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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

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A (RE)DESCOBERTA DA LEITURA DOS CLÁSSICOS NO ENSINO MÉDIO

Edimar do Rocio Ribeiro1 Eunice de Morais2

Resumo: A finalidade deste artigo é apresentar os resultados de uma oficina de leitura diferenciada aplicada numa 1ª série do Ensino Médio do C. E. Professor Gabriel Rosa – EFM, Curiúva, para melhorar a leitura de textos considerados de estruturas mais complexas como os clássicos da Literatura em Língua Portuguesa,com algumas possíveis conexões entre textos considerados não-clássicos e filmes. O artigo mostra as observações do debate durante as atividades de leitura e possibilita vislumbrar uma metodologia implementada pelo uso da tecnologia como ferramenta de aprendizagem de leitura. A Unidade Didática é baseada em textos como mashups, best-sellers, fragmentos textuais de clássicos da Literatura Brasileira, Portuguesa e mundial. A oficina realizou três das cinco etapas do Método Recepcional de Aguiar e Bordini e confirmou algumas observações de Calvino, bem como as postulações de Todorov, utilizou Pennac na liberdade de leitura e ainda trouxe Barthes e seus ensaios sobre a fruição textual como forma de prazer. A oficina foi permeada entre atividades de leitura literária, filmes, atividades dirigidas, mediadas e discutidas em debates curtos.

Palavras-chave: Oficina de leitura, clássicos, leitura literária, fruição textual.

1. Introdução:

“O texto que o senhor escreve tem de me dar prova de que ele me deseja.” (BARTHES, 1993, p. 11)

A leitura sempre foi um desafio para a Educação e atualmente encontra-se

em plena discussão sobre os caminhos que levam o estudante a procurar um livro

para ler. O avanço dos livros considerados best-sellers é muito grande nas escolas

públicas e, além disso, há os filmes que chegam a todo o momento nos cinemas e,

de certa forma acabam por fazer o papel de vilão e herói ao mesmo tempo. E as

leituras mais elaboradas são necessárias para a formação do estudante.

A construção do leitor depende do modo como são apresentadas as leituras e

estas precisam despertar um encanto, se não em todos os alunos da sala, pelo

menos que seja na maioria e assim possam sentir-se estimulados a ler, de folhear

livros e revistas, assistir filmes que tragam reflexões e possibilidades de ligação

literária e comentar sobre assuntos lidos e assistidos nesses materiais. E neste

sentido, a leitura é “um ato social, entre dois sujeitos – leitor e autor – que interagem

entre si, obedecendo a objetivos socialmente determinados” (KLEIMAN,2008, p. 10).

1Professor PDE, Licenciado em Letras – Português/Inglês, Especialista em Literatura Brasileira,

Portuguesa e Literatura Portuguesa de Matriz Africana, vinculado ao Colégio Estadual Professor Gabriel Rosa – EFM, em Curiúva, NRE de Telêmaco Borba, Paraná. 2Professora Orientadora, Doutora em Estudos Literários vinculada ao Departamento de Letras e

Línguas Vernáculas da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná.

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Durante a oficina realizada numa turma de primeira série do Ensino Médio no

Colégio Estadual Professor Gabriel Rosa, de fevereiro a junho de 2014, percebeu-se

a dificuldade de constância na leitura, na perseverança em continuar lendo um

clássico e, até mesmo os livros mais populares e acessíveis no âmbito vocabular

foram muitas vezes deixados de lado durante a oficina. A oficina tem que ser parte

das atividades escolares para que haja maior engajamento entre os estudantes e

assim possam fazer as trocas de livros com mais liberdade e sem prazos

determinados, dentro da linha dos “Direitos imprescritíveis do leitor”, de Pennac

(1998, p. 184).

Nas oficinas realizadas, muitos alunos questionaram as dificuldades de

acesso à internet no colégio e a falta de espaço físico para serem realizadas as

atividades online e pesquisas e as atividades tiveram que ser feitas em casa, sem a

presença do professor mediador porque, embora existam computadores e outros

aparatos tecnológicos, faltam recursos para a manutenção dos laboratórios e não há

espaço adequado para a realização de projetos que envolvam tecnologia e

atividades inovadoras, comprometendo o desenvolvimento de pesquisas mais

apuradas tanto para o professor mediador quanto para o aluno. Outros estudantes

relataram que nas obras literárias e nos best-sellers enfatizados como Dom

Casmurro e Crepúsculo, os fragmentos de capítulos considerados estimulantes e

que causaram curiosidade foram mais fáceis de serem compreendidos e a fruição

textual aconteceu com mais propriedade. Na exposição de filmes, versões de livros

clássicos, os alunos que haviam lido o livro comentaram que foram omitidas cenas e

ações e as personagens não correspondiam com as características do texto escrito.

Se bem que essa diferença de gênero já era previsível devido às composições

narrativas do texto escrito serem de caráter descritivo para dar cor, aromas e

sabores e o conteúdo imagético já se traduz na imagem em si e se mistura ao

enredo no filme adaptado.

A oficina teve sua maior fruição quando foram colocados os livros não-

clássicos, os mashups, termo que designa os livros que fazem uma releitura de uma

obra clássica misturando elementos fantásticos, na tentativa de dar uma nova

roupagem e estimular o leitor a buscar o texto original e fazer as devidas

comparações.

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2. Fundamentação Teórica

A intenção das oficinas é fazer com que sejam retomadas as leituras nas

escolas, de modo que seja natural e base para todas as disciplinas, propiciando um

melhor desempenho de compreensão aos estudantes dos conteúdos apresentados

em todas elas. Poderão ser usados textos relativos às disciplinas que se

apropriarem da atividade de leitura e assim, haverá uma proximidade com os textos

não-clássicos apresentados como alternativas para se chegar ao clássico.

Têm-se os escritos considerados não-clássicos, presentes em todas as

bibliotecas os chamados pela crítica literária de best-sellers, livros que surgem e

apresentam uma linguagem mais próxima da utilizada, principalmente, pelas

crianças, adolescentes e jovens em fase escolar. Sem falar nas produções infantis,

que abarcam grande parte do mercado de publicações. Há definição para o não-

clássico? Segundo Sodré (1988), os best-sellers ou folhetins pertencem à Literatura

de Massa e “não têm nenhum suporte escolar ou acadêmico: seus estímulos de

produção e consumo partem do jogo econômico da oferta e da procura [...] (SODRÉ,

1988, p.6). Best-sellers e livros de auto-ajuda, por exemplo, se enquadram na

definição e estão nas estantes das bibliotecas públicas. Contudo, Todorov alerta:

Quem ousaria hoje decidir entre o que é literatura e o que não o é, diante da irredutível variedade de escritos que se lhe costuma incorporar, sob perspectivas infinitivamente diferentes? (TODOROV, apud FHILADELFIO,

2003, p. 204)

Nas leituras propostas na Unidade Didática, ficou evidente que a fruição

textual depende de um mediador que seja capaz de fazer as conexões onde, muitas

vezes, o estudante não tem acesso. Acesso a outros tipos de textos e gêneros, área

que o professor-mediador tem mais conhecimento devido ao seu engajamento e

facilidade relacionar os textos com outros fazendo as inferências que faltam ao leitor

iniciante ou desmotivado.

O texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consciência de seus gostos, se seus valores e de sua lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem (BARTHES, 1993, p. 22).

O texto precisa fazer com que o estudante se apaixone e abale seus

pensamentos de caráter emocional, social e até mesmo racional. E o mediador tem

o papel fundamental na apresentação desse caminho a ser seguido, na busca pela

leitura mais substancial. Quando o leitor necessite, que sempre haja uma palavra do

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professor-mediador que o oriente e possibilite a descoberta de elementos/aspectos

que permitam links com realidades e ações do estudante.

Barthes (1993, p.53-54), afirma:

Para escapar à alienação da sociedade presente, só existe este meio: fuga para frente: toda linguagem antiga é imediatamente comprometida,

e toda linguagem se torna antiga desde que é repetida.

E neste sentido, as oficinas devem renovar metodologia e temática que não

leva o leitor a pensar por si só, apenas mecanicamente como vem nos livros

didáticos, diretrizes e projetos. E que não aconteça de mudar a roupagem e as

atividades continuem as mesmas.

Vale ressaltar que a oficina de leitura realizada, e que se torna observação e

relato neste artigo, pretendeu a promoção do debate literário entre os estudantes

através de uma consciência textual, o real significado dos clássicos e a importância

de se estabelecer relações sócio-históricas com os textos literários atuais. E partiu

do pressuposto de que a leitura dos clássicos possibilita a compreensão das

ideologias, costumes, culturas de época, valores morais, em detrimento da

apreensão da estrutura textual, do aporte linguístico do autor e consequentemente, a

reflexão da vida das personagens, das imagens e ambientes que ocorrem

determinada história.

Em relação aos clássicos, observadas a resistência por grande parte dos

professores, a escola necessita retomar a obrigatoriedade da leitura para que haja

maior interatividade entre estudantes e livros, entre textos e construção do

pensamento, entre mundo narrado e mundo real. Neste ponto, Calvino é categórico

em afirmar que:

[...] a escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um certo número de clássicos dentre os quais (ou em relação aos quais) você poderá depois reconhecer os "seus" clássicos. A escola é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que contam são aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola. (CALVINO, 1994, p. 13)

Durante a oficina, percebeu-se a confirmação das dez proposições de dos

“Os Direitos do Leitor”, claramente apontados por Pennac durante a apresentação

da oficina e a aceitação dos estudantes foi bem melhor do que quando se impõe

fichas de leitura, produções de resumos e coisas do gênero, visto que a oficina tinha

por base a leitura e o debate livre.

A oficina de leitura se desenvolveu, como anunciada na Unidade Didática e

contemplada nas Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa do Estado do Paraná

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(2008, p.74), através do Método Recepcional, utilizando três das cinco etapas

propostas pelas autoras Aguiar e Bordini (1988) que foram essenciais para que

houvesse a compreensão de que a leitura seja ela de clássicos e não-clássicos,

precisa ser incentivada e tomada de maior cuidado para que os leitores advindos do

Ensino Fundamental façam da leitura um hábito e os professores usem a mediação

e auxiliem nas dificuldades de qualquer ordem literária.

“Sendo o objeto da literatura a própria condição humana, aquele que a lê e a compreende se tornará não um especialista em análise literária, mas um conhecedor do ser humano.” (TODOROV, 2009, p.92-93)

Para complementar a citação de Todorov, um pouco de Calvino:

As leituras e a experiência de vida não são dois universos, mas um. Toda experiência de vida para ser interpretada chama certas leituras e funde-se com elas. Que os livros nascem de outros livros é uma verdade só aparentemente em contradição com a outra: que os livros nascem sempre da vida prática e das relações entre os homens. (CALVINO, 1997, p. 107-108)

A Literatura é um conhecimento fundamental na formação humana que

permite a discussão entre leitores sobre os preconceitos e atitudes presentes na

obra literária ou best-sellers prevalecendo o sentimento de liberdade sobre o leitor, o

direito de fazer seus próprios juízos sobre os fatos que apresenta e permite que se

criem suplementos de leitura.

3. Desenvolvimento

Para que se justifique e se compreenda a importância da leitura é preciso que

se observe o que propõem alguns estudiosos da leitura literária e dos textos não-

literários, como Rildo Cosson, Ítalo Calvino, Roland Barthes, Umberto Eco, Daniel

Pennac e Tzvetan Todorov. Todos apresentam suas considerações a respeito da

leitura que se pratica nos ambientes escolares e fora deles.

Um dos posicionamentos de Cosson é o poder de humanização da literatura:

“[...] devemos compreender que o letramento literário é uma prática social e, como tal, responsabilidade da escola. A questão a ser enfrentada não é se a escola deve ou não escolarizar a literatura, como bem nos alerta Magda Soares, mas sim como fazer essa escolarização sem descaracterizá-la, sem transformá-la em um simulacro de si mesma que mais nega do que confirma seu poder de humanização.” (COSSON, 2009, p. 23)

Tal humanização tem que ocorrer pelo letramento literário, termo que designa

a forma de concepção de literatura desde sua forma mais simples de composição,

no início dos estudos de produção de textos no Ensino Fundamental Básico, ou no

momento que o indivíduo desperta para a tentativa de construir textos. Mas

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letramento literário e leitura literária são duas formas distintas para Cosson. O

primeiro é o que se aprende na escola, a estrutura textual. Já a leitura literária é um

processo independente, intrínseco que, por incrível que pareça, necessita do

letramento literário para completar o sentido conforme defende Cosson:

“[...] na escola é preciso compartilhar a interpretação e ampliar os sentidos construídos individualmente. A razão disso é que, por meio do compartilhamento de suas interpretações, os leitores ganham consciência de que são membros de uma coletividade e de que essa coletividade fortalece e amplia seus horizontes de leitura. (COSSON, 2009, p. 65)

Roland Barthes, na sua obra “O prazer do texto” (2002), define:

Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura. Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem. (BARTHES, 2002, p. 20-21)

E nessa perspectiva pode ser inferido que falta muito para as escolas

propiciarem aos estudantes uma abertura no formato de concepção de leitura que,

atualmente, se encontra nos moldes didáticos e pedagógicos, longe dos anseios

propostos e postulados por todos os autores que se debruçam a refletir sobre os

caminhos da leitura, seu letramento e fruição.

Ítalo Calvino traz a partir da ótica dos adolescentes, a leitura dos clássicos de

forma incisiva:

Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual. (CALVINO, 2002, p. 8)

Essa definição para o que é um clássico reitera e reafirma Cosson, que

defende as oficinas de leitura como referencial de construção cognitiva e local de

compartilhar o que foi lido e assimilado para que, quando o leitor se deparar com um

texto que lhe pareça familiar, possa buscar nos seus arquivos de memória a

essência da obra, os pontos principais que causaram o retorno àquele mundo

apresentado tempos atrás e dessa forma utilizar-se da fruição para ir em busca

daquele que pode se tornar “o seu texto”.

Num contraponto temos Barthes e Eco, cada qual com sua maneira de ver o

leitor e seus aspectos. A preocupação de Roland Barthes era para explicar o prazer

que o texto proporciona e o questionamento. Umberto Eco se direciona à tentativa

de entender qual é a razão que leva o texto a dar prazer (ECO, 2004, p. 15), ou seja,

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entre a “morte do autor” e o “nascimento do leitor”, Eco quer relembrar a importância

do texto e como este regula suas possibilidades de fruição.

E por fim, Pennac e Todorov, autores de uma visão ampla e moderna sobre

os caminhos da leitura e a preocupação com o leitor e suas implicações no mundo

literário, a gama de obras literárias e não-literárias presentes na realidade escolar,

evidenciando o leitor e o colocando como peça principal de entendimento textual.

Pennac “liberta” o leitor das amarras literárias e Todorov abre caminho para

novas leituras não-literárias, contribuindo para que o texto seja lido em função dos

clássicos e sejam priorizados os debates literários. Conforme Calvino: “Um clássico é

um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.” (CALVINO, 2002, p. 8)

4. Oficinas de Leitura Diferenciada

Feitas as averiguações e análises dos materiais para o desenvolvimento das

atividades propostas na Unidade Didática do PDE 2014 e os cuidados com

preparação do ambiente para receber os alunos-leitores da primeira série do Ensino

Médio do Colégio Estadual Professor Gabriel Rosa, foram realizadas as oficinas de

leitura diferenciada com a proposta de utilizar-se do Método Recepcional de Aguiar e

Bordini (1988), contemplado nas Diretrizes Curriculares Estaduais do Estado do

Paraná na disciplina de Língua Portuguesa do Ensino Médio. Estas oficinas

aconteceram no período vespertino, contra turno do período matutino, de março a

junho de 2014 e foram divididas em três etapas consideradas essenciais para o

desenvolvimento da leitura literária em sala de aula. As três etapas preteridas foram:

o Atendimento ao Horizonte de Expectativas, Ruptura do Horizonte de Expectativas

e ampliação do Horizonte de Expectativas.

4.1 Unidade 1 – Atendimento ao Horizonte de Expectativas

[...] proporcionar à classe experiências com os textos literários que satisfaçam as suas necessidades em dois sentidos. Primeiro, quanto ao objeto, uma vez que os textos escolhidos para o trabalho em sala de aula serão aqueles que correspondem ao esperado. Segundo, quanto às estratégias de ensino, que deverão ser organizadas a partir de procedimentos conhecidos dos alunos e de seu agrado.(BORDINI e AGUIAR

3, 1993)

3 Obra disponível no link: http://gestaoescolar.abril.com.br/pdf/metodo-recepcional.pdf

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As atividades propostas nesta unidade tiveram um pouco de dificuldade

porque o hábito de debater e, principalmente o conteúdo que foi debatido, que foi a

leitura, eram poucos utilizados nas escolas de origem e a leitura era de caráter

didático apenas, sem muitas discussões orais, segundo relatado pela maioria dos

participantes da oficina em atividades posteriores. Os gostos e desgostos foram

postos em evidência e poucos se atreviam a discutir o tema, talvez por timidez ou

falta de argumentos. Somente quando foram encaminhadas as atividades que

utilizavam trailers de filmes é que a conversa foi mais proveitosa e foram captadas

respostas muito bem elaboradas, provando que o texto acompanhado de imagem

abarca mais sentido e propicia maior assimilação das ações das personagens,

aspectos abstratos facilmente detectados como dor, amor, medo, preocupação e

alegria.

Conforme a maior ou menor eficácia do texto somos levados a ver a cena como se esta se desenrolasse diante de nossos olhos. (CALVINO, 1990, p. 99).

Numa das perguntas da Unidade Didática – “Na sua opinião, as adaptações

de obras literárias para o cinema, representam a totalidade do texto escrito?” – dos

quinze alunos participantes, dez disseram que não, pois o livro era bem mais

demorado que um filme e precisaria de mais dias para se contar a história como ela

se apresenta no texto literário. Outros disseram que preferiam assistir um filme

adaptado a ler, pois o texto escrito tem muitas palavras complexas.

Figura 01

O filme “Crepúsculo”, de Stephenie Meyer, embora já estivesse um pouco

defasado, demonstrou que o sobrenatural, o fantástico é um tema que causa

curiosidade entre os jovens e imediatamente ao clipe do filme, todos opinaram sobre

as personagens e o tema “imortalidade”, dando destaque para a aluna “A” que

relatou sua experiência com a morte, logo que foi operada de um cisto no pulmão e

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em seguida foi dada pela equipe médica como morta, vindo a voltar a viver no

corredor quando estava sendo levada ao exame post mortem perto da sala de

necrotério. Os alunos ficaram todos apreensivos e começaram a fazer perguntas

sobre o que ela havia visto, durante o período de “quase morte”. Realmente, o

sobrenatural tem sido uma constante tanto na vida cotidiana como também nos

livros e no cinema e pode auxiliar a compreender as vicissitudes da vida, a sonhar

com a vida “eterna” aqui mesmo na terra. Após o debate carregado de elementos

sobrenaturais, alguns relatos foram direcionados a Bella, personagem adolescente

que se apaixona por um vampiro no filme em evidência e coloca em risco sua vida

mortal por conta do amor nutrido por um ser que passa por períodos distintos da

história sem envelhecer, no caso, Edward, vampiro que faz par romântico com Bella.

Alunos que tinham o hábito de leitura fizeram a relação do amor entre Bella e

Edward e “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, justificando a redescoberta do texto

literário através de um outro não-literário, pertencente ao quadro dos best-sellers e

com isso, adiantou-se a atividade da unidade 3. A aluna “B” destacou que havia lido

“Frankenstein”, de Mary Shelley, e pode perceber uma ligação entre a obra

fantástica e o filme assistido e relatou uma frase do texto, escrito no seu caderno:

“Eu seria o primeiro a romper os laços entre a vida e a morte, fazendo jorrar uma nova luz nas trevas do mundo (...). Ressurreição! Sim, isso seria nada menos que o poder de ressurreição.” (SHELLEY, 1998, p. 56).

Como destaca Calvino: “É só nas leituras desinteressadas que pode

acontecer deparar-se com aquele que se torna o "seu" livro.” (CALVINO, 1994), a

aluna “B” contou que havia emprestado o livro por engano e começara a ler sem

qualquer preocupação de tempo para terminar ou expor o que havia assimilado do

texto e que somente naquele dia da oficina ela pôde relatar sua experiência de

leitura, como se tivesse passado um filme em sua memória durante o debate sobre a

exibição do vídeo “Crepúsculo”. E também é oportuno enfatizar o que relatou

Barthes:

As boas maneiras de ler um texto, é chegar a tratar um livro como se

escuta um disco, como se olha um filme... como se é tocado por uma

canção: todo tratamento do livro que exigisse um respeito especial, uma

atenção de outra espécie, vem de outra época e condena definitivamente

o livro. Não há nenhuma questão de dificuldade nem de compreensão:

os conceitos são exatamente como sons, cores ou imagens, são

intensidades que convêm a você ou não... não há nada a compreender,

nada a interpretar. (BARTHES, 2002, p. 21-22)

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A etapa foi concluída com a apresentação dos livros “Frankestein”, de Mary

Shelley e “Crepúsculo”, de Stephenie Meyer onde as alunas “A” e “B” fizeram leitura

de um capítulo que mais chamou a atenção de cada uma delas.

Vencido o “Atendimento do Horizonte de Expectativas”, ficou esclarecido que

os textos não-literários podem ser pontos de partida para o texto clássico, ou seja,

precisam ser expostos com maior intensidade, não se limitando a prateleiras de

bibliotecas e sim, sobre a mesa do professor, sobre o banco das escolas, na cantina,

nas secretarias, enfim, tem que ficar à mostra, num convite sedutor à leitura. Vale

ressaltar que os relatos foram colhidos, durante os debates sobre os textos lidos.

4.2 Unidades 2 e 3 – Ruptura do Horizonte de Expectativas

[...] introdução de textos e atividades de leitura que abalem as certezas e costumes dos alunos, seja em termos de literatura ou de vivência cultural. Essa introdução deve dar continuidade à etapa anterior através do oferecimento de textos que se assemelhem aos anteriores em um aspecto apenas: o tema, o tratamento, a estrutura ou a linguagem. Entretanto, os demais recursos compositivos devem ser radicalmente diferentes, de modo a que o aluno ao mesmo tempo perceba estar ingressando num campo desconhecido, mas também não se sinta inseguro demais e rejeite a experiência. (BORDINI e AGUIAR, 1993)

Nesta etapa, os alunos ficaram envolvidos com o significado da palavra

“Clássico” e as definições dadas por autores contemplados neste artigo. Também

foram apresentados “Os Direitos do Leitor”, de Pennac e trabalhado um pouco na

internet com atividades online através de quizes4 sobre os atores Robert Pattinson e

Kristen Stewart, intérpretes de Edward e Bella da saga “Crepúsculo”.

Foi construído durante os encontros desta unidade um mural onde os

participantes da oficina trouxeram curiosidades sobre o filme e os artistas e coisas

sobre a vida de Stephenie Meyer, autora de vários livros e lido um capítulo do best-

seller e em outra oficina, os alunos produziram uma encenação em forma de paródia

sobre o primeiro encontro de Edward e Bella no colégio que frequentavam.

No que se referem à leitura, cinco alunos haviam lido o livro e assistido o filme

e disseram que as personagens do filme não têm as mesmas características

apresentadas no livro e que o personagem Edward é bem mais agressivo e mais

romântico no texto escrito. Também perceberam omissões de cenas e diálogos

vazios no filme. A busca pelos livros de Stephenie Meyer causou fila na biblioteca, e

4 Palavra inglesa que significa um conjunto de perguntas para avaliar conhecimentos de alguém

sobre os mais variados assuntos. (Disponível em: < http://www.priberam.pt/dlpo/quiz>)

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foi necessário fazer empréstimos de outras bibliotecas para atender a todos os

interessados pela leitura.

Figura 02

Neste ponto, é evidente que a propaganda faz a diferença e a mobilização foi

nítida entre todas as outras séries, que, não encontrando o livro em destaque,

acabaram por levar outros de temas similares.

Foram feitas, nesta atividade, a compreensão do livro e do filme e o alunos

expuseram suas considerações. Também foram averiguados por eles e apontados

como dificuldades o fato de que no livro as cenas são mais longas e muitas vezes

não correspondem com a adaptação assistida. Esta situação foi reportada durante

as explanações sobre a diferença entre gêneros narrativos distintos e que apenas

naquele momento serviu de apoio para a compreensão de como se dá a dinâmica

do texto lido e o filme baseado em textos literários e não-literários.

A curiosidade durante a oficina teve grande destaque devido ao tema

“Imortalidade” e o poder de transcender durante séculos passando por vários

momentos históricos e o fato de não envelhecer. Várias perguntas foram feitas sobre

a possibilidade do ser humano tornar-se imortal, se havia uma “fonte da juventude”

para que se pudesse permanecer com a mesma aparência física assim como a do

personagem Edward. Este tipo de diálogo franco foi muito bom, porque os temas

que estavam implícitos foram descobertos e os alunos puderam expor seus

argumentos sobre a vida e a morte, retomaram outros livros como “Frankenstein”

(1998), de Mary Shelley, “O médico e o monstro” (2010), de R. L. Stevenson e ainda

fizeram ponte com a onda das séries como “The walking dead”, da Fox Channel que

tem os mortos-vivos como tema, “Vampire Diaries”, que conta história de dois irmãos

vampiros, um bom e outro mau, que competem a alma de Elena Gilbert.

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Nas atividades de leitura dirigida, os alunos trouxeram relatos de experiências

de leituras de outros livros que são considerados livros de auto-ajuda pela crítica

literária, mas que estão presentes nas escolas e tem um público fiel a este gênero

de leitura. Destaque para “A culpa é das estrelas” (2012), de John Green, onde é

contada a história de Hazel, uma paciente em estágio terminal e Augustus, rapaz

que ela conhece dentro do hospital. Aqui, percebeu-se que, embora a maioria dos

alunos da oficina não fosse propensa a leitura de textos sentimentais, quando a

aluna “D” se dispôs a contar o que ela havia encontrado nas linhas do texto, essa

maioria ouviu atentamente cada palavra contida na história e o aluno “E” disse que

teve um caso semelhante acontecido recentemente em sua família e assim, o que

Todorov enfatizou sobre a humanização do texto, ficou completa com o debate bem

produtivo e que proporcionou reflexões e reações imediatas do público participante

da oficina.

Em outra ocasião, os alunos retomaram as pesquisas no laboratório – embora

apenas “um” computador estivesse funcionado naquele dia – e realçaram sua

curiosidade sobre vampiros, imortalidade, vida após a morte, temas do gosto dos

jovens adolescentes da série contemplada com a oficina de leitura.

4.3 – Mashups, a mistura do fantástico com o clássico

Os gêneros literários tratados na oficina foram estudados conforme “Os

direitos do leitor”, de Pennac, e nas oficinas os livros estiveram dispostos sobre a

mesa do professor, sobre as carteiras, cadeiras, enfim, onde pudessem causar um

motivo para apenas folheá-los, ler algumas páginas, observar a capa, as letras,

figuras que fossem estampadas nas páginas, sem exigências mais contundentes de

leitura – “O verbo ler não suporta imperativo.” (PENNAC, 1998) – e esta frase

confirmou as atividades da oficina que permaneceu fiel às propostas do Projeto de

Intervenção Pedagógica na Escola e também adequou as sugestões do Grupo de

Trabalho em Rede – GTR, realizado durante as implementações das Unidades

Didáticas, produzidas para dar suporte material às teorias sugeridas relatadas no

projeto. Uma sugestão acatada foi a encenação ao final de capítulos lidos ou textos

completos e os alunos fizeram prontamente e a interação entre o lúdico e a leitura

significativa (SMITH, 1999), complementando e enriquecendo a aprendizagem de

leitura literária.

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A oficina teve também momentos de confronto entre o novo gênero sugerido

na Unidade Didática e os textos literários. Foram apresentados os mashups5, uma

nova modalidade de misturar elementos do mundo fantástico e sobrenatural ao

clássico e o fator aparência foi um dos motivos de curiosidade por parte dos alunos

e os motivou a ler a obra por completo. Houve cinco alunos que não aceitaram a

forma do texto e somente leram os clássicos sugeridos na última unidade. Os

demais, todos teceram comentários positivos e que poderiam ler os clássicos

sugeridos nos títulos dos mashups, como assim fizeram e trouxeram para o debate

os pontos positivos e os negativos de se ler tal gênero. Um dos pontos positivos foi a

linguagem acessível e o vocabulário não muito rebuscado. Em seguida, a

diagramação e impressão dos livros definiram as escolhas pela qualidade. O aluno

“F” fez questão de apontar uma dificuldade que era o distanciamento do texto

original e que poderia comprometer a leitura do texto clássico ao qual foram

incorporadas as adaptações.

Figura 03

Na oficina foram lidos em forma de e-book 6, no projetor multimídia, alguns

capítulos disponíveis na internet dos títulos a seguir: “Dom Casmurro e os discos

voadores”, de Machado de Assis/Lúcio Manfredi; “Senhora, a bruxa”, de José de

5 Mashup, significa mistura em português. Na literatura, esse conceito também vem sendo explorado,

misturando frases e personagens de livros clássicos de domínio público a histórias mais contemporâneas, de vampiros, zumbis, mutantes e bruxas, na maioria das vezes. (Disponível em: http://blog.estantevirtual.com.br/2011/05/16/mashups-literarios-os-djs-dos-livros/) 6 Ebook (ou e-book) é uma abreviação do termo inglês eletronic book e significa livro em formato

digital. Pode ser uma versão eletrônica de um livro que já foi impresso ou lançado apenas em formato

digital. (Disponível em: < http://www.significados.com.br/ebook/>)

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Alencar/Angélica Lopes; “O alienista caçador de mutantes”, de Machado de

Assis/Natalia Klein e “A escrava Isaura e o vampiro”, de Bernardo Guimarães/Jovane

Nunes. Em outro dia da oficina, os alunos iniciaram as leituras completas dos textos

com tempo para perguntas, comparações com a obra clássica de origem,

personagens e suas características. O grande destaque foi o personagem Simão

Bacamarte e seus trejeitos não convencionais para os padrões da época, a partir do

qual os alunos puderam debater as questões de gênero e diversidade e tomarem

posição com argumentos construtivos e pertinentes ao tema, sem cair para o lado do

preconceito.

Quanto mais contato com livros as crianças tiverem, e quanto mais histórias elas puderem ler e ouvir, sem obrigações, mais possibilidades terão de se apaixonar pela cultura, pela vida, pela história do mundo, pela arte que a literatura nos traz, pois as crianças constroem sua identidade num processo de socialização a partir do que e com quem ela convive. (HONORATO, 2005, p.59)

Neste espaço de tempo que ocorreu a oficina foram perceptíveis as

mudanças de visão quanto à leitura e sua importância na vida dos alunos. Nas aulas

regulares as produções textuais foram bem mais estruturadas e enriquecidas com

elementos do mundo clássico e também da literatura fantástica e dos mashups. A

melhoria deve-se em grande parte às oficinas de leitura diferenciada onde os alunos

levaram aquilo que aprenderam para os outros que não quiseram ou não puderam

participar do evento.

4.4 Ampliação do Horizonte de Expectativas

Tendo percebido que as leituras feitas dizem respeito não só a uma tarefa escolar, mas ao modo como vêem seu mundo, os alunos, nessa fase, tomam consciência das alterações e aquisições, obtidas através da experiência com a literatura. Cotejando seu horizonte inicial de expectativas com os interesses atuais, verificam que suas exigências tornaram-se maiores, bem como sua capacidade de decifrar o que não é conhecido foi aumentada. Essa tomada de consciência é uma atitude individual e grupal dos próprios alunos. Deve-se salientar que sua verbalização acontece por iniciativa dos mesmos, sem intervenção direta do professor. O papel do mestre neste momento é o de provocar seus alunos e criar condições para que eles avaliem o que foi alcançado e o que resta a fazer.(BORDINI e AGUIAR, 1993)

O mundo dos autores clássicos é um eterno desvendar, como no próprio

sentido da palavra, tirar as vendas, olhar para uma nova possibilidade de

compreensão, enxergar o que se passa nas entrelinhas do texto e no próprio texto.

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Dentro da proposta de ampliar os horizontes da leitura, a oficina proporcionou

abertura de estrutura textual, esmiuçou a narrativa e pela descrição levou o leitor

mais próximo daquilo que é possível compreender de um texto mais elaborado,

recheado de conflitos humanos, de amores feitos e desfeitos, das dores e alegrias e

possibilitou olhar a personagem face a face. Não foi uma tarefa das mais fáceis,

porém os resultados foram excelentes e continuam a render bons argumentos,

ótimas redações e histórias incríveis elaboradas a partir do imaginário que fora

trabalhado nas duas etapas anteriores.

Ampliar horizontes requer cuidados mais técnicos e é possível perceber a

partir dos debates e produções que se fizeram nas aulas regulares. Os relatos dos

alunos participantes da oficina, logo após o encerramento das atividades,

expressaram a necessidade de se ter uma oficina permanente de leituras e

produções textuais.

Na unidade 4, a proposta foi de ler os quatro livros apontados nos mashups

depois dos alunos assistirem vídeos sobre a importância dos clássicos nos dias

atuais. Em seguida apresentaram-se outras informações sobre os clássicos

“Senhora”, de José de Alencar; “Dom Casmurro” e “O alienista”, ambos de Machado

de Assis e “A escrava Isaura”, de Bernardo Guimarães. Alunos que leram “Senhora”,

classificaram como cansativo o enredo e um tanto complexo. Outros que leram “Dom

Casmurro” relataram que o narrador do texto falava demais e induzia o leitor a

pensar como ele. Isso foi de extrema importância o aluno expressar um

conhecimento mais apurado sobre o narrador. A aluna “F” que havia lido também

“Dom Casmurro” disse que se identificava com Capitu, principalmente no

comportamento libertário que sugere o narrador do texto. O aluno “G” informou que

“O alienista” é um livro que mostra a loucura humana e em todas as cidades

encontra-se um Simão Bacamarte e suas excentricidades. A maioria leu “A escrava

Isaura” e considerou que o texto tinha aspecto de novela de televisão e tinha muita

descrição. Os relatos orais foram muito importantes para que a oficina pudesse

chegar a uma avaliação possível, se é que é possível mensurar o momento de fala e

argumentação.

As questões da unidade puderam ser amplamente discutidas e ainda ficaram

dúvidas sobre o que é clássico e não-clássico. Mas aconteceram muitas ligações,

principalmente entre o livro “Crepúsculo” e “A escrava Isaura”, onde apontaram o

personagem Leôncio como um vampiro que viveu naquela época e ainda trouxeram

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argumentos contundentes encontrados a partir do filme “Entrevista com o vampiro”

que dois alunos haviam assistido. Esses alunos disseram que o período de maior

concentração de histórias de aparições de vampiros foi na época da escravidão e

América foi povoada desses seres. Fatos e relatos causaram apreensão nos alunos

e foram feitas algumas pesquisas sobre o assunto e debatida com seriedade, muito

embora grande parcela quisesse boicotar o assunto. A mediação foi fundamental

para que se estabelecesse o respeito sobre as argumentações e assim

prevalecesse o direito de relatar o pensamento sobre a questão.

A exibição do filme “Dom” (2010) foi fundamental para que fosse definida a

questão do gênero mashup e assim perceberam a diferença entre adaptação e esse

gênero.

Realizados os debates e considerações finais, novamente “Os direitos do

leitor” (PENNAC) voltaram à discussão e a proposta foi a leitura e releitura na íntegra

dos textos. Os textos já não eram novidades e a leitura das obras foi realizada em

quatro encontros, logicamente que os alunos adiantaram a leitura e isso possibilitou

o encerramento das atividades de leitura.

Figuras 04

4.5 Debate Final e Sistematização dos debates

O debate final seguiu o roteiro proposto na Unidade Didática com três

momentos distintos: Primeiro momento (explorando o livro como objeto e os seus

aspectos materiais); Segundo momento (explorando as impressões de leitura e

reação emocional) e Terceiro momento (explorando temas e formas, estabelecendo

relações com o contexto e com a biografia do autor etc.). As conclusões foram

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coletadas no primeiro debate e no último para a confrontação e possibilidade de uma

avaliação sistematizada.

Figura 05

No gráfico acima, cujas informações foram colhidas no primeiro debate, pode-

se perceber que a maioria dos participantes não chegou a terminar um texto literário

por completo e as justificativas foram de falta de vontade, tempo ou não gostavam

de leituras longas.

Nas oficinas, mesmo utilizando a liberdade de leitura através dos “Direitos do

leitor”, ainda aconteceu de dois alunos não terminarem as suas respectivas obras,

mas o resultado foi satisfatório, visto que aumentou o número de procura por títulos

semelhantes aos utilizados na oficina.

A mudança de atitude quanto a leitura de obras literárias teve um avanço

significativo. Conforme foi detectado durante as aulas regulares, fora das oficinas,

houve mudança de atitude e um avanço significativo em relação à leitura de obras

literárias. Esta mudança pôde ser vista concretamente durante as atividades

comemorativas do escritor paranaense Paulo Leminski. A primeira série do colégio

que foi aplicado a oficina de leitura foi a mais produtiva e conseguiu ler todas as

obras do poeta.

Numa avaliação superficial do último debate, tem-se um significativo aumento

dos alunos-leitores e contribuiu para que houvesse melhorias em todas as

disciplinas, inclusive em Matemática e áreas afins.

3

2

5

5

PARTICIPANTES 1º DEBATE

Leitores de 1 livro ao mês

Leitores de 2 ou mais livros aomês

leitores que leram até o meio daobra

Leitores que quase terminarama leitura do texto

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Figura 06

Tratando-se de Língua Portuguesa, o uso de gráficos pode apresentar falhas

nos dados, pois o ato de leitura é algo particular e não se pode dizer que aluno “A”,

“B” ou “C” são inaptos à leitura por não lerem um texto ao mês ou abandonarem no

meio ou quase ao fim do texto. Isto seria incoerente se fosse aplicado para justificar

o abandono da leitura durante o ano. Porém, dentro de um projeto fica esclarecido

que as oficinas são eficientes e podem melhorar o desempenho em todas as

disciplinas desde que haja empenho em todas elas para a efetivação das salas de

leitura ou ambientes que propiciem a pesquisa literária com mais propriedade.

A oficina foi encerrada com a encenação de Romeu e Julieta e os zumbis,

uma criação dos alunos “A” e “F” para a conclusão da oficina.

4.6 Considerações finais

Diante das reflexões e conceitos elaborados sobre o leitor, a leitura literária

dos textos considerados não-clássicos pelos críticos e também, a dificuldade de se

explicitar ou tentar indicar um caminho mais acessível ao estudante até os clássicos

é que o projeto em construção se organiza e se sustenta nos pensamentos, desde

os mais aceitos na escola pública, caso do letramento visto em Cosson, do Método

Recepcional de Aguiar e Bordini e das pontuações feitas por Todorov, até os mais

6

7

1 1

PARTICIPANTES DO ÚLTIMO DEBATE

Alunos que leram 1 livro aomês

Alunos que leram 2 ou maislivros ao mês

Alunos que leram até o meiodo texto

Alunos que quase terminarama leitura do texto

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polêmicos, como o caso de Pennac, e “Os direitos do leitor”, ao intrigante

pensamento de Barthes sobre a importância da literatura acima das disciplinas. Mas

o que se pretendeu com as oficinas de leitura foi buscar um método que abarcasse

conceitos e ações dos mais diversos pensadores para a contribuição e fluência de

uma leitura mais consistente e menos opressora.

Há muitas possibilidades de se retomar a leitura e se (re)descobrir os

clássicos na escola de modo menos “escolarizado” propiciando um maior contato e,

por conseguinte, uma experiência literária mais aprofundada e eficaz, que satisfaça

o leitor e motive o professor a realizar cada vez mais atividades dentro das oficinas

de leitura de um modo agradável e que seduza o estudante, e ao passo que a ele

são apresentados os livros, gere curiosidade e uma busca pelo desenrolar completo

daquilo que foi anunciado pelo professor mediador. Portanto:

O ensino da literatura é, em rigor, impossível, pela simples razão de que a experiência não se ensina. Faz-se. Mas podem e devem criar-se as condições para essa experiência: removendo obstáculos e proporcionando ocasiões. (MATOS, 1987, p.20)

E em Todorov pode ser confirmada o caráter libertário da leitura:

Mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente

diferente, a literatura amplia nosso universo, incita-nos a imaginar outras

maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que os

outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles

que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de

interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos

proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar

mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples

entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela

permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano.

(TODOROV, 2009, p. 23-24)

REFERÊNCIAS:

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CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras,

2004.

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_______. “Prefácio” a Il sentiero dei nidi di ragno. In: PESSOA NETO,

Anselmo. Italo Calvino: as passagens obrigatórias. Goiânia: Editora da UFG,

1997.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Editora Contexto, 2009.

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São Paulo, Escrita, 1998. ECO, Umberto. Os limites da Interpretação. 2ª ed. São Paulo, Perspectiva, 2004. GREEN, John Green, A culpa é das estrelas, Editora Intrínseca, São Paulo, 2012.

HONORATO, Aurélia R., As experiências com literatura no relato das crianças. Dissert. de Mestr. da UNESC sob orient. da Profª DrªMaria Isabel disponível em: <http://www.bib.unesc.net/biblioteca/sumario/000030/000030F8.pdf >

Acesso em 20 de novembro de 2014> KLEIMAN, Ângela. Texto e Leitor: Aspectos cognitivos da Leitura, Campinas: Editora Pontes, 2008. KLEIN, Natália, O alienista caçador de mutantes. Ed. Lua de Papel. São Paulo,

2010. LOPES. Angélica. Senhora, a bruxa. Ed. Lua de Papel. São Paulo, 2010. MANFREDI, Lúcio. Dom Casmurro e os discos voadores. Ed. Lua de Papel. São

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ed., Trad. Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. NUNES, Jovane. A escrava Isaura e o vampiro. Ed. Lua de Papel. São Paulo,

2010. PENNAC, Daniel. Como um Romance. Tradução de Leny Werneck. 4ªed. Rio de

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http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/diretrizes/dce_port.pdf Acesso em 20 de novembro de 2014.>

SHELLEY, Mary, Frankenstein, Ed. LP&M, Porto Alegre, 1998.

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Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda. 1999.

SODRÉ, Muniz. Best-seller: a literatura de mercado. São Paulo: Ática, 1985.

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STEVENSON, R. L., O médico e o monstro. Ed. Saraiva, São Paulo, 2010.

TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.

_______Literatura não é teoria, é paixão. Revista BRAVO! ano 12, n. 150, p. 38-

39, fev – 2010.

SITES VISITADOS

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MARIA DA GLÓRIA BORDINI, VERA TEIXEIRA DE AGUIAR(São Paulo). Literatura – A Formação do Leitor: Método Recepcional. 1993. Disponível em: <http://gestaoescolar.abril.com.br/pdf/metodo-recepcional.pdf>. Acesso em: 21 maio 2014.

VAMPIRES DIARIES WORLD (Brasil). Net Flix (Org.). Vampires Diaries. 2013. Disponível em: <http://vampirediariesworld.com/>. Acesso em: 15 jun. 2014.

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IMAGENS:

Figura 01 FILMES IV (Brasil) (Org.). Crepúsculo: Capa do filme. 2013. Disponível em: <http://www.filmesiv.com/2012/09/crepusculo-dublado.html>. Acesso em: 15 nov. 2014.

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Figura 02 EDITORA SARAIVA (São Paulo) (Org.). Crepúsculo: Capa do livro. 2008. Disponível em: <http://www.saraiva.com.br/crepusculo-livro-1-2390502.html?PAC_ID=30393&>. Acesso em: 18 nov. 2014. Figura 03 BLOG DA ESTANTE VIRTUAL (São Paulo) (Org.). Mashups literários – os DJ’s dos livros. 2011. Capas de livros para divulgação. Disponível em: <http://blog.estantevirtual.com.br/2011/05/16/mashups-literarios-os-djs-dos-livros/>. Acesso em: 10 abr. 2014. Figura 04 EDITORA ÁTICA (São Paulo) (Org.). Dom Casmurro, O alienista, A escrava Isaura, Senhora: Capas de livros para divulgação. 2014. Texto para publicidade. Disponível em: <www.atica.com.br>. Acesso em: 20 nov. 2014. Figuras 05 e 06 MICROSOFT (Brasil). Gráficos do Office: Ilustração. 2014. Elaborado para o artigo em curso. Disponível em: <www.microsoft.com>. Acesso em: 21 nov. 2014.