica.
Desta forma, Jevons abre um espaço para a investigação histórica, mas
certamente não foi aquele almejado pelos historicistas. Não só ele exclui o estudo
histórico do domínio da teoria econômica, como não deixa dúvidas quanto a
precedência da teoria dedutiva e universal em relação aos demais ramos da Economia.
Assim, ele claramente rejeita tanto o relativismo teórico de Bagehot (que restringia a
validade ciência dedutiva da Economia Política aos estados avançados como a
Inglaterra), como o dos historicistas (que reivindicavam que cada sociedade seria regida
por princípios diferentes, que deveriam ser descobertos de forma histórica e indutiva).
29
Na Introdução à Teoria da Economia Política ele reproduz (de forma surpreendentemente elogiosa) a
defesa metodológica que Mill faz da dedução na Economia a partir de algumas leis psicológicas simples
conhecidas por introspecção (exemplo, que um ganho maior é preferido a um menor). A única diferença
considerável entre a metodologia da ortodoxia vigente e a de Jevons dizia respeito à sua visão de que a
Economia, além de ser dedutiva e abstrata seria também matemática na sua natureza. 30
Ele advoga uma teoria econômica mais restrita do que a teoria ortodoxa vigente – que trataria da “[...]
mecânica da utilidade e auto-interesse.” (JEVONS, 1876:626).. 31
Ele dá um exemplo dos esquimós, que tem hábitos concernentes à propriedade diferentes, mas que
podem ser explicados com base nas leis universais da teoria econômica. Observa-se que se um esquimó
tem dois barcos e outro não tem nenhum, o primeiro deixará com que o segundo utilize o barco (e eles
não têm o hábito de devolver o que pegam emprestado). Jevons explica esse fato recorrendo à lei da
utilidade marginal decrescente, o primeiro barco é fundamental para sobrevivência, mas a relevância do
2º é bem menor, por isso pode ser dispensado. Explica diferenças culturais com base nos mesmos
princípios utilizados em outras sociedades (JEVONS, 1876: 623). Sugere que os princípios da Economia
valem mesmo para animais mais evoluídos como cachorros: “Eu não devo desistir [I should not despair
of] de traçar a ação dos postulados da economia entre algumas das classes mais inteligentes de animais.
Os cachorros certamente têm ideias fortes, apesar de talvez limitadas, de propriedade, como você
rapidamente descobre quanto se coloca entre o cachorro e seu osso.”(JEVONS, 1876: 624). 32
A relação entre as leis universais e as ocorrências circunstanciais é descrita da seguinte forma: “[…] A
teoria da ciência consiste daquelas leis gerais que são tão simples na sua natureza, e tão profundamente
baseada na constituição humana e do mundo externo, que elas permanecem iguais ao longo de todas as
épocas que estão sob nossa consideração [...] Da mesma forma que há uma ciência geral da mecânica,
há uma ciência geral ou uma teoria da economia”(JEVONS, 1876: 625).
15
Fica claro, então, que, embora Jevons tenha mantido relações cordiais com os
historicistas, eles estavam em campos opostos na ‘batalha dos métodos’.33
E essas
diferenças não escaparam aos historicistas.34
Cliffe Leslie descreve nos seguintes termos
a solução de jevoniana:
O Sr. Jevons concorda totalmente com a necessidade da indução histórica para
estabelecer os fenômenos econômicos da sociedade e suas leis, mas a colocaria
aparte como um ramo da ciência da sociedade sob o nome de sociologia
econômica, restringindo o termo economia política [...] à teoria deduzida a
partir de fatos conhecidos, axiomas ou hipóteses sobre a conduta ditada pelo
interesse pessoal (LESLIE, 1879: 158).
E em seguida rejeita explicitamente esse projeto de separar a investigação
histórica da teórica ao afirmar: “[...] tudo o que Sr. Jevons classifica aparte sob o nome
de sociologia econômica, tem o direito lógico a um lugar dentro do domínio da
economia política.”(LESLIE, [1879], 1984: 158).
Para os historicistas, a teoria econômica de Jevons estaria sujeita à maior parte
das críticas dirigidas à Economia ortodoxa. Ela também partia de um ‘homem
econômico’ – que maximizava utilidade ao invés de riqueza – era dedutiva, abstrata e
desconsiderava as diferenças culturais e históricas existentes entre diferentes povos e
diferentes épocas. 35
Além de tudo isso, eles também achavam uma perda de tempo o
projeto de construir uma economia matemática.36
De toda forma, como argumenta Peart, a solução ‘conciliadora’ de Jevons
contribuiu para afastar a Economia do projeto historicista:
[…] a economia se distanciou, com Jevons a empurrando, um passo de
Mill e talvez dois dos Historicistas ao final da década de 1870.
Subdivisões, com a teoria econômica sendo colocada numa posição
superior [...] reverteram a ordem científica imaginada por J.K. Ingram e
Cliffe Leslie (PEART, 2001: 371).
V. Considerações finais:
A ‘batalha dos métodos inglesa’ não foi resolvida na década de 1870. Vimos que
os historicistas não julgaram as respostas de Bagehot e de Jevons satisfatórias e os
embates metodológicos continuaram, com outros protagonistas, ao longo da década
seguinte, sem que nenhuma posição fosse capaz de unir a dividida comunidade dos
33
Essa também é a posição defendida por Collison Black: “[…] parece correto interpretar que Jevons foi
atacado, e não apoiado, pelos escritos da ‘escola histórica inglesa’” (COLLINSON BLACK, 1962:
214/5). Apesar disso, Collison Black afirma que ao final da década de 1870, quando já começava a ter sua
teoria reconhecida, Jevons pôde se dar ao luxo de ‘[...] adotar uma visão magnânima de tais críticas e
tratar a visão histórica da Economia como complementar, e não simplesmente rival, à visão matemática
[...]”(COLLISON BLACK, 1962:215). 34
35
Leslie via como positiva a centralidade que Jevons dava à teoria do consumo. Todavia, mesmo nesse
ponto há divergências importantes quanto ao método correto de investiga-la. Ele diz: “Um objetivo da
economia política é certamente a substituição das abstrações vagas, tais como desejo de riqueza e
aversão ao trabalho, por uma verdadeira teoria do que Jevons denomina de ‘leis das
necessidades/desejos’ humanos. No entanto, uma ampla investigação histórica deve preceder a
construção dessa teoria verdadeira […]” (LESLIE, [1879], 1984: 162). 36
Sobre a matemática, que é, como vimos, uma inovação metodológica que Jevons introduz em relação à
ortodoxia, Leslie também não se mostra entusiasmado, ele não acha que seja o método adequado, e nem
expediente. E afirma: “Lamentamos que tanto do raciocínio do Sr. Jevons é colocado em uma forma
matemática”(LESLIE, [1879] , 1984: 160). Ingram, por sua vez, afirmou que o uso matemática na
Economia seria “[...] puro desperdício de poder intelectual sem qualquer futuro” (INGRAM, apud
ZOUBOULAKIS, 1999: 98).
16
economistas. A ‘paz’ só foi reencontrada com a publicação dos Princípios de Marshall
no início da década de 1890 e com o consenso conseguiu entre os economistas.37
E,
apesar de historicistas como William Cunningham e William Ashley continuarem
protestando, suas vozes deixaram de ser ouvidas pela comunidade dos economistas.
Marshall acompanhou o debate metodológico e é seguro dizer que existe mais
do que uma pitada de historicismo na sua obra.38
Ele abandonou a abstração homem
econômico, e afirmou “[...] lida com o homem tal como ele é [...] com o homem de
carne e osso” (MARSHALL, [1920], 1982:22), que tem diversas motivações, e nem
todas auto-interessadas (idem). E com isso transcende a divisão entre ‘verdades
abstratas’ e ‘concretas’ de Mill. Ele criticou duramente as pretensões universalistas da
‘velha geração’ dos economistas e enfatizou que a Economia a doutrina econômica não
seria “[...] um corpo de verdades concretas, e sim um mecanismo de descoberta de
verdades concretas [...]”(MARSHALL, 1885:159), e que estas verdades poderiam
variar (e provavelmente variariam) conforme as circunstâncias.
No que concerne ao método de investigação, ele se situou em um terreno
intermediário entre os historicistas e Jevons. Se, por um lado, não aceitou a proposta
historicista de uma economia puramente indutiva e ressalta a importância a importância
da teoria na análise dos fatos.39
Por outro, rejeitou veementemente a saída de Jevons de
subdividir a economia, e desenvolver como ramos separados com métodos diferentes a
teoria matemática, abstrata e dedutiva, de um lado, e o ramo indutivo e histórico da
sociologia econômica de outro. Isso, na prática, isolava o que Jevons chamava de a
Economia propriamente dita (ou economics proper), dos fatos e da história.40
Na
opinião de Marshall, a Economia propriamente dita necessariamente envolvia uma
combinação dos métodos dedutivo e indutivo. Como aponta Shove:
[A] resposta de Marshall [ao desafio lançado pela Escola Histórica] foi a por
meio da combinação de métodos — não somente a história permeada por
teoria, mas teoria (como nos Princípios) nutrida, modificada e ilustrada por
fatos históricos e contemporâneos (SHOVE, 1942: 308/9).41
Como aponta Coats, “[essa] mistura de indução e dedução, análise matemática e
não-matemática, economia teórica e aplicada desarmou os críticos [...]” (COATS,
1993:107). É verdade que nem todos ficaram satisfeitos, mas um novo clima passou a
prevalecer na comunidade de economistas e as controvérsias paulatinamente perderam
importância.
37
Outro livro importante para apaziguar o debate metodológicos foi o importante livro The Scope and
Method of Political Economy de John Neville Keynes. 38
Hogson chega a dizer de forma provocativa: “Marshall foi ele mesmo um produto e uma parte da
tradição da escola histórica.” (HODGSON, 2005: 342). 39
“Por mais ávido por fatos que o economista tenha que ser, ele não pode contentar-se com meros fatos
[...] Ele tem que manter-se firme no projeto mais árduo de interrogar os fatos de forma a aprender o
modo de ação das causas individualmente e conjuntamente, aplicando esse conhecimento para construir
um corpo [organon] de teoria econômica, e depois fazer uso da ajuda fornecida por esse corpo [organon]
para lidar com o lado econômico dos fenômenos sociais. Ele irá, assim, trabalhar à luz dos fatos, mas a
luz não será dirigida diretamente, ela será refletida e contrastada pela ciência” (Marshall, 1885, p. 171). 40
Em carta a Edgeworth ele afirma: “‘Teoria Econômica’ é, na minha opinião, um impostor tão danoso
quando se autoproclama ser a economia propriamente dita, quanto a mera história crua e não analisada
[crude unanalyzed history].” (MARSHALL, apud BLADEN, 1942:23) 41
Marshall na mesma carta a Edgeworth diz que aceitar a proposta de Jevons ou aquela dos historicitas
seria como trocar seis por meia dúzia. Para ele, ambas seriam parciais: “ […] o principal ponto do meu
apelo é que o trabalho do economista é ‘desembaraçar os efeitos conjuntos de causas complexas’; e que
para isso, o raciocínio mais geral é essencial, mas um cuidadoso e amplo estudo dos fatos é igualmente
fundamental; e que a combinação dos dois lados desse trabalho é o que caracteriza a economia
propriamente dita [is alone economics proper].” (MARSHALL, apud BLADEN, 1942:23).
17
No entanto, apesar da sua inquestionável autoridade, o rumo que a economia
seguiu no século XX, não foi exatamente o defendido por Marshall e sim algo bem mais
parecido com a proposta de reservar espaços diferentes para o desenvolvimento da
teoria econômica (abstrata, dedutiva e matemática) e para a história econômica.42
Como
afirma Schabas: “[...] Parece que Jevons, ao estimular tanto o método histórico como o
matemático, gerou o programa mais viável.” (SCHABAS, 1990:112/3).
E talvez o próprio Marshall em alguma medida tenha colaborado para isso com a
sua atuação institucional em Cambridge. Ele utilizou a sua enorme influência para criar
um curso independente de Economia – disciplina que antes integrava o Tripos de
Filosofia Moral. A ênfase nesse novo curso recaiu sobre a teoria econômica, e a história
e teoria aplicada ficaram em segundo plano – o que ajudou a mudar a formação do
economista.43
Além disso, a sua decisão de preterir Herbert S. Foxwell, um economista
com simpatias historicistas, e trabalhar pela candidatura de Artur Cecil Pigou para a sua
sucessão na cadeira de Economia de Cambridge e significou uma guinada em
Cambridge. Segundo Hodgson a contratação de Pigou “[...] marcou um fim de um
período de engajamento de Cambridge com a [...] escola histórica [...] (HOGDSON,
2005: 342).
De toda forma, na década de 1920, o projeto historicista de transformar
radicalmente o estudo da economia já havia fracassado. A Economia já se encontrava
compartimentalizada nas universidades entre teoria econômica, economia aplicada, e a
história econômica. E esse foi o campo no qual os economistas historicistas acabaram
por encontrar abrigo. Na descrição de Hodgson:
Sendo gradualmente colocados de lado nas disputas acadêmicas, vários
membros da Escola Histórica Britânica se direcionaram para disciplina de
história econômica [...] e abandonaram a teoria econômica aos teóricos
(HODGSON, 2005: 343). 44
No entanto, apesar de não terem conseguido atingir os seus objetivos no que
concerne à substituição da economia dedutiva, os historicistas conseguiram em alguma
medida modificar a forma como a economia era feita e apresentada. Como aponta Coats
(1954:152) por conta das críticas dessa escola, as hipóteses adotadas passaram a ser
explicitadas e qualificadas, os economistas passaram a ter mais cuidado ao se referir à
teoria abstrata para advogar políticas, e ainda passou-se a ter um reconhecimento mais
42
Como aponta Schabas, apesar de garantirem a existência da história econômica dentro do currículo
universitário, com sua luta os historicistas no fringir dos ovos “[...] não impediram o estudo da economia
pura, e muito menos o uso da matemática. Nem resistiram à guinada em direção ao tratamento da
economia de escopo universal [...].” (SCHABAS, 1990:112/3). 43
Historicistas como Cunnihngham e mesmo Foxwell que tinha uma postura bem mais moderada,
protestaram contra o pouco conteúdo histórico e aplicado no recém formado curso de Economia
(estabelecido por Marshall em 1903). Segundo Hodgson, “[....] dois anos inteiros eram dedicados à
teoria econômica, com apenas um ano sobrando para economia aplicada, história econômica e
política.”(HODGSON, 2001: 107) 44
Em 1927, Ashley importante economista historicista do final do século, declara como 1º presidente da
Sociedade de História Econômica da Inglaterra: “[...] os economistas teóricos estão prontos para nos
manter quietos ao nos dar um pequeno pedaço de jardim que seja nosso; e nós humildes historiadores
ficamos tão gratos por um pouco de território livre de disputa que estamos inclinados a deixar os
economistas aos seus próprios métodos.”(KOOT: 1980:174/5). Koot diz que esse comentário de Ashley
reflete uma insatisfação da sua parte com o papel que a história desempenhava na época. “Ashley [...]não
estava disposto a aceitar a compartimentalização dos estudos econômicos em teoria econômica,
economia aplicada e história econômica. Foi ao longo da carreira de Ashley que esses campos
começaram a ser reconhecidos como disciplinas separadas, apesar de relacionadas, nas universidades
britânicas. ” (KOOT, 1980: 175). A sua pretensão era mudar a forma como a economia era feita, mas não
teve sucesso nisso, apesar de ter tido muito sucesso em consolidar a história econômica como uma
disciplina independente (idem 192).
18
amplo da relação complementar entre dedução e indução do que existia antes. No
entanto, segundo o comentador, com esses ajustamento e correções, os economistas
“[...] preservaram a tradição ao cortar o solo por debaixo dos pés de seus críticos”
(COATS, 1954: 153).
De toda forma, formou-se um novo consenso na comunidade dos economistas e,
com essa nova configuração, houve uma espécie de trégua entre as diversas correntes
antes em conflito. No entanto, como sugere Bladen (1941:25), fica-se com a impressão
de que elementos fundamentais do historicismo foram ignorados nos ‘termos de paz’.
A avaliação de Collini et all em relação ao legado dos historicistas vai nesse sentido:
De fato, dentro da economia em si eles dificilmente ganharam qualquer vitória
duradoura: […] o rumo tomado no século vinte pela disciplina recentemente
profissionalizada dificilmente era aquela demandada por Cliffe Leslie na
década de 1870. (COLLINI et all, 1983:274).45
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1995.
45
Todavia,Maloney afirma que esse fenômeno ocorreu somente dentro da Economia. Nas demais ciências
sociais o historicismo continuou a ter influência:“A vitória quase complete da concepção dedutiva de
ciência depois de 1890 é capaz de obscurecer o fato de que essa foi decididamente uma trajetória
excepcional [deviant shift] dentro do contexto intelectual mais geral. O relativismo histórico continuou a
dominar a sociologia, o direito, a antropologi, e mesmo, - graças ao trabalho de Herbert Spencer – a
filosofia moral (MALONEY, 1976:448).
19
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