Os Juizes Nao Conhecem Direitos Humanos

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SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS 138 JOSÉ RICARDO CUNHA Doutor em Direito e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Brasil. Coordena desde 2003 o grupo de pesquisa “Direitos Humanos no Tribunal de Justiça”, que investiga os limites e as possibilidades da justiciabilidade dos Direitos Humanos, em especial dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. E-mail: <[email protected]>. RESUMO A proposta deste artigo é analisar as informações obtidas no âmbito da pesquisa intitulada “Direitos Humanos no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: concepção, aplicação e formação”, que tem por objetivo investigar o grau de justiciabilidade dos direitos humanos na prestação jurisdicional dos magistrados de primeira instância da Comarca da Capital do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. O estudo conclui que o tipo de vara e a cor do juiz, bem como o grau de conhecimento a respeito dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos da OEA e da ONU, constituem variáveis significativas para explicar o comportamento dos magistrados no tocante à utilização das normativas internacionais para a fundamentação das sentenças. A elucidação empírica das variáveis supramencionadas revela-se de grande valia na implementação de programas destinados a ampliar o conhecimento dos magistrados na matéria. A pesquisa foi contemplada com o apoio da Faperj. [Artigo original em português.] PALAVRAS-CHAVE Direitos humanos – Justiciabilidade – Poder Judiciário

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  • SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS138

    JOS RICARDO CUNHA

    Doutor em Direito e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Brasil.

    Coordena desde 2003 o grupo de pesquisa Direitos Humanos no Tribunal de Justia,

    que investiga os limites e as possibilidades da justiciabilidade dos Direitos Humanos, em

    especial dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais. E-mail: .

    RESUMO

    A proposta deste artigo analisar as informaes obtidas no mbito da pesquisa intitulada

    Direitos Humanos no Tribunal de Justia do Rio de Janeiro: concepo, aplicao e

    formao, que tem por objetivo investigar o grau de justiciabilidade dos direitos humanos

    na prestao jurisdicional dos magistrados de primeira instncia da Comarca da Capital do

    Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro. O estudo conclui que o tipo de vara e a

    cor do juiz, bem como o grau de conhecimento a respeito dos sistemas internacionais de

    proteo dos direitos humanos da OEA e da ONU, constituem variveis significativas para

    explicar o comportamento dos magistrados no tocante utilizao das normativas

    internacionais para a fundamentao das sentenas. A elucidao emprica das variveis

    supramencionadas revela-se de grande valia na implementao de programas destinados a

    ampliar o conhecimento dos magistrados na matria. A pesquisa foi contemplada com o

    apoio da Faperj. [Artigo original em portugus.]

    PALAVRAS-CHAVE

    Direitos humanos Justiciabilidade Poder Judicirio

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    Os direitos humanos constituem o principal instrumento de defesa, garantia epromoo das liberdades pblicas e das condies materiais essenciais para umavida digna. Os poderes Executivo e Legislativo so sempre solicitados a atuarconforme esses direitos. Contudo, o Poder Judicirio o ltimo guardio detais direitos, e a esperana de proteo em relao a eles. Por isso, faz-se imperiosolutar pela efetividade de sua tutela jurisdicional.

    A busca da efetividade dos direitos humanos na esfera judiciria tornanecessrio averiguar a maneira pela qual os juzes concebem e aplicam as normasde direitos humanos, especialmente as que protegem os direitos econmico-sociais.Para tanto, a pesquisa Direitos Humanos no Tribunal de Justia do Rio de Janeiro:Concepo, Aplicao e Formao tem por objetivo investigar o grau de efetividade justiciabilidade dos direitos humanos na prestao da tutela jurisdicional.

    Na primeira fase, cuja anlise objeto do presente trabalho, investigou-sea primeira instncia da Comarca da Capital do Tribunal de Justia do Estado doRio de Janeiro.2

    Jos Ricardo Cunha

    Co-autores: Andra Diniz (IBGE); Alexandre

    Garrido da Silva e Isolda Abreu de Carvalho

    Mattos SantAnna (UERJ); Diana Felgueiras das

    Neves, Rodrigo da Fonseca Chauvet e Tamara

    Moreira Vaz de Melo (UERJ); Lia Motta Gould e

    Priscila de Santana (PUC-Rio)

    DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE:PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    1. Pesquisa em curso, realizada por alunos e professores da Universidade do Estado do Rio de

    Janeiro (UERJ), da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, da Fundao Getlio Vargas

    do Rio de Janeiro e da Universidade Cndido Mendes (Ucam).

    2. A pesquisa de campo continua a ser feita, com magistrados da segunda instncia do TJRJ.

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

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    A pesquisa foi organizada em duas vertentes: uma terica e outra prtica.Na vertente terica, realizou-se um estudo sistemtico dos fundamentosjurdicos, filosficos e polticos dos direitos humanos, a partir das obras deCarlos Santiago Nino, Antonio Enrique Prez Luo, Cham Perelman eRobert Alexy.

    Na vertente emprica, efetuou-se um levantamento em 225 das 244 varasem funcionamento de primeira instncia do Tribunal de Justia na cidade doRio de Janeiro. Um questionrio foi aplicado aos juzes, a fim de investigar omodo de cada magistrado responsvel pela prestao jurisdicional naquela varaconceber e aplicar os direitos humanos. O questionrio tambm procuroulevantar o nvel de formao dos juzes na rea de direitos humanos.

    Para a anlise principal, os dados coletados foram estatisticamente tratadospor meio de modelos de regresso logsticos multinomiais, buscando-seespecialmente a explicao da utilizao das normativas internacionais deproteo aos direitos humanos na fundamentao das sentenas proferidas pelosjuzes, atravs das demais variveis envolvidas. Basicamente, o procedimentoutilizado consistiu em aplicar testes de hiptese acerca da contribuio de cadavarivel para o poder de explicao do modelo, em um nvel de 5% designificncia. Foram excludas do modelo as variveis cuja contribuio no foiconsiderada significativa, no nvel fixado, para explicar a utilizao das normativasna fundamentao das sentenas.

    Considerando que o objeto primordial da pesquisa era a tutela jurisdicionallevada a cabo pela ao do juiz, foi preciso coletar os dados diretamente, emfonte primria, ou seja, por meio de entrevistas diretas aos juzes.3 Optou-sepela comarca da capital do Rio de Janeiro, tanto por sua representatividade emrelao s demais do estado quanto pela existncia de maior fluxo e maiordiversidade de processos.

    A unidade de pesquisa considerada foi a vara, uma vez que por meio delaque o juiz atua e o usurio tem a possibilidade de acesso Justia. Sendo assim,o questionrio corresponde vara, e no ao juiz, no obstante seja este ointerlocutor. Nas varas com mais de um juiz, titular e substituto(s), foipreenchido apenas um questionrio. Nos casos em que um juiz acumulava maisde uma vara, as respostas dadas por ele foram repetidas e includas em cada umadas varas.

    O cadastro das unidades de pesquisa foi feito a partir da relao de varasextrada em novembro de 2003 da pgina do Tribunal de Justia na internet:. Constavam ento 255 varas, incluindo-se o frum central

    3. A entrevista foi realizada, sempre que possvel, com o juiz titular da vara ou, em caso de

    impossibilidade deste, com o juiz substituto. No caso de impossibilidade ou recusa de ambos,

    considerou-se como no respondido.

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    e os regionais. Por ocasio do contato, em campo, para realizar as entrevistas,foi feita a atualizao do cadastro e se constatou que algumas das varas nohaviam sido instaladas, ou haviam sido fundidas com outras j existentes. Sendoassim, o cadastro final contm 244 varas.

    Para a coleta dos dados, realizada entre janeiro e maio de 2004, foramvisitadas 225 das 244 varas cadastradas;4 e em cerca de 40% das varas oquestionrio no foi preenchido. Os principais motivos da perda das unidadesinformantes foram: (1) recusa no-justificada do juiz; (2) recusa do juiz sob aalegao de que direitos humanos no fazem parte de seu trabalho; (3) no-recebimento do pesquisador pelo juiz.

    Para uma melhor apreenso dos indcios de salvaguarda jurisdicional dosdireitos humanos, foram elaboradas questes que pudessem compor tanto oselementos subjetivos quanto os objetivos conformadores das condies reaisde deciso acerca da matria. Com efeito, o desenho final do questionriocontemplou questes relacionadas a: caractersticas do juiz; formao pr-universitria e universitria; concepo de direitos humanos; e atuao naprestao de tutela jurisdicional. O instrumento de coleta foi desenvolvidode modo a poder ser utilizado pelos pesquisadores, em entrevistas diretas como juiz responsvel por cada uma das varas, mas que permitisse tambm opreenchimento autnomo pelo prprio juiz, quando ele se recusasse a recebero entrevistador.

    Anlise dos dados

    A seguir apresentamos uma sistematizao das informaes coletadas nosquestionrios, acompanhada de uma anlise das respostas obtidas.

    Perfil dos juzes

    O Judicirio, como instituio social, ainda reflete a predominncia masculinanas relaes de poder. Pode-se perceber que a maioria dos juzes de homens,totalizando um percentual de 60%. Mas as instituies vm se feminizandoao longo dos anos, graas a mudanas na sociedade, e j se pode notar umasignificativa aproximao entre os dois percentuais. Esse fenmeno maisevidente na primeira instncia, na qual os recm-juzes iniciam o exerccio desua funo. Acredita-se que, quanto mais superior a instncia de julgamento,menor a porcentagem de mulheres juzas atuantes, pois ali laboram magistradosmais antigos.

    4. Em razo de limitaes inesperadas, no foi possvel fazer o trabalho nos fruns regionais de

    Campo Grande (onze varas) e Santa Cruz (oito varas).

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS142

    A Tabela 1 mostra a distribuio dos juzes que participaram da pesquisa, portempo de magistratura e segundo classes de idade. Nela possvel notar que sopequenas as chances de algum se tornar juiz titular antes de completar 30 anos.Do total de juzes titulares, h apenas 2 (2%) nessa faixa de idade. Entre os 77 juzesque se incluem na faixa de 31 a 50 anos, que representam quase 75% dosentrevistados, 44 tm de 11 a 20 anos de magistratura. E essa a classe de idade quefigura como maioria relevante na primeira instncia do Tribunal de Justia do Riode Janeiro. Nenhum juiz dessa classe de idade tem mais de 20 anos de carreira, oque nos leva a crer que os juzes com mais de 20 anos de magistratura costumam serpromovidos, estando portanto nos rgos de segunda instncia. Os juzes com maisde 50 anos, em sua maioria, contam com tempo de 11 a 20 anos de magistratura.Entre estes, apenas 2 possuem menos de 5 anos de carreira. raro algum iniciar oofcio de magistrado nessa faixa etria; e raro, tambm, que um juiz titular continuea exercer atividades magistrais na primeira instncia depois dos 50 anos.

    Os percentuais mais impressionantes porm no surpreendentes sereferem a cor ou raa dos magistrados, conforme mostra o Grfico 1. Osautodeclarados brancos encerram 86% do total de juzes. Isso confirma aexistncia de uma intensa excluso da populao negra/parda da carreira demagistratura, visto que, segundo o Censo de 2000, os negros5 e pardosrepresentam 44,6% da populao brasileira.

    Formao especfica em direitos humanos

    Considerando-se que a incluso do tema direitos humanos na formao dosjuzes, sobretudo na graduao, um fator capaz de influenciar a aplicao,pelos magistrados, das normas que asseguram tais direitos, houve questes arespeito da existncia de tal disciplina nas faculdades.

    As disciplinas relacionadas temtica dos direitos humanos no contamem geral com grande prestgio nos cursos de graduao das universidades.Quando perguntados acerca da existncia de alguma cadeira de direitos humanosdurante o bacharelado, 84% dos magistrados responderam negativamente.Dentre as respostas afirmativas, apenas 4% dos juzes tiveram a disciplina comoobrigatria, enquanto para 12% ela havia sido opcional.

    A despeito da quase inexistncia de oferta da disciplina nas faculdades, tendoem vista a relevncia do tema, pediu-se aos juzes para manifestarem seu interessepelos estudos relacionados aos direitos humanos. Suas respostas esto reproduzidasno Grfico 2. A anlise do grfico permite depreender o seguinte raciocnio:

    5. O IBGE adota a categoria preto, em vez de negro. Para a aplicao na pesquisa foi feita a

    substituio do termo, mantendo-se na ntegra as demais categorias adotadas pelo rgo oficial.

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    TTTTTotalotalotalotalotal

    At 30

    31 a 50

    Mais de 50

    NR

    Classes de idadeClasses de idadeClasses de idadeClasses de idadeClasses de idadeTTTTTempo de magistratura (em anos)empo de magistratura (em anos)empo de magistratura (em anos)empo de magistratura (em anos)empo de magistratura (em anos)

    6464646464

    0

    44

    19

    1

    33333

    0

    0

    3

    0

    TTTTTABELA 1ABELA 1ABELA 1ABELA 1ABELA 1

    99999

    2

    5

    2

    0

    3333333333

    0

    28

    4

    1

    De 5 a 10De 5 a 10De 5 a 10De 5 a 10De 5 a 10

    Distribuio dos juzes participantes da pesquisa por tempo de magistratura,Distribuio dos juzes participantes da pesquisa por tempo de magistratura,Distribuio dos juzes participantes da pesquisa por tempo de magistratura,Distribuio dos juzes participantes da pesquisa por tempo de magistratura,Distribuio dos juzes participantes da pesquisa por tempo de magistratura,segundo classes de idadesegundo classes de idadesegundo classes de idadesegundo classes de idadesegundo classes de idade

    Menos de 5Menos de 5Menos de 5Menos de 5Menos de 5 De 11 a 20De 11 a 20De 11 a 20De 11 a 20De 11 a 20 Mais de 20Mais de 20Mais de 20Mais de 20Mais de 20

    42 magistrados (40%) nunca estudaram direitos humanos. Essa informao revelaque quatro entre dez juzes no tiveram espao formal para um aprofundamentosistemtico das questes fundamentais relativas aos direitos humanos.

    GRFICO 1GRFICO 1GRFICO 1GRFICO 1GRFICO 1

    Qual sua cor ou raa?Qual sua cor ou raa?Qual sua cor ou raa?Qual sua cor ou raa?Qual sua cor ou raa?

    1% Indgena1% Indgena1% Indgena1% Indgena1% Indgena

    11% Parda11% Parda11% Parda11% Parda11% Parda

    2% NR2% NR2% NR2% NR2% NR86% Branca86% Branca86% Branca86% Branca86% Branca

    GRFICO 2GRFICO 2GRFICO 2GRFICO 2GRFICO 2

    J estudou Direitos Humanos?J estudou Direitos Humanos?J estudou Direitos Humanos?J estudou Direitos Humanos?J estudou Direitos Humanos?

    NoNoNoNoNo

    55555 1010101010 1515151515 2020202020 2525252525 3030303030 3535353535 4040404040 454545454500000

    Sim, de mais de uma maneiraSim, de mais de uma maneiraSim, de mais de uma maneiraSim, de mais de uma maneiraSim, de mais de uma maneira

    Sim, autodidaticamenteSim, autodidaticamenteSim, autodidaticamenteSim, autodidaticamenteSim, autodidaticamente

    Sim, em cursos diversosSim, em cursos diversosSim, em cursos diversosSim, em cursos diversosSim, em cursos diversos

    Sim, na ps-graduaoSim, na ps-graduaoSim, na ps-graduaoSim, na ps-graduaoSim, na ps-graduao

    Sim, na graduaoSim, na graduaoSim, na graduaoSim, na graduaoSim, na graduao

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS144

    Vale destacar que, apesar do relativo distanciamento da temtica oraabordada por boa parte dos juzes, os mesmos demonstraram interesse emparticipar de cursos relacionados aos direitos humanos: cerca de 73%estariam dispostos a estudar o tema, conforme aparece no Grfico 3.

    Quando indagados sobre algum tipo de vivncia pessoal que pudessefornecer uma experincia prtica em relao aos direitos humanos, oresultado demonstrou um abismo ainda maior entre os juzes e o tema.Apenas 6% dos entrevistados revelaram j ter tido algum tipo de engajamentonessa rea.

    Analisando os dados aqui expostos, possvel compreender, ao menospreliminarmente, a pouca utilizao das normativas de direitos humanosdos sistemas das Naes Unidas (ONU) e da Organizao dos EstadosAmericanos (OEA) nas sentenas dos magistrados. Resta prejudicada aaplicao de normas referentes a um tema to afastado da realidade dos juzes.

    Concepo acerca dos direitos humanos

    No plano das teorias jurdica e poltica, h um consenso razovel em relaoao fato de o tema dos direitos humanos ser fundamental para o corretoentendimento do Estado Democrtico de Direito. Nessa perspectiva, JrgenHabermas (2003), ao propor a eqiprimordialidade, isto , o nexo internoentre direitos humanos e democracia (soberania popular), afirma que nose pode pensar um Estado verdadeiramente democrtico sem uma efetivaimplementao dos direitos humanos. Isso quer dizer que os cidadossomente podero fazer uso efetivo de sua autonomia pblica se foremsuf ic ientemente independentes , em razo dos d i re i tos humanosuniformemente assegurados. Nesse sentido, o Brasil s poder concretizarseu projeto de democratizao prescrito pela Constituio quando os direitoshumanos alcanarem concretamente o cotidiano dos indivduos com plenafora normativa. Para isto, espera-se do Estado uma ao efetiva de promoodos direitos, seja na linha de frente da ao poltica, por intermdio dospoderes Legislativo e Executivo, seja na retaguarda por meio da aogarantista do Poder Judicirio. Contudo, necessrio, antes de tudo, sabercomo os juzes guardies ltimos da justia compreendem os direitoshumanos.

    Na Tabela 2, pode-se notar que, ao serem questionados sobre a naturezados direitos humanos, 7,6% dos juzes afirmaram serem valores semaplicabilidade efetiva. Para outros 34,3%, os direitos humanos constituiriamprincpios aplicados na falta de regra especfica; e para 54,3% configurariamregras plenamente aplicveis. importante ressaltar que cerca de 7% dosjuzes concebem os direitos humanos apenas como valores sem nenhuma fora

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    jurdica, mesmo aps todos os esforos jurdicos e polticos de afirmao detais direitos. relativamente semelhante o entendimento de 34,3% dosmagistrados, para os quais tais princpios possuem carter subsidirio, podendoser aplicados eventualmente, diante da ausncia de norma especfica. Paraeles, qualquer ponderao que siga norma mais especfica, inclusive comcontedo antagnico, levaria no-aplicao das normas de direitos humanos.Porm, foi majoritria a posio dos que demonstram uma concepo fortede direitos humanos, pois mais de 50% dos juzes concebem os direitoshumanos como regras plenamente aplicveis.

    TTTTTotalotalotalotalotal

    Valores que instruem oordenamento jurdico, masno tm aplicabilidade efetiva.

    Princpios quepodem ser aplicadossubsidiariamente nafalta de regra especfica.

    Normas jurdicas plenamenteaplicveis quando o casoconcreto assim demandar.

    Combinao de mais deum dos conceitos acima.

    NR

    105105105105105

    8

    36

    57

    3

    1

    FreqnciaFreqnciaFreqnciaFreqnciaFreqncia

    100100100100100

    7,6

    34,3

    54,3

    2,9

    1,0

    PorcentagemPorcentagemPorcentagemPorcentagemPorcentagem

    8

    44

    101

    104

    105

    FreqnciaFreqnciaFreqnciaFreqnciaFreqnciaacumuladaacumuladaacumuladaacumuladaacumulada

    7,62

    41,90

    96,19

    99,05

    100,00

    PorcentagemPorcentagemPorcentagemPorcentagemPorcentagemacumuladaacumuladaacumuladaacumuladaacumulada

    TTTTTABELA 2ABELA 2ABELA 2ABELA 2ABELA 2

    Para voc os direitos humanos soPara voc os direitos humanos soPara voc os direitos humanos soPara voc os direitos humanos soPara voc os direitos humanos so

    OpinioOpinioOpinioOpinioOpinio

    GRFICO 3GRFICO 3GRFICO 3GRFICO 3GRFICO 3

    Caso ainda no tenha tido acesso a cursos especficos deCaso ainda no tenha tido acesso a cursos especficos deCaso ainda no tenha tido acesso a cursos especficos deCaso ainda no tenha tido acesso a cursos especficos deCaso ainda no tenha tido acesso a cursos especficos deDireitos Humanos, se tivesse oportunidade gostaria de faz-los?Direitos Humanos, se tivesse oportunidade gostaria de faz-los?Direitos Humanos, se tivesse oportunidade gostaria de faz-los?Direitos Humanos, se tivesse oportunidade gostaria de faz-los?Direitos Humanos, se tivesse oportunidade gostaria de faz-los?

    17% No17% No17% No17% No17% No

    10% NR10% NR10% NR10% NR10% NR

    30% Sim30% Sim30% Sim30% Sim30% Sim

    43% Sim, se fossem43% Sim, se fossem43% Sim, se fossem43% Sim, se fossem43% Sim, se fossemde curta duraode curta duraode curta duraode curta duraode curta durao

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

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    Indivisibilidade dos direitos humanos

    A execuo de sentenas que assegurem a aplicao efetiva das diferentesgeraes dos direitos humanos bem como a defesa desses direitos em umEstado democrtico com limitao de recursos financeiros envolveimportantes questes que devem ser objeto de reflexo e ponderao pelosaplicadores do direito.

    Historicamente, os direitos humanos surgem como direitos civis opostos ao invasiva do Estado, na esfera das liberdades individuais e do patrimnioprivado, exigindo portanto uma absteno estatal. Entretanto, considerandoa no-exaustividade dos direitos, uma vez que estes surgem e evoluem dentrode um determinado contexto social , novas geraes de direitos sedesenvolveram e passaram a integrar o conjunto dos direitos humanos.Consoante Norberto Bobbio (2004, p. 53), os direitos consagrados pelaDeclarao Universal dos Direitos Humanos de 1948 representam uma sntesedo passado e uma inspirao para o futuro: mas suas tbuas no foram gravadasde uma vez para sempre, pois tais direitos so histricos e constituem umconjunto permanentemente aberto a novas articulaes, especificaes eatualizaes.

    De um contexto de Estado liberal de direito passamos ao Estado debem-estar social, com a respectiva tutela de outros direitos, tais como: sade, educao, moradia, defesa do meio ambiente, entre outros. Essefato passou a demandar do Estado uma atuao positiva reguladora e, porvezes, interventora na realidade social e econmica. Algumas controvrsiassurgem quanto efetividade desses direitos sociais e econmicos, pois muitosdefendem que sua promoo depende exclusivamente da ao poltica dosPoderes Executivo e/ou Legislativo; assim, no caberia ao Poder Judiciriotutelar tais direitos quando isso acarretasse obrigao para o Poder Legislativo,autnomo em seus juzos de oportunidade e de convenincia. O problemaque se coloca : h argumentos jurdicos aceitveis para a no-garantia judicialdesses direitos? Ou seja: o Judicirio, como Poder do Estado, pode se absterde assegurar direitos capazes de dotar os cidados das condies mnimas deexistncia, especialmente no contexto de uma sociedade profundamentedesigual como a brasileira?

    Em ltima instncia, trata-se da relevante questo acerca da indivisibilidadedos direitos humanos. A despeito das diferentes classificaes que recebem,sejam direitos civis ou polticos ( vida, liberdade, igualdade ou igualparticipao poltica) ou direitos econmicos e sociais ( moradia, ao trabalho, educao, sade), os direitos humanos so complementares einterdependentes. Nesse sentido, podemos citar a resoluo n. 32 da AssembliaGeral da ONU, de 1977, que assevera a indivisibilidade dos direitos humanos

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    147Nmero 3 Ano 2 2005

    e seu carter inalienvel, alm de ratificar a obrigatoriedade dos direitoseconmicos e sociais (ver Mello, 2001, v. I, p. 816).

    A Declarao de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepoindivisvel dos direitos humanos ao afirmar, em seu pargrafo 5, auniversalidade, a interdependncia e o inter-relacionamento entre direitos civise polticos e direitos econmicos, sociais e culturais. A garantia integral dadignidade da pessoa humana pressupe a efetividade de todos esses direitos.O exerccio da cidadania restaria prejudicado se, embora garantido o direitoao voto, no houvesse a mesma garantia em relao a educao e sade pblicasde qualidade.

    Com base nessas consideraes, cabe uma visada sobre o posicionamentodos 105 juzes que se dispuseram a responder seguinte questo: Acreditaque os direitos humanos econmicos e sociais podem ser judicialmenteaplicados da mesma forma que os direitos humanos civis e polticos?. Paraum pequeno nmero de juzes, a aplicao judicial dos direitos econmicose sociais no pode ocorrer da mesma forma que a dos direitos civis e polticos.Tambm uma minoria de magistrados acredita que o Poder Judicirio nodeve interferir no sentido de promover a efetivao dos direitos de segundagerao, justificando no caber ao Judicirio a implementao de polticaspblicas. Outros, ainda, acreditam que a tutela desses direitos decompetncia dos demais poderes da repblica ou que tal aplicao resultariano fenmeno do juiz-legislador. Porm, a ampla maioria dos magistrados(79%) defende a aplicao complementar dos direitos econmicos e sociaise dos direitos civis e polticos. Alm disso, consideram que mesmo aquelesdireitos que impem uma atuao estatal devem ser judicialmentetutelados. Portanto, uma ampla parcela da magistratura entrevistada,aproximadamente 80%, delega aos direitos humanos, pelo menosteoricamente, a condio de normas plenamente aplicveis e considera que,mesmo aquelas que possam interferir no oramento estatal devem sergarantidas por meio das decises judiciais.

    Aplicao das normas de direitos humanos

    Na pesquisa empreendida, uma das questes mais expressivas foi a referente justiciabilidade dos direitos humanos, revelada na atuao do magistrado emprocessos cujo desate dependesse de normas de tal natureza.

    Visou-se averiguao do reconhecimento, por parte dos entrevistados, dapresena de normas de direitos humanos nos casos sob seu exame, j que estasse evidenciam de mltiplas formas no ordenamento jurdico brasileiro,configurando-se como verdadeiros desdobramentos normativos da tutela jurdicada dignidade.

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS148

    Interrogados sobre a atuao em processos nos quais incidissem normas dedireitos humanos (ver Grfico 4), 24% dos juzes responderam negativamente.Outros 24% revelaram haver atuado em vrios feitos com aplicabilidade denormas dessa natureza; 30% informaram ter atuado em alguns processos emque normas de direitos humanos eram aplicveis, enquanto 24% afirmaram teratuado em poucos casos.

    Observa-se, ento, que 52% dos magistrados entrevistados atuaramesporadicamente no julgamento de demandas em que eram suscitadas normasde direitos humanos. Assim, totalizam 76% os que apenas ocasionalmenteatuaram em tais feitos ou nestes nunca exerceram seu mister. Por outro lado,paradoxalmente, a maioria dos juzes entrevistados declarou que os direitoshumanos so normas plenamente aplicveis no ordenamento jurdico brasileiro,entendendo que no so aplicadas efetivamente, no entanto, por no seremimanentes aos casos judiciais que lhes foram submetidos.

    Destaque-se, contudo, que tal inferncia no pode ser consideradaverdadeira. De fato, grande parte das controvrsias submetidas apreciao doPoder Judicirio versa sobre conflitos cujo cerne se situa exatamente na searados direitos humanos e, muitas vezes, envolve precisamente os direitosfundamentais.

    Desse modo, aventa-se a hiptese de desconhecimento dos direitoshumanos: em razo de sua pouca intimidade com o conceito geral e com asnormas de direitos humanos, os entrevistados teriam velada sua percepo eisso dificultaria o reconhecimento dos casos afeitos matria em meno.

    No se pode olvidar, por outro lado, que em qualquer caso concretosubmetido ao Poder Judicirio dever o julgador levar em considerao todoo ordenamento jurdico, promovendo uma interpretao sistemtica. Istoporque as normas jurdicas no so os textos nem o conjunto deles, mas os

    GRFICO 4GRFICO 4GRFICO 4GRFICO 4GRFICO 4

    J atuou em algum processo em que as normas de direitos humanosJ atuou em algum processo em que as normas de direitos humanosJ atuou em algum processo em que as normas de direitos humanosJ atuou em algum processo em que as normas de direitos humanosJ atuou em algum processo em que as normas de direitos humanosfossem aplicveis?fossem aplicveis?fossem aplicveis?fossem aplicveis?fossem aplicveis?

    30% Sim, alguns30% Sim, alguns30% Sim, alguns30% Sim, alguns30% Sim, alguns24% No24% No24% No24% No24% No

    24% Sim, vrios24% Sim, vrios24% Sim, vrios24% Sim, vrios24% Sim, vrios 22% Sim, poucos22% Sim, poucos22% Sim, poucos22% Sim, poucos22% Sim, poucos

  • JOS RICARDO CUNHA

    149Nmero 3 Ano 2 2005

    sentidos construdos a partir da interpretao sistemtica de textos normativos.De tal sorte, em qualquer demanda submetida ao magistrado, deve este

    ter em conta a dignidade da pessoa humana, verdadeiro valor fundamental doEstado democrtico brasileiro, consignado no inciso III do Artigo 1 da CartaConstitucional de 1988.

    Assim, afigura-se razovel que, quando uma situao subjetiva existencialestiver em questo, a norma jurdica seja construda em funo dos direitoshumanos, sejam estes oriundos da Constituio ou de normas internacionais,ainda que possam ser considerados a diferentes nveis de intensidade dessavinculao (ver Sarlet, 2002, p. 85). O no-reconhecimento de tal aplicabilidadepode estar, portanto, relacionado a um conhecimento precrio do tema, oumesmo a seu desconhecimento.

    Aes afirmativas

    Um dos princpios mais caros consagrados na Constituio Federal de 1988 oda isonomia, insculpido no caput do Artigo 5, segundo o qual todos devem sersubmetidos s mesmas regras jurdicas. No entanto, h que se ter em menteque o princpio da isonomia foi, historicamente, uma conquista das revoluesfrancesa e norte-americana, no final do sculo 18, tendo em vista abolir osprivilgios da nobreza e do clero.

    Naquele momento, foi importante a formalizao dessa igualdade. Mas aolongo do tempo observou-se que a mera consagrao do direito na lei no garanteque os indivduos tenham as mesmas oportunidades de efetivo acesso sprerrogativas disponibilizadas pela sociedade.

    Como exemplo, pode-se citar a dicotomia entre as instituies pblicasgratuitas e as privadas, no que tange ao ensino fundamental e mdio brasileiro.As primeiras remetem ao ensino precrio oferecido aos estudantes detentoresde parcos recursos financeiros, enquanto as instituies particulares, em maiornmero, atendem com excelncia aos estudantes abastados. Paradoxalmente,a situao se inverte no vestibular, quando a grande maioria dos estudantesque obtm sucesso no ingresso em instituies pblicas gratuitas de ensinosuperior, consideradas de excelncia, oriunda de instituies particulares deensino mdio.

    Por outro lado, as instituies sempre fizeram a seleo para ingresso emcurso superior com base to-somente no conhecimento do candidato sobre oscontedos da avaliao. Eram desconsideradas desigualdades histricas e tambmas diferenciadas possibilidades de acesso ao ensino por parte dos estudantes. Foiestabelecida, ento, em algumas universidades brasileiras, uma polmica polticade reserva de cotas, a princpio levando em conta critrios socioeconmicos,aos quais vieram se somar, posteriormente, parmetros tnicos, sempre observada

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS150

    a ordem de classificao dos candidatos em sua categoria, obtida a partir dapontuao no exame.

    A situao descrita apenas uma das abrangidas pela poltica de aoafirmativa, que denota uma busca de superao do modelo liberal pela atuaosocial da instituio pblica. Assim, a igualdade passa a ser concebida em suadupla dimenso: formal e material. Do tratamento formal conferido ao princpioda isonomia, expresso na mxima todos so iguais perante a lei, passa-se tentativa de materializao das garantias. Nesse contexto, o Estado abandonasua tradicional posio de neutralidade e de mero espectador dos embates quese travam no campo da convivncia entre os homens e passa a atuar ativamentena busca de concretizao da igualdade positivada nos textos constitucionais(Gomes, 2001, p. 20).

    Pode-se dizer, ento, que as polticas pblicas de ao afirmativa almejamcombater as desigualdades poltico-sociais, consistindo em qualquer meio deincentivo que venha a distribuir direitos no atingveis pelos gruposdiscriminados. Mas importante ressaltar que isto se d no mbito da ordemconstitucional brasileira vigente, que textualmente se insere no contexto doEstado Democrtico de Direito, visando o desenvolvimento, a igualdade e ajustia como valores supremos a reger uma sociedade fraterna, pluralista e sempreconceitos.

    Nessa perspectiva, tornou-se relevante questionar os magistrados acercada constitucionalidade ou no das aes afirmativas, j que elas se apresentamcomo meio apto materializao dos direitos humanos.

    Conforme se observa na Tabela 3, 22,9% dos juzes disseram considerar aspolticas de ao afirmativa inconstitucionais, por ferirem o princpio daisonomia, o que revela que consideraram to-somente a igualdade em seu sentidoformal. Entre os entrevistados, 10,5% no quiseram opinar, enquanto 66,7%opinaram pela constitucionalidade das aes afirmativas, em razo da necessidadede superar desigualdades sociais histricas.

    Tais dados permitem concluir que a concepo jurdica acerca da isonomia

    TTTTTotalotalotalotalotal

    So inconstitucionais, poisfeririam o princpio de isonomia.

    So constitucionais, em razo danecessidade de superao dedesigualdades sociais e histricas.

    NR

    105105105105105

    FreqnciaFreqnciaFreqnciaFreqnciaFreqncia

    100100100100100

    PorcentagemPorcentagemPorcentagemPorcentagemPorcentagem

    24

    FreqnciaFreqnciaFreqnciaFreqnciaFreqnciaacumuladaacumuladaacumuladaacumuladaacumulada

    22,86

    PorcentagemPorcentagemPorcentagemPorcentagemPorcentagemacumuladaacumuladaacumuladaacumuladaacumulada

    TTTTTABELA 3ABELA 3ABELA 3ABELA 3ABELA 3

    Em princpio, qual sua opinio sobre as polticas de ao afirmativa?Em princpio, qual sua opinio sobre as polticas de ao afirmativa?Em princpio, qual sua opinio sobre as polticas de ao afirmativa?Em princpio, qual sua opinio sobre as polticas de ao afirmativa?Em princpio, qual sua opinio sobre as polticas de ao afirmativa?

    22,924

    OpinioOpinioOpinioOpinioOpinio

    70 66,7 94 89,52

    11 10,5 105 100,00

  • JOS RICARDO CUNHA

    151Nmero 3 Ano 2 2005

    ainda dicotmica, sendo preponderante, contudo, sua dimenso material,pois a expressiva maioria dos entrevistados demonstra haver incorporado oprincpio do Estado Democrtico de Direito, presente ao longo de todo otexto constitucional, e expressamente consignado no Artigo 1 da CartaConstitucional.

    Ressalte-se, ademais, que o juzo de constitucionalidade no implicanecessariamente a concordncia poltica com as aes afirmativas, mas to-somente sua admissibilidade no plano jurdico-constitucional.

    Sistemas de proteo da ONU e da OEA

    Com o advento da Declarao Universal dos Direitos Humanos (dezembro de1948) e da Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem (abril de1948), comearam a ser desenvolvidos os Sistemas Internacionais de Proteodos Direitos Humanos da ONU e da OEA.

    O Sistema de Proteo da ONU constitudo tanto por normas dealcance geral, tendo em vista todos os indivduos, de forma genrica eabstrata, como de normas de alcance especial, destinadas a sujeitos especficose a violaes que necessitam de resposta diferenciada. O Brasil ratificou amaioria desses instrumentos de proteo, tais como: Conveno para aEliminao de Todas as Formas de Discriminao Racial, em 27 de marode 1968; Conveno para a Eliminao de Toda Forma de Discriminaocontra a Mulher, em 1 de fevereiro de 1984; Conveno sobre os Direitosda Criana, em 24 de setembro de 1990; Pacto dos Direitos Civis e Polticos,em 24 de janeiro de 1992; e Pacto dos Direitos Econmicos Sociais eCulturais, em 24 de janeiro de 1992. No entanto, o Brasil no reconhece acompetncia de seus rgos de superviso e monitoramento no caso deapreciao de denncias individuais, como o Comit de Direitos Humanose o Comit Contra a Tortura. No caso do Comit para a Eliminao daDiscriminao Racial, o Brasil reconheceu esta competncia em 2002 pormeio do Decreto Legislativo 56, ganhando plena efetividade em 2003 porintermdio do Decreto Presidencial 4738. Tratou-se, sem dvida, deimportante avano para o combate discriminao racial.

    Alm do Sistema de Proteo da ONU existe, no plano regional, o Sistemade Proteo Interamericano. Os dois sistemas tutelam os mesmos direitos, ecabe vtima a escolha do instrumento mais propcio. Ambos se complementam,visando uma garantia adicional, para maior promoo e efetivao dos direitosfundamentais dignidade do ser humano. No nvel regional, h ainda os sistemaseuropeu e africano de proteo dos direitos humanos.

    Indagados os juzes se possuem conhecimento a respeito do funcionamentodos Sistemas de Proteo da ONU e da OEA, obtiveram-se os percentuais

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS152

    demonstrados no Grfico 5: 59% tm um conhecimento superficial, enquanto20% no sabem como funcionam os Sistemas de Proteo.

    Considerando-se os percentuais mais altos, em que o primeiro correspondea um conhecimento superficial e o segundo a um desconhecimento dossistemas, temos que 79% dos magistrados no esto informados a respeitodos Sistemas Internacionais de Proteo dos Direitos Humanos. Taldesconhecimento constitui um obstculo plena efetivao dos direitos dessanatureza no cotidiano do Poder Judicirio, pois essa falta de informao semostra intimamente ligada no-aplicao das normativas relativas aos direitoshumanos.

    pergunta referente a seu conhecimento acerca das decises das cortesinternacionais de proteo dos direitos humanos, 56% dos magistradosresponderam que eventualmente possuem tais informaes; 21% responderamque raramente as tm; 10% nunca obtiveram informaes acerca de taisdecises; e apenas 13% responderam que freqentemente tm algumainformao (ver Grfico 6). No h dvida de que esse percentual de apenas13% para os juzes que freqentemente tm acesso a tais decises muitoreduzido para uma profuso real de uma cultura dos direitos humanos.

    Quando questionados sobre a possibilidade de o conhecimento dessasdecises auxiliar e enriquecer suas sentenas, a resposta de 50% dos juzesentrevistados foi sim; 41% disseram que talvez; e 9% responderam no (verGrfico 7). Assim, embora poucos conheam o contedo dessas decises, amaioria acredita que seria relevante informar-se a respeito. Acredita-se queseria importante a institucionalizao de canais de divulgao das decisesdas cortes internacionais de direitos humanos, no mbito do Tribunal deJustia, inclusive como parte de um processo que busque maior efetividade eaplicabilidade de tais direitos.

    Utilizao especfica das normas de direitos humanos

    Pacto dos Direitos Civis e Polticos e Pacto dosDireitos Econmicos, Sociais e Culturais

    A Assemblia Geral das Naes Unidas aprovou, em 16/12/1966, o PactoInternacional dos Direitos Civis e Polticos (PIDCP) e o Pacto Internacionaldos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ambos ratificados peloBrasil pelo Decreto-Legislativo n. 226 (12/12/1991) e promulgados pelo Decreton. 592 (6/12/1992). Pode-se afirmar que o PIDCP se aproxima das primeirasDeclaraes do Estado Liberal, ao passo que o PIDESC se coaduna diretamentecom as Cartas do Estado de Bem-Estar Social. Ambos os textos especificam ocontedo da Declarao Universal de 1948, sendo que a elaborao de dois

  • JOS RICARDO CUNHA

    153Nmero 3 Ano 2 2005

    GRFICO 7GRFICO 7GRFICO 7GRFICO 7GRFICO 7

    Acha que o conhecimento de tais decises poderia auxiliarAcha que o conhecimento de tais decises poderia auxiliarAcha que o conhecimento de tais decises poderia auxiliarAcha que o conhecimento de tais decises poderia auxiliarAcha que o conhecimento de tais decises poderia auxiliare enriquecer suas sentenas?e enriquecer suas sentenas?e enriquecer suas sentenas?e enriquecer suas sentenas?e enriquecer suas sentenas?

    41% T41% T41% T41% T41% Talvezalvezalvezalvezalvez

    9% No9% No9% No9% No9% No50% Sim50% Sim50% Sim50% Sim50% Sim

    GRFICO 6GRFICO 6GRFICO 6GRFICO 6GRFICO 6

    TTTTTem informaes acerem informaes acerem informaes acerem informaes acerem informaes acerca das decises das cortes internacionaisca das decises das cortes internacionaisca das decises das cortes internacionaisca das decises das cortes internacionaisca das decises das cortes internacionaisde proteo dos direitos humanos?de proteo dos direitos humanos?de proteo dos direitos humanos?de proteo dos direitos humanos?de proteo dos direitos humanos?

    10% Nunca10% Nunca10% Nunca10% Nunca10% Nunca

    21% Raramente21% Raramente21% Raramente21% Raramente21% Raramente56% Eventualmente56% Eventualmente56% Eventualmente56% Eventualmente56% Eventualmente

    13% Freqentemente13% Freqentemente13% Freqentemente13% Freqentemente13% Freqentemente

    GRFICO 5GRFICO 5GRFICO 5GRFICO 5GRFICO 5

    Sabe como funcionam os Sistemas de Proteo InternacionalSabe como funcionam os Sistemas de Proteo InternacionalSabe como funcionam os Sistemas de Proteo InternacionalSabe como funcionam os Sistemas de Proteo InternacionalSabe como funcionam os Sistemas de Proteo Internacionaldos Direitos Humanos da ONU e da OEA?dos Direitos Humanos da ONU e da OEA?dos Direitos Humanos da ONU e da OEA?dos Direitos Humanos da ONU e da OEA?dos Direitos Humanos da ONU e da OEA?

    16%Sim16%Sim16%Sim16%Sim16%Sim

    20% No20% No20% No20% No20% No

    5% NR5% NR5% NR5% NR5% NR

    59% Apenas superficialmente59% Apenas superficialmente59% Apenas superficialmente59% Apenas superficialmente59% Apenas superficialmente

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS154

    pactos, e no de um s, como bem ressalta Fabio Konder Comparato (1999,pp. 276 e ss.), resultou da natural divergncia entre os dois blocos de pases,capitalista e socialista, no bojo da bipolaridade caracterstica da poca.

    No que tange ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, observou-se que somente 5% dos magistrados aplicam-no com constncia. No caminho oposto,74% nunca o utilizaram, e 19% fazem-no raramente (ver Grfico 8).

    Os dados so ainda mais preocupantes em relao ao Pacto Internacionaldos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (Grfico 9). Apenas 3% dos juzesutilizam-no freqentemente em suas sentenas; 20% raramente o fazem e 75%nunca empregaram essa normativa no deslinde de litgios.

    Causa certa surpresa essa constatao de que somente 5% dos juzes doTribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro utilizam o PIDCP, ou que cercade 75% deles nunca aplicaram o PIDESC. Alm de todas as questes materiais emorais envolvidas, vale ainda considerar que a aplicao das normativas de direitoshumanos tem funo no somente jurdico-formal, mas tambm simblica. Aplic-las estampar que os agentes pblicos e a prpria comunidade esto atentos parao fato de que a tutela e a promoo dos direitos humanos se desenvolvem emduas dimenses intimamente relacionadas: a nacional e a internacional.

    Conveno Americana e Protocolo de San Salvador

    O sistema de direitos humanos da Organizao dos Estados Americanos afirmoua responsabilidade internacional do Estado diante das violaes a direitos dessanatureza. Assim, a invaso da esfera juridicamente protegida de um sujeito peloEstado passou a acarretar sua responsabilidade internacional. Criaram-se aComisso e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, formadas por pessoasimparciais e independentes, com o fim de evitar a seletividade do sistema e evitarque o Estado ofendido seja simultaneamente juiz e parte no mesmo processo.

    Sobre esse tema, 66% dos magistrados afirmaram que no utilizam aconveno mencionada (ver Grfico 10). Essa constatao revela que, no obstanteos significativos avanos feitos pela comunidade internacional no estabelecimentode um consenso mnimo sobre os direitos humanos e na criao de ferramentasnormativas para assegur-los na prtica, muitos magistrados ainda ignoram esseprocesso e suas conquistas para o fortalecimento da democracia.

    O Sistema Interamericano, por sua vez, inicialmente relegou a um segundoplano os direitos econmicos, sociais e culturais. Tendo isso em vista, foi adotadoem 17 de novembro de 1988 o Protocolo Adicional Conveno Americana deDireitos Humanos em Matria de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, ouProtocolo de San Salvador.6

    6. Adotado pelo Brasil atravs do Decreto Legislativo n. 56/95 e do Decreto Executivo n. 3.321/99.

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    155Nmero 3 Ano 2 2005

    GRFICO 10GRFICO 10GRFICO 10GRFICO 10GRFICO 10

    Utiliza a Conveno Americana de Direitos Humanos?Utiliza a Conveno Americana de Direitos Humanos?Utiliza a Conveno Americana de Direitos Humanos?Utiliza a Conveno Americana de Direitos Humanos?Utiliza a Conveno Americana de Direitos Humanos?

    24% Raramente24% Raramente24% Raramente24% Raramente24% Raramente

    1% NR1% NR1% NR1% NR1% NR9% Freqentemente9% Freqentemente9% Freqentemente9% Freqentemente9% Freqentemente

    66% No utilizo66% No utilizo66% No utilizo66% No utilizo66% No utilizo

    GRFICO 8GRFICO 8GRFICO 8GRFICO 8GRFICO 8

    Utiliza o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos?Utiliza o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos?Utiliza o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos?Utiliza o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos?Utiliza o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos?

    19% Raramente19% Raramente19% Raramente19% Raramente19% Raramente

    2% NR2% NR2% NR2% NR2% NR5% Freqentemente5% Freqentemente5% Freqentemente5% Freqentemente5% Freqentemente

    74% No utilizo74% No utilizo74% No utilizo74% No utilizo74% No utilizo

    GRFICO 9GRFICO 9GRFICO 9GRFICO 9GRFICO 9

    Utiliza o Pacto Internacional dos Direitos EconmicosUtiliza o Pacto Internacional dos Direitos EconmicosUtiliza o Pacto Internacional dos Direitos EconmicosUtiliza o Pacto Internacional dos Direitos EconmicosUtiliza o Pacto Internacional dos Direitos EconmicosSociais e Culturais?Sociais e Culturais?Sociais e Culturais?Sociais e Culturais?Sociais e Culturais?

    75% No utilizo75% No utilizo75% No utilizo75% No utilizo75% No utilizo

    20% Raramente20% Raramente20% Raramente20% Raramente20% Raramente

    3% Freqentemente3% Freqentemente3% Freqentemente3% Freqentemente3% Freqentemente2% NR2% NR2% NR2% NR2% NR

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS156

    Pode-se observar no Grfico 11 que, pergunta referente ao Protocolo deSan Salvador, 93% dos magistrados afirmaram que no o utilizam ou o fazemraramente. Ora, preocupante quando se confronta essa informao com arealidade brasileira, marcada por profundas desigualdades sociais. No h dvidada importncia dos direitos econmicos, sociais e culturais como forma legtimapara se garantir um mnimo de bem-estar social.

    curioso notar como 79% dos juzes afirmaram que consideram as normasde direitos econmicos, sociais e culturais to eficazes e aplicveis como aquelasque asseguram direitos civis e polticos; mas, na prtica, no recorrem a taisnormas para motivar suas decises.

    Conveno pela Eliminao de todas as Formas de Racismo

    Impulsionada por relevantes fatores histricos da dcada de 60 entre os quaiso ingresso de 17 novos pases africanos nas Naes Unidas, a realizao daPrimeira Conferncia de Cpula dos Pases No-Aliados em Belgrado (1961), eo ressurgimento de atividades nazi-fascistas na Europa a ONU adotou, em21/12/1965, a Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas deDiscriminao Racial, ratificada pelo Brasil em 27/3/1968.

    A referida Conveno parte do denominado Sistema Especial de Proteodos Direitos Humanos. Especial porque, ao contrrio do sistema geral, que visa proteo de qualquer pessoa, abstrata e genericamente considerada, o SistemaEspecial de Proteo dos Direitos Humanos direcionado a um determinadosujeito de direito, considerado em sua especificidade e na concretude de suasrelaes sociais. Esse sistema teria uma funo complementar ao sistema geral,objetivando a proteo e a promoo da igualdade de grupos e indivduoshistoricamente discriminados. Est calcado num princpio de eqidade, segundoo qual se deve conferir um tratamento diferenciado a determinados grupos ouindivduos, contribuindo para a superao de desigualdades. Registre-se aausncia de qualquer normativa internacional, no plano da OEA, para eliminaode formas de discriminao racial.

    Em relao Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas deDiscriminao Racial, a pesquisa registrou que 75% dos juzes afirmaramnunca utiliz-la, enquanto 15% raramente recorrem a essa normativainternacional (ver Grfico 12). Tal resultado especialmente preocupante numpas em cujo cotidiano ainda podem ser observados comportamentos racistas.O primeiro passo para que o racismo possa ser banido de nossa realidadesocial o reconhecimento de que o problema existe e merece tratamentourgente. E esta questo no pode estar alheia ao Poder Judicirio. Nesse sentido,deixar de usar tal Conveno abrir mo de um poderoso instrumento decombate ao racismo em todas suas manifestaes. No se trata de ignorar o

  • JOS RICARDO CUNHA

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    papel fundamental da Constituio nessa matria, mas de somar a esta umimportante instrumento de eliminao do racismo.

    Conveno pela Eliminao de todaForma de Discriminao contra a Mulher

    Homens e mulheres so iguais em direitos e em obrigaes. Assim dispe o inciso Ido Artigo 5 da Constituio Federal, o que demonstra a preocupao do constituinteoriginrio em corrigir uma situao que permanece incrustada nas prticas cotidianasmais rotineiras. Em pleno sculo 21, fato que as mulheres ainda no gozam domesmo tratamento destinado aos homens, malgrado o amadurecimento doutrinrioe legislativo inquestionvel ocorrido nas ltimas dcadas.

    Na presente pesquisa, constatou-se que somente 8% dos magistrados trazempara o plano concreto a Conveno da ONU para a Eliminao de toda Formade Discriminao contra a Mulher, bem como a Conveno Interamericana

    GRFICO 12GRFICO 12GRFICO 12GRFICO 12GRFICO 12

    Utiliza a Conveno sobre a Eliminao de todas as FormasUtiliza a Conveno sobre a Eliminao de todas as FormasUtiliza a Conveno sobre a Eliminao de todas as FormasUtiliza a Conveno sobre a Eliminao de todas as FormasUtiliza a Conveno sobre a Eliminao de todas as Formasde Discriminao Racial?de Discriminao Racial?de Discriminao Racial?de Discriminao Racial?de Discriminao Racial?

    75% No utilizo75% No utilizo75% No utilizo75% No utilizo75% No utilizo8% Freqentemente8% Freqentemente8% Freqentemente8% Freqentemente8% Freqentemente

    2% NR2% NR2% NR2% NR2% NR

    15% Raramente15% Raramente15% Raramente15% Raramente15% Raramente

    GRFICO 11GRFICO 11GRFICO 11GRFICO 11GRFICO 11

    Utiliza o Protocolo de San Salvador?Utiliza o Protocolo de San Salvador?Utiliza o Protocolo de San Salvador?Utiliza o Protocolo de San Salvador?Utiliza o Protocolo de San Salvador?

    26% Raramente26% Raramente26% Raramente26% Raramente26% Raramente

    2% NR2% NR2% NR2% NR2% NR

    5% Freqentemente5% Freqentemente5% Freqentemente5% Freqentemente5% Freqentemente

    67% No utilizo67% No utilizo67% No utilizo67% No utilizo67% No utilizo

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS158

    para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher (ver Grficos 13 e14). Ao revs, 73% nunca recorreram a tais convenes e 17% o fizeram apenasalgumas vezes. Esse resultado pode ser interpretado como bice para a realefetivao dos direitos fundamentais e, tambm, como barreira para a consagraoefetiva da isonomia entre homem e mulher. Esta somente pode ser atingida pormeio da conjugao de dois movimentos paralelos: um cultural, mais complexoe de longo prazo; e outro, jurdico, de resultados mais imediatos, concernente valorizao e aplicao da legislao existente.

    Conveno contra a Tortura e outros Tratamentosou Penas Cruis, Desumanos ou Degradantes

    A Declarao Universal de 1948 certamente o texto mais importante no sentidode se banir a prtica de tortura. A partir da, o repdio a tal prtica foi reafirmadopor uma srie de pactos e convenes de alcance geral, como: Conveno Europia

    GRFICO 13GRFICO 13GRFICO 13GRFICO 13GRFICO 13

    Utiliza a Conveno para a Eliminao de toda FormaUtiliza a Conveno para a Eliminao de toda FormaUtiliza a Conveno para a Eliminao de toda FormaUtiliza a Conveno para a Eliminao de toda FormaUtiliza a Conveno para a Eliminao de toda Formade Discriminao contra a Mulher (ONU)?de Discriminao contra a Mulher (ONU)?de Discriminao contra a Mulher (ONU)?de Discriminao contra a Mulher (ONU)?de Discriminao contra a Mulher (ONU)?

    73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo

    8% Freqentemente8% Freqentemente8% Freqentemente8% Freqentemente8% Freqentemente2% NR2% NR2% NR2% NR2% NR

    17% Raramente17% Raramente17% Raramente17% Raramente17% Raramente

    8% Freqentemente8% Freqentemente8% Freqentemente8% Freqentemente8% Freqentemente

    GRFICO 14GRFICO 14GRFICO 14GRFICO 14GRFICO 14

    Utiliza a Conveno Interamericana para PrevenirUtiliza a Conveno Interamericana para PrevenirUtiliza a Conveno Interamericana para PrevenirUtiliza a Conveno Interamericana para PrevenirUtiliza a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e, Punir e, Punir e, Punir e, Punir eErradicar a Violncia contra a Mulher (OEA)?Erradicar a Violncia contra a Mulher (OEA)?Erradicar a Violncia contra a Mulher (OEA)?Erradicar a Violncia contra a Mulher (OEA)?Erradicar a Violncia contra a Mulher (OEA)?

    73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo2% NR2% NR2% NR2% NR2% NR

    17% Raramente17% Raramente17% Raramente17% Raramente17% Raramente

  • JOS RICARDO CUNHA

    159Nmero 3 Ano 2 2005

    de Direitos Humanos (4/11/1950); Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos(16/12/1966); Conveno Americana de Direitos Humanos Pacto de San Josda Costa Rica (22/11/1969); a Conveno da ONU (1984); e a Conveno daOEA (1985). Assim, a tortura ficou reconhecida como delito previsto no DireitoInternacional positivo, impondo-se aos Estados a obrigao de reprimi-la e preverpenas aos violadores da norma.

    Em seus Artigos 1, pargrafo III; 4, pargrafo II; e 5, pargrafos I e II, aConstituio brasileira de 1988 demonstra sua insero na tendncia das demaisConstituies da Amrica Latina, no sentido de conceder tratamento especial oudiferenciado aos direitos e garantias internacionalmente consagrados. No entanto,ao serem questionados sobre a aplicao de tais convenes, apenas 10% dosjuzes afirmaram que utilizam freqentemente a Conveno Interamericana contraa Tortura e 11% em relao Conveno do Sistema de Proteo da ONU. Umpercentual um pouco maior declarou que raramente usa essas convenes respectivamente, 16% e 14%, sendo que 1% e 2% no forneceram resposta. J opercentual de no-utilizao dessas convenes nas sentenas proferidas pelos juzes altssimo, 73% (ver Grficos 15 e 16).

    Apesar de tais normas criarem direitos para os cidados brasileiros eobrigaes para o Brasil perante a comunidade internacional, pouco valem se osoperadores do direito se mantm silentes.

    Conveno sobre os Direitos da Criana

    Aps a Declarao dos Direitos da Criana, de 20/11/1959 e do Ano Internacionalda Criana, em 1979, sobreveio a doutrina da proteo integral da criana, expressapor meio da Conveno sobre os Direitos da Criana (20/11/1989). J preconizavaa Declarao, em 1959, que a humanidade deve dar criana o melhor de seusesforos, fixando um compromisso moral a ser assumido pelas geraes futuras.Contudo, a realidade histrica mostrou-se especialmente cruel com a populaoinfanto-juvenil. Assim, por exemplo, todos os anos milhares de crianas soconstrangidas a abandonar a escola para ajudar no sustento da famlia.

    O trabalho de campo revelou, conforme expresso no Grfico 17, que apenas30% dos juzes das varas pesquisadas aplicam a Conveno em tela nmeroobtido pelo somatrio entre os 12% que a utilizam constantemente e os 18% queo fazem raramente. Por outro turno, 68% jamais tutelaram a situao das crianasbrasileiras com base na normativa. O Brasil conta com a Lei 8.069/90, queestabelece o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), uma avanada esofisticada legislao de proteo infncia e juventude. Mesmo assim, no hmotivos para que no se aplique a Conveno, especialmente considerando-se aimportncia simblica da utilizao dos sistemas interamericano e da ONU degarantia dos direitos humanos.

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS160

    GRFICO 15GRFICO 15GRFICO 15GRFICO 15GRFICO 15

    Utiliza a Conveno Interamericana para PrevenirUtiliza a Conveno Interamericana para PrevenirUtiliza a Conveno Interamericana para PrevenirUtiliza a Conveno Interamericana para PrevenirUtiliza a Conveno Interamericana para Prevenire Punir a Te Punir a Te Punir a Te Punir a Te Punir a Tortura (OEA)?ortura (OEA)?ortura (OEA)?ortura (OEA)?ortura (OEA)?

    73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo10% Freqentemente10% Freqentemente10% Freqentemente10% Freqentemente10% Freqentemente

    1% NR1% NR1% NR1% NR1% NR

    16% Raramente16% Raramente16% Raramente16% Raramente16% Raramente

    GRFICO 16GRFICO 16GRFICO 16GRFICO 16GRFICO 16

    Utiliza a Conveno contra a TUtiliza a Conveno contra a TUtiliza a Conveno contra a TUtiliza a Conveno contra a TUtiliza a Conveno contra a Tortura e outros Tortura e outros Tortura e outros Tortura e outros Tortura e outros Tratamentosratamentosratamentosratamentosratamentosou Penas Cruis, Desumanos e Degradantes (ONU)?ou Penas Cruis, Desumanos e Degradantes (ONU)?ou Penas Cruis, Desumanos e Degradantes (ONU)?ou Penas Cruis, Desumanos e Degradantes (ONU)?ou Penas Cruis, Desumanos e Degradantes (ONU)?

    73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo73% No utilizo11% Freqentemente11% Freqentemente11% Freqentemente11% Freqentemente11% Freqentemente

    2% NR2% NR2% NR2% NR2% NR

    14% Raramente14% Raramente14% Raramente14% Raramente14% Raramente

    GRFICO 17GRFICO 17GRFICO 17GRFICO 17GRFICO 17

    Utiliza a Conveno sobre os Direitos da Criana?Utiliza a Conveno sobre os Direitos da Criana?Utiliza a Conveno sobre os Direitos da Criana?Utiliza a Conveno sobre os Direitos da Criana?Utiliza a Conveno sobre os Direitos da Criana?

    68% No utilizo68% No utilizo68% No utilizo68% No utilizo68% No utilizo12% Freqentemente12% Freqentemente12% Freqentemente12% Freqentemente12% Freqentemente

    2% NR2% NR2% NR2% NR2% NR

    18% Raramente18% Raramente18% Raramente18% Raramente18% Raramente

  • JOS RICARDO CUNHA

    161Nmero 3 Ano 2 2005

    O contexto social e histrico delineado acima reala a importncia e anecessidade da Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana, ratificadapelo Brasil em 24/9/1990. Vale registrar que, at a presente data, os nicos pasesque no ratificaram a Conveno foram os Estados Unidos e a Somlia.

    Conveno para a Eliminao de todas as Formasde Discriminao contra as Pessoas Portadoras de Deficincia

    A constituio de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundadana harmonia social, como prescreve o prembulo da Constituio brasileira de1988, exige de todas as pessoas um esforo radical de reconhecimento e respeitos diferenas. No caso especfico das pessoas portadoras de deficincia, a demandapelo respeito no apenas de ordem moral, no sentido de substituir sentimentosde comiserao por aqueles de solidariedade, mas de ordem social e poltica, nosentido de substituir os discursos retricos por aes efetivas de incluso.

    Para isso, necessrio que haja a implantao de polticas visando superao das vrias barreiras que enfrentam todos os tipos de portadores dedeficincia desde o acesso ao ensino at insero no mercado de trabalho. exatamente essa a linha seguida pelo ordenamento jurdico quando apresenta,na prpria Constituio, dispositivos especiais direcionados a essas pessoas,como os artigos 7, 23, 37 e 203.

    Com esses dispositivos, a Constituio possua todas as condies para efetuara recepo da Conveno Interamericana para a Eliminao de todas as Formasde Discriminao contra as Pessoas Portadoras de Deficincia. Assim, a referidaConveno foi ratificada por meio do Decreto Legislativo 198/2001 e do DecretoExecutivo 3.956/2001. Contudo, ainda no se popularizou, entre os aplicadoresdo direito, como instrumento eficaz na luta pelos direitos dos portadores dedeficincia, como revelam os dados da pesquisa (ver Grfico 18).

    GRFICO 18GRFICO 18GRFICO 18GRFICO 18GRFICO 18

    Utiliza a Conveno Interamericana para a Eliminao de todas as FormasUtiliza a Conveno Interamericana para a Eliminao de todas as FormasUtiliza a Conveno Interamericana para a Eliminao de todas as FormasUtiliza a Conveno Interamericana para a Eliminao de todas as FormasUtiliza a Conveno Interamericana para a Eliminao de todas as Formasde Discriminao contra as Pessoas Portadoras de Deficincia?de Discriminao contra as Pessoas Portadoras de Deficincia?de Discriminao contra as Pessoas Portadoras de Deficincia?de Discriminao contra as Pessoas Portadoras de Deficincia?de Discriminao contra as Pessoas Portadoras de Deficincia?

    71% No utilizo71% No utilizo71% No utilizo71% No utilizo71% No utilizo10% Freqentemente10% Freqentemente10% Freqentemente10% Freqentemente10% Freqentemente

    1% NR1% NR1% NR1% NR1% NR

    18% Raramente18% Raramente18% Raramente18% Raramente18% Raramente

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS162

    Indagados a respeito do uso da conveno na fundamentao de suassentenas, apenas 10% dos magistrados afirmaram utiliz-la freqentemente. Dototal dos juzes questionados, 71% responderam nunca terem recorrido a ela e18%, que raramente a utilizam.

    Em um pas com cerca de 24 milhes de pessoas com algum tipo de deficincia7

    e to poucas polticas sociais efetivas de superao de barreiras, realmenteimpressionante que uma ferramenta jurdico-social to importante como essaconveno tenha um ndice de aplicao to baixo. Pode-se suscitar, numa hipteseexplicativa, a conjuno de duas variveis fundamentais: (1) baixo nvel de demandasjudiciais voltadas para a garantia dos interesses das pessoas portadoras de deficincia;(2) baixo nvel de conhecimento da magistratura acerca das normas dos SistemasInternacionais de Proteo dos Direitos Humanos de que o Brasil signatrio.

    Variveis determinantes na aplicao dos direitos humanos

    A escolha de modelos de regresso como ferramenta para subsidiar a anlise dosdados acima est relacionada sua aplicabilidade em testes de hiptese, utilizadospara testar se a efetivao dos direitos humanos no Tribunal de Justia do Estadodo Rio de Janeiro influenciada pelas caractersticas do juiz, sua formao e suaconcepo acerca do tema.

    Para o ajuste de modelos logsticos multinomiais foi adotada como varivel-respostauma indicadora do uso de normativa na fundamentao das sentenas proferidas. Talvarivel foi construda a partir das respostas freqentemente, raramente ou noutilizo dada a cada uma das onze normativas utilizadas na pesquisa.

    A varivel indicadora foi considerada freqentemente quando tal respostaocorria em pelo menos uma das normativas mencionadas. Considerou-seraramente quando no havia nenhuma resposta igual a freqentemente e pelomenos uma igual a raramente. A resposta no utilizo foi associada sempre quehavia tal resposta para todas as normativas mencionadas.

    O procedimento adotado para a modelagem dos dados consistiu em aplicartestes de hiptese acerca da contribuio de cada varivel para o poder de explicaodo modelo, em um nvel de 5% de significncia. As variveis consideradassignificativas, no nvel fixado, foram utilizadas na composio de um nico modeloe novos testes de hiptese foram aplicados. Por fim, excluindo-se as variveis quejuntamente com as demais no contribuam significativamente para o poder deexplicao do modelo, foi obtido o modelo ajustado.

    Os valores das estatsticas8 utilizadas para testar a significncia de cada

    7. Ver IBGE, Censo Demogrfico 2000.

    8. Estas estatsticas de teste foram obtidas utilizando-se a PROC GENMOD do SAS.

  • JOS RICARDO CUNHA

    163Nmero 3 Ano 2 2005

    varivel nos respectivos modelos podem ser vistos na Tabela 4. Comoresultado do teste de hiptese, cujas estatsticas e respectivos p-valores somostrados nessa tabela, concluiu-se que podem contribuir, no nvel designif icncia de 5%, para explicar a uti l izao das normativas nafundamentao das sentenas, as seguintes variveis: (a) tipo de vara; (b)cor ou raa do juiz; (c) tipo de escola onde cursou a maior parte do ensinomdio; (d) onde cursou a graduao; (e) se gostaria de fazer cursos de direitoshumanos; (f ) se sabe como funcionam os sistemas de proteo internacionaldos direitos humanos da ONU e da OEA; (g) se acha que o conhecimento

    TTTTTipo de varaipo de varaipo de varaipo de varaipo de vara

    Sexo (2)

    Idade (3)

    Cor (4)Cor (4)Cor (4)Cor (4)Cor (4)

    Tempo de magistratura (5)

    Tempo no tipo de vara (6)

    Ensino Mdio (7)Ensino Mdio (7)Ensino Mdio (7)Ensino Mdio (7)Ensino Mdio (7)

    Graduao (8)Graduao (8)Graduao (8)Graduao (8)Graduao (8)

    DH na graduao (9)

    Estudou DH (10)

    Gostaria de estudar DH (11)Gostaria de estudar DH (11)Gostaria de estudar DH (11)Gostaria de estudar DH (11)Gostaria de estudar DH (11)

    Participao em ONG (12)

    Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)

    Decises cortes internacionais (14)

    Enriquecer sentenas (15)Enriquecer sentenas (15)Enriquecer sentenas (15)Enriquecer sentenas (15)Enriquecer sentenas (15)

    Mandado de despejo (16)

    Ao afirmativa (17)

    Privao de liberdade (18)

    DH So (19)

    DHES e DHCP (20)

    Tutela DH e gasto executivo (21)

    Inexeqibilidade dos DH (22)

    DH aplicveis (23)DH aplicveis (23)DH aplicveis (23)DH aplicveis (23)DH aplicveis (23)

    Sentena Corte Interamericana (24)

    DesvioDesvioDesvioDesvioDesvio GLGLGLGLGL Qui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadrado Prob >Prob >Prob >Prob >Prob >

    Qui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoCategoriasCategoriasCategoriasCategoriasCategorias

    TTTTTABELA 4ABELA 4ABELA 4ABELA 4ABELA 4

    Estatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modelo com 24 variveis (Modelo 1) com 24 variveis (Modelo 1) com 24 variveis (Modelo 1) com 24 variveis (Modelo 1) com 24 variveis (Modelo 1)

    Estatsticas de RL para anlise de tipo 1

    399,7911399,7911399,7911399,7911399,7911

    427,4586

    433,6336

    382,3783382,3783382,3783382,3783382,3783

    425,2816

    417,8612

    417,6860417,6860417,6860417,6860417,6860

    383,2655383,2655383,2655383,2655383,2655

    427,7312

    430,8308

    413,0721413,0721413,0721413,0721413,0721

    430,2227

    403,1920403,1920403,1920403,1920403,1920

    425,4045

    421,3918421,3918421,3918421,3918421,3918

    428,7396

    428,0307

    425,1317

    429,4057

    433,7453

    433,2650

    431,0908

    421,2597421,2597421,2597421,2597421,2597

    430,2081

    55555

    1

    3

    33333

    3

    4

    33333

    1414141414

    2

    1

    44444

    3

    33333

    3

    22222

    2

    2

    3

    4

    2

    2

    3

    11111

    2

    17,1017,1017,1017,1017,10

    3,26

    0,18

    25,8025,8025,8025,8025,80

    4,35

    8,06

    8,158,158,158,158,15

    25,3625,3625,3625,3625,36

    3,13

    1,58

    10,4610,4610,4610,4610,46

    1,88

    15,4015,4015,4015,4015,40

    4,29

    6,306,306,306,306,30

    2,62

    2,98

    4,43

    2,29

    0,12

    0,36

    1,45

    6,366,366,366,366,36

    1,89

    0,00430,00430,00430,00430,0043

    0,0708

    0,9814

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS164

    das decises das cortes internacionais pode auxiliar ou enriquecer suassentenas; (h) se expediria mandado de despejo contra ru que no possuioutro imvel; (i) e se j atuou em processo no qual as normas de direitoshumanos fossem aplicveis, Assim, tais variveis foram utilizadas nacomposio de um nico modelo, ao qual foi aplicado um novo teste dehiptese, descartando as demais. As estatsticas de teste calculadasconsiderando-se o modelo com as oito variveis so mostradas na Tabela 5.

    O resultado dos novos testes de hiptese, cujas estatsticas e respectivosp-valores so mostrados na Tabela 5, levou a concluir que o tipo de escola emque o juiz cursou a maior parte do ensino mdio e a graduao se acha queo conhecimento das decises das cortes internacionais pode auxiliar ouenriquecer suas sentenas e se j atuou em processo no qual as normas dedireitos humanos fossem aplicveis no contribui significativamente, aonvel de significncia de 5%, para a explicao da utilizao das normativasna fundamentao das sentenas. Tais variveis foram descartadas e buscou-se ajustar um novo modelo, contendo as quatro variveis restantes, mostradasna Tabela 6.

    O resultado dos novos testes de hiptese, cujas estatsticas e respectivosp-valores so mostrados na Tabela 6, levou a concluir que o fato de o juiz terou no interesse em fazer cursos de direitos humanos no contribuisignificativamente, no nvel de significncia de 5%, para explicar a utilizaodas normativas na fundamentao das sentenas. Tal varivel foi descartada efoi possvel concluir que o modelo contendo apenas trs variveis explica ocomportamento da utilizao de normativas internacionais de proteo dosdireitos humanos na fundamentao das sentenas proferidas no mbito doTribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro to bem quanto os modelosanteriormente testados. As estatsticas e os respectivos p-valores so mostradosna Tabela 7.

    O modelo ajustado com os efeitos principais de trs variveis pode serobtido aplicando-se equao geral os valores estimados dos parmetrosapresentados na Tabela 8.

    A anlise dos valores estimados dos parmetros permite identificar o tipode contribuio de cada um dos nveis dos fatores para a utilizao das normativasinternacionais de proteo aos direitos humanos na fundamentao das sentenasproferidas. A seguir, apresentaremos uma anlise para cada um dos fatores.

    Tipo de vara

    A vara, considerada como unidade de pesquisa, encontra-se ordenada pelasdiversas reas do direito, o que facilita a atuao do juiz e a acessibilidade daJustia pela sociedade.

  • JOS RICARDO CUNHA

    165Nmero 3 Ano 2 2005

    TTTTTipo de varaipo de varaipo de varaipo de varaipo de vara

    Cor (4)Cor (4)Cor (4)Cor (4)Cor (4)

    Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)

    DesvioDesvioDesvioDesvioDesvio GLGLGLGLGL Qui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoProb >Prob >Prob >Prob >Prob >

    Qui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoCategoriasCategoriasCategoriasCategoriasCategorias

    TTTTTABELA 7ABELA 7ABELA 7ABELA 7ABELA 7

    Estatsticas de RL para anlise de tipo 1

    4.030,958

    3.736,788

    3.514,756

    5

    3

    3

    19,09

    14,71

    11,10

    0,00180,00180,00180,00180,0018

    0,00210,00210,00210,00210,0021

    0,01120,01120,01120,01120,0112

    Estatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modelocom 3 variveis (Modelo ajustado)com 3 variveis (Modelo ajustado)com 3 variveis (Modelo ajustado)com 3 variveis (Modelo ajustado)com 3 variveis (Modelo ajustado)

    TTTTTipo de varaipo de varaipo de varaipo de varaipo de vara

    Cor (4)Cor (4)Cor (4)Cor (4)Cor (4)

    Ensino mdio (7)

    Graduao (8)

    Gostaria de estudar DHS (11)Gostaria de estudar DHS (11)Gostaria de estudar DHS (11)Gostaria de estudar DHS (11)Gostaria de estudar DHS (11)

    Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)

    Enriquecer sentenas (15)

    DH aplicveis (23)

    DesvioDesvioDesvioDesvioDesvio GLGLGLGLGL Qui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoProb >Prob >Prob >Prob >Prob >

    Qui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoCategoriasCategoriasCategoriasCategoriasCategorias

    TTTTTABELA 5ABELA 5ABELA 5ABELA 5ABELA 5

    Estatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modelocom 8 variveis (Modelo 2)com 8 variveis (Modelo 2)com 8 variveis (Modelo 2)com 8 variveis (Modelo 2)com 8 variveis (Modelo 2)

    Estatsticas de RL para anlise de tipo 1

    4.030,9584.030,9584.030,9584.030,9584.030,958

    3.736,7883.736,7883.736,7883.736,7883.736,788

    3.661,548

    3.250,368

    3.022,7783.022,7783.022,7783.022,7783.022,778

    2.699,8902.699,8902.699,8902.699,8902.699,890

    2.613,929

    2.582,670

    55555

    33333

    3

    14

    44444

    33333

    2

    1

    19,0919,0919,0919,0919,09

    14,7114,7114,7114,7114,71

    3,76

    20,56

    11,3811,3811,3811,3811,38

    16,1416,1416,1416,1416,14

    4,30

    1,56

    0,00180,00180,00180,00180,0018

    0,00210,00210,00210,00210,0021

    0,2883

    0,1135

    0,02260,02260,02260,02260,0226

    0,00110,00110,00110,00110,0011

    0,1166

    0,2112

    TTTTTipo de varaipo de varaipo de varaipo de varaipo de vara

    Cor (4)Cor (4)Cor (4)Cor (4)Cor (4)

    Gostaria de estudar DHS (11)

    Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)Sistema ONU/OEA (13)

    DesvioDesvioDesvioDesvioDesvio GLGLGLGLGL Qui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoProb >Prob >Prob >Prob >Prob >

    Qui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoQui-quadradoCategoriasCategoriasCategoriasCategoriasCategorias

    TTTTTABELA 6ABELA 6ABELA 6ABELA 6ABELA 6

    Estatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modeloEstatsticas de teste da significncia das variveis para o modelocom 4 variveis (Modelo 3)com 4 variveis (Modelo 3)com 4 variveis (Modelo 3)com 4 variveis (Modelo 3)com 4 variveis (Modelo 3)

    Estatsticas de RL para anlise de tipo 1

    4.030,958

    3.736,788

    3.629,021

    3.471,050

    5

    3

    4

    3

    19,09

    14,71

    5,39

    7,90

    0,00180,00180,00180,00180,0018

    0,00210,00210,00210,00210,0021

    0,2497

    0,04820,04820,04820,04820,0482

    Constata-se que a maioria das varas pesquisadas pertence rea cvel:so 57 varas, em toda a Comarca. Em seguida esto as Varas Criminais,totalizando 19 pesquisadas, e as Varas de Famlia, totalizando 15. As Varas deFazenda Pblica, rfos e Sucesses e as outras varas obtiveram sua

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    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS166

    participao na pesquisa com 6 varas de cada uma (ver Grfico 19).Com o objetivo de examinar a concepo e a aplicao dos direitos humanos

    pelos juzes, fundamental levar em considerao o tipo de vara em que o juizatua, pois a matria tratada est relacionada, de maneira direta, com aaplicabilidade de algumas das normativas mencionadas. Na Tabela 9, os tiposde vara esto ordenados de maneira decrescente segundo sua contribuio paraa utilizao das normativas internacionais na fundamentao das sentenas.

    Procedendo-se anlise comparativa dos tipos de vara, possvel afirmar que

    CvelCvelCvelCvelCvel

    1010101010

    2020202020

    3030303030

    5050505050

    4040404040

    6060606060

    00000CriminalCriminalCriminalCriminalCriminal Faml iaFaml iaFaml iaFaml iaFaml ia FazendaFazendaFazendaFazendaFazenda

    PblicaPblicaPblicaPblicaPblicarfos erfos erfos erfos erfos e

    SucessesSucessesSucessesSucessesSucessesOutras varasOutras varasOutras varasOutras varasOutras varas

    57%57%57%57%57%

    19%19%19%19%19%15%15%15%15%15%

    6%6%6%6%6% 6%6%6%6%6% 6%6%6%6%6%

    GRFICO 19GRFICO 19GRFICO 19GRFICO 19GRFICO 19

    TTTTTipo da varaipo da varaipo da varaipo da varaipo da vara

    Criminal

    Outros tipos de vara

    Famlia

    rfos e Sucesses

    Cvel

    Fazenda Pblica

    Parda

    No informou

    Indgena

    Branca

    Sim

    Apenas superficialmente

    No informou

    No

    TTTTTipo de varaipo de varaipo de varaipo de varaipo de vara

    NvelNvelNvelNvelNvel EstimativaEstimativaEstimativaEstimativaEstimativa Erro-padroErro-padroErro-padroErro-padroErro-padroParmetroParmetroParmetroParmetroParmetro

    Anlise dos parmetros estimados

    0,1605

    0,0000

    -0,7936

    -0,9415

    -11,184

    -11,484

    14,457

    0,0000

    -0,9477

    -16,863

    21,475

    14,382

    0,0000

    -0,2025

    0,9656

    0,0000

    0,9862

    13,765

    0,8695

    12,206

    17,588

    0,0000

    23,034

    15,914

    13,346

    11,866

    0,0000

    13,468

    TTTTTABELA 8ABELA 8ABELA 8ABELA 8ABELA 8

    VVVVValores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padro

    Cor ou raaCor ou raaCor ou raaCor ou raaCor ou raa

    ONU e OEAONU e OEAONU e OEAONU e OEAONU e OEA

  • JOS RICARDO CUNHA

    167Nmero 3 Ano 2 2005

    Parda

    No informou

    Indgena

    Branca

    Cor ou raaCor ou raaCor ou raaCor ou raaCor ou raa

    NvelNvelNvelNvelNvel EstimativaEstimativaEstimativaEstimativaEstimativa Erro-padroErro-padroErro-padroErro-padroErro-padroParmetroParmetroParmetroParmetroParmetro

    Anlise dos parmetros estimados

    14,457

    0,0000

    -0,9477

    -16,863

    17,588

    0,0000

    23,034

    15,914

    TTTTTABELA 10ABELA 10ABELA 10ABELA 10ABELA 10

    VVVVValores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padro

    Criminal

    Outros tipos de vara

    Famlia

    rfos e Sucesses

    Cvel

    Fazenda Pblica

    TTTTTipo de varaipo de varaipo de varaipo de varaipo de vara

    NvelNvelNvelNvelNvel EstimativaEstimativaEstimativaEstimativaEstimativa Erro-padroErro-padroErro-padroErro-padroErro-padroParmetroParmetroParmetroParmetroParmetro

    Anlise dos parmetros estimados

    0,1605

    0,0000

    -0,7936

    -0,9415

    -11,184

    -11,484

    0,9656

    0,0000

    0,9862

    13,765

    0,8695

    12,206

    TTTTTABELA 9ABELA 9ABELA 9ABELA 9ABELA 9

    V V V V Valores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padro

    a probabilidade de que as normativas internacionais sejam utilizadas freqentementena fundamentao das sentenas maior quando se trata de Vara Criminal.

    No outro extremo, esto as Varas de Fazenda Pblica e Cvel, que apresentamo menor ndice de utilizao das normativas na fundamentao das sentenas.Causa estranhamento o fato de o Estado (Fazenda Pblica) e as relaes entreparticulares (Cvel) permanecerem margem das discusses em torno doreconhecimento das diferentes modalidades de eficcia dos direitos fundamentais,tanto na esfera pblica quanto na privada.

    Entre os extremos est a categoria outras varas que agrega Varas da Infnciae da Juventude e as Varas nicas de Execuo Penal, Auditoria Militar, e RegistrosPblicos , bem como a categoria de Varas de Famlia e a de rfos e Sucesses,nas quais as chances de utilizao das normativas diminuem gradualmente.

    Cor ou raa

    Considerando-se a anlise descritiva dos juzes que participaram da pesquisa,apresentada na seo anterior, h que se notar que apenas um juiz declarouse considerar de raa indgena e dois no quiseram informar sua cor ou raa.Com efeito, maior importncia deve ser atribuda aos dados referentes scores branca e parda. Na Tabela 10, a cor ou raa dos juzes est ordenada de

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS168

    maneira decrescente, segundo sua contribuio para a utilizao dasnormativas internacionais na fundamentao das sentenas.

    Observa-se que a cor ou raa associada maior probabilidade de que asnormativas sejam utilizadas freqentemente a parda. Por outro lado, a brancamostra a maior probabilidade de que as normativas nunca sejam utilizadas.Tomando por base a categoria que agrega os casos em que o juiz no quisinformar sua cor ou raa (no informou), a raa indgena tambm apresentoumenor probabilidade de utilizao freqente das normativas internacionaisna fundamentao das sentenas.

    A alta probabilidade de que os juzes pardos utilizem as normativasinternacionais de proteo dos direitos humanos na fundamentao de suassentenas pode estar associada maior preocupao com a matria,conformada ao longo da histria de excluso social sofrida por esse gruposocial. Mesmo sendo o Brasil um pas com a segunda maior populao deafro-descendentes, estes se encontram, na sua maioria, em situao deinferioridade social e econmica. O discurso de que no existe excluso porrazes tnicas em nosso pas no traduz o que ocorre na prtica. A presenade pessoas pardas em cargos de chefia, em universidades e outras posiessociais nobres ainda nfima.

    Os resultados da pesquisa mostram as conseqncias de um processo deconscientizao: os poucos e privilegiados que tiveram acesso universidadee hoje ocupam o cargo de juiz agem com conscincia crtica e preocupaocom as desigualdades sociais. Apesar de serem minoria no Tribunal de Justia,o conjunto dos juzes pardos mostra ao diferenciada, compatvel com oentendimento de que as normativas internacionais de proteo dos direitoshumanos so grandes aliadas para a garantia da dignidade humana.

    Conhecimento sobre os Sistemas de Proteo aosDireitos Humanos da ONU e da OEA

    Do total de juzes, a maioria conforma o grupo dos que no conhecem osSistemas de Proteo Internacional dos Direitos Humanos da ONU e da OEAou os conhecem apenas super ficialmente. Apenas 17% declararamconhecimento desses sistemas sem restries.9 Com uma breve anliseexploratria, pode-se obter indcios de que a utilizao das normativas deproteo dos direitos humanos precria, pois o conhecimento desses sistemasacaba se refletindo de maneira acentuada na aplicao das normativasinternacionais. As chances de uma normativa internacional ser aplicada porum juiz que no conhea os citados sistemas so mnimas, crescendo, todavia,

    9. Ver o item Sistemas de proteo da ONU e da OEA, pg. 151.

  • JOS RICARDO CUNHA

    169Nmero 3 Ano 2 2005

    essas chances, medida que esse desconhecimento se converte emconhecimento superficial e, mais ainda, em conhecimento pleno. Odesconhecimento dos Sistemas Internacionais de Proteo da ONU e da OEAmostrou-se intimamente ligado no-aplicao das normativas internacionaisrelativas aos direitos humanos.

    Na Tabela 11, os nveis de conhecimento dos sistemas de proteointernacional dos direitos humanos da ONU e da OEA esto ordenados demaneira decrescente, segundo sua contribuio para a utilizao das normativasinternacionais na fundamentao das sentenas.

    Consideraes finais

    A finalidade precpua deste estudo foi investigar o grau de efetivao oujusticiabilidade dos direitos humanos na prestao da tutela jurisdicional pelosjuzes de primeira instncia da Comarca da Capital, do Tribunal de Justia doEstado do Rio de Janeiro.

    Evidenciou-se, ao longo da pesquisa, um instigante paradoxo: se, porum lado, os juzes demonstram concepes arrojadas acerca dos direitoshumanos e da aplicabilidade, em tese, de suas normas garantidoras, por outro,poucos so os que efetivamente aplicam normas que versem sobre tais direitos,mormente em se tratando da utilizao especfica dos Sistemas de ProteoInternacional dos Direitos Humanos da ONU e da OEA. Isso pode serjustificado a partir da constatao de que 40% dos juzes nunca estudaramDireitos Humanos, e apenas 16% deles sabem como funcionam o Sistema deProteo dos Direitos Humanos interamericano e o das Naes Unidas. Mesmoassim, a grande maioria, 73% dos magistrados, afirma que, se houvesseoportunidade, gostaria de participar de cursos sobre direitos humanos.

    Recorrendo-se ao modelo de regresso, chegou-se a apenas trs variveis tipo de vara, cor do magistrado, conhecimento dos sistemas ONU e OEA suficientes e determinantes para a explicao do comportamento dos juzesno que se refere utilizao das normativas internacionais na fundamentaodas sentenas.

    Sim

    Apenas superficialmente

    No informou

    No

    NvelNvelNvelNvelNvel EstimativaEstimativaEstimativaEstimativaEstimativa Erro-padroErro-padroErro-padroErro-padroErro-padroParmetroParmetroParmetroParmetroParmetro

    Anlise dos parmetros estimados

    21,475

    14,382

    0,0000

    -0,2025

    13,346

    11,866

    0,0000

    13,468

    TTTTTABELA 11ABELA 11ABELA 11ABELA 11ABELA 11

    VVVVValores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padroalores estimados dos parmetros e respectivos erros-padro

    ONU e OEAONU e OEAONU e OEAONU e OEAONU e OEA

  • DIREITOS HUMANOS E JUSTICIABILIDADE: PESQUISA NO TRIBUNAL DE JUSTIA DO RIO DE JANEIRO

    SUR - REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS170

    Procedendo-se anlise comparativa dos tipos de vara, verificou-se queo nvel de utilizao das normativas internacionais na fundamentao dassentenas maior em se tratando de Vara Criminal e menor nas Varas Cvel ede Fazenda Pblica. Assim, h ainda, entre os magistrados, uma mentalidadeque contraria os estudos doutrinrios mais modernos que reconhecem aaplicabilidade dos direitos fundamentais nas relaes privadas. E, nas relaesenvolvendo o Estado, possvel vislumbrar com facilidade hipteses quereclamam a tutela dos direitos humanos, como por exemplo, casos em quepessoas hipossuficientes pleiteiam ao Estado o fornecimento de medicamentose/ou o custeio de tratamento mdico, com fundamento nos direitos vida e sade constitucionalmente assegurados.

    Quanto ao segundo fator, observou-se que a cor, ou raa, associada maiorprobabilidade de utilizao freqente das normativas internacionais a parda,ao passo que a branca a que apresenta menor probabilidade. Considerando-seque em sua maioria os juzes so brancos, esse resultado preocupante.

    O terceiro fator, que diz respeito ao conhecimento dos SistemasInternacionais de Proteo dos Direitos Humanos da ONU e da OEA, revelao que j se afirmou anteriormente: quanto maior for o nvel de conhecimentodos sistemas internacionais de proteo dos direitos humanos, maiores aschances de utilizao das normativas mencionadas.

    Finalmente, insta dizer que a compreenso da influncia de cada um dostrs fatores referidos sobre a utilizao das normativas internacionais pode serde grande valia para a implementao de mecanismos que visem garantir maiorefetividade aos direitos humanos.

    Logo, no restam dvidas de que todos os magistrados, especialmente osde cor branca que atuem em Varas Cveis ou Varas de Fazenda Pblica, devemser alvo de aes (in) formadoras, com vistas a ampliar seu conhecimento emmatria de direitos humanos. A justiciabilidade dos direitos humanos umaquesto de aprimoramento da tutela jurisdicional.

  • JOS RICARDO CUNHA

    171Nmero 3 Ano 2 2005

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AGRESTI, Alan. Categorical Data Analysis. Nova York: John Willey & Sons, 1990.

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    BLALOCK, Hubert M. Social Statistics. Tquio: McGraw-Hill, 1972.

    BOBBIO, Norberto. Presente e futuro dos direitos do homem. In: A era dos direitos.Traduo de Carlos Nelson Coutinho. Nova edio. Rio de Janeiro: Elsevier,2004.

    COMPARATO, Fbio Konder. A afirma