OS EIXOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA...

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB Instituto de Ciências Humanas - IH Departamento de Geografia - GEA Márcia Cristofio da Silva OS EIXOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA IIRSA: UMA ANÁLISE DE REGIONALIZAÇÃO Brasília 2013

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  • UNIVERSIDADE DE BRASLIA - UnB

    Instituto de Cincias Humanas - IH

    Departamento de Geografia - GEA

    Mrcia Cristofio da Silva

    OS EIXOS DE INTEGRAO E DESENVOLVIMENTO DA IIRSA: UMA ANLISE

    DE REGIONALIZAO

    Braslia

    2013

  • 2

    Mrcia Cristofio da Silva

    OS EIXOS DE INTEGRAO E DESENVOLVIMENTO DA IIRSA: UMA ANLISE

    DE REGIONALIZAO

    Monografia de final de curso submetida ao

    Departamento de Geografia da Universidade de

    Braslia como parte dos requisitos necessrios para

    obteno do grau de Bacharel em Geografia.

    Orientadora: Profa. Dra. Marlia Steinberger

    Braslia

    2013

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    Mrcia Cristofio da Silva

    OS EIXOS DE INTEGRAO E DESENVOLVIMENTO DA IIRSA: UMA ANLISE

    DE REGIONALIZAO

    Monografia de final de curso submetida ao

    Departamento de Geografia da Universidade

    de Braslia como parte dos requisitos

    necessrios para obteno do grau de Bacharel

    em Geografia.

    Banca Examinadora

    ____________________________________________________

    Profa. Dra. Marlia Steinberger (Orientadora) UnB

    ____________________________________________________

    Prof. Dr. Fernando Luiz Arajo Sobrinho UnB

    ____________________________________________________

    Dr. Leandro Freitas Couto MPOG

    Aprovado em: 01/08/2013

    Braslia

    2013

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    Aos meus amados pais

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    A professora Dra. Marlia Steinberger, pelas sugestes, contribuies, criatividade,

    ensinamentos e confiana. No s durante a realizao deste trabalho, mas em toda nossa

    convivncia. Eu no seria uma gegrafa sem ela.

    Ao meu namorado e companheiro, Jos Roberto, pelo apoio, contribuio e pacincia. Eu no

    teria conseguido sem voc.

    Aos meus pais, Carlos Luiz e Gladi, pelo amor, apoio, pacincia, ajuda e expectativas. O que

    sou hoje, e serei no futuro, devo a vocs.

    A minha irm, Carla, e sobrinha, Marina, pelos momentos de descontrao e carinho.

    Aos meus amigos, Ana Paula Carneiro, Ananda Santa Rosa, Brisly Freitas, Elissa Massote,

    Elton Dantas, Fernanda de Figueiredo, Isabella Toguchi e Jos Feliciano. Obrigada por tudo.

    Aos meus amigos e chefes durante o estgio no ICMBio, Tnia Maria e Mackinley Lobato, o

    carinho, ateno, considerao e conhecimento que recebi de vocs jamais ser esquecido.

    Ao senhor Bolvar Pgo, pela ajuda e ateno durante a pesquisa deste trabalho no IPEA.

    Aos membros da banca Professor Dr. Fernando Luiz Arajo Sobrinho e Dr. Leandro Freitas

    Couto, pela contribuio ao trabalho.

  • 6

    RESUMO

    Considerando a dinmica socioespacial imposta pelo modo de produo capitalista no

    continente sul-americano, o presente trabalho tem como objetivo identificar se os Eixos de

    Integrao e Desenvolvimento (EIDs) da Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura

    Regional Sul Americana (IIRSA) constituem uma regionalizao da Amrica do Sul. E, caso

    a hiptese seja verdica, apontar o tipo de regionalizao existente nos eixos. Para isso ser

    necessrio uma contextualizao do regionalismo e da integrao sul-americana ao longo dos

    sculos XIX e XX at a criao da IIRSA. No mbito da IIRSA, o trabalho consiste na anlise

    da elaborao e implantao do EID, com o intuito de identificar uma possvel regionalizao

    a partir dos eixos, que sero analisados pelas diferentes concepes de regio ao longo do

    pensamento geogrfico.

    Palavras-chave: Amrica do Sul. Eixos de Integrao e Desenvolvimento. Desenvolvimento

    Regional. Regio. Regionalizao.

  • 7

    ABSTRACT

    Considering the socio-spacial dynamics imposed by the capitalism mode of production in the

    South American Continent, the present work intends to identify if the Integration and

    Development Hubs (EIDs) of the Initiative for the Integration of Regional Infrastructure in

    South America (IIRSA) constitute a regionalization in South America. If the hypotesis is

    proved, highlight the type of regionalization present in the Hubs. Therefore, there is a

    demanding of a contextualization of the regionalism and the South americas integration

    through the XIX and XX centurys until IIRSAs development. For what concerns IIRSA, the

    work consists in the elaborations and implantations analysis of EIDs, intending to identify a

    possible regionalization from the hubs, that will be analyzed through different concepts of

    region by means of geographic thought.

    Key-words: South Amercia. Integration and Development Hubs. Regional Development.

    Region. Regionalization.

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    LISTA DE FIGURAS

    Mapa 1 - Eixos de Troca na Amrica do Sul em 2000

    Mapa 2 - Eixos de Troca na Amrica do Sul em 2000

    Mapa 3 - rea, Populao e PIB da Amrica do Sul em 2011

    Mapa 4 - Densidade Demogrfica e PIB per capita anual da Amrica do Sul de 2011

    Mapa 5- Exportaes Intrarregionais - Categoria de Bens

    Mapa 6 - Exportaes para o Resto do Mundo - Categoria de Bens

    Mapa 7- Eixos Nacionais de Integrao e Desenvolvimento

    Mapa 8- Eixos Andino e MERCOSUL

    Quadro 1 - Evoluo da IIRSA desde 2000: Principais Elementos (Fonte: 10 anos de IIRSA,

    2010)

    Quadro 2 - Estrutura Institucional da IIRSA

    Quadro 3 - Evoluo dos Eixos de Integrao e Desenvolvimento da Amrica do Sul

    LISTA DE SIGLAS

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    AIC - Agenda de Implementao Consensual

    ALADI - Associao Latino-Americana para o Desenvolvimento de Integrao

    ALALC - Associao Latino-Americana de Livre Comrcio

    BCSD-LA - Business Council for Sustainable Development - Latin America

    BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BIRD - Banco Mundial

    BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    CAEMI - Companhia Auxiliar de Empresas de Minerao

    CAF - Corporao Andina de Fomento

    CAN - Comunidade Andina de Naes

    CASA - Comunidade Sul-Americana de Naes

    CCT - Comit de Coordenao Tcnica

    CDE - Comit de Direo Executiva

    CEPAL - Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe

    CVRD - Companhia Vale do Rio Doc

    ECOSOC - Conselho Econmico e Social das Naes Unidas

    EID - Eixo de Integrao e Desenvolvimento

    ENID - Eixo Nacional de Integrao e Desenvolvimento

    FMI - Fundo Monetrio Internacional

    FONPLATA - Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata

    GATT - Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comrcio

    GTE - Grupo Tcnico Executivo

    IIRSA - Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul Americana

    MERCOSUL - Mercado Comum do Sul

    OEA - Organizao dos Estados Americanos

    OMC - Organizao Mundial de Comrcio

    PIB - Produto Interno Bruto

    PPA - Plano Plurianual

    PSI - Processo Setorial de Integrao

    UNASUL - Unio das Naes Sul-Americanas

  • 10

    SUMRIO

    INTRODUO ........................................................................................................................ 11

    Apresentao do Tema e da Questo ........................................................................................ 11

    Justificativa e Objetivos ........................................................................................................... 12

    Procedimentos Metodolgicos ................................................................................................. 13

    1. ANTECEDENTES DA IIRSA ....................................................................................... 14

    1.1 Regionalismo e Integrao na Amrica Latina ......................................................... 14

    1.2 Integrao regional e Infraestrutura ......................................................................... 18

    2. FORMAO E ATUAO DA IIRSA ....................................................................... 30

    2.1 A Formao da IIRSA ................................................................................................. 30

    2.2. Origem dos Eixos de Integrao e Desenvolvimento .................................................... 34

    2.2.1 Cintures de Desenvolvimento ............................................................................... 35

    2.2.2 Estudo dos Eixos ...................................................................................................... 36

    2.2.3 Eixos de Integrao e Desenvolvimento da Amrica do Sul ................................ 40

    3. CONCEPES DE REGIO E REGIONALIZAO ............................................. 45

    3.1. Precursores e Regio na Geografia Clssica ............................................................. 46

    3.2 Regio na Nova Geografia Quantitativa ................................................................... 51

    3.3 Regio na Geografia Crtica ....................................................................................... 56

    4. REGIO E REGIONALIZAO NOS EIXOS DE INTEGRAO E

    DESENVOLVIMENTO DA IIRSA. ..................................................................................... 62

    4.1 Princpios gerais de regio .......................................................................................... 62

    4.2 Princpios Gerais de Regionalizao .......................................................................... 63

    4.3 Regio e Regionalizao dos Eixos de Integrao e Desenvolvimento da IIRSA .. 65

    CONCLUSO .......................................................................................................................... 71

    BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 72

  • 11

    INTRODUO

    Apresentao do Tema e da Questo

    As dinmicas socioespaciais do mundo globalizado so de interesse da maioria dos

    gegrafos contemporneos. A compreenso da organizao espacial no contexto atual e seus

    fenmenos permite maior entendimento de como o modo de produo capitalista e a

    internacionalizao da economia pem a regio em constante reconstruo.

    Algumas economias se sobressaem perante outras, o que leva ao questionamento de

    como o mesmo modelo de produo instalado em diversos pases causa tamanha

    desigualdade. Neste estudo, o questionamento gira em torno da Amrica Latina, mas mais

    especificamente da Amrica do Sul. Desde o incio do sculo XX a desigualdade entre as

    economias centrais e perifricas se tornou motivo de preocupao dos lderes

    latinoamericanos e tema de discusso nos principais fruns mundiais.

    Tornou-se evidente que os mesmos modelos de produo utilizados nos pases

    desenvolvidos no funcionariam da mesma forma ao serem aplicados nos pases em

    desenvolvimento. No caso da Amrica Latina, a Comisso Econmica para a Amrica Latina

    e o Caribe (CEPAL) desenvolveu diversos estudos para promoo das economias

    latinoamericanas. A CEPAL elaborou estratgias de desenvolvimento regional mediante o

    contexto a que estavam inseridas as teorias econmicas. Antes do pice da internacionalizao

    das economias, acreditava em um desenvolvimento mais recluso voltado apenas para as

    prprias economias latinoamericanas. Com o advento da globalizao seus estudos passaram

    a pesquisar a melhor forma de inserir as economias ainda frgeis em um mercado global e

    voraz.

    nesse contexto que o presente trabalho se volta para Amrica do Sul, e, mais

    especificamente, para os projetos de desenvolvimento econmico do continente. O enfoque

    principal na Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA)

    e em seus Eixos de Integrao e Desenvolvimento (EIDs).

    A proposta da IIRSA consiste em construir um espao econmico integrado na

    Amrica do Sul atravs da integrao da infraestrutura fsica e acordos polticos multilaterais.

    Para isso a Iniciativa adaptou a metodologia utilizada nos Eixos Nacionais de

    Desenvolvimento (ENIDs) existentes como poltica de governo do ento presidente na poca

    Fernando Henrique Cardoso.

  • 12

    A adaptao da metodologia dos ENIDs para os EIDs levou a elaborao de cartilhas

    de projetos de infraestrutura baseados nos fluxos comerciais que cortavam o continente sul-

    americano. Essa organizao espacial do continente despertou a associao entre os

    componentes de organizao dos EIDs e as concepes de regio e regionalizao na

    geografia.

    O que leva questo proposta: Os projetos propostos e agrupados em EIDs pela

    IIRSA correspondem a uma regionalizao da Amrica do Sul? Para responder a essa

    indagao necessrio realizar uma reviso nas concepes de regio e regionalizao ao

    longo do pensamento geogrfico, destacando em cada corrente suas caractersticas e mtodos.

    Justificativa e Objetivos

    A interveno do modo de produo capitalista no espao feita de diversas formas,

    o que resulta em formaes socioespaciais distintas e complexas. Compreender a atuao da

    Amrica do Sul na economia capitalista globalizada requer ateno nas variveis e nos

    fenmenos caracterizantes do continente. No caso da IIRSA, os doze pases integrantes

    possuem polticas de desenvolvimento regional comum para o que considerada, pelo Banco

    Interamericano, uma regio geoeconmica nica.

    Ao considerar que os EIDs podem caracterizar uma regionalizao da Amrica do

    Sul, pode-se apontar uma nova abordagem, ou aprofundamento da abordagem existente, do

    ponto de vista terico e tcnico de delimitao dos eixos. A partir do momento em que se

    identificam as caractersticas da regionalizao, ou a no regionalizao, da Amrica do Sul

    atravs dos eixos, pode-se apontar novas abordagens baseadas na teoria geogrfica. O que

    leva a contribuies na metodologia de construo, implantao e tambm integrao entre os

    eixos. Ou seja, a utilizao de um referencial terico cientfico direcionado para a anlise do

    territrio e que vem sendo desenvolvido por vrios autores ao longo dos anos, j que a

    geografia uma rea importante no trato das anlises regionais.

    nesse ponto que a geografia como cincia precisa definir sua atuao. A construo

    da teoria geogrfica considera a incorporao de inmeras variveis, da mais comum a mais

    particular. A geografia regional, com toda a sua bagagem terica e construo de anlises tem

    as ferramentas necessrias para a compreenso do territrio, os quais as economias esto

    inseridas. Demonstrar que as teorias econmicas utilizam e precisam das teorias geogrficas

    tem sido tarefa frequente entre os gegrafos contemporneos, o que permite inferir a

    importncia da geografia no planejamento e na organizao espacial das sociedades atuais.

  • 13

    em considerao a isso que este trabalho tem como objetivo geral a identificar se

    os EIDs representam uma regionalizao da Amrica do Sul e para isso ser preciso: 1)

    Identificar os elementos que definem uma possvel regionalizao a partir dos Eixos

    propostos pela IIRSA e; 2) Identificar, no mbito da geografia regional, que tipo de

    regionalizao surge a partir da definio dos eixos.

    Procedimentos Metodolgicos

    Para responder questo proposta sero realizadas pesquisas em documentos

    oficiais, publicaes de instituies intergovernamentais e trabalhos acadmicos para entender

    o processo de elaborao dos EIDs. J a pesquisa bibliogrfica ser realizada em busca de

    bases tericas que suportem a hiptese de uma possvel regionalizao da Amrica do Sul a

    partir dos EIDs.

    Com isso, ser realizada uma anlise das caractersticas dos EIDs em conjunto com

    as concepes de regio e regionalizao. A identificao de caractersticas de regio e

    regionalizao ter como base seis correntes geogrficas, as quais sero agrupadas em trs

    grandes divises. Chamarei de geografia clssica a primeira diviso que abrange os

    precursores da geografia moderna, a corrente determinista, possibilista e o mtodo regional.

    As duas ltimas se dividem em nova geografia quantitativa e geografia crtica.

    Dentro de cada corrente sero apontadas suas concepes de regio e,

    posteriormente, essas concepes sero associadas com as caractersticas dos EIDs em busca

    da hiptese proposta por esse trabalho: Os EIDs da IIRSA constituem uma regionalizao da

    Amrica do Sul.

    Com o objetivo de caracterizar uma possvel regionalizao da Amrica do Sul

    atravs dos Eixos de Desenvolvimento e Integrao da IIRSA, esta monografia foi dividida

    em quatro partes, alm desta introduo e da concluso.

    O primeiro captulo trata brevemente do contexto regional e das propostas de

    integrao da Amrica Latina e, mais especificamente, da Amrica do Sul desde o incio do

    sculo XIX. No segundo captulo h a apresentao da IIRSA e dos seus Eixos de Integrao

    e Desenvolvimento. No terceiro captulo, aproximando da problemtica inicial, fao uma

    exposio terica a respeito do conceito de regio e regionalizao na geografia. No quarto e

    ltimo captulo analiso a estrutura e objetivos dos Eixos de Integrao e Desenvolvimento

    juntamente com a base terica exposta no captulo anterior para analisar se eles caracterizam

    ou no uma regionalizao da Amrica do Sul.

  • 14

    1. ANTECEDENTES DA IIRSA

    1.1 Regionalismo e Integrao na Amrica Latina

    A organizao espacial por meio de divises regionais mostra as diferentes formas

    de integrao da Amrica do Sul e contribui diretamente para o desenvolvimento interregional

    e intrarregional da economia. Para entender como isso vem ocorrendo ao longo da ltima

    dcada, perodo no qual a IIRSA foi instituda, necessrio desenvolver um breve aparato

    histrico da Amrica Latina desde o incio do sculo XIX.

    A primeira tentativa de integrao do continente latino-americano advm do general

    venezuelano Simon Bolvar que, em 1815, props a formao de trs federaes no

    continente: a primeira compreendendo o Mxico e a Amrica Central e as outras dividindo a

    Amrica do Sul entre o sul e o norte.

    Onze anos depois, no Primeiro Congresso Americano, Bolvar props o projeto de

    integrao do continente. De acordo com Herz e Hoffmann (2004), era uma proposta

    estratgica defensiva para garantir a independncia dos Estados latinoamericanos,

    contrariando os interesses estadunidenses da Doutrina Monroe. J com as colnias

    latinoamericanas independentes de suas metrpoles as propostas de integrao passaram a ser

    vistas como ferramenta para o desenvolvimento econmico e social.

    Ao longo dos anos coloniais e subsequentes, em funo da grande disponibilidade e

    explorao de matria-prima, os pases latinoamericanos criaram laos de interdependncia

    com os pases industrializados. Essa uma das razes porque no foram desenvolvidas

    tecnologias de manufaturas, o que acabou inibindo a produo industrial e o fortalecimento de

    vnculos entre os pases vizinhos.

    As inmeras mudanas na economia mundial logo no incio do sculo XX causaram

    inquietaes no s nos pases de economia dominante, mas principalmente nos pases em

    fase de desenvolvimento. O desenvolvimento econmico no era homogneo e gradativo, as

    naes com economias consideradas centrais apresentavam vantagens em relao s

    perifricas1.

    A situao vivida pelos pases latinos, na primeira metade do sculo XX, era de

    considervel aumento do processo de industrializao, durante a Conferncia de Bretton

    1 Raul Prebisch em seus estudos denominava as economias mais industrializadas e desenvolvidas como centrais,

    enquanto que as em fase de desenvolvimento ou subdesenvolvidas eram denominadas perifricas.

  • 15

    Woods2, em 1944, esses pases reivindicaram dois pontos principais que impulsionariam o seu

    desenvolvimento econmico, a insero no mercado competitivo atravs da industrializao e

    a superao da vulnerabilidade externa causada pelo livre comrcio.

    Contudo, como no era de interesse das economias centrais impulsionar a

    manufatura nas economias perifricas, as reivindicaes da Amrica Latina foram deixadas de

    lado, reforando seu papel de economia primria e de baixo valor agregado. Estranguladas

    pelas economias centrais, as economias perifricas tiveram que procurar outras formas de

    desenvolvimento econmico, o que resultou em inmeros estudos merecendo destaque a

    contribuio do pensamento cepalino.

    Os mtodos elaborados pela CEPAL3 para o desenvolvimento econmico da

    Amrica Latina podem ser divididos em duas etapas de pensamento que consistem nas

    mudanas dos paradigmas regionais. Sua primeira etapa vigorou de 1949 a 1990 e ficou

    conhecido como Regionalismo Desenvolvimentista ou Fechado.

    Raul Prebisch, tendo como base o economista alemo Georg Friedrich List, foi o

    principal terico por trs desse modelo de regionalismo. List contestava a escola de

    pensamento clssica do comrcio que se baseava na teoria das vantagens comparativas

    desenvolvida por David Ricardo:

    A escola no percebe que, em um regime de total livre concorrncia, com

    naes manufatureiras mais adiantadas, uma nao menos adiantada, embora

    bem aparelhada para a manufatura, jamais conseguir atingir uma fora

    manufatureira prpria perfeitamente desenvolvida, nem conseguir sua

    independncia nacional completa, se no recorrer ao sistema protecionista.

    (...) A escola popular procura aduzir os benefcios resultantes do comrcio

    interno livre como prova de que as naes s podem conseguir o mais alto

    grau de prosperidade e poderio dentro de um regime de absoluta liberdade de

    comrcio internacional, quando a histria em toda parte e sempre demonstra

    o contrrio. (LIST, 1841)

    A teoria base do regionalismo desenvolvimentista foi a teoria estruturalista de

    Prebisch que, num primeiro momento, v a industrializao como indutora do

    desenvolvimento econmico. Ricardo Bielschowsky, em uma leitura desta teoria, afirma que

    as restries incidentes na industrializao e no crescimento das economias latino-americanas

    so resultado de trs caractersticas: 1) sua baixa diversidade produtiva especializada em

    produtos agrcolas e de origem mineral; 2) da existncia de setores com alta produtividade

    2A Conferncia de Bretton Woods, realizada nos Estados Unidos em 1944, deu origem ao Banco Mundial

    (BIRD), ao Fundo Monetrio Internacional (FMI) e ao Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comrcio (GATT),

    atual Organizao Mundial de Comrcio (OMC). 3 Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL) criada em 25 de fevereiro de 1948 pelo

    Conselho Econmico e Social das Naes Unidas (ECOSOC).

  • 16

    resultante de inovaes tecnolgicas ao mesmo tempo em que existem setores com grande

    concentrao de mo-de-obra no nvel de subsistncia produtiva; e 3) a falta de

    institucionalidade que no contribui para o acmulo de capital e a baixa capacidade

    empresarial.

    Uma das medidas adotadas com a inteno de impulsionar a indstria nacional dos

    pases da Amrica Latina foi a substituio de importaes, que tinha na ao estatal grande

    significado. De acordo com Bielschowsky (2010), o planejamento e a ao estatal so

    considerados fundamentais para sustentar a industrializao e o progresso tcnico. O Estado

    participaria intervindo no aumento das tarifas alfandegrias de pases terceiros, levando ao

    aumento dos preos dos produtos importados com isso a produo nacional comearia a se

    desenvolver para suprir a demanda interna, alimentando assim o mercado regional.

    Influenciados pela CEPAL, a maioria dos governos latino-americanos envolveu-se

    ativamente na economia favorecendo o mercado interno em busca do desenvolvimento da

    produo local atravs de polticas desenvolvimentistas.

    No mbito do regionalismo desenvolvimentista pode-se destacar a criao da

    Organizao dos Estados Americanos (OEA) em 1948, da Associao Latino-Americana de

    Livre Comrcio (ALALC) em 1960 e do Pacto Andino em 1969. A ALALC foi apresentada

    como meio de integrao dos mercados voltado essencialmente para a prpria regio. As

    divergncias entre os membros da ALALC resultaram no Pacto Andino, em 1969, com

    intento de propor maior integrao entre os Estados com interesses similares. Mesmo no

    atingindo seus objetivos, a ALALC representou o incio das tentativas de integrao regional.

    A orientao desenvolvimentista enfrentou diversas complicaes desde seu

    fortalecimento at sua substituio. Os principais fatores que contriburam para a dificuldade

    da integrao econmica foram e ainda so a heterogeneidade no grau de desenvolvimento

    industrial e suas assimetrias econmicas, causando receio na abertura comercial de todos os

    pases, principalmente os menos desenvolvidos. Fatores predominantemente internos tambm

    pesaram: governos autoritrios detentores de polticas protecionistas fortes, as classes

    dominantes dos pases, como a burguesia industrial nacional detentora do monoplio, e as

    instalaes das multinacionais.

    No incio dos anos 1980 as economias latinas entraram em uma severa crise com

    grandes dvidas pblicas e elevadas taxas de inflao. Situao originada pelo fim do sistema

  • 17

    Bretton Woods e pelas duas crises do petrleo, o que tambm desacelerou as economias

    centrais.

    J no final da dcada de 80, como soluo para a crise, as economias centrais, mais

    especificamente os Estados Unidos, impuseram condicionantes para o refinanciamento do

    endividamento externo dos Estados latinos. Estes deveriam adotar medidas de abertura

    econmica estabelecidas pelo Consenso de Washington, o que gerou o incio do processo de

    insero no mundo globalizado moda neoliberal, o que levou os processos regionais de

    integrao econmica a serem vistos como etapas intermedirias para a liberalizao

    multilateral e no como fins em si mesmos.

    Nesse sentido, os blocos regionais passam a promover a liberalizao entre eles, ou

    seja, no apenas uma liberalizao intrarregional, mas tambm interregional (Herz e

    Hoffmann, 2004). Dessa forma, na dcada de 1990 a CEPAL modificou sua concepo de

    regionalismo para regionalismo aberto, o que Bielschowsky chamou de neo-estruturalismo,

    que representa uma mudana bruta em comparao ao regionalismo desenvolvimentista dos

    anos 1950, assumindo caractersticas de um regionalismo liberal.

    En este documento se denomina regionalismo abierto al proceso que surge al

    conciliar [] la interdependencia nacida de acuerdos especiales de carcter

    preferencial y aquella impulsada bsicamente por las seales del mercado

    resultantes de la liberalizacin comercial en general. Lo que se persigue con

    el regionalismo abierto es que las polticas explcitas de integracin sean

    compatibles con las polticas tendientes a elevar la competitividad

    internacional, y que las complementen. (CEPAL, 1994)

    Essa nova forma de regionalismo adotou aberturas unilaterais em relao ao restante

    das economias mundiais e incluiu iniciativas diversas de negociao comercial bilateral e sub-

    regional.

    Umas das condicionantes que merece destaque no mbito do regionalismo aberto faz

    referncia taxao das tarifas alfandegrias. Para evitar o fechamento desses novos blocos

    regionais em si mesmos, nenhuma tarifa cobrada dos pases de fora do bloco poderia ser

    maior que as que existiam individualmente antes de sua formao. Norma controlada pelo

    GATT e institucionalizada pela OMC em 1994.

    Esses novos acordos liberais levaram os blocos regionais existentes a se modificarem

    ao passo que foram surgindo novos, por exemplo, a Associao Latino-Americana para o

    Desenvolvimento de Integrao (ALADI) que substituiu a ALALC em 1980 , o Mercado

    Comum do Sul (MERCOSUL), a Comunidade Andina de Naes (CAN) antigo Pacto

    Andino extinto em 1996 e a Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul

  • 18

    Americana (IIRSA). Ainda pode-se destacar a criao da Unio das Naes Sul-Americanas

    (UNASUL) antiga Comunidade Sul-Americana de Naes (CASA).

    Contudo, no correto afirmar que esses acordos bi e multilaterais existentes entre

    os pases latinoamericanos so de tendncia essencialmente liberal. As teorias regionalistas

    podem ser divididas de acordo com seus princpios bsicos, mas algumas caractersticas da

    tendncia anterior sempre persistem e acabam retornando com as constantes mudanas

    socioeconmicas. A antiga ALALC, por exemplo, teve tendncias originais

    desenvolvimentistas, acatou ideias liberais e voltou a mostrar aspectos desenvolvimentistas.

    Na transio para o sculo XXI, incorporando caractersticas desenvolvimentistas e

    liberais de integrao, o Brasil retomou a ideia de Amrica do Sul como referncia regional

    imediata. Com a iniciativa do governo brasileiro de reunir os doze presidentes sul-americanos

    em Braslia, no ano 2000, a estratgia de construo do novo espao sul-americano

    (Comunicado de Braslia, 2000) a partir dos blocos j existentes tomou forma.

    Essa nova forma de entender e organizar o territrio sul americano resultou na

    Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul Americana (IIRSA), projeto

    intergovernamental que ser analisado no prximo captulo.

    1.2 Integrao regional e Infraestrutura

    O pensamento cepalino posterior dcada de 1990 se adequou ideologia neoliberal,

    tentando buscar medidas alternativas que no deixassem os pases latinos a merc dos pases

    desenvolvidos. De acordo com Bielschowsky (2000), a crtica cepalina gerou proposta de

    polticas alternativas ao neoliberalismo, embora adequadas nova realidade dos pases da

    regio (globalizao, economias abertas e macroeconomicamente instveis). O que

    contribuiu para a construo do modelo de regionalismo aberto em vigor atualmente e base

    das medidas institucionais da IIRSA.

    De acordo com Bielschowsky (2000), o primeiro documento elaborado pela CEPAL

    no mbito do regionalismo aberto apresenta a estratgia de desenvolvimento apoiado na

    conquista de maior competitividade internacional baseado no progresso tcnico e produtivo.

    O carter sistmico da competitividade enfatizado, a includa toda uma

    rede de vinculaes entre agentes produtivos e infraestrutura fsica e

    educacional, e entre aumento de produtividade e elevao do padro de vida

    da populao como um todo. Enfatiza-se a formao de recursos humanos

    como frmula decisiva para a transformao produtiva a longo prazo,

    juntamente com polticas tecnolgicas ativas que permitam o catching-up

    tecnolgico. A indstria permanece como eixo da transformao produtiva,

  • 19

    mas enfatizam-se suas articulaes com a atividade primria e de servios.

    (BIELSCHOWSKY, 2000)

    Partindo dessa perspectiva e considerando a integrao entre os pases sul-

    americanos, pode-se elaborar uma anlise entre desenvolvimento regional e investimentos em

    infraestrutura. possvel afirmar que a integrao entre os pases por meio da infraestrutura

    fsica facilita o direcionamento dos fluxos de bens, produtos e pessoas o que pode estabelecer

    verdadeiros eixos de desenvolvimento.

    A falta de infraestrutura apropriada representa obstculo para alcanar ndices de

    crescimento econmico, visto que ela atua como veculo para a coeso territorial e econmica.

    Pois, alm de ter o potencial para melhorar a conectividade, reduz os custos de transporte,

    melhorando a competitividade e a atividade do comrcio, o que gera desenvolvimento e

    integrao na regio. De acordo com Carvalho (2004) [...] a integrao da infraestrutura

    contribui para a construo de sinergias e, consequentemente, para a ampliao da

    competitividade sul-americana no mercado internacional.

    De acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID (2000) a

    integrao da infraestrutura fsica da Amrica do Sul, no mbito do regionalismo aberto, a

    soluo para os problemas de escoamento da produo, fluxo de servios e pessoas.

    O aumento do comrcio entre os pases vizinhos aps a formao de acordos

    regionais faz crescer a demanda por uma integrao maior da infraestrutura.

    Na Amrica Latina, srios gargalos causados pelo maior volume de

    comrcio precisam ser eliminados [...]. No centro da questo existe o

    problema das externalidades. Os projetos de infraestrutura regional tm

    custos e benefcios que ultrapassam as fronteiras dos pases [...]. No contexto

    de um processo descentralizado de tomada de decises, essas externalidades

    resultaro naturalmente numa proviso deficiente de infraestrutura regional.

    A questo fundamental como fazer para que esses projetos se concretizem

    e estabelecer formas de tomadas de decises coordenadas, que internalizem

    as externalidades e, ao mesmo tempo, superem outros riscos polticos e

    normativos que possam surgir devido ao carter multinacional dos projetos.

    (BID, 2000)

    Em relao ao direcionamento dos fluxos, necessrio considerar que eles no

    circulam de forma livre no espao, sendo assim, a infraestrutura fsica utilizada para facilitar

    a circulao de mercadorias e servios entre os pases sul-americanos atravs de redes

    concretas.

    Os fixos, como instrumentos de trabalho, criam massas. Mas no basta criar

    massas, impe-se fazer com que se movam. E a capacidade de mobilizar

    uma massa no espao dada exatamente pelo poder econmico, politico ou

    social poder que, por isso, maior ou menor segundo as firmas, as

    instituies e os homens em ao. (SANTOS, 1985)

  • 20

    Porm, a existncia das redes de infraestrutura espalhada no territrio no garante a

    conectividade entre os mercados, elas precisam se consolidar em pontos especficos formando

    corredores. Em uma escala regional, estes podem se transformar em verdadeiros eixos de

    integrao e desenvolvimento, medida que favorecem o desenvolvimento econmico das

    reas em que se localizam estruturando e organizando o territrio.

    A apropriao da teoria de Milton Santos (1985) aplicada Amrica do Sul ilustra

    bem a internacionalizao desses fluxos comerciais quando trata dos circuitos espaciais de

    produo em detrimento dos circuitos regionais de produo. A produo prpria de uma

    regio no se encontra mais isolada nesta mesma, mesmo que haja a concentrao de grande

    parte da produo, alguma etapa insumo, tecnologia ou mercado estaro fora deste

    subespao.

    Numa mesma regio realizam-se diferentes fases de distintos circuitos de

    produo. A anlise destes junto com a dos crculos de cooperao (Santos,

    1985) nos d a organizao local e sua posio na hierarquia do poder

    mundial. (SANTOS, 1988).

    Na viso de Silva (1997) a deciso estratgica com maiores efeitos a localizao.

    O que envolve a anlise de produtos e mercados, objetivos e benefcios econmicos,

    vantagens econmicas da integrao regional e alternativas mais baratas, como a melhoria e

    ligao das redes existentes, em vez do desenvolvimento de novas.

    O estudo realizado em 2000 pelo BID Un Nuevo Impulso a la Integracin de la

    infraestructura Sur Americana permitiu que fossem identificados os eixos de maior fluxo de

    troca da regio atravs da anlise dos diversos tipos de fluxos, sendo os mais significantes os

    comerciais baixo e alto valor agregado , os de energia eltrica e gs natural, os de

    transporte areo de passageiros e os de telecomunicaes. O resultado est demonstrado nos

    mapas 1 e 2.

    A identificao desses eixos importante medida que nos permite identificar a

    existncia de fluxos j consolidados. Eles so um importante ponto de partida para a definio

    dos futuros Eixos de Integrao e Desenvolvimento da Amrica do Sul, sendo importante

    aproveitar a existncia desses fluxos e a partir deles derivar novos vetores com potencial de

    desenvolvimento econmico e insero nos mercados.

    Os fluxos de troca e demanda existente constituem o critrio mais importante para a

    identificao de projetos e determinao de prioridade de investimentos. Porm, para definir

  • 21

    Eixos de Integrao e Desenvolvimento no continente sul-americano devem ser considerados

    outros critrios, que sero abordados no prximo captulo.

    A anlise da Amrica do Sul feita por Couto (2012) e representada nos mapas 3 e 4,

    permite a contextualizao e caracterizao atual do continente. Segundo o autor, as relaes

    comerciais intranacionais so to significativas quanto as extranacionais, 50% do produto

    interno bruto (PIB) da Amrica do Sul est centralizado ao sul do continente e as maiores

    concentraes econmicas esto localizadas ao longo da costa, o mesmo cenrio se observa

    nos Eixos de Troca identificados pelo BID.

  • 22

    Mapa 1 - Eixos de Troca na Amrica do Sul em 2000

  • 23

    Mapa 2 - Eixos de Troca na Amrica do Sul em 2000

  • 24

    Mapa 3 - rea, Populao e PIB da Amrica do Sul em 2011

  • 25

    Mapa 4 - Densidade Demogrfica e PIB per capita anual da Amrica do Sul de 2011

  • 26

    A preocupao em melhorar a infraestrutura fsica da regio advm da participao

    de seus pases nos mercados globais, que no corresponde potencialidade existente. Em

    1990, as exportaes da Amrica do Sul eram apenas 3,5% do comrcio mundial. Fato que

    Eliezer Batista Silva (1997) atribuiu, em grande parte, ao fato do continente no ter

    desenvolvido muito sua infraestrutura principalmente redes de transporte, comunicao e

    energia que, segundo ele, tornariam possvel o fluxo desimpedido de pessoas, bens e

    tecnologia.

    Ainda segundo o autor, em termos de comrcio, os demais pases da Amrica do Sul

    formam a regio mais promissora para comercializar com o Brasil. Em 2010 ela recebeu

    18,4% do total das exportaes brasileiras, sendo que quase 84% dos produtos exportados

    eram manufaturados, como demonstrado nos mapas 5 e 6. Vale ressaltar que, embora estejam

    na Amrica do Sul os principais compradores do Brasil, a recproca no verdadeira. Tanto

    em relao s importaes quanto ao investimento externo, os pases da Amrica do Sul no

    so os principais parceiros do Brasil.

  • 27

    Mapa 5- Exportaes Intrarregionais - Categoria de Bens

  • 28

    Mapa 6 - Exportaes para o Resto do Mundo - Categoria de Bens

  • 29

    Os fatores divergentes nas relaes comerciais, polticas e institucionais no

    continente sul americano so diversos, mas o que convm a esta pesquisa a complexidade da

    organizao espacial em prol do desenvolvimento regional do continente. O presente trabalho

    tem como foco a regionalizao da Amrica do Sul, desta forma os detalhes das polticas de

    governo, acordos econmicos ou polticos, no contexto da integrao da infraestrutura, no

    sero profundamente detalhados. Porm, no possvel compreender uma regio sem analis-

    la no contexto nacional e internacional a qual est inserida. Para Santos:

    Compreender uma regio passa por entender como funciona a economia

    em nvel mundial e rebat-la no territrio de um pas, com a intermediao

    do Estado, das demais instituies e do conjunto de agentes da economia, a

    comear pelos seus atores hegemnicos. (SANTOS, 1985)

    Assim, para concluir se os Eixos de Integrao e Desenvolvimento presentes na

    IIRSA correspondem, ou no, a uma regionalizao da Amrica do Sul, ser preciso analisar

    suas origens, objetivos principais e metodologia de aplicao juntamente com o conceito de

    regio utilizado. O que ser realizado nos prximos captulos.

  • 30

    2. FORMAO E ATUAO DA IIRSA

    2.1 A Formao da IIRSA

    A Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional Sul-Americana

    (IIRSA) surgiu da Primeira Reunio de Presidentes realizada em Braslia no ano 2000, com a

    presena dos doze presidentes da Amrica do Sul4. Os temas discutidos durante esta reunio

    podem ser encontrados no Comunicado de Braslia - documento elaborado e ratificado a partir

    da exposio e discusso de ideias pelos presidentes durante a reunio -, entre eles podem ser

    destacados a integrao do comrcio e da infraestrutura fsica sul americana.

    A IIRSA uma iniciativa dos doze pases sul americanos que contempla

    mecanismos de cooperao e intercmbio de informaes entre os Governos

    e as trs instituies financeiras multilaterais da regio (o Banco

    Interamericano de Desenvolvimento - BID, a Corporao Andina de

    Fomento - CAF e o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do

    Prata - FONPLATA), o setor privado e a sociedade civil, de forma a alcanar

    os objetivos multissetoriais propostos. (BID, 2000a)

    Esta Iniciativa surgiu como um mecanismo de coordenao das aes

    intergovernamentais dos doze pases sul americanos, com o objetivo de promover a

    elaborao e a implantao de projetos de integrao da infraestrutura de transportes, energia

    e comunicaes. Uma das principais justificativas pontuadas pelos presidentes foi a hiptese

    de como a superao das barreiras morfolgicas existentes no territrio poderia gerar uma

    continuidade geogrfica na Amrica do Sul, ou seja, a viso de como seria a integrao

    econmica do continente se todas as rotas comerciais fossem integradas desenvolvendo um

    espao continental integrado.

    Os pases sul-americanos precisam integrar suas economias, aumentando o

    intercmbio comercial, financeiro e tecnolgico dentro da regio e com o

    restante do mundo. importante que a Amrica do Sul seja vista como uma

    regio geoeconmica nica. Para que haja essa integrao econmica entre

    os pases necessrio o fortalecimento da integrao fsica entre os pases.

    (BID, 2000, traduo prpria)

    A forma proposta para alcanar estes objetivos foi atravs da identificao e

    implantao dos Eixos de Integrao e Desenvolvimento da Amrica do Sul. Com o intuito de

    iniciar o mais cedo possvel os preparativos para o referido processo de integrao do

    continente, foram apresentados documentos de apoio, inclusive a primeira proposta do Plano

    de Ao para a Integrao Fsica sul-americana.

    4 Argentina, Bolvia, Brasil, Chile, Colmbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.

  • 31

    Esse Plano de Ao, formulado e apresentado pelo BID5, exemplificou como seria o

    quadro programtico do Plano, os princpios bsicos de elaborao, a viso estratgica atravs

    da elaborao de Eixos de Desenvolvimento e Integrao e os mecanismos para a implantao

    e acompanhamento, presentes nos Processos Setoriais de Integrao. Foi esquematizada uma

    estrutura baseada na tomada de decises, elaborao de projetos, monitoramento e

    investimentos. Com isso, foi institudo o Comit de Direo Executiva, os Grupos Tcnicos

    Executivos e o Comit de Coordenao Tcnica6. Para realizar esse intercmbio de

    informaes e a organizao do corpo tcnico nacional representativo na IIRSA cada pas tem

    Coordenadores Nacionais.

    Ficou decidido que em dezembro do mesmo ano os Ministros de transportes,

    telecomunicaes e energia de cada pas se encontrariam para definir a forma institucional e

    as diretrizes a serem seguidas nos prximos dez anos da Iniciativa. Esta reunio corresponde

    primeira Reunio de Ministros, que mais tarde formaria o Comit de Direo Executiva

    (CDE) da IIRSA.

    A figura e o quadro a seguir apresentam de forma simples algumas caractersticas

    institucionais e histricas da Iniciativa. A primeira exemplifica a estrutura institucional e o

    segundo sua evoluo ao longo de dez anos de existncia.

    Atualmente a IIRSA faz parte do quadro institucional do Conselho de Infraestrutura

    e Planejamento (COSIPLAN). Durante a Terceira Reunio da UNASUL7 em agosto de 2009,

    os Presidentes sul-americanos decidiram criar o COSIPLAN, que incluiu a IIRSA como seu

    frum tcnico de infraestrutura. A partir de 2009 a integrao fsica regional inserida em

    uma agenda mais ampla que, necessariamente, ter de interagir e tomar contato com as outras

    frentes do processo, tanto na ordem poltica quanto social, econmica e comercial.

    5 O Banco Interamericano de Desenvolvimento um banco de financiamento voltado para a Amrica Latina e Caribe criado

    em 1959. Tem como objetivo promover o desenvolvimento econmico e social da regio atravs de projetos e a prestao de

    assistncia tcnica. 6 Comit de Direo Executiva (CDE) - o comit capaz de definir a viso e a orientao estratgica da Iniciativa, assim

    como os objetivos, metas, prioridades e procedimentos para a implementao do Plano de Ao, a partir das iniciativas

    tcnicas sugeridas pelos Grupos Tcnicos Executivos e propostas pelo Comit de Coordenao Tcnica. Composto por

    representantes dos Ministrios dos Governos Nacionais sul americanos, principalmente do Transporte, Planejamento,

    Telecomunicaes e Energia. Sendo importante a presena de representantes dos Ministrios da Fazenda e das Relaes

    Exteriores.

    Grupos Tcnicos Executivos (GTEs) - Integrados por especialistas designados pelos pases sendo o nvel executivo da

    Iniciativa. Existe um GTE para casa Eixo de Integrao e Desenvolvimento e para cada Processo Setorial de Integrao.

    Comit de Coordenao Tcnica (CCT) - Integrado pelo BID, pela CAF e pelo FONPLATA, d apoio tcnico e financeiro

    aos pases em todos os temas relacionados IIRSA. 7 A Unio de Naes Sul-Americanas (UNASUL), que at 2008 era conhecida como CASA e tinha o difcil objetivo de

    construir uma rea de livre comrcio na Amrica do Sul, formada pelos doze pases sul americanos e almeja a integrao

    regional atravs do multilateralismo existente nos objetivos regionais comuns.

  • 32

    8Quadro 1 - Evoluo da IIRSA desde 2000: Principais Elementos (Fonte: 10 anos de IIRSA, 2010)

    8 O Planejamento Territorial Indicativo, o qual o quadro se refere, corresponde metodologia utilizada nos EIDs para a

    identificao dos seus respectivos projetos e elaborao do Portflio de Projetos. A primeira etapa do Planejamento

    Indicativo ocorreu entre 2003 e 2004 com a participao dos doze pases integrantes da IIRSA. Foi atribudo a alguns

    projetos dos portflios prioridade de execuo, o que deu origem Agenda de Implementao Consensual (AIC) 2005-2010.

    A AIC continha 31 projetos prioritrios escolhidos pelo CDE em 2004.

    Lanamento e Execuo

    Criao da IIRSA;

    Reunio de Presidentes da Amrica do Sul (Braslia, 2000);

    Delineamento do Plano de Ao da IIRSA: EID e PSIs;

    Princpios Orientadores;

    Identificao preliminar de projetos e diagnsticos setoriais;

    Planejamento (2003-2004)

    Primeira Etapa de Planejamento. Metodologia de Planejamento Territorial Indicativo e ordenamento da Carteira de Projetos IIRSA;

    Realizao de GTEs para cada EID e diversos PSIs;

    Primeira Carteira de Projetos IIRSA. Publicao do Livro Planejamento Territorial Indicativo. Carteira de Projetos 2004;

    Implementao e Consolidao

    Formao da AIC 2005-2010;

    Definio dos Objetivos Estratgicos 2006-2010: Implementao, Segunda Etapa de Planejamento, PSIs e Divulgao;

    Aprofundamento e salta de qualidade em planejamento territorial e novas metodologias e ferramentas;

    Realizao de GTEs de cada EID para a atualizao da Carteira de Projetos IIRSA. Publicao dos livros Planejamento Territorial Indicativo. Carteira de Projetos 2009 e Planejamento Territorial Indicativo . Carteira de Projetos 2010;

    Criao de fundos de cooperao tcnica do BID , da CAF e do Fonplata;

    Avanos em PSIs de TICs (Exportao por Envios Postais para Pequenas e Mdias Empresas e Acordo de Roaming Sul-Americano).

  • 33

    Nos primeiros trs anos de existncia da IIRSA, foram discutidos e implantados seus

    instrumentos chave, os Eixos de Integrao e Desenvolvimento (EIDs) e os Processos

    Setoriais de Integrao (PSIs). Os EIDs so uma parte do territrio com aspectos

    socioeconmicos prprios. Este territrio articulado pela infraestrutura de transporte,

    energia e comunicaes elaborada para auxiliar no fluxo de bens e servios, pessoas e

    informaes.

    Considerando a viso geoeconmica nica do continente, os fluxos de circulao de

    bens e servios sul-americanos caracterizam redes multinacionais. J os PSIs tem a tarefa de

    identificar os obstculos de tipo normativo e institucional que impedem a implantao da

    infraestrutura na regio. Procuram reformar os sistemas reguladores nacionais normativos

    referentes ao uso de infraestrutura, tentando diminuir ao mximo as barreiras aduaneiras entre

    os pases. Como nas redes de infraestrutura fsica que circulam os fluxos, a Iniciativa busca

    formas de tornar mais equitativo possvel esse trnsito de bens e servios pelo continente.

    A identificao e implantao de projetos nos Eixos em parceria com os Processos

    Setoriais de Integrao (PSI) contribuiriam para o aumento dos negcios e das cadeias

    produtivas com grandes economias de escalas do Atlntico ao Pacfico. Este ordenamento

    facilitaria o acesso s zonas de alto potencial produtivo que supostamente estariam isoladas na

    regio, aumentando o valor agregado da produo.

    Quadro 2 - Estrutura Institucional da IIRSA

  • 34

    Concomitante aos EIDs o regionalismo aberto um dos princpios centrais da

    Iniciativa, a partir desta forma de anlise regional que a Amrica do Sul vista como um

    espao geoeconmico nico que, assim que integrado, permitir acumular e redistribuir os

    ganhos do comrcio na regio protegendo a economia regional sul americana das flutuaes

    nos mercados globais. Para isso a Iniciativa parte da necessidade de reduzir o mximo

    possvel as dificuldades impostas aos fluxos comerciais dentro do continente em parceira com

    a eliminao dos gargalos na infraestrutura.

    2.2. Origem dos Eixos de Integrao e Desenvolvimento

    Para tratar do atual desenvolvimento regional da Amrica do Sul, preciso primeiro

    expor a poltica de desenvolvimento regional brasileira a partir de 1990.

    Steinberger (1991) afirma que com a promulgao da Constituio de 1988 as

    polticas de desenvolvimento regional passaram a ser elaboradas em diferentes escalas alm

    das macrorregionais. Essa autonomia dada s diversas unidades da federao juntamente com

    a reestruturao das polticas econmicas brasileiras impulsionaram as transformaes

    estratgicas no desenvolvimento regional.

    A poltica brasileira para o desenvolvimento apresentada em 1996, alm de tratar de

    diversos aspectos para o desenvolvimento do Brasil, apresentou, pela primeira vez como

    mtodo para a estruturao de polticas pblicas, os Macroeixos de Desenvolvimento.

    Essa mudana visvel no discurso realizado pelo Presidente da CAF na Primeira

    Reunio de Presidentes da Amrica do Sul em 2000. De acordo com Enrique Garca:

    [...] conceber um processo logstico e integral que inclua, adicionalmente, o

    melhoramento dos sistemas e regulaes aduaneiras, as telecomunicaes, a

    tecnologia da informao e os mercados de servios de logstica (fretes,

    seguros, armazenamento e processamento de permisses, entre outros). A

    infraestrutura deve ser tambm vista a partir da perspectiva da

    sustentabilidade, mudando o conceito que se distinguiu no sculo XX da

    criao de corredores que se comunicavam entre si a polos de

    desenvolvimento ao enfoque moderno da criao de cintures de

    desenvolvimento sustentvel, nos quais se contemple no unicamente o uso

    sinrgico da infraestrutura fsica e a logstica, e sim tambm as variveis

    econmicas, sociais, culturais e ambientais. (CAF, 2000, traduo prpria)

  • 35

    A questo dos macroeixos faz parte do resultado do estudo elaborado por Eliezer

    Batista da Silva, em 1997, com o apoio de diversas instituies9 em busca de uma nova

    perspectiva de desenvolvimento para a Amrica do Sul. Segundo o prprio:

    [...] o trabalho prope um novo caminho para o planejamento de projetos de

    infraestrutura na regio. Em lugar de analisar as necessidades caso a caso ou

    atendendo a imperativos puramente econmicos e polticos, descreve-se o

    potencial de desenvolvimento de forma sistmica e holstica. (SILVA, 1997)

    Eliezer denomina o recorte regional apresentado no seu estudo de Cintures de

    Desenvolvimento. Assim como os macroeixos e os ENIDs, esses cintures so redivises do

    continente sul-americano dando enfoque a uma perspectiva geoeconmica. Em 1997, foi

    encomendado o Estudo dos Eixos com o objetivo de aprofundar os macroeixos apresentados

    no Plano Plurianual - PPA 1996-99.

    A consultoria encomendada pelo Governo Federal contou com a parceria entre o Ministrio

    do Planejamento, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) e

    com a contratao do Consrcio Brasiliana10

    , alm da participao de Universidades Federais.

    O Estudo dos Eixos quando concludo tornou-se insumo de pesquisa para a elaborao do

    PPA de 2000-03.

    Os princpios utilizados para a construo dos Eixos Nacionais de Integrao e

    Desenvolvimento (ENIDs), que como demonstrados, foram baseados em estudos

    complementares, formam a base de apresentao dos Eixos de Integrao e Desenvolvimento

    da IIRSA. O que pode ser constatado ao analisar a estrutura e abrangncia dos Cintures de

    Desenvolvimento de Eliezer Batista e os Eixos Nacionais de Integrao e Desenvolvimento

    apresentados pelo Estudo dos Eixos.

    2.2.1 Cintures de Desenvolvimento

    Os Cintures de Desenvolvimento apresentados por Eliezer Batista Silva, em 1997,

    so aglomerados de projetos no ramo da infraestrutura ligados por eixos de logstica que

    transportam servios bsicos. O principal objetivo estabelecido para os Cintures foi atender

    s foras e oportunidades de mercado a fim de atrair investimentos polticos e privados

    complementares. Alm de alimentar o mercado de importao e exportao, os Cintures

    deveriam servir como integradores da regio maximizando os fluxos dentro e entre os centros

    9 Projeto realizado com o apoio: Business Council for Sustainable Development - Latin America (BCSD-LA);

    Corporao Andina de Fomento; Companhia Vale do Rio Doc (CVRD); Bank of America e Companhia Auxiliar

    de Empresas de Minerao (CAEMI). 10

    Contratao do Consrcio Brasiliana: Booz Allen & Hamilton, Bechtel International, ABN Amro Bank e

    diversas Universidades Federais brasileiras.

  • 36

    econmicos. Eles so estruturados tendo como base principal as redes logsticas que [...]

    facilitam a movimentao de bens e pessoas via rodovias, ferrovias, hidrovias e rotas de

    navegao costeira [...] (SILVA, 1997). As reas compreendidas pelos Cintures e suas

    especialidades de desenvolvimento dependem das diversidades econmicas e dos transportes

    existentes entre as redes de cidades.

    Cintures de desenvolvimento econmico atravs do continente podem ser

    formados pela ligao de dois ou mais centros urbanos existentes e a

    atividade econmica a eles associada, a comear pelas redes de transporte

    incluindo instalaes associadas como portos, terminais de carga e descarga,

    instalaes de estocagem, e manuseio de hidrovias, rodovias e ferrovias.

    (SILVA, 1997)

    Para integrar as regies, Eliezer Batista prope o desenvolvimento de ligaes

    multimodais, combinao de infraestrutura bsica e os Cintures de Desenvolvimento. O

    autor reconhece que a infraestrutura na Amrica do Sul deve ir alm do comrcio embora seu

    estudo seja direcionado principalmente para isso.

    A partir de uma perspectiva geoeconmica nica, orienta os projetos de

    infraestrutura em busca de eficincia econmica, ambiental e social. Ao combinar um sistema

    de redes de transportes, comunicaes e fornecimento estvel e confivel de energia nos

    Cintures. Planejamento apresentado de acordo com as mudanas do perodo, ou seja, atravs

    do paradigma do planejamento indicativo.

    O planejamento indicativo uma forma de orientao, a identificao de

    alternativas para o investimento de recursos por parte dos governos, de

    forma a preservar certos valores importantes da sociedade e estabelecer

    polticas s quais os agentes de mercado possam responder de forma efetiva.

    (SILVA, 1997)

    Foram apresentados dois Cintures no estudo realizado, mas o autor afirma que esses

    so apenas amostras de como a metodologia funciona. No estudo, Eliezer Batista defende

    claramente que o desenvolvimento da infraestrutura bsica pode conectar os pases sul-

    americanos dando incio ao processo de integrao econmica, o que resultaria na integrao

    poltica, na formao de um Acordo de Livre Comrcio e, por fim, em um Acordo de Livre

    Comrcio Continental da Amrica do Sul.

    2.2.2 Estudo dos Eixos

    Os Cintures de Desenvolvimento apresentados no estudo de Eliezer Batista

    serviram como base para o desenvolvimento terico e metodolgico dos Eixos Nacionais de

    Desenvolvimento apresentados no Estudo dos Eixos realizado pelo Consrcio Brasiliana.

  • 37

    A noo de eixo exposta foi concebida com a inteno de propiciar o

    desenvolvimento e a integrao territorial atravs da infraestrutura econmica juntamente

    com o desenvolvimento social e aproveitamento dos recursos naturais. Para isso foi sugerido

    que os eixos cobrissem o territrio nacional procurando articular e integrar os fluxos

    comerciais de bens e servios entre os mercados nacionais e os internacionais.

    Esta nova forma de planejamento territorial, atravs dos ENIDs, foi utilizada

    aps se constatar que os modelos anteriores de desenvolvimento, baseados em polos e

    corredores de exportao, desenvolviam apenas as pontas, o incio e o fim, desconsiderando

    as reas intermedirias. O principal problema apresentado no modelo dos polos foram as

    deseconomias de escala, mediante o aumento desenfreado das demandas de infraestrutura

    econmica e social em determinadas regies. J os corredores de exportao concentravam o

    crescimento econmico em suas extremidades desconsiderando as regies existentes entre

    elas.

    Os objetivos finais resultantes da integrao dos ENIDs demonstram o contexto

    neoliberal, o qual est inserido o Estudo. Uma das justificativas apresentadas para o

    investimento na integrao dos ENIDs o fortalecimento das regies para que sejam inseridas

    no mercado competitivo internacional. Para isso, sugerem a adoo do conceito de rede

    intermodal de infraestrutura econmica sempre visualizando ao mximo as oportunidades de

    garantir investimentos externos.

    O Relatrio Preliminar do Estudo apresenta o conceito de Eixo que foi utilizado

    desde ento na elaborao dos ENIDs e seus respectivos projetos:

    Eixo um corte espacial composto por unidades territoriais contguas,

    efetuado com objetivos de planejamento, cuja lgica est relacionada s

    perspectivas de integrao e desenvolvimento consideradas em termos

    espaciais. Nesse sentido, dois critrios devem ser levados em conta na sua

    definio e delimitao: a existncia de uma rede multimodal de transporte

    de carga, efetiva ou potencial, permitindo a acessibilidade os diversos pontos

    situados na rea de influncia do eixo; e a presena de possibilidades de

    estruturao produtiva interna, em termos de um conjunto de atividades

    econmicas que definem a insero do eixo em um espao mais amplo

    (nacional ou internacional) e a maximizao dos efeitos multiplicadores

    dentro da sua rea de influncia. (MPO;BNDES, 2001)

    Alm da delimitao dos ENIDs, cada um deles possui uma rea de influncia, que

    como o prprio nome diz, interferem na dinmica dessas reas prximas. O Estudo as define

    como:

    [...] rea de influncia do eixo, o territrio complementar definido a partir

    das espacialidades das relaes sociais, no sentido amplo, presentes nas

  • 38

    imediaes das vias de transporte e cuja lgica se reflete na rede de cidades e

    sua hierarquia peculiar. Face heterogeneidade que, certamente,

    caracterizar a rea de influncia do eixo, possvel identificar uma ou mais

    economias regionais, centradas nos centros urbanos dominantes, permitindo

    estabelecer a lgica socioeconmica ambiental dessa rea. (MPO;BNDES,

    2001)

    A partir destas definies, foram utilizados critrios como vias de transportes

    existentes e a hierarquia funcional das cidades para a delimitao dos Eixos. Sendo assim, o

    territrio nacional foi dividido em nove Eixos Nacionais de Integrao e Desenvolvimento,

    como demonstrado no mapa abaixo:

  • 39

    Mapa 7- Eixos Nacionais de Integrao e Desenvolvimento

  • 40

    Os Eixos Nacionais de Integrao e Desenvolvimento e seus projetos foram

    elaborados com a inteno de que os investimentos aplicados em um determinado Eixo

    acarretem o desenvolvimento das demais reas ou eixos com atividades relacionadas. Vale

    destacar que o estabelecimento e a integrao dos ENIDs no foram projetados apenas para o

    mbito nacional, mas sim para integrar o Brasil aos demais pases da Amrica do Sul.

    2.2.3 Eixos de Integrao e Desenvolvimento da Amrica do Sul

    No estudo de Eliezer Batista a integrao fsica para a Amrica do Sul tinha como

    suporte os Cintures de Desenvolvimento. Com o Estudo dos Eixos o suporte se tornou os

    Eixos Nacionais de Integrao e Desenvolvimento, que seguiam os mesmos princpios

    bsicos de Eliezer, e exatamente estes ENIDs, utilizados nos PPAs de 1996-99 e 2000-03, que

    contriburam para a construo dos Eixos de Integrao e Desenvolvimento da Amrica do

    Sul (EIDs).

    O documento institucional Ferramenta de Trabalho para o Desenho de uma viso

    estratgica da integrao fsica sul-americana, apresentado como documento de trabalho para

    a reunio do Comit de Direo Executiva da IIRSA, em 2003, define os Eixos de Integrao

    e Desenvolvimento da Amrica do Sul da seguinte forma:

    Em concordncia com a viso geoeconmica da regio, o espao sul

    americano organizado em torno de faixas multinacionais, que concentram

    fluxos de comrcio atuais e potenciais, nas quais se busca estabelecer um

    padro mnimo comum de qualidade de servios de infra-estrutura de

    transportes, energia e telecomunicaes a fim de apoiar as atividades

    produtivas especficas de cada faixa ou Eixos de Integrao e

    Desenvolvimento. (CCT, 2003)

    A espacializao dos eixos corresponde concentrao dos fluxos comerciais em

    torno de reas multimodais de transporte, energia e comunicao. Essas reas possuem um

    padro mnimo de infraestrutura que sustentam o atual fluxo das cadeias produtivas e suas

    economias de escala ao longo dos eixos. A razo final para sua elaborao corresponde ao

    diagnostico de reas isoladas ou subutilizadas que teriam potencial para serem inseridas nas

    economias de escala se possussem infraestrutura para tal.

    Os principais critrios tcnicos utilizados na anlise do territrio para a definio de

    projetos que compe cada eixo de integrao e desenvolvimento foram: 1) Cobertura

    Geogrfica de pases e regies, o que considera a maior participao possvel dos doze pases

    membros, as reas com maior concentrao de populao e as redes de infraestrutura j

    existentes; 2) Os fluxos de bens, pessoas e servios existentes que j contam com a integrao

    dos territrios multinacionais para o escoamento comercial e; 3) Estudo dos fluxos potenciais

    realizado por uma combinao entre o nvel do desenvolvimento do territrio, os recursos

  • 41

    naturais e o interesse da iniciativa privada para detectar o possvel potencial para gerao de

    produtos exportveis para dentro e fora da regio da Amrica do Sul.

    A aplicao dos critrios tcnicos para anlise do territrio resultou numa primeira

    definio de doze eixos inaugurais que serviram de ponto de partida para um trabalho mais

    aprimorado de validao atravs do levantamento de informaes, visitas aos pases e

    reunies tcnicas multilaterais. O resultou foi o agrupamento de alguns dos Eixos propostos,

    havendo redefinies que conduziram a uma reduo no nmero de EIDs a dez. O quadro da

    Evoluo dos eixos a seguir mostra os primeiros doze eixos estabelecidos e suas mudanas.

    Quadro 3 - Evoluo dos Eixos de Integrao e Desenvolvimento da Amrica do Sul Fonte: Elaborao Prpria

    Evoluo dos Eixos de Integrao e Desenvolvimento da Amrica do Sul

    Dezembro de 2000

    I Reunio de Ministros

    EIDs Identificados:

    1. Eixo Mercosul

    2. Eixo Andino

    3. Eixo Interocenico

    4. Eixo Venezuela

    5. Eixo Multimodal Orinoco-Amazonas-Prata

    6. Eixo Multimodal do Amazonas

    7. Eixo Multimodal do Atlntico

    8. Eixo Multimodal do Pacfico

    9. Eixo Neuqun-Conceio

    10. Eixo Porto Alegre-Jujuy-Antofagasta

    11. Eixo Bolvia-Paraguai-Brasil

    12. Eixo Peru-Brasil

    Primeiros a serem implementados:

    1. Eixo MERCOSUL - Chile

    2. Eixo Andino

    3. Eixo Brasil-Bolvia-Peru-Chile

    4. Eixo Multimodal Orinoco-Amazonas-Prata

  • 42

    5. Eixo Brasil-Guiana-Suriname-Venezuela

    6. Eixo Multimodal do Amazona

    Julho de 2003

    IV Reunio do CDE

    1. Eixo Mercosul-Chile

    2. Eixo Andino

    3. Eixo do Escudo das Guianas

    4. Eixo Central do Amazonas

    5. Eixo Amaznico do Sul

    6. Eixo Interocenico Central

    7. Eixo Interocenico de Capricrnio

    8. Eixo Interocenico Meridional

    9. Eixo da Bacia do Prata

    Dezembro de 2004

    1. Eixo Mercosul-Chile

    2. Eixo Andino

    3. Eixo do Escudo das Guianas

    4. Eixo do Amazonas

    5. Eixo Peru-Brasil-Bolvia

    6. Eixo Interocenico Central

    7. Eixo de Capricrnio

    8. Eixo do Sul

    9. Eixo da Hidrovia Paraguai-Paran

    10. Eixo Andino do Sul11

    Observando a tabela se percebe ao longo das reunies o destaque de dois eixos: Eixo

    Mercosul-Chile e Eixo Andino, de acordo com os documentos institucionais da Iniciativa,

    esses dois eixos j apresentam dinmicas de integrao concretas que correspondem aos

    requisitos tcnicos. So reas com grandes taxas populacionais, comrcio regional bem

    11

    Segundo Couto (2012), o Eixo Andino do Sul no foi desenvolvido nos trabalhos da IIRSA, no apresentando

    projetos especficos na sua rea de influncia.

  • 43

    desenvolvido e infraestrutura fsica bem articulada que possibilita a integrao fsica entre os

    pases da rea e com os outros oito eixos.

    Os oito eixos restantes apresentam grande potencial de crescimento, os documentos

    institucionais da IIRSA afirmam que existe a possibilidade de crescimento da economia na

    rea desses eixos que avanariam mediante a soluo de algumas restries fsicas atravs da

    implantao de infraestrutura.

    Os Eixos de Integrao e Desenvolvimento, apresentado no mapa 9 abaixo,

    abrangem territrios em fases diferentes de desenvolvimento, o que possibilita a diferenciao

    entre os que se caracterizam pelos altos fluxos comerciais, cadeias produtivas diversificadas e

    os que apresentam perspectivas de crescimento mediante investimento. O fato de a anlise

    tcnica conseguir diferenciar e agrupar esses territrios, dentro de uma perspectiva geogrfica,

    remete a ideia de regionalizao, assunto que ser abordado no prximo captulo.

  • 44

    Mapa 8 - Eixos de Integrao e Desenvolvimento da Amrica do Sul

  • 45

    3. CONCEPES DE REGIO E REGIONALIZAO

    A inteno deste captulo investigar qual a base terica dos Eixos Nacionais de

    Integrao e Desenvolvimento da Amrica do Sul a partir de uma reflexo sobre a categoria

    regio ao longo das mudanas do pensamento geogrfico. Para isso sero considerados os

    precursores da geografia moderna Humboldt e Ritter, a corrente determinista, possibilista e o

    mtodo regional na intitulada, para fins acadmicos neste trabalho, geografia clssica, a

    anlise regional da nova geografia e a contribuio do carter social da geografia crtica.

    O termo regio usualmente nos remete sua origem que, etimologicamente, vem do

    latim regere e regione. Sua definio pode ser encontrada nos dicionrios de lngua

    portuguesa, como o Dicionrio Aurlio (1986), que define regio como uma grande extenso

    de terreno e tambm como parte do territrio que se distingue dos demais por possuir

    caractersticas prprias. No senso comum representa uma parte ou rea de um todo, por

    exemplo, a regio onde moro e a regio do corpo, segundo Gomes:

    [a regio pode] assim ser empregada como referncia associada localizao

    e extenso de [...] certo fato ou fenmeno, ou ainda ser uma referncia a

    limites mais ou menos habituais atribudos diversidade espacial [e ao]

    domnio de determinadas caractersticas que distingue aquela rea das

    demais. (GOMES, 1995)

    Percebe-se ento que o principio bsico por trs da noo de regio a diferenciao

    de reas, ou seja, a preocupao em mostrar que o mundo, os continentes, os pases e at

    mesmo as metrpoles e cidades so formadas por reas diferentes entre si.

    No perodo de formao dos Estados-Modernos na Europa a questo regional trata da

    relao entre centralizao, uniformizao administrativa e diversidade espacial, fsica,

    cultural, econmica e poltica sobre a qual o poder centralizado, resultante da integrao dos

    feudos, deve ser exercido (GOMES, 1995). De acordo com Correa (2007), em termos

    polticos administrativos, no mbito de um pas, a regio est intimamente ligada ideia de

    localizao e extenso de um determinado fenmeno, geralmente associado unidade

    administrativa de escala subnacional para determinar o poder e o controle do Estado.

    Porm, essa abordagem mais genrica do termo regio no suficiente para entender

    os Eixos de Integrao e Desenvolvimento da Amrica do Sul. Para tanto necessria uma

    breve caracterizao dos vrios momentos em que a concepo de regio foi discutida.

  • 46

    3.1. Precursores e Regio na Geografia Clssica

    A geografia foi reconhecida como cincia no final do sculo XIX, com a criao de

    ctedras na Alemanha e na Frana, em razo, principalmente, das consequncias do

    expansionismo martimo dos sculos XV ao XVIII. A descoberta de novas terras e a

    necessidade de adquirir matria prima para a indstria que estava em expanso, demandava a

    existncia de uma cincia que possibilitasse conhecer, cartografar e conquistar outros

    territrios. O que deu origem Geografia Moderna, que tem em Alexander von Humboldt e

    Carl Ritter seus principais precursores.

    Os trabalhos de Humboldt (1769-1859) so resultado de suas expedies s

    Amricas, onde pde coletar diversos dados que o subsidiaram nas explicaes sobre a

    diferenciao espacial das reas da superfcie terrestre, sempre buscando encontrar relaes

    entre esses diversos fenmenos que produziam espaos com diferentes caractersticas.

    A partir da organizao e da anlise dos dados coletados em suas viagens, Humboldt

    sistematizou em diferentes escalas seu conhecimento. Com isso, percebeu que a Geografia

    poderia ser uma cincia sistemtica, onde os fenmenos seriam estudados em escala mundial,

    continental ou regional. Com seu mtodo emprico e indutivo, conseguia comparar as

    paisagens das reas visitadas com outras paisagens distribudas no espao. Ou seja, partindo

    do particular para o geral, tentava criar leis gerais vlidas para casos no observados, sempre

    com a certeza que os lugares no se explicam em si mesmos, pois so apenas representaes

    de fenmenos correntes em outras escalas.

    Ritter (1779-1859), contemporneo de Humboldt, dedicou-se ao magistrio, sendo o

    responsvel pela elaborao do mtodo descritivo regional. Seus estudos no se limitavam a

    descrio e sim a anlise da dinmica histrica de como as civilizaes exploravam seu meio.

    Para isso considerava a histria e a cultura para entender o espao terrestre. Lencioni

    caracteriza bem o pensamento de Ritter:

    Seu estudo das regies baseou-se na comparao das relaes causais e na

    afirmao da importncia dos mtodos empricos. Sua viso contribui para o

    desenvolvimento das divises regionais fundadas em critrios naturais, em

    vez de divises regionais baseadas nos limites administrativos e polticos.

    Sem dvida, com Ritter que os fundamentos dos estudos regionais, ou de

    uma Geografia Regional, se estabelecem. (LENCIONI, 2009)

    Conclui-se que o pensamento de Ritter fundamentou o desenvolvimento de estudos

    comparativos, o que desenvolveu a Geografia Regional, dando maior importncia para o

    particular do que para o geral.

  • 47

    [...] a nfase dada nos estudos de Ritter se concentra muito mais no

    particular do que no geral -, enquanto que no de Humboldt, mais no geral, ou

    em outros termos, mais sistemtica. Por isso, comum a referncia a Ritter

    como fundador da Geografia Regional e a Humbold, da Geografia Geral.

    Contudo, isso no significa que Ritter no tenha se voltado a estudos gerais

    nem que Humboldt, a estudos regionais. (LENCIONI, 2009)

    Paul Claval deixa ainda mais clara a contribuio dos estudos de Humboldt e Ritter

    para o pensamento geogrfico:

    [...]graas a Ritter e Humboldt que os gegrafos aprendem, nas suas

    explicaes, a trabalhar de forma sistemtica com a dialtica das escalas, ou

    seja, passam a inserir os fenmenos que condicionam o espao em extenses

    mais vastas ou menos restritas que o fenmeno especfico que est

    interpretando. Dessa maneira, conseguem vislumbrar como as foras gerais

    ou locais se combinam para explicar a distribuio que analisa. (CLAVAL,

    2006)

    Sendo assim, Humbold e Ritter, alm de serem considerados os pais da geografia

    moderna, foram os percussores para a compreenso do estudo da regio. As discusses a

    respeito da definio de regio acompanharam as mudanas nos paradigmas geogrficos.

    Roberto Lobato Correa, em publicao na Revista Brasileira de Geografia, de 1997, delimita

    essas mudanas afirmando que desde o final do sculo XIX, quando a geografia

    institucionalizada como disciplina nas universidades europeias, at 1970, aproximadamente,

    trs grandes acepes de regio foram estabelecidas entre os gegrafos. Essas trs acepes

    destacadas por Correa so respectivas s mudanas existentes no pensamento geogrfico e

    correspondem regio natural, regio paisagem12

    e a regio existente no contexto da nova

    geografia.

    Sob influncia dos estudos da Teoria da Evoluo das Espcies de Lamarck

    (1744-1829) e da Teoria da Seleo Natural das Espcies de Darwin (1809-1882) foi

    fundamentada a escola de pensamento geogrfico determinista, que perdurou entre 1870 e

    1920. Friedrich Ratzel (1844-1904) foi um dos principais nomes dessa corrente, via o

    homem como um produto do meio, atribuindo grande importncia para as condies

    ambientais na formao das sociedades. Tinha as sociedades como organismos vivos que

    crescem e se multiplicam e, ao se multiplicarem, nasce a busca pela ampliao do

    territrio.

    Junto com o determinismo geogrfico e cunhado por Gallois, em 1908, foi

    proposto um novo conceito para regio, a Regio Natural. Correa a define como:

    12 A regio paisagem tambm pode ser chamada de regio geogrfica, humana ou lablacheana.

  • 48

    [...] uma poro da superfcie terrestre identificada por uma especifica

    combinao de elementos da natureza, como, sobretudo, o clima, a

    vegetao e o relevo, combinao que vai se traduzir em uma especfica

    paisagem natural. [...] Para aqueles gegrafos a regio natural constitui-se

    no recorte espacial mais relevante para os seus propsitos. (CORREA,

    1995)

    Em contraposio ao determinismo houve a ascenso do possibilismo, que tem em

    destaque o pensamento de Vidal de La Blache (1845-1918). La Blache considerado o pai do

    possibilismo geogrfico e maior expresso da Geografia Regional. Sua diferena bsica do

    determinismo consiste no foco de estudo, enquanto este considerava que a natureza

    comandava a vida do homem permitindo apenas com que se adaptasse, o possibilismo

    defendia que a natureza poderia ser modelada em funo das necessidades do homem, ou seja,

    o homem ao conhecer o meio que o cerca conseguiria modific-lo a seu favor. Dessa forma,

    de acordo com Correa, o gnero de vida juntamente com a cultura e a paisagem eram

    particulares em cada regio.

    A regio vivenciada pelos seus habitantes que reconhecem sua existncia

    concreta a ponto de nome-la: Pays13

    de la Brie, Serto, Amaznia,

    Campanha Gacha etc. Por outro lado, os habitantes tem a sua identidade

    referenciada regio que habitavam. (CORREA, 1997)

    Ainda, de acordo com Correa a nova concepo de regio caracterizada pela

    concentrao da mesma paisagem cultural em uma rea, [...] trata-se agora da regio

    paisagem, dois termos que nas lnguas alem e inglesa podem ser referidos como uma nica

    palavra, respectivamente, landschaft e landscape.

    Vidal de La Blache, em sua obra de 1913, Les caractres distintifs de la

    gographie, afirma que o mtodo utilizado para Geografia deve ser indutivo e considerar a

    histria da rea em estudo. Sendo as interrelaes entre os fenmenos particulares

    referenciados na totalidade da superfcie terrestre. Em sua outra obra La France del l'Est, de

    1917, La Blache j considerava que alguma regies eram organizadas pelas cidades

    classificadas por ele como formadoras de unidades.

    [La Blache] Denominou este tipo de regio nodal, influenciado pelo trabalho

    do ingls Halford John Mackinder14

    (1861-1947). Nessa obra, o gegrafo

    francs [...] considera que a cidade que cria a regio, observando que elas

    so dinmicas; ou seja, se formam e se dissolvem. Mais do que definir uma

    regio, tomando como referncia a cidade, Vidal de La Blache salientou que

    13 De acordo com Grigg (1974), pays um termo da escola francesa utilizado para denominar reas rurais essencialmente

    locais que no sofreram influncia da industrializao e possuam economias prprias. 14 Halford John Mackinder foi considerado um dos renovadores do pensamento geogrfico na Inglaterra. Sua principal obra

    em relao aos estudos regionais, Britain and the British Seas, de 1902, foi considerada uma das mais importantes do seu

    tempo. Seu pensamento inovava ao considerar alm das relaes homem e natureza, a contribuio da poltica e da interao

    socioeconmica entre as diversas reas.

  • 49

    no fundamental procurar os limites da regio, mas conceb-la como uma

    espcie de aurola, cujos limites no so bem determinados. (LENCIONI,

    2009)

    A organizao do espao e das regies, de acordo com La Blache, possui um estgio

    primitivo onde os grupos sociais se instalam no permetro de uma regio natural e outro onde

    j existe o desenvolvimento da civilizao, outros grupos sociais instalados em regies

    prximas comeam a efetuar trocas originando uma aproximao. Para ele, o crescimento da

    circulao [proveniente das trocas complementares entre as regies] desenvolve a diviso

    regional do trabalho, tornando as regies dependentes umas das outras (LENCIONI, 2009).

    De acordo com Lencioni (2009), Paul Vidal de La Blache, em sua obra pstuma,

    Principes de gographie humaine, de 1922, evidenciou a formao da regio como

    integrao e sntese do homem com o meio, criando a unidade homem e natureza. Para La

    Blache a Geografia Regional era interessante em si mesma, por conseguir explicar como as

    diversidades presentes nos diferentes lugares organizam o espao.

    Na transio para o sculo XX, Hettner (1859-1941), contagiado pelo neokantismo,

    contraps a diviso existente nos estudos sistemticos de Ratzel, Humboldt e Ritter, por ser

    contrrio ao puro empirismo, aceitando inferncias lgicas como parte do mtodo cientfico.

    De acordo com ele, a Geografia no poderia ser dividida entre o estudo das

    generalizaes e das peculiaridades, ou seja, no poderia ser enquadrada como uma cincia

    nomottica ou idiogrfica. Para Hettner, de acordo com Lencioni:

    [...] quando a Geografia se volta para o estudo das relaes entre os

    fenmenos de um determinado territrio uma Geografia Idiogrfica;

    porm, quando esses fenmenos podem ser classificados em categorias,

    possibilitando a deduo de leis gerais, ela nomottica. (LENCIONI, 2009)

    Porm, Hettner dizia que o objeto da Geografia est na sua vertente corolgica15

    , ou

    seja, no estudo regional. Para Hettner a formao da regio geogrfica seria realizada por

    meio do estudo das diferenciaes da superfcie terrestre, vista como um todo, a partir da

    juno de caractersticas coerentes entre elas, tanto fsicas quanto funcionais, que

    diferenciariam a parte do todo. Quanto escala dos estudos, Hettner apenas afirma que sendo

    regies de grandes dimenses o estudo seria prejudicado por no conseguir captar todas as

    diversidades e em dimenses muito pequenas o estudo ficaria reduzido e simplista. Sendo

    assim, a escala no poderia ser grande demais ou pequena demais, ela deveria ter um tamanho

    ideal para conseguir englobar todas as suas especificidades.

    15 Segundo Lencioni (2009), corologia um conceito que se refere integrao de fenmenos heterogneos numa dada rea e

    foi proposto por Richtofen em 1883.

  • 50

    Foi nesse contexto que, em 1930, surgiu o mtodo regional como uma nova corrente

    de pensamento geogrfico. Essa nova corrente teve como base as ideias de Richard

    Hartshorne, que seguiu o pensamento de Hettner, retomando o estudo da geografia regional

    como sendo a diferenciao de reas o objeto da geografia.

    O mtodo regional de Hartshorne se baseia na constatao de que a regio uma

    categoria de anlise que deve ser entendida no presente. Apesar de admitir que para

    compreender o presente seja necessrio entender a perspectiva histrica, ele no considera que

    essa perspectiva seja uma atribuio do gegrafo. Este, por sua vez, deve concentrar seus

    esforos na diferenciao de reas, estudando os processos e as funes dos fenmenos

    regionais, e no sua gnese, ao contrrio do que apresentou Hettner.

    Outro aspecto importante do mtodo regional a utilizao de escalas adequadas ao

    estudo, onde o tamanho da rea analisada seja compatvel com a complexidade dos

    fenmenos apreendidos. Assim como Hettner, Hartshorne enfatiza que quanto maior a

    complexidade dos fenmenos menor ser a regio estudada, e quando mais generalizados

    forem os fenmenos, maior ser a rea. Ou seja, quanto mais detalhes fizerem parte do estudo,

    mais difcil ser identificar uma rea que compreenda de forma integrada esses aspectos.

    Lencioni demostra que esse detalhamento, levado ao extremo, perde o carter de um estudo

    regional:

    [...] um estudo que se proponha a analisar o conjunto total de fenmenos que

    dizem respeito Geografia s seria possvel numa rea to diminuta que essa

    acabaria se reduzindo a um ponto. Perderia o carter de um estudo de rea,

    para se colocar apenas como estudo de um ponto. (LENCIONI, 2009)

    Para Hartshorne o estudo da regio no deve ser meramente descritivo, mas sim

    como um produto mental, ou seja, estudos tpicos no so estudos regionais. Para ele pensar

    as reas de acordo com seus fenmenos homogneos, limitados entre uma ou duas

    caractersticas, resulta em uma geografia geral, sistemtica. O mtodo regional, de acordo

    com Hartshorne, se debrua sobre a heterogeneidade de uma rea, no passo que a geografia

    regional busca entender a integrao entre os fenmenos heterogneos presentes em uma

    determinada rea.

    Ainda nos estudos de Hartshorne, outro fator importante consiste na delimitao das

    divises das reas. As reas so delimitadas de acordo com a continuidade da integrao dos

    fenmenos. Sendo assim, quando comea a haver certa descontinuidade no grau de integrao

    dos fenmenos caractersticos daquela rea especfica h sua diviso. Porm, o autor ainda

    deixa claro que para caracterizar uma rea no necessrio que haja contiguidade regional.

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    Como a determinao da rea a ser estuda no mtodo regional mental, ou seja, o

    pesquisador determina os fenmenos e a rea a serem estudados.

    Obviamente que as concepes de regio ao longo do perodo da chama Geografia

    Clssica ou Tradicional, no se limitam a isso e nem se enquadram em uma receita de bolo,

    sendo importante destacar que esses autores vivenciaram o incio das grandes mudanas como

    a ascenso da urbanizao e o incio da globalizao. Exatamente por isso que seus mtodos e

    concepes a cerca das regies sofreram alteraes ao longo dos anos.

    3.2 Regio na Nova Geografia Quantitativa

    A dcada de 1950, para a histria do pensamento geogrfico, foi marcada pela

    revoluo teortico-quantitativa com base lgico-positivista16

    , onde um enunciado cientfico

    s era considerado pertinente se ele fosse passvel de verificao (Lencioni, 2009) e

    introduo da base estatstica e anti-historicista17

    como instrumento de anlise nos estudos

    regionais.

    De acordo com Bezzi (2007), a regio passa a ser vista como um meio de anlise, ou

    seja, uma abstrao analtica. A grande mudana no aporte terico-metodolgico resultou da

    preocupao com a formulao de leis gerais, sendo interessante para os estudos regionais os

    padres existentes e no as particularidades.

    A regio passa a ser formada por um recorte espacial delimitado pelas caractersticas

    definidas pelo pesquisador. Os diversos fenmenos existentes naquela extenso de rea so

    selecionados e agrupados atravs dos dados estatsticos, considerando as funes nelas

    estabelecidas. A partir do agrupamento dos dados formada uma hierarquia de relaes

    funcionais onde cada regio desempenha um papel matematicamente calculado. Dessa forma

    possvel afirmar que a regio passa a ser uma ferramenta, como explica Grigg:

    O estabelecimento de regies passa a ser uma tcnica da geografia, um meio

    para demonstrao de uma hiptese e no mais um produto