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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

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A LEITURA DOS CONTOS DE FADAS E O CONTEXTO TECNOLÓGICO DO SÉCULO XXI: ENTRE O MUNDO DA FANTASIA E A PRESENÇA DA TELEVISÃO, DA INTERNET, DOS CELULARES

E DOS VIDEOGAMES

Sandra Dalla Vecchia1 Luciana Fracasse2

RESUMO: Crianças e adolescentes contemporâneos, seduzidos pelas novas tecnologias e equipamentos, desenvolvem gosto por ações violentas, destruidoras, em detrimento ao texto impresso, e literário. Nesse contexto, embasadas, principalmente, em teorias como a análise psicológica que Bruno Bettelheim, Diana Lichenstein Corso e Mário Corso propõem para os contos de fadas, a Análise de Discurso de origem francesa, a partir dos trabalhos de Eni Orlandi e em dados históricos e de análise da Literatura Infantil elaborados por Nelly Novaes Coelho, as atividades baseadas em contos de fadas foram elaboradas e implementadas em um 6º ano do Ensino Fundamental com o objetivo de desenvolver a interpretação e a compreensão de textos literários, estimular a imaginação e a fantasia e o gosto pela leitura, assim como a criticidade a fim de que possam discernir conteúdos e informações que acessam por meio da internet, da televisão, do videogame e do celular. Tais atividades propiciaram também interagir com os textos, com os colegas, desenvolver a oralidade e a expressão corporal. Neste trabalho fazemos a apresentação e discussão das etapas efetivadas durante a participação no PDE e dos resultados obtidos com as crianças.

PALAVRAS-CHAVE: Contos de fadas. Leitura. Gosto contemporâneo.

INTRODUÇÃO

Este trabalho é a etapa final do PDE (Programa de Desenvolvimento

Educacional), e foi precedido pela elaboração do Projeto de Intervenção na Escola e

da Produção Didático-pedagógica, da socialização de ambos por meio de grupo de

estudos formado por educadores da rede estadual do Paraná - o GTR - e da

Implementação da Produção Didático-pedagógica, numa turma de 6º ano do Colégio

Estadual do Campo Castelo Branco, localizado na comunidade rural de Vista Alegre,

em Coronel Vivida, Paraná.

O tema que norteou o desenvolvimento das etapas de trabalho nasceu da

observação de que crianças e adolescentes têm um gosto acentuado pelas ações

rápidas, violentas, destruidoras, pelo visual, pelo tecnológico, pela informação atual,

pela novidade, em detrimento ao texto impresso; é comum (entre crianças,

adolescentes e adultos) a sensação de que praticamente nada é duradouro ou

cumulativo, projetando, portanto, os sentidos da efemeridade.

Enfim, o pós-modernismo ameaça encarnar hoje estilos de vida e de filosofia nos quais viceja uma ideia tida como arquissinistra: o niilismo, o

1 Graduada pela Universidade Federal do Paraná em Letras Português. Professora da Rede Estadual

de Ensino, na cidade de Coronel Vivida. 2 Professora Orientadora - PDE da Universidade Estadual de Guarapuava.

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nada, o vazio, a ausência de valores e de sentidos para a vida (SANTOS, 1986, apud COELHO, 2000, p.14).

Como consequências dessa efemeridade, os textos impressos, em especial

os trazidos pelos livros didáticos, não têm atendido a esse gosto contemporâneo de

crianças e adolescentes. No entanto, ocorre que muitos só leem os textos trazidos

pelos livros didáticos, e na escola. Mas se tais textos não são consonantes ao gosto

infantil e adolescente não serão lidos de forma significativa, serão apenas lidos, por

iniciativa e imposição de professores.

Assim sendo, definimos, durante a elaboração do Projeto de Intervenção na

Escola, os contos de fadas como o gênero textual que seria a base de todas as

atividades da Produção Didático-pedagógica; nas modalidades escrita e oral, mas

sem prescindir de outras, como as versões cinematográficas de Walt Disney, ou as

que se utilizam apenas de áudio (em compact disc). Segundo Corso e Corso (2006,

p. 35 e 36) Disney, ao lançar Branca de Neve e os sete anões, em 1936, foi

(...) o precursor de outra modalidade de apropriação da linguagem dos contos de fadas, agora narrados em compasso com as imagens (...). Podemos dizer que houve - e haverá - repetidos momentos de reciclagem, em que velhas narrativas se atualizam em novas linguagens.

Em determinado ponto dos trabalhos e das leituras, ocorreu-nos que talvez

tivéssemos uma visão ingênua sobre os contos de fadas, considerando que, apesar

das adaptações e abrandamentos, “... um certo filtro quanto a passagens mais

cruas.” (CORSO, 2006, p. 26), resta neles ainda muito de não desejável para

crianças e adolescentes, como violência e episódios sangrentos, malandragem e

esperteza para se conseguir o que quer (O pequeno Polegar, O Gatos de Botas,

João e o Pé-de-feijão, Branca de Neve), de forma que, estreitando-se a base do

“filtro”, não fizemos a escolha das histórias sem algumas ressalvas: as versões

selecionadas não foram simplificadas, como as que comumente se oferece às

crianças; foram selecionadas versões dos autores Charles Perrault, Irmãos Grimm e

Hans Christian Andersen e algumas adaptações foram feitas em determinados

trechos para que não contivessem ações ou episódios por demais sangrentos,

violentos e, ainda, preferencialmente, tivessem um final feliz.

Teóricos importantes, como Nelly Novaes Coelho (2008, p. 85), estabelecem

distinções entre contos de fadas, contos maravilhosos e contos exemplares, com

relação à problemática que fundamenta esses textos. Segundo Nelly, o conto

maravilhoso tem raízes orientais e se baseia em uma problemática

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existencial\social\sensorial (conquista de riquezas, poder, satisfação do corpo),

relacionada à realização socioeconômica do ser em seu ambiente. O conto de fadas

tem raízes celtas, se baseia em uma problemática espiritual\ética\existencial,

relacionada à realização interior, basicamente por meio do amor. Nos contos

exemplares há a mistura da problemática social com a existencial.

Psicólogo e psiquiatra, Bruno Bettellheim é também estudioso dos contos de

fadas e discorre, com profundidade, sobre seus aspectos psicológicos em A

psicanálise dos contos de fadas. Segundo Bettelheim (2002), por meio da maior

parte da história do homem, a vida intelectual das crianças, fora das experiências no

seio familiar, dependia de estórias3 míticas e religiosas e dos contos de fadas, que

alimentavam a imaginação e estimulavam a fantasia. Ignorando o que acontece no

inconsciente de crianças e adolescentes, a maior parte da literatura infantil moderna

nega os dilemas e ansiedades existenciais, como a necessidade de ser amado e o

medo de não ter valor, o amor pela vida e o medo da morte. Entretanto, o conto de

fadas considera-os com muita seriedade e de modo direto. A criança se reconhece

nos conflitos e vitórias vivenciadas pelos personagens, sente que, como eles, apesar

de se sentir rejeitada e isolada, apesar da adversidade, ao longo da vida vai

encontrar ajuda, vai conquistar relações significativas e compensadoras. E

perceberá que isso só acontecerá se não se intimidar com a luta. A criança se

diverte com a leitura e ao mesmo tempo se esclarece sobre si mesma, o que

favorece o desenvolvimento de sua personalidade. O estágio psicológico da criança

e os problemas que a envolvem é que vão indicar qual estória será mais importante

e em qual idade, já que um conto de fadas pode ser significativo tanto para uma

criança que recentemente aprendeu a ler como para uma pré-adolescente ou já

adolescente, embora os significados pessoais possam ser bastante diferentes para

cada uma delas. Não há como precisar em que idade determinada um conto

determinado será mais importante para uma criança determinada, ela (a criança) é

quem o determinará pela intensidade de sua reação emocional àquilo que um conto

desperta na sua mente consciente ou inconsciente. O encantamento da criança pela

estória depende consideravelmente de que ela não saiba por que se sente assim, de

forma que não se pode explicar um conto de fadas, pois a explicação vai destituí-lo 3 Com relação à grafia da palavra estória, atualmente não muito usada porque o vocábulo história tende a substituí-la como sinônimo, mantivemos (ao nos referirmos à teoria proposta por Bettelheim) a grafia conforme o autor registra em A psicanálise dos contos de fadas, porque nos parece que o significado pretendido por ele é o de narrativa imaginária, ficcional, de cunho popular e tradicional, e não o de um fato real, como poderia significar (também) a grafia história.

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de seu encantamento, porque tira da criança a oportunidade de sentir que, por si

mesma, enfrentou e superou uma situação difícil. O conto de fadas não poderia ser

impactante psicologicamente se, antes de tudo, não fosse uma obra de arte e, como

tal, tão rico e profundo que está além do mais detalhado exame discursivo que se

possa fazer dele. Mas há uma limitação fundamental: a estória deve ser

experimentada “apenas” na sua forma original, daí a importância de versões

completas, uma vez que versões simplificadas “amortecem os significados e

roubam-nas de todo significado mais profundo” (BETTELHEIM, 2002, p. 32). Para

exemplificar a importância de não simplificar um conto de fadas, Bettelheim usa o

conto O pescador e o gênio, um dos contos das Noites Árabes (sua análise está

descrita entre as páginas 37 a 43 da obra A psicanálise dos contos de fadas).

Mas, naturalmente, à criança não interessa nem faz sentido uma distinção

teórica ou uma análise psicológica, interessa-lhe (ou não) as histórias em si, que

reconhece simplesmente como contos de fadas. De modo que também nós, neste

trabalho, nos referiremos genericamente às histórias como contos de fadas, não

fazendo distinção entre contos de fadas, contos maravilhosos ou contos exemplares.

1. Contextualização da pesquisa

Se, por um lado, conforme Hirsch e Piccinin (2013, p. 3),

(...) as produções midiáticas pós-modernas são exemplos claros deste

investimento em fantasia, na revisita aos mitos e histórias contadas no

passado, a partir da convocação de elementos imaginários em sua

simbologia (...)

por outro parece evidente que um dos fatores que contribui para que gradativamente

a leitura de textos literários impressos e as brincadeiras que estimulam a fantasia e a

imaginação saudáveis (não violentas, não agressivas...) sejam deixadas de lado é a

massificação da televisão, dos computadores, dos celulares e dos videogames,

enfim, uma série de tecnologias e meios de comunicação que dão fácil acesso aos

mundos virtuais que, para supostamente atenderem ao gosto de crianças e

adolescentes do mundo contemporâneo, pouco espaço deixam à fantasia e à

imaginação que não sugira ação rápida, violência, competitividade, eliminação.

Alvos fáceis da avalanche de conteúdos (de fácil acesso e veiculados

livremente) que incitam à competição, à violência, à agressividade, a maioria das

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crianças e adolescentes contemporâneos acaba preferindo programas, filmes, jogos

etc em que não se cria nada e, pior, em que se destrói com violência, com

agressividade. A maioria também vai acabar considerando desinteressantes e

ultrapassados programas, filmes e jogos, por exemplo, com ações moderadas ou

suaves, sem muita agitação ou violência, que ensinem algo, que tenha diálogos

construtivos entre personagens gentis e educados que não usem armas nem

tenham muitos poderes, e que sejam um pouco mais parecidos com seres humanos

reais. Equivale a dizer que são levadas, gradualmente, à perda de sensibilidade com

relação ao outro.

Mas esse gosto e essa dessensibilização precisavam ser demonstrados por

um levantamento baseado em dados concretos, obtidos pelas respostas das

próprias crianças e adolescentes. De forma que, ainda durante a elaboração do

Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola, efetivamos um levantamento de

dados entre alunos do 6º e 9º anos, com o objetivo de observarmos de modo mais

concreto, por meio de números, a mudança ocorrida neste espaço de tempo no

gosto de crianças e adolescentes. As turmas referidas eram do Ensino Fundamental

do Colégio Estadual do Campo Castelo Branco, localizado na vila rural de Vista

Alegre, na cidade de Coronel Vivida, do ano de 2013. O questionário foi elaborado

com catorze questões basicamente sobre gosto pela leitura, uso/acesso ao livro, à

televisão, ao videogame, à internet e ao celular. Alguns resultados surpreenderam,

mas no geral confirmaram o que há tempo observamos trabalhando com crianças e

adolescentes, e foram essenciais para a proposição de objetivos e

encaminhamentos metodológicos, escolha dos contos de fadas e elaboração das

atividades.

A seguir descrevemos e procuramos interpretar os discursos formulados

pelos alunos. Do 6º ano 16, e do 9º ano 31 alunos responderam ao questionário;

para todas as questões era possível assinalar mais que uma opção ao mesmo

tempo, e houve inclusão de resposta, não prevista pela questão, por um aluno do 9º

ano (gráfico II); os gráficos registram os dados por meio de números inteiros, embora

usemos (no texto nos quais os interpretamos) números percentuais.

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Gráfico I: 6º ano 2013 - Quando você joga no videogame, no celular ou na internet, que ações prefere?

Fonte: Dalla Vecchia, Sandra.

Gráfico II: 9º ano 2013 - Quando você joga no videogame, no celular ou na internet, que ações prefere?

Fonte: Dalla Vecchia, Sandra.

Em números percentuais, 56% dos alunos do 6º ano afirmaram preferir ações

moderadas, sem violência, ao jogar no videogame, no celular ou na internet; 83%

dos alunos do 9º ano disseram preferir ações rápidas, com violência. Esses números

sugerem que o gosto por ações rápidas e violentas acentua-se à medida que vão

crescendo (os alunos) e acumulando tempo em frente à televisão, ao computador,

ao celular ou ao videogame; na mesma proporção decai o gosto por ações suaves e

moderadas, por personagens educados e gentis, e também pelo texto impresso. O

que leva a supor um gosto adquirido, aos poucos incutido e desenvolvido, iniciado

na infância e acentuado na adolescência. Poder-se-ia dizer que há na criança um

gosto natural pela fantasia e pela imaginação, pelas ações suaves e moderadas,

mas que aos poucos vai sendo modificado pela influência e grande quantidade de

conteúdos e informações violentas (tanto vindas da mídia, dos games, da internet,

como da própria realidade em que está inserida) pelas quais é enredada

diariamente. O próximo gráfico sinaliza para o fato de que, à medida que a criança

vai sendo enredada, vai crescendo nela a dificuldade para ler, porque também vai

sendo afastada do texto impresso. O resultado desse afastamento é muito

preocupante: 81% da turma de 9º ano - em que 83% dos alunos preferem ações

rápidas, violentas e na teoria já deveriam ter razoável domínio de leitura - afirmaram

Rápidas, com violência

Moderadas, semviolência

0 2 4 6 8 10

Rápidas, com violência

Moderadas, sem agitação ou violência

Branco (não assinalou nenhuma)

Nenhum (opção inclusa por um aluno)

0 5 10 15 20 25 30

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que ler é mais difícil que assistir à televisão, jogar no videogame ou celular, ou

navegar na internet.

Gráfico III: 9º ano 2013 - Para você, ler é mais fácil ou mais difícil que ver televisão?

Fonte: Dalla Vecchia, Sandra.

Em nosso entendimento, considerar o ato de ler mais difícil significa não ter

hábito de leitura, e ter outras preferências, indicadas nas respostas ilustradas no

gráfico a seguir:

Gráfico IV: 9º ano 2013 - O que prefere?

Fonte: Dalla Vecchia, Sandra.

Já o 6º ano, agora nos referindo à turma de 2014, público-alvo da Intervenção

Didático-pedagógica e que respondeu ao questionário depois da intervenção,

demonstrou preferência bem menor pelas ações rápidas e violentas, 22%, mas para

esta turma foi acrescentada a opção “ambas, depende da situação”, escolhida por

14% dos alunos. O gráfico ilustra os dados:

Gráfico V: 6º ano 2014 - Quando você joga no videogame, no celular ou na internet, que ações prefere?

Mais fácil

Mais difícil

0 5 10 15 20 25 30

Ler um livro de histórias

Ver televisão

Jogar no videogame, no celular ou nainternet

Navegar na internet

0 2 4 6 8 10 12 14 16

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Fonte: Dalla Vecchia, Sandra.

E demonstrou também uma preferência maior por livros de histórias como

contos de fadas, de aventuras, policiais, diários etc.

Gráfico VI: 6º ano 2014 - O que prefere?

Fonte: Dalla Vecchia, Sandra.

Pensamos que a preferência maior por ler um livro de histórias se deve muito

ao fato de terem passado recentemente pela intervenção pedagógica, que lhes

proporcionou a leitura de (e, acreditamos, o gosto por) vários contos de fadas.

Cremos que à recente intervenção pedagógica também se deve o fato de esta turma

apresentar índice menor de alunos que consideram ler mais difícil que assistir à

televisão, jogar no videogame ou celular, ou navegar na internet, conforme

demonstra o gráfico:

Gráfico VII: 6º ano 2014 - Ler é mais fácil ou mais difícil que ver tv, jogar no videogame, navegar na internet?

Fonte: Dalla Vecchia, Sandra.

Considerando o exposto, definiram-se as seguintes perguntas de pesquisa:

Rápidas, com violência

Moderadas, sem agitação ouviolência

Ambas, depende da situação

0 2 4 6 8 10

Ler um livro de histórias

Ver televisão

Jogar no videogame, nocelular ou na internet

Navegar na internet

0 2 4 6 8 10 12

Mais fácil

Mais difícil

0 2 4 6 8 10

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Crianças e adolescentes estão deixando de lado a leitura de textos

literários que estimulam a imaginação e a fantasia por influência dos meios de

comunicação e das novas tecnologias?

Os contos de fadas (que estimulam a fantasia e a imaginação) podem

ajudar na resolução de conflitos internos e no amadurecimento psicológico, no

desenvolvimento do gosto pela leitura de textos literários e do senso crítico a fim de

que possam discernir os conteúdos e as informações que acessam?

Considerando o contexto contemporâneo, como tornar a leitura de

contos de fadas significativa para crianças e adolescentes?

1.1. O público-alvo

A turma é composta de crianças que iniciaram e seguem juntas na vida

escolar. No primeiro semestre de 2014, eram catorze alunos, filhos de proprietários

de terra ou de trabalhadores da terra, moradores de áreas ou vilas rurais, sendo que

cinco desses alunos residiam na vila onde está localizada a escola e não dependiam

de transporte escolar, os demais sim. Por coincidência, 7 meninos e 7 meninas,

todos com 10 ou 11 anos de idade à época, o que significa que, considerando a

idade, nenhum estava atrasado em relação ao ano escolar em que deveria estar.

2. A implementação das atividades propostas na Produção Didático-

pedagógica e as contribuições da Análise de Discurso para com o trabalho

de leitura

Todas as atividades a que nos referiremos constam da Produção Didático-

Pedagógica e foram elaboradas com o objetivo de desenvolver a interpretação e a

compreensão de textos literários, estimular a imaginação e a fantasia e o gosto pela

leitura, assim como a criticidade a fim de que os alunos possam discernir conteúdos

e informações que acessam por meio da internet, da televisão, do videogame e do

celular; além de propiciar interação com os textos (refletindo sobre ações de enredo

e comportamentos de personagens, elaborando hipóteses e reescrevendo trechos

de contos de fadas), com os colegas (por meio dos trabalhos em grupo),

desenvolver a oralidade (por meio da contação de histórias e relatos orais) e a

expressão corporal (por meio da encenação de histórias).

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Em fevereiro de 2014, apresentamos o Projeto de Intervenção Pedagógica

na Escola e a Produção Didático-pedagógica à comunidade escolar, que manifestou

satisfação e contentamento pela escolha de uma turma da escola como público-alvo

para uma intervenção proposta por meio do PDE, já que seria a primeira vez. Na

prática, a implementação iniciou na primeira semana de março, quando falamos a

primeira vez com a turma (público-alvo) a respeito do PDE e das atividades que

começaríamos a pôr em prática juntos. Nas primeiras aulas fizemos alguns

questionamentos. Todos afirmaram ver televisão todos os dias, mas quando foi

pedido que erguessem o dedo aqueles que já tinham ouvido histórias contadas por

pessoas como a mãe, o pai, avós, nenhum dedo se elevou, e ouve silêncio pela

sala, enquanto uns olhavam para os outros e para a professora; as respostas

seguintes foram mais animadoras: lembravam que as professoras dos anos iniciais

contavam histórias, e também de alguns contos de fadas; todos conheciam a história

que ouviriam a seguir, O Patinho feio4, embora a maioria tenha afirmado conhecer

os contos de fadas só por meio de filmes ou de ouvi-los das professoras, ou seja,

não os leu em texto impresso. Apreciaram bastante, entenderam e desenvolveram

satisfatoriamente as atividades propostas. Mas na hora de eles próprios contarem

contos de fadas sentiram-se envergonhados. Depois de certo esforço e insistência

da professora, as meninas, em duplas ou trios, contaram Cinderela e Chapeuzinho

Vermelho; nenhum menino se aventurou. Para organizar os turnos de fala, em vez

de uma bruxa (mencionada na Produção Didático-pedagógica), foi usado um “sapo

encantado”. Funcionou apenas razoavelmente, visto que só como atrativo, uma

novidade que lhes chamou atenção momentaneamente. Foi deixado de lado e não

teve substituto por causa da constatação de que seria necessária sempre uma nova

atração, o que, na prática, é inviável. Grata foi a constatação, porém, de que não só

uma nova história despertava sempre o interesse, como também era esperada, com

expectativas, por eles. Com relação à sequência das atividades, antecipamos as que

envolveram a encenação do texto O príncipe desencantado5 e também a que a

4 Adaptação de Laura Sandroni. 5 Uma espécie de continuação de Bela Adormecida, escrita por Flávio de Souza, que inicia quando o príncipe chega ao castelo onde a princesa está adormecida. Logo se percebe que a história será diferente: o príncipe lê placas com os dizeres “Castelo da Bela Adormecida” e “Estacione aqui seu cavalo: $ 5,00 a hora”, ouve correntes arrastando e roncos; aproxima-se e percebe que a princesa é linda, mas ronca; ele a beija e ela acorda, disparando exigências, então o príncipe beija novamente a princesa, que adormece por mais cem anos.

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precederia, a audição de Bela Adormecida6, por esta ser uma continuação daquela.

E também introduzimos algumas atividades para melhorar a desenvoltura, a postura,

a leitura e a fala expressiva para uma plateia: repetidas leituras de cada um deles

para a turma e um exercício com música, usando a voz7. A antecipação das

atividades relacionadas à encenação se fez necessária porque exigem tempo para

os ensaios, para trabalhar expressão corporal e oral, para memorizar as falas e

ações dos personagens, e para montar o material que serve como cenário ou para

caracterização de personagens. Assim, as atividades seguintes foram a audição de

Bela Adormecida - conto que conheciam, mas não a versão só sonorizada que

ouviram - e a leitura de O príncipe desencantado. Após a leitura, foram levados a

refletir sobre se consideravam justo o desfecho da história: com exceção de dois

alunos, os demais disseram ser justo, sim. Na aula seguinte, retornamos ao texto

para alguns comentários e observações, procurando levá-los a perceber que o

príncipe poderia ter “caído fora” usando estratégias menos cruéis para a princesa;

cogitaram possibilidades e só então responderam questões que comparam as duas

histórias e procuram estimular a criticidade:

Mesmo a princesa não sendo exatamente aquela princesa dos contos de

fadas, foi justo para ela adormecer de novo? Justifique sua resposta.

E o príncipe, será que corresponde àquela imagem dos príncipes dos contos

de fadas? Justifique

Imagine e escreva outro final para a história. Procure manter o humor.

Em suas respostas e no novo final que escreveram depois dos comentários e

reflexões, percebemos uma mudança em seus modos de pensar, que resultou em

destinos menos cruéis para a princesa: apenas dois alunos continuaram a

considerar justo que a princesa dormisse por mais cem anos, os demais disseram

não achar justo e apontaram outras maneiras de “cair fora”, como ser franco com ela

e dizer que eram muitas as exigências e que ele (o príncipe) não tinha dinheiro para

tudo aquilo, ou, ainda, “dizer que ia ali tomar água e não voltar mais”.

Em momentos como este, os alunos foram levados a exercer a função de

autores de textos e a exercitar a reflexão e a criticidade. É oportuno, então,

6 Versão só sonorizada, em CD, da Série Quem conta um conto.

7 O exercício consistia no seguinte: depois da audição da música, a professora vai cantando trechos que vão sendo repetidos por eles, primeiro todos juntos, depois em grupos e duplas e por fim sozinhos; o objetivo não é que cantem com afinação ou ritmo musical, mas que vão perdendo a timidez e adquirindo maior desenvoltura para falar a uma plateia, assim melhorando a atuação

cênica.

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retomarmos aqui a definição de sujeito autor de textos - que consideramos para a

elaboração do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola - proposta por Orlandi

(2012), que, discorrendo sobre as formas de representação do sujeito, considera

fato que o sujeito se inscreve de algum modo no texto que produz, e teria funções

enunciativas: “a de locutor, que é aquela pela qual ele se representa como eu no

discurso e a de enunciador que é (são) a(s) perspectiva(s) que esse eu constrói”

(DUCROT, 1985, apud ORLANDI, 2012, p.102). A autora propõe colocar a função

autor junto dessas, na ordem hierárquica: locutor, enunciador e autor, sendo que

esta última seria a função em que mais o falante estaria afetado pelo contexto sócio-

histórico, porque mais submetida às regras institucionais. O autor seria então “a

função que o eu assume enquanto produtor de linguagem” (ORLANDI, 2012, p.

103).

É igualmente oportuno mencionarmos que não só para o Projeto de

Intervenção Pedagógica na Escola, mas também para a Produção Didático-

pedagógica, procuramos consonância com o que sugere Eni Pugnicelli Orlandi a

respeito da Análise do Discurso. Vertente da Linguística, a Análise do Discurso,

conforme Orlandi (2012) considera “reducionismo linguístico” o ponto de vista de que

o texto tem um único sentido e o leitor deveria assimilar este sentido, uma vez que

assume (a AD) uma visão oposta: “a leitura é produzida e se procura determinar o

processo e as condições de sua produção” (ORLANDI, 2012, p.49). A leitura seria o

momento crucial para a constituição do texto, momento privilegiado de interação

verbal, pois é quando se desencadeia o processo de significação. Na perspectiva

discursiva a produção da leitura deve ser pensada e encarada como possível de ser

trabalhada, é parte de um processo de instauração de sentido(s), o sujeito leitor tem

especificidades e uma história, o sujeito e os sentidos são determinados pela história

e por ideologias, há múltiplos e variados modos de leitura, a vida intelectual se

relaciona intimamente aos modos e efeitos de leitura de cada época e segmento

social.

Quando - à exceção de dois alunos - inicialmente disseram ser justo que a

princesa dormisse por mais cem anos, além de estarem sob os efeitos da leitura,

também foram influenciados pelas suas vidas intelectuais e pelos meios sociais em

que vivem. Quando mudaram de opinião - novamente à exceção de dois alunos -

depois dos comentários e observações da professora, sugerindo destinos menos

cruéis, passavam pelo “processo de instauração de sentido(s)”, indo da percepção à

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elaboração de novos sentidos para o texto. Também exercitaram a criticidade,

assumiram um ponto de vista. E assim fugiram ao “reducionismo linguístico”

apontado pela autora.

A percepção de que a violência ou as situações difíceis podem ser

contornadas ou reelaboradas, vividas de outras maneiras, foi trabalhada, por

exemplo, em atividades como a que realizaram com o trecho abaixo, de O patinho

Feio:

A atividade consistia em reescrever a cena substituindo as palavras e ações

tristes e desagradáveis por outras alegres e agradáveis. Este conto foi escolhido,

entre outros motivos, por trazer às crianças, com o final feliz, uma mensagem

otimista: a descoberta do patinho de que é um belo cisne. “A mensagem de que uma

pessoa não deve desistir, apesar de insucessos iniciais, é tão importante para as

crianças que está contida em muitas fábulas e contos de fadas” (BETTELHEIM,

2012, p. 43).

Para a encenação de O príncipe desencantado formaram grupos e ficaram à

vontade para distribuir as tarefas entre si. Inicialmente todos se empolgaram e

assumiram alguma participação, mas poucos quiseram os papéis de príncipe e

princesa. Fizeram leituras expressivas do texto, simulando a entonação de voz e as

ações cênicas, as expressões faciais e corporais. Iniciaram a confecção de materiais

- como os letreiros que o príncipe lê ao chegar à frente do castelo - enquanto

“príncipes” e “princesas” iam memorizando o texto e fazendo ensaios. Houve um

pouco de bagunça, restos de papel pela sala, desentendimentos entre eles,

desperdício de material, mas nada inesperado para uma turma de 6º ano. A

desistência dos “atores” de dois grupos fez com que sobrassem apenas um príncipe

e uma princesa, o que obrigou a modificar em parte a metodologia prevista. É que,

O inverno chegou e com ele o frio. As águas gelaram. Um dia, o patinho feio ficou preso no gelo do lago. Um homem o

salvou e o levou para casa. Os filhos tentaram brincar com ele, mas o patinho fugiu, habituado a ninguém gostar dele.

Tropeçou na jarra e o leite derramou. A mãe dos meninos começou a gritar, espantando o patinho feio. E a coisa piorou.

O patinho tropeçou no pote de manteiga e caiu dentro do saco de farinha. A mulher continuava a perseguir o infeliz,

gritando e segurando uma colher de pau, seguida de todas as crianças. A confusão era geral. O patinho escapou da

perseguição e, quase morto de cansaço, escondeu-se em uma moita.

SANDRONI, Laura (Org.) As melhores histórias de Andersen. Ilustrações de Nelson Macedo. Rio de Janeiro: Ediouro,

2007.

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no geral, os alunos são muito tímidos e apenas alguns se dispõem e\ou conseguem

efetivar a encenação para uma plateia de forma natural, com razoável desempenho.

Então, ao invés dos três grupos iniciais, formou-se apenas um com envolvimento

(maior ou menor) praticamente de todos.

Concomitantemente aos preparativos e ensaios para a encenação, seguimos

as atividades previstas. Assistiram ao filme Branca de Neve e os Sete Anões8.

Previamente, souberam um pouco sobre o filme: como foi produzido, tempo que

levou, profissionais que trabalharam etc. Apreciaram bastante, embora alguns

tenham comentado que não é o “tipo” de filme a que costumam ver e nenhum tenha

visto antes esta versão; a história, de Branca de Neve, todos conheciam, ou por

terem ouvido contar, ou por terem assistido outras versões cinematográficas. Na

aula seguinte responderam questões dissertativas que buscavam levá-los a refletir e

emitir opinião sobre as ações dos personagens ou sobre suas próprias ações caso

estivessem no lugar deles (tal atividade foi entremeada sempre dos comentários

orais dos alunos e das observações e orientações da professora). Sem que se

dessem conta, estavam novamente na condição de autores de textos, exercitavam a

criticidade e assumiam um ponto de vista.

Na sequência leram Branca de Neve9 e responderam questões de simples

comparação entre o conto escrito e a versão em filme: somente dois deles afirmaram

preferir o conto escrito: “Porque eu consigo imaginar as cenas” e porque “... tem

mais horor e eu gosto de horor”. Este último comentário exemplifica o gosto infanto-

juvenil pela violência, pelo agressivo. De modo geral, os demais justificaram a

preferência pelo filme alegando ser mais engraçado, ter humor - o que é verdadeiro,

uma vez que o conto escrito tem um tom mais sério e o filme se baseia no humor,

especialmente nas cenas em que os anões aparecem. Aliás, estes personagens, no

filme, despertaram grande simpatia entre os alunos. Os do conto escrito não tanto,

apesar de a tradução usar o diminutivo (“casinhas”, “pratinhos”, “caminhas”), de

serem os anões muito simpáticos, terem um jeito amigo e se encantarem todos por

Branca de Neve; outro detalhe que colabora para a preferência pelos anões do filme

é que eles recebem características e nomes relacionados a elas (Dengoso,

Zangado, Mestre...), já os do conto escrito não são caracterizados, não têm um

8 Versão cinematográfica da Walt Disney.

9 Versão escrita pelos Irmãos Grimm.

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nome (são referidos por número: “o primeiro”, “o segundo”, “o terceiro”, até o

sétimo).

Uma segunda vez a música foi usada para trabalhar a oralidade. Ouviram e

depois, repetindo a ação da professora, cantaram trechos, em grupos, depois em

duplas, e por fim sozinhos. Adoraram a atividade, embora alguns tivessem

inicialmente certa timidez. Aos poucos iam se soltando.

Enfim, duas turmas das séries iniciais do ensino fundamental foram

convidadas, e também as professoras, para assistirem à encenação de O príncipe

desencantado. Até que terminasse a encenação, houve certo nervosismo, inclusive

da professora. Precisávamos ver que era possível. E foi bem possível.

Os ensaios continuaram e O Príncipe desencantado foi encenado também

como encerramento da palestra para os pais, alunos e comunidade escolar, sobre

Hábitos de leitura, uso\acesso à televisão, celulares, videogames e internet, a

última das atividades propostas na Produção Didático-pedagógica. Logo no início da

palestra uma surpresa para alunos e pais: viram juntos algumas fotos da turma

realizando atividades. Na ocasião, aproveitamos uma reunião para entrega de

boletins, mas, ainda assim, a presença dos pais foi pouca. Não fosse isso, os

objetivos da palestra teriam sido alcançados mais satisfatoriamente.

3. A socialização por meio do Grupo de Trabalho em Rede - GTR 2013

A socialização do Projeto de Intervenção na Escola e da Produção Didático-

pedagógica é uma oportunidade para divulgação do trabalho do professor PDE, e

também para ouvir opiniões de colegas de profissão a respeito desses trabalhos.

Muito importante para que não se encerrem em si mesmos, com o término das

atividades. Grande parte das colegas, naquele momento cursistas, demonstrou

afinidade, gosto pessoal pelo tema abordado no Projeto de Intervenção e na

Produção Didático-pedagógica, e também muito boa aceitação das atividades e

metodologias propostas (“enriquecedoras”, “criativas”, e “que podem ser adaptadas

com facilidade para várias faixas de idade”, “adequadas” e que “refletem os objetivos

iniciais propostos”). Essa boa aceitação e o gosto pessoal das cursistas pelo tema

do curso, somados à experiência profissional e ao interesse por novas práticas,

proporcionaram participações muito significativas, positivas, e que muito

contribuíram para que os objetivos do curso fossem alcançados e até, em certos

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aspectos, superassem as expectativas iniciais. De forma mais ou menos geral, o

grupo concordou em que a tecnologia é importante atrativo e deve ser usada nas

aulas; como também em que é necessário estimular a imaginação e a fantasia, e

que os contos de fadas dão conta disso de modo satisfatório, além de

desenvolverem a linguagem oral e escrita, despertarem o leitor para o prazer de

ouvir e ler histórias e auxiliarem na socialização; sendo acertada a escolha desse

gênero como base de todas as atividades propostas. As atividades mais destacadas

pelas participantes foram a contação de histórias, a bruxa para organizar os turnos

de fala, e o mosaico de papel; a encenação de O príncipe desencantado também

despertou bastante interesse. Relataram que puseram estas (e outras) atividades

em prática, ou repassaram para professores das escolas onde atuam; fizeram

sugestões para as atividades; demonstraram capacidade para assimilar novas

práticas e encaminhamentos, para a junção delas com a própria experiência

pedagógica e para fazer adaptações específicas para as turmas com as quais

trabalham.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando os questionamentos mencionados no início deste trabalho, com

relação ao primeiro deles, se crianças e adolescentes estão deixando de lado a

leitura de textos literários que estimulam a imaginação e a fantasia por influência dos

meios de comunicação e das novas tecnologias, parece-nos evidente que aqueles

que habituam a passar boa parte do dia vendo televisão10, jogando no videogame,

no celular, ou na internet, ou ainda navegando na internet, afastam-se da leitura de

textos impressos, como os literários, e só os leem ocasionalmente ou por imposição

de atividades escolares. Obviamente porque no tempo gasto nessas ações não

estarão lendo, mas também porque vão, quase sempre, preferi-las. Não é o caso de

se considerar a internet, o celular, o videogame como inimigos da leitura. Até porque

10

“crianças brasileiras, que estão entre quatro a 11 anos de idade passam, em média, 4 horas, 50 minutos e 11 segundos por dia em frente à TV”, segundo pesquisa da Andi.org.br. Mídia e Infância. O impacto da exposição de crianças e adolescentes a cenas de sexo e violência na TV. Disponível em: >https://www.google.com.br/search?newwindow=1&q=tempo+de+acesso+de+crian%C3%A7as+e+adolescentes+%C3%A0+televis%C3%A3o&oq=tempo+de+acesso+de+crian%C3%A7as+e+adolescentes+%C3%A0+televis%C3%A3o&gs_l=serp.3...24974.129724.0.130996.66.56.0.0.0.0.702.9528.0j2j17j8j4j0j1.32.0....0...1c.1.53.serp..51.15.4913.0.KRljTVsrCZY.> Acesso em: 08 jul. 2014.

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ocorre o mesmo com o futebol, ou com as aulas de educação física: são (quase que

unanimemente) preferidas às de leitura ou de Língua Portuguesa.

Segundo Hirsch e Piccinin (2013, p. 4):

Na contemporaneidade, podemos observar a emergência de um movimento em torno da “re-ligação” entre imaginação e razão, que toma forma a partir do aspecto híbrido das produções pós-modernas. Nesse sentido, destacamos a presença dos contos de fadas, os quais estão sendo retomados pela mídia através de reconstruções e releituras, que renovam seus sentidos e que, por suas características, permitem uma relação com o campo das imagens pós-modernas.

Não há como o professor trabalhar somente com as modalidades escrita e

oral, lendo ou contando histórias, ignorando essas “novas linguagens” ou “imagens

pós-modernas”. Conscientes disso, colocamos em prática, na Implementação da

Produção Didático-pedagógica, atividades que tiveram como fio condutor a contação

e a leitura de contos de fadas, mas que não prescindiram das “novas linguagens”,

conforme Corso e Corso (2006, p. 36), ou “reconstruções e releituras”, conforme

Hirsch e Piccinin (2013, p. 4). Partimos do pressuposto de que é preferível

incorporá-las à prática pedagógica com a finalidade de, por meio delas, conquistar a

atenção de nosso público-alvo, e assim, sem imposições radicais, levá-lo a ler, a

conhecer, e a partir daí construir o gosto também pela modalidade impressa do

texto. Claro, desde que as releituras e reconstruções referidas não atendam apenas

ao gosto de crianças e adolescentes, mas também critérios que as coloquem dentro

do que se pode dizer adequado, ou recomendável, para esse mesmo público.

Tomando como exemplo textos audiovisuais e verbais usados na Implementação da

Produção Didático-pedagógica, podemos mencionar o filme de Disney e o conto

escrito pelos Grimm: os alunos demonstraram preferência pela versão

cinematográfica da história de Branca de Neve, mas apreciaram e conseguiram uma

leitura significativa também do texto escrito.

Referindo-nos ao segundo dos questionamentos propostos, se os contos de

fadas (que estimulam a fantasia e a imaginação) podem ajudar na resolução de

conflitos internos e no amadurecimento psicológico, no desenvolvimento do gosto

pela leitura de textos literários e do senso crítico a fim de que possam discernir os

conteúdos e as informações que acessam, pensamos que o trabalho precisaria ter

sido acompanhado por psicólogo ou psiquiatra e os textos trabalhados por um

período de tempo maior para podermos afirmar que ajudam no aspecto psicológico

(resolução de conflitos internos e amadurecimento psicológico). Entretanto,

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considerando o que propõe Bettelheim (2002), podemos concluir que uma criança

que lê os contos consegue melhor resolver seus conflitos e dilemas existenciais e

assim direcionar melhor a vida.

Quanto ao desenvolvimento do gosto por textos literários: a reação de alguns

alunos em especial, se não da turma em geral (expectativa pelas histórias que

passaram a demonstrar, pedidos para ouvir algumas histórias de novo e também o

bom desempenho e participação significativa nas atividades desenvolvidas) reforçou

nosso entendimento de que os contos de fadas são adorados pelas crianças e a sua

leitura pode levar também ao gosto por outros gêneros textuais, auxiliando na

formação do hábito de leitura.

Sobre o desenvolvimento do senso crítico, as crianças manifestaram-se com

relativa facilidade, expressando concordância, discordância, alegria, humor, tristeza,

irritação, satisfação, consternação etc, mas inegavelmente influenciadas pelos meios

de comunicação e tecnologias contemporâneas, entre outros fatores, e pelos textos

que leem. Crianças sem problemas psicológicos, ou mais amadurecidas

psicologicamente, poderão se tornar, com maior facilidade, leitoras eficientes e

críticas com relação a discernir conteúdos e informações a que têm acesso através

dos meios de comunicação e tecnologias contemporâneas. O professor, ancorado

nos textos que oferece aos alunos e mesmo em situações reais, poderá influenciá-

los e direcioná-los em suas escolhas, estimulando-os e levando-os a se posicionar

criticamente e com discernimento, e também a perceberem que seus pontos de vista

não são únicos e inquestionáveis, já que há outros, que precisam respeitar e com os

quais é preciso conviver em harmonia.

Com relação ao último dos questionamentos, como tornar a leitura de contos

de fadas significativa para crianças e adolescentes, um caminho é não

desconsiderar o mundo em que vivem e o gosto que têm, mas sim conhecê-los

menos superficialmente, e usar esse conhecimento para levar para as aulas as

“novas linguagens” ou “imagens pós-modernas”. Estratégia pedagógica que

funcionaria como atrativo, como ponto de partida para que queiram ler, para que

olhem e consigam ver que há outras coisas boas também, como ler ou ouvir uma

história.

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