Os desafios da gestão de talentos no futuro - sp.senac.br · serão os desafios em 2026”. Foi...

4
T&D INTELIGÊNCIA CORPORATIVA EDIÇÃO 193 | 2016 32 Recentemente fui convidado a tomar parte de um painel com o especulativo e instigante tema “O futuro da gestão de talentos: quais serão os desafios em 2026”. Foi uma oportu- nidade incrível para compartilhar e trocar com os colegas da mesa e da plateia preocupações, reflexões e projeções de expectativas. O ser humano tem a capacidade de criar a sua própria realidade. Somos caracterizados pela individualidade e cada um de nós possui uma impressão digital e uma composição psi- cológica únicas, o que faz da gente um em- preendimento de si mesmo. Portanto, pensar no futuro envolve planejamentos, perspecti- vas, desejos e, acima de tudo, trabalho duro no presente. Requer, ainda, capacidade para permitir quebrar a barreira do medo de sonhar, ousar e ser criativo. Não é factível elaborar o POR MAURICIO DA SILVA PEDRO A felicidade está no presente Os desafios da gestão de talentos no futuro

Transcript of Os desafios da gestão de talentos no futuro - sp.senac.br · serão os desafios em 2026”. Foi...

T&D INTELIGÊNCIA CORPORATIVA EDIçãO 193 | 201632

Recentemente fui convidado a tomar parte de um painel com o especulativo e instigante tema “O futuro da gestão de talentos: quais serão os desafios em 2026”. Foi uma oportu-nidade incrível para compartilhar e trocar com os colegas da mesa e da plateia preocupações, reflexões e projeções de expectativas.

O ser humano tem a capacidade de criar a sua própria realidade. Somos caracterizados

pela individualidade e cada um de nós possui uma impressão digital e uma composição psi-cológica únicas, o que faz da gente um em-preendimento de si mesmo. Portanto, pensar no futuro envolve planejamentos, perspecti-vas, desejos e, acima de tudo, trabalho duro no presente. Requer, ainda, capacidade para permitir quebrar a barreira do medo de sonhar, ousar e ser criativo. Não é factível elaborar o

por Mauricio da silVa pedro

A felicidade está no presente

Os desafios da gestão de talentos no futuro

T&D INTELIGÊNCIA CORPORATIVA EDIçãO 193 | 2016 33

futuro sem considerar o que somos hoje. Não há futuro sem passado e ação presente. Esse processo não é simplesmente uma tarefa de conexão de pontos entre passado, presente e futuro. É muito mais uma transposição contí-nua e permanente, na qual o futuro se con-funde com o que fazemos hoje. Refletir sobre esses fatores é associar nossa trajetória a uma travessia, uma jornada.

Hoje, dadas as mudanças sociais, econômi-cas e tecnológicas e o respectivo impacto disso em nossas vidas, quando se fala em futuro há que se questionar se o espaço físico de traba-lho permanecerá igual ao que conhecemos ou mesmo se haverá emprego nos moldes tradi-cionais, com carteira assinada e afins. Tende-mos a acreditar que dentro dos próximos dez anos, sim, ainda haverá. Por outro lado, não nos é permitido desconsiderar que existe uma transformação em curso que vem impactan-do tanto o tipo de oferta de emprego e va-gas quanto a redução progressiva de muitas funções que já foram extintas ou que estão em vias de sê-lo devido ao desenvolvimento e avanço tecnológico.

Quando iniciei minha vida profissional em uma grande empresa, uma das principais no-vidades com as quais me deparei foi o telex. Era praticamente uma máquina de datilografar ligada a uma linha telefônica que possibilita-va a conexão entre escritórios, com o mundo, uma espécie de gênese do computador com acesso à internet. Havia uma pessoa treinada e especializada para cumprir essa função: a ope-radora de telex. Depois, foi a vez do fax. Hoje, guardadas as devidas proporções, é como se ti-véssemos um telex em nossas mãos. Não mais demandamos uma secretária para redigir uma carta. Fazemos essa tarefa por e-mail, men-sagem, pelas mídias sociais e em tempo real, dentro e fora do ambiente de trabalho.

Ao meu ver, hoje há desafios à gestão de ta-lentos que devem permanecer e, ainda, inten-sificar em importância quando pensamos no futuro. Atrair, desenvolver e reter as pessoas têm sido uma tríade determinante às áreas de Recursos Humanos das empresas. Se num pas-

sado não muito distante os programas para es-tagiários e trainees determinavam o caminho a ser perseguido pelos jovens que estavam se formando ou saindo das escolas, permitindo às empresas escolherem, meticulosamente, as melhores cabeças dentre os muitos candidatos esperançosos por uma vaga, cada vez mais é o jovem quem dita seu rito de passagem para o mundo do trabalho e por onde quer estar.

Nesse sentido, a atração é um componente fundamental. Nesse nosso mundo contempo-râneo, os jovens talentos estão desenvolven-do uma rica concepção de que estar bem é estar em um ambiente de trabalho no qual a missão e valores devem estar conectados com seu propósito pessoal. Portanto, atrair essa ju-ventude tão seriamente comprometida com seus ideais de criação de um novo tempo — e de novos modos capazes de vivenciá-lo da melhor forma possível — será cada vez mais determinante em termos de desafios para a gestão de recursos humanos, que é o elo entre a sociedade e a empresa. E se essa fronteira for ultrapassada — atrair e contratar pessoas que queiram trabalhar na empresa —, mantê-los será um desafio ainda maior. A empresa de-veria ser uma representação do que os jovens buscam e projetam para sua vida profissional e pessoal.

E se queremos mantê-los nas empresas, não há espaço para dissonância entre pro-pósitos. É necessário equalizar o mundo ex-terno ao mundo interno nas organizações. Os jovens querem se sentir confortáveis e re-produzir o comportamento natural que está presente nos seus relacionamentos cotidia-nos. Querem se expressar como nas mídias

Atrair, desenvolver e reter as pessoas têm sido uma tríade

determinante às áreas de Recursos Humanos das empresas

34 T&D INTELIGÊNCIA CORPORATIVA EDIçãO 193 | 2016

sociais, o que envolve liberdade para curtir ou não curtir algo, comentar sobre a política da empresa, sobre seus líderes e pares, do que gostam ou não. É necessário desburocratizar e simplificar as relações.

FEEDBACKSomos essencialmente seres relacionais, seja

no virtual, seja no presencial e, mesmo com todo o impacto das tecnologias sobre as es-truturas do trabalho, teremos de conviver com diferenças de posicionamento e ideias.

A gestão de talentos precisará, urgentemen-te, avançar quanto ao processo de feedback, desvinculado de normas e padrões rígidos e burocráticos, meramente processuais que, às vezes, são organizados para funcionarem no tempo e espaço, mas, sem permitir crescimen-to e aprendizado. O que o futuro — hoje — demanda é que o processo de feedback seja um evento cotidiano, no qual não somente os jovens talentos, mas também qualquer outro colaborador possa exercer um diálogo aberto e franco com seus líderes, pares e a própria di-reção da empresa.

O que nos leva a um outro e importante desafio para gestão de talentos: o desenvol-vimento das lideranças. Acreditamos ser esse um fator imprescindível que pode nos conduzir à congruência saudável de interesses na busca por resultados esperados. O líder exerce fun-ção primordial na gestão de seus próprios ob-jetivos, da empresa e dos colaboradores. Seu papel é gerir e estimular essa convergência de/entre expectativas, tornando o espaço de tra-balho um ambiente acolhedor e propício ao desenvolvimento.

Ainda me lembro que ao entrar pela primeira vez num ambiente formal de trabalho, em meados da década de 1980, dois fatores foram determinantes para eu me sentir acolhido, minimamente se-guro e dar início à minha forma-ção profissional. Meus primeiros chefes exerceram sobre mim uma influência seminal, pois tiveram a

capacidade e a sensibilidade para captar as angústias, dúvidas, incertezas e inseguranças que qualquer jovem de 15 anos traz. Meus chefes tiveram, ainda, as funções de assegu-rar que, de forma gradativa, eu fosse introdu-zido às funções, obrigações e dinâmicas do local com tempo suficiente para entendê-las, de modo que os erros e acertos fossem se su-cedendo de maneira natural, como em qual-quer processo de aprendizagem. Essas pesso-as souberam criar um ambiente propício ao meu crescimento pessoal e profissional. E um segundo fator, que hoje reconheço como não só complementar, mas tão importante e fun-damental como meus chefes, foi ter tido co-legas de trabalho que contribuíam com meu aprimoramento com generosidade, cuidado e humanidade.

Por isso, acredito que o melhor desempenho e engajamento das pessoas passa pela gestão da diversidade entre gerações, gênero, raça, crenças e credos. Uma equipe heterogênea bem gerida pode trazer a médio e longo pra-zos resultados excepcionais e, nesse contexto, o líder deve atuar como agente catalisador.

Dito isso, investir em desenvolvi-mento humano, sobretudo nas lideranças, é fundamental. O líder precisa ser preparado para assumir essa função e ter condições para dirigir o fluxo entre as várias expec-tativas do seu grupo em prol de ob-jetivos mais centrais e comuns, que abarquem o contexto empresarial.

As pessoas têm diferentes dese-jos, necessidades e vontades que podem ou não ser traduzidos em

Cabe ao líder construir pontes entre ele e sua equipe, fundamentadas em relações

de confiança

Mauricio da Silva Pedro é gerente corporativo do Senac São Paulo

T&D INTELIGÊNCIA CORPORATIVA EDIçãO 193 | 2016 35

motivação. O conceito de pessoas é algo que precisa, inclusive, ser relativizado, pois, às vezes, parece que esta-mos nos referindo apenas aos outros, para outros. Pode facilitar quando o líder se enxerga dentro do mesmo contexto e não acima ou fora dele. Nessa perspectiva, de uma liderança mais humanizada e menos vinculada à noção de divindade, me alinho ao conceito de liderança de Rajeev Peshawaria:

“Liderança é a arte de aproveitar a energia humana em direção a criar um futuro melhor... O mundo é muito complexo para apenas uma pessoa (líder) ter todas as respostas... O líder precisa de uma equipe (colíderes) à sua volta”.

Essa é uma definição da qual gosto bastante, pois contém a dimensão humana que acredito e também acrescenta a importância da equipe que está conosco, compondo o grupo. Seria muito egoísmo achar que um líder tem o poder de caminhar sozinho sem entender que são as pessoas ao nosso redor que dão concretude às necessidades organizacionais e individuais. Cabe ao líder construir pontes entre ele e sua equipe, fundamen-tadas em relações de confiança.

Nesse ensaio para o futuro — esboçado como uma travessia que não podemos determinar exatamente o que é o hoje, o que foi ontem e o que será o amanhã, porque é comum que, nos diversos processos as coisas se confundam —, o ideal é mirar onde e como que-remos ir. Melhor ainda: sempre lembrando que na ca-minhada encontraremos bifurcações e atalhos que nos levarão ao futuro. Os fatores que influenciam e influen-ciarão a gestão de talentos compreendem atrair, reter e desenvolver pessoas. Coisa básica e sabida. Envolve criar um ambiente aberto e inclusivo para a diversidade e, fundamentalmente, líderes que construam e compar-tilhem valores, que sejam preparados para promover um ambiente acolhedor, saudável e produtivo.

A palavra, o enunciado, a proposta e o norte tem mui-ta força como determinante de um caminho possível, da realidade projetada, esperada e sonhada. No âmbito do mundo do trabalho, estabelecer essa perspectiva é papel de um líder visionário. Afinal, o que todos queremos é sermos felizes no presente!

FonteS reFerenciaiSPredictions for 2016, Research Report, Bersin by Deloitte, 2016; Peshawaria, Rajeev: Too many bosses, too few leaders, Free Press, 2011, Nova York; Yaari, D. Josef: Os ritos de passagem e os 12 sentidos, Palestra no Núcleo de Estudos Futuros da PUC, 25/11/15, São Paulo.