Os Impactos China India Russia

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Economia Poltica InternacionalAnlise estratgicaISSN 1808-298X n. 7 - outubro a dezembro/2005Publicao trimestral

BRICInstituto de EconomiaCentro de Estudos de Relaes Econmicas Internacionais - CERI Campinas - So Paulo

Diretor do Instituto de Economia da UNICAMP

Prof. Dr. Marcio Percival Alves PintoDiretor Executivo do CERI

Prof. Dr. Jos Carlos de Souza Braga

Professores

Ana Lcia Gonalves da Silva Antonio Carlos Macedo e Silva Fernando Nogueira da Costa Jos Maria Ferreira Jardim da Silveira Jos Pedro Macarini Jos Rubens Dria Porto Luciano Galvo Coutinho Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo Mrcio Wohlers de Almeida Marcos Antonio Macedo Cintra Maria Alejandra Caporale Madi Mariano Francisco Laplane Mrio Ferreira Presser Nelson Prado Alves Pinto Pedro Paulo Zahluth Bastos Rinaldo Barcia Fonseca Rogrio Pereira de Andrade Simone Silva de Deos Wilson CanoSecretaria do CERI

Helena Lopes da Silva Brigante

Projeto grfico-visual/Normalizao/Editorao eletrnica

Clia Maria Passarelli (Secretaria de Publicaes)

Unicamp Instituto de Economia Centro de Estudos de Relaes Econmicas Internacionais CERI Cidade Universitria Zeferino Vaz ! Caixa Postal 6135 " (019) 3788.5731 # (019) 3289.1512 $ [email protected] 13083-857 Campinas, So Paulo Brasil

n. 7 outubro a dezembro de 2005ISSN 1808-298XPublicao Trimestral do

Centro de Estudos de Relaes = Econmicas Internacionais - CERI

Instituto de Economia

SUMRIOEDITORIALOs impactos da China, ndia e Rssia na Economia Mundial Marcos Antonio Macedo Cintra Adriana Nunes Ferreira ..................................................... 1 Mudanas estruturais e crise de liderana no Sistema Mundial Jos Lus Fiori .............................................................. 5 O novo regime cambial chins e a diplomacia do Yuan fraco Andr Moreira Cunha Andr Martins Biancareli ...................................... 12 China: uma insero externa diferenciada Luciana Acioly ............................................................. 24 Reformas econmicas na ndia: discurso e processo Sebastio Velasco ........................................................ 32 Questes em discusso sobre a Rssia de Putin Lenina Pomeranz................................................................ 44 Desequilbrios externos da economia espanhola Jos Gilberto Scandiucci Filho.......................................... 50 O Novo Acordo de Basilia e seus impactos no papel que as instituies financeiras desempenham nos ciclos econmicos Paulo Henrique Costa .................................................. 57 As negociaes em NAMA na OMC: impasses e desafios Mrio Ferreira Presser ...................................................... 64

EDITORIAL OS IMPACTOS DA CHINA, NDIA E RSSIA NA ECONOMIA MUNDIAL Marcos Antonio Macedo Cintra 1 Adriana Nunes Ferreira 1As persistentes taxas de crescimento dos pases continentais conhecidos por Bric (Brasil, Rssia, ndia e China) tm despertado a curiosidade dos governos, dos pesquisadores e do pblico em geral (o Brasil em menor grau, evidentemente). Apreende-se uma grande demanda por fontes de informaes e por uma maior compreenso da dinmica dos processos de desenvolvimento desses pases. Busca-se, sobretudo, identificar os principais determinantes do desempenho exuberante da China, ndia e Rssia. Observa-se que, em maior ou menor grau, esses pases tm procurado implementar uma estratgia neomercantilista, a fim de aperfeioar seus parques tecnolgicos e integrar suas populaes. Eles adotam uma poltica de taxa de cmbio desvalorizada, mantendo a competitividade das suas exportaes, para obter saldos comerciais expressivos e acumular reservas. No final de 2004, a China detinha 38% das reservas internacionais dos pases em desenvolvimento; a ndia, 9% e; a Rssia, 7,1%.

____________1 Professores do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Editorial Marcos Antonio Macedo Cintra / Adriana Nunes Ferreira ........................................................................................................................................................

Praticam tambm uma poltica monetria mais lassa, que favorece a expanso do crdito, da produo e do emprego domsticos, aproveitando o estmulo da demanda externa. A acumulao de reservas mediante saldos comerciais elevados e no-contratao de novas dvidas atende a demanda por liquidez em moeda forte e assegura a estabilidade da taxa de cmbio. Dessa forma, parece que a defesa da taxa de cmbio real, dos supervits em conta corrente e a acumulao de reservas elevadas tornaram-se cruciais num mundo de grande mobilidade de capitais e assimetria entre as moedas. Isso parece demonstrar que os Estados nacionais que aspiram a empreender projetos de desenvolvimento precisam reforar a independncia diante dos mercados financeiros internacionais. Entre os pases continentais da periferia do sistema econmico mundial, observa-se uma crescente aproximao entre a Rssia e a China, envolvendo posies estratgicas de fronteira, populao e fonte de energia. A ndia tambm tem realizado movimentaes diplomticas em direo Rssia e China, ainda que seja difcil imaginar um bloco entre economias to diferenciadas. O Brasil, afora ser grande, no parece ter desempenhado, at o momento, qualquer posio estratgica comum com os demais. Entre outros temas, esse nmero do Boletim de Economia Poltica Internacional: Anlise Estratgica do Centro de Estudos de Relaes Econmicas Internacionais do Instituto de Economia da Unicamp procura trazer elementos para o debate da lgica e da dinmica do desenvolvimento desses pases continentais no incio do sculo XXI. JOS LUS FIORI Mudanas Estruturais e Crise de Liderana no Sistema Mundial discute os impactos da assimilao da economia nacional da China e da ndia pelo territrio econmico do capital financeiro americano. O autor argumenta que um dos possveis problemas dessa nova ordem seria a busca por segurana energtica dessas novas mquinas de crescimento, que podem desencadear uma reorganizao e redistribuio dos recursos disponveis e escassos, nos vrios pontos do mapa energtico do mundo. Do seu ponto de vista, no campo geo-econmico e, em particular, no mundo da energia, est ocorrendo uma expanso veloz da demanda e um aumento da intensidade da competio, entre os velhos e os novos grandes consumidores de petrleo e gs natural disponvel no mundo. O autor sugere ainda que, do ponto de vista geopoltico, neste incio de 2006, o sistema internacional estaria perdendo vitalidade orgnica, e que os Estados Unidos estariam sem uma orientao estratgica ntida e consensual. Isso poderia abrir espao para mudanas na poltica externa de vrios pases que contestam ou propem redefinir os termos da hegemonia americana, em particular na Amrica Latina. ANDR MOREIRA CUNHA e ANDR MARTINS BIANCARELI O Novo Regime Cambial Chins e a Diplomacia do Yuan Fraco defendem que a economia chinesa estaria ancorada em uma poltica externa cada vez mais ativa, que daria a base de sustentao de um maior protagonismo na arena internacional. Os autores argumentam que a racionalidade do yuan fraco deve ser compreendida como parte de uma estratgia de longo prazo e buscada na relao entre a gesto do valor externo da moeda nacional, os fluxos de capitais, a necessidade de manter o ritmo de crescimento acelerado e uma insero pragmtica na economia globalizada.

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LUCIANA ACIOLY China: uma Insero Externa Diferenciada examina as principais tendncias dos fluxos de investimento direto externo para a China, mostrando que o ambiente institucional foi fundamental na definio do papel virtuoso exercido por esses capitais. A estratgia de insero internacional por meio do comrcio e do investimento direto contou com a criao de um ambiente propcio ao crescimento. Nesse sentido, a autora mostra que a China procurou manter uma poltica cambial estvel e favorvel s exportaes e estabelecer um marco regulatrio para a atuao das empresas transnacionais de acordo com os objetivos da poltica industrial e tecnolgica articuladas com a poltica de comrcio exterior. SEBASTIO VELASCO Reformas Econmicas na ndia: Discurso e Processo discute o processo de reformas econmicas na ndia, salientando seu carter pragmtico, e examina a hiptese de uma eventual emergncia de um novo padro de desenvolvimento. Alguns dos traos cruciais desse novo modelo seriam: o papel dinmico da produo de servios de informtica, a relevncia da agricultura como fonte geradora de empregos, a solidez dos grupos econmicos privados locais e a persistncia de um vasto setor empresarial estatal. LENINA POMERANZ Questes em Discusso sobre a Rssia de Putin procura identificar as questes debatidas na Rssia de Putin: estatizao da economia russa e falta de democracia, no plano interno; e atuao relativamente independente, no plano internacional. A autora defende que a alardeada falta de democracia seria uma estratgia para restabelecer o poder poltico central do Estado nacional. Ademais, o controle estatal do setor energtico faria parte do esforo de insero internacional da Rssia, na tentativa de desempenhar um papel de destaque no suprimento energtico, no quadro da instabilidade poltica que marca os demais pases produtores de petrleo. Seria justamente esse papel que lhe permitia uma atuao soberana no cenrio poltico internacional, em defesa dos seus interesses nacionais. JOS GILBERTO SCANDIUCCI FILHO Desequilbrios Externos da Economia Espanhola problematiza o fato de a Espanha estar apresentando recorrentes dficits comercial e de transaes correntes, analisando as possibilidades desse pas apresentar uma crise de balano de pagamentos. Para o autor, essa questo no pode ser respondida de forma imediata, h que se levar em conta que a Espanha membro da zona do euro. Ele enfatiza que essa discusso ganha especial relevncia na medida em que coube Espanha o papel de primeiro experimento de dficits de transaes correntes em uma economia monetria completamente integrada s de seus parceiros. PAULO HENRIQUE COSTA O Novo Acordo de Basilia e seus Impactos no Papel que as Instituies Financeiras Desempenham nos Ciclos Econmicos argumenta que o Acordo de Basilia I no fornece mais uma medida efetiva de adequao de capital para os bancos que usam instrumentos financeiros complexos, tais como derivativos de crdito e operaes de securitizao. O Novo Acordo procuraria implementar uma estrutura mais sensvel ao risco e apresentar incentivos para aperfeioar as prticas de gesto de riscos. O autor identifica, no entanto, a preocupao de que algumas novas normas bancrias possam estimular o comportamento expansivo e contracionista dos bancos, aumentando a amplitude dos ciclos econmicos.

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MRIO FERREIRA PRESSER As Negociaes em NAMA na OMC: Impasses e Desafios discute a complexidade e o acirramento das disputas entre os pases desenvolvidos e em desenvolvimento nas negociaes na Organizao Mundial de Comrcio. O autor defende que as posies do governo brasileiro nas negociaes sobre Non-Agricultural Market Access (NAMA) tm sido cautelosas, procurando preservar um adequado grau de flexibilidade para perseguir uma estratgia coerente de comrcio exterior e desenvolvimento, que ainda est por ser definida. Sugere, contudo, que o impasse nas negociaes em bens agrcolas tem levado os negociadores brasileiros a oferecer informalmente concesses substanciais em NAMA e Servios, em troca de um eventual maior acesso aos mercados agrcolas europeus. Para o autor, essa estratgia envolve riscos considerveis, em face do acirramento das posies da Unio Europia.

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MUDANAS ESTRUTURAIS E CRISE DE LIDERANA NO SISTEMA MUNDIAL Jos Lus Fiori 1

Mas devemos nos lembrar que esperana e previso embora inseparveis, no so a mesma coisa. (Hobsbawn, 1997, p. 67).

1 A NOVA GEO-ECONOMIA ENERGTICA

protetorados militares que se transformaram em cadeias transmissoras do dinamismo global, na Europa e no Sudeste Asitico. Um trip que funcionou, de forma absolutamente virtuosa, at 1973, unificado pela reconstruo do ps-guerra, e pela competio com a Unio Sovitica, enquanto se desfaziam os velhos imprios coloniais europeus. Esse eixo dinmico da economia mundial entrou em crise na dcada de 1970, e perdeu seu flego global, na dcada de 1980, logo antes que as economias alem e japonesa entrassem em estado de letargia crnica, nos anos 1990. Ao contrrio dos seus antigos parceiros, os Estados Unidos cresceram durante as duas ltimas dcadas do sculo XX, de forma quase continua, liderando uma reestruturao profunda da economia mundial. Foi o perodo em que a economia nacional da China e logo depois, a da ndia foram assimiladas pelo territrio econmico do capital financeiro americano, e se transformaram na fronteira de expanso e acumulao capitalista do sistema mundial. Dentro dessa nova arquitetura, a Alemanha e o Japo ainda no perderam seu lugar, na hierarquia das economias nacionais, nem deixaram de ser pases ricos, cada vez mais ricos, apenas perderam o seu protagonismo e a sua liderana do processo de acumulao do capital, a escala global. Foram substitudos pelo novo trip, e esta mutao geolgica da economia mundial no tem mais como ser revertida no mdio prazo, mesmo que alguns setores do establishment poltico e acadmico americano sigam propondo o bloqueio da expanso asitica, e da China, em particular. Daqui para frente, o entrelaamento econmico desse novo trip ser cada vez maior, mesmo quando a sua competio geopoltica cresa, at o limite do enfrentamento explcito. interessante observar que essa revoluo renova, de fato, uma das relaes mais antigas e permanentes da histria econmica moderna. A relao do ocidente com as ndias, que est na origem do milagre europeu e da economia capitalista, e de todos os grandes imprios que se constituram, depois dos descobrimentos. Nesse sentido, a nova geografia do capitalismo mundial mantm, atualiza e potencializa, a um s tempo, a relao transcontinental que est na origem da globalizao do capitalismo europeu. Essa permanncia do sistema mundial, entretanto, no elimina a novidade revolucionria da nova geografia econmica do sistema, nem diminui o seu impacto sobre

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o incio de 2006, o eixo econmico do sistema mundial j est completamente refeito, e no deve ser alterado nas prximas dcadas. Depois de 1945, a economia capitalista cresceu liderada pelos Estados Unidos, e pela Alemanha e o Japo, seus dois

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Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Economia Poltica Internacional: Anlise Estratgica

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a economia mundial. muito difcil prever todas as suas conseqncias, mas j possvel mapear os primeiros congestionamentos e conflitos que esto sendo provocados por desse deslocamento geoeconmico. Nessas horas de mudana radical, a economia e a poltica tendem a convergir mais do que de costume, e fica mais fcil identificar conexes e sobreposies entre o jogo geopoltico da defesa e da acumulao do poder, e o jogo geo-econmico da monopolizao e da acumulao da riqueza. Como se pode ver, por exemplo, neste momento, com relao ao problema da segurana energtica dessa nova mquina de crescimento, um verdadeiro quebra-cabea, do ponto de vista da reorganizao e redistribuio poltica e econmica dos recursos disponveis e escassos, nos vrios pontos do mapa energtico do mundo. No difcil entender a complexidade do novo arranjo que est em curso, basta olhar para as duas pontas do novo sistema e para as projees de suas necessidades, se for mantido seu dinamismo atual. Em conjunto, a China e a ndia detm um tero da populao mundial, e vm crescendo nas duas ltimas dcadas a uma taxa mdia entre 6% e 10% ao ano. Por isso, ao fazer seu Mapa do Futuro Global, o Conselho de Inteligncia Nacional dos Estados Unidos previu em 2005, que at 2020, a China dever aumentar em 150%, o seu consumo energtico, e a ndia em 100%, se forem mantidas suas taxas de crescimento econmico. E nenhum dos dois pases tem condies reais de atender a suas necessidades internas por meio do aumento de sua produo domstica de petrleo ou de gs. A China j foi exportadora de petrleo, mas hoje, o segundo maior importador de leo do mundo, importaes que atendem um tero de suas necessidades internas. No caso da ndia, sua dependncia do fornecimento externo de petrleo ainda maior do que a da China, e nestes ltimos quinze anos, passou de 70% para 85% do seu consumo interno. Para complicar o quadro das necessidades asiticas, o Japo e a Coria permanecem altamente dependentes de suas importaes de petrleo e de gs, o que contribui ainda mais para a intensificao da competio econmica e geopoltica dentro da prpria sia. A necessidade urgente de antecipar-se e garantir o fornecimento futuro de energia que explica, por exemplo, neste momento, a aproximao de todos estes pases asiticos com o Ir, a despeito da forte oposio dos Estados Unidos. Como explica tambm a ofensiva diplomtica e econmica recente macia, em alguns casos da China na sia Central, na frica, e at mesmo na Venezuela; e a presena crescente da ndia, em Burma, Sudo, Lbia, Sria, Costa do Marfim, Vietn e na prpria Rssia. Alm da sua participao conjunta na disputa competitiva, quase belicosa, com os Estados Unidos e com a Rssia, pelo petrleo do Mar Cspio e seus oleodutos alternativos de escoamento, atravs da Ucrnia, Gergia, Arzebaijo, Turquia, Polnia, ou Afeganisto e Paquisto. Seguindo a mesma estratgia dos seus governos, as grandes corporaes pblicas ou privadas chinesas e indianas tambm tm realizado investidas fora de sua zona imediata de atuao tradicional, para controlar empresas estrangeiras que garantam o fornecimento futuro de petrleo para seus pases. Como foi o caso da China National Offshore Corporation, que j comprou participao acionria em empresas no Ir, como tambm no grupo Yukos na Rssia, e na Unocal, dos Estados Unidos, o mesmo caminho que vem sendo trilhado pelas grandes empresas estatais indianas a ONGC e a IOC que j anunciaram novas associaes na Rssia, no Ir e na prpria China. Por fim, o Instituto Internacional de Estudos Estratgicos de Londres atribui a esta mesma disputa energtica, a recente reestruturao naval e a presena militar crescente dos chineses e indianos no Mar da ndia e no Oriente Mdio. Como

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se quisessem relembrar, aos economistas mais ingnuos, o parentesco muito prximo que existe entre os caminhos do mercado e a competio militar. No outro lado da ponta desse novo eixo dinmico da economia mundial, esto os Estados Unidos, que j eram e seguem sendo os maiores consumidores de energia do mundo, e que alm disto esto empenhados em diversificar suas fontes de fornecimento, para diminuir sua dependncia dos pases do Oriente Mdio. Hoje, a Arbia Saudita s atende a 16% da demanda interna dos Estados Unidos que j conseguiu deslocar a maior parte do seu fornecimento de energia para dentro de sua zona imediata de segurana estratgica, situada no Mxico e no Canad, aparecendo a Venezuela logo em seguida, como seu quarto fornecedor mais importante. Mas, alm disso, os Estados Unidos vm trabalhando ativamente para obter um acordo estratgico de longo prazo com a Rssia, e vm avanando de forma agressiva e competitiva em cima dos novos territrios petrolferos situados na frica sub-sahariana e na sia Central, na regio do Mar Cspio. Isto , na sua condio de poder global, os Estados Unidos esto disputando todos os territrios que tenham disponibilidade ou que apresentem algum potencial futuro, capaz de garantir a expanso contnua do seu poder econmico e poltico. Para complicar esse quadro, na sua rea imediata de influencia tradicional, a Gr-Bretanha, depois de alguns anos, voltou a sua condio de importadora de petrleo, ao lado dos seus demais scios da Unio Europia, que importam da Rssia, 49% do seu gs, e que devero estar importando da mesma Rssia, algo em torno de 80%, por volta de 2030. Por isso, o governo do presidente Putin est trabalhando de forma to agressiva para transformar a Rssia num gigante mundial da energia, unificando e reestatizando suas empresas produtoras, segundo o modelo ARAMCO, da Arbia Saudita. Essa nova mega-empresa deve se transformar num instrumento fundamental de poder, na luta russa para se recolocar dentro do jogo econmico das grandes potncias e para aumentar a margem de manobra e negociao da Rssia, dentro da prpria Europa. Em sntese, o que est se vendo no campo geo-econmico e, em particular, no mundo da energia, uma expanso veloz da demanda e um aumento da intensidade da competio, entre os velhos e os novos grandes consumidores de petrleo e gs natural disponvel no mundo. Mas esta no apenas uma disputa normal de mercado, nem o produto de alguma manobra da Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (OPEP) ou do aumento puro e simples das taxas de crescimento da economia mundial. Pelo contrrio, o produto de uma gigantesca mutao geo-econmica do capitalismo mundial, que est exigindo no apenas um aumento da produo da energia, mas tambm uma redistribuio radical de suas fontes de produo. 2 A CRISE DE LIDERANA POLTICA DO SISTEMA MUNDIAL Por outro lado, do ponto de vista geopoltico, no h dvida neste incio de 2006 de que o sistema poltico internacional est perdendo vitalidade orgnica, e de que os Estados Unidos esto neste momento sem uma orientao estratgica ntida e consensual. E tudo indica que essa tendncia deva se manter e se aprofundar durante o ano de 2006, porque no existe soluo imediata para nenhum dos problemas que esto na origem desta sensao de vcuo: o pntano em que se transformou a interveno americana no Iraque, a inconclusividade radical da guerra global aon. 7 out./dez. 2005.

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terrorismo, declarada pelo presidente George W. Bush e, finalmente, a ausncia de um projeto ou de uma ideologia capaz de legitimar o arbtrio americano e mobilizar lealdades no plano internacional. Dois anos e meio depois do presidente Bush anunciar a vitria americana, a insurgncia iraquiana e as perdas humanas aumentam sem parar e, nos ltimos meses, a sociedade e o establishment americano voltaram a dividir-se, como j havia acontecido na guerra do Vietn. Aos poucos, vai se generalizando a convico de que o governo Bush criou para si mesmo uma armadilha, e agora se encontra numa disjuntiva muito difcil: se o presidente americano retirar de imediato suas tropas do Iraque, deixar para trs uma guerra civil sangrenta, e sair enfraquecido, dentro e fora do Oriente Mdio; mas ao mesmo tempo, se decidir permanecer no Iraque, segundo muitos especialistas, dever enfrentar-se com um lento deterioro de sua situao militar, o que ressuscita de imediato o fantasma do Vietn. Frente ao impasse, alguns analistas americanos tm proposto uma alternativa verdadeiramente heterodoxa: uma reaproximao e um acordo para que o Ir assuma a defesa da nova ordem e do governo xiita de Bagdad, depois da sada das tropas americanas. Nesse caso, entretanto, o produto final da Guerra do Iraque seria a criao de um eixo de poder xiita no Oriente Mdio incluindo o Lbano, a Sria e o Iraque sob a liderana do Ir, o principal inimigo dos Estados Unidos, na Regio. Uma faanha indita, uma verdadeira cambalhota no campo da poltica internacional. A conseqncia imediata desse atolamento dos Estados Unidos, no Iraque, foi o descrdito e o arquivamento precoce, durante o ano de 2005, do grande projeto neo-conservador, do segundo governo de George W. Bush: o seu programa de democratizao e reforma econmica liberal, do Grande Oriente Mdio, uma espcie de cruzada civilizatria do antigo Imprio Otomano, que foi recebido pelos europeus, no seu devido momento, com a indisfarvel complacncia dos mais velhos. Mas, alm disso, o fracasso iraquiano corroeu a credibilidade das ameaas americanas contra o eixo do mal em particular, no caso da Coria do Norte que, no ano de 2005, foi passando lentamente para um segundo plano das preocupaes diplomticas dos Estados Unidos. No caso da guerra global ao terrorismo, os Estados Unidos se mostram cada vez mais divididos e impotentes frente a uma ameaa ubqua, de grupos e redes que no obedecem a nenhuma hierarquia nem muito menos a comando centralizado. Os atentados de 2001 serviram para que os Estados Unidos criassem um novo inimigo bipolar, propondo ao mesmo tempo uma parceria estratgica global, com todas as demais grandes potncias, com o objetivo de combater o terrorismo internacional. Essa parceria estratgica, entretanto, s foi aceita pelas grandes potencias de maneira parcial e com o devido respeito pela soberania mtua, mas alm disto a prolongao e indefinio da guerra global ao terrorismo vem criando dificuldades crescentes para os prprios Estados Unidos. Em primeiro lugar, porque do ponto de vista da segurana interna dos Estados Unidos, a ubiqidade do adversrio interno exigiria, para ser eficaz, um controle permanente e cada vez mais rigoroso da prpria sociedade americana, uma espcie de Estado de stio crnico intolervel no longo prazo, mesmo para os norte-americanos. Em segundo lugar, porque do ponto de vista da segurana externa dos Estados Unidos, a nova estratgia cria uma situao de insegurana coletiva e permanente, dentro do sistema mundial. O novo adversrio no , em princpio, uma religio, uma ideologia, uma nacionalidade, uma civilizao ou um Estado, e pode ser redefinido a cada momento pelos prpriosn. 7 out./dez. 2005. 8

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Estados Unidos, sendo portando, varivel e arbitrrio. E, nesse sentido, os Estados Unidos se guardam no direito de fazer ataques preventivos contra todo e qualquer Estado nos quais eles considerem existir bases ou apoio s aes terroristas, o que significa a auto-atribuio de uma soberania imperial. Tudo indica, portanto, que a estratgia da luta global contra o terrorismo no tem sustentabilidade no mdio prazo, e no conseguir bipolarizar e equilibrar o sistema mundial no longo prazo. Pelo contrrio, deve aumentar as resistncias dentro dos prprios Estados Unidos, e acelerar o retorno do conflito entre as grandes potncias, no mdio prazo. No de estranhar, portanto, que neste incio de 2006, o mundo se sinta rfo da liderana americana. E o que se pode esperar, daqui para frente, um prolongado e melanclico final do segundo mandato do presidente Bush. Seu governo perdeu o rumo estratgico no Iraque e na guerra ao terrorismo, mas alm disto os Estados Unidos no dispem no momento de um projeto, ideologia ou utopia capaz de mobilizar seus aliados tradicionais e a opinio pblica mundial. A utopia da globalizao virou um lugar comum, e perdeu sua fora mobilizadora, porque sua promessa de igualdade e convergncia da riqueza das naes e das classes foi sendo desmentida pelos fatos e pelos nmeros do mundo real. Hoje, a retrica dos mercados desregulados e do fim das fronteiras nacionais soa como um jargo ultrapassado, sem capacidade de mobilizar pessoas, nem de organizar a estratgia ideolgica do poder americano. importante sublinhar, entretanto, que a atual fragilidade do sistema poltico internacional no vem apenas dos Estados Unidos. Basta olhar para a Europa para encontrar a mesma falta de vitalidade e de nitidez estratgica no caso notrio e terminal do governo Chirac, na Frana; do governo em decadncia de Berlusconi, na Itlia; e at mesmo, no caso do recm reeleito governo Blair, na Inglaterra, que vem enfrentando derrotas parlamentares e divises e deseres sucessivas, dentro de suas fileiras partidrias e dentro do seu prprio governo, que decidiu participar da Guerra do Iraque, e agora vai se desfibrando lentamente. No caso da Alemanha, o recm formado governo de coalizo, entre democrata-cristos e social-democratas da primeira-ministra ngela Merkel j nasceu fragilizado pelo fato de reunir num mesmo gabinete os principais adversrios das ltimas eleies parlamentares alems que terminaram praticamente empatadas, refletindo a profunda diviso da sociedade alem. Por fim, a prpria Unio Europia perdeu flego e rumo, no ano de 2005, depois de que os franceses e holandeses disseram um rotundo no, nova Constituio Europia, que foi imediatamente arquivada, deixando a Unio sem uma estrutura clara de poderes e sem um projeto estratgico de longo prazo. Dividida entre a posio inglesa, favorvel constituio apenas de um mercado comum e de um imprio frouxo, e a posio franco-alem, favorvel a um Estado Federal Europeu com um projeto econmico e de poder global. Esses fatos e tendncias apontam para um futuro imediato em que o mundo sentir a falta de uma liderana clara e de alguma diretriz estratgica capaz de orientar o clculo coletivo dos seus principais atores. Este quadro, que deve se manter e se aprofundar nos prximos tempos, no significa, entretanto, que o mundo esteja vivendo uma crise terminal do poder americano. Muitos especialistas tm dificuldade de analisar a conjuntura internacional sem referi-la a um fim prximo, ou a uma ruptura definitiva, confundindo, muitas vezes, o mundo real com seus desejos ou posies pessoais. Como sugerimos, os Estados Unidos esto atolados no Iraque e sem uma porta de sada clara e

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honrosa, mas isto no configura uma crise catastrfica do seu pode global. No h dvida de que os Estados Unidos enfrentaro dificuldades crescentes nas prximas dcadas para manter o seu controle global, poltico e econmico. Mas o que est em curso e que de fato interessa, no longo prazo, a transformao ou mudana profunda e lenta do eixo geopoltico do sistema mundial. Depois de cinco sculos, a Europa perdeu sua centralidade, e o mundo vive por algum tempo sem uma bipolaridade ntida que organize o clculo estratgico dos seus principais atores, enquanto a sia globaliza definitivamente o modelo interestatal de origem europia. Mas as duas principais transformaes geopolticas e geo-econmicas que esto em curso dentro do sistema mundial so de durao lenta, e esto ocorrendo simultaneamente em dois tabuleiros diferentes. Nos dois casos, foram deslanchadas por duas decises estratgicas tomadas no mesmo momento em que comeava a crise dos 1970: a Ostpolitik, do primeiro-ministro alemo Willy Brandt, do fim da dcada de 1960; e a abertura para a China do governo Nixon do incio dos anos 1970. A Ostpolitik de Brandt est na origem da abertura europia para o Leste, e de muitas das transformaes que culminaram com a reunificao da Alemanha e a desconstruo da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas. E segue sendo o primeiro passo de uma crescente convergncia ao Leste, entre Berlim e Moscou, que um dos componentes mais complicados e estruturais da crise atual da Unio Europia. No um desatino prever uma aliana crescente entre o poder econmico alemo e o poder militar ocioso da Rssia, antigo pesadelo geopoltico dos anglo-saxes, que se transformado em realidade pode resenhar radicalmente a estrutura de poder dentro da massa eurasiana. Por outro lado, a nova relao entre os Estados Unidos e a China reproduz e prolonga o eixo Europa-sia que dinamizou o sistema estatal e capitalista desde sua origem, e a relao privilegiada dos Estados Unidos com o Japo, desde 1949. S que nesse caso, ademais da relao econmica complementar e competitiva entre Estados Unidos e China, o prprio sucesso da relao econmica prenuncia uma disputa cada vez maior pela hegemonia militar no Sudeste Asitico. bom lembrar que, durante a Guerra Fria, os Estados Unidos mantiveram sua competio militar com um pas com o qual no mantinham relaes econmicas importantes para o dinamismo de sua prpria economia nacional. E mantiveram relaes econmicas dinmicas com pases que no tinham autonomia militar, nem possibilidade de expandir seu poder poltico nacional. Com a relao americano-chinesa, a complementariedade volta a ser parceira da competio poltico-militar. Nesse momento, os Estados Unidos no tm mais como se desfazer economicamente da China. Mas chegar a hora em que os Estados Unidos tero de enfrentar-se com o dilema de bloquear ou no o movimento expansivo da China para fora de si mesma, no momento em que este movimento no seja mais apenas econmico, e assuma a forma de uma vontade poltica imperial. E o mesmo acontecer caso se materialize uma aliana de longo prazo, econmica e militar, entre a Alemanha e a Rssia. Essas transformaes podem tomar anos ou dcadas, mas neste intermezzo, do ponto de vista do tempo longo, no existe passividade ou paralisia dentro do prprio sistema. A prpria necessidade americana de alianas e apoios nas guerras do Afeganisto e Iraque acabou devolvendo, recentemente, a liberdade de iniciativa militar ao Japo e Alemanha, ao mesmo tempo em que permitiu Rssia reivindicar o seu direito de proteo na sua rea de influncia ou zona de segurana clssica, onde se instalaram bases e tropas americanas, depois de 1991.

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Aos poucos est se formando uma nova polarizao dentro do Oriente Mdio com o surgimento de um eixo de poder xiita e a possibilidade de um confronto generalizado com as foras sunitas, dispersas por vrios Estados da regio. Enquanto isso, do outro lado do mundo, o sistema estatal e capitalista asitico se parece cada vez mais com o bem-sucedido modelo do milagre europeu, mas no provvel que se repita na sia algo parecido com a Unio Europia. E, portanto, como a histria tambm feita de permanncias e repeties, no de se estranhar o aumento peridico dos conflitos nas relaes intra-regionais do Sudeste Asitico. At mesmo na Amrica Latina, possvel identificar mudanas significativas na poltica externa de vrios pases que contestam ou propem redefinir os termos da hegemonia americana no hemisfrio ocidental. BIBLIOGRAFIA HOBSBAWN, Eric. (1997). A histria e a previso do futuro. In: SOBRE histria. So Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 67.

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O NOVO REGIME CAMBIAL CHINS E A DIPLOMACIA DO YUAN FRACO Andr Moreira Cunha 1 Andr Martins Biancareli 2

INTRODUO

condio. A economia, ancorada por uma poltica externa cada vez mais ativa, daria a base de sustentao da trajetria de afirmao de um maior protagonismo na arena internacional. Trata-se de uma estratgia poltica de longo prazo, na qual a adeso aos mecanismos de mercado para regular parcelas crescentes do mundo da produo e distribuio da riqueza, um instrumento do objetivo maior da modernizao chinesa, e no um fim em si mesmo determinado pela adeso a uma pretensa (e definitiva) ordem liberal. O sucesso da estratgia chinesa contrasta com as experincias frustradas de big bang na transio das economias de planejamento central do antigo bloco sovitico ou de implementao do Consenso de Washington na Amrica Latina. Nesses dois casos, a substituio de modelos de modernizao fortemente centrados no papel do Estado como promotor do crescimento por modelos baseados no binmio liberalizao-desregulamentao mostrou-se questionvel em seus resultados econmicos e sociais. A globalizao, especialmente em sua dimenso financeira, no foi capaz de realizar as promessas de crescimento e estabilidade anunciadas a partir do final dos anos 1980. A experincia chinesa recente recoloca a questo dos estilos de desenvolvimento ou das formas alternativas de modernizao capitalista, onde a via anglo-saxnica ou liberal tem por antagonismo conceitual os distintos modelos de capitalismo organizado. Por muito tempo pelo menos at meados da dcada de 1980 os modelos alemo e japons esse replicado pelos newly industrialized countries (NICs) asiticos, especialmente Coria do Sul e Taiwan mostraram um elevado dinamismo. A complementaridade entre Estado e Mercado, e a subordinao do mundo das finanas aos interesses desenvolvimentistas, eram apontados como elementos virtuosos. Nos anos 1990, o que era virtude passou a ser compreendido como fragilidade. No caso asitico, a crise financeira de 1997-1998 foi apontada por muitos crticos do capitalismo organizado como a prova definitiva dos desvios causados pela tentativa do Estado direcionar as foras de mercado. Todavia, a

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m dos fatos mais marcantes da ordem internacional ps Guerra Fria tem sido a emergncia da China condio de potncia global. Na perspectiva chinesa, expressa pelo governo e por acadmicos, haveria uma opo pela ascenso pacfica3 quela

_______________1 Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pesquisador do CNPQ. E-mail: ou . Verso: janeiro de 2006. Agradeo ao apoio de pesquisa do bolsista PIBIC-CNPQ, Henrique B. Renck. 2 Pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Poltica Econmica do IE/Unicamp e Doutorando do IE/Unicamp. E-mail: . 3 A perspectiva oficial aparece em China's Peaceful Development Road (http://www.china.org.cn/e-white/index.htm, acessado em dezembro de 2005). Nega-se portanto a inevitabilidade da guerra como mecanismo de afirmao de um certo poder que busca espaos de reproduo. Todavia, isso no tem impedido a China de investir em modernizao de suas foras armadas. O poder militar, expresso evidente do hard power chins, objeto de preocupao dos EUA.

Economia Poltica Internacional: Anlise Estratgica

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prpria recuperao dos pases da regio e a manuteno do drive chins, que est transformando as relaes econmicas regionais e internacionais,4 impem uma reflexo mais cuidadosa sobre as relaes entre poltica e economia. Como sugerem Dooley e Garber (2005) os pases perifricos melhor sucedidos na promoo do crescimento vm perseguindo os ecos das estratgias desenvolvimentistas e intervencionistas especialmente no que se refere regulao dos mercados financeiros que viabilizaram a reconstruo europia e japonesa no ps-guerra. De fato, a China tem uma estratgia de longo prazo, cujos vetores centrais nos permitem especular sobre a existncia de uma hierarquia de determinantes, onde a economia e os mercados aparecem como instrumentos da afirmao de uma certa viso poltica. Esta, por sua vez, tambm poderia ser vista como um meio para o alcance de um objetivo ainda mais amplo, que poderia ser formulado, ainda que especulativamente, da seguinte forma: a China se percebe como uma civilizao em busca de espaos de reproduo e afirmao em uma realidade internacional complexa, onde no parece ser possvel qualquer estratgia de isolamento, tanto na esfera poltica, quanto na econmica. Assim, a expanso das bases materiais da sociedade torna-se fonte de acumulao de poder. O desenvolvimento econmico um objetivo e, ao mesmo tempo, um pr-requisito para a existncia da nao, sua coeso interna e proteo externa. As polticas econmicas nas mais diversas dimenses funcionam de forma subordinada ao objetivo maior de fortalecimento e perpetuao da nao (ou civilizao) chinesa.5 nesse contexto mais amplo que se procura compreender aqui a racionalidade poltica da mudana recente em um dos principais aspectos da poltica macroeconmica da China, qual seja, seu regime cambial. Depois de anos de forte presso externa, o Banco do Povo da China (BPoC) anunciou, em julho de 2005, a adoo de um sistema de flutuao administrada com base em uma cesta de moedas. Aps mais de uma dcada de cmbio fixo, em que o yuan renminbi6 mantinha uma vinculao direta com o dlar norte-americano (somente dlar, de agora em diante), aquela mudana introduziu a possibilidade de uma maior flexibilidade na relao entre a moeda chinesa e as principais divisaschave da economia internacional. Argumenta-se, na seqncia, que a nova poltica cambial chinesa deve ser compreendida luz da estratgia desenvolvimentista do pas. O ajuste ttico representado por tal mudana no parece significar um desvio fundamental no foco de longo prazo anteriormente explicitado. A DIPLOMACIA DO YUAN E O NOVO REGIME CAMBIAL A flexibilizao do yuan um exemplo importante de como a China maneja os instrumentos econmicos com um sentido estratgico de longo prazo. Por isso insinua-se aqui a existncia de uma diplomacia do yuan fraco, onde a gesto da moeda nacional (e de seu valor externo) se vincula estreitamente ao objetivo da preservao do crescimento e da estabilidade econmica e poltica, interna e externa. Por vezes, a busca desses objetivos se revela contraditria, em uma dimenso que est para

_______________4 Ver Medeiros (2005). 5 Tambm aqui a China parece reproduzir o modelo asitico estabelecido pelo Japo e replicado pelos NICs (Medeiros, 2005). 6 O Yuan Renminbi (RMB) a moeda oficial da China. Eventualmente yuan e renminbi sero utilizados isoladamente ao longo do texto. Devem ser lidos como simplificaes de uma mesma unidade monetria.

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alm do que sugere a anlise de modelos macroeconmicos de economias abertas na tradio MundellFleming. No dia 21 de julho de 2005,7 o Banco do Povo da China anunciou que o pas passaria a adotar um regime de flutuao administrada para o yuan tendo por base uma cesta de moedas. Abandonavase, assim, a poltica de mais de uma dcada de fixao do valor da moeda chinesa em termos do dlar, com a cotao RMB 8,27 desde 1997.8 A partir de julho, o yuan renminbi passou a poder flutuar9 dentro de uma banda estreita. Isto pode implicar movimentos mais largos com respeito s moedas que individualmente compem a cesta, como o dlar. At agora, a ponderao exata de cada moeda naquela cesta foi apenas sugerida por declaraes oficiais, levando analistas de mercado a acreditar que o dlar responder por cerca de 45%, com o iene participando com 20% e o euro com 15%. Alm da participao de cada pas no comrcio exterior chins,10 tambm teria sido levado em conta aspectos financeiros, tais como o perfil da dvida externa da China em termos de denominao monetria, bem como a origem dos fluxos de investimento externo, que tem sido a forma predominante de absoro de capitais (Prasad; Wei, 2005; Len, 2005). Os objetivos oficiais da reforma no regime cambial parecem dar conta de responder s presses advindas do governo e do Congresso dos EUA, que, por sua vez, faziam eco a interesses privados, financeiros e no financeiros, em torno de uma eventual valorizao da moeda chinesa frente ao dlar. Assim, o anncio do BPoC fala em ... aprimorar o sistema de economia socialista de mercado na China, capacitando os mercados de desempenharem de forma plena a alocao dos recursos ...11 e garantir maior flexibilidade na relao entre o dlar e o renminbi (RMB). Por outro lado, o BPoC manteve o compromisso de atuar no mercado em funo de uma estratgia econmica mais ampla, o que fica explcito quando anuncia que ... ir fazer ajustes na banda cambial do RMB sempre que necessrio de acordo com os movimentos de mercado e, tambm, a situao econmica e financeira.. Assim, o BPoC se considera responsvel por ... manter a taxa de cmbio do RMB basicamente estvel em um nvel adaptativo e de equilbrio, de modo a promover o equilbrio do balano de pagamentos e assegurar a estabilidade macroeconmica e financeira. H nessa nova estratgia chinesa um reconhecimento de que os supervits em conta corrente e na conta capital podem agravar o quadro de desequilbrios no comrcio internacional, com um potencial poltico de provocar retaliaes sobre o pas. Os elevados nveis de reservas oficiais que atingiram a marca de US$ 818,9 bilhes ao final de 2005, tendo crescido US$ 208,9 bilhes ao longo do

_______________7 A Malsia fez o mesmo movimento, abandonando o cmbio fixo e adotando uma flutuao administrada. De acordo com o FMI (IMF, 2005c) as economias asiticas tm se preocupado em no descolar o valor de suas moedas com respeito ao yuan para no perder competitividade nos mercados ocidentais. 8 importante lembrar que a opo chinesa de no desvalorizar o yuan quando da crise asitica foi um elemento estabilizador da regio. Ver Medeiros (2005); Prasad e Wei (2005). 9 Entre o final de julho de 2005 e a primeira quinzena de agosto, o yuan flutuou entre RMB 8,1128 e RMB 8,0980 por dlar, centrando-se em 8,11. Ver: Economic... (2005). 10 Na mdia do perodo 2001-2003, Japo e EUA participaram com um pouco mais de 15% da corrente de comrcio chinesa (que foi de US$ 850 bilhes ou 60% do PIB, em 2003), com os pases da regio do Euro respondendo por cerca de 10%, e a Coria do Sul com 7%. Estimativas do autor com base no Asian Development Bank Key Indicators, 2004 (acessado em julho de 2005 no site http://www.adb.org/Documents/Books/Key_Indicators/2004/default.asp. 11 Cf. Public (2005, Traduo dos autores).

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ano atestariam o movimento interno de absoro dos supervits no balano de pagamentos e sustentao no antigo regime de cmbio fixo com referncia no dlar. A opo de ligar o yuan a uma cesta de moedas, enfatizando o carter gradual e adaptativo do novo sistema, parece revelar a preocupao do governo chins em equilibrar tenses que so contraditrias. No front externo, a presso pela valorizao do yuan frente ao dlar manifesta-se no plano comercial e diplomtico, especialmente nas ameaas de retaliaes protecionistas dos EUA. Ademais, os influxos crescentes de capitais de curto prazo posicionados nos mercados futuros em torno de apostas em um yuan forte vm adicionando um elemento especulativo ao processo corrente de ajuste cambial.. Tal influxo de recursos que explica grande parte do ritmo indito de acumulao de reservas12 e dificulta a operao da poltica monetria tornava crescente o descolamento entre a antiga cotao oficial do RMB e o seu valor nos mercados futuros. Por outro lado, no plano interno, havia de se compatibilizar um eventual fortalecimento da moeda domstica com o equilbrio do sistema financeiro. Nos ltimos anos os bancos chineses foram capitalizados com ativos financeiros denominados em dlares. Com isso, uma valorizao do yuan nos nveis desejados em Washington e Wall Street algo entre 10% e 20% poderia causar um profundo desequilbrio patrimonial nos bancos chineses, com efeitos potencialmente desestabilizadores sobre o sistema financeiro, em particular, e o conjunto da economia, em uma perspectiva mais geral. Os exemplos recentes da crise financeira japonesa e de outros pases asiticos, como Coria, Indonsia e Tailndia, parecem assombrar os lderes da tecnocracia econmica chinesa.13 O novo regime cambial veio luz em um momento no qual cresciam as presses oficiais e de mercado sobre a moeda chinesa. Nos ltimos anos, vrias anlises14 apontavam que a rigidez na relao entre o dlar e o yuan estaria dificultando a reduo dos desequilbrios internacionais de pagamentos. Esperava-se que uma valorizao do yuan poderia fazer com que a taxa de cmbio real e efetiva do dlar casse o suficiente para reverter a trajetria explosiva dos dficits em transaes correntes dos EUA que passaram de um patamar mdio de 2% do PIB no comeo dos anos 1990 para algo entre 6% e 7% do PIB no binio 2004-2005. Por conta de tal expectativa, a China passou a experimentar uma maior absoro de capitais de curto prazo, que passaram a apostar em um yuan mais forte nos mercados futuros. O debate em torno do nvel da taxa de cmbio de equilbrio do yuan vincula a presena crescente da China no comrcio internacional manipulao da taxa de cmbio. Tal competitividade seria espria na viso de muitos, denotando a perseguio de uma estratgia mercantilista por parte da China. Todavia, os estudos empricos que buscam definir tal nvel de equilbrio, longe de lanarem luz sobre o tema, acabam gerando mais divergncias, na medida em que apontam resultados muitos dispersos que vo desde a ausncia de subvalorizao at nveis em que esta atinge cerca de 50%. bem verdade que predominam os resultados que reafirmam a percepo convencional de um yuan fraco.15

_______________12 Estudo recente (Official... 2005) mostra que para a China, entre 2001 e 2004, os acrscimos aos estoques de reservas representam mais de 200% dos saldos em conta corrente o que tambm verdade (em menor escala) para outros asiticos. 13 Uma anlise detalhada dos riscos envolvidos na (ento possvel) valorizao do yuan sobre o sistema financeiro chins pode ser encontrada em Roubini e Setser (2005). 14 As referncias podem ser encontradas em Goldstein (2005). 15 Dunaway e Li (2005) oferecem uma survey atualizada. Constatam que a disperso dos resultados reflete a adoo de distintas metodologias, perodos e variveis representativas dos fundamentos econmicos no clculo do nvel de equilbrio do yuan.

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importante destacar que at agora (fevereiro de 2006) a apreciao do yuan frente ao dlar tem oscilado na casa de 2%, sugerindo que o novo regime cambial chins tender a refletir a disposio dos policymakers chineses em promover um ajuste gradual e adaptativo no valor externo de sua moeda. Tal opo precisa ser compreendida a partir da necessidade da China administrar uma srie de tenses contraditrias, especialmente no que se refere ao objetivo de preservar sua trajetria de crescimento e modernizao versus reduzir um conjunto de presses externas que vm de fontes oficiais e privadas cujos interesses comerciais, financeiros e geopolticos se chocam com o papel cada vez mais ativo do pas na ordem internacional e internas derivadas dos desequilbrios criados com a rapidez de sua expanso. nesse sentido que se faz necessrio um olhar sobre a estratgia de ascenso pacfica da China. O governo chins trabalha com um horizonte de longo prazo para a realizao plena dos objetivos de modernizao.16 Em meados de 2030, sua populao se estabilizaria ao redor de 1,5 bilho de habitantes, e somente em 2050, ao fim desse processo, a renda per capita atingiria um nvel intermedirio. O foco no crescimento e na melhoria das condies de vida da populao em geral foi estabelecido j em 1978, quando as lideranas do Partido Comunista Chins (PCC), sob a batuta de Deng Xiaoping, iniciaram o processo de reconverso e abertura da economia. O caminho do desenvolvimento para uma ascenso pacfica pretendia utilizar os instrumentos de mercado, especialmente para absoro de tecnologia e capacidades administrativas do Ocidente. A economia e no a guerra17 garantiria o espao vital da expanso chinesa. por isso que Bijian (2005) afirma que a mais significativa deciso estratgica feita pelos chineses foi a de abraar a globalizao, ao invs de recha-la. Contudo, no se pode confundir essa opo como a adeso aos princpios do neoliberalismo. A complexidade da dinmica de modernizao da China vem impondo um lento, gradual e controlado processo de incorporao/adaptao dos mecanismos de mercado. A concluses semelhantes chega a tentativa de Ramo (2004) de definir o que seria o Consenso de Pequim, as lies da ascenso chinesa aos demais pases em desenvolvimento: alta prioridade inovao tecnolgica, busca de crescimento equilibrado e sustentado, autodeterminao e busca dos prprios caminhos, entre outros elementos bastante distantes das idias do Consenso de Washington. E, especificamente em relao poltica macroeconmica, Flassbeck (2005) descreve uma estratgia baseada na fixao unilateral da taxa de cmbio em nveis competitivos, na manuteno de uma conta de capital ainda bastante restrita, na reforma das regras de determinao salarial em meados dos 1990, e na conduo heterodoxa dos instrumentos fiscais e monetrios, sustentando a demanda agregada e o clima favorvel aos investimentos. Seria essa gesto pr-dinamismo, aliada aos demais fatores

_______________16 No 16 Congresso Nacional do Partido Comunista Chins, realizado em 2002, foram estabelecidas as metas de longo prazo de crescimento (http://www.china.org.cn/english/features/44506.htm, acesso em dezembro de 2005). Pretendia-se dobrar o PIB em 2010 sob a base de 2000. Em um segundo estgio, o PIB voltaria a dobrar at 2020, quando a renda per capita atingiria o nvel intermedirio de US$ 3.000 dlares. Tal ritmo de expanso dever ser mantido at meados de 2050. Ou seja, depois de crescer cerca de 9% ao ano no quarto de sculo que se seguiu ao incio do processo de abertura, a China vislumbra a necessidade de sustentar um ritmo ainda elevado de crescimento, na casa de 7% ao ano pelos 50 anos seguintes. 17 A China no ir seguir o caminho que levou a Alemanha a Primeira Guerra Mundial, e a Alemanha e Japo a Segunda Guerra Mundial, quando esses pases pilharam recursos de forma violenta ou perseguiram a hegemonia. Tampouco a China seguir o caminho das grandes potncias que, na Guerra Fria, competiram pela dominao global. Ao invs disso, a China ir transcender as diferenas ideolgicas para aspirar paz, desenvolvimento e cooperao com todos os pases do mundo. Ver Bijian (2005).

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estruturais, que explicaria a trajetria espetacular daquele pas, especialmente no ciclo mais recente (desde 1994). Os planejadores da burocracia chinesa18 e as lideranas do PCC esto conscientes das tenses provocadas pelo crescimento acelerado.19 Em particular, preocupam-se em evitar os desequilbrios distributivos, tanto funcionais quanto regionais, a escassez de matrias-primas e os problemas ambientais. No discurso oficial, a abertura no pode suprimir a busca pela independncia, e o imperativo da eficincia econmica no deve se sobrepor harmonia e coeso da sociedade. O avano tecnolgico no pode comprometer a incorporao de mo-de-obra. O sucesso das zonas costeiras modernas deve ser gradualmente replicado no interior, no que vem se denominando uma corrida ao oeste. No toa, os investimentos pblicos, especialmente em infra-estrutura e habitao popular, vm se constituindo nos instrumentos de sustentao do ritmo de crescimento nos momentos de desacelerao das exportaes.20 O rpido desenvolvimento chins tem chamado ateno da comunidade internacional, na medida em que gera externalidades que podem ser percebidas (potencialmente) como ameaas, especialmente nas reas militar e de segurana energtica. Ademais, apesar do avano do ltimo quarto de sculo, os nveis de renda do pas (em termos absolutos e per capita) e sua constelao de recursos naturais e populacionais sugerem a necessidade da manuteno do crescimento, bem como evidenciam alguns de seus limites. A escassez potencial de energia, matrias-primas para a produo industrial e alimentos, estaria no centro das preocupaes do governo chins,21 influenciando a estruturao da poltica externa em pelo menos trs dimenses: (i) a busca de fontes de energia, especialmente petrleo e gs, o que tem levado a China a se aproximar de pases que fazem parte da rea de influncia dos EUA ou, mesmo, que esto em confronto com o hegemon, como Ir, Venezuela e Sudo;22 (ii) complementando a diplomacia do petrleo, a China tem anunciado investimentos em diversas economias perifricas23 e mesmo economias avanadas ricas em recursos naturais (como Canad e Austrlia), com vistas ampliao das fontes de suprimento de insumos estratgicos; para tanto utiliza seus campees nacionais, os conglomerados estatais eleitos para nuclear o esforo industrializante, e que vm sendo incentivados pelo governo a avanar em seus processos de internacionalizao; e (iii) um aprofundamento das relaes econmicas no plano regional, tanto pela via usual dos fluxos de comrcio e investimento, quanto pela construo de laos institucionais mais slidos, pelos quais o pas busca cooptar vizinhos que poderiam, em princpio, serem deslocados dos

_______________18 Mahbubani (2005) destaca que o PCC e a burocracia estatal chinesa experimentaram uma profunda transformao nos ltimos anos. Mais do que isso, esse analista sugere que a atual gerao de lideranas a melhor que o pas dispe em dcadas. 19 Tal viso oficial est no White Paper China's Peaceful Development Road, disponvel em: http://www.china.org.cn/ewhite/index.htm, acessado em dezembro de 2005. As linhas gerais do programa quinquenal para o perodo 2006-2010, adiantadas em outubro de 2005 pelo comit central do PCC, ao contrrio do que desejariam as demandas ocidentais, enfatizava outros aspectos que no a ampliao da democracia ou da participao do setor privado na economia: seria necessrio tornar o dinamismo menos desigual em termos regionais, menos dependente do investimento e menos poluente, alm de socialmente mais inclusivo. Ver, a respeito, Five... (2005) e China... (2005). 20 Esse ponto est muito bem analisado em Medeiros (2005) e Unctad (2005). 21 Cf. Zweig e Jianhai (2005) e Jisi (2005). 22 Detalhes em Zweig e Jianhai (2005). 23 Prasad e Wei (2005) reportam um movimento de expanso de investimento externo originado na China e estimulado pelo governo desde 2001 esto sendo implementadas medidas de desregulamentao da conta capital com esse intuito. Em 2004, teriam sido perto de US$ 4 bilhes, dos quais metade para a Amrica Latina e 40% para pases asiticos.

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mercados globais por fora da concorrncia chinesa e que passam a ter no prprio mercado chins uma fonte substituta de dinamismo. A CHINA E AS ECONOMIAS ASITICAS A China tem se consolidado com o principal centro dinmico do Pacfico Asitico. O pas absorve mais de 40% dos investimentos diretos direcionados para a regio. Como se ver na seqncia, uma parcela considervel desses recursos se origina na prpria sia, especialmente no Japo, Coria do Sul e Hong Kong. O comrcio bilateral tem crescido fortemente, com a China posicionando-se como importador lquido de insumos e equipamentos mais sofisticados dentro da regio, e exportador lquido de manufaturas para os mercados ocidentais.24 A sua estratgia macroeconmica de procurar preservar o crescimento via drive exportador, combinando uma gesto mais estrita do cmbio e dos fluxos de capitais, parece estar sendo compartilhada por outros pases da regio. Tal opo compreensvel tendo por pano de fundo a experincia dos anos 1990 de liberalizao financeira e crise. Depois de 1998, muitas economias asiticas passaram a ter como estratgia (implcita ou explcita) a criao de colches de liquidez (em dlares) suficientemente elsticos para afastar o que se passou a perceber na regio como um risco inerente ao processo de globalizao, qual seja, a de crises financeiras geradas pela conversibilidade da conta capital. A racionalidade de tal proteo admitida at por seus crticos,25 e evidenciada pela sensvel melhoria das contas externas e reverso da vulnerabilidade que precedeu a crise de 1997-1998. Para a China, em particular, aquela crise determinou um olhar mais cauteloso sobre a globalizao financeira. Antes dela o pas havia anunciado a inteno de tornar a conta capital plenamente conversvel no ano 2000. Depois da crise, tal tendncia reverteu-se e o pas passou a acumular mais reservas. A partir de 2002, a queda do dlar tem levado, em muitos momentos, a uma ampliao do esforo oficial de sustentao das moedas asiticas. A contrapartida da menor flexibilidade cambial nos pases asiticos aparece na acelerao do ritmo de acumulao de reservas internacionais, o que, por sua vez, tem induzido adoo de medidas de esterilizao do excesso de crdito domstico. No caso asitico, entre 2001 e 2005, a variao de reservas como proporo da renda atingiu o nvel mdio mais elevado das ltimas quatro dcadas, algo em torno de 5%, contra uma mdia pouco superior a 1% do perodo 1970-2000.26 Tal nvel tambm no encontra precedentes no desempenho corrente ou na histria recente de outras regies. Em uma perspectiva mais ampla, preciso considerar que as economias asiticas vm demonstrando um renovado dinamismo nesses anos que se seguiram crise financeira. Aps a abrupta interrupo de uma trajetria at ento sustentada de crescimento com estabilidade econmica e avanos significativos em reas sociais, a maioria dos pases da regio logrou experimentar uma vigorosa recuperao j a partir de 1999, com um interregno em 2001 e 2002 em funo da retrao da economia norte-americana e, por decorrncia, um desempenho desfavorvel no mercado mundial de

_______________24 Entre 2000 e 2004, o supervit do comrcio chins com os EUA e a Europa pulou de US$ 37 bilhes para US$ 115 bilhes. Com respeito sia, o dficit passou de US$ 13 bilhes para US$ 30 bilhes (Prasad; Wei, 2005). 25 Ver, por exemplo, Eichengreen (2004). 26 Estimativas dos autores com base nos dados de diversos World Economic Outlook Database, disponveis em .

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bens eletrnicos. Entre 1999 e 2004, a regio vem crescendo em um ritmo superior mdia mundial, entre 5% e 8% em mdia ao ano, dependendo do grupo de pases considerados especialmente se h a incluso da China. Em particular, os anos de 2003 e 2004 marcaram no somente uma expanso forte do produto como, tambm, a manuteno de resultados bastante expressivos nas contas externas. O supervit global do balano de pagamentos regional chegou casa dos US$ 200 bilhes em 2003, e US$ 312 bilhes de 2004. Neste ano, verificou-se um expressivo supervit da conta capital, ao qual somou-se o resultado em conta corrente j superior a US$ 100 bilhes/ano em mdia nos ltimos trs anos (World Bank, 2005). Tal desempenho externo merece uma ateno especial, pois ele marca uma diferena fundamental em relao ao perodo que antecedeu crise financeira refletindo, tambm, o esforo de reduo da vulnerabilidade externa na regio. Desde o incio dos anos 1990, os pases asiticos vm tentando lidar com as presses oriundas de um ambiente internacional marcado pela crescente abertura econmica, especialmente dos mercados financeiros, e pela recorrncia de episdios de ampliao e contrao da liquidez financeira gerada nos pases avanados. Em resposta a esse fato, alguns pases, como Coria, Indonsia, Tailndia, Malsia, ampliaram o grau de conversibilidade de suas contas capitais desde o final dos anos 1980. Assim, at a crise os pases da regio absorveram, em mdia, algo entre 3% e 4% dos respectivos produtos em poupana externa. A contrapartida disso foram os elevados dficits em transaes correntes. Com nveis internos de poupana j elevados, a ampliao da liquidez domstica alimentada pelo crdito externo gerou um boom de investimentos reais e financeiros que contribuiu para o acmulo de fragilidades financeiras e reais. A inflao nos preos dos ativos financeiros, o excesso de investimento em setores produtivos, especialmente no complexo eletrnico (o que contribuiu para a queda nos preos dos produtos eletrnicos no perodo que antecedeu crise), a ampliao do endividamento do setor privado (de curto prazo e denominado em dlares), e a reduo da rentabilidade em diversos setores produtivos, compuseram o quadro que deu margem a uma crescente vulnerabilidade, explicitada quando da crise cambial iniciada na Tailndia, e que logo contaminou os demais pases da regio, com destaque para o caso coreano, cuja estrutura econmica era (e ) muito mais profunda e desenvolvida que vrios de seus vizinhos do leste e, principalmente, do sudeste asitico (ADB, 2005). Entre 1997 e 2001, a regio digeriu a crise ampliando exportaes o que permitiu, salvo na retrao do mercado eletrnico, em 2001, resultados excepcionais em transaes correntes. J na conta capital, verificou-se uma sada lquida de recursos inclusive com uma queda no ritmo de expanso dos investimentos, mesmo no caso chins. O crescimento dependeu fortemente de polticas fiscais e monetrias mais acomodatcias e do drive exportador. Ademais, os supervits em transaes correntes mais do que compensaram os dficits nos fluxos de capitais permitindo uma persistente recomposio dos nveis de reservas externas. A partir de 2002, o resultado global do balano de pagamentos que passou de 3,1% em 2001, para 9,3% do PIB, em 2004 e o nvel de recomposio das reservas que a contrapartida contbil daquele resultado passaram a ocorrer de uma forma que no encontra precedentes na histria recente da economia internacional (World Bank, 2005).

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A China tem sido o motor do cada vez mais intenso processo de integrao comercial e financeira da regio asitica. Em termos mais amplos, o crescimento chins respondeu por da expanso do comrcio mundial em 2002 e 2003, e por cerca de 15% em 2004, um ano marcado por uma sensvel recuperao da demanda mundial. O efeito-China tem se manifestado no aumento na demanda internacional de commodities,27 o que contribuiu para uma forte expanso nos preos dos produtos agrcolas e minerais nos ltimos trs anos. Aqui, quando se toma em perspectiva o comrcio intra-regional, deve-se ressaltar a complementaridade entre a estrutura produtiva e comercial da China com os demais pases da regio. Assim, por exemplo, no setor agropecurio a China exportadora de produtos temperados para os pases da ASEAN,28 enquanto importa produtos tropicais. Este fato vem garantindo a viabilizao do acordo de cooperao que tem por objetivo criar uma rea de livre comrcio China-ASEAN, a ser implementada entre 2010 e 2015. Nesse processo, foram reduzidos os impostos de importao dos produtos primrios de origem agropecuria para nveis entre 0% e 5%. O comrcio nesse setor vem crescendo a um ritmo de 15% ao ano entre tais pases (World Bank, 2005). Por outro lado, pases com estruturas produtivas mais complexas que a China, como Japo, Taiwan e Coria, vm se tornando fontes importantes de suprimento de mquinas e equipamentos que do sustentao a um ritmo intenso de ampliao dos investimentos no setor produtivo industrial. Capital e tecnologia fluem na forma financeira via investimento direto externo ou na importao de equipamentos modernos. Somente quatro economias da regio, Hong Kong, Japo, Coria e Taiwan, vm respondendo por cerca de 60% do IDE absorvido pela China.29 A demanda chinesa por matriasprimas e equipamentos fica patente no fato de suas importaes passarem de uma mdia mensal de US$ 20 bilhes no comeo de 2002, para mais de US$ 50 bilhes/ms no final de 2004, incio de 2005. Para se colocar em perspectiva, a China importa em um ms e meio o que o Brasil importa em um ano. Segundo as estimativas do Banco Mundial, entre 2002 e 2004 as importaes chinesas foram responsveis por metade do crescimento das exportaes dos demais pases da regio (World Bank, 2005, p. 17). Por outro lado, a presena cada vez mais forte das exportaes chinesas em terceiros mercados tem se revelado um importante desafio tanto para os pases que apresentam vantagens comparativas semelhantes s chinesas, pela abundncia relativa de mo-de-obra barata, quanto para pases como a Coria que dependem sensivelmente do drive exportador em manufaturados mais sofisticados.30 Assim, a consolidao da China como motor de transmisso regional dos impulsos de crescimento vindos do ocidente est configurando um novo quadro de integrao das economias asiticas o que, por um lado, amplia os riscos de efeito-contgio no caso de uma reverso da conjuntura externa, e por outro, cria espao para (em um futuro que ainda no pode ser visualizado) a emergncia de um novo bloco geopoltico mais orgnico. H, desde a crise financeira, um esforo

_______________27 Para se tomar um dos exemplos mais expressivos, basta lembrar que a China foi responsvel por 1/5 da demanda mundial por produtos minerais em 2004. Ademais, o crescimento anual de sua demanda esteve na casa dos 16% entre 1997 e 2004, o que representou 60% da procura mundial naquele perodo (World Bank, 2005, p. 22). 28 Association of South-East Asian Nations (Associao das Naes do Sudeste Asitico). 29 Dados de Prasad & Wei (2005, p. 41). Em 2003, por exemplo, 33% do IDE originou-se em Hong Kong, 9,4% no Japo, 8,4% na Coria, e 6,3% em Taiwan. importante observar que por ser uma praa financeira internacional, uma parcela no desprezvel do IDE de Hong Kong representa, em ltima instncia, capitais da prpria China e de terceiros pases que fazem arbitragem regulatria com vista a obteno de vantagens tributrias. 30 Sobre a complementaridade e concorrncia entre China e os demais pases da regio ver Rajan (2005).

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crescente de institucionalizao da cooperao econmica, tanto no comrcio, quanto nas finanas. Medidas recentes, como os acordos de swap da Iniciativa de Chiang Mai, os Asian Bond Market Initiatives uma srie de medidas voltadas ao aprimoramento dos mercados de capitais da regio, com o intuito de viabilizar a fixao das poupanas na regio e a idia de criao de um Fundo Monetrio Asitico (inicialmente esboada pelos japoneses em 1997, e retomada pelo Banco Asitico de Desenvolvimento, em 2005), alm de diversos acordos de livre comrcio, vm dando vida ao que se pode perceber com a busca politicamente consciente de ampliar margens de manobra para a realizao de estratgias desenvolvimentistas em um novo ambiente de globalizao econmica com predomnio das finanas privadas. CONSIDERAES FINAIS Procurou-se argumentar nesse trabalho que a idia da existncia de diplomacia do yuan fraco tem racionalidade quando se considera no o nvel da taxa de cmbio, mas sim quando se percebe que a gesto do valor externo do yuan e dos fluxos financeiros guarda uma relao estreita com a necessidade de manter o ritmo de crescimento acelerado e insero pragmtica na economia globalizada. Pode-se inclusive especular sobre a emergncia de uma nova fase da internacionalizao chinesa. No quarto de sculo que se seguiu abertura promovida por Deng Xiaoping, tratava-se de priorizar a absoro de capitais (na forma de investimentos diretos e no de dvida) e tecnologia, alm de ampliar a gerao de divisas por meio do comrcio internacional. Com uma capacidade para exportar mais robusta, a China pde minimizar o temor da escassez de alimentos e matrias-primas, o que seria um limite objetivo continuidade do crescimento. Em uma fase dois, o pas parte para a internacionalizao de seus capitais e da sua moeda. Desde 2001, o governo vem estimulando os investimentos internacionais das estatais em reas estratgicas, bem como permitindo que seus vizinhos utilizem o yuan para liquidar pagamentos no comrcio bilateral regional. Assim, na fase um, a manuteno da moeda subvalorizada em termos do dlar norte-americano funcionava como um apoio adicional ao drive exportador. Na fase dois a moeda chinesa segue mirando o dlar, porm no se pode descartar a funcionalidade do fortalecimento do yuan em linha no s com o crescimento da produtividade local como, tambm, da internacionalizao dos capitais chineses.31 Assim, a flexibilizao do yuan aparece como um movimento ttico da China em seu esforo estratgico de manter uma bem-sucedida trajetria de modernizao e crescimento econmico. nesse sentido que a diplomacia do yuan fraco deve ser compreendida. No se trata de uma insinuao sobre um certo nvel de equilbrio para a taxa de cmbio real, desde logo um tema que no encontra consenso na literatura emprica. O que se procurou demarcar que o valor externo do yuan e a gesto dos fluxos de capitais so determinados, em ltima instncia, pela ponderao entre os objetivos polticos de longo prazo e a necessidade de adaptao s circunstncias conjunturais de adaptao da China a um ambiente de internacionalizao e de rpidas mudanas estruturais. A burocracia estatal chinesa parece ter conscincia de que o pas encontra-se em uma situao na qual a fora (econmica e poltica) acumulada nos ltimos anos ainda no suficiente para a afirmao dos seus objetivos estratgicos. H uma fronteira tnue entre fora e fraqueza, o que impe o pragmatismo na definio das polticas na rea econmica.

_______________31 Esta uma afirmao ainda especulativa, mas que deve pautar nossos esforos futuros de compreenso da estratgia chinesa.

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Expandindo-se a um ritmo anual de 9% no ltimo quarto de sculo, o pas defrontou-se, no perodo recente, com a necessidade de administrar tenses externas e internas aparentemente contraditrias. Desde fora, as presses em torno da valorizao do yuan vinham tanto dos interesses comerciais de quem via na sua poltica cambial uma fonte adicional de vantagens competitivas, quanto dos interesses financeiros dos que esto apostando nos mercados futuros em um yuan forte. Ademais, parte significativa do establishment oficial e privado norte-americano passou a canalizar para o problema chins os desconfortos causados pela dimenso externa dos dficits gmeos, o que eximia a atual administrao republicana (no Tesouro) e greenspaniana (no FED) de qualquer culpa pela bolha consumista e pela especulao em diversos segmentos dos mercados de ativos, especialmente em imveis. No plano interno, uma valorizao traria benefcios potenciais na gesto macroeconmica chinesa, ao ampliar a autonomia da poltica monetria e criar espao para o desenvolvimento dos mercados financeiros, mais especificamente, dos instrumentos de hedge cambial. Pesando no sentido contrrio, estaria o temor de se gerarem desequilbrios patrimoniais nos bancos, alm de uma maior abertura para a tomada de posies especulativas na esfera financeira. Ademais, nessa perspectiva mais cautelosa, um yuan mais forte e com a cotao crescentemente determinada pelas foras de mercado, tambm parece ameaar alguns dos pilares da estratgia de desenvolvimento chins no ltimo quarto de sculo. A China optou por um modelo gradual e adaptativo de ajuste no yuan, que vem sendo percebido como um sinal de boa vontade diante das presses externas. Explorou-se aqui o fato de que os desequilbrios correntes nos pagamentos internacionais vm sendo amortecidos pela poltica de aquisio de ativos denominados em dlares realizada pelos bancos centrais asiticos, com destaque para o Banco do Povo do China. A mudana no regime cambial chins, mesmo que no se confirme as previses de um yuan consideravelmente valorizado e determinado pelas foras de mercado num futuro prximo, introduz no horizonte de mdio e longo prazo a possibilidade daquele arranjo perder vitalidade. Se tal hiptese se verificar, tende a crescer a possibilidade dos EUA terem de ajustar seus desequilbrios externo e fiscal mediante a elevao do nvel de poupana interna pblica e privada , o que colocaria em xeque o padro corrente de crescimento liderado pelo consumo e endividamento. Ainda prematuro afirmar que tal desdobramento inexorvel. Todavia, a China est movendo de forma mais explcita suas peas no xadrez geopoltico e geoeconmico internacional. No se pode deixar de ficar atento a tais movimentos, cujas repercusses tendem a transbordar cada vez mais para fora da prpria China e seu entorno, atingindo os mais distintos mercados de mercadorias e financeiros dos pases centrais e perifricos. BIBLIOGRAFIAADB Asian Development Outlook. Ppromoting competition for long term development. Manila: Asian Development Bank, 2005. BIJIAN, Z. Chinas peaceful rise to great power status. Foreign Affairs, New York, Council of Foreign Relations, v. 84, n. 5, 2005. CHINA contemplates change. The Economist Global Agenda, Oct. 17th, 2005. Disponvel . Acessado em janeiro de 2006. em:

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CHINA: UMA INSERO EXTERNA DIFERENCIADA Luciana Acioly 1

INTRODUO

mundial dos pases e regies, tanto de destino quanto de origem desses investimentos, dadas as relaes existentes entre investimento, comrcio, tecnologia e fluxos financeiros. As corporaes transnacionais (TNCs) possuiriam recursos de eficincia derivados de uma srie de vantagens que contribuiriam positivamente para a performance econmica dos pases, desde que fossem retiradas todas as barreiras relativas s transaes internacionais, incluindo a a liberalizao dos fluxos de IDE, comrcio e tecnologia. Uma anlise das principais caractersticas apresentadas pelos fluxos globais de investimento direto externo nos ltimos 20 anos indica que houve mudanas importantes em sua natureza e direo quando comparadas ao perodo compreendido entre o ps-guerra e incio dos anos 1980. Os investimentos recentes tm sido caracterizados pela predominncia crescente das operaes de fuses e aquisies de empresas acompanhadas de uma grande expanso do investimento de portflio e da formao de megacorporaes por sua menor abrangncia espacial e por seu direcionamento majoritariamente ao setor de servios. Em que pesem essas tendncias mais gerais, alguns pases conseguiram se beneficiar dessa nova onda de investimentos, como exemplifica o caso da China. Grande lder na atrao de investimentos diretos nos anos 1990 ocupando o primeiro lugar no ranking dos pases em desenvolvimento este pas vem recebendo volumes crescentes de IDE sob a forma de novos projetos de instalao de empresas e dirigidos majoritariamente para a indstria de transformao, particularmente para as atividades de maior valor agregado. A contribuio do IDE para a notvel insero da China no comrcio internacional tambm um outro ponto que diferencia a China de outros pases em desenvolvimento que se lanaram s polticas de atrao de investimentos diretos. O presente artigo tem como objetivo apontar, em linhas gerais, as principais tendncias dos fluxos de investimento direto externo na China a partir dos anos 1980, em termos de sua evoluo, modos de entrada e distribuio setorial/espacial, discutindo em que medida o ambiente institucional criado para receber esses investimentos foi fundamental na definio do papel a ser exercido pelo IDE na economia chinesa e, conseqentemente, na insero no comrcio internacional.

A

retomada do crescimento dos fluxos globais do investimento direto externo (IDE) psrecesso do incio dos anos 1980 gerou uma srie de expectativas positivas por parte de analistas e governos com relao ao papel que o IDE exerceria na integrao econmica

_______________1 Pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada IPEA. Economia Poltica Internacional: Anlise Estratgica n. 7 out./dez. 2005.

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1 TENDNCIAS DO INVESTIMENTO DIRETO EXTERNO NA CHINA Entre 1990 e 1999, a China cresceu a uma taxa mdia de 9,5% ao ano e nesse perodo acumulou cerca de US$ 213, 7 bilhes em investimento direto externo, ocupando o terceiro lugar no rank dos maiores absorvedores de investimento do mundo, e o primeiro lugar entre os pases em desenvolvimento. A participao da China nos fluxos de IDE destinados aos pases em desenvolvimento passou de 7,2% entre 1980-1989 para 24% entre 1990-1999, chegando a 25% entre 2000 e 2003. Note-se que esse pas respondeu sozinho por 40% dos investimentos destinados sia no perodo (Unctad, 2001 a 2004 Anexos Estatsticos). Apesar dos altos volumes de investimentos diretos recebidos pela China, a insero deste pas nesses fluxos no esteve associada ao seu envolvimento nas fuses e aquisies transfronteiras, fenmeno to caracterstico dos fluxos globais de IDE. Essas operaes foram ausentes nos anos 1980 e somaram cerca de US$ 9 bilhes entre 1990-1999, resultando numa participao mdia dessas operaes sobre o total de IDE recebido de apenas 3,1% no perodo (Grfico 1). As privatizaes, via investimento direto, tambm no ultrapassaram o valor de US$ 400 milhes ao longo da dcada, um valor baixo quando comparado, por exemplo, com os US$ 32 bilhes recebidos pelo Brasil sob essa rubrica (Unctad, 2000).GRFICO 1. China: Investimento Direto Externo recebido e fuses e aquisies (vendas), 1987-2002

Em US$ milhes

60000 40000 20000 0 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 IDE recebido F&As (vendas)

FONTE: UNCTAD. World Investment Report. Elaborao da autora.

Quanto evoluo setorial da distribuio dos investimentos diretos recebidos pela China nas dcadas de oitenta e noventa, esta esteve vinculada s diversas fases da abertura de sua economia ao IDE. Assim, durante o perodo inicial da reforma (1979-1986), os investimentos concentraram-se nas atividades de prospeco geolgica, na indstria manufatureira trabalho-intensiva (indstria tradicional, especialmente txtil e confeces de roupas) e no setor de servios (atividades imobilirias). A partir de 1986, com o incio da segunda fase da abertura ao IDE, o governo chins tomou uma srie de medidas para mudar a estrutura setorial dos investimentos diretos recebidos, dirigindo-os para a indstria de transformao e para os setores export-oriented e de mais alta tecnologia. Desse modo, o IDE no setor primrio caiu de 40,9% em 1988 para 3,1% em 1993, e o setor manufatureiro passou a ser o principal setor de destino dos investimentos diretos externos (World Bank, 1997). Nos anos 1990 perodo que compreendeu a terceira e quarta fases da abertura algumas medidas mais fortes foram tomadas para aumentar a participao do IDE nas indstrias capitaln. 7 out./dez. 2005.

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intensivas. A prioridade era o desenvolvimento e fortalecimento da indstria qumica, de mquinas e equipamentos de transporte, eletrnicos e comunicaes. Recentemente, foram abertas ao investimento direto externo novas atividades no setor de servios e dados maiores estmulos ao surgimento de setores de tecnologia de ponta e ao estabelecimento de centros de pesquisa e desenvolvimento no pas. Inicia-se, ento a quinta fase a abertura da economia chinesa com a adeso da China a OMC em 2001. Dessas polticas resultou a seguinte distribuio setorial do IDE: em 2000 a indstria de transformao e os servios contabilizavam, em termos de valores acumulados, 61% e 37%, respectivamente (Tabela 1). Destaque deve ser dado indstria eletrnica e de telecomunicaes, que se tornaram foco de fortes investimentos diretos a partir de 1997, enquanto que a indstria tradicional experimentou uma estagnao (MOFTEC, 2001). Dentro dos servios, as atividades imobilirias predominaram (24%), enquanto que o IDE nas atividades de intermediao financeira foi quase inexistente, devido legislao proibitiva. A mudana na tendncia da distribuio do IDE entre os macro-setores da economia chinesa pode ser observada pela predominncia que vai assumindo o setor secundrio vis--vis os demais setores (Grfico 2). Deve-se ressaltar, nesse contexto, a crescente participao das firmas estrangeiras no produto industrial chins que passou de 5,5% em 1991, para 22,5%, em 2000, em termos de valor (MOFTEC, 2001, p. 6-31).TABELA 1. Distribuio setorial do IDE na China. Acumululado at 2000 (Em US$ milhes e %) Setor Total Agricultura, caa e pesca Indstria Construo Transportes, correios e telecomunicaes Comrcio varejo e atacado Imveis e utilidades pblicas Sade, esporte e servios sociais Art. rdio, filme e televiso Pesquisa cientfica e servios politcnicos Outros N. projetos 363.885 10.355 265.609 9.059 4.027 18.410 37.252 1.030 1.336 2510 14297 % 100,0 2,8 73,0 2,5 1,1 5,1 10,2 0,3 0,4 0,7 3,9 Valor contratual 676.097 1.231 411.534 19.691 16.386 23.396 159.443 4.773 2.123 2.124 24.217 % 100,0 0,2 60,9 2,9 2,4 3,5 23,6 0,7 0,3 0,3 3,6

FONTE: MOFTEC ( 2001). Retirado de Pingyao (2002, p. 25). GRFICO 2. China: distribuio do IDE por macro-setor, 1979-2000

100 80 (Em %) 60 40 20 0 197989 1990 1991 1992 1993 1994 1995Secundrio

1996

1997

1998

1999

2000

Primrio

Tercirio

FONTE: China Foreign Economic Statistical Yearbook (vrios anos).

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No que se refere distribuio regional do investimento direto externo na China, esta foi bastante concentrada nos anos 1990, com alguma desconcent