OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · Respondendo a esta questão, Dolz (2001)...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
A análise linguística no gênero artigo de opinião
Autora: Raquel Maria Barbosa1
Orientadora: Mirian Schröder2
Resumo: Este artigo tem como objetivo mostrar as ações produzidas durante a Implementação da
Unidade Didática intitulada “A análise Linguística no gênero artigo de opinião”, que contemplou alunos do nono ano do Ensino Fundamental da rede pública estadual. Este trabalho teve a intenção de mostrar que a produção escrita pode contribuir para a melhoria da leitura e vice-versa. Para que este objetivo fosse alcançado, foram utilizados como fundamentação teórica autores da Linguística Aplicada como Kleiman (2000, 2004), e Roxane Rojo (2002) e autores da Linguística Textual como Luiz Antônio Marcuschi (2008) e Ingedore Villaça Koch (2008, 2011). Tendo como objeto de ensino o gênero textual artigo de opinião, foi utilizada como metodologia a Sequência didática de Dolz; Schneuwly e Noverràz (2001; 2004). O trabalho oportunizou aos estudantes a verificação de uma melhoria significativa da leitura, através de um estudo sistemático do gênero já citado, assim como de elementos linguísticos que produzem, no gênero, efeitos de sentido.
Palavras- chave: Leitura. Artigo de opinião. Análise Linguística. Ensino.
1- Introdução
O presente artigo é a sistematização de um conjunto de pesquisas, estudos e
ações efetuadas no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) que foi criado
pelo Governo do Estado do Paraná em consonância com instituições de ensino
superior do Estado, neste caso, especificamente, a Universidade Estadual do Oeste
do Paraná (Unioeste). A temática que centralizou os estudos efetuados foi a leitura,
vista como fundamental na formação de leitores reais, eficientes e críticos; tendo
como objeto de estudo o gênero artigo de opinião.
A problemática que motivou a escolha da leitura como mote principal foi a
verificação de que, apesar de saber-se, de forma óbvia, que a leitura é fundamental
na relação ensino-aprendizagem, como verificada em avaliações externas (ENEM,
Prova Brasil, SAEB e outras), no cotidiano escolar ela tem sido inexpressiva, pois
não tem formado leitores em sua totalidade, mas sim decodificadores.
Para que a problemática fosse executada, usou-se o outro ponto principal na
aprendizagem escolar: a escrita. A questão levantada foi: pode a escrita melhorar a
leitura e vice-versa?
1 Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE – 2013/2014, com atuação no Colégio Estadual Jardim Zeballos – Ensino Fundamental e Médio. Guaíra – Paraná. Graduação em Letras – Português. Pós- Graduação Lato Sensu: Língua Portuguesa: Teoria e prática. 2 Dra. em Letras (UFPR), professora orientadora vinculada à Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Campus de Marechal Cândido Rondon.
Respondendo a esta questão, Dolz (2001) propõe que um trabalho
sistemático com a escrita produz efeitos satisfatórios em relação à leitura. O citado
autor pontua que, ao escrever, ativam-se cognitivamente os mecanismos que
executam o processo da leitura.
Segundo Dolz (2004), a leitura e a escrita se apoiam mutuamente desde os
primeiros trabalhos efetuados com a alfabetização, portanto, ele observa que cada
vez mais estão sendo realizadas atividades que estabelecem integração entre a
leitura e a escrita; uma estratégia, segundo o autor, seria formular hipóteses de
aprendizagem da leitura através do desenvolvimento da escrita; o autor reitera que a
escrita leva o seu produtor a ativar domínios que o auxiliarão na compreensão global
de um texto.
Para o citado autor, a escrita pode servir de suporte para a leitura, já que ao
escrever e reescrever precisa-se da leitura; ele observa que no ato de escrever uma
nota ou fazer um resumo, o autor acaba por ter que ler (e mais de uma vez), o que o
leva a uma melhor interpretação. É bastante fácil de perceber que quando o ato de
escrever é feito, a leitura, de forma simultânea, é concretizada.
Baseando-se no que foi pontuado acima, o trabalho feito construiu-se através
da escrita para uma melhor apreensão da leitura.
Mas, o que escrever para uma melhor construção de leitura?
Foi escolhido para o trabalho o gênero Artigo de Opinião, pois ele é relevante
no processo educativo, já que a sua existência é construída em práticas sociais, e,
ao ser construído, requer dos estudantes uma escolha crítica, baseada em um
posicionamento. Seguindo este raciocínio, Dolz (2004) afirma que a escola deveria
ser o local propício para a sua aprendizagem, já que ela deveria proporcionar o
desenvolvimento de capacidades para a leitura e a escrita com as quais os alunos
seriam detentores de uma base cultural comum de saberes, o que os levaria a uma
construção de criticidade, que deveria ser inerente ao processo educativo. Os
gêneros argumentativos se justificam, pois levam a produção de um texto ou de uma
leitura sobre um assunto que suscitou uma polêmica e seu leitor/escritor deve
conseguir se posicionar de forma crítica e com capacidade argumentativa frente ao
texto feito por ou mostrado a ele.
O trabalho aqui apresentado, portanto, orienta-se pela produção escrita do
gênero Artigo de Opinião, baseando-se em variadas leituras, objetivando-se a
construção de uma melhoria da leitura, perpassada pela escrita, sendo a execução
metodológica feita através de um estudo sistemático do gênero.
2- Fundamentos teóricos- metodológicos
2.1- Leitura
A leitura é vista, no ambiente escolar, como um de seus principais (se não o
principal) para a construção do conhecimento que se espera que os alunos
aprendam de forma sistemática e gradual ao longo dos anos.
Mas, que trabalho com leitura vem sendo feito nas escolas? E por que ler se
tornou, no ambiente escolar, algo forçado e desgastante? Segundo Kleiman (2013,
p.13): “o ensino de leitura é fundamental para dar solução a problemas relacionados
ao pouco aproveitamento escolar: ao fracasso na formação de leitores podemos
atribuir o fracasso geral do aluno no primeiro e segundo graus”.
Parece pertinente, pelo observado acima, que a leitura seja vista como um
dos elementos que podem levar ao sucesso ou ao fracasso escolar, mas se assim é,
como a escola a vem praticando? A leitura escolar ainda é praticada tendo o leitor
como sujeito passivo, como alguém que apenas concorda e observa de forma
acrítica o que está escrito, sem uma construção maior de habilidades que uma
leitura eficiente exige. Como observa Rojo (2002, p. 1) em trabalho sobre as práticas
de leitura e o porquê do fracasso na formação de leitores proficientes:
Isso se dá, em boa parte, porque as práticas didáticas de leitura no letramento escolar não desenvolvem senão uma pequena parcela das capacidades envolvidas nas práticas exigidas pela sociedade abrangente: aqueles que interessam à leitura para o estudo na escola, entendido como um processo de repetir, de revozear falas e textos de autor (idade) – escolar, científica – que devem ser entendidos e memorizados para que o currículo se cumpra.
A leitura, segundo a autora, não é feita de forma levar o estudante a
realmente produzir sentido através e com ela, ela é tratada apenas como uma
atividade de achar a resposta correta, ler, de forma adequada, o que o autor
escreveu, ler neste caso, é um exercício em que um autor tem o total domínio sobre
o seu leitor, pois é certo apenas o interpretado conforme respostas literais
encontradas no texto.
Rojo (2002) deixa claro em seu texto que a leitura decodificadora deve ser
feita, pois a interpretação dos grafemas é a primeiro contato com uma compreensão
literal do lido. O que a autora questiona é a comunidade escolar não avançar no
processo de leitura, ficando em um nível inferior, não dando ao estudante a
oportunidade de uma leitura com significação crítica. Como afirma Rojo (2002, p.7),
pontuando a questão de uma compreensão de leitura:
Falar na formação do leitor cidadão é justamente não olhar só uma das faces desta moeda; é permitir a nossos alunos a confiança na possibilidade e as capacidades necessárias ao exercício pleno da compreensão. Portanto, trata-se de nos acercarmos da palavra não de maneira autoritária (grifo da autora), colada ao discurso do autor, para repeti-lo “de cor” (grifo da autora); mas de maneira internamente persuasiva, isto é, podendo penetrar plasticamente, flexivelmente as palavras do autor, mesclar-nos a elas, fazendo de suas palavras nossas palavras, para adotá-las, contrariá-las, criticá-las, em permanente revisão e réplica.
Observa-se que a leitura não é construída apenas num estado de passividade
e aceitação frente ao escrito, mas sim é uma ação que posiciona o leitor frente ao
escrito, um leitor que interage com o discurso do outro, concordando ou
discordando, deixando de ser um mero espectador e passando a ser um ator do
processo de leitura.
Conclui-se que leitura é mais do que a decodificação do código escrito, é mais
do que uma interpretação baseada numa literalidade, como afirma Kleiman (2013,
p.13):
[...] consideramos esta uma prática social que remete a outros textos e outras leituras. Em outras palavras, ao lermos um texto, qualquer texto, colocamos em ação todo o nosso sistema de valores, crenças e atitudes que refletem o grupo social em que se deu nossa socialização primária, isto é, o grupo social em que fomos criados.
Portanto, a leitura não é um processo estanque, fora da sociedade, como se
apenas existisse no ambiente escolar e praticada, ali, de forma artificial e
desvinculada de práticas sociais, ler é um processo que ativa diversos saberes
(implícitos e explícitos) que vai além do escrito, mas pressupõe uma construção de
sentidos em um contexto em que seres humanos interagem e é desta forma
(interacionista) que a leitura foi tratada nesse trabalho, concordando com estudiosos
da Linguística Aplicada, em que a linguagem só pode ser entendida em seu uso em
práticas sociais e não como vem sendo praticada na maioria das escolas, como um
processo estéril e dissociado de qualquer realidade circundante.
2.2- O estudo através do gênero textual artigo de opinião
Se a leitura é a problemática a ser alcançada nesse trabalho, faz-se
necessário um objeto para estudá-la e foi feita a opção pelo gênero textual.
E por que o estudo através de gêneros?
Faz-se necessário pontuar que o objeto de estudo é o gênero materializado
em uma concretude, que é o texto. Observa-se que nas ações concretizadas em
sala sempre foi utilizado o texto em sua integralidade e não fragmentos. É
importante situar-se o trabalho feito com a Linguística Textual que vê o texto e não a
palavra ou a frase como o corpus do trabalho a ser feito no ambiente escolar. Por
que a Linguística textual optou pelo texto?
Marcuschi (2012, p.16), foi enfático ao salientar que o estudo de língua deve
ter como elemento de trabalho o texto, já que: “O texto é uma unidade linguística
hierarquicamente superior à frase. É uma certeza: a gramática da frase não dá conta
do texto.” Observa-se que o autor deixa claro que não há possibilidades de um
estudo de língua em períodos estanques, dissociados de sua integral textualidade. O
texto, então, passa a ser a unidade básica de estudo. Mas os textos não são iguais,
eles possuem razões para serem construídos de uma forma ou de outra. Surge,
então, aliado à ideia de texto como unidade básica de compreensão, o entendimento
de que ele se processa em gêneros. Mas, estudo de gêneros é algo novo em
relação à língua?
Marcuschi (2008, p.147) tece a seguinte consideração sobre os gêneros em
sua correlação com o texto: “O estudo dos gêneros textuais não é novo e, no
Ocidente, já tem pelo menos vinte e cinco séculos, se considerarmos que sua
observação sistemática iniciou-se em Platão.”
O autor, estabelecendo uma ordenação histórica, mostra que a ideia e o
entendimento de gêneros ligados à leitura e à produção textual não é algo novo,
mas se assim é, por que apenas no final do último milênio, de forma realmente
efetiva, o trabalho com gêneros passou a ser amplamente difundido no Brasil e o
que se tem hoje? Segundo o autor, é “uma nova visão do mesmo tema.”
Então, em um contexto atual, sob que prisma os gêneros textuais são
vistos?
Os gêneros textuais passaram a ser vistos como práticas sociocomunicativas,
são dinâmicos e podem variar a sua constituição conforme as necessidades sociais
forem acontecendo, podendo vir a formar outros gêneros. Mas, em sentido estrito, o
que é gênero textual?
Conforme afirma Koch (2011, p.56): “Partindo da concepção bakhtiniana
segundo a qual os gêneros são enunciados relativamente estáveis em cuja
constituição entram elementos referentes ao conteúdo, composição e estilo.”
Como visto, os gêneros são os constituintes do texto e não há como
comunicar-se verbalmente a não ser por um gênero concretizado em um texto, sua
materialidade linguística.
Os gêneros, em sua formação, pressupõem três dimensões: a composição, o
conteúdo e o estilo, como é explicitado por Koch (2011, p.106):
Na perspectiva bakhtiniana, um gênero pode ser assim caracterizado:
São tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada esfera de troca: os gêneros possuem uma forma de composição, um plano composicional;
Além do plano composicional, distinguem-se pelo conteúdo temático e pelo estilo;
Trata-se de entidades escolhidas, tendo em vista as esferas de necessidade temática, o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou a intenção do locutor, sujeito responsável por enunciados, unidades reais e concretas de comunicação verbal.
Com base no que foi afirmado acima, um gênero é construído numa situação
real, por um sujeito real, que pretende, de alguma forma, comunicar-se. Como os
gêneros são escolhidos por um locutor em uma situação sociocomunicativa, eles
acabam sendo diferentes em sua estruturação, pois possuem objetivos diferentes no
ato da produção. Como Koch (2011, p.107) verifica: “Desse modo, todo gênero é
marcado por sua esfera de atuação que promove modos específicos de combinar,
indissoluvelmente, conteúdo temático, propósito comunicativo, estilo e composição.”
É acertado verificar-se que um gênero se embasa em seu propósito para que
as demais dimensões façam sentido em sua construção. É a partir de onde o gênero
circula e com que propósito que o locutor vai fazer uma opção de uso, que nunca é
dissociada de uma situação real de produção. A situação real de produção foi um
dos desafios da Implementação, pois o que pretendeu-se com o estudo do gênero
foi mostrar, primeiramente, em que situação de uso o gênero foi produzido, quais as
intenções do seu produtor.
Quando são estudados os gêneros, suas três dimensões de produção são
sempre reiteradas, pois são elas que constituem o gênero e o tornam como é. As
dimensões do gênero coexistem e possuem uma lógica de formação a partir do
conteúdo temático; por exemplo, se o gênero for o artigo de opinião, o seu tema é
relacionado a algum assunto polêmico que tem chamado a atenção da sociedade; a
partir do conteúdo temático, estruturam-se as outras dimensões do gênero. A
estrutura composicional diz respeito a como o texto é concretizado, como artigo de
opinião o texto se estrutura em torno de um ponto de vista que será concretizado em
uma argumentação e, formalmente, o texto se estrutura em parágrafos. Quanto ao
estilo, ele se configura pelo uso, no caso do artigo de opinião, dos recursos
linguísticos de gênero como, por exemplo, a organização, quase sempre, em
terceira pessoa; o uso do presente do indicativo na apresentação das ideias - ou do
subjuntivo-; a presença de discursos alheios; a coesão, sustentada por operadores
argumentativos e o uso de modalizadores.
Faz-se necessário a observação que as três dimensões do gênero foram
analisadas no processo de construção do artigo de opinião e, a partir da observância
da necessidade de revisitar quaisquer das dimensões, foram construídos módulos
para apreensão da dimensão deficitária.
2.3- Sequência Didática
Como especificado até o momento, o texto é a concretização do trabalho
efetuado através de um gênero textual, especificamente, neste estudo, o Artigo de
Opinião. Mas como fazer um trabalho que consiga abarcar o gênero em uma
metodologia que o explicitasse?
Foi escolhida como plano metodológico desta Implementação, a Sequência
Didática (SD) dos autores Dolz, Schneuwly e Noverràz (2004) que estrutura todo um
plano de ação a ser executado no trabalho com os gêneros. E o que vem a ser uma
SD? Os autores assim a explicitam:
O procedimento sequência didática (grifo dos autores) é um conjunto de atividades pedagógicas organizadas, de maneira sistemática, com base em um gênero textual. Estas têm o objetivo de dar acesso aos alunos a práticas de linguagens tipificadas, ou seja, de ajudá-los a dominar os diversos gêneros textuais que permeiam nossa vida em sociedade, preparando-os para saberem usar a língua nas mais variadas situações sociais, oferecendo-lhes instrumentos eficazes para melhorar suas capacidades de ler e escrever (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p.98).
Como observado, uma SD é uma série de atividades organizadas de forma
progressiva que leva o estudante a apreensão de um gênero textual de uma forma
sequencial, sistematizando a construção do gênero aos poucos, de acordo com as
suas especificidades. É necessário salientar que as ações visam à melhoria da
leitura e da escrita, sempre norteadas pela dimensão da prática social em que o
gênero está inserido. É salutar observar-se que o gênero, em uma SD, jamais é
trabalhado sem levar em consideração o seu uso em práticas sociocomunicativas,
condensando o ideário do gênero junto a uma SD. E como deve ser estruturado o
trabalho em sala de aula em uma SD?
Segundo Dolz, Schneuwly e Noverràz (2004, p. 98), a sistematização do
trabalho pode ser assim definida: “apresentação da situação, produção inicial,
módulo 1, módulo 2, módulo n e produção final”.
A apresentação da situação é a descrição detalhada do que o aluno irá fazer
em relação à produção oral ou escrita; nesta etapa, é mostrado ao estudante em
que prática social o gênero a ser estudado se insere.
No prosseguimento das atividades, o aluno produz um primeiro texto, para
uma avaliação dos pré-requisitos que já podem ser observados sobre o gênero. Esta
etapa, chamada de produção inicial, é assim definida por Dolz; Schneuwly e
Noverràz (2001, p. 98): “Essa etapa permite ao professor avaliar as capacidades já
adquiridas e ajustar as atividades e os exercícios previstos na sequência às
possibilidades às dificuldades reais de uma turma.”.
Em seguida, são produzidos os módulos, que são definidos após a produção
inicial, pois ocorre a detecção dos maiores problemas encontrados, como
explicitados por Dolz; Schneuwly e Noverràz (2001, p.103): “Nos módulos, trata-se
de trabalhar os problemas (grifo dos autores) que apareceram na primeira produção
e de dar aos alunos os instrumentos necessários para superá-los.” Após a feitura
dos módulos, em que são percebidas as maiores dificuldades nas dimensões que
compõem o gênero: conteúdo temático, estrutura composicional e estilo. E, após a
feitura dos módulos, parte-se para a última etapa de uma SD: a produção final, que
se constitui na retomada da produção inicial com o que foi apreendido durante a
realização dos módulos, como pontuado por Dolz; Schneuwly e Noverràz (2001,
p.106): “A sequência é finalizada com uma produção final que dá ao aluno a
possibilidade de pôr em prática as noções e os instrumentos elaborados
separadamente nos módulos.”.
Observa-se que uma SD objetiva levar o aluno a uma produção oral ou escrita
de um gênero que foi previamente apresentado ao aluno em uma situação de
contexto, em uma prática social, numa situação sociocomunicativa. Uma SD não é
estéril, como ocorre, muitas vezes, em atividades de produção em sala de aula, em
que o aluno produz sem saber o porquê disso; tornando a atividade vazia de
significado, como sinalizam Dolz; Schneuwly e Noverràz (2001, p.97) quando
explicitam a finalidade de uma SD e porque trabalhá-la no contexto escolar:
Uma sequência didática tem, precisamente, a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um (grifo dos autores) gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação. O trabalho escolar será realizado, evidentemente, sobre gêneros que o aluno não domina ou o faz de maneira insuficiente sobre aqueles dificilmente acessíveis [...]. As sequências didáticas servem, portanto, para dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis.
Uma SD tem por objetivo que o aluno compreenda os gêneros aos quais ele
tem pouco acesso ou nenhum; não se trata de trabalhar com os gêneros que o aluno
já conhece, mas de permitir a ele que seu leque de conhecimentos sobre gêneros
que circulam socialmente e que possuem relevância seja concretizado nas práticas
escolares, atribuindo, dessa forma, ao aluno, competências linguísticas que não
seriam possíveis de outra forma.
2.4- A análise linguística e o gênero artigo de opinião
No dia a dia, é comum que as pessoas precisem defender seus
pontos de vista, isto faz parte da constituição de ser humano. Como a escola
dialoga com o real, é comum que nesse ambiente também surjam
questionamentos sobre diferentes maneiras de se ver um mesmo elemento,
ideia ou valor. Partindo dessa premissa, a modalidade argumentativa
instrumentaliza o aluno a que ele possa defender suas ideias saindo do senso
comum, podendo compartilhar as diferentes formas de se enxergar um mesmo
evento. Um texto argumentativo por excelência, que é parte dos conteúdos
curriculares, é o artigo de opinião, que possui as suas especificidades
veiculadas à tipologia argumentativa. A ideia da escola enquanto espaço de
produção da argumentação é defendida por Dolz (1995, p.67-68):
El discurso argumentativo es uma actividad verbal específica cuyo aprendizage está determinado por el contexto social y lãs intervenciones escolares. La escuela deberia ser el lugar por excelência de su aprendizage para permitir el desarrollo de unas capacidades mínimas y la construcción de uma base cultural común sobre la argumentacíon para todos lós alumnos.3
Conforme escrito por Dolz (1995), a escola deveria propiciar aos estudantes
que eles produzissem argumentação, mas não de qualquer forma, mas sim
fundamentada, para que todos tivessem uma base comum do que seria defender
uma idéia, abandonando o senso comum e partindo para o desenvolvimento de
instrumentalização que lhes permita postular suas convicções de forma coerente.
3 O discurso argumentativo é uma atividade verbal específica cuja aprendizagem está
determinada pelo contexto social e pelas intervenções escolares. A escola deveria ser o
lugar por excelência de sua aprendizagem para permitir o desenvolvimento de algumas
capacidades mínimas e a construção de uma base cultural comum sobre a argumentação
para todos os alunos. (Tradução livre da autora).
O estudo do gênero artigo de opinião, por sua importância no universo escolar
de capacitar o aluno para a produção de uma argumentação além do senso comum,
tornou-se a base de trabalho na Implementação. Foi encontrado, junto a ele, uma
forma de como levar o alunado a percepção de que um texto que tem como princípio
a tipologia argumentativa carrega consiga o ideário de tentar convencer o seu leitor.
O gênero já citado carrega marcas de persuasão, pois quem escreve um artigo de
opinião deseja convencer. Baseando-se nisso, foi procurado um viés de produção da
textualidade: a escolha linguística de alguns elementos importantes na
argumentatividade e os efeitos de sentido que eles provocam, concretizando ações
de Análise Linguística (AL).
A Análise Linguística é encontrada nas DCEs (2008) em vários instantes
específicos dessa produção, orientando, de forma teórica, o que o professor deve
fazer. É importante salientar que, apesar de ser familiar teoricamente, a AL ainda é
objeto de questionamento entre os professores em sua prática educacional, pois
ainda há dúvidas de como transformá-la habitualmente em um objeto de ensino em
sala de aula.
Partindo desse princípio, foi efetuada uma SD com o gênero Artigo de Opinião
e atividades englobando a AL que os textos possuem. É importante a constatação
de que as DCEs sinalizam, assim como a LT já apontou, que a AL pertence ao corpo
do texto e não deve ser feita em frases soltas, abarcando apenas exercícios de
ordem morfológica ou sintática, que seria um retorno à Gramática Tradicional. Isto
fica bem claro a partir do quadro abaixo que é encontrado em Mendonça (2006,
p.207) apud DCEs (2008 p. 61):
ENSINO DE GRAMÁTICA PRÀTICA DE ANÁLISE
LINGUÍSTICA
Ausência de relação com as
especificidades dos gêneros, uma vez que a
análise é mais de cunho estrutural e, quando
normativa, desconsidera o funcionamento
desses gêneros nos contextos de interação
verbal.
Fusão do trabalho com os gêneros,
na medida em que contempla justamente a
intersecção das condições de produção dos
textos e as escolhas linguísticas.
Unidade privilegiada: a palavra, a
frase e o período.
Unidade privilegiada: o texto.
Preferência pelos exercícios
estruturais, de identificação e classificação de
unidades/funções morfossintáticas e
correção.
Preferência por questões abertas e
atividades de pesquisa, que exigem
comparação e reflexão sobre adequação e
efeitos de sentido.
É perceptível que um trabalho de AL abarca o texto e o gênero que está
sendo estudado e não os seus elementos dissociados da produção em uma prática
social. Nesse sentido, é importante que seja percebido que o léxico escolhido por
um autor não é separado das intenções que ele deseja provocar. Portanto, a AL
abarca as potencialidades de sentido que as palavras possuem em um texto de
forma global e não as analisando em separado, de forma artificial.
3-Atividades realizadas na Implementação e resultados
As atividades foram todas realizadas conforme especificadas no Projeto que
havia sido feito e nas atividades desenvolvidas na Unidade didática. Como proposto,
partiu-se inicialmente de questionamentos de pré-requisitos sobre o conhecimento
ou não do gênero Artigo de Opinião; após essas verificações, foi perguntado aos
estudantes sobre a circulação do gênero, quem o escreve, por que o escreve, etc.
Foi visto, com os estudantes, que um Artigo de opinião é escrito partindo de uma
necessidade social, de algo que gerou polêmica.
A partir daí, os alunos receberam uma tira4 e, a partir dela, foram produzidos
os primeiros exercícios sobre o que é ter uma opinião. Após uma conversação e
atividades escritas sobre a tira, foi perguntado a eles o que é ter uma opinião.
Observou-se que os alunos possuem uma noção do que é ter opinião, mas não
sabem expressá-la, uma aluna disse que não gosta de dar suas opiniões, pois os
outros “caçoam”. Após, foram feitos questionamentos sobre se, no ambiente escolar,
os alunos já tinham lido ou produzido um Artigo de Opinião, a maioria disse que já
tinha ouvido o termo, mas não sabiam direito do que se tratava.
Após este contato com a nomenclatura Artigo de Opinião, foi entregue a eles
um artigo produzido em uma realidade concreta. É necessário observar que a
4 A tira foi usada como o gênero introdutório para a formação da primeira ideia do que é ter uma opinião, pois esta era a temática da tira.
temática escolhida para a concretização da Implementação foi A ditadura da
beleza, já que este é um assunto bastante difundido na mídia e que causa muitos
comentários entre os alunos. A escolha da temática mostrou-se bastante relevante,
pois durante toda a Implementação a participação foi bastante coesa, já que havia
um interesse real sobre o assunto. Tornou-se óbvio que, às vezes, o fracasso de
aulas dadas pode iniciar-se desde a escolha do tema e que ele deve ser melhor
observado enquanto elemento de uma melhor produção pedagógica.
O artigo entregue foi lido e, após, foram feitas atividades em relação a ele e
sobre qual o posicionamento do autor frente à polêmica. Os alunos realizaram as
atividades com relativa facilidade, é salutar observar que o artigo escolhido era curto
e relativamente mais fácil de compreender, pois a apreensão do gênero foi feita de
forma gradativa, sequencial.
Um elemento que revelou-se bastante importante na realização da
Implementação foi a escolha de gêneros que fundamentaram o trabalho com o
Artigo de Opinião: a Nota, a Notícia e a Reportagem. Estes gêneros foram usados
para que os alunos percebessem que um Artigo de Opinião não surge do nada, mas
a partir de algo que foi noticiado. Nessa etapa, também houve um processo
gradativo indo da Nota à Reportagem, sempre tendo o mesmo tema. Algo
importante foi, que apesar dos gêneros citados não pertencerem à esfera
argumentativa, vários alunos mostraram-se surpresos em como uma nota, notícia ou
reportagem são produzidas e como o autor, apesar de ter como mote a informação,
traz consigo uma forma particular de ver o assunto. Houve o comentário de uma
aluna sobre a forma como a Reportagem foi produzida e o teor contido: “Nossa,
professora, eu não acredito que eles se preocupem tanto com a beleza!”. Este
comentário foi feito após a leitura e exploração da Reportagem, que mostrou-se
muito positiva no trabalho.
Após o trabalho com a temática nos gêneros citados, os alunos retomaram o
gênero Artigo de Opinião, lendo dois artigos e fazendo comparações entre eles.
Foram feitas atividades perguntando aos alunos quais os melhores argumentos que
cada autor usou para defender seu ponto de vista e foi bastante perceptível que os
alunos concordaram com os argumentos que combinam mais com as suas
vivências. Argumentos mais “palatáveis” que não causam muita discussão. Ficou
demonstrado que a leitura dos alunos ainda se baseia muito no senso comum, não
sendo feita, por eles, uma construção elaborada de conceitos que destoem da forma
como eles veem o mundo.
Houve, então, o trabalho com um último artigo antes da produção inicial e,
neste, especificamente, foram levantadas várias questões quanto às escolhas
linguísticas. Os alunos ficaram surpresos ao notarem que o uso de um substantivo
no aumentativo não significa sempre tamanho maior, mas que pode ser uma
depreciação; observou-se que os alunos não apreenderam o aspecto morfológico
das classes gramaticais, pois estudaram de forma contextualizada no texto e veem a
palavra usada como sendo neutra. O mesmo ocorre com os elementos coesivos e
os modalizadores, que são vistos como iguais, sem distinção de valoração
semântica.
Depois, chegou o momento da produção inicial, um corpus de 16 alunos
realizou a produção, sendo que todos eles conseguiram realizar a produção dentro
da dimensão do conteúdo temático: todos fizeram sobre a polêmica apresentada,
não fugindo do que pressupõe-se sobre um artigo de Opinião. Quanto à estrutura
composicional, todos os alunos conseguiram realizá-la a contento, pois conseguiram
estruturar o texto em parágrafos, tendo o ponto de vista defendido. A problemática
da produção surgiu quanto ao estilo, pois num total de 16, apenas 06 conseguiram
usar, de forma adequada, os recursos linguísticos disponíveis para uma melhor
efetivação da produção. Houve trocas significativas, como por exemplo, um aluno
chegando ao final da produção pretendeu usar a conjunção conclusiva “portanto”, no
entanto, utilizou a conjunção adversativa “entretanto”, mudando totalmente o
entendimento da conclusão de seu texto. Existiu também, em 09 casos, a troca da
conjunção adversativa “mas” pelo advérbio de intensidade “mais”. Em 08 casos, foi
percebido que faltou o uso de elementos que mostram sequenciação e, portanto,
estabelecem coesão, como: em primeiro lugar, depois, em segundo lugar, etc.
O que foi bastante perceptível é que os alunos, de forma geral, não possuem
entendimento semântico do funcionamento das classes gramaticais e dos elementos
sintáticos, apenas têm um parco conhecimento estrutural da gramática,
comprometendo a produção textual.
Baseado no declarado acima, fez-se necessário uma refacção com relação à
dimensão estilo para a feitura da produção final. Foi feito um módulo com atividades
usando os próprios textos dos alunos, em que eles perceberam quais foram as
deficiências encontradas. Como o corpus da pesquisa é pequeno, foi feito um
trabalho individual revisitando cada texto com seu autor junto à professora,
apontando e questionando que elementos seriam melhores se colocados em relação
a outros.
Após a refacção efetuada, os alunos realizaram a produção final, que teve o
seguinte resultado:
Dos 16 alunos, 12 conseguiram uma melhora acentuada
na dimensão estilo;
Dos 16 alunos, todos realizarem a refacção, revisitando
sua produção, num processo que demonstrou maturidade.
4-Considerações finais
Após o término da Implementação, faz-se necessário apresentar algumas
considerações:
A produção baseada em uma SD é bastante produtiva, pois
várias leituras são feitas, ampliando significativamente o rol de
conhecimentos do aluno;
O texto deve ser, sempre, o mote para o estudo, pois, como foi
percebido, o ensino através de palavras ou frases não se transforma em
conhecimento em longo prazo, é facilmente descartado pelo aluno, já que
ele não vê o porquê da aprendizagem;
A temática é muito importante para o sucesso ou o fracasso de
um trabalho, deve ser sempre considerada.
Os alunos trazem consigo muitos elementos do senso comum,
sem reflexão, por isso, a tipologia argumentativa revelou-se importante
num processo de criação de nova maneira de se pensar sob um mesmo
assunto.
Numa conclusão final, observa-se que uma SD pode ser uma alternativa
bastante viável nas práticas pedagógicas, pois promove a aprendizagem sem que o
aluno seja excluído do processo, promovendo a inserção e o interesse no que está
sendo realizado. Também merece ser pontuada a questão de se saber para que
está sendo feita a produção, ela é endereçada a alguém, pois existe num plano real,
além da entrega para a professora.
É perceptível, também que os alunos estão preparados para produções sem
reflexão, por isso, fazem de maneira a não pensar muito na escolha de palavras do
texto. Faz-se necessário uma mudança na forma da prática escolar ser realizada, se
for desejado que surjam alunos que sejam cidadãos e que da escola saiam alunos
com uma leitura proficiente e crítica e não só que repitam os argumentos de
autoridade já construídos, como bem pontuou Rojo (2002, p.2):
Mas ser letrado e ler na vida e na cidadania são muito mais que isso: é escapar da literalidade dos textos e interpretá-los, colocando-os em relação com outros textos e discursos, de maneira situada na realidade social: é discutir com os textos, replicando e avaliando posições e ideologias que constituem seus sentidos: é enfim, trazer o texto para a vida e colocá-lo em relação com ela. Mais que isso, as práticas de leitura na vida são muito variadas e dependentes de contexto, cada uma delas exigindo certas capacidades leitoras e não outras.
Portanto, este artigo pretendeu demonstrar ao seu público-alvo, que são
os professores do Estado do Paraná da Rede Pública de Educação, que pode-se
fazer um trabalho diferenciado com os estudantes com a língua materna, baseando-
se numa construção que visa uma real aprendizagem da leitura, que forme sujeitos
que possam socialmente ser relevantes. Esta mudança parte de uma aprendizagem
concreta em práticas reais de construção de um gênero textual; que demonstrará
aos professores de língua materna que diante de uma metodologia como a SD a
situação do aprendizado da leitura e da escrita pode ser reconstruída.
5- Referências bibliográficas
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