OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · ... de uma Sequência Didática (SD) para o ......

67
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Produções Didático-Pedagógicas Versão Online ISBN 978-85-8015-079-7 Cadernos PDE II

Transcript of OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · ... de uma Sequência Didática (SD) para o ......

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Produções Didático-Pedagógicas

Versão Online ISBN 978-85-8015-079-7Cadernos PDE

II

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ – SEED PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – UFPR TURMA 2014/2015

PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

Título: Sequência Didática para o gênero discursivo Conto Literário

Autor: Edilson José Krupek

Disciplina/Área Língua Portuguesa

Escola de implementação do Projeto e sua localização

Colégio Estadual do Paraná – CEP Av. João Gualberto, 250 – Curitiba-PR

Município da Escola Curitiba

Núcleo Regional de Educação Curitiba

Professor Orientador Dra. Karine Marielly Rocha da Cunha

Resumo O projeto compreende a elaboração de uma Sequência Didática (SD) para o gênero discursivo Conto Literário, englobando conteúdos presentes na Proposta Pedagógica Curricular (PPC) para o 1.º ano do Ensino Médio do Colégio no qual ele será implementado. A SD contemplará as práticas discursivas da leitura, oralidade e escrita, bem como a prática didática de análise linguística, a partir da abordagem dos elementos que caracterizam todo gênero, que são o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo. Também objetiva introduzir os estudantes que ingressam no Ensino Médio na análise de textos literários, prática imprescindível nesse nível de ensino. A fundamentação deste trabalho está pautada principalmente pela teoria dos gêneros, partindo dos pressupostos de Bakhtin/Volochínov – teóricos que fundamentam as Diretrizes Curriculares Orientadoras para o ensino de Língua Portuguesa na rede pública do Paraná –, e dos precursores da metodologia das Sequências Didáticas para o ensino dos gêneros, Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz.

Palavras-chave Sequência Didática; Gêneros discursivos; Conto literário.

Formato do Material Unidade Didática

Público Estudantes do 1.º ano do Ensino Médio

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ – SEED

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – UFPR

Edilson José Krupek

SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O GÊNERO DISCURSIVO CONTO LITERÁRIO

UFPR CURITIBA

2014

Edilson José Krupek

SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O GÊNERO DISCURSIVO CONTO LITERÁRIO

Produção Didático-Pedagógica apresentada ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED, em parceria com a UFPR. Área de conhecimento: Língua Portuguesa. Orientadora: Profa. Dra. Karine Marielly Rocha da Cunha.

UFPR CURITIBA

2014

SUMÁRIO

Apresentação.......................................................................................................... 05

Oficina 1 – Primeiros contatos com o gênero......................................................... 09

Oficina 2 – Mais contos para ler e um para escrever............................................. 16

Oficina 3 – Um gênero democrático....................................................................... 23

Oficina 4 – Uma “radiografia” dos contos............................................................... 29

Oficina 5 – Conto: abrigo de muitos falares........................................................... 35

Oficina 6 – Recursos expressivos para a literariedade.......................................... 41

Oficina 7 – O uso (ou não) do recurso descritivo................................................... 46

Oficina 8 – Uma produção a muitas mãos............................................................. 50

Oficina 9 – A retomada da produção inicial........................................................... 53

Oficina 10 – A reestruturação dos textos............................................................... 55

Oficina 11 – O contínuo aprimoramento................................................................ 60

Atividade final – Os contos vão a público............................................................... 64

Referências............................................................................................................. 65

5

Esta unidade didática, produzida para o Programa de Desenvolvimento

Educacional (PDE) da Secretaria de Estado da Educação do Paraná no ano de

2014, contém uma Sequência Didática (SD) para o gênero discursivo Conto

Literário, englobando conteúdos presentes na Proposta Pedagógica Curricular

(PPC)1 do 1.º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual do Paraná, para quem a

proposta de intervenção foi concebida.

Tal proposta parte do pressuposto de que os gêneros discursivos são os

conteúdos básicos para o ensino de Língua Portuguesa, conforme definem as DCE-

PR – Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educação Básica para a Rede

Estadual de Ensino do Paraná (PARANÁ, 2008), e é a partir deles que devem ser

desenvolvidas atividades de leitura, oralidade, escrita e análise linguística. Quanto à

metodologia selecionada, optou-se pela Sequência Didática (SD) por julgá-la viável

à exploração ampla e contextualizada dos recursos discursivos, linguísticos, textuais

e estilísticos do gênero focalizado. Já a definição pelo conto literário se deu por

considerá-lo propício para atrair público do 1.º ano do Ensino Médio aos objetivos da

disciplina nessa modalidade de ensino: promover a leitura e o estudo da literatura –

englobando a história, teoria e crítica literária –, ampliar o conhecimento linguístico e

estético dos estudantes e formar leitores e produtores de textos.

O formato do material segue o esquema proposto por Dolz & Schneuwly

(2004) para a metodologia da SD, a qual pode ser definida como “uma sucessão

planejada de atividades progressivas e articuladas entre si, guiadas por um tema,

um objetivo geral ou uma produção” (MACHADO, 1997). O esquema parte de uma

“apresentação da situação” aos estudantes, na qual eles devem tomar ciência do

processo pelo qual passarão no decorrer do trabalho com o gênero em foco. Após

um primeiro contato com exemplares desse gênero, eles efetuarão uma “primeira

produção”, que é imprescindível porque, como numa avaliação diagnóstica, ela vai

evidenciar os conhecimentos já adquiridos e as maiores dificuldades a serem

1 Disponível em: http://www.cep.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=71

Apresentação

6

tratadas, possibilitando o ajuste das atividades que virão a seguir. Além disso, a

primeira produção servirá também para a avaliação de todo o processo, quando

confrontada com a “produção final”, reelaborada a partir de todos os conhecimentos

adquiridos na exploração do gênero. Essa exploração se dará por meio de

“módulos” – os quais, neste material didático, chamaremos de “oficinas” –

desenvolvidos por meio da abordagem dos elementos constitutivos do gênero

relacionados às condições de sua produção, sua estrutura composicional, seu estilo

e seu conteúdo temático. Nesta SD, dada a complexidade do gênero selecionado, e

da grande quantidade de conteúdos a serem explorados e de atividades de leitura e

escrita demandadas, foram previstas 11 oficinas, além de uma atividade final

compreendendo a divulgação dos contos a serem produzidos. O tempo de cada

oficina vai variar de acordo com o ritmo da turma e da necessidade que se instaurar

em cada etapa, no entanto o planejamento prevê que todo o processo se dê no

primeiro trimestre letivo, considerando-se quatro aulas semanais.

Os contos selecionados para as atividades da SD compõem a coletânea Os

cem melhores contos brasileiros do século, obra organizada por Moriconi (2009). A

escolha dessa obra deve-se, primeiro, pelo fato dela concentrar uma quantidade

representativa de contos brasileiros do século XX e, segundo, por ser esta uma obra

que compõe o acervo das bibliotecas das escolas públicas paranaenses, sendo

assim de fácil acesso aos estudantes e principalmente aos professores que

desejarem utilizar-se deste material didático.

Na construção do material, alguns desafios se fizeram prementes. Em

primeiro lugar, apesar de haver a preocupação de se utilizar dos pontos positivos da

metodologia em favor do trabalho de ampliação do conhecimento linguístico dos

estudantes, o objetivo maior seria o de torná-los bons leitores de textos literários.

Assim, seria mister atenuar os efeitos da “didatização” do gênero, uma vez que

esse, mesmo sendo um objeto da comunicação interpessoal, quando adentra a

escola é também um objeto de ensino, como apontam Dolz & Schneuwly (2004).

Tentar inserir o conto literário numa “camisa de força”, aliás, seria até incoerente,

pois conforme análise de Bosi (1974), esse gênero é proteiforme, assumindo formas

de surpreendente variedade (de tons, temas, formatos de composição e

significados). Essa variedade, portanto, será explorada e valorizada neste trabalho

e, acreditamos, se configurará também como uma significativa e atraente

7

possibilidade de aguçar nos estudantes o esmero pela escrita autoral e pela reflexão

sobre sua produção escrita, prática extremamente necessária no Ensino Médio.

Em segundo lugar, seria preciso comprovar a pertinência de se promover a

prática da escrita desse gênero na escola, frente à discordância relacionada ao

discurso poético existente entre alguns estudiosos do ensino de gêneros, os quais

defendem que cabe à instituição escolar somente produzir bons leitores e não

escritores literários. Quanto a isso, neste material defende-se, concordando com

Garcia (2010), que não podemos privar os estudantes de exercitarem, além da

leitura, também a elaboração de textos poéticos e literários, porém sem condicionar

a avaliação dos estudantes à presença ou não de literariedade em suas produções.

Por fim, seria necessário contemplar na SD, de forma contextualizada e

significativa, alguns conteúdos estipulados na proposta pedagógica curricular do 1.º

ano do nível médio da escola que receberá a intervenção pedagógica, relacionados

às práticas discursivas da leitura, oralidade e escrita, bem como a prática

pedagógica da análise linguística, a partir da abordagem dos elementos que

caracterizam, segundo Bakhtin/Volochínov (1992, 2006), todo gênero discursivo: o

conteúdo temático, a construção composicional e o estilo. Para tanto, deveriam ser

formuladas atividades que não tomassem o gênero como objeto para o mero estudo

da estrutura da língua, mas para a análise dos elementos que o compõem e reflexão

sobre suas funções na promoção dos efeitos de sentido depreendidos.

Ao considerar esses desafios, esta SD concebe a leitura como um ato

dialógico, interlocutivo, e que está imbricado no contexto social, histórico, político,

econômico e ideológico em que cada leitor está inserido e cada evento enunciativo é

produzido. Assim, as atividades de leitura propostas respeitam o caráter individual

dessa prática discursiva, valorizando a experiência, os conhecimentos prévios e as

vozes que constituem cada leitor. Por meio da exposição constante ao gênero, da

discussão sobre as impressões suscitadas em cada unidade, da identificação dos

recursos linguísticos e estéticos utilizados pelos seus autores e do debate acerca

dos efeitos de sentido propiciados, espera-se que os estudantes ampliem

gradativamente seus conhecimentos linguísticos e discursivos e seu gosto pela

leitura literária, ampliando assim seus horizontes de expectativas.

Atentando para as especificidades da linguagem literária, o encaminhamento

dado à leitura, compreensão e interpretação dos textos apoia-se nos pressupostos

teóricos da “Estética da Recepção”, desenvolvida por Hans Robert Jauss (1994), e

8

da “Teoria do Efeito” de Wolfgang Iser (1996), indicadas na DCE-PR (PARANÁ,

2008) como parâmetros para o ensino de literatura na rede pública estadual. Ao

apresentar cada conto aos estudantes serão levantadas, coletivamente, as pistas

que os direcionam para uma leitura coerente. Quanto às lacunas/vazios que os

textos apresentarem, serão preenchidos, de forma colaborativa, considerando-se o

conhecimento de mundo, as experiências de vida, as ideologias, crenças e valores

de cada indivíduo. Tal encaminhamento atribuirá um papel ativo a cada leitor

aprendiz, estimulando seu posicionamento crítico e responsivo frente aos textos em

análise e aos colegas da turma.

A prática da oralidade se fará presente em atividades de debate e seminário,

nas quais a adequação da linguagem será observada. Além disso, a classificação

bakhtiniana entre gêneros primários e secundários será explorada por meio da

comparação entre contos de tradição oral e contos literários. Com isso, deverão ficar

evidentes as diferenças entre tais gêneros referentes às construções sintáticas

(estilística), a escolha vocabular, o uso das figuras de linguagem e o foco narrativo,

ou seja, características que tornam o conto literário escrito mais complexo.

Tal entendimento, aliado à apreensão do gênero via prática da leitura, deverá

subsidiar os estudantes para a escrita de seus próprios contos literários, ou, se não

literários, ao menos próximos a esse estilo. Quanto a essa produção textual, aliás,

seu maior objetivo será fazer com que entendam que sua escrita é uma forma de

intervenção no mundo, de realização de ações/reações por meio da linguagem. Mais

ainda, que compreendam que o domínio da língua e a capacidade de produzir textos

com qualidade estética não são dons inatos, mas competências que podem ser

adquiridas de forma contínua e processual.

Nas atividades de análise linguística, planejadas principalmente para os

momentos de reestruturação e reescrita dos textos produzidos, a gramática

normativa será abordada como material de consulta para sistematização das

análises acerca dos usos de determinados elementos linguísticos, identificados nos

textos dos estudantes. Para além deles, determinados conteúdos, presentes nos

contos literários abordados na SD, também foram previamente selecionados para a

elaboração deste material – acentuação gráfica, pontuação, paragrafação,

ortografia, variedades linguísticas, elementos de coesão e referenciação –, uma vez

que compõem a Proposta Pedagógica Curricular do estabelecimento escolar em que

o projeto será implementado.

9

Objetivos

Conhecer o projeto e seu cronograma de desenvolvimento.

Estabelecer contato com o gênero, por meio da leitura de

três contos literários.

Material

Exemplar do livro Os cem melhores contos brasileiros do

século, de Italo Moriconi.

Contos: O homem nu, de Fernando Sabino; Uma vela para

Dario, de Dalton Trevisan; Zap, de Moacyr Scliar.

Imagens e informações biográficas dos autores dos contos,

para apresentação em projetor ou TV multimídia.

Para que o trabalho a ser desenvolvido obtenha o êxito esperado – o

aprendizado do gênero e de seus elementos linguísticos, discursivos e textuais, bem

como a ampliação da experiência nas práticas de leitura literária, oralidade e escrita

– é necessário que os estudantes tomem ciência do caminho que percorrerão e

quais objetivos estarão em foco. Desse modo, é importante que a primeira atividade

do projeto seja a sua exposição ao grupo, seguida de uma conversa – em tom de

“contrato didático” –, de modo que as dúvidas sejam sanadas e que todos assumam

suas responsabilidades no percurso da sequência didática (SD). Nesse diálogo, é

importante:

Comunicar que o trabalho terá duração de aproximadamente um

trimestre.

Oficina 1Primeiros contatos

com o gênero

1ª etapa: o contrato didático

10

Elencar os conteúdos que serão abordados na SD, relacionados às

práticas de leitura (literatura), oralidade, escrita e análise linguística;

Esclarecer que o projeto está de acordo com a Proposta Pedagógica

Curricular do estabelecimento escolar, portanto o currículo estabelecido

para o 1.º ano não será alterado.

Argumentar que a ênfase na análise de textos literários do gênero conto

beneficiará o grupo em sua introdução ao estudo mais aprofundado da

literatura, o qual permeará todo o Ensino Médio.

Apresentar a obra Os cem melhores contos

brasileiros do século, da qual serão retirados os

contos a serem analisados, ressaltando que esta

antologia de Italo Moriconi2 – crítico literário e

professor universitário conceituado – é digna de

consideração, mas pode ser contestada, uma vez

que cada leitor experiente é capaz de realizar sua

própria seleção.

Fonte: Página da Ed. Objetiva3

Ressaltar que o exercício de escrita de contos objetiva que a turma

aprimore-se nessa prática discursiva e experiencie a produção de textos

com utilização da linguagem literária, porém tal proposta não pretende

formar autores literários tampouco pautará sua avaliação na qualidade

literária das produções.

Explicar que a metodologia a ser utilizada será a de oficinas, cada qual

com objetivos específicos, e que a avaliação será processual (também

chamada de formativa ou contínua), ou seja, a aprendizagem de cada

estudante será medida a partir de um diagnóstico inicial e de sua

participação nas atividades realizadas em sala de aula (análises de

contos, rodas de conversa, debates, produção escrita inicial e final,

atividades de reestruturação e reescrita, apresentações orais, trabalhos

individuais ou em equipe).

2 Informações mais detalhadas podem ser apresentadas sobre o organizador, que é autor teórico e literário e professor da UFRJ. Em http://veja.abril.com.br/010801/p_140.html (acesso em set. 2014), Italo é apresentado como um “intelectual pop”, que gosta de rock, faz poemas homoeróticos e ganhou projeção organizando antologias (de contos, crônicas e poemas) que são um sucesso de vendagem. 3 http://www.objetiva.com.br/livro_ficha.php?id=117, acesso em set. 2014.

11

Para iniciar a SD, serão apresentados três contos para leitura individual, na

seguinte ordem: 1) O homem nu, de Fernando sabino; 2) Uma vela para Dario, de

Dalton Trevisan; 3) Zap, de Moacyr Scliar.

Os estudantes devem ser orientados a ler o primeiro texto e anotar em seus

cadernos, em poucas palavras, as impressões que tiveram da história. Deve-se

alertá-los de que não se trata de uma interpretação ou resumo do texto, como

provavelmente estão acostumados a fazer, mas sim de um registro do(s)

sentimento(s) que aquela leitura lhes aguçou. A seguir, eles devem ser convidados a

ler seus registros, mas somente ler, sem explicações posteriores. Tal método

objetiva identificar a recepção do texto, a significação alcançada a partir dos

sentidos que cada leitor depreendeu dele, sua percepção estética que revela,

consequentemente, seu horizonte de expectativas4. Não há necessidade, porém, de

que todos leiam, pois é importante deixá-los à vontade neste primeiro momento.

Esse exercício se repetirá com os outros dois contos e, no transcorrer das

leituras das impressões, é importante registrá-las na lousa, para posterior discussão.

Mesmo as declarações incoerentes, provenientes de leituras equivocadas, ou ainda

generalizantes, devem ser acatadas neste momento. Abaixo, um exemplo das

possíveis ocorrências:

O homem

nu

Angústia, constrangimento, vergonha ou desespero ao

colocar-se na situação do personagem que ficou “preso”

fora de casa sem roupa alguma.

Dó do homem, pela humilhação que ele sofreu.

Alegria, prazer decorrente do humor causado pela cena

patética descrita.

Satisfação pelo castigo que sofreu o homem, uma vez que

ele queria enganar o cobrador da prestação da televisão.

4 Termo utilizado pela linha teórica da “Estética da Recepção”, desenvolvida por Hans Robert Jauss (1994) e apresentada, juntamente com a “Teoria do Efeito” de Wolfgang Iser (1996), na DCE-PR (PARANÁ, 2008), como fundamentação para o ensino de literatura na rede pública estadual.

2ª etapa: as primeiras leituras

12

Uma vela

para Dario

Compaixão pelo personagem Dario, que não foi socorrido

adequadamente num momento de necessidade.

Raiva, repugnância, indignação pela atitude egoísta e

desumana das pessoas que furtaram objetos de um

moribundo que estava sem condições de se defender.

Tristeza, decepção, desilusão por constatar em alguns

contextos pessoas são tratadas como coisas.

Descrédito ao ser humano, que é insensível e age por

interesses.

Zap

Afeição, empatia pelo personagem central, promovida pela

coincidência de faixa etária e de ideias entre ele e o leitor.

Familiaridade com a situação descrita: a prática de zapear.

Tristeza, lástima pela situação de abandono em que vive o

menino, sem a referência de um pai.

Espanto, pela frieza com que o filho desconsidera seu pai

depois de vê-lo na TV.

Emoção, pela situação inusitada do reencontro.

Compreensão e aceitação da atitude de desprezo do filho

para com seu pai, devido ao abandono do primeiro pelo

segundo logo após seu nascimento.

A seguir, promove-se a leitura em voz alta – pelo professor ou por estudantes

voluntários – e uma discussão coletiva sobre as possibilidades de leitura de cada

conto, a partir das impressões apontadas. Nesse momento, a interpretação estará

em foco, e o professor não pode assumir uma posição de detentor de uma suposta

“leitura correta” dos textos. Seu papel será o de mediador da discussão, na qual lhe

compete induzir o grupo à localização de informações explícitas e implícitas,

provocá-lo a expor suas opiniões e dúvidas e questioná-lo sobre questões que

colaborem para o entendimento dos contos. Em caso de leituras equivocadas,

caberá a ele também requerer do leitor as pistas que o levaram àquela conclusão

para, depois de identificar qual foi seu caminho interpretativo, levá-lo a reconhecer

seu equívoco.

13

No momento das discussões, faz-se necessário abordar o contexto de

produção dos contos e apresentar seus autores, pois há que se considerar, nas

análises, que O homem nu e Uma vela para Dario são da década de 60 do século

XX, enquanto que Zap é da década de 90 do mesmo século. Os hábitos e

pensamentos de cada época dessas, bem como o uso da linguagem e o acesso aos

meios culturais e tecnológicos, eram diferentes deste tempo atual e isso, muitas

vezes, incide nos efeitos de sentido pretendidos nas obras literárias.

Para finalizar esta etapa, é interessante realizar uma enquete para identificar

qual dos três contos o grupo gostou mais, e por quais motivos se deu a escolha. O

registro dessas informações é importante, pois elas poderão ser recuperadas em

futuras discussões e nos momentos de escrita e reescrita de contos.

Evidentemente, os estudantes ainda não terão experiência de leitura

suficiente para elaborarem um conceito aprofundado do conto literário – e nem se

3ª etapa: hora de conceituar o gênero

Importante:

As informações biográficas de Fernando Sabino, Dalton Trevisan e Moacyr

Scliar – bem como as de outros autores que serão abordados nas próximas

oficinas – devem ser apresentadas de forma dinâmica e ilustrada, objetivando

aguçar o interesse dos estudantes para a leitura de suas produções literárias.

Pode-se usar a TV ou um projetor multimídia para apresentar imagens desses

autores e de suas obras, ou ainda vídeos curtos que podem ser selecionados no

site de compartilhamento de vídeos Youtube. Também é imprescindível que o

professor exponha sua experiência de leitura desses autores, o que se configura

numa ótima estratégia para seduzir o grupo para a busca de obras memoráveis

desses consagrados romancistas e contistas, como: O encontro marcado e O

grande mentecapto, de Sabino; Max e os felinos e A mulher que escreveu a

Bíblia, de Scliar; O vampiro de Curitiba e A Polaquinha, de Dalton Trevisan.

14

espera isso, pois a metodologia das sequências didáticas prevê que a apropriação

do gênero em foco se dê por meio de sua exploração abrangente, numa sucessão

de atividades progressivas e articuladas entre si –, porém já poderão apontar alguns

de seus elementos e compreender minimamente sua estrutura e seus objetivos.

Assim, os estudantes devem ser indagados a apontar, a partir de seus

conhecimentos prévios e das conclusões a que chegaram pela leitura dos três

contos apresentados nesta oficina, como definem um conto literário. Os

apontamentos devem ser registrados na lousa a fim de que, ao final, construa-se no

coletivo um conceito. Ao professor cabe o papel de organizador do texto, mas é

claro que ele também pode oferecer subsídios para sua elaboração, caso esses não

sejam suficientemente oferecidos pelos estudantes. Em suma, o conceito deve

apontar os seguintes elementos:

Conto

literário

É uma narrativa curta, com poucos personagens.

É ficcional, não tem compromisso com a verdade; pode valer-

se da imaginação e da fantasia, mas nada impede que sua

construção baseie-se também uma situação real.

Pode abordar qualquer tema, assunto e cenário; quanto à

temática, há uma variedade na forma de sua abordagem:

ação, suspense, terror, humor, reflexão subjetiva, lirismo etc.

O enredo não é complexo, a história é focada num conflito

básico ou eixo temático.

São publicados principalmente em livros, mas também

aparecem em revistas e em veículos do no meio eletrônico

(blogs, sites de literatura).

Não é direcionado a um público específico, mas a todas as

pessoas que gostam de literatura.

Normalmente, há um desfecho surpreendente, emocionante,

inesperado ou poético.

A linguagem pode ser tanto rebuscada quanto simples e

direta, porém percebe-se que é elaborada, “garimpada” pelo

autor para que produza os efeitos de sentido pretendidos.

15

Não é objetivo deste momento que o conceito fique completo. A apreensão e

assimilação do gênero se dará no processo de desenvolvimento da SD. Nas oficinas

posteriores, serão realizadas novas análises e estudados mais profundamente

elementos específicos do gênero – como os elementos da narrativa – que farão com

que o grupo amplie gradativamente este conceito inicial.

Importante:

No momento em que a linguagem dos contos estiver em discussão, torna-

se premente uma abordagem do professor sobre literatura e suas concepções –

produção cultural de uma sociedade; forma de conhecimento de uma cultura; arte

que revela a vida dos homens; meio de expressão verbal; modo de comunicação,

tipo de discurso; modalidade de texto –, bem como de suas funções para a

sociedade – psicológica, formadora e social, conforme classificação de Antonio

Candido (1972) – e de sua relevância para a formação de estudantes do Ensino

Médio, uma vez que a turma está ingressando num estudo mais sistematizado

dessa arte.

16

Objetivos

Ampliar a discussão acerca das características do gênero,

por meio da leitura de novos contos.

Identificar o conteúdo temático nos contos, bem como as

estratégias do autor para sua apresentação, as quais

diferenciam esse gênero de uma narração objetiva de fatos.

Perceber as diferenças entre narrativas orais e escritas.

Produzir a primeira escrita de um conto.

Material

Contos: Negrinha, de Monteiro Lobato; Um cinturão, de

Graciliano Ramos; Felicidade clandestina, de Clarice

Lispector; Conto de verão nº 2: Bandeira Branca, de Luis

Fernando Verissimo.

Imagens e informações biográficas dos autores dos contos,

para apresentação em projetor ou TV multimídia.

Gravador de voz.

Antes de disponibilizar aos estudantes os contos Negrinha, de Monteiro

Lobato e Um cinturão, de Graciliano Ramos, deve-se promover um bate-papo com a

turma sobre o tema violência doméstica infantil. Para essa atividade, sugerem-se os

seguintes passos:

1. Perguntar o que entendem por violência doméstica infantil.

2. Questionar quais formas de tratamento a uma criança que julgam

enquadra-se nesse crime.

Oficina 2Mais contos para ler

e um para escrever

1ª etapa: leitura de dois contos com mesmo tema

17

3. Pedir que relatem casos de que tiveram conhecimento, seja por meio

de sua própria vivência ou porque souberam por meio da mídia.

4. Mostrar ao menos um exemplo de violência doméstica infantil que

repercutiu na imprensa recentemente, juntamente com resultados de

pesquisas que apontam os índices desse crime no Brasil e a análise do

impacto dessa prática na formação das crianças. Tais informações

podem ser encontradas na matéria jornalística Os impactos da

violência doméstica infantil, de Lívia Machado, disponível em

http://delas.ig.com.br/filhos/os-impactos-da-violencia-domestica-

infantil/n1237628538965.html (acesso em set. 2014).

Essa atividade fornecerá tanto informações prévias sobre o tema abordado

nos dois contos a serem analisados quanto subsídios para uma discussão posterior

acerca da abordagem de questões da realidade em textos literários e seus objetivos

(que estão longe de ser doutrinários, moralistas, didáticos ou de utilidade pública).

O procedimento de leitura para cada conto será o mesmo realizado na oficina

anterior: leitura individual → registro e socialização das impressões → leitura em voz

alta → aferição da compreensão dos textos → contato com informações sobre o

autor e o contexto de produção do conto → interpretação via discussão coletiva.

Em linha gerais, pretende-se que os leitores apontem – respondendo a

provocações do professor, se necessário – as semelhanças quanto ao tema

presente nos dois contos e as diferenças de contexto em que se encontravam os

personagens que sofreram agressão. Tais conclusões permitem que se desvenda

ou subentenda-se as intenções do autor, bem como compreenda-se suas escolhas

na construção de sua narrativa, as quais lhe conferem qualidade literária,

diferenciando-a de uma mera exposição sequencial e objetiva de fatos. Assim, os

apontamentos básicos devem estar próximos aos constantes no quadro abaixo:

Negrinha Um cinturão

Relata os maus tratos de uma

senhora dispensados a uma

indefesa menina negra, filha de

uma ex-escrava sua já falecida.

Narra a surra que um pai aplica

em seu filho, por julgar que ele

seja o responsável pelo sumiço

de um objeto.

18

Negrinha Um cinturão

A antagonista dona Inácia é

caracterizada como uma pessoa

hipócrita, insensível, racista.

Dona Inácia é apresentada por

um narrador que está “de fora”

da história e faz uso da ironia e

do deboche para caracterizá-la.

A algoz de Negrinha é sádica; a

maltrata por prazer e para aliviar

sua raiva ou irritação.

O contexto histórico é o do

período seguinte ao da libertação

da escravidão no Brasil, no qual

o açoite de negros era

considerado normal. Dona Inácia

continua com a prática porque

ainda considera os negros como

seres inferiores.

O percurso narrativo da história

leva o leitor a compadecer-se de

Negrinha, a emocionar-se com

sua inocência e fragilidade, bem

como a construir uma imagem

sarcástica de dona Inácia e

repudiar suas ações.

Por meio da história de uma

criança torturada e impedida de

viver sua infância, há a denúncia

da violência aos negros mesmo

após o término da escravidão e,

de forma mais ampla, a

desumanidade em geral.

O antagonista é o pai do menino,

exposto ao leitor como

autoritário, intolerante, injusto.

O pai é apresentado pelo filho

(narrador-personagem) que o

teme, numa situação de violência

que lhe causa dor e revolta.

O algoz do menino/narrador

utiliza-se da violência como meio

para educar e “fazer justiça”.

Aqui o contexto histórico não

pode ser comprovado com

elementos textuais, mas pode

ser subentendido a partir de

dados do autor e da época em

que ele escreveu, na qual era

comum e aceitável socialmente

que pais batessem em seus

filhos.

O percurso narrativo deste conto

leva o leitor a sentir a angústia, o

temor, o desespero do narrador

indefeso frente a um premente

ataque de seu pai, bem como a

revoltar-se com a atitude injusta

do antagonista.

Por meio da narração de uma

punição iníqua, aplicada por um

dominador ao seu dependente, a

moral impressa por este conto é

a de que a justiça pode ser falha

e traumatizante.

19

Até o momento, espera-se que os estudantes já tenham compreendido, ainda

que de forma generalizada, a estrutura composicional e a função social do gênero. A

etapa anterior desta oficina também deve os ter feito concluir que o autor de um

conto não narra simples e diretamente um fato, mas o faz de forma arquitetada, com

intenções predefinidas para produzir determinados efeitos de sentido que

provoquem no leitor determinadas reações (medo, alegria, raiva, indignação, riso,

emoção). Nesse trabalho, ele garimpa vocábulos e expressões, expõe ou deixa

subentendidas certas informações, fornece pistas que conduzem o leitor ao

entendimento da história, escolhe o ritmo que dará à sua narrativa... enfim, produz

literatura!

2ª etapa: narrativas escritas X narrativas orais

Importante:

Assim como na oficina anterior, nesta as informações biográficas de

Monteiro Lobato e Graciliano Ramos também devem ser apresentadas de modo

a valorizar a produção literária desses célebres autores e aguçar nos

estudantes a vontade de apreciá-la.

Trechos da adaptação para o cinema de Vidas Secas podem ser um bom

recurso para ilustrar a fala do professor sobre esse autor da 2ª fase do

modernismo brasileiro que tão bem retratou o homem do sertão nordestino.

Já o criador do Sítio do Picapau Amarelo poderá até dispensar maiores

apresentações, devido a sua vasta produção de obras infantis, popularizadas

ainda mais pela televisão. No entanto, não se pode deixar de comentar a

polêmica que se criou em torno de Monteiro Lobato nos últimos tempos, oriunda

de denúncias de racismo em algumas de suas obras, inclusive no conto

Negrinha, objeto de estudo nesta oficina. Sobre essa questão, cabe pontuar ao

grupo a importância de se considerar, no momento da leitura de qualquer obra

literária, o contexto (histórico, social, político, ideológico) de sua produção.

20

Agora, eles realizarão uma atividade que reforçará essa conclusão e os fará

confirmar a excelência do texto literário escrito em relação às narrativas orais (ou

aos textos escritos que apenas reproduzem fatos narrados oralmente). Nessa

conclusão, é claro que não devem conferir inferioridade à linguagem falada, mas

entender que existem formas diferentes de uso da língua, cada qual cumprindo –

adequadamente – a propósitos específicos. O objetivo maior é fazê-los identificar e

valorizar a linguagem literária e esmerar-se na produção de seus próprios contos.

A atividade consiste em dividir a turma em dois grupos. O primeiro lerá

silenciosamente o conto Felicidade clandestina, de Clarice Lispector; o segundo,

Conto de verão nº 2: Bandeira Branca, de Luis Fernando Verissimo. É importante

também dar a cada grupo um tempo posterior à leitura para que troquem impressões

sobre suas histórias, pois isso fará com que a compreensão do texto seja mais

homogênea.

A seguir, cada grupo deve eleger um de seus membros para contar oralmente

a história ao outro, porém sem o apoio do texto impresso. Sua apresentação será

registrada por meio de um gravador de voz para posterior análise.

Após ouvir a nova história, cada grupo terá acesso ao conto original.

Concede-se então mais um tempo para a leitura individual, discussão entre o grupo

para otimizar a compreensão do texto e análise das diferenças entre as duas formas

de apresentação da narrativa – a oral e a escrita.

Por fim, num grande círculo, os grupos devem expor suas conclusões. Nesse

momento, a gravação das apresentações deve ser exibida ao menos uma vez para

confirmação dos apontamentos e exemplificações. A interpretação dos contos

focalizados também é objetivo deste momento, cabendo ao professor lançar

questionamentos.

Na lousa, o professor ou um aluno voluntário deve registrar as diferenças

apontadas. O quadro final deve ser registrado por todos em seus cadernos, o qual

deverá conter, dentre outras, essencialmente as informações abaixo:

Narrativa oral Narrativa literária escrita

A ênfase maior está no enredo,

na sequência das ações da

história.

O foco pode recair em outros

elementos da narrativa.

21

Narrativa oral Narrativa literária escrita

Privilegia o pensamento

concreto, a clareza na exposição

de fatos e ideias.

O contador pode privilegiar

elementos da história de modo a

conduzir o leitor para uma visão

específica dos personagens e do

cenário.

O contador pode exprimir

passagens ou informações que

julga irrelevantes, mas que

podem comprometer a

compreensão ou alterar a

interpretação dos ouvintes.

A exposição de alguns trechos

pode ser fragmentada,

redundante ou imprecisa.

O contador pode inserir na

história sua interpretação

pessoal.

A linguagem utilizada pode ser

informal; as construções são

mais simples; não há

normatização e é comum o uso

de marcadores conversacionais.

Quem conta uma história, a

reconstrói mentalmente. Por isso,

para externá-la, normalmente

utiliza-se de pausas, retomadas,

reformulações.

Privilegia o pensamento abstrato,

a linguagem simbólica.

Os personagens e o cenário são

descritos mais detalhadamente; o

leitor tem mais subsídios para

construir mentalmente esses

elementos e inferir suas funções

no enredo.

O escritor dá ao leitor acesso a

todas as informações de modo

que ele possa retomar o texto

para buscar pistas que o

auxiliarão na compreensão e

interpretação da história.

Há precisão e completude na

exposição dos elementos da

história.

Cabe ao leitor, utilizando seu

conhecimento de mundo, atribuir

sentidos ao texto.

A linguagem é precisa,

normatizada; as construções são

bem elaboradas, complexas; se

houver rompimento, será

intencional.

O escritor planeja saltos,

antecipações, retrospectivas,

rupturas do tempo e do espaço

em que se desenvolvem as

ações, deixando ao leitor a tarefa

de estabelecer conexões.

22

No início desta SD, ao firmar o contrato didático, os estudantes ficaram

cientes do processo pelo qual passariam quanto à prática da escrita. Desde lá,

inclusive, eles já poderiam pensar num possível enredo para seu primeiro conto.

Agora, a partir das atividades de leitura, análises e discussões já realizadas

com sete contos representativos da literatura brasileira – sem contar com a

experiência anterior de cada leitor – eles serão conclamados a escrever seu primeiro

texto, recorrendo à bagagem linguística e ao conhecimento do gênero que possuem.

Não deve haver nenhum direcionamento para a escrita, uma vez que esses

textos serão como “projetos”, “esboços” de contos que serão aprimorados no

decorrer do processo. Além disso, servirão de diagnóstico inicial do conhecimento

detido pelos estudantes e de parâmetro para a avaliação do aprendizado obtido na

SD, ao final do seu percurso. Por isso, o professor deve guardar com ele uma cópia

dos textos iniciais.

É importante que a turma tenha um tempo em sala de aula para a produção.

Caso alguém necessite, porém, pode concluí-la em casa. Esses contos iniciais

poderão ser socializados entre a turma, para que já se identifiquem os estilos

individuais, porém não se pretende uma análise detalhada neste momento. O

professor, no entanto, dará uma devolutiva individual, apontando já os pontos

positivos e as fragilidades sobre as quais os autores devem atentar.

3ª etapa: hora de escrever o primeiro conto

Importante:

Além das informações biográficas, os estilos literários tão marcantes de

Clarice Lispector e Luis Fernando Veríssimo precisam ser expostos no momento

da discussão de seus contos, até porque são muito diferentes: ela apresenta

excelentes exemplos de prosa intimista, introspectiva, e do uso do fluxo da

consciência; ele, fenômeno editorial contemporâneo, de uso do humor

inteligente e da linguagem coloquial e elegante. Isso também auxiliará os

estudantes na compreensão e apreensão dos elementos que caracterizam

textos literários.

23

Objetivos

Compreender que o conto literário é um gênero plástico,

proteiforme, que abriga uma diversidade de “modos de

dizer”.

Reconhecer o tom dado pelo autor em cada texto, a serviço

da produção dos significados pretendidos.

Material

Contos: O vitral e A partida, de Osman Lins; A máquina

extraviada, de José J. Veiga; O arquivo, de Victor Giudice;

Guri, de Cíntia Moscovich; contos abordados nas oficinas

anteriores.

Para ampliar um pouco mais o repertório de contos lidos e analisados pela

turma, e assim adquirir mais subsídios para o alcance dos objetivos desta oficina, a

turma será dividida em cinco equipes, cabendo ao professor definir o método de

divisão mais apropriado e a ordem para a apresentação posterior dos trabalhos.

Cada equipe receberá um dos contos elencados acima, e terá um prazo predefinido

para efetuar suas análises, pesquisas, organização do material de apoio e ensaio de

sua apresentação no seminário, o qual deverá seguir o roteiro abaixo.

1. Apresentação do texto integral do conto à turma, seja por meio da

leitura tradicional, leitura dramatizada, gravação em áudio etc.

2. Exposição de informações biográficas e bibliográficas sobre o(a)

autor(a) e contextualização da obra.

Oficina 3Um gênero

democrático

1ª etapa: análise de contos em equipe

24

3. Apontamento das impressões iniciais de cada leitor e da interpretação

(ou interpretações) que a equipe deu após suas discussões e

pesquisas.

4. Indicação (ainda que empírica) de elementos que revelam o estilo

do(a) autor(a) e o tom que ele deu a seu texto, ou seja, as emoções

que intentou provocar nos leitores.

É intenção deste trabalho que, antes mesmo de aprofundar-se no estudo dos

elementos da narrativa, o estudante perceba que o conto literário não se prende a

um formato padrão nem está condicionado a temáticas e objetivos similares. Bosi

(1974), ao falar da situação e formas do conto contemporâneo, explica isso melhor

do que ninguém. Aliás, o trecho abaixo será utilizado para fomentar uma discussão

que levará a um exercício posterior.

2ª etapa: em pauta, as formas e os tons dos contos

Importante:

Apesar de ser um gênero oral bastante utilizado na escola, principalmente

como instrumento de avaliação, é importante retomar com os estudantes quais

são os objetivos do seminário, os procedimentos para sua realização

(planejamento, pesquisas, estudo do material elaborado/selecionado, ensaios

prévios), os recursos audiovisuais que podem enriquecer a apresentação, a

postura que se espera de cada apresentador e a linguagem que se deve utilizar.

O conto cumpre a seu modo o destino da ficção contemporânea. Posto entre as exigências da narração realista, os apelos da fantasia e as seduções do jogo verbal, ele tem assumido formas de surpreendente variedade. Ora, é o quase-documento folclórico, ora a quase-crônica da vida urbana, ora o quase-drama do cotidiano burguês, ora o quase-poema do imaginário às soltas, ora, enfim, grafia brilhante e preciosa voltada às festas da linguagem.

(...) Proteiforme, o conto não só consegue abraçar a temática toda do romance, como põe em jogo os princípios da composição que regem a escrita moderna em busca do texto sintético e do convívio de tons, gêneros e significados. (Bosi, 1974, p. 7)

25

Trata-se o exercício de fazer com que os estudantes recuperem, das análises

anteriores, a temática abordada nos contos, características relevantes quanto ao seu

formato, o tom impresso pelo(a) autor(a) e os efeitos que causam – ou pretendem

causar – nos leitores. As conclusões, que devem minimamente ser próximas às

apresentadas no quadro abaixo, devem ser registradas na lousa pelo professor, e

nos cadernos pelos estudantes.

O homem

nu

Narração objetiva de um fato inusitado e cômico, de uma situação

ridícula provocada por um homem que, tentando fugir de um

problema, caiu em outro maior ainda. Apesar de sobressair-se o

tom humorístico, há também o reflexivo, uma vez que existe uma

moral subjacente na história.

Uma vela

para Dario

Narração extremamente concisa que expõe a agonia e morte de um

cidadão comum e a falta de compaixão e solidariedade das

pessoas frente a essa situação, considerando-a natural e, mais,

aproveitando-se dela para obter pequenas vantagens. Nesta

história atemporal, podem ser identificados os tons de denúncia (a

desumanidade), de reflexão (a coisificação do homem) e mesmo de

sensibilização (a esperança, simbolizada pelo menino de cor que

acende uma vela ao morto).

Zap

Narrativa ágil, condizente com a rápida e repetida mudança de

canal de televisão executada pelo personagem principal. A

dinamicidade e a descrição das imagens que surgem na TV dá um

tom de humor à narrativa, porém o aparecimento do pai do

telespectador no aparelho, seguido do desfecho insólito da história,

desencadeia no leitor ampla reflexão sobre as relações humanas e

familiares na contemporaneidade, além de outras questões, como o

poder da mídia, a insensibilidade, a racionalidade e a fugacidade

que caracterizam a pós-modernidade.

Negrinha

Por meio do comovente sofrimento da órfã, há uma denúncia dos

maus tratos dispensados aos negros mesmo após o término do

regime escravocrata. Impera, no entanto, o tom irônico de Lobato

na apresentação desta história de crueldade e de abuso de poder.

26

Um

cinturão

Narrativa confessional de um fato breve, porém violento e

traumático, vivido pelo narrador na sua infância. Induz o leitor a

partilhar do medo e da dor que o menino sente, bem como da sua

raiva pela injustiça cometida por seu pai. O tom reflexivo se impõe

quando, a partir dessas reações, o leitor é levado a fazer uma

analogia entre a punição indevida do narrador – e sem direito a

defesa – com a forma como a justiça se pratica na sociedade.

Felicidade

clandestina

Há um tom lírico na forma como a narradora expõe seu fascínio

pelo livro/objeto de desejo, sua paciência e obstinação para obtê-lo

emprestado e sua extrema felicidade ao consegui-lo. Mas muitas

reflexões também são suscitadas acerca de atitudes de crianças

que são condenadas nos adultos: a inveja, o egoísmo, a maldade a

vingança e o preconceito gerado pelos padrões de beleza

estabelecidos pela sociedade.

Conto de

verão nº 2:

Bandeira

Branca

O tom humorístico é uma característica forte do autor deste conto.

E a forma como ele se dá é genial: o leitor é envolvido numa

possível história de amor entre um casal que encontrava-se

somente em bailes de carnaval, desde sua infância. No entanto,

suas expectativas são quebradas no desfecho da história, e o mito

do “amor eterno” é desconstruído: depois de 15 anos, o reencontro

do casal se dá por acaso, num aeroporto, e é constrangedor e

frustrante.

O vitral

Um fato normal – a personagem Matilde deseja tirar um retrato com

seu marido para registrar a uma data especial: 20 anos de

casamento – serve de pano de fundo para esta narrativa intimista

que apresenta um dilema psicológico da esposa: reter, guardar

aquele momento de felicidade. Com lirismo, o narrador seduz o

leitor e promove reflexões existenciais.

A partida

Repleto de lirismo, sensibiliza o leitor com o conflito interno de um

jovem que está prestes a conseguir a liberdade que tanto almeja e,

ao mesmo tempo, angustia-se por toda a madrugada anterior à sua

partida ao prever o sofrimento que consumirá sua avó com seu ato.

Aborda os dilemas da transição da adolescência para a maturidade.

27

A máquina

extraviada

O conto é intrigante por gerar um suspense que não se resolve. O

tom é reflexivo, mas muitos podem julgá-lo também como irônico.

Uma máquina que ninguém sabe de quem é e para que serve, a

qual causa curiosidades inicialmente mas depois integra-se à

paisagem local e à vida das pessoas, metaforicamente critica a

tendência dos seres humanos para a alienação, para a aceitação e

até defesa de certas condições que lhe são impostas.

O arquivo

Aparentemente de tom humorístico, o conto promove uma inversão

na ordem natural dos acontecimentos e dos valores considerados

pela sociedade capitalista, mostrando a ascensão de um

funcionário durante toda sua carreira, mas de forma decrescente.

Seu caráter reflexivo é inegável: o trabalho escraviza e aliena o

homem, transformando-o em objeto.

Guri

Com lirismo e esmero nas descrições, esta narrativa expõe de

forma nua e crua a realidade social de crianças pobres, tão

diferente do universo fantasioso que geralmente se imagina para

essa fase da vida. Remete às condições básicas de cidadania ainda

negadas a uma grande parcela da população, além de práticas

vergonhosas tão presentes em nosso país, como a exclusão social,

o abandono e a exploração,

Os estudantes farão agora um primeiro exercício de análise de seus contos

iniciais. Essa retomada não prevê uma reescrita – isso se dará mais adiante –, mas

é importante que os autores guardem suas anotações – como num diário de bordo –

para valerem-se delas nas próximas etapas do processo de escrita do gênero. O

professor também poderá requerê-las e considerá-las na avaliação do processo.

O rol de questões a serem respondidas é o seguinte:

3ª etapa: voltando o olhar para o próprio conto

28

1. Como você definiu o tema do seu conto? Baseou-se numa história

conhecida ou vivenciada? Ou imaginou um fato que julgou ser curioso,

inusitado, divertido, intrigante?

2. Você definiu o tom de seu conto antes de começar a escrevê-lo?

Pensou antecipadamente nos objetivos que pretendia com ele (fazer

rir, chorar, sensibilizar-se com alguma questão)?

3. Dentre as possibilidades de apresentação de histórias (humorísticas,

trágicas, líricas, de suspense, etc.), qual foi sua opção? O que o(a)

motivou a essa escolha (seu gosto pessoal, sua experiência de leitura,

os modelos analisados em sala de aula)?

4. Depois das atividades realizadas nesta terceira oficina, como você

avalia seu conto? Ele cumpriu com os objetivos pretendidos por você

inicialmente? Ou pode ser melhorado?

5. Que mudanças você faria para melhorar sua produção, se tivesse que

reescrevê-la agora? E quais estratégias utilizaria para isso?

Importante:

Uma roda de conversa para socializar as análises é relevante neste

momento. Ela pode estimular os estudantes a garimparem elementos que

enriquecerão seus textos, além de favorecer a troca de sugestões e unir a turma,

por meio da interação, em torno dos objetivos da SD.

29

Objetivos

Realizar um estudo mais sistematizado da estrutura

composicional do gênero.

Refletir sobre as possibilidades de construção de um conto,

a partir da articulação dos elementos narrativos.

Material

Contos: Nos olhos do intruso, de Rubens Figueiredo; As

mãos de meu filho, de Erico Verissimo; contos abordados

nas oficinas anteriores.

O estudo dos elementos da narrativa feito a partir de definições e

exemplificado com fragmentos de textos literários, além de amplo e complexo, pode

ser pouco produtivo. É importante que os conceitos sejam compreendidos a partir da

identificação da recorrência de tais elementos num corpus representativo do gênero.

Desse modo, os estudantes deverão recorrer aos contos já trabalhados para que

concretizem o aprendizado desse conteúdo, bem como concluam que há uma gama

de possibilidades para o autor formatar cada conto, as quais impedem qualquer

generalização de sua estrutura composicional.

Antes de focalizar cada elemento, porém, os estudantes devem ter uma visão

geral do que vão estudar. Para isso, devem receber uma cópia impressa do quadro

abaixo5, que apresenta os elementos da narrativa de forma esquematizada.

5 O quadro esquemático dos elementos da narrativa foi construído a partir de pesquisa comparativa em três conceituados manuais didáticos para o ensino de literatura, que são os de Abaurre (2008), Cereja (2013) e Rodella (2005).

Oficina 4Uma "radiografia"

dos contos

1ª etapa: apresentação geral dos elementos da narrativa

30

Elemento Conceito Classificação ou subdivisão

Foco

narrativo

Perspectiva a partir da qual a

história será contada. E o

narrador é a voz criada pelo

autor para contá-la.

Quanto ao foco narrativo:

Na primeira pessoa

Na terceira pessoa

Quanto ao narrador:

Narrador-protagonista

Narrador-testemunha

Narrador-onisciente

Narrador-observador

Personagens

Seres ficcionais criados pelo

autor para vivenciar os

acontecimentos narrados.

Devem ser verossímeis, caso

contrário o leitor não

acreditará na história.

Quanto aos papéis:

Protagonista (herói ou

anti-herói)

Antagonista

Secundários

Quanto à caracterização:

Planos (tipo ou caricatura)

Redondos

Enredo

Sequência ou conjunto de

acontecimentos que ocorre

num determinado espaço e

tempo. Resulta da articulação

de todos os outros elementos.

Situação inicial

(introdução)

Conflito

Clímax

Desfecho

Tempo

Compreende o período em

que a narrativa acontece

(podendo ser ele de

segundos, dias, horas,

décadas) e a época (atual,

antiga, futura).

Tempo cronológico (linear

ou não-linear)

Tempo psicológico

(transcorre pela vontade,

memória ou imaginação

do narrador)

Espaço

Lugar onde interagem os

personagens, onde se passa

a ação. Tanto serve de

cenário quanto determina a

vida dos personagens.

Espaço físico (geográfico)

Espaço interior

(psicológico)

Espaço social (ambiente)

31

Os próprios estudantes deverão indicar dois dos doze contos já abordados na

SD para o trabalho de identificação coletiva dos elementos da narrativa. Durante a

identificação de cada um deles, o professor deve expor também outros exemplos.

Além disso, pode solicitar que os estudantes suponham ocorrências diferentes em

cada conto, a fim de que eles compreendam cada item de sua

classificação/subdivisão. O desenvolvimento desse conteúdo em sala de aula

deverá ser registrado por todos em seus cadernos, bem como o registro dos

resultados das análises dos contos, pois servirão de subsídio para futuras análises.

Abaixo, um exemplo de síntese de uma análise coletiva.

Elemento Conto: Zap, de Moacyr Scliar

Foco

narrativo

Quanto ao foco narrativo: na primeira pessoa.

Quanto ao narrador: narrador-protagonista.

Personagens

Quanto aos papéis: o protagonista (herói) é um

adolescente de 13 anos; o antagonista é seu pai, que o

abandonou há anos e agora reaparece num programa de

TV; há somente um personagem secundário, que é a mãe

sofredora do menino.

Quanto à caracterização, os três personagens são planos,

já que são identificados por poucos atributos; em

classificação mais pormenorizada, são tipos: o filho

adolescente viciado em TV, a mãe batalhadora que cria um

filho sozinha e o roqueiro decadente.

Enredo

A situação inicial compreende a declaração do menino de

que passa os dias “zapeando” em frente à TV,

desconsiderando a implicância da mãe, que é uma

sofredora que foi abandonada por seu pai, tendo de criá-lo

sozinha. Como telespectador, ele não se prende a

programa nenhum.

2ª etapa: vamos por partes...

32

Enredo

O conflito é gerado quando o menino reconhece o pai em

um programa local de pouca audiência e a entrevistadora

lhe questiona sobre seu filho.

O clímax se dá quando a apresentadora pergunta ao

roqueiro se seu filho também gosta de rock. Nesse

momento, o menino percebe que seu pai o encara. Porém,

sem saber a resposta, insensivelmente o roqueiro não

responde à apresentadora e começa a dedilhar as cordas

da sua guitarra.

O desfecho se dá pela reação do narrador: ele não se

exaspera, e sim troca de canal; no lugar do antiquado pai

surge “uma bela e sorridente jovem que está – à exceção

do pequeno relógio que usa no pulso – nua,

completamente nua.”

Tempo

O tempo cronológico é predominante, já que a ação se

passa em poucos minutos, entre um “zap” e outro do

adolescente. É importante registrar também que o autor

valeu-se neste conto do recurso do flashback: o narrador

voltou ao passado para explicar a desestruturação de sua

família.

Espaço

Toda a ação se passa na casa do narrador, mais

especificamente no cômodo onde encontra-se a TV. O

ambiente em que a ação se dá é o de uma família

contemporânea, porém desestruturada, pobre e desprovida

de perspectivas, que vive em ritmo veloz e fugaz e

evidencia a alienação frente a um símbolo da

modernidade: a televisão.

Ao final desse trabalho, a turma se dividirá em dez grupos, cada qual

responsável pela análise de um dos dez contos restantes. O tempo de uma aula

será suficiente para essa atividade. A seguir, o esquema com as conclusões de cada

grupo deverá ser exposto para que todos apreciem, discutam, tirem suas dúvidas e

efetuem seu registro no caderno.

33

É inegável a importância do clímax e do desfecho nos contos. Provavelmente,

os estudantes não apresentarão dificuldades na identificação dessas duas partes do

enredo. Isso porque o clímax, ponto culminante do conflito, quase sempre provoca

uma reação sentimental no leitor (surpresa, apreensão, medo, curiosidade),

ampliando sua vontade de chegar rápido à resolução do conflito, ou seja, ao final da

história.

Sendo assim, torna-se produtiva para a aprendizagem a realização de uma

atividade de criação de um clímax e um desfecho para uma história já existente.

Para essa proposta, deve ser utilizado o conto Nos olhos do intruso, de Rubens

Figueiredo. Tal escolha se deve porque, ao apresentar uma história surreal,

intrigante e enigmática, o conto propicia mais possibilidades verossímeis para sua

conclusão.

Dos 21 parágrafos do conto, devem ser suprimidos os sete finais. Os

estudantes devem receber cópia da primeira parte e, após leitura e comentários

breves com finalidade de otimizar a compreensão, dedicar-se à produção de um final

para a história.

Para a socialização das produções, deve-se organizar as cadeiras em círculo,

ou ainda utilizar outro espaço da escola, preferencialmente ao ar livre. Para iniciar o

trabalho, o contexto de produção do conto, bem como dados sobre seu autor, deve

ser exposto. Após as apresentações, professor e colegas de turma devem avaliar o

clímax e o desfecho escrito por cada estudante, apontando se ele está coerente com

o início da história e se mantém o tom e a linguagem utilizados por Rubens

Figueiredo.

3ª etapa: "de carona" em conto alheio

Importante:

Uma votação entre os estudantes pode ser realizada para eleger o melhor

final escrito, e seu autor premiado com um livro de contos. Nesse caso, o final

original só deve ser revelado após a escolha, para evitar que as ideias mais

próximas das do autor sejam mais valorizadas.

34

Além de considerar, no processo avaliativo, todas as atividades já realizadas

pelos estudantes, faz-se necessário também um exercício individual de identificação

dos elementos da narrativa. Para tal, será utilizado As mãos de meu filho, de Erico

Verissimo. Cada estudante receberá do professor uma devolutiva com parecer e

orientações para a recuperação de seu déficit de aprendizagem, se preciso.

Após o exercício avaliativo, o conto deverá ser discutido no coletivo,

eliminando possíveis dúvidas quanto à sua compreensão e ampliando as

possibilidades de interpretação. A vasta e cativante produção literária do gaúcho que

concebeu O tempo e o vento também deve ser apresentada e indicada para futuras

leituras da turma.

Além da genialidade do autor na criação dos personagens e do enredo, esse

conto – que, partindo da narração de um concerto que consagraria o talento do

pianista Gilberto, recupera toda sua história, calcada em dificuldades financeiras e

problemas de relação familiar, evocando sentimentos de frustração, vergonha,

realização e reconhecimento – é rico em elementos simbólicos, cuja importância na

narrativa literária deve ser ressaltada aos estudantes.

4ª etapa: aferição da aprendizagem individual

Importante:

O conto As mãos de meu filho foi adaptado pela Rede Record de Televisão

em 2010, com direção de Adolfo Rosenthal. O telefilme está disponível no site de

compartilhamento de vídeos Youtube e pode ser utilizado como a representação

de “uma leitura” da história, construída com o auxílio de recursos audiovisuais. No

entanto, cabe ressaltar aos estudantes que os sentidos depreendidos e as

sensações provocadas em cada pessoa podem variar muito no contato com cada

forma de apresentação da comovente história de Gilberto, D. Margarida e

Inocêncio. Afinal, são linguagens diferentes (a literária e a cinematográfica).

Desse modo, paralelamente às discussões acerca do enredo do conto, é

importante realizar um levantamento das diferenças entre as linguagens,

enfatizando-se que qualquer adaptação jamais poderá substituir a leitura da obra

original.

35

Objetivos

Identificar a variação linguística presente nos contos.

Compreender a função da reprodução de variantes

linguísticas nos textos literários.

Reconhecer os tipos de discurso empregados pelo autor

para a demarcação das vozes dos personagens na narrativa.

Material

Contos: Contrabandista, de João Simões Lopes Neto;

Gaetaninho, de Alcântara Machado; Sem enfeite nenhum, de

Adélia Prado.

Informações biográficas dos autores dos contos e imagens

ilustrativas do contexto histórico e social representado nas

histórias, para apresentação em projetor ou TV multimídia.

No início da aula, os estudantes devem ter um tempo para a leitura dos três

contos elencados acima. A seguir devem ser convidados a apresentar,

espontaneamente, suas impressões sobre as histórias. Antes, porém, de uma

análise mais aprofundada sobre cada história – e apontamento dos elementos da

narrativa, pois a partir da oficina anterior certamente os estudantes estarão mais

propensos a identificá-los –, é preciso questioná-los se observaram alguma

diferença marcante em cada um, relacionada à linguagem. Espera-se que a

conclusão do grupo, ainda que estimulada pelo professor, seja próxima à

apresentada no quadro abaixo:

Oficina 5Conto: abrigo de

todos os falares

1ª etapa: uma linguagem estranha no conto

36

Contrabandista

Há muitas palavras e expressões que remetem ao modo

de falar e à cultura dos gaúchos, como: fez cancha nos

banhados; conhecia as querências; gaúcho quebralhão,

e despilchado; roncavam cordeonas.

É possível perceber na forma como o narrador expõe os

fatos o ritmo do falar da população nativa do Rio Grande

do Sul, principalmente da região dos Pampas.

Há palavras grafadas de forma diferente da atual, como

cousa em vez de coisa.

Há também registros que não estão de acordo com a

norma padrão da língua, embora sejam usados na fala,

como pra em vez de para, vancê em vez de você,

vésp’ra em vez de véspera.

Gaetaninho

Há a mistura de palavras/expressões italianas no

português, revelando um contexto de imigração.

Exemplos: Subito, palestrino e Ahi, Mari! (expressões

italianas); Êta salame de mestre! (mistura de italiano

com português).

A linguagem é objetiva concisa e popular, a história

parece estar sendo contada oralmente.

Há registros que não estão de acordo com a norma

padrão da língua, como pra e pro.

Sem enfeite

nenhum

Contada em primeira pessoa, imita a narrativa oral, por

isso há abreviações de palavras, inversões e omissões

típicas da fala, porém inaceitáveis na escrita segundo as

normas da gramática normativa, como em: A senhora tá

triste, mãe?; Era a mulher mais difícil a mãe.

O registro dos diálogos da mãe reproduz exatamente

seu modo de falar, com abreviações, omissões das

vogais finais de algumas palavras e uso indevido de

pronomes: relogim; pulseirinha de crom’; vestido de

bolér; cê põe muita força no lápis; que Deus perdoe ela.

37

Com isso, aborda-se o conteúdo da variação linguística, que terá como

fundamentação teórica Savioli & Fiorin (1999). Para esses autores, as línguas

variam de região para região, de grupo social para grupo social, de situação para

situação e de uma época para outra.

Variantes

Diatópicas

Estão relacionadas às diferenças de uma região para outra,

por meio de expressões lexicais próprias. Os contos

Contrabandista e Gaetaninho são bons exemplos disso, pois

apresentam a variante popular gaúcha (muito utilizada por

João Simões Lopes Neto em seus contos) e a variante de

imigrantes italianos que fixaram-se em alguns Bairros de São

Paulo, como Brás, Bexiga e Barra Funda (os quais dão nome,

inclusive, ao livro de contos de Alcântara Machado que é sua

obra mais famosa).

Variantes

diastráticas

Referem-se às mudanças de um grupo social para outro e

podem ser identificadas por jargões ou gírias que identificam

grupos distintos, como a dos roqueiros, dos advogados, dos

surfistas, dos grupos marginalizados etc. Outros fatores de

natureza social que estão relacionados a esta classificação

são a classe social, a idade e o sexo. Como exemplo temos

Zap, de Moacyr Scliar, que traz no título uma gíria

representativa da linguagem dos adolescentes.

Variantes

Diacrônicas

Revelam as diferenças de uma época para outra, por meio de

termos e construções que caíram em desuso ou alteraram-se.

Negrinha, de Monteiro Lobato, e Contrabandista, de João

Simões Lopes Neto, escritos nas primeiras décadas do século

XX, trazem algumas palavras que caíram em desuso e

sofreram alteração ortográfica. Além disso, se compararmos

esses contos com Guri, de Cíntia Moscovich e Conto de

verão n.º 2: Bandeira Branca, de Luis Fernando Veríssimo,

ambos escritos na década de 90 do mesmo século,

perceberemos nítidas diferenças de linguagem, tanto lexicais

quanto sintáticas e semânticas.

38

Variantes

Diafásicas

São variações de uma situação de comunicação para outra,

as quais exigem níveis diferentes de formalidade da

linguagem. Um exemplo disso está na linguagem utilizada

pela narradora de Sem enfeite nenhum, de Adélia Prado, que

é informal, muito próxima da usada na oralidade entre

pessoas íntimas, em ambiente familiar.

Ao final do estudo desse conteúdo, os estudantes devem compreender que o

uso das variantes linguísticas nos textos literários é uma decisão do autor e seu uso

não é aleatório, ele serve para promover determinados efeitos de sentido

intencionais, como, por exemplo, reproduzir fielmente a voz de personagens ou de

narradores-protagonistas ou narradores-testemunhas. Se não houver um objetivo

específico, as subversões à língua configuram-se como inadequações e

desqualificam o texto.

Para aproveitar a discussão sobre a inserção das vozes dos personagens no

texto, optou-se por abordar somente agora – e não no momento do estudo dos

elementos da narrativa – os tipos de discurso possíveis num texto literário.

2ª etapa: Vozes marcadas e vozes mostradas no texto

Importante:

Durante o processo de compreensão dos contos abordados nesta oficina,

os dados biográficos seus autores, bem como as imagens que contextualizam

sua vida, obra e estilo individual, têm a função e auxiliar na compreensão do uso

das variantes linguísticas em seus textos.

Há também vídeos disponibilizados no site de compartilhamento Youtube

que podem facilitar a compreensão dos estudantes sobre os tipos de variação

linguística, por apresentarem uma grande variedade de exemplos.

39

Os estudantes devem, a partir dos conceitos abaixo – também extraídos de

Savioli & Fiorin (1999) – e de alguns exemplos, identificar nos contos estudados as

vozes mostradas e demarcadas – por meio do uso dos discursos direto e indireto – e

as vozes mostradas e não demarcadas – pela utilização do discurso indireto livre.

Discurso

Direto

Modo de citação do discurso alheio em que o narrador indica

a fala do outro e, em seguida, reproduz literalmente sua fala.

Para isso, pode valer-se ou não de verbos do dizer (disse,

falou, respondeu, etc.), antes ou depois da fala. A exposição

pode se dar em nova linha, com o uso de travessão, ou na

continuidade do discurso do narrador, usando-se, via de

regra, aspas ou a formatação em itálico. Exemplos:

“Ao acordar, disse para a mulher: - Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da

televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.

- Explique isso ao homem – ponderou a mulher.” (Fernando Sabino, O homem nu)

“Encontraram-se de novo 15 anos depois. Aliás, neste

carnaval. Por acaso, num aeroporto. Ela desembarcando, a caminho do interior, para visitar a mãe. Ele embarcando para encontrar os filhos no Rio. Ela disse “quase não reconheci você sem fantasias”. Ele custou a reconhecê-la.”

(Luis Fernando Verissimo, Conto de Verão nº 2: Bandeira Branca)

Discurso

Indireto

O narrador não dá a palavra ao personagem, mas comunica,

com suas palavras, o que ele disse. Exemplos:

“(...) O senhor gordo repete que Dario sentou-se na

calçada, soprando a fumaça do cachimbo, encostava o guarda-chuva na parede. Mas não se vê guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado.

A velhinha de cabeça grisalha grita que ele está morrendo. Um grupo o arrasta para o táxi da esquina.”

(Dalton Trevisan, Uma vela pra Dario) “No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela

não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.”

(Clarice Lispector, Felicidade clandestina)

40

Discurso

Indireto

Livre

Mistura os procedimentos dos discursos direto e indireto,

fazendo com que a voz do personagem se mescle à do

narrador. Assim, os pensamentos do personagem vão

surgindo, mas não são relatados pelo narrador nem falados

pelos personagens. Exemplos:

“A afirmativa podia ser uma censura, mas foi como um

descobrimento que Matilde a aceitou. Seu coração bateu forte, ela sentiu-se capaz de rir muito, de extensas caminhadas, e lamentou que o marido, circunspecto, mudo, estivesse alheio à sua exultação. Guardaria, assim, através dos anos, uma alegria solitária, da qual Antônio estaria ausente.

Mas quem poderia assegurar, refletiu, que ele era, não um participante de seu júbilo, mas a causa mesmo de tudo o que naquele instante sentia: e que, sem ele, o mundo e suas belezas não teriam sentido?”

(Osman Lins, O vitral)

“Na sombra do camarote, Inocêncio sente que ele não

pode, não deve participar daquela glória. Foi um mau marido. Um péssimo pai. Viveu na vagabundagem, enquanto a mulher se matava no trabalho. Ah! Mas como ele queria bem o rapaz, como ele respeitava a mulher! Às vezes, quando voltava para a casa, via o filho dormindo. Tinha um ar tão confiado, tão tranquilo, tão puro, que lhe vinha a vontade de chorar. Jurava que nunca mais tornaria a beber, prometia a si mesmo emendar-se.”

(Erico Verissimo, As mãos de meu filho)

Também é essencial que verifiquem a coexistência, num mesmo conto – e às

vezes num mesmo parágrafo – de dois ou mesmo dos três tipos de discurso. Por

fim, devem indicar suas opiniões acerca dos objetivos pretendidos pelo autor em

cada narrativa que definem sua escolha pelo tipo do discurso a ser utilizado.

41

Objetivos

Identificar a linguagem figurada em contos literários e

compreender sua função.

Elaborar pesquisa acerca da classificação das figuras de

linguagem.

Material

Contos abordados nas oficinas anteriores.

Fontes de pesquisa sobre o conteúdo “figuras de linguagem”,

como gramáticas e livros didáticos.

Na segunda oficina desta SD, os estudantes já refletiram um pouco sobre as

estratégias dos autores na apresentação do conteúdo temático dos contos. Agora,

propõe-se um estudo mais aprofundado de um elemento do estilo primordial do

gênero: a utilização da linguagem figurada.

Deve-se propor, primeiramente, que os estudantes expliquem oralmente o

sentido das palavras e expressões destacadas nos fragmentos abaixo, no contexto

de cada narrativa. Para isso, eles devem estar de posse dos contos já estudados.

1. “(...) voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas

mãos nervosas o embrulho de pão.” (O homem nu, parágrafo 10, linhas

2 e 3).

2. “Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada

dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no

céu.” (Negrinha, parágrafo 3, linhas 1 e 2).

Oficina 6Recursos expressivos

para a literariedade

1ª etapa: reconhecimento da linguagem figurada

42

3. “(...) e o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida

foi mulher. Apiedou-se.” (Negrinha, parágrafo 65, linhas 2 e 3)

4. “Onde estava o cinturão? A pergunta repisada ficou-me na lembrança:

parece que foi pregada a martelo.” (Um cinturão, parágrafo 10, linhas 1

e 2)

5. “Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos

achatadas.” (Felicidade clandestina, parágrafo 1, linhas 2 e 3)

6. “Como alguém que vomitara a alma e nunca a teria de volta.” (Conto

de verão nº 2: Bandeira Branca, parágrafo 21, linha 2)

7. “Ela apertou o braço do marido e sorriu, a sentir que um júbilo quase

angustioso jorrava de seu íntimo.” (O vitral, parágrafo 27, linhas 1 e 2)

8. “A tosse passou, emudeceram as molas; ficaram só os grilos e os

relógios.” (A partida, parágrafo 11, linhas 4 e 5)

9. “(...) desejava algo para apagar o fogo que arranhava o corpo por

dentro.” (Guri, parágrafo 4, linha 16 e 17)

10. “Talvez fosse a dança de tantos rostos a meu redor...” (Nos olhos do

intruso, parágrafo 3, linhas 3 e 4)

11. “A luz circular do refletor envolve o pianista e o piano, que neste

instante formam um só corpo, um monstro todo feito de nervos

sonoros.” (As mãos de meu filho, parágrafo 1, linhas 4 a 6)

12. “Se numa mesa de primeira ganhava uma ponchada de balastracas,

reunia a gurizada da casa, fazia – pi! pi! pi! pi! – como pra galinhas e

semeava as moedas, rindo-se do formigueiro que a miuçalha formava,

catando as pratas no terreiro.” (Contrabandista, parágrafo 6)

Ao final desse exercício, é preciso que compreendam que o texto literário

desencadeia mais de um plano de leitura, e que em cada plano de análise, as

figuras podem desencadear outra interpretação. Nele podem aparecer figuras de

linguagem (ou de estilo) que remetem a algo presente no mundo natural, porém são

utilizadas como recursos para dar expressividade ao discurso, conferindo-lhe mais

força, intensidade, beleza. Também é necessário que concluam que há construções

figurativas que causam estranheza, dada a combinação de figuras diferentes e

improváveis, e que isso trata-se também de uma estratégia do autor para chamar a

atenção do leitor.

43

O estudo da classificação das figuras de linguagem deve se dar por meio de

pesquisa, em sala de aula ou na biblioteca da escola, a partir de materiais

disponíveis no estabelecimento, como gramáticas normativas e livros didáticos do

Ensino Médio. Caso seja possível utilizar o laboratório de informática, pode-se

propor uma busca em sites educacionais conceituados da internet. Ao final da

pesquisa, supervisionada pelo professor, os estudantes devem ter o registro da

definição de comparação, metáfora, ironia, metonímia, personificação ou

prosopopeia, antítese, sinestesia, hipérbole, catacrese e eufemismo, bem como de

alguns exemplos. Tais registros devem subsidiar a resolução de um desafio que

será proposto a seguir: encontrar nos contos já lidos e analisados as figuras de

linguagem indicadas abaixo:

Figura de

linguagem / conto

Resposta

Três ironias em

Negrinha

“A excelente dona Inácia era mestra na arte de

judiar de crianças.” (Parágrafo 18, linha 1)

““Qualquer coisinha”: uma mucama assada no forno

porque se engraçou dela o senhor.” (Parágrafo 18,

linha 5)

“Certo dezembro vieram passar as férias com Santa

Inácia duas sobrinhas suas.” (Parágrafo 41, linha 1)

Uma metáfora em

Negrinha

“(...) duas sobrinhas suas, nascidas e criadas em

ninho de plumas.” (Parágrafo 41, linhas 2 e 3)

Uma metonímia em

Negrinha

“O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas

não lhe tirou da alma a gana.” (Parágrafo 19, linha

1)

Uma sinestesia em

Negrinha

“O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do

mundo – estas palavras, as primeiras que ela ouviu,

doces, na vida.” (Parágrafo 67, linhas 1 e 2)

2ª etapa: classificação das figuras de linguagem

44

Figura de

linguagem / conto

Resposta

Uma metáfora em

Um cinturão

“(...) meu pai acordando, levantando-se de mau

humor, batendo com os chinelos no chão, a cara

enferrujada.” (Parágrafo 3, linhas 3 e 4)

Duas metáforas em

Felicidade

clandestina

“Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha

delicada.” (Parágrafo 14, linha 8)

“Não era mais uma menina com seu livro: era uma

mulher com seu amante.” (Parágrafo 16, linhas 1 e

2)

Uma comparação em

A máquina extraviada

“Duas vezes por semana ele aplica caol nas partes

de metal dourado, esfrega, sua, descansa, esfrega

de novo – e a máquina fica faiscando como joia.”

“(Parágrafo 8, linhas 5 a 7)

Uma metonímia em

Nos olhos do intruso

Vi as pessoas entrando e saindo pelas portarias

dos prédios, contemplava a fila de cabeças voltadas

para mim.” (Parágrafo 12, linhas 3 e 4)

Uma sinestesia em

Nos olhos do intruso

“Uma música de órgão descia gelada das

paredes...” (Parágrafo 14, linha 3)

Uma personificação

em Nos olhos do

intruso

“Forcei minhas pernas a caminhar e vi a calçada

fugindo para trás sob meus passos.” (Parágrafo 21,

linhas 1 e 2)

Uma hipérbole em

Guri

“Agora, o guri sentia na boca uma corrente salgada,

um mar de ardimento e secura, o risco do fósforo

perpetuando-se na garganta.” (Parágrafo 4, linhas

17 a 19)

Duas personificações

em As mãos de meu

filho

“O pianista sofre com Beethoven, o piano

estremece, a luz mesma que os envolve parece

participar daquela mágoa profunda.” (Parágrafo 5,

linhas 1 e 2)

“De súbito os sons do piano morrem.” (Parágrafo

16, linha 1)

45

Figura de

linguagem / conto

Resposta

Uma hipérbole em As

mãos de meu filho

“Mas, de repente, as águas represadas rompem

todas as barreiras, levam por diante a cortina

vaporosa e ilusória, e num estrondo se espraiam

numa melodia agitada de desespero.” (Parágrafo 6,

linhas 8 a 10)

Uma catacrese em

As mãos de meu filho

“D. Margarida olha com o rabo dos olhos para o

marido.” (Parágrafo 13, linha 1)

Duas metonímias em

As mãos de meu filho

“Era por isso que a Singer funcionava dia e noite.”

(Parágrafo 22, linha 5)

“No terceiro, bebeu o dinheiro da única conta que

conseguiu cobrar.” (Parágrafo 27, linhas 3 e 4)

Um eufemismo em

Gaetaninho

“- Sabe o Gaetaninho?

- Que é que tem?

- Amassou o bonde!” (Parágrafos 32 a 34)

Uma metáfora em

Sem enfeite nenhum

“Quando comecei a empinar as blusas com o

estufadinho dos peitos, o pai chegou para almoçar,

estudando terreno.” (Parágrafo 3, linhas 1e 2)

Durante a correção coletiva do exercício, é fundamental questionar os

estudantes sobre os efeitos provocados pela utilização das figuras de linguagem nos

textos. Também é pertinente que reflitam sobre os sentidos do texto e efeitos nos

leitores que seriam promovidos caso o autor não optasse pelo uso desse recurso

expressivo, mas sim apresentasse suas ideias usando a literalidade.

Devem ser alertados, por fim, que em breve reescreverão seu conto e que,

para tanto, já vão pensando na pertinência do uso de algumas dessas figuras em

suas histórias.

46

Objetivos

Identificar a presença da descrição em contos.

Compreender a função do uso (ou não) do recurso descritivo

para a produção de efeitos de sentido nos textos literários.

Material

Contos: As cores, de Orígenes Lessa; Gato gato gato, de

Otto Lara Resende.

Informações biográficas e imagens dos autores dos contos,

para apresentação em projetor ou TV multimídia.

Os estudantes devem receber o conto As cores, de Orígenes Lessa, para

leitura inicial. A seguir, promove-se uma conversa acerca das impressões dos

leitores. O professor apresenta então informações sobre o autor e questionamentos

que visem ampliar a compreensão e interpretação da história. Certamente, o conto

suscitará uma ampla discussão sobre dois temas de grande importância para a

sociedade atual: o tratamento dispensado aos portadores de deficiência visual e o

preconceito racial.

A seguir, introduz-se o conteúdo objetivado nesta oficina, a partir das

seguintes provocações:

1. Maria Alice, protagonista da história, é desprovida da visão. Como ela

constrói o conceito e a imagem mental das pessoas, dos objetos e das

cores?

2. E como nós construímos a imagem mental das personagens, dos

cenários e do ambiente presentes em cada conto que lemos?

Oficina 7O uso (ou não) do

recurso descritivo

1ª etapa: a criação do "mundo" do conto

47

3. Citem algumas passagens do conto que dão subsídios para que

construamos o cenário em que vive Maria Alice, como, por exemplo,

em “(...) casa grande de vários quartos e salas onde se movia

livremente (...) casa cheia de ecos de um mundo não seu”. (Parágrafo

1, linhas 5 a 7).

4. Agora citem passagens em que o autor descreve as associações que

Maria Alice estabelece, valendo-se dos outros sentidos que possui,

para compreender o significado de algumas coisas, como o das cores

no trecho “O branco era como barulho de água em torneira aberta. Cor-

de-rosa se confundia com valsa. Verde, aprendera a identificá-lo com

cheiro de árvore. Cinza, com maciez de veludo. Azul, com serenidade.

Diziam que o céu era azul.” (Parágrafo 22, linhas 4 a 7).

Tal exercício objetiva que os estudantes identifiquem sequências descritivas

no gênero e compreendam sua importância na construção de uma narrativa. Depois

dele, é importante que os estudantes registrem um conceito de descrição, como o

apresentado abaixo:

Descrição

Para os Professores Savioli e Fiorin (1999), descrição é o tipo de texto em

que se relatam as características de uma pessoa, de um objeto ou de uma

situação qualquer, inscritos num certo momento estático do tempo. Ele não relata,

como no texto narrativo, as transformações de estado que vão ocorrendo

progressivamente com pessoas ou coisas, mas as propriedades ou aspectos

desses elementos num certo estado, considerado como se estivesse parado no

tempo. Assim, não há relação de anterioridade ou posteridade entre seus

enunciados.

A descrição não é um gênero discursivo; numa situação comunicativa, ela

não se dá desprovida de um contexto. Trata-se, pois, de um recurso a ser utilizado

em diferentes textos, principalmente nos da ordem do narrar, como romances,

contos, crônicas e lendas. Mas a descrição nas narrativas, ao transmitir ao leitor

imagens criadas por um autor, nem sempre é imparcial, objetiva. Sendo a

representação daquilo que é percebido por alguém por meio de seus sentidos, ela

não está isenta de juízos de valor.

48

É indispensável que se conclua, rememorando os contos já lidos, que a

descrição é utilizada em maior ou menor grau, ou ainda nem utilizada, dependendo

do estilo de cada autor. Dalton Trevisan, Victor Giudice e Alcântara Machado, por

exemplo, não caracterizam seus personagens, nem física nem psicologicamente, em

Uma vela para Dario, O arquivo e Gaetaninho, respectivamente; fica a cargo do

leitor construir uma imagem mental de seus personagens. Já Monteiro Lobato,

Clarice Lispector e Erico Verissimo, nos seus respectivos contos Negrinha,

Felicidade clandestina e As mãos de meu filho, utilizam-se bastante de sequências

descritivas na caracterização de seus personagens.

Neste momento os estudantes receberão para leitura Gato gato gato, conto

de Otto Lara Resende. Primeiramente deve-se deixá-los livres para absorverem a

história e demonstrarem suas impressões. É bem provável que alguns apontem que

a narrativa é lenta, com poucas ações e muitas descrições, além de conter repetição

“excessiva” de alguns termos e construções sintáticas diferentes das que estão

acostumados.

Para a segunda leitura, a orientação será para que observem principalmente

as descrições e avaliem seu uso, bem como das repetições e do jogo textual que

revela um estilo de escrita incomum nesse autor. Isso para que concluam sobre os

objetivos do escritor com esse texto, sobre quais efeitos ele intentou produzir.

Ao final da discussão, que deve contemplar a compreensão e interpretação

do texto – a abordagem da perversidade de uma criança precisa ser entendida,

também, como uma forma de subversão literária à lógica das histórias infantis – e o

contato com informações sobre o autor e sua obra, os estudantes precisam ter

chegado, com a colaboração do professor, às seguintes conclusões:

1. A exagerada adjetivação privilegia no conto as emoções dos

personagens em detrimento dos fatos narrados.

2. O jogo textual e os recursos poéticos (linguagem figurada) utilizados

promovem no leitor a criação de imagens sensoriais intrigantes.

2ª etapa: Para não cair no enfado

49

3. A repetição neste caso é um recurso da linguagem ficcional

sabiamente utilizado pelo autor, causando no leitor uma sensação de

transe, de hipnose no transcorrer da narrativa.

Importante:

Cabe, no estudo da descrição em textos literários, relacionar esse recurso

com o da linguagem figurada, aprofundado na oficina anterior. A partir da análise

de fragmentos como os apresentados abaixo, os estudantes podem exercitar a

produção de sequências descritivas valendo-se das figuras de linguagem.

“Luminoso sol a pino e o imenso céu azul, calado, sobre o quintal.”

(Parágrafo 2, linha 1)

“As orelhas acústicas. O rabo desmanchado, mas alerta como um leme.

O pequeno focinho úmido embutido na cara séria e grave. A tona dos

olhos reverberando como laguinhos ao sol.” (Parágrafo 6, linhas2 a 5)

“Na imensa prisão do céu azul, flutuam distantes as manchas pretas dos

urubus. O bailado das asas soltas ao sabor dos ventos das alturas.”

(Parágrafo 15, linhas 4 e 5)

50

Objetivo

Produzir coletivamente um conto, contemplando todos os

seus elementos composicionais (formais e estilísticos).

Material Computador portátil e projetor multimídia.

Produzir um texto coletivamente pode tornar-se uma atividade conflituosa e

frustrante, por isso é necessário que todos sejam alertados de que o exercício

objetiva a reflexão acerca dos elementos que compõem um conto e lhe conferem

literariedade. Uma espécie de revisão de todos os pormenores do gênero estudados

até agora, por meio de sua aplicação na prática da escrita.

Devido à extensão do texto, não é possível que a produção seja registrada na

lousa. Será necessário um microcomputador, no qual alguns estudantes podem

revezar-se para a digitação do texto, e um projetor multimídia, que proporcione a

visualização do texto por toda a turma, pois é essencial que todos acompanhem o

progresso da construção - as inserções, as alterações – e assim possam contribuir

de forma mais ativa.

De forma democrática, os estudantes primeiramente elaborarão um

“esqueleto” do conto, definindo seus elementos fundamentais, dos quais dependerão

as escolhas linguísticas posteriores. A ordem para a montagem desse esquema será

a seguinte:

Oficina 8Uma produção a

muitas mãos

1ª etapa: a arte da negociação

51

1. Que tom terá a história narrada? Humorístico, reflexivo (de exposição

de alguma ideia), lírico (emocional), de ação/aventura, trágico, de

drama psicológico?

2. Qual será seu enredo? Basicamente, como será a apresentação inicial,

qual será o conflito, o clímax e o desfecho da história?

3. Quem serão os personagens (protagonista(s), antagonista(s) e

secundários)? Como se chamarão? O protagonista será herói ou anti-

herói?

4. Qual o perfil dos personagens, tanto físico quanto emocional? Obs.:

Mesmo que no conto tais informações não apareçam, é importante que

os escritores caracterizem os personagens, pois isso auxiliará na

garantia da verossimilhança da história.

5. Em que tempo (atual, passado, futuro) a história se passará? Haverá a

demarcação de um tempo específico?

6. Em que espaço(s) a história se passará? Será um local real ou

imaginado? Como se compõem o(s) cenário(s) em que as ações

acontecerão?

7. Qual será o foco narrativo? Que tipo de narrador contará a história?

8. As vozes dos personagens serão reproduzidas? Se sim, utilizando

qual/quais tipo(s) de discurso?

Os estudantes, dispostos num círculo e sensibilizados para que respeitem os

turnos de fala, iniciarão a escritura do conto. Primeiramente, será elaborado no

mínimo um parágrafo para cada parte componente do enredo, de forma concisa. A

partir daí, será preciso ouvir as sugestões de todos e optar, democraticamente,

pelas melhores opções. Aos poucos, é preciso também lançar desafios para que

valham-se da linguagem figurada, utilizando as figuras de linguagem na descrição

das ações, dos personagens, cenários e ambientes. Se for propício, também podem

inserir alguma variante linguística no discurso direto de algum personagem ou

mesmo na voz do narrador, caso tratar-se de um narrador-protagonista.

2ª etapa: mãos na massa!

52

Num primeiro momento, é natural que algumas inserções no texto o tornem

contraditório e/ou redundante, inconsistente ou sem fluência. Os problemas ligados

ao estilo do texto, relacionados a aspectos discursivos (gerenciamento das vozes,

tipos de discurso), textuais (coesão, coerência, organização do texto) e linguísticos

(escolha do registro, escolha da variante linguística adequada, convenções da

escrita) devem ser mantidos a princípio, compondo um corpus que servirá para

prática posterior da análise linguística.

Terminada a “parte bruta”, com todo o desenrolar da história apresentado,

será a hora de definir o título do conto e partir para os “acabamentos”, trabalho esse

que será dividido em duas frentes de trabalho:

Na primeira, serão tomados os problemas linguísticos, textuais e

discursivos relacionados à dimensão do estilo do gênero. O professor

focalizará um problema detectado no conto de cada vez (seja ele de

ortografia, pontuação, concordância, regência, uso de conectores,

colocação pronominal, referenciação, organização espacial etc.),

identificando-o em todas as suas ocorrências e fazendo com que a turma

promova a correção.

Na segunda, serão focalizados os recursos linguísticos próprios da prosa

literária presentes (ou ausentes) no texto, e avaliados quanto à sua

pertinência e contribuição na produção dos efeitos estéticos pretendidos.

Importante:

No processo de produção coletiva, serão utilizados exemplos de

construções linguísticas sintáticas e estilísticas colhidas dos contos abordados

nas oficinas anteriores, bem como serão retomados exemplos de uso dos

elementos da narrativa, dos tipos de discurso, do recurso descritivo, das figuras

de linguagem e da variação linguística.

Finalizado, o conto ficará reservado para divulgação no evento de

apresentação dos resultados alcançados no projeto, ao final da SD.

53

Objetivo Reescrever ou recriar o conto inicial.

Material

Produção inicial dos estudantes; materiais de apoio à

reescrita para consulta, como gramáticas normativas e

dicionários.

Os estudantes serão estimulados a refletir agora sobre toda a trajetória

percorrida na SD: os contos lidos e analisados; as diversas abordagens de temas e

de tons que apresentaram; os estilos dos autores; os recursos linguísticos que

conferiram a cada texto o papel de exemplar único e admirável do gênero.

A partir dessas reflexões, cada um volverá seu olhar para seu texto inicial,

esboçado quando tinham ainda menor experiência de leitura do gênero, e farão uma

avaliação de sua produção. E, a partir dela, planejarão a reescrita de seu texto,

definindo alterações, supressões e acréscimos que se fizerem prementes.

Uma possibilidade específica desta SD que aborda um gênero literário em

prosa, a qual poderá ocorrer e deverá ser respeitada neste trabalho, é o desejo do

estudante de alterar o tema e/ou tom de seu conto. Tal mudança é passível de ser

suscitada naqueles que não conheciam minimamente o gênero, ou naqueles que

tenham sido influenciados pelos temas e estilos dos autores dos contos trabalhados

em sala de aula.

Para a definição das alterações a serem promovidas no texto, cada estudante

poderá apoiar-se no roteiro de questões apresentado abaixo.

Oficina 9A retomada da

produção inicial

1ª etapa: um novo olhar sobre seu texto

54

O título de seu conto é interessante, incomum, instigante ao leitor? Ele

está relacionado a algo representativo da história que narra?

Você acredita que seu texto possui literariedade, que ele ultrapassa a

simples exposição de fatos?

Você considera que sua narrativa promoverá algum efeito emotivo nos

leitores (riso, comoção, compaixão, indignação, surpresa etc.)?

Você identifica no texto um trabalho mais apurado de composição, um

exercício autoral de escolhas lexicais e sintáticas, de arranjos da

linguagem que tornam o texto esteticamente mais belo, mais

expressivo?

Seu texto possui a estrutura de um conto? Ele contém os elementos

próprios de uma narrativa? Ele fornece ao leitor as informações

necessárias para a produção dos efeitos de sentidos que você

pretendeu para ele?

Quanto à linguagem utilizada, há coerência no uso que você fez dela

para revelar ou respeitar seu estilo individual?

Tais questionamentos incidem sobre as condições de produção do gênero, a

adequação à sua estrutura composicional, ao seu conteúdo temático e a aspectos

discursivos e textuais do texto. Isso porque considera-se que é importante que a

reescrita se detenha no conteúdo e no formato do conto. Já os aspectos linguísticos

do estilo serão explorados posteriormente, em atividades de reestruturação e

revisão textual.

Identificadas as necessidades de mudanças nos textos, os estudantes devem

exercitar a reescrita. É essencial que boa parte desse trabalho seja realizado em

sala de aula mesmo, para que possam valer-se do apoio do professor. Trata-se esse

de um momento propício para uma avaliação complementar da aprendizagem

adquirida, bem como para a identificação dos eventuais problemas individuais e

coletivos, os quais deverão ser retomados na sequência da SD.

2ª etapa: o solitário exercício autoral

55

Objetivos

Refletir sobre aspectos linguísticos por meio da observação

e análise da linguagem utilizada nos textos produzidos.

Promover nos contos adequações morfológicas, sintáticas,

semânticas e estilísticas em função dos efeitos discursivos

pretendidos.

Material

Produção inicial dos estudantes; materiais de apoio à

reestruturação para consulta, como gramáticas normativas e

dicionários.

Microcomputador com projetor multimídia.

Após o trabalho de reescrita, o professor deverá analisar os textos sob duas

óticas: na primeira ele avaliará a adequação do texto ao gênero, sua qualidade

enquanto narrativa e seu nível de aproximação à esfera literária, para elaborar uma

devolutiva individual com sugestões de aprimoramentos; na segunda, fará um

levantamento das maiores ocorrências de inadequações quanto ao registro

linguístico e à organização textual, as quais serão matéria para a prática coletiva da

análise linguística. Essa prática será o foco desta oficina.

Com a autorização dos autores, serão projetadas na parede no mínimo duas

e no máximo quatro produções, na forma digitalizada, porém mantendo-se fidelidade

ao texto manuscrito. Os estudantes precisam estar cientes de que não se tratam de

“melhores” ou “piores” textos, mas sim de uma amostra representativa que os farão

refletir sobre determinados usos da língua e estudar mais sistematicamente alguns

Oficina 10A reestruturação

dos textos

1ª etapa: análise coletiva das "ocorrências linguísticas"

56

tópicos gramaticais que ampliarão seus conhecimentos linguísticos e auxiliarão na

melhoria de suas produções. O objetivo maior será o de que, a partir de exemplos

de usos devidos e indevidos, cada autor verifique em seu texto a ocorrência ou não

daquele fato linguístico e assimile a forma adequada de representá-lo.

Na análise dos textos, todas as inadequações serão discutidas. Além disso,

construções mais apropriadas (à língua e ao gênero) devem ser apontadas e, se for

de interesse do autor, podem ser acatadas. Caberá a um voluntário, posicionado

frente ao microcomputador, utilizar de recursos do editor de texto (tachar, sublinhar,

negritar, alterar a cor etc.), convencionados pelo grupo, para destacar os problemas

encontrados (desvios da norma relacionados ao plano gramatical e ao plano

gráfico), bem como as alterações realizadas. Assim, ao final do processo será

possível perceber todas as alterações efetuadas que atribuíram ao texto coerência,

coesão e adequação à modalidade escrita formal. Na comparação entre as duas

versões, espera-se que os estudantes confirmem a importância da reestruturação

dos textos.

Todas as questões linguísticas presentes nos textos – não somente naqueles

tomados para análise coletiva, mas em todos os produzidos pela turma – que

requererem comentários ou exigirem alterações precisam ser abordadas, porém

algumas delas serão mais exploradas, a partir de um estudo sistematizado a partir

dos pressupostos da gramática normativa e da gramática de usos do português. A

definição dos conteúdos relacionados à estrutura da língua que deverão ser mais

aprofundados se dará por meio do levantamento realizado pelo professor nas

análises dos contos iniciais e dos contos reescritos pela turma.

Cabe salientar que a gramática normativa, a gramática de usos do

português e os manuais didáticos serão abordados na sala de aula como materiais

de consulta. A abordagem de tópicos gramaticais se dará de forma contextualizada,

partindo de exemplos retirados das produções dos estudantes. Essa prática é mais

condizente com a concepção interacionista da linguagem, pois substitui o enfoque

no trabalho que prioriza a metalinguagem pelo trabalho produtivo de correção e

autocorreção de textos produzidos na escola.

Nesta SD, atendendo também à necessidade de contemplar alguns

conteúdos definidos na Proposta Pedagógica Curricular do estabelecimento para o

qual o projeto foi concebido, pretende-se focalizar principalmente os conteúdos do

quadro abaixo (em maior ou menor grau, dependendo da avaliação das produções).

57

Conteúdo Encaminhamentos metodológicos

Acentuação

gráfica

Valendo-se de consultas a gramáticas normativas e ao

livro didático utilizado pela turma, os estudantes deverão

encontrar nas regras gerais de acentuação gráfica a

explicação para os usos indevidos encontrados em seus

textos.

Pontuação Após o término da reestruturação coletiva, na qual

certamente serão verificadas ocorrências de mau uso da

pontuação, deverá ser realizada uma retomada conceitual

de todos os sinais de pontuação com apresentação de

exemplos colhidos dos demais contos da turma. Além

disso, devem ser apresentadas situações em que a

pontuação indevida pode alterar o sentido do texto.

Paragrafação Amparados na experiência de leitura de narrativas

adquirida nos contos literários trabalhados anteriormente,

os estudantes deverão ser levados pelo professor a refletir

sobre a organização espacial que deram aos seus textos e

conferir se estabeleceram um padrão para apresentar as

vozes das personagens, efetuando a seguir as devidas

adequações, se necessário.

Ortografia

como

convenção

Para o trabalho com este conteúdo, pretende-se que os

estudantes tomem ciência de que a norma ortográfica do

português não pode ser aprendida por meio de exercícios

tradicionais, mas sim que há nessa norma regularidades

que precisam ser compreendidas e irregularidades que

precisam ser memorizadas. Além disso, devem ser

estimulados à consulta ao dicionário e à leitura frequente,

pois o contato com a língua escrita é o melhor meio de

apreensão da ortografia. Os desvios ortográficos

encontrados em todas as produções deverão ser expostos

para análise, a fim de que todos reflitam sobre eles e

assimilem a forma adequada de seu registro.

58

Conteúdo Encaminhamentos metodológicos

Variedades

linguísticas

Este conteúdo já foi amplamente trabalhado na oficina 5.

Agora, o trabalho será o de conferir se a inserção de

variantes nos contos produzidos é intencional ou

equivocada. Também devem ser identificadas e

suprimidas as marcas da oralidade na escrita.

Ambiguidade Os casos de ambiguidade encontrados nos textos devem

ser trazidos para que a turma identifique sua causa –

colocação inadequada de palavras, uso indevido de

pronomes possessivos, uso de forma indistinta entre o

pronome relativo e a conjunção integrante ou uso indevido

de formas nominais – e sugira novo arranjo textual que os

eliminem.

Elementos de

coesão

A partir de exemplos de ocorrências em suas produções, o

grupo deve elaborar coletivamente – valendo-se de

pesquisas em gramáticas e sites educacionais – uma

relação de conectivos que possam ser utilizados para

exprimir determinadas ideias e relações entre elementos

textuais, como condição, adição, tempo, dúvida, certeza,

finalidade, surpresa, causa e consequência, oposição,

restrição e conclusão. De posse dessa lista, podem

promover algumas substituições em seus textos, caso

julguem que sejam pertinentes, inclusive para evitar

repetições de conectores.

Referenciação A partir de exemplos dos contos consagrados, os

elementos anafóricos e catafóricos e sua importância para

a organização textual devem ser estudados. A partir daí,

será necessário que se tragam para análise construções

dos contos do grupo que apresentem repetições e

prolixidades que causam danos à unidade e fluência do

texto, e que sejam propostas e testadas formas de

referenciação que os tornem mais claros.

59

A partir da ampla análise linguística promovida no desenvolvimento desses

conteúdos linguísticos, deve-se propor agora aos estudantes que, individualmente,

apliquem seus novos conhecimentos na organização de seus textos. É salutar que

eles entendam que se na oficina 9 foram orientados a lançar um olhar mais criterioso

sobre o conteúdo da sua narrativa, agora devem dirigir ao texto um olhar mais

técnico para seu formato de apresentação e sua adequação às normas

convencionadas para a escrita.

2ª etapa: um olhar mais técnico sobre seu texto

60

Objetivo Aprimorar os contos produzidos, por meio de um quadro de

avaliação para o gênero.

Material

Produção final dos estudantes; cópias do quadro de

avaliação para o gênero; materiais de apoio à revisão, como

gramáticas normativas e dicionários.

Neste momento os estudantes devem receber uma devolutiva do professor

contendo sua avaliação acerca dos progressos alcançados entre o texto inicial e a

reescrita, com comentários valorizando seus avanços e enfatizando os aspectos

apreendidos no percurso da SD e ainda algumas sugestões referentes ao conteúdo

temático do texto, à organização sequencial da apresentação das ações, ao arranjo

dos elementos da narrativa no conto e ao uso dos recursos literários. Com esse

parecer de um leitor mais experiente, os estudantes devem ter um tempo para

refletir sobre sua produção e realizar as alterações que julgarem necessárias.

Apesar de aparentar que esta prática será repetitiva, é essencial que os

estudantes realizem também uma avaliação final de seus textos a partir de um

Oficina 11O contínuo

aprimoramento

1ª etapa: algumas dicas de um leitor mais experiente

2ª etapa: hora do checklist

61

quadro de avaliação do gênero. Tal prática os fará recapitular os conteúdos

abordados no processo da SD e consolidar seu aprendizado. Antes, porém, será

produtivo que cada estudante avalie o conto de um colega, como exercício. Nesse

trabalho, cada elemento da dupla deverá efetuar sua análise e a apresentar ao seu

parceiro, expondo justificativas para a sua avaliação e alternativas para sanar as

necessidades de aprimoramentos apontadas. A seguir, cada um retoma seu quadro

de avaliação e dirige seu olhar, agora mais abrangente, sobre seu próprio texto.

Quadro de Avaliação – Gênero Conto Literário

Critérios

Adequado Requer

aprimoramento

1. Adequação do título

1.1. O título é instigante? É coerente com a

narrativa? Remete ao principal ponto abordado no

conto (seja uma ação ou um sentimento)?

2. Adequação às condições de produção

2.1. O texto configura-se como uma narrativa

singular?

2.2. O texto difere de uma simples exposição

objetiva de fatos?

2.3. O texto difere de uma narrativa oral?

2.4. O conto possui um “tom” demarcado, seja ele

humorístico, reflexivo, lírico, de aventura, de

suspense, trágico, de drama psicológico etc.?

2.5. O texto atinge o objetivo de todo texto literário,

qual seja o de sensibilizar o leitor para algum

aspecto humano, social ou psicológico?

3. Adequação ao conteúdo temático

3.1. A história narrada possui coerência? Ainda

que seja ficcional, ela é verossímil?

3.2. A abordagem do tema selecionado na história

não tem caráter moralista ou didático?

62

3.3. Os elementos da narrativa estão interligados

de forma a configurar a produção como uma

unidade de sentido, coesa e não fragmentada?

3.4. Se o tempo da história for determinado, ele é

representado de forma correta?

4. Adequação à estrutura composicional

4.1. O texto caracteriza-se por ser uma narrativa

curta, com poucos personagens?

4.2. Os personagens são plausíveis? Eles foram

bem construídos e representados na história?

4.3. O enredo não é complexo, ou seja, é focado

somente num conflito ou num eixo temático?

4.4. As partes que compõem o enredo estão bem

apresentadas e desenvolvidas (apresentação

inicial, conflito, clímax e desfecho)?

4.5. O foco narrativo escolhido é utilizado

adequadamente?

5. Adequação ao estilo

5.1. Se a caracterização das personagens e dos

cenários valer-se do recurso da descrição, ela é

pertinente e contribui para os objetivos do conto?

5.2. A representação das vozes dos personagens

por meio do discurso direto, indireto ou indireto

livre (se houver) é feita de forma apropriada?

5.3. Os recursos linguísticos utilizados colaboram

para a definição do tom desejado para a história?

5.4. Se houve utilização de variantes linguísticas,

elas foram adequadamente abordadas para a

produção dos sentidos pretendidos?

5.5. Foram utilizadas figuras de linguagem? Se

sim, elas caracterizam-se como um recurso

estético que confere literariedade ao texto?

63

5.6. O texto respeita as convenções da escrita, em

especial relacionadas aos conteúdos que

estudamos na Oficina 10 (pontuação, acentuação,

paragrafação, ortografia, ambiguidade, uso de

elementos de coesão e de referenciação)?

5.7. Em caso de rompimento das convenções da

escrita, ele se deu em favor da produção de

sentidos no conto e da literariedade?

5.8. O texto evidencia, de alguma forma, que seu

autor apropriou-se do gênero de forma pessoal ou

original?

O último item do quadro está relacionado ao estilo individual do autor. Nesse

ponto, é preciso orientar os estudantes na identificação de possíveis “jeitos próprios

de escrever” ou da apropriação do estilo de algum dos autores lidos durante a SD.

Tal apropriação não deve ser censurada, uma vez que o grupo está adentrando na

prática da leitura e da análise mais aprofundada de textos literários e é normal que

sua identificação com algum dos autores os influencie no momento da escrita.

Essa avaliação final, aliada aos comentários do colega de dupla que analisou

seu conto, deve requerer de cada estudante um novo exercício de aprimoramento.

Tal exercício, executado em sala de aula, deve ser supervisionado pelo professor. É

relevante que todos compreendam, no entanto, que um texto literário só pode ser

dado por finalizado no momento em que seu autor o publica. Caso contrário, ele

sempre daria margem para alterações, complementações, aprimoramentos, uma vez

que o escritor, assim como todas as pessoas, constantemente vai ampliando sua

experiência de vida e de leitura e assim, a cada retomada de sua produção escrita,

seu olhar seria diferente.

3ª etapa: uma conclusão, ainda que "provisória"

64

Objetivos Socializar os contos produzidos.

Avaliar o processo vivenciado na sequência didática.

Material Contos produzidos, reunidos em formato de coletânea.

Os contos finalizados – e revisados pelo professor – devem ser organizados

em formato de coletânea. O grupo deverá decidir democraticamente sobre a

organização da obra, definindo a capa, o texto de apresentação e a ordem de

apresentação dos textos. Caso não seja possível editar o livro em uma gráfica, ele

deve ser confeccionado de forma artesanal, garantindo uma cópia a cada autor,

além de exemplares para a biblioteca escolar.

Também a cerimônia de lançamento deve ser organizada em conjunto e

envolver os membros da turma em suas ações: quem fará o cerimonial de abertura,

se haverá alguma apresentação artística (dramatização de algum dos contos

analisados ou produzidos, por exemplo), qual será a ordem e a forma de

apresentações dos contos e dos relatos sobre o projeto e como se dará a entrega

dos exemplares aos autores da obra.

Os depoimentos dos estudantes (orais e/ou escritos) acerca do processo

vivenciado na SD e do aprendizado alcançado servirão, juntamente com suas

produções, como os principais elementos para a avaliação do projeto.

Já a publicação dos contos, a cerimônia de lançamento e a disponibilização

de exemplares da coletânea na biblioteca escolar serão essenciais para conferir a

autoria dos textos aos estudantes e valorizar seu trabalho. Além disso, farão com

que as produções cumpram com sua função social, que é a de ir a público.

Atividade

final Os contos vão a

público

65

ABAURRE, Maria Luiza M. [et.al.]. Português: contexto, interlocução e sentido. São Paulo: Moderna, 2008. BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. _____ (V. N. Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo, Hucitec, 2006. BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1974. CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciência e Cultura. São Paulo, Vol. 4, n. 9, PP. 803-809, set/1972. CEREJA, Willian Roberto & MAGALHÃES, Thereza Cochar. Texto e interação. 4. ed. São Paulo: Atual, 2013. DOLZ, Joaquim & SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004. GARCIA, Ana Luiza Marcondes. Produção de textos na escola: perspectivas

teórico-metodológicas, tendências e desafios. Texto apresentado no encontro

Leitura e produção de textos na escola, CENPEC: São Paulo, dezembro de 2010.

ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo: Editora 34, 1996, vol. 1. JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994. MACHADO, Anna Rachel. A transposição do conhecimento científico para o contexto de ensino: a necessidade e as dificuldades. Palestra proferida no contexto do Seminário para Definição de Critérios de Avaliação de Livros Didáticos de 6ª a 8ª séries. Brasília, Ministério da Educação, 1997. Seleção de fragmento, revisão e adaptação para este curso de Egon de Oliveira Rangel. MACHADO, Lívia. Os impactos da violência doméstica infantil. Portal iG > Delas > Filhos. Disponível em http://delas.ig.com.br/filhos/os-impactos-da-violencia-domestica-infantil/n1237628538965.html (acesso em set. 2014). MORICONI, Italo (org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

Referências

66

PARANÁ, Colégio Estadual. Proposta Pedagógica Curricular da Disciplina de Língua Portuguesa para o Ensino Médio. Disponível em: http://www.cep.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=71 (acesso em set. 2014). PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação, Superintendência de Educação. Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educação Básica para a Rede Estadual do Ensino de Língua Portuguesa. Curitiba, 2008. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, Associação de Leitura do Brasil, 1998. RODELLA, Gabriela [et.al.]. Português, a sua língua: ensino médio, volume único; ilustrações Laerte. São Paulo: Nova geração, 2005. SAVIOLI, Francisco Platão & Fiorin, José Luiz. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1999.