OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA DIMENSÃO NO … · promulgadas em 1934 e 1946 já possuíam...

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OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA DIMENSÃO NO ESTADO CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO E A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL RIGHTS OF SECOND DIMENSION IN STATE CONSTITUTIONAL DEMOCRACY AND A CONSTITUTIONAL JURISDICTION Eduardo Alvares de Oliveira 1 RESUMO O presente artigo é fruto de reflexões após pesquisas realizadas no campo dos direitos fundamentais e jurisdição constitucional. Partindo do pressuposto de que a república federativa brasileira forma um Estado Constitucional Democrático, em que a Constituição Federal tem por finalidade, dentre outras, garantir os direitos fundamentais inclusive os de segunda dimensão -, concluímos que os direitos sociais são direitos subjetivos, portanto, exigíveis e com aplicabilidade direta e imediata. No entanto, mesmo diante esta conclusão, não desprezamos as opiniões daqueles que sustentam a dificuldade de concretização dos direitos sociais e a existência de restrições fáticas e jurídicas dos direitos fundamentais. Abordamos, ainda, a existência de uma força normativa da Constituição e o papel da nova hermenêutica na concretização dos direitos fundamentais, bem como a importância da jurisdição constitucional diante a omissão legislativa de regulamentar os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, finalizando com a análise de julgados do Supremo Tribunal Federal. PALAVRAS-CHAVE: Estado Constitucional Democrático. Direitos fundamentais. Força normativa da Constituição. Omissão do legislador. Jurisdição Constitucional. ABSTRACT This article is the result of reflections after research conducted in the field of fundamental rights and constitutional jurisdiction. Assuming that the Brazilian federal republic form a Democratic Constitutional State, in which the Constitution aims, among others, guarantee fundamental rights - including the second dimension - we conclude that social rights are legal rights, so and payable direct and immediate applicability. However , despite this conclusion, not despise the opinions of those who hold the difficulty of realization of social rights and the existence of factual and legal restrictions of fundamental rights. Furthermore, we address the normative force of the Constitution and the role of the new hermeneutic in achieving the fundamental rights as well as the importance of constitutional adjudication before the legislative failure to regulate the rights guaranteed by the Constitution fundamental rights, ending with the analysis judged the Supreme Federal court. KEY-WORDS: Democratic Constitutional State. Fundamental rights. Normative force of the Constitution. Legislative omission. Constitutional jurisdiction. 1 Juiz de Direito do TJGO; foi Juiz Substituto do TJMG e Advogado; pós-graduado em Ciências Criminais.

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OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA DIMENSÃO NO ESTADO

CONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO E A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

FUNDAMENTAL RIGHTS OF SECOND DIMENSION IN STATE

CONSTITUTIONAL DEMOCRACY AND A CONSTITUTIONAL JURISDICTION

Eduardo Alvares de Oliveira1

RESUMO

O presente artigo é fruto de reflexões após pesquisas realizadas no campo dos direitos

fundamentais e jurisdição constitucional. Partindo do pressuposto de que a república

federativa brasileira forma um Estado Constitucional Democrático, em que a Constituição

Federal tem por finalidade, dentre outras, garantir os direitos fundamentais – inclusive os de

segunda dimensão -, concluímos que os direitos sociais são direitos subjetivos, portanto,

exigíveis e com aplicabilidade direta e imediata. No entanto, mesmo diante esta conclusão,

não desprezamos as opiniões daqueles que sustentam a dificuldade de concretização dos

direitos sociais e a existência de restrições fáticas e jurídicas dos direitos fundamentais.

Abordamos, ainda, a existência de uma força normativa da Constituição e o papel da nova

hermenêutica na concretização dos direitos fundamentais, bem como a importância da

jurisdição constitucional diante a omissão legislativa de regulamentar os direitos

fundamentais garantidos pela Constituição Federal, finalizando com a análise de julgados do

Supremo Tribunal Federal.

PALAVRAS-CHAVE: Estado Constitucional Democrático. Direitos fundamentais. Força

normativa da Constituição. Omissão do legislador. Jurisdição Constitucional.

ABSTRACT

This article is the result of reflections after research conducted in the field of fundamental

rights and constitutional jurisdiction. Assuming that the Brazilian federal republic form a

Democratic Constitutional State, in which the Constitution aims, among others, guarantee

fundamental rights - including the second dimension - we conclude that social rights are legal

rights, so and payable direct and immediate applicability. However , despite this conclusion,

not despise the opinions of those who hold the difficulty of realization of social rights and the

existence of factual and legal restrictions of fundamental rights. Furthermore, we address the

normative force of the Constitution and the role of the new hermeneutic in achieving the

fundamental rights as well as the importance of constitutional adjudication before the

legislative failure to regulate the rights guaranteed by the Constitution fundamental rights,

ending with the analysis judged the Supreme Federal court.

KEY-WORDS: Democratic Constitutional State. Fundamental rights. Normative force of the

Constitution. Legislative omission. Constitutional jurisdiction.

1 Juiz de Direito do TJGO; foi Juiz Substituto do TJMG e Advogado; pós-graduado em Ciências Criminais.

Introdução

Quem governa com grandes omissões constitucionais de

natureza material menospreza os direitos fundamentais e

os interpreta a favor dos fortes contra os fracos. Governa,

assim, fora da legítima ordem econômica, social e

cultural e se arreda da tridimensionalidade emancipativa

contida nos direitos fundamentais da segunda, terceira e

quarta gerações (Paulo Bonavides).

Com a promulgação da Constituição de 1988, após a submissão a sucessivos

governos poucos democráticos, a república federativa brasileira consagrou o Estado

Constitucional Democrático, imbuído de um espírito social, base da construção de uma teoria

brasileira dos direitos fundamentais.

No presente ensaio, primeiramente fixamos que os direitos fundamentais de segunda

dimensão - denominados direitos sociais, econômicos e culturais - são direitos subjetivos,

portanto exigíveis do poder público pelos cidadãos, inclusive com aplicabilidade direta e

imediata (art. 5º, § 1º, CF).

No entanto, mesmo reconhecendo essa característica dos direitos fundamentais de

segunda dimensão, não desprezamos a opinião daqueles que defendem a existência de

restrições fáticas e jurídicas dos direitos fundamentais, o que resultaria em dificuldades na

concretização dos direitos sociais.

Adiante, apontamos a existência da figura do Juiz Social, oriundo da superação do

formalismo absoluto e da necessidade de estabelecer novos modelos para acompanhar a

evolução do Estado de Bem-Estar Social.

Com isso, será demonstrada a necessidade de se conferir força normativa à

Constituição, bem como o surgimento de uma nova hermenêutica constitucional, com o fito

de garantir a concretização das normas constitucionais, sobretudo as que garantem direitos

fundamentais aos cidadãos.

Ademais, pontuamos que a jurisdição constitucional amplia-se de maneira

significativa diante das omissões legislativas inconstitucionais impediditas do gozo dos

direitos fundamentais de segunda dimensão, inclusive inovando as técnicas do controle de

inconstitucionalidade a fim de suprir as lacunas legislativas.

Por fim, limitando-se à análise de omissões inconstitucionais veiculadas no bojo de

mandados de injunção impetrados na Corte Suprema, serão realizados estudos analíticos do

mandado de injunção nº 107 - que é o marco inicial do trato da matéria pelo Supremo

Tribunal Federal -, mandado de injunção nº 283 – pedido de indenização prevista na ADCT -,

mandado de injunção 670 – direito de greve dos servidores públicos -, mandado de injunção

721 – aposentadoria especial de servidores públicos –, e mandado de injunção nº 943 – aviso-

prévio indenizado.

Com essa abordagem, pretendemos mostrar que em um Estado Constitucional

Democrático os direitos sociais não podem ter seu gozo frustrado pela omissão

inconstitucional do legislador, competindo ao Poder Judiciário, sobretudo à jurisdição

constitucional, garantir a força normativa da Constituição concretizando os direitos sociais

pretendidos pelos cidadãos.

1. O Estado Constitucional Democrático e os direitos fundamentais de segunda

dimensão

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 a nação brasileira assentou e

sedimentou a adoção do modelo de um Estado Democrático de Direito2, ou Estado de Bem-

Estar Social, ou Estado Democrático e Social de Direito3, ou ainda, Estado Constitucional

Democrático4, enfim, uma república federativa democrática e comprometida com os Direitos

Sociais (direitos fundamentais de segunda dimensão).

Tanto que a Carta Magna, em capítulo específico - Dos Direitos Sociais -, impõe que

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

desamparados, na forma desta Constituição” (artigo 6º da CF). Além disso, a Constituição

destacou título próprio para disciplinar a “Ordem Social” (título VIII), logo após tratar da

ordem econômica (título VII). Ou seja, a Constituinte procurou conciliar a ordem econômica -

representada pela livre iniciativa do particular -, e a ordem social - fundada na necessidade do

Estado intervir para garantir direitos sociais a todos os cidadãos, consectários da igualdade

material.

O preâmbulo da Constituição de 1988, a despeito de sua ineficácia normativa, deixou

registrado na história do constitucionalismo brasileiro que “Nós, representantes do povo

2 Art. 1º da Constituição Federal.

3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na

perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p.28.

4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: contributo para a

compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1982, p.338.

brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado

Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, [...]”.

Perceba-se que a Constituinte promete que o Estado, que ora se constituía, destinava-se a

assegurar o exercício dos direitos sociais.

Em um breve retrospecto das Constituições brasileiras é possível observar que as

promulgadas em 1934 e 1946 já possuíam essa inspiração social, oriundo do

constitucionalismo alemão weimariano, evidente à época, e que a Constituição de 1988 é de

um Estado de Bem-Estar Social5. E, com o esse modelo estatal, superando o ideal liberal - que

presa pelos valores vida, liberdade e propriedade -, o Estado-inimigo cede lugar para o

Estado-segurança, transformando as Constituições em um pacto de garantia social6.

Vislumbramos, ainda, que os direitos sociais elencados na Constituição Federal são

direitos fundamentais, consectário do princípio da igualdade material, constitutivo de direito

subjetivo do indivíduo7, exigível, portanto, do Estado social. Mais uma vez, me valho dos

ensinamentos do mestre Bonavides8,

O Estado social é enfim Estado produtor de igualdade fática. Trata-se de um

conceito que deve iluminar sempre toda a hermenêutica constitucional, em

se tratando de estabelecer equivalência de direito. Obriga o Estado, se for o

caso, a prestações positivas.

Os direitos sociais encontram-se no rol dos denominados direitos fundamentais de

segunda dimensão, que inclui também os direitos culturais e econômicos, portanto, passíveis

de exigibilidade e aplicação imediata e direta, conforme expressa previsão na Constituição

Federal de 1988 “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

imediata” (art. 5º, § 1º) 9, em que pese as dificuldades apontadas por alguns estudiosos sobre

5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014. Esclarece,

ainda, o renomado autor que “Com efeito, não é possível compreender o constitucionalismo do Estado social

brasileiro contido na Carta de 1988 se fecharmos os olhos à teoria dos direitos sociais fundamentais, ao

princípio da igualdade, aos institutos processuais que garantem aqueles direitos e aquela liberdade e ao papel

que doravante assume na guarda da Constituição o Supremo Tribunal Federal” (p. 382).

6 Ibidem, p.389.

7 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, op. cit., p. 342-343, reconhece o caráter de direito subjetivo dos Direitos

Sociais ao afirmar que: “A democracia, o Estado de Direito e os direitos fundamentais exigem a garantia de um

status activus, de um status positivus e de um status activus processualis e pressupõem que, pelo menos, se

presuma que os interesses dignos de protecção sejam interesses juridicamente protegidos, e que as vantagens

jurídico-objectivamente reconhecidas se considerem, na dúvida, como garantindo um direito subjetivo. [...]. A

exigência da consideração constitucional material dos direitos subjectivos públicos (que aqui se pressupõe)

implica que se dê outro passo na configuração constitucional das relações jurídicas objectivas e subjectivas: a

autonomização das posições jurídicas subjectivas perante o direito legal objectivo”.

8 Ibidem, p. 386.

9 No mesmo sentido é o escólio de Bonavides, op. cit., p. 579: “De tal sorte que os direitos fundamentais da

segunda geração tendem a tornar-se tão justiciáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já

não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no

as limitações fáticas e jurídicas da concretização destes direitos10

e da exclusão dos direitos

sociais de cunho programático dessa aplicabilidade imediata, embora não negue o seu caráter

de direito subjetivo e sua eficácia sobre as normas infraconstitucionais, conquanto a falta de

consenso do alcance desse dispositivo11

.

Esses obstáculos fáticos e jurídicos vêm sustentando doutrinadores que negam o

caráter de direito subjetivo dos direitos sociais prestacionais, justamente pela dependência

econômica na concretização desses direitos, invocando conceitos como reserva do possível e

escassez de recursos públicos. No entanto, ainda que no âmbito dos direitos fundamentais de

primeira dimensão o déficit de efetivação seja reduzido, não podemos descurar que mesmo as

liberdades públicas são descumpridas e ignoradas pelo poder público, sem, contudo perderem

o seu caráter de direito fundamental de aplicação imediata.

Ademais, vislumbramos que a invocação destes obstáculos de forma irrestrita,

poderá ensejar o total esvaziamento dos direitos sociais de caráter prestacional, o que, a nosso

ver, não é conveniente e condizente com o estágio evoluído dos direitos sociais no

constitucionalismo brasileiro. Talvez, a solução esteja no estabelecimento de um ponto de

equilíbrio, de forma a oportunizar ao poder público tempo razoável para organizar o

orçamento e a máquina administrativa para a concretização do direito social prestacional,

mas, jamais, esvaziar o seu conteúdo a pretexto de escassez de recursos12

.

caráter programático da norma”. Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais - conteúdo essencial,

restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 205: “[...]: tanto quanto qualquer outro

direito, um direito social também deve ser realizado na maior medida possível, diante das condições fáticas e

jurídicas presentes”. (p. 205). Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria

geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado

Editora, 2012, p. 281: “Ponto de partida da nossa análise será, aqui, também a constatação de que mesmo os

direitos fundamentais a prestações são inequivocamente autênticos direitos fundamentais, constituindo

(justamente em razão disto) direito imediatamente aplicável, nos termos do disposto no art. 5º, § 1º, de nossa

Constituição”. Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores,

2012, p. 512-513: “Mesmo os direitos fundamentais sociais mínimos têm, especialmente quando são muitos que

deles necessitam, enormes efeitos financeiros. Mas isso, isoladamente considerado, não justifica uma conclusão

contrária à sua existência. A força do princípio da competência orçamentária do legislador não é ilimitada. Ele

não é um princípio absoluto”.

10 SILVA, Virgílio Afonso da, op. cit., p. 204-205. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 54-55.

11 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 66; p. 299-301.

12 Neste ponto, interessante passagem na obra de ALEXY, Robert, op. cit., p. 51, quando analisa

julgado do TCF alemão, em que aplicou a cláusula da reserva do possível, sem, contudo esvaziar o

direito fundamental a educação: “O tribunal parte de um direito subjetivo prima facie e vinculante, de

todo cidadão que tenha concluído o ensino médio, a ser admitido no curso universitário de sua

escolha. [...]. Fica claro que o direito, enquanto direito prima facie, é um direito vinculante, e não um

simples enunciado programático, quando o tribunal afirma que o direito, ‘em sua validade normativa,

não [pode] depender de um menor ou maior grau de possibilidades de realização’. Mas a natureza do

direito prima facie vinculante implica que a cláusula de restrição desse direito – a ‘reserva do

possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade’ – não pode

Bonavides, fazendo referência à Constituição de 1934, assevera que13

,

Mas esse Estado, em razão de abalos ideológicos e pressões não menos

graves de interesses contraditórios ou hostis, conducentes a enfraquecer a

eficácia e a juridicidade dos direitos sociais na esfera objetiva das

concretizações, tem permanecido na maior parte de seus postulados

constitucionais uma simples utopia.

E, referindo-se à dificuldade de dar concreção aos direitos sociais, Paulo Bonavides,

ainda no século passado previa que14

,

Para lograr eficácia da socialidade jurídica ou da estatalidade social e evitar

que o estatuto básico tenha, como nas Constituições anteriores do século

XX, considerável parte do conteúdo de suas regras sobre direitos sociais

convertida em preceitos meramente programáticos, por inaplicabilidade e

decurso de tempo, o constituinte de 1988 instituiu um remédio novo de

processualística constitucional: o mandado de injunção, cujo raio de alcance

e relevância para a realidade jurídica brasileira só a averiguação

jurisprudencial de sua aplicação poderá amanhã determinar.

Insta registrar, ainda, a denominada crise de inconstitucionalidade (terceira crise do

Estado Constitucional) em que há um verdadeiro desequilíbrio entre a Constituição formal e a

possibilidade, ou dificuldade, de concretização dos direitos sociais garantidos. Aduz

Bonavides15

que “se perde por inteiro o senso de proporção entre os fins programáticos, cujo

exagero faz a sua concretização extremamente penosa, se não impossível, e os elementos de

eficácia e juridicidade das regras constitucionais propriamente ditas”.

Com a demonstração de insuficiência do modelo positivista, com o advento do

constitucionalismo contemporâneo e o reconhecimento de direitos fundamentais de segunda

dimensão, iniciou-se o desafio de conferir concretude à isonomia material prometida pelo

Estado Constitucional Democrático. Com isso, há quem sustente o surgimento da figura do

Juiz Social, aquele conhecedor da teoria material da Constituição e da legitimidade dos

direitos sociais, bem como seus postulados de justiça, universalidade, eficácia e aplicabilidade

imediata destes direitos fundamentais16

. Por outro lado, há aqueles que entendem que a

concretização dos direitos sociais depende de um diálogo constitucional entre os três poderes,

levar a um esvaziamento do direito”. Cf. voto do Ministro Gilmar Mendes proferido em BRASIL. Supremo

Tribunal Federal. Acórdão na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 3682. Relator(a): MENDES,

Gilmar. Publicado no DJ 06/09/2007.

13 BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 377.

14 Ibidem, p. 378.

15 Ibidem, p. 398. Complementa o autor que “A crise de inconstitucionalidade estala igualmente logo que o

constituinte já não sabe discernir entre o que deve ser e o que pode ser, tocante ao estabelecimento na

Sociedade de uma ordem fundamental onde se ajustem os preceitos formais da Constituição ao quadro das

realidades imperativas e circunjacentes, refratárias ao idealismo verbal dos revisores do sistema

constitucional”.

16 BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 618.

de forma que o Poder Judiciário possa aferir a possibilidade da restrição do direito

fundamental de segunda dimensão17

.

Ademais, a relação entre direitos fundamentais, Constituição e Estado, consiste na

concepção de que os direitos fundamentais, muito mais que limitação do poder estatal

(representado pelos burgueses liberais), constitui em verdadeiro critério de legitimação do

exercício do poder, na medida em que o poder só existe com o fito de realizar e concretizar os

direitos fundamentais do homem18

. Com isso, o exercício do poder governamental somente se

legitima na máxima eficácia dos direitos fundamentais, inclusive os de segunda dimensão,

razão pela qual todo e qualquer poder que se distancia da concretude destes direitos, no

entender dessa corrente, é ilegítimo e contrário à Constituição.

Konrad Hesse, em sua célebre obra “A força normativa da Constituição”, defende

que a Constituição não é mera folha de papel como sustentou Lassalle, mas sim um diploma

jurídico integrante da ciência jurídica no ramo de Direito Constitucional. Ademais, sustenta o

autor que esse ramo do direito integra o rol de ciência normativa, justamente pela natureza

normativista da Carta Magna19

.

Para Hesse20

,

O Direito Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal justa,

cumprindo-lhe tão somente a miserável função – indigna de qualquer ciência

– de justificar as relações de poder dominantes. Se a Ciência da Constituição

adota essa tese e passa a admitir a Constituição real como decisiva, tem-se a

sua descaracterização como ciência normativa, operando-se a sua conversão

numa simples ciência do ser. Não haveria mais como diferenciá-la da

Sociologia ou da Ciência Política.

A questão apresentada importa para a caracterização da força normativa da

Constituição, especificamente para concluir se a Constituição jurídica se sobrepõe à realidade

político-social ou Constituição real21

.

17

SILVA, Virgílio Afonso da, op. cit., p. 250-251. Sustenta o autor que “Se toda não-realização de direitos que

exigem uma intervenção estatal é uma forma de restrição ao âmbito de proteção desses direitos, a consequência

natural, como ocorre em todos os casos de restrições a direitos fundamentais, é uma exigência de

fundamentação. Restrição fundamentada é restrição possível; restrição não-fundamentada é violação. [...].

Para dar ensejo a alguma intervenção do Judiciário nesse âmbito, não basta que se verifique que uma ação que

poderia eventualmente realizar um direito fundamental não tenha sido realiada – [...]; é necessário, além dessa

verificação, que se analise se há, ou não há, fundamentação jurídico-constitucional para a omissão. Somente

nos casos de omissão infundada é que se poderia imaginar alguma margem de ação para os juízes nesse âmbito”.

18 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 58-59.

19 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p.

10-11.

20 Ibidem, p. 11.

21 Esse conceito de Constituição real é utilizado por Hesse, op. cit., p. 11.

Neste ponto, Hesse com extrema sabedoria expõe que22

:

Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor

tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem

efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta

segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os

questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se

puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se

afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se

presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos

principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de

poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur

Verfassung)”. (grifo do autor).

Assim, vislumbra-se a necessidade dos agentes públicos garantir a força normativa

da Constituição Federal, impulsionando-a e conduzindo-a a eficácia máxima e concretização

completa, sobretudo dos direitos sociais, conferindo força ativa ao texto constitucional23

.

A nova hermenêutica constitucional, que surge com a necessidade de estabelecer

formas especiais de interpretação da Carta Magna, sobretudo dos direitos fundamentais,

introduz uma nova roupagem ao conceito de concretização. Isso porque, o novo

constitucionalismo emprega preceitos normativos amplos, vagos, que exige do intérprete

criatividade para integrar a norma na esfera da eficácia e juridicidade do próprio

ordenamento, sob o risco de torná-la letra morta e fria24

. Torna-se imprescindível a

criatividade judicial a fim de alcançar a maior eficácia das normas constitucionais.

Além disso, é preciso incutir em todos os detentores do poder, agentes políticos e na

sociedade em geral a “vontade de Constituição”, a fim de garantir a preservação e o

fortalecimento da força normativa da Lei Fundamental25

.

Mauro Cappelletti elege a “revolta contra o formalismo” como causa do fenômeno

moderno do crescimento da criatividade judicial26

. Com a transformação do papel do Direito e

22

HESSE, Konrad, op. cit., p. 19.

23 Necessário registrar que HESSE, Konrad, op. cit., p. 24-26, impõe a satisfação de alguns pressupostos para

garantir a eficácia da Constituição.

24 BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 623. Esclarece o autor que “Na Velha Hermenêutica, regida por um

positivismo lógico-formal, há subsunção; em a Nova Hermenêutica, inspirada por uma teoria material de

valores, o que há é concretização; ali, a norma legal, aqui, a norma constitucional; uma interpretada, a outra

concretizada”.

25 HESSE, Konrad, op. cit., p. 19.

26 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993, p. 33.

Esclarece o autor que “Desnecessário acentuar que todas essas revoltas conduziram à descoberta de que,

efetivamente, o papel do juiz é muito mais difícil e complexo, e de que o juiz, moral e politicamente, é bem mais

responsável por suas decisões do que haviam sugerido as doutrinas tradicionais. Escolha significa

discricionariedade, embora não necessariamente arbitrariedade; significa valoração e ‘balanceamento’;

significa ter presentes os resultados práticos e as implicações morais da própria escolha; significa que devem

ser empregados não apenas os argumentos da lógica abstrata, ou talvez os decorrentes da análise linguística

do Estado moderno, bem como a instituição da Sociedade do Bem-Estar impôs a necessidade

de superação do formalismo judicial.

Com dito linhas alhures, com a demonstração da insuficiência do modelo positivista,

há quem sustente o surgimento da figura do Juiz Social, aquele conhecedor da teoria material

da Constituição e da legitimidade dos direitos sociais, bem como seus postulados de justiça,

universalidade, eficácia e aplicabilidade imediata destes direitos fundamentais27

.

No Brasil, especialmente após a promulgação da Constituição de 1988, o Poder

Judiciário deixou de ser visto como um departamento técnico-especializado do Estado para

alçar o lugar, devido, de poder político republicano. Com isso, o Poder Judiciário é

convocado, diuturnamente, para resolver litígios no campo político, econômico, social,

institucional etc, inclusive sobre as omissões legislativas e a carência de regulamentação dos

direitos fundamentais. Não descuramos que a solução dessa complexa gama de litígios exige

do magistrado uma alta dose de criativismo, ainda mais quando se defronta com omissões

legislativas esvaziadoras de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.

Discorrendo sobre essa transformação social, Cappelletti afirma que28

,

Constitui um dado da realidade que a legislação social ou de welfare conduz

inevitavelmente o estado a superar os limites das funções tradicionais de

“proteção” e “repressão”. O papel do governo não pode mais se limitar a ser

o de um “gendarme” ou “night watchman”; ao contrário, o estado social – o

“État providence”, como o chamam, expressivamente, os franceses – deve

fazer sua técnica de controle social que os cientistas políticos chamam de

promocional. Tal técnica consiste em prescrever programas de

desenvolvimentos futuros, promovendo-lhes a execução gradual, ao invés de

simplesmente escolher, como é típico da legislação clássica, entre “certo” e

“errado”, ou seja, entre o caso “justo” e o “injusto”, right and wrong. É

mesmo quando a legislação social cria por si mesma direitos subjetivos,

cuida-se mais de direitos sociais do que meramente individuais.

E, diante esse fenômeno moderno e complexo, sustenta Cappelletti que ao Juiz

compete dar sua contribuição na tentativa de tornar efetivos os direitos sociais, concretizando

as “finalidade e princípios”, especialmente “controlando e exigindo o cumprimento do dever

puramente formal, mas também e sobretudo aqueles d história e da economia, da política e da ética, da

sociologia e da psicologia. E assim o juiz não pode mais se ocultar, tão facilmente, detrás da frágil defesa da

concepção do direito como norma preestabelecida, clara e objetiva, na qual pode basear sua decisão de forma

‘neutra’. É envolvida sua responsabilidade pessoal, moral e política, tanto quanto jurídica, sempre que haja no

direito abertura para escolha diversa”.

27 BONAVIDES, Paulo, op. cit., p. 618.

28 CAPPELLETTI, Mauro, op. cit., p. 41.

do estado de intervir ativamente na esfera social, um dever que, por se prescrito

legislativamente, cabe exatamente aos juízes fazer respeitar” 29

.

Com a sabedoria que lhe é peculiar, Alexy30

pontua que,

na forma de direitos fundamentais sociais, que, do ponto de vista do direito

constitucional, são tão importantes que a decisão sobre garanti-las ou não

garanti-las não pode ser simplesmente deixada para a maioria parlamentar

simples.

Como acentuado pelo renomado autor31

, “[...], um tribunal constitucional não é, de

modo algum, impotente em face de um legislador omisso”, de forma que o Tribunal

Constitucional possui um papel preponderante na concretização dos direitos fundamentais de

segunda dimensão, a ponto de, em última instância haver a “determinação judicial direta

daquilo que é obrigatório em virtude da Constituição” 32

.

Por isso que defendemos que a jurisdição constitucional possui papel fundamental na

garantia da eficácia e máxima efetivação das normas constitucionais, sobretudo de direitos

sociais que impõe uma ação estatal (direitos sociais prestacionais), no contexto das omissões

legislativas. Isso porque, a despeito do célebre debate travado entre Hans Kelsen e Carl

Schimitt, aos Tribunais Constitucionais foi deferida a função precípua de guardiã da

Constituição3334

.

No Brasil, a Constituição Federal foi expressa em garantir que “Compete ao

Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe [...]” (art.

102). Portanto, entre nós, cabe ao Supremo Tribunal exercer a jurisdição constitucional, a

função de intérprete máximo da Constituição e garante de sua eficácia normativa.

No entanto, essa função constitucional potencializa um desconforto entre os poderes,

criando embaraços na distribuição das funções estatais (Judiciário, Executivo e Legislativo).

Isso porque, como exposto acima, em muitos casos o Poder Judiciário, diante da inércia do

legislador, é provocado para colmatar lacunas normativas que envolvem direitos sociais

prestacionais. O cidadão, em que pese a garantia constitucional do direito, se depara com a

impossibilidade jurídica de gozá-lo, por absoluta ausência de norma infraconstitucional. Nesta

29

CAPPELLETTI, Mauro, op. cit., p. 42.

30 ALEXY, Robert, op. cit., p. 511-512.

31 Ibidem, p. 514.

32 Ibidem, p. 514.

33 KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 237-298.

34 SCHIMITT, CARL. O guardião da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

hipótese, o sujeito detentor do direito subjetivo, socorre-se da prestação jurisdicional para

garantir-lhe o gozo da benesse prometida pelo Constituinte.

É neste momento que o Judiciário encontra dificuldades diversas para concretizar o

direito do autor. Todavia, não pode o julgador se eximir da prestação jurisdicional, ainda mais

quando se discute a exigibilidade dos direitos sociais prestacionais, em que a omissão

legislativa praticamente esvazia o direito subjetivo do jurisdicionado. Acentua-se, portanto, o

desenvolvimento da criatividade judicial, fenômeno que vem sendo amplamente discutido na

doutrina estrangeira e nacional35

.

E, para arrematar este tópico e ilustrar a importância da matéria, utilizo-me dos

ensinamentos do Ministro Gilmar Mendes, que afirmou ser36

,

salutar o esforço que se vem desenvolvendo, no Brasil, para descobrir o

significado, o conteúdo e a natureza desses institutos [mandado de injunção

e ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão]. Todos os que,

tópica ou sistematicamente, já se depararam com uma ou outra questão

atinente à omissão inconstitucional, há de ter percebido que a problemática é

de transcendental importância não apenas para a realização de diferenciadas

e legítimas pretensões individuais. Ela é fundamental, sobretudo, para a

concretização da Constituição como um todo, isto é, para a realização do

próprio Estado de Direito Democrático, fundado na soberania, na cidadania,

na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho, na iniciativa

privada, e no pluralismo político, tal como estabelecido no art. 1º da Carta

Magna. Assinale-se, outrossim, que o estudo da omissão inconstitucional é

indissociável do estudo sobre a força normativa da Constituição.

É nesse contexto social que posicionamos a destacada importância da jurisdição

constitucional para a concretização dos direitos fundamentais, especialmente os de segunda

dimensão de caráter prestacional.

2. Direitos sociais e a jurisprudência da jurisdição constitucional brasileira.

Neste momento, passamos a analisar alguns julgados do Supremo Tribunal Federal

selecionados especialmente para demonstrar a evolução da jurisprudência da Corte na solução

e integração das omissões legislativas impediditas do gozo dos direitos fundamentais de

segunda dimensão – direitos sociais.

Adiantamos que, neste tópico, nos limitamos à análise de julgados em mandados de

injunção, sem, contudo desprezar a relevância instrumental das ações declaratórias de

inconstitucionalidade por omissão no contexto da ineficácia dos direitos sociais.

35

É o denominado ativismo judicial.

36 Voto do Ministro Gilmar Mendes em BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Ação Declaratória de

Inconstitucionalidade n. 3682. Relator(a): MENDES, Gilmar. Publicado no DJ 06/09/2007.

E, para demonstrar a complexidade do tema e inquietude que a matéria causa nos

juízes da Corte Suprema – como também para a doutrina nacional e estrangeira -, cito as

sábias palavras do jurista e Ministro da Suprema Corte Gilmar Mendes37

,

É possível que a problemática atinente à inconstitucionalidade por omissão

constitua um dos mais tormentosos e, ao mesmo tempo, um dos mais

fascinantes temas do Direito Constitucional moderno. Ela envolve não só o

problema concernente à concretização da Constituição pelo legislador e

todas as questões atinentes à eficácia das normas constitucionais. Ela desafia

também a argúcia do jurista na solução do problema sob uma perspectiva

estrita do processo constitucional. Quando se pode afirmar a caracterização

de uma lacuna inconstitucional? Quais as possibilidades de colmatação dessa

lacuna? Qual a eficácia do pronunciamento da Corte Constitucional que

afirma a inconstitucionalidade por omissão do legislador? Quais as

consequências jurídicas da sentença que afirma a inconstitucionalidade por

omissão? Essas e outras indagações desafiam a dogmática jurídica aqui e

alhures.

Pois bem, superadas as explicações preliminares, observa-se que o Supremo Tribunal

Federal enfrentou pela primeira vez, em sede de mandado de injunção, as questões suscitadas

pelo controle de constitucionalidade por omissão total no mandado de injunção 107, da

relatoria do Ministro Moreira Alves, no ano de 1.99038

.

Tratava-se de mandado de injunção impetrado por militar contra o Presidente da

República para obter a suspensão de seu licenciamento do serviço ativo do exército por contar

mais de 9 (nove) anos de serviço na condição de oficial do exército brasileiro, sob a alegação

de faltar a lei a que alude o art. 42, § 9º da Constituição Federal.

O julgado recebeu a seguinte ementa:

Mandado de injunção. Estabilidade de servidor público militar. Artigo 42,

parágrafo 9º, da Constituição Federal. Falta de legitimação para agir. Esta

Corte, recentemente, ao julgar o mandado de injunção 188, decidiu por

unanimidade que só tem legitimatio ad causam¸em se tratando de mandado

de injunção, quem pertença a categoria a que a Constituição Federal haja

outorgado abstratamente um direito, cujo exercício esteja obstado por

omissão com mora na regulamentação daquele. Em se tratando, como se

trata, de servidores públicos militares, não lhes concedeu a Constituição

Federal direito à estabilidade, cujo exercício dependa de regulamentação

desse direito, mas, ao contrário, determinou que a lei disponha sobre a

estabilidade dos servidores públicos militares, estabelecendo quais os

requisitos que estes devem preencher para que adquiram tal direito.

Precedente do STF: MI 235. Mandado de injunção não conhecido.

37

Voto do Ministro Gilmar Mendes em BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Ação Declaratória de

Inconstitucionalidade n. 3682. Relator(a): MENDES, Gilmar. Publicado no DJ 06/09/2007.

38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 107. Relator: ALVES, Moreira.

Publicado no DJ 02/08/1991.

No julgamento, os Ministros decidiram por denegar o mandado de injunção, fortes

no argumento de que o autor não demonstrou sua legitimidade ativa para pleitear o direito

invocado. No entanto, nos votos dos eminentes Ministros da Corte Constitucional percebe-se

a preocupação em se estabelecer a natureza, a finalidade e as consequências do mandado de

injunção, sobretudo no contexto da eficácia dos direitos fundamentais.

Destaco, para ilustrar a afirmativa, o voto do Ministro Carlos Velloso, que

oportunamente afirmou39

,

Sustento a tese no sentido do caráter substancial do mandado de injunção,

pelo que faz o mesmo as vezes da norma infraconstitucional ausente e

integra o direito ineficaz, ineficaz em razão da ausência da norma

regulamentadora, à ordem jurídica. Quer dizer, mediante o mandado de

injunção, o juiz cria, para o caso concreto, a norma viabilizadora do

exercício do direito, ou, como ensina Celso Barbi, adota “uma medida capaz

de proteger o direito reclamado”, solução que se põe de “acordo com a

função tradicional da sentença, que é resolver o caso concreto levado ao

Poder Judiciário, mas limitando a eficácia apenas a esse caso, sem pretender

usurpar funções próprias de outros poderes.” (Conf. Meu artigo “As Novas

Garantias Constitucionais”, RDA, 177/14, 24). Divirjo, portanto, data vênia,

do entendimento segundo o qual com o mandado de injunção obtém-se o

mesmo que se obtém com a ação direta de inconstitucionalidade por

omissão, procedente a ação do mandado de injunção, simplesmente dá-se

ciência ao órgão incumbido de elaborar a norma regulamentadora de que

está ele omisso. Esse entendimento, data vênia, esvazia a nova garantia

constitucional do mandado de injunção, que tem por escopo, segundo está na

Constituição, art. 5º, LXXI, viabilizar o exercício de direito e liberdade

constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à

cidadania. (Grifo do autor).

Portanto, em que pese os Ministros terem decidido por não conhecer do mandado de

injunção, percebe-se a inquietação dos Ministros e o surgimento de uma corrente no âmbito

da Corte Constitucional que visava garantir ao cidadão o direito reclamado, em detrimento do

entendimento de que competiria ao Poder Judiciário, tão somente, declarar a mora e

comunicar ao legislador sobre a gravidade de sua inércia – sedimentada naquela oportunidade.

No entanto, como antecipado, apesar de iniciado o debate, prevaleceu no Supremo e

assim firmou-se sua jurisprudência, no sentido de que em mandado de injunção a Corte

deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da omissão e determinar que o legislador

empreendesse as providências pertinentes40

.

39

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 107. Relator: ALVES, Moreira.

Publicado no DJ 02/08/1991.

40 MENDES, Gilmar F.; BRANCO, Paulo G. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013,

p. 1183.

Em seguida, ainda no ano de 1991, a Suprema Corte brasileira, voltou a enfrentar o

tema em outro mandado de injunção41

, em que o impetrante pretendia obter norma

individualizada que substituísse, enquanto permanecesse em mora o Poder Legislativo, a lei

destinada a disciplinar a “reparação de natureza econômica”, a que fazia alusão o § 3º do art.

8º da ADCT, que mandava conceder aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida

civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério

da Aeronáutica n. S-50-GM5 de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GMS reparação de natureza

econômica, “na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em

vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição” (art. 8º, § 3º da

ADCT), desta vez sob a relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence,

Neste precedente, a Corte Constitucional, sopesou que a persistência da omissão

legislativa poderia acarretar frustração irreparável à expectativa de gozo pelo impetrante da

prestação reparatória devida pela União, cabendo acautelá-lo dos riscos da demora, na medida

do possível42

.

E, traçando um breve paralelo, porém estabelecendo as devidas distinções, entre

mandado de injunção e ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, o Ministro

Carlos Velloso, com sapiência peculiar, verberou que43

,

No mandado de injunção, reconhecendo o juiz ou tribunal que o direito

inviável, em razão da ausência de norma infraconstitucional, fará ele, juiz ou

tribunal, por força do próprio mandado de injunção a integração do direito

à ordem jurídica, assim tornando-a eficaz e exercitável (C.F., art. 5º, LXXI).

(grifo do autor).

E, avançando na formação da jurisprudência afinada com o novo Estado – de Bem-

Estar Social - e do constitucionalismo contemporâneo – garante dos direitos e liberdades

fundamentais -, a Corte Constitucional além de reconhecer a mora do legislador

infraconstitucional, fixou o prazo de 60 (sessenta) dias para a supressão da lacuna e, caso não

suprida, garantiu ao impetrante o seu direito à indenização pelas vias ordinárias, a ser fixada

diante o caso concreto. Enfim, a Corte Suprema avançou para permitir a concretização do

direito constitucionalmente previsto, mesmo sem a lei regulamentadora.

Vejamos a ementa44

:

41

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 283. Relator: PERTENCE,

Sepúlveda. Publicado no DJ 14/11/1991.

42

Ibidem. 43

Voto do Ministro Carlos Velloso em Ibidem.

44 Ibidem.

Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo

do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8º, § 3º,

ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação

da mora e, caso subsista a lacuna, facultado o titular do direito obstado a

obter, em juízo, contra a União, sentença líquida de indenização por perdas e

danos. [...]. 2. A norma constitucional invocada [...] – vencido o prazo nela

previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar

mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo

constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada. 3.

Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado é a entidade estatal à

qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu

exercício, é dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos

mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado

contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo

razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação

provisória do seu direito. 4. Premissas, de que resultam, na espécie, o

deferimento do mandado de injunção para: a) declarar em mora o legislador

com relação à ordem de legislar contida no art. 8º, § 3º, ADCT,

comunicando-o ao Congresso Nacional e à Presidência da República; b)

assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de

que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o

prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a

faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença

líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e

danos que se arbitrem; d) declarar que, prolatada a condenação, a

superveniência de lei não prejudicará a coisa julgada, que, entretanto, não

impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em

que lhe for mais favorável.

Em outro episódio, de grande valor para a concretização dos direitos fundamentais de

segunda dimensão, o Supremo Tribunal Federal enfrentou, mais uma vez, o tema com

sublime sabedoria em mandado de injunção em que o Sindicato dos Servidores Policiais Civis

do Espírito Santo – SINDIPOL objetivava o reconhecimento do direito de greve da categoria,

com base na Lei federal 7.783/89, dada a falta de norma regulamentadora da disposição

contida no inciso VII do art. 37 da Constituição de 1.98845

.

Tratava-se de típica omissão legislativa referente a direito social garantido pelo

Constituinte que estatuiu “o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos

em lei específica” (art. 37, VII).

A inspiradora ementa do julgado irradia sabedoria ao afirmar que46

,

Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial

inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente

fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia

fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes,

o Tribunal passou a admitir soluções ‘normativas’ para a decisão judicial

45

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 670. Relator(a) para acórdão:

MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 31/10/2008.

46 Ibidem.

como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5º,

XXXV).

Assumindo uma postura ativa na solução da omissão legislativa - esvaziadora do

direito fundamental de segunda dimensão -, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a

permanência da situação de ausência de regulamentação do direito de greve poderia ensejar

grave risco de consolidação de uma típica “omissão judicial” 47

.

A Corte Suprema destacou a gravidade da omissão deliberada do legislador que

decorrido quase 19 (dezenove) anos da promulgação da Constituição sem a devida

concretização, pelo Congresso Nacional, do direito esculpido no art. 37, VII, da Carta Magna

e as reiteradas declarações de mora legislativa pelo Supremo48

, poderia, inclusive consolidar

uma, inadmissível, omissão judicial na concretização dos direitos fundamentais.

Portanto, verificava-se, na espécie, uma inércia deliberada do Congresso Nacional,

que insistia em não regulamentar o direito fundamental, mesmo após, aproximados 13 (treze)

anos do reconhecimento da omissão do legislador.

Salientou-se a Suprema Corte a possibilidade de adoção de medidas normativas

“como alternativa legítima de superação de omissões inconstitucionais, sem que a proteção

judicial efetiva a direitos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de separação de

poderes (CF, art. 2º)” 49

.

O Ministro Gilmar Mendes foi categórico ao afirmar que “não estou a defender aqui

a assunção do papel do legislador positivo pelo Supremo Tribunal Federal”. E, ressaltando a

importância do debate e referindo-se às omissões legislativas parciais e às sentenças aditivas

do direito italiano, afirmou que “denota-se que se está no caso do direito de greve dos

servidores, diante de hipótese em que a omissão constitucional reclama uma solução

diferenciada”. E concluiu que “O que se propõe, portanto, é uma mudança de perspectiva

quanto às possibilidade jurisdicionais de controle de constitucionalidade das omissões

legislativas” 50

.

Por oportuno, constata-se que a inércia estatal em adimplir as imposições

constitucionais traduziu em um inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição,

47

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 670. Relator(a) para acórdão:

MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 31/10/2008.

48 O Supremo Tribunal Federal já havia declarado a mora legislativa do Congresso Nacional no ano de 1994, ao

julgar o MI 20/DF.

49 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 670. Relator(a) para acórdão:

MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 31/10/2008.

50 Voto do Ministro Gilmar Mendes em Ibidem.

configurando comportamento inadequado do legislador que deve ser combatido pelos demais

poderes que formam a república federativa do Brasil.

Fortes nesses argumentos, a Corte Suprema arrematou o julgado nos seguintes

termos51

,

Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da

omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em

respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta)

dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. 6.7. Mandado de

injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima

especificados, determinar a aplicação das Leis nº 7.701/1988 e 7.783/1989

aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de

greve dos servidores públicos civis.

Com isso, observa-se que o Supremo Tribunal Federal colmatou a lacuna existente

para garantir aos servidores públicos o direito fundamental de segunda dimensão a praticarem

o movimento grevista, aplicando as Leis 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações

judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.

Não poderíamos deixar de apontar também, ante a sua significativa relevância, o

julgamento do mandado de injunção nº 72152

.

Na espécie, trata-se de mandado de injunção impetrado por servidora do Ministério

da Saúde, ocupante da função de auxiliar de enfermagem desde outubro de 1986, trabalhando

em condições insalubres há mais de 25 anos, em contato direto com agentes nocivos à saúde,

como portadores de moléstias infectocontagiosas, material e objetos contaminados,

sustentando que a ausência de lei complementar a que se refere o art. 40, § 4º da Constituição

Federal, tornava inviável o exercício do seu direito à aposentadoria especial.

Neste julgado, a Corte Suprema, perfilhando posicionamento que consagrou a

evolução da jurisprudência do Supremo, colmatou a lacuna e aplicou analogicamente o

disposto do art. 57, § 1º, da Lei 8.213/91 para garantir à servidora pública o direito a

aposentadoria especial, constitucionalmente previsto (art. 40, § 4º).

O Ministro Marco Aurélio, ao proferir seu voto registrou que “Cabe ao Supremo,

porque autorizado pela Carta da República a fazê-lo, estabelecer para o caso concreto e de

forma temporária, até a vinda da lei complementar prevista, as balizas do exercício do direito

assegurado constitucionalmente” 53

.

51

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 670. Relator(a) para acórdão:

MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 31/10/2008.

52 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 721. Relator: AURÉLIO, Marco.

Publicado no DJ 30/11/2007.

53 Voto do Ministro Marco Aurélio em Ibidem.

Esclareceu o culto jurista que não havia que se confundir a atuação do Supremo com

a atividade do legislativo, obtemperando que “O pronunciamento judicial faz lei entre as

partes, como qualquer pronunciamento em processo subjetivo, ficando, até mesmo, sujeito a

uma condição resolutiva, ou seja, ao suprimento da lacuna regulamentadora por quem de

direito, Poder Legislativo” 54

.

Pertinentes também foram as observações pontuadas pelo Ministro Eros Grau,

afirmando que “Importa verificarmos é se o Supremo Tribunal Federal emite decisões

ineficazes; decisões que se bastam em solicitar ao Poder Legislativo que cumpra o seu dever,

inutilmente” 55

.

Com isso, o Supremo Tribunal Federal reafirma seu posicionamento para integrar o

direito e suprir a lacuna existente no sistema normativo de direitos e garantias fundamentais

ante a omissão deliberada do legislador infraconstitucional, prejudicial ao gozo do direito

fundamental por parte do cidadão, determinando a aplicação do art. 57, § 1º, da Lei 8.213/91,

até que sobrevenha normatização específica.

O julgado recebeu a seguinte ementa:

MANDADO DE INJUNÇÃO – NATUREZA. Conforme disposto no inciso

LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de

injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades

constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à

cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de

omissão. A carga de declaração não é objeto de impetração, mas premissa da

ordem a ser formalizada. MADADO DE INJUNÇÃO – DECISÃO –

BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia

considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA –

TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS – PREJUÍZO Á SAÚDE DO

SERVIDOR – INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR – ARTIGO

40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina

específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via

pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – artigo

57, § 1º, da Lei 8.213/91.

Por fim, representativo do maior grau de evolução da jurisprudência da Corte

Suprema brasileira, temos o julgamento do mandado de injunção nº 94356

, da relatoria do

Ministro Gilmar Mendes.

In casu, tratava-se de mandado de injunção impetrado contra suposta omissão na

edição da lei prevista no artigo 7º, XXI, da Constituição da República, que garantia ao

54

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 721. Relator: AURÉLIO, Marco.

Publicado no DJ 30/11/2007.

55 Ibidem.

56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 943. Relator(a) para acórdão:

MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 20/06/2014.

trabalhador o direito ao aviso prévio proporcional, nos seguintes termos: “aviso-prévio

proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei”.

No entanto, o caso concreto contava com uma característica singular, qual seja a

ausência total de parâmetro normativo para colmatação da lacuna legislativa. Isso porque, ao

contrário dos precedentes do direito de greve57

e da aposentadoria especial58

, o aviso prévio

proporcional não possuía qualquer parâmetro normativo infraconstitucional pré-estabelecido

ou qualquer outro critério razoável para utilização provisória na integração do vácuo

normativo.

No transcorrer do julgamento, os Ministros, fixados que seria concedida a ordem e da

necessidade de concretização do direito constitucional subjetivo, levantaram várias propostas

criando critérios proporcionais e razoáveis para garantir o direito do impetrado. No entanto,

por prudência e com a finalidade de consolidar as diversas propostas para alcançarem uma

solução conciliatória das várias vertentes apontadas, a Corte decidiu suspender o julgamento.

Enfim, o Supremo estava decidido a concretizar o direito do impetrante, mesmo sem

parâmetro normativo pré-existente. Ocorre que, antes da reinclusão do julgamento em pauta, o

Congresso Nacional aprovou e o Executivo promulgou a Lei 12.506/11, regulamentado o

instituto do aviso-prévio (art. 7º, XXI, da CF).

Verificou-se que a suspensão da sessão de julgamento impulsionou o Congresso

Nacional a regulamentar o direito ao aviso-prévio proporcional dos trabalhadores brasileiros,

preenchendo um vácuo legislativo de mais de 20 (vinte) anos.

Por fim, percebe-se, também, da análise do julgado, que a Corte Suprema perfilhou

do seu novo entendimento para aplicar a técnica de sentença aditiva, utilizada no direito

italiano, indicando que nos julgamentos dos mandados de injunção irá garantir a máxima

efetividade dos diretos e garantias constitucionais, imprimindo força normativa à Constituição

Federal.

Conferimos a ementa:

Mandado de injunção. 2. Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço.

Art. 7º, XXI, da Constituição Federal. 3. Ausência de regulamentação. 4.

Ação julgada procedente. 5. Indicação de adiamento com vistas a consolidar

proposta conciliatória de concretização do direito ao aviso prévio

proporcional. 6. Retomado o julgamento. 7. Advento da Lei 11.506/2011,

que regulamentou o direito ao aviso prévio proporcional. 8. Aplicação

judicial de parâmetros idênticos aos da referida legislação. 9. Autorização

57

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 670. Relator(a) para acórdão:

MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 31/10/2008.

58 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção n. 721. Relator: AURÉLIO, Marco.

Publicado no DJ 30/11/2007.

para que os ministros apliquem monocraticamente esse entendimento aos

mandados de injunção pendentes de julgamento, desde que impetrados antes

do advento da lei regulamentadora. 10. Mandado de injunção julgado

procedente.

Pois bem! É certo que, após o julgamento do Mandado de Injunção nº 107, da

relatoria do Ministro Moreira Alves, DJ 21.9.1990, leading case na matéria relativa à

omissão, a Corte passou a proporcionar profundas alterações no instituto do mandado de

injunção, conferindo-lhe conformação mais ampla e eficaz, afinando-se com o

posicionamento da moderna doutrina de direitos fundamentais, especialmente no ponto

relacionado aos direitos sociais prestacionais.

Podemos perceber que a Corte Suprema brasileira, sem imiscuir na função legislativa

(expressamente lembrado pelo Ministro Gilmar Mendes), reconhece a insuficiência da

orientação inicialmente perfilhada e avança para garantir eficácia aos direitos fundamentais

garantidos aos cidadãos.

As decisões proferidas nos Mandados de Injunção nº 283, 670, 721 e 943, sinalizam

inequivocamente para uma nova compreensão do instituto e a admissão de uma solução

normativa para a decisão judicial, com o fito de afastar a famigerada omissão do Poder

Legislativo em seu dever de regulamentar e garantir total eficácia aos direitos fundamentais.

As decisões analisadas neste trabalho sugere que o Supremo Tribunal Federal aceitou

a possibilidade de regular provisoriamente as omissões legislativas que frustram o gozo de

direitos e liberdade constitucionais pelo Poder Judiciário, invocando a técnica da sentença

aditiva utilizada pela doutrina italiana59

.

Conclusão

Com a consolidação do Estado de Bem-Estar Social através do Estado Constitucional

Democrático, e com a elevação dos direitos fundamentais como direitos subjetivos exigíveis

do poder público, com aplicabilidade imediata e direta, sem descurar das opiniões que

defendem a necessidade de respeitar as restrições fáticas e jurídicas dos direitos fundamentais,

percebemos a importância de se garantir a eficácia máxima das normas constitucionais,

sobretudo das alusivas a direitos fundamentais de segunda dimensão.

59

Voto do Ministro Gilmar Mendes em BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Mandado de Injunção

n. 943. Relator(a) para acórdão: MENDES, Gilmar. Publicado no DJe 20/06/2014.

Não desprezamos as dificuldades em concretizar os direitos sociais, tanto que o

legislador infraconstitucional, em diversos casos, preferiu não regulamentar o direito

constitucional, criando um vácuo legislativo impedidito do gozo do direito fundamental.

No entanto, no constitucionalismo contemporâneo vislumbra-se a origem do Juiz

Social, que superando as dificuldades fáticas e jurídicas, imbui-se na sublime função de

concretizar a Constituição Federal em sua totalidade, dando-lhe espírito, corpo e vida. E esse

fenômeno vem acompanhado da nova hermenêutica constitucional, instrumento

imprescindível para a sobrevivência da Constituição.

Ademais, debitamos singular relevância na jurisdição constitucional, que no Direito

brasileiro é conferida ao Supremo Tribunal Federal, vez que a ela é dada a tormentosa tarefa

de garantir a máxima eficácia e efetividade da Constituição, sobretudo diante a inércia de um

dos poderes em regulamentar os direitos fundamentais conferidos pela Constituição Federal

de 1988.

Enfim, a omissão inconstitucional do legislador ordinário no tocante a concretização

dos direitos fundamentais é um fenômeno que precisa ser combatido pelos demais poderes da

república que, dentro dos parâmetros da divisão dos poderes, devem buscar soluções eficazes

e criativas para colmatar as lacunas legislativas que frustram os direitos dos cidadãos

brasileiros.

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