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Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC Vitória – 2008
ISBN - 978-85-61621-01-8
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Os desdobramentos das revoluções de Maio e Liberal do Porto na Banda Oriental do Uruguai: 1810-1822
Fábio Ferreira1
Resumo
Em maio de 1810 iniciou-se em Buenos Aires, capital do Vice-Reino do rio da Prata, o
processo revolucionário que desencadeou o rompimento entre as províncias platinas e a
Espanha. Dentre estas unidades provinciais, encontrava-se a área denominada Banda
Oriental, correspondente à atual República Oriental do Uruguai. Em 1816, pelos
inesperados rumos da revolução platina, a Banda Oriental acabou por ser invadida e
conquistada por D. João VI, passando a ser controlada pelo governo luso instalado no
Rio de Janeiro. Porém, em 1820, em virtude de outra brusca mudança no mundo ibero-
americano, a Revolução Liberal do Porto, a Banda Oriental deparou-se, novamente,
com uma série de distintos projetos políticos: a oficialização da sua união ao cetro
joanino, a sua emancipação política, constituindo, assim, um novo país na região do
Prata, ou, por fim, uma nova união dos orientais com os governos ou de Buenos Aires,
ou de Entre Rios, ou de Madri. Deste modo, o presente artigo objetiva analisar as
influências das importantes revoluções argentina e portuguesa no destino da Banda
Oriental do Uruguai, revoluções que levaram o território oriental a compor ora o mundo
hispânico, ora o luso-brasileiro.
O mundo ibero-americano assistiu no curto período de 1810 a 1820 a duas
revoluções que vieram a mudar drasticamente as suas configurações e os seus destinos
políticos. O primeiro dos movimentos mencionados é a Revolução de Maio, que eclodiu
no dia 25 do citado mês do ano de 1810, tendo como palco a cidade de Buenos Aires.
1 Doutorando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Correio eletrônico: [email protected]
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Esta revolução quebrou as relações políticas e econômicas entre a região platina
e a Espanha, bem como alterou definitivamente as configurações territoriais das
unidades políticas espanholas nesta área da América, culminando na criação de vários
países no território que outrora formava o Vice-Reino do Rio da Prata.
Saindo da região do Prata de 1810 e indo para a Península Ibérica de 1820, o
segundo movimento a ser destacado é a Revolução Liberal do Porto, que ocorreu na
citada cidade portuguesa no ano de 1820.
Observa-se que a ação dos liberais portugueses veio a por termo ao absolutismo
luso, mesmo que, posteriormente, Portugal tenha sofrido tentativas de se restabelecer a
monarquia absoluta. Além disto, a Revolução de 1820 fez com que D. João VI
retornasse à Europa, assim como culminou na separação do Brasil do Reino Unido
português e, ainda, deu ao reino ibérico uma constituição.
Contudo, tanto a Revolução do Porto, quanto a de Maio, tiveram importantes
desdobramentos em áreas que vão além de Portugal, do Brasil e da Argentina. Pode-se,
portanto, afirmar que estas duas revoluções vieram a mudar drasticamente o destino de
áreas como Angola, no caso do movimento português, e do Paraguai, no caso do
portenho, porém, ressalta-se que o território que atualmente corresponde à República
Oriental do Uruguai, denominado, à época, de Banda Oriental, guarda a especificidade
de ter sido diretamente atingido tanto pelas ações revolucionárias de Buenos Aires,
quanto do Porto.
Deve-se, ainda, entender a Banda Oriental das primeiras décadas do século XIX
como uma área de interseção e de indefinição entre os mundos luso-brasileiro e
espanhol, gravitando, portanto, ora em torno de Lisboa e do Rio de Janeiro, ora de
Madri e de Buenos Aires.
Agrega-se que a mencionada indefinição da Banda Oriental não dava-se apenas
no sentido de qual centro de poder ibero-americano esta região iria estar vinculada.
Abarcava, igualmente, a falta de precisão e a porosidade de suas fronteiras,
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constituindo, a Banda Oriental, uma sociedade com fortes semelhanças culturais e
econômicas ao Rio Grande português e à espanhola campanha de Buenos Aires.
Era, também, característica desta região em que a Banda Oriental estava inserida
o forte trânsito de pessoas e de mercadorias, bem como era significativo o número de
portugueses estabelecidos no território oriental antes mesmo deste gravitar em torno de
Lisboa ou do Rio de Janeiro.
Diante destas evidências, o presente artigo irá analisar as influências dos
movimentos portenho e português nos rumos do território oriental, fazendo com que
este viesse a compor ora o mundo hispano-americano, ora o luso-brasileiro. Além disto,
agrega-se que para a melhor compreensão das revoluções que estão a ser trabalhadas
neste texto é válido retomar o ano de 1808, ano que está intrinsecamente vinculado à
revolução platina e a demandas dos revoltosos do Porto.
Assim sendo, em primeiro lugar, observa-se que 1808 foi o ano em que, em
função da invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte, o príncipe regente D. João, sua
consorte Carlota Joaquina, e a corte lusa chegaram ao Rio de Janeiro, transformando a
capital da antiga colônia americana em centro do Império português.
Concomitantemente, neste mesmo ano, após cogitarem fugir para o México, a
família real espanhola foi capturada por Napoleão Bonaparte, que colocou à frente do
governo da Espanha seu irmão, José Bonaparte, que veio a ser transformado em rei dos
espanhóis.
Entretanto, isto não significou que a totalidade dos castelhanos tenha aceitado o
irmão de Napoleão Bonaparte como seu soberano. Iniciava-se, assim, um movimento de
resistência à dominação francesa. Em finais de 1808, foi organizada pelos antagonistas
dos irmãos Bonaparte, na cidade de Sevilha, uma junta central, que buscava governar
em nome do rei cativo, Fernando VII, irmão de Carlota Joaquina.
Evidentemente, os acontecimentos ibéricos tiveram seus desdobramentos na
porção americana que era controlada pela Espanha. Neste quadro, os governos coloniais
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depararam-se diante de uma gama de opções, que iam do juramento de fidelidade a José
Bonaparte à independência completa, ou, ainda, incluíam projetos que incluíam a
submissão à resistência espanhola, representada na Junta de Sevilha, ou a Carlota
Joaquina, que encontrava-se em liberdade na cidade do Rio de Janeiro.
Finalmente, entre as possibilidades existentes neste momento, encontrava-se a
dos americanos criarem e submeterem-se a Juntas feitas no próprio continente,
compostas por elementos nascidos no Novo Mundo, que governariam em nome do
monarca encarcerado.
Neste contexto, foi estabelecida uma Junta de Governo em Montevidéu, que
tinha o objetivo de tirar a Banda Oriental do controle do vice-rei Santiago de Liniers,
que governava a partir de Buenos Aires.
Por sua origem francesa, Liniers era acusado de ser favorável aos Bonaparte.
Outro fator que veio a fortalecer a Junta montevideana, fazendo com que a mesma
recebesse forte apoio local, foi a rivalidade entre as cidades-porto de Montevidéu e
Buenos Aires. Porém, a duração desta Junta foi efêmera. Após Sevilha substituir, em
1809, Liniers por Baltasar Hidalgo de Cisneros, Montevidéu dissolveu sua Junta.
No crepúsculo do governo de Liniers, em 1º de janeiro de 1809, houve a
tentativa de se estabelecer em Buenos Aires uma Junta, que posicionava-se
antagonicamente ao Vice-Rei, buscando derrubá-lo. Este intento malogrou, pois Liniers
contava com o apoio de milícia criolla e de indivíduos da burocracia do Vice-Reino.
Porém, logo depois, Liniers foi substituído por Cisneros. Uma vez no poder, o
novo Vice-Rei, em atitude semelhante à do príncipe regente D. João em relação aos
portos do Brasil, abriu os de Buenos Aires à Inglaterra, aliada da Espanha nos combates
contra Napoleão Bonaparte.
Importante fator que veio a mudar a direção dos acontecimentos do mundo
espanhol foi a eliminação de Sevilha e de tantos outros pontos de resistência a Napoleão
na Espanha. Deste modo, em janeiro de 1810, a Junta central retirou-se para Cádiz, a
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transformar-se em Conselho de Regência, a buscar, dentre outras atividades, a
organização das Cortes, composta por membros de todo o Império espanhol. No
entanto, o Conselho de Regência necessitava ser reconhecido pelo Novo Mundo.
Como o futuro da Espanha era incerto, os defensores do sistema espanhol
encontravam-se repletos de incertezas. Ao mesmo tempo, os criollos desejavam
controlar o processo político americano. Assim, Cisneros foi obrigado a aceitar o
cabildo abierto em Buenos Aires e, em 22 de maio de 1810, o cabildo portenho foi
encarregado de estabelecer uma Junta, fazendo-o dois dias depois, e entregando a sua
presidência ao Vice-Rei.
Entretanto, antes mesmo do seu funcionamento, a Junta gerou uma série de
oposições em setores da sociedade portenha, sendo que, em 25 de maio, acabou por ser
criada uma Junta sem a participação de Cisneros. No seu lugar, a presidência foi
ocupada pelo coronel Cornélio de Saavedra.
A Junta portenha jurou fidelidade a Fernando VII, mas não ao Conselho de
Regência. Neste momento, a figura que passou, individualmente, a ter maior projeção,
foi Mariano Moreno, um dos secretários da Junta de Buenos Aires. Entretanto, observa-
se que meses mais tarde, Moreno acabou por renunciar ao seu cargo, aceitando posto
diplomático na Europa, posição esta que ele nunca ocupou, pois o seu navio naufragou
no caminho ao Velho Mundo.
Agrega-se que a Junta de Buenos Aires estabeleceu a igualdade básica entre
brancos e índios, bem como os espanhóis peninsulares começaram a ser discriminados
em funções públicas e no cálculo das suas contribuições financeiras. Indivíduos que
compunham a resistência à Junta foram executados, podendo-se mencionar como
exemplo o caso de Liniers.
Além disto, a Junta reivindicava a autoridade sobre todo o Vice-Reino do Prata,
porém, esta demanda portenha não significou a adesão das outras frações que o
compunham ao projeto buenairense. Montevidéu, por exemplo, por sua rivalidade
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política e econômica com Buenos Aires, optou por aderir ao Conselho de Regência.
Semelhantemente, o Paraguai e o Alto Peru não submeteram-se aos portenhos.
As expedições ao Alto Peru permaneceram nos anos seguintes à Revolução de
Maio. Já o Paraguai, em 1811, estabeleceu sua própria Junta, após ter derrotado
expedição militar proveniente de Buenos Aires e liderada por Manuel Belgrano. Neste
mesmo ano, na Banda Oriental, José Gervásio Artigas, membro do exército espanhol,
abandonou as suas fileiras e aderiu aos insurgentes de Buenos Aires, passando a ser o
responsável pela revolução no território oriental.
Os estancieiros foram um importante ponto de apoio de Artigas, podendo ser
mencionados os casos de Tomás García de Zúñiga, Juan José Durán e Frutuoso Rivera,
que atuaram por anos seguidos ao lado do líder oriental. Observa-se que influía na
decisão dos estancieiros fatores como Artigas ser originário de uma família proprietária
de terras, bem como a reconhecida capacidade militar do caudilho, devido aos seus
sucessos em impor a lei e a ordem no campo durante o período colonial espanhol.
Já os comerciantes, majoritariamente, posicionaram-se contra Artigas e
favoráveis à Espanha, por crerem que ficando ao lado dos europeus poderiam conseguir
vantagens monopolistas junto aos seus aliados ibéricos.
As tropas de Artigas obtiveram várias vitórias no interior da Banda Oriental e
nos povoados menores, cercando, em seguida, Montevidéu, grande baluarte da
dominação espanhola, onde encontrava-se o vice-rei Francisco Javier Elío, fiel à
Espanha. Deste modo, diante da concreta ameaça dos artiguistas, Elío recorreu à ajuda
da corte portuguesa, que prontificou-se a ajudar o vice-rei, enviando forças militares
lideradas pelo general Diego de Souza para o auxílio dos realistas.
É válido observar que mesmo que D. João tenha prestado o apoio a argumentar
que as perturbações na Banda Oriental estavam a causar turbulências na fronteira com o
Rio Grande, e de que com tal marcha, estaria a garantir a integridade dos domínio dos
familiares de Carlota Joaquina, o príncipe português tinha pretensões de estender seus
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domínios americanos até o Prata, sendo que o pedido de ajuda de Elío era uma excelente
argumentação para que tropas lusas ocupassem o território platino.
No entanto, Elío e os portenhos assinaram, em 20 de outubro de 1811, um
acordo em que os buenairenses comprometeram-se a abandonar a Banda Oriental, em
cessar o seu apoio a Artigas e, ainda, reconheceram o domínio espanhol na região. No
trato, também estipulou-se a retirada das tropas portuguesas do Prata.
Portugal, chamado por Elío ao conflito, mas excluído para as negociações entre
o Vice Rei e Buenos Aires, permaneceu na Banda Oriental, a ignorar o que foi
estabelecido entre as duas partes contratantes. Ambos não tinham poderio bélico para
que as tropas portuguesas evacuassem a área e, assim, recorreram à Inglaterra, única
força capaz de fazê-lo, seja militar, seja diplomaticamente.
Como o desejo dos patriotas portenhos e de Elío de que as forças joaninas
saíssem da Banda Oriental coincidia com os interesses dos ingleses, seja em razão do
seu comércio na região, seja pela aliança com a Espanha, Castlereagh, secretário
britânico de assuntos exteriores, e Lord Strangford, ministro inglês no Rio de Janeiro,
agiram no sentido de Portugal abandonar o Prata, no que lograram êxito.
Além de Portugal, Artigas era contrário ao acordo entre Elío e os portenhos, pois
os seus aliados de Buenos Aires o ignoraram completamente ao celebrar o acordo,
deixando, ainda, a Banda Oriental nas mãos dos espanhóis.
Por isto, Artigas partiu para Entre Rios, sendo acompanhado por milhares de
pessoas, no episódio que ficou conhecido como Êxodo do Povo Oriental. Além disto,
Artigas foi aclamado Chefe dos Orientais, iniciando o projeto da Liga Federal, que
incluía, além da Banda Oriental, Entre Ríos, Santa Fé, Corrientes e regiões de Córdoba,
sendo esta união independente das Províncias Unidas do Rio da Prata.
Em 1813, quando a Junta de Buenos Aires já havia sido dissolvida e substituída
pelo Primeiro Triunvirato, que, por seu turno, foi sucedido pelo Segundo Triunvirato,
Buenos Aires convocou uma Assembléia Constituinte onde as províncias, teoricamente,
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teriam voz. Porém, neste momento, o grupamento que estava a governar as Províncias
Unidas e comandavam a cimeira eram os centralistas, contrários à autonomia provincial
face Buenos Aires.
Devido à convocação portenha, Artigas realizou o Congresso Oriental, com a
função de definir o posicionamento dos seus conterrâneos em Buenos Aires. O resultado
foi o estabelecimento das “Instrucciones del Año XIII”, que continham a reivindicação
da agora, sob o ponto de vista artiguista, Província Oriental, não mais Banda Oriental,
pela independência, república e federalismo.
Este projeto consistia em um sistema no qual as províncias teriam plena
soberania, sendo que a federação seria extremamente fraca e o governo central incapaz
de controlar as unidades provinciais. Assim, a região do Prata comportaria, em termos
práticos, vários mini-estados governados por lideranças de características caudilhescas.
A partir de então, a Província Oriental somente iria unir-se às Províncias Unidas
através de um pacto confederal, de modo a garantir a sua soberania e independência,
bem como os orientais posicionavam-se independentes da monarquia espanhola e
favoráveis a um governo republicano.
Uma vez tendo o projeto para a inserção da Província Oriental nas Províncias
Unidas, os deputados orientais partiram para Buenos Aires, no entanto, nesta cidade, a
Assembléia não os recebeu pelo teor da sua proposta, o que levou Artigas a romper com
os portenhos, e a declarar guerra aos mesmos, apoiado pelos caudilhos litorâneos.
Buenos Aires atacou Montevidéu e, em 20 junho de 1814, o substituto de Elío,
Vigodet, igualmente vinculado aos espanhóis, foi derrotado. Três dias depois, liderados
por Alvear, os portenhos entraram na cidade. Artigas interpretou a presença portenha
como uma força de ocupação, porém, isso não o impediu de assinar, em 9 de julho, um
tratado com Alvear, onde era-lhe reabilitada a sua honra e reputação, bem como era-lhe
concedido o posto de comandante da campanha e da fronteira. Artigas tornava-se o
responsável pela organização da província, reunindo a sua assembléia provincial e
procedendo a escolha de delegados à Constituinte das Províncias Unidas.
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No entanto, mesmo com a assinatura do acordo, Artigas não abandonou a sua
posição favorável ao federalismo, o que desagradou a Buenos Aires, que decidiu
romper, mais uma vez, as relações políticas com o caudilho oriental e destruí-lo.
Artigas reagiu, conseguindo obter apoio de outros caudilhos provinciais, sendo
que esta situação levou os portenhos a abandonarem Montevidéu em janeiro de 1815.
Artigas passava a governar toda a Província Oriental, concretizando o projeto da Liga
Federal, união que opunha-se à centralista e unitarista Buenos Aires. Por este fato,
Artigas recebeu o título de “Protector de los Pueblos Libres”.
Apesar de Artigas estar à frente da citada Liga, na prática, o seu poder estava
limitado ao território oriental, arrasado e destruído pelos anos de guerra, resultado dos
conflitos gerados na Banda Oriental pela Revolução de Maio. Este quadro dificultava a
administração do caudilho, mas não o impediu de tomar diversas medidas para
recuperar a Província, dentre elas a abertura dos portos de Montevidéu e Colônia aos
britânicos, e a expropriação de terras, que eram passadas para os mais desfavorecidos,
porém, sob certas condições, como cultivá-la e/ou promover a recuperação do rebanho,
sob o risco dos novos donos perderem o direito à propriedade.
No entanto, ao mesmo tempo que Artigas desenvolvia e aplicava seus projetos
para o território oriental, no mundo luso-brasileiro começaram os preparativos militares
para conquistar a margem esquerda do Prata, advento que lançou a Banda Oriental para
a órbita de Lisboa e do Rio de Janeiro.
Para liderar as tropas portuguesas na ocupação de Montevidéu e da campanha
oriental, D. João designou o general português Carlos Frederico Lecor, veterano das
guerras napoleônicas. Os demais militares que compunham a missão, que contou com
cerca de 12.000 homens, eram de aproximadamente 4.000 portugueses, denominados
Voluntários do Príncipe, e de indivíduos oriundos do Brasil, que somavam 8.000.
Como justificativa do ataque luso-brasileiro, o governo instalado no Rio de
Janeiro argumentava que agia desta maneira pelas constantes perturbações e pelo
desrespeito dos artiguistas à fronteira com o Rio Grande, além de que Artigas desejava
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conquistar parte desta capitania. Além destas justificativas, somava-se o velho anelo
lusitano de estender seus domínios em direção ao Prata.
As tropas de Lecor partiram do Rio de Janeiro em 12 de junho de 1816,
atravessando a fronteira entre o Rio Grande e a Banda Oriental alguns meses depois.
Concomitantemente, reunia-se nas Províncias Unidas um grupo de parlamentares no
denominado Congresso de Tucuman, onde foi declarada a independência de Buenos
Aires e suas províncias em 9 de julho de 1816. Fator fundamental para o rompimento
com a Espanha e com Fernando VII foi o fato de que o rei espanhol, a esta altura livre
do cativeiro imposto por Napoleão, adotava um regime de governo absolutista.
No ano seguinte, em 1817, o Congresso de Tucuman transferiu-se para a cidade
de Buenos Aires, tendo como Diretor Supremo Juan Martín de Pueyrredón, que
governou as Províncias Unidas até 1819, quando renunciou ao posto, mas não sem antes
deixar uma constituição.
Ainda em 1817, mais especificamente no dia 20 de janeiro, Lecor e suas tropas
entraram em Montevidéu sem disparar um único tiro. É valido ressaltar que o general
ocupou a cidade após negociar com importantes elementos da sociedade local, inclusive
com antigos aliados de Artigas e membros do Cabildo de Montevidéu, composto, nesta
altura, por figuras como o padre Dámaso António Larrañaga, Jerónimo Pío Bianqui,
Francisco Llambí e Juan José Durán. Além destes indivíduos, posteriormente, Lecor
conseguiu o apoio de outros personagens igualmente relevantes no âmbito local, como,
por exemplo, Tomás García de Zúñiga e Frutuoso Rivera.
Uma das contrapartidas oferecidas a este grupamento para que apoiassem ao
invasor era a de que eles teriam suas posições na administração pública mantidas. Além
disto, é importante pensar em todas as outras regalias que poderiam ser obtidas caso se
estivesse ao lado dos novos donos dos jogos de poder.
Como exemplo, pode-se mencionar que diversos orientais receberam do governo
português condecorações, títulos nobiliárquicos e promoções na administração pública,
bem como estes individuos estiveram presentes em uma série de organismos na Banda
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Oriental, como a Sociedade Lancasteriana de Montevidéu, a Junta Superior de Real
Hacienda e o Cuerpo de Cívicos de Montevideo.
Evidentemente, não só parte dos segmentos locais mais abastados beneficiaram-
se com a ocupação, mas, de semelhante modo, os ocupadores recebiam uma série de
vantagens com o apoio dado pelos elementos locais. Pode-se incluir como relevantes
benefícios o conhecimento que esses orientais possuiam do funcionamento da
administração pública, bem como as suas redes clientelares na Banda Oriental. Além
disto, vale ser citada a ajuda financeira que o governo de Lecor recebeu em diversos
momentos, pois o general tomou empréstimos de importantes figuras locais, tais como o
estancieiro Tomás García de Zúñiga e o comerciante Francisco Juanicó.2
No contexto destas articulações políticas entre portugueses e orientais, Lecor
adotou a política de realizar casamentos entre militares de suas tropas e mulheres
orientais, sendo que ele mesmo casou-se, em 1818, com Rosa Maria Josefa Herrera de
Basavilbaso, pertencente a uma das famílias mais importantes da Banda Oriental. Nesse
mesmo ano, em virtude das mercês que D. João VI concedeu ao ser aclamado e coroado
rei de Portugal, Brasil e Algarves, Lecor tornou-se Barão da Laguna. Provavelmente, D.
João VI agraciou Lecor com este título pelo fato do general ter realizado com sucesso a
integração política dos ocupadores com grande parte da sociedade oriental.
Paralelamente à administração de Montevidéu por Lecor, Artigas resistia aos
portugueses no interior, bem como proporcionava ataques ao Rio Grande, porém, o
caudilho perdia cada vez mais posições no interior da Banda Oriental, até que, em 1820,
na Batalha de Tacuarembó, o líder oriental partiu para Entre Rios.
Uma vez estando nessa província, Artigas desentendeu-se com Francisco
Ramirez, principal caudilho de Entre Rios, gerando, deste modo, embates militares entre
estas duas lideranças. Artigas foi derrotado por Ramirez, exilando-se, em seguida, no
Paraguai, onde passou o resto de sua vida, onde faleceu em 1850.
2 La Gaceta de Buenos Ayres,nº48.28 de março de 1821. Acervo da Biblioteca Nacional de Buenos Aires.
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Observa-se, portanto, que na Batalha de Tacuarembó e no embate contra
Ramirez, encerrava-se a atuação política de Artigas, importante personagem vinculado à
Revolução de Maio e o grande protagonista deste movimento na Banda Oriental. Por
fim, com a saída de Artigas de cena, Lecor passava a controlar todo o território oriental.
Paralelamente, neste mesmo ano, ocorria no mundo luso-brasileiro advento que
viria a marcar definitivamente o futuro do Reino Unido português e da Banda Oriental:
A Revolução Liberal do Porto.
Sobre este movimento luso, ressalta-se que na madrugada de 24 de agosto de
1820, militares portugueses estabelecidos na cidade do Porto foram para as ruas da
cidade e, em praça pública, declararam que estava a iniciar-se uma revolta e criavam um
Conselho Militar. Os militares posicionaram-se favoráveis ao estabelecimento das
Cortes e desejavam a elaboração de uma constituição.
Em 15 de setembro, com a participação de segmentos do exército, foi a vez de
Lisboa ser o centro das agitações liberais. Nesta data, foi estabelecido na capital um
governo interino, que derrubou o oficial, e que aderiu aos revoltosos do Porto. Assim,
Portugal passou a contar com dois núcleos revolucionários, um no Porto e o outro em
Lisboa. Após articulações políticas, estes dois grupos uniram-se, tendo havido a entrada
dos membros da Junta do Porto na cidade de Lisboa no dia 1º de outubro.
Pode-se entender que a partir do advento ocorrido no Porto iniciou-se o processo
que pôs fim à sociedade de Antigo Regime em Portugal. Ressalta-se, ainda, que todas
estas agitações e insatisfações manifestas na parcela européia do Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves derivavam de fatores como a permanência de D. João VI na
América, além da grave crise econômica que Portugal enfrentava, com o decréscimo das
atividades ligadas ao comercio, à industria e à agricultura. Igualmente como fatores que
geravam a insatisfação da sociedade lusa estavam o aumento da miséria e a influência
direta da Inglaterra nos assuntos de Portugal. Essas questões vinham gerando
desagrados e posicionamentos públicos pela sua resolução havia anos.
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Sobre o movimento revolucionário, também é importante observar que foi neste
momento que consagrou-se o liberalismo em Portugal, e houve a busca de construir
uma nação de cidadãos, com a igualdade perante a lei e com os mesmos direitos e
deveres. Conseqüentemente, havia a extinção de privilégios e os particularismos das
monarquias do Antigo Regime. Além disto, tentava-se implementar a reforma das
instituições jurídicas, políticas e econômicas da sociedade lusa.
Acrescenta-se que a Revolução do Porto colocava Portugal ao lado dos também
liberais Espanha, Itália e Grécia Os governos liberais dos países mencionados buscavam
uma articulação em conjunto, tentando uma união política e a criação de uma espécie de
“internacionalismo liberal”. Por outro lado, os países europeus contrários ao liberalismo
uniram-se, criando a Santa Aliança, que tinha o propósito de opor-se e de provocar a
queda política dos revoltosos.
Além disto, a ascensão dos liberais na Espanha, que ocorreu primeiro que em
Portugal, teve grande influência no Reino Unido de D. João VI, com a implementação
das mesmas instruções para a eleição dos deputados à Constituinte, bem como o
emprego de decretos similares ou baseados no do reino vizinho, e a venda da
Constituição espanhola no Brasil e em Portugal.
Agrega-se que as Cortes da década de 1820 foi a primeira instituição
parlamentar do liberalismo português, que, no período de 1820-1823, conseguiu
exercer, através do poder legislativo, grande influência na sociedade portuguesa,
inclusive tendo retirado significativa força do monarca.
Neste quadro, em 17 de outubro de 1820, chegava ao Rio de Janeiro a notícia da
Revolução iniciada no Porto, tendo dividido o governo luso instalado no Brasil em
opositores e favoráveis à convocação das Cortes e ao retorno da família real a Portugal,
que permanecia na América desde 1808.
No primeiro dia de 1821 houve no Reino do Brasil, mais especificamente no
Grão Pará, a primeira manifestação favorável ao liberalismo. Um pouco mais de um
mês depois, em 10 de fevereiro, deram-se ações revolucionárias na Bahia, sendo que
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estes insurgentes declaravam a sua fidelidade ao rei e, ao mesmo tempo, à futura
Constituição portuguesa. Após os acontecimentos na Bahia, espalhavam-se no restante
do atual Nordeste brasileiro adesões ao liberalismo e a reivindicação de juntas de
governo que substituíssem as nomeadas por D. João VI.
Em 26 de fevereiro, a guarnição militar do Rio de Janeiro rebelou-se e obrigou
D. João VI a jurar a Constituição que estava a ser elaborada em Lisboa. Em virtude
destes fatos, o monarca comprometia-se a retornar a Portugal e foi-lhe imposto um novo
ministério. Para os Negócios Estrangeiros e Guerra foi designado o liberal Silvestre
Pinheiro Ferreira, personagem que pela sua atuação no ministério teve importantes
conseqüências para a criação da Cisplatina, questão que será analisada posteriormente.
Algumas semanas depois, ecos da Revolução do Porto, após passarem pelo Pará,
Bahia e Rio de Janeiro, chegavam à Banda Oriental, gerando motins na parcela lusa das
tropas de Lecor. No dia 20 de março de 1821, tendo como líder o coronel António
Claudino Pimentel, do 1º Regimento de Infantaria, por volta da meia-noite, três
regimentos que encontravam-se fora de Montevidéu entraram pelo portão da cidade e
ocuparam a sua praça. Imediatamente, as tropas que estavam nos quartéis incorporaram-
se aos insurgentes.
Os rebelados reclamavam da sua situação de 22 meses sem pagamento do soldo
e que, após cinco anos na América, desejavam retornar à Europa, pedindo, assim, ao rei
e à nação que outros militares os substituíssem no Prata. Os militares lusos também
protestavam contra decreto que desligava-os do exército português.
Além disto, os revoltosos exigiam a presença de Lecor para que se jurasse a
Constituição que viesse a ser redigida e jurada em Portugal, ameaçando-o, em caso de
negativa, de destituí-lo do poder. Inicialmente, Lecor alegou que não poderia
comparecer por estar enfermo. Entretanto, diante da coerção dos militares portugueses,
o general acabou por ceder aos revoltosos, comprometendo-se a realizar os pagamentos
atrasados, a remetê-los a Portugal, e declarando publicamente que viria a obedecer às
Cortes de Lisboa e reconhecendo a Constituição que viesse a ser jurada.
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Os rebelados criaram um Conselho Militar e entregaram a sua presidência a
Lecor. Os demais membros seriam oficiais de cada corpo da divisão eleitos por votos da
oficialidade. Uma vez compostos os quadros do Conselho Militar, seriam nomeados o
seu vice-presidente e secretário. Claudino Pimentel terminou por ocupar a vice
presidência do Conselho.
Relatando em suas páginas a insubordinação dos militares de D. João VI, a
Gaceta de Buenos Ayres estimava que na praça de Montevidéu tinham se reunido 1955
homens, sendo que alguns eram a favor da deportação de Lecor para o Rio de Janeiro.
Além disto, o periódico relatava que um oficial português, apelidado de Placa,
embarcou para Portugal para representar a divisão lusa de Montevidéu junto às Cortes.3
No Rio de Janeiro, no dia 16 de abril, D. João VI expediu duas medidas
importantes para a região do rio da Prata. A primeira delas foi o reconhecimento da
independência das províncias platinas em relação à Espanha. A segunda foi no sentido
de solucionar a questão da Banda Oriental, ocupada pelas forças luso-brasileiras desde
1816/17, que seria decidida no Congresso Cisplatino, congresso este composto por
elementos originários do território oriental.
Sobre o Congresso, ressalta-se que ele foi relevante momento de ação conjunta
de Lecor com os seus aliados orientais, bem como ele está intimamente vinculado à
ascensão do liberalismo nos quadros do Reino Unido português, que levou à nomeação
de Silvestre Pinheiro Ferreira como ministro de D. João VI.
Primeiramente, ressalta-se que Silvestre Pinheiro Ferreira era contrário à
manutenção das forças joaninas na Banda Oriental. O liberal argumentava junto ao rei
que a ocupação proporcionava alto custo a Portugal, bem como acarretava em sérios
prejuízos ao comércio português, em virtude da ação de corsários. Também não devem
ser ignoradas a busca dos liberais portugueses de terem boas relações com a também
liberal Espanha, sendo que este reino reivindicava, ainda neste momento, a soberania
sobre o território oriental. Então, se D. João VI não resolvesse a questão envolvendo a
Banda Oriental antes de partir da América, teria que negociar com os espanhóis quando 3Idem.
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voltasse à Europa, o que, evidentemente, colocava-o em uma situação mais delicada e
suscetível a pressões.
Além disto, Silvestre Pinheiro Ferreira não cria no sucesso da incorporação do
território oriental ao Reino do Brasil, afirmando que um decreto não iria transformar os
orientais em portugueses, sendo, assim, D. João VI não poderia contar com a fidelidade
dos habitantes desta província.
Diante desses fatos, D. João VI acabou por ordenar que se realizasse em
Montevidéu o Congresso Cisplatino. Uma vez instalado o congresso, os deputados
orientais reunidos em assembléia decidiriam entre três opções, sendo uma delas a
oficialização da ocupação luso-brasileira no Prata, unindo a Banda Oriental ao cetro
joanino. Outra opção era a emancipação política do território oriental, constituindo,
assim, um novo país na região do Prata. Por fim, os parlamentares discutiram sobre a
possibilidade de uma nova união entre os orientais e os governos ou de Buenos Aires,
ou de Entre Rios, ou de Madri. Deste modo, identifica-se que a Banda Oriental deparou-
se, novamente, com uma série de distintos projetos políticos.
Porém, como os interesses de Lecor e dos seus aliados eram pela permanência
dos portugueses no Prata, o general luso e o estancieiro Juan José Durán, chefe político
da província à época, agiram no sentido de que o citado Congresso votasse pela
incorporação da Banda Oriental ao cetro de D. João VI.
O contato com as atas do Congresso Cisplatino4, que estão no Archivo General
de La Nación, em Montevidéu, permite-nos constatar que, em 18 de julho de 1821, os
congressistas votaram, unanimemente, pela anexação do território oriental à monarquia
lusa. Também no Congresso, os deputados determinaram que o território recém anexado
passaria a ser designado Estado Cisplatino Oriental. Por fim, agrega-se que os orientais
estabeleceram uma série de condições para que a união ocorresse, buscando preservar as
especificidades orientais dentro dos quadros da monarquia portuguesa.
4 ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Montevidéu, 1821. Archivo General de la Nación, AGN.
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Mantinha-se, deste modo, o castelhano como idioma oficial e as rendas locais
deveriam ser aplicadas na própria província. Preservavam-se as leis locais, desde que
estas não fossem conflitantes com a constituição portuguesa que estava a ser elaborada
pelas Cortes de Lisboa e, ainda, os empregos e cargos da Cisplatina eram reservados aos
seus naturais ou àqueles que haviam contraído matrimonio na região. Com a política de
casamentos empregada por Lecor, diversos portugueses e brasileiros poderiam ocupar
posições em cargos públicos da província.
É, também, válido ressaltar que, dentre as condições estabelecidas, havia a
garantia da manutenção de Lecor no poder, pois afirmava-se que: “Continuará en el
mando de este Estado [Cisplatino Oriental], el Señor Barón de la Laguna.”5
No entanto, em Lisboa, antes mesmo do resultado final do Congresso Cisplatino,
as Cortes indicavam que o seu posicionamento seria o de abandonar a Banda Oriental.6
Ao tomar conhecimento da incorporação, já residindo em Lisboa, Silvestre Pinheiro
Ferreira posicionou-se contrariamente a esta medida. O ministro enviou oficio a Lecor
em 22 de dezembro de 1821, manifestando a sua indignação em relação à anexação e à
ação de Lecor neste processo.7
Silvestre Pinheiro Ferreira exigia que Lecor deveria enviar a Lisboa uma
exposição circunstanciada dos fatos e chamava a atenção para a importância da questão
envolvendo a Cisplatina nas relações com a Espanha. O ministro liberal ainda
informava que o futuro do Estado Cisplatino seria decidido pelas Cortes portuguesas,
que Lecor seria substituído no Comando das armas no território oriental, além de que o
general deveria repassar à Secretária de Estado informações concernentes ao mais novo
estado da monarquia lusa.8
5 Idem. 6 COSTA, Hipólito José da. Correio Braziliense, ou, Armazém literário, v.XXVII. (setembro de 1821). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Correio Brasiliense, 2002. 7 Ofício de Silvestre Pinheiro Ferreira al Barón de la Laguna. Diciembre 22 de 1821. Apud: DEVOTO, Juan E. Pivel. El Congreso Cisplatino (1821): repertorio documental, seleccionado y precedido de um análisis. Revista del Instituto Histórico y Geográfico del Uruguay, t.XII. Montevideo: 1937. 8 Idem
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Diante do posicionamento de Lisboa em relação à Cisplatina, ocorreu a missão
de Lucas José Obes no Rio de Janeiro, junto a D. Pedro e José Bonifácio, ponto que
merece ser melhor explorado por ser fundamental ao destino do Estado Cisplatino.
Político e advogado oriental, durante os anos da administração de Lecor, Obes possuía
posição de destaque na sociedade montevideana. Ao final do Congresso Cisplatino,
Obes foi selecionado pelos congressistas para representar o novo estado em Lisboa.
Entretanto, a partida de Obes para o Velho Mundo deu-se após Lecor perder
definitivamente o apoio de Lisboa, assim, é provável que Obes partia de Montevidéu
sabendo da grande dificuldade do governo lisboeta estar aberto a negociações com os
orientais, bem como de reconhecê-lo como representante do Estado Cisplatino.
Na rota para a Europa, a embarcação em que Obes encontrava-se realizou uma
paragem no Rio de Janeiro, em 27 de fevereiro. Na cidade, Obes apresentou-se a D.
Pedro para que o príncipe decidisse se ele ficaria no Brasil ou se seguiria viagem para
Portugal. D. Pedro decidiu que o oriental deveria permanecer no Rio de Janeiro.9
Durante sua estada na capital do Reino do Brasil, Lucas José Obes conseguiu o
apoio do governo do Rio de Janeiro à criação do Estado Cisplatino – apoio que não fora
dado por Lisboa – e em troca do posicionamento de D. Pedro e José Bonifácio, Obes
colocava-se ao lado dos desejos emancipacionistas do Brasil.
Paralelamente, as relações entre Lecor e a parcela portuguesa de suas forças
militares agravavam-se, sendo que, ao longo de 1821 e 1822, foram vários os motins
gerados pelos lusos. À medida que o Estado Cisplatino aproximava-se do Rio de
Janeiro, a situação das tropas portuguesas tornava-se mais tensa, até que, em setembro
de 1822, para não ser destituído do poder, Lecor e os seus aliados tiveram que
abandonar Montevidéu, indo para o interior cisplatino.
Agrega-se que, ao mesmo tempo, o governo do Rio de Janeiro rompia com o de
Lisboa, sendo que D. Pedro era aclamado como o primeiro imperador do Brasil no dia
9 Sindico General de este Estado á todos los pueblos. Apud: DEVOTO, op.cit.
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12 de outubro de 1822. Vencia, assim, em oposição aos desejos dos revoltosos do Porto,
a idéia de uma nação brasileira, separada de Portugal.
A partir de então, aqueles que não fossem favoráveis à independência deveriam
sair do Brasil e, em províncias como a Cisplatina, a Bahia, o Maranhão e o Pará
instalavam-se oposições ao sistema de D. Pedro I. A partir de então, a antiga Banda
Oriental mergulhou em uma guerra entre os militares favoráveis a D. Pedro, liderados
por Lecor, e que controlavam todo o interior do Estado Cisplatino, e os fiéis a D. João
VI, liderados pelo também militar D. Álvaro da Costa, que controlavam Montevidéu.
Montevidéu só foi reocupada por Lecor em março de 1824, após armistício com
as forças de Álvaro da Costa, que retornaram a Portugal. Assim, a cidade platina
finalmente tornava-se parte do Império do Brasil, sendo, ainda, importante observar que
Montevidéu foi o último ponto português na América. No entanto, a comunhão entre a
Cisplatina e o Brasil não foi duradoura, pois em 1825 eclodiu a Guerra da Cisplatina,
que resultou na criação da República Oriental do Uruguai, em 1828.
Assim sendo, diante do exposto, identifica-se que tanto a revolução iniciada em
Buenos Aires, quanto a no Porto, tiveram significativos desdobramentos na Banda
Oriental. Conclui-se que a Revolução de Maio fez o território oriental mergulhar em
uma guerra entre patriotas e espanhóis, bem como fez com que os portugueses
entrassem no conflito platino, seja em 1811, seja em 1816. Além disto, Maio de 1810
fez com que a figura de José Gervásio Artigas emergisse na Banda Oriental, liderando o
processo de autonomia da província. Pode-se, ainda, afirmar que o processo da
Revolução portenha na Banda Oriental culminou na invasão lusa liderada por Lecor,
lançando, assim, o território oriental para a órbita dos governos de Lisboa e do Rio de
Janeiro.
Por fim, no que tange à Revolução Liberal do Porto, esta foi responsável pela
mudança da política joanina para o Prata, questão fundamental para a organização do
Congresso Cisplatino, que, ao contrário do que desejava e previa o liberal Silvestre
Pinheiro Ferreira, uniu o território oriental ao Reino Unido português. Observa-se que
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esta união fez com que a Banda Oriental fosse palco de novas guerras, seja entre
brasileiros e portugueses, seja entre brasileiros, portenhos e orientais, a partir de 1825.
Igualmente, os desdobramentos da Revolução de Maio e do Porto levaram à criação da
República Oriental do Uruguai em 1828.
Bibliografia e documentação
Archivo General de la Nación – Montevidéu
ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Montevidéu, 1821.
Arquivo Nacional – Rio de Janeiro
Fundo: Coleção Cisplatina. Caixas 975-979.
Biblioteca Nacional – Buenos Aires
LA GACETA DE BUENOS AYRES. Diversos números: 1821–1822.
Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro
GAZETA DO RIO DE JANEIRO. Diversos números: 1816-1822. Seção Periódicos.
“Três atas do cabildo de Montevidéu sobre a entrada ali de tropas portuguesas e posse
dada ao general Lecor do governo da Praça e capitania”. Localização: 07,4,062. Seção:
Manuscrito.
Fontes primárias impressas
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(1821). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Correio Brasiliense, 2002.
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