Os estereótipos e representações de personagens negros na ... · O sitio do Picapau amarelo é o...
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Os estereótipos e representações de personagens negros na história infantil de Monteiro Lobato: O sitio do Picapau Amarelo.
Autor(a): Katiéli Soares Dos Santos1
Orientador(a): Liliane Dutra Bignol2
O presente trabalha busca identificar nos contos que formam a obra infantil Sitio
do Picapau amarelo, de Monteiro Lobato, os estereótipos e representações
das personagens negras que possam estar relacionadas com preconceitos que
circulam nos meios midiáticos. O texto se tornará uma monografia para o
trabalho de conclusão de curso, em Comunicação social- Hab. Produção
editorial, em 2019, pela Universidade federal de Santa Maria(UFSM).
O sitio do Picapau amarelo é o nome dado a obra, que foi escrita, editada e
divulgada por Monteiro Lobato (1882-1948) e une os contos de seus
personagens, inicialmente os personagens como Narizinho, Pedrinho, O Saci,
1 Graduanda do curso de comunicação social da Universidade Federal de Santa Maria. Componente do NEAB-UFSM e do PETCiências sociais aplicadas. 2 Professora do departamento de comunicação social da Universidade Federal de Santa Maria, integra o corpo docente do Programa de Pós-graduação em Comunicação, atuando na linha de pesquisa Mídia e identidades contemporâneas. Coordenadora do GT Recepção, circulação e usos sociais das mídias da COMPÓS (2018-2020). Coordenadora do grupo de pesquisa Comunicação em rede, identidades e cidadania (CNPq-UFSM) e da linha de pesquisa Comunicação midiática e migrações transnacionais do MIGRAIDH/CSVM ? UFSM (Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional/ Cátedra Sergio Vieira de Mello).
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Tia Nastácia e Dona Benta tinham sua história contada em livros escritos
separadamente, mas com o mesmo plano de fundo, ou seja, o Sítio do Picapau
Amarelo. O primeiro livro dessa série foi o conto “A menina de nariz arrebitado”,
lançado no ano de 1921, que teve sua versão ampliada em 1931, com o título de
Reinações de narizinho, em ambas a protagonista é o personagem Narizinho,
uma menina descrita como doce que está sempre acompanhada de sua boneca
Emilia. Após esse livro, vieram os demais, dando destaque para 3 desses contos,
que serão analisados na futura monografia, são eles: Histórias da tia
Nastácia(1937), Caçadas de Pedrinho(1922), Reforma da natureza(1941 ) e O
Saci(1927), a escolha desses contos se deve ao fato deles possuírem um
conteúdo que vai ao encontro com a análise que o projeto pretende fazer. A
criatividade de Monteiro nas obras encantou e ainda encanta o público infantil,
as aventuras vividas pelos personagens são as mais diferentes intrigantes
possíveis. Para muitas crianças era impossível não prender a atenção nas
aventuras descritas por Lobato. O sucesso do conto foi tanto que ele se tornou
um seriado televisivo, que teve uma aceitação tão boa quanto os livros, houve
em torno de quatro versões do seriado televisivo, a primeira versão foi a
apresentada pela extinta Rede Tupi, em 1952. Mas apesar do sucesso, há
polêmicas em torno de questões étnicos-raciais da obra, que foi diversas vezes
acusada de conter conteúdo preconceituoso.
Há inúmeros artigos, teses, reportagens e dissertações com o objetivo de
comprovar ou contestar a polêmica acerca das ofensas a pessoas negras que
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Monteiro Lobato expressa em suas histórias infantis. Analisar como eram
representadas pessoas negras e como a obra que aparentemente, relata apenas
aventuras incríveis e recheadas de fantasia de crianças no Sitio de sua avó, na
verdade é o fruto do pensamento eugenista de Monteiro lobato.
A estereotipagem dentro de uma sociedade onde há um grupo hegemônico,
serve muitas vezes para construir uma imagem cada vez menos desvalorizada
dos outros grupos considerados inferiores . Essa busca por poder e por domínio
de todos os campos de atividade, se da das formas mais cruéis e invasivas
possíveis e é capaz de gerar grandes conflitos por uma supremacia, que exclui
os grupos que são muitas vezes base daquela sociedade. O racismo estruturado
desde antes da abolição e continuado após pessoas negras serem enfim
“libertadas”, fortaleceu uma estrutura social construída a partir da servidão e
exploração de corpos negros, no Brasil. São inúmeros boicotes, como
apropriações, marginalizações, violências, leis com objetivos genocidas que
buscam inferiorizar a população negra.As implicações do racismo na construção
da identidade do povo negro, resultado da colonização europeia sobre as regiões
do continente africano, afetam drasticamente e profundamente a vida e o
desenvolvimento de pessoas negras. Mesmo após a abolição, a cultura negra
continuou sendo desvalorizada e quando vinha à tona era mostradas a partir de
uma visão eurocêntrica e preconceituosa.
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Pra demonstrar como eram esses estereótipos nas obras Sitio do Picapau
Amarelo vamos analisaremos os três personagens negros das obras, e em como
eram apresentadas suas vidas, seus jeitos, suas linguagens e como era sua
relação com as pessoas brancas. As personagens analisadas, com base na sua
participação e identificadas como personagens fixos dos contos, são: Tia
Nastácia , Tio Barnabé e o Saci Pererê, A personagem tia Nastácia, descrita
como a cozinheira da família, pele escura, obesa e dita como a “negra de
estimação” da família. A posição de inferioridade e servidão para família do sitio,
ilustra o estereotipo da mulher negra que dedica toda a sua vida para uma família
branca, a mãe preta como é chamado esse tipo de atribuição, é geralmente a
empregada doméstica, a escrava ou ex-escrava que possui uma devoção e amor
incondicional aos personagens brancos das histórias, ela aparece em produções
cinematográficas, novelas e séries . “O grande problema da Mãe Preta é que ela
costuma ser uma personagem sem vida ou motivação própria, sendo que toda a
sua força e personalidade são usadas em prol da família branca. Sempre em
posição subalterna, mas feliz da vida mesmo assim, a figura da Mãe Preta acaba
ocultando as relações de poder por trás da sua situação. E como se não
bastasse, ainda reforça a ideia de que mulheres negras são naturalmente
subservientes e pertencentes ao serviço doméstico.” (Vascouto, 2017). Tia
Nastácia possui um livro próprio o “Histórias da tia Nastácia”(1937) no livro ela
narra histórias para as todos no sítio, essas histórias trazem toda a cultura e
saber populares, um saber mágico, empírico, fruto do conhecimento da vida, mas
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conforme a história do livro avança, as críticas ao que Tia Nastácia conta ficam
mais pesadas ao ponto das crianças ofenderem a personagem, que é
deslegitimada a todo o momento.
E o saci Pererê, é importante salientar que a análise do personagem do Saci
será feita de duas formas, a primeira é retomando a lenda já existente do Saci
Pererê, que teve origem na região sul do pais, por povos indígenas e a outra
análise será do Saci dentro do sitio do Picapau amarelo e da sua relação com
os demais personagens.
Outro personagem que vive na fazenda é o tio Barnabé, descrito como um
homem velho, negro, que vive na roça, mora nas propriedades de Dona Benta.
Ele tem uma participação maior no conto “As caçadas de Pedrinho”(1933), ele
está sempre fumando seu cachimbo e tem grandes conhecimentos sobre a
floresta, o folclore e lendas, como a do saci Pererê.
Há outro personagem que será analisado nas obras, mas esse não possui a
representação de uma pessoa e nem possui nome próprio, esse personagem
aparece nas relações entre personagens brancos e negros e é evidenciado
quando ouvimos ofensas dirigidas as 3 personagens citadas acima, que o
racismo estrutural. É importante destacar que essa forma de racismo será a
analisada nas obras de Monteiro Lobato, pois é ele que constitui as relações e
normaliza a violência e ofensas dirigidas contra pessoas negras, ele constitui as
ações conscientes e as inconscientes, também. Ele afeta a vida de pessoas
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negras em pontos como economia, social e no aspecto subjetivo, se estrutura de
uma forma que coloca pessoas negras na posição mais prejudicial na sociedade.
Um aspecto que se apresenta como um derivado do racismo estrutural é a
discriminação racial, no artigo 1 sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, da ONU diz:
“Discriminação Racial significa qualquer distinção,
exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor,
ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade
ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e/ou
exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e
liberdades fundamentais nos campos político, econômico,
social, cultural ou qualquer outra área da vida pública”.
A cultura afro brasileira tem um papel importantíssimo na construção do povo
brasileiro, ela é heterógena, se monta a partir dos diferentes povos trazidos do
continente africano na época da escravidão, ela possui grande influência na
dança, música, religião, festas populares e tantos outros pontos que nem
imaginamos, mas infelizmente o que aprendemos na escola sobre o povo negro
se limita à escravidão, ou são apresentados de forma distorcida, fazendo da
imagem do negro como um ser escravo por natureza e não de pessoas que
foram escravizadas. Infelizmente a cultura afro-brasileira é desvalorizada e só é
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bem vista quando é apropriada por pessoas brancas. Em contrapartida, leis
como a 10.639 (2005) são importantes, e colaboram para enaltecer e deixar
nítido as contribuições e a importância de estudar as contribuições de países
africanos para a formação do país, objetivo dessa lei é implantar nas escolas o
ensino da história e cultura afro-brasileiras-brasileiras e africanas.
O problema de pesquisa a ser resolvido é analisar e entender como o Sítio do
Picapau Amarelo é um dos tantos objetos comunicacionais que reforça
estereótipos e generalizações nas representações de pessoas negras nos meios
de comunicação e na literatura infantil, destacar que as obras possuem
ambiguidades quanto ao tema que será analisado, pois em algumas obras ele
descreve personagens com atitudes e expressões racistas e estereotipa
pessoas negras e em outros ele valoriza a cultura trazidas pelos povos africanos
e por vezes critica o racismo imposto na sociedade, através das falas dos
personagens e de sua própria narração.
Monteiro Lobato apresenta ao decorrer da suas narrativas ambiguidades quanto
as questões raciais, como por exemplo no trecho do livro Viagem ao Céu(1962):
“-Hoje, sim-Afirmou Emilia. – Tia Nastácia está “lagarteando”, mas negra velha
não tem direito de repousar.
Narizinho encarou-a com olhos de cesura.
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-Malvada! Quem neste sítio tem mais direito de descansar do que ela, que é
justamente quem trabalha mais? Então a negra velha não é gente? Coitada!
Ela entrou no lagarto, ontem. Espere ao menos mais uns dias.
- Não. Há de ser hoje mesmo [...]” (LOBATO,1962,p.7)
No trecho vemos como a boneca Emília trata Tia Nastácia, com total falta de
empatia e respeito pelo o seu momento de descanso, mas na mesma fala entra
Narizinho com um discurso contraponto e reprimindo a atitude de Emília, mas
mesmo assim com a fala de Narizinho acorda a Tia Nastácia. É nítido que esse
trecho pareça uma simples conversa entre a teimosa Emília e a Narizinho, mas
podemos notar como Lobato quer expressar seu pensamento sobre as pessoas
negras, mas não quer que fique tão nítido.
A metodologia que adotada no desenvolvimento do projeto, será a análise de
conteúdo em comunicação social, o método é considerado o melhor para
analisar os meios de comunicação, como textos, áudio e imagens, no caso nesse
projeto, serão os textos dos livros, que compõem o sitio do Picapau Amarelo. De
acordo com Bardin (1977) citado por Quadros (2014, pág.92) “O método se
estrutura em cinco etapas: A organização da análise, a codificação, a
categorização, a inferência e o tratamento informático. ”A pesquisa documental,
método que será usado na captura de dados, será feita com a busca de
documentos do autor e de registros de suas obras e de sua editora, ou seja, será
uma pesquisa secundária, mas buscarei fazer com materiais primários, também.
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Uma das principais fontes das buscas será a Biblioteca infantil de Monteiro
Lobato de Campinas, que possui um site que disponibiliza documentos do autor,
depositados por herdeiros em
http://www.campinas.sp.gov.br/governo/cultura/bibliotecas/monteiro-lobato.php.
Além do centro de documentação Alexandre Eulálio e o Instituto de estudos
brasileiros e dos livros da biografia do autor. Para dar embasamento das pautas
do movimento negro usarei autores brasileiros e livros sobre o Brasil pós
abolicionista e Brasil república, época em que Monteiro Lobato viveu .Os autores
negros que darão base para a discussão, serão autores que possuem materiais
críticos sobre a literatura no Brasil e sobre a presença e não presença do negro
na literatura e escritores negros que viveram na época em que foram escritos os
contos do Sitio do Picapau amarelo, por eles retratarem em seus poemas, contos
e história a realidade de pessoas, sendo eles: Carolina Maria de jesus,
Conceição Evaristo, Abdias Nascimento, Muniz Sodré, Stuart Hall, Cruz e Souza,
Homi Bhabha, Milton Santos, José Vicente, reitor da faculdade Zumbi dos
Palmares entre outros autores. Outros intelectuais, artigos, entrevistas, textos de
opinião serão usados para embasar a discussão envolta da polêmica sobre a
retirada dos livros de Monteiro Lobato do plano de ensino das escolas e livros do
acervo digital afro-brasileiro da Biblioteca nacional.
Justificativa:
Estudar estereótipos inseridos dentro da literatura infantil brasileira, é essencial
para entender como se da o processo de construção da imagem de pessoas
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negras nos meios de comunicação. É necessário compreender como a obra Sitio
do Picapau amarelo, é um objeto comunicacional que reforçam estereótipos e
representações distorcidas de vidas negras, a análise das obras, de estudos
sobre a representação de vidas negras nas mídias e da origem dessas
representações, contribuindo para desconstrução desses estereótipos e na
diminuição dos impactos do racismo na vida de pessoas negras.
Palavras-chave: Estereótipo, racismo, Sitio do Picapau Amarelo.
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