Os Descaminhos das políticas de combate ao analfabetismo no Brasil

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Os Descaminhos das Políticas de Combate ao Analfabetismo no Brasil Adailton Morais de Oliveira Comparável a escravidão no Regime Colonial, o analfabetismo persiste em permear a história do Brasil como uma verdadeira praga social e crônica que exclui milhões de brasileiros e brasileiras do exercício pleno da cidadania através do letramento. Inúmeras foram as tentativas de combate e erradicação esboçadas ao longo do tempo, sem, entretanto o sucesso merecido e necessário demandado pela urgência do problema. Atualmente as políticas de combate ao analfabetismo não fogem a essa perversa realidade. A história dessas políticas de educação de jovens e adultos brasileiros analfabetos está marcada por tentativas e iniciativas baratas e controversas para resolver o problema. Incluindo-se aí as famosas transmissões e reproduções radiofônicas de programas educativos na década de 1960; as missões rurais religiosas e assistencialistas; a participação da igreja e leigos no processo; tentativas muito localizadas e pouca preocupação em universalizar uma campanha efetiva de alfabetização a longo prazo; programas e projetos interrompidos como é o caso do Método Paulo Freire para alfabetização de Jovens e Adultos trabalhadores, método que, como bem argumenta BEISIEGEL (1997) “ao realizar a alfabetização no âmbito de um processo mais amplo de

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Os Descaminhos das Políticas de Combate ao Analfabetismo no Brasil

Adailton Morais de Oliveira

Comparável a escravidão no Regime Colonial, o analfabetismo persiste em

permear a história do Brasil como uma verdadeira praga social e crônica que exclui

milhões de brasileiros e brasileiras do exercício pleno da cidadania através do

letramento. Inúmeras foram as tentativas de combate e erradicação esboçadas ao

longo do tempo, sem, entretanto o sucesso merecido e necessário demandado pela

urgência do problema. Atualmente as políticas de combate ao analfabetismo não fogem

a essa perversa realidade.

A história dessas políticas de educação de jovens e adultos brasileiros

analfabetos está marcada por tentativas e iniciativas baratas e controversas para

resolver o problema. Incluindo-se aí as famosas transmissões e reproduções

radiofônicas de programas educativos na década de 1960; as missões rurais religiosas

e assistencialistas; a participação da igreja e leigos no processo; tentativas muito

localizadas e pouca preocupação em universalizar uma campanha efetiva de

alfabetização a longo prazo; programas e projetos interrompidos como é o caso do

Método Paulo Freire para alfabetização de Jovens e Adultos trabalhadores, método

que, como bem argumenta BEISIEGEL (1997) “ao realizar a alfabetização no âmbito de

um processo mais amplo de discussão e reflexão crítica sobre as condições da vida

coletiva das classes dominadas, o método favorecia a ‘politização’ ou o

desenvolvimento de uma ‘consciência de classe’ entre os jovens e adultos envolvidos

nos trabalhos”; mas sendo considerado subversivo fora radicalmente banido durante a

Ditadura Militar, mais tarde sendo substituído pelo Movimento Brasileiro de

Alfabetização - MOBRAL em 1967, programa que tinha como um dos objetivos

prioritários ensinar noções de civismo a população jovem e adulta do país.

O atual programa de Combate e Erradicação do Analfabetismo do Governo

Federal, Brasil Alfabetizado, criado em 2003 com o objetivo de mudar essa infausta

história, investiu na alfabetização de jovens e adultos mais de quinhentos milhões de

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reais até o ano de 2007, entretanto pouco ou quase nada da vergonhosa taxa de

analfabetismo tem conseguido reduzir. Em 2003 o Brasil tinha 11,54% de habitantes

acima de 15 anos de idade analfabetos e, em 2005 11,05% (MEC, 2006). Uma redução

insignificante em números percentuais uma vez que, pelo vertiginoso crescimento da

população brasileira, em números absolutos, o analfabetismo cresceu nesse período.

Em 2003 tinha-se 14,7 milhões e em 2005, 14,9 milhões (MEC, 2006).

Desta forma, cabe-se questionar quais os descaminhos do Programa Brasil

Alfabetizado? Quais os descaminhos das políticas públicas de combate e erradicação

do analfabetismo no Brasil? Como combater esta aguda ineficácia e aperfeiçoar essas

propostas de intenção grandiosa, mas aparentemente, de método fraco?

De acordo com a ONG Associação Positiva de Brasília (2006) a taxa de evasão

em classes do Brasil Alfabetizado atinge cerca de 50% dos alunos matriculados. Como

se não fosse o bastante, as altas taxas de evasão associam-se a pouca aprendizagem

daqueles alunos que terminam os cursos de alfabetização. Muitos desses alunos não

podem ser declarados plenamente alfabetizados.

Por que o Brasil Alfabetizado não tem conseguido atrair esses analfabetos

absolutos? Estará a qualidade de suas aulas a contento? Falta mobilização social?

Qual o grau de integração, envolvimento do programa com as comunidades locais, com

a cultura local, com os calendários locais? Por que as ONGs que trabalham nesse

campo, como a Alfabetização Solidária, por exemplo, tem conseguido melhores

resultados?

Como se sabe o programa Brasil Alfabetizado oferece aos alfabetizadores

apenas uma bolsa de custeio e sugere aos estados e municípios a complementação

dessa bolsa, iniciativa não tomada na maioria dos municípios, indicando que tanto o

Mec quanto os estados e municípios desejam que o trabalho de alfabetização de jovens

e adultos seja considerado um verdadeiro sacerdócio. Se os alfabetizadores não são

assalariados como poderá se cobrar profissionalização? É consenso hoje que a

valorização do profissional da educação é condição sine qua non para o

desenvolvimento de uma educação de qualidade. Assim, ou os alfabetizadores do

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programa não são considerados profissionais ou o governo não deseja qualidade nas

ações do programa.

Na Bahia o Programa Brasil Alfabetizado se desdobra no programa estadual AJA

BAHIA, até o ano de 2005, e atualmente o TOPA - Todos Pela Alfabetização. Esse

programa, que conta com a adesão de mais de noventa por cento dos municípios

baianos, recruta o trabalho de técnicos de universidades baianas para treinar as

equipes municipais de alfabetizadores e gestores do programa. Entretanto fora o

treinamento, em um pólo da microrregião, geralmente, as universidades só conseguem

mandar um técnico uma ou duas vezes para visitar os municípios. Essa ausência gera

deficiência pedagógica e abre espaço para fraudes na informação da freqüência, já que

o valor das bolsas dos alfabetizadores e o recurso para compra da merenda são

atrelados à freqüência dos alfabetizandos.

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira - INEP (INEP, 2003) sempre há e sempre houve disposição da população

brasileira para engajar-se nos programas de alfabetização; o que faltou muitas vezes

foram programas de qualidade, claramente delineados para seus diferentes perfis, e

com o nível de profissionalização que se espera de qualquer atividade. Nesta área a

improvisação geralmente redunda em fracasso. O Mobral, por exemplo, que pretendeu

erradicar o analfabetismo a baixo custo, no período militar foi um fracasso.

Segundo o professor Afonso Celso Scocuglia (SCOCUGLIA, 2005), “ . . . para

construir a historia da educação como possibilidades concretas de realização da

‘hominização’ (ou seja humanização dos homens e mulheres) precisamos contar com

uma práxis político educativa que tenha como sujeitos as crianças, os jovens e os

adultos das camadas populares, bem como todos que fazem a educação. Por onde

começar? Aonde continuar? Insistir em que? Descartar o que? O que privilegiar?”

Combater o analfabetismo é também tentar anular os pilares da desigualdade

regional e social no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística - IBGE, (HADAD, 2006) as maiores taxas e de analfabetismo localizam-se na

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Região Nordeste e entre as populações das classes menos favorecidas e de afro

descendentes.

O Brasil que, graças à difusão do método Paulo Freire , nas décadas de 60 e 70,

ajudou a erradicar o analfabetismo no mundo, convive hoje com elevadas taxas de

analfabetismo puxando para baixo o seu índice de desenvolvimento humano.

“O importante do ponto de vista de uma educação libertadora, e não

bancária, é que, em qualquer dos casos, homens se sintam sujeitos de seu

pensar discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada

implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros.”

(FREIRE, 1987).

A educação de jovens e adultos definida como o conjunto de processos de

aprendizagem formais ou não formais através dos quais as pessoas desenvolvem suas

capacidades, enriquecem conhecimentos melhorando suas competências técnicas,

pessoais e profissionais para atender, assim de forma cada vez mais eficaz as

necessidades individuais e coletivas, incluindo as necessidades de participação, como

sujeito, da vida econômica e produtiva do país, bem como da vida cultural do seu povo,

tem sido renegada a segundo plano no Brasil, fato provado pelo longo período de

convivência com os elevados números de inaptidão provocada pelo analfabetismo

absoluto, funcional, cultural e político.

Os números do analfabetismo no Brasil empalidecem qualquer ação educativa

governamental por mais significativa que seja. É urgente antes de qualquer ato que

caminhe para a melhoria da educação no Brasil, ter um plano eficiente de combate e

erradicação do analfabetismo em suas múltiplas facetas.

Referências

BEISIEGEL, Celso de Rui. A política de Educação de Jovens e Adultos Analfabetos no

Brasil. In Gestão Democrática da Educação. Petrópolis: Vozes, 1997.

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BRASIL. MEC. SEF. Apoio financeiro a educação de jovens e adultos. Brasília, 1999.

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 22 ed. Rio de janeiro: paz e

Terra, 1996.

FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO,

RESOLUÇÃO/CD/FNDE Nº 22, DE 20 DE ABRIL DE 2006. Cobertura do

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1995.

HADDAD, Sergio. I Seminário Nacional sobre Educação para todos. Brasília,

INEP/MEC, 1999.

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SCOCUGLIA, A.C. As reflexões Curriculares de Paulo Freire.Reista Lusófona de

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