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OS METALÚRGICOS DE S. JOSÉ DOS CAMPOS E OS … · Introdução O caráter econômico predomina a...
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FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO
III SEMINÁRIO DE PESQUISA DA FESPSP
OS METALÚRGICOS DE S. JOSÉ DOS CAMPOS E OS CONFLITOS DO
TRABALHO NA GENERAL MOTORS DO BRASIL: O CASO DO BANCO DE
HORAS
Pesquisador (a): Thamires Cristina da Silva - [email protected]
Orientador: Prof. Dr. Iram Jácome Rodrigues
Resumo: O objetivo deste trabalho foi explorar as principais características da mobilização
coletiva do Sindicato dos Metalúrgicos de S. José dos Campos e Região (SMSJC) com foco
na fábrica da multinacional General Motors (GM). No primeiro momento, buscou-se analisar
a trajetória do sindicato associada à fábrica e à cidade, enfatizando os principais conflitos
decorrentes das mudanças produtivas e organizacionais implantadas pela empresa sob
influência da globalização econômica. Em seguida, analisamos alguns aspectos da ação
sindical que se efetiva no campo simbólico e concreto da vida social, trazendo para a ordem
do dia desafios para a organização política dos trabalhadores(as) sob o contexto regional.
Para isto, utilizamos alguns trechos de entrevistas realizadas no início deste ano junto a
ativistas, dirigentes sindicais e trabalhadores, combinadas com a análise teórico-
metodológica dos enquadramentos interpretativos [frames] em que se buscou explorar o
caso recente sobre o banco de horas. Este exercício permitiu a construção de mapas
cognitivos que contextualizaram as intervenções dos atores envolvidos em diferentes
dimensões das relações produtivas. Deste modo, verificamos um conflito permanente entre
sindicato e empresa que preexiste ao momento atual, embora as ações mais recentes da
montadora obriguem o sindicato a reformular suas estratégias e protagonizar disputas para
defender os interesses da classe trabalhadora em contextos mais amplos.
Palavras-chave: Relações de trabalho, indústria automotiva, desenvolvimento regional,
mobilização sindical.
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Introdução
O caráter econômico predomina a agenda de intervenção sindical em relação às
mobilizações paredistas e às negociações coletivas do ramo metalúrgico. Duas tarefas
primordiais e presentes no calendário de ações das entidades sindicais que objetivam
ganhos concretos para a categoria associados à remuneração e outros temas que
perpassam as condições de trabalho. Embora o uso da tática grevista simbolize o
esgotamento do diálogo para efetivar a negociação, e a contratação coletiva simbolize o
consenso entre as partes para evitar o conflito sem recorrer à arbitragem jurídica, ambas as
ações junto com outras atividades promovidas pelos sindicatos compõem o repertório de
práticas sindicais.
No Sindicato dos Metalúrgicos em S. José dos Campos e Região não é diferente,
exceto quando o tema é desenvolvimento econômico e interferência operária no espaço
urbano, destacando-se formas particulares de conduzir politicamente suas ações através do
esforço de empreender lutas que extrapolam o contexto da fábrica da General Motors. A
empresa catalisou diversos conflitos trabalhistas desde que passou atuar no Complexo
Automotivo em 1956, mas a novidade encontra-se a partir de episódios recentes que
expressaram sua disposição para disputar a legitimidade e o poder de interferência regional
com o sindicato. Em 2008, por exemplo, a questão sobre o banco de horas pautou os
principais meios de comunicação no Vale do Paraíba e revelou ações inovadoras do
sindicato para impedir retrocessos nas garantias trabalhistas, além de protagonizar lutas
locais que foram destaque nacional.
Esta interlocução do SMSJC com a empresa, cidade e trabalhadores(as) não
representou necessariamente uma relação de cooperação, pelo fato de suas lideranças e
ativistas defenderem ações de resistência quanto à perda de direitos trabalhistas e
irreconciliáveis com os interesses do capitalismo. Neste sentido, como compreender a
postura política do SMSJC – classista e combativa – diante de um contexto complexo que
envolve a fábrica, a cidade e a classe trabalhadora?
Para explorar esta questão, é preciso avaliar as ações sindicais em S. José dos
Campos levando em conta sua trajetória de militância, as conjunturas econômicas e o
cenário político, elementos que se desdobram no território produtivo e confluem para novas
práticas sindicais1.
1 Este trabalho é o resultado preliminar das primeiras análises baseadas na pesquisa de mestrado em sociologia
que está em andamento.
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1. Um breve histórico sobre o Sindicato dos Metalúrgicos e a cidade de S.
José dos Campos e Região
Em 1958, na região do Vale do Paraíba (SP), foi fundado o Sindicato dos
Metalúrgicos para representar os trabalhadores(as) das cidades de S. José dos Campos,
Caçapava, Jacareí, Santa Branca e Igaratá. Neste momento, a industrialização no território
urbano já tinha dado sobressaltos com a criação do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) –
atual Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) que fez da cidade um
polo tecnológico no âmbito do Comando da Aeronáutica – e a Via Dutra, inaugurada em
1951 que contribuiu com a mobilidade entre metrópole e interior.
Este período foi marcado pelo desenvolvimento da indústria de base no Brasil
através de investimentos expressivos para avançar a urbanização e a industrialização
pesada. Seu primeiro ciclo, de 1956 a 1962, passou a contar com os segmentos da indústria
mecânica, automotiva e metalúrgica. Assentado no Plano de Metas, plataforma
desenvolvimentista do Estado, o automóvel passou a protagonizar a vida nas grandes
metrópoles e também nas regiões administrativas interioranas da capital paulista, alterando
o padrão de consumo e de acumulação do capital. Em consonância com o desenvolvimento,
os problemas urbanos eram diagnosticados pela formação de favelas e demandas
crescentes de políticas públicas (NEGRI; GONÇALVES; CANO, 1988).
Como observou Medeiros (2006), a presença do sindicato na cidade matizou as
relações entre a fábrica e o território urbano em relação ao período de lutas sindicais que
extrapolaram o âmbito da fábrica através de reivindicações para melhorias no bairro,
estabelecendo vínculos sociais e trocas culturais que reverberaram com maior força a partir
dos anos 19702, década que representou a chegada de grandes empresas constituindo um
parque industrial diversificado em S. José dos Campos. Para citar alguns exemplos, a
Embraer, Avirás e Engesa agregavam o setor aeroespacial e militar, o ramo automobilístico
tinha a participação da GM, o ramo químico e farmacêutico contava com a Eaton, J&J e
Rhodia, além da Ericsson, Panasonic, Philips e Kodak do ramo eletroeletrônico
(BERNARDES; OLIVEIRA, 2002). A configuração industrial da cidade de S. José dos
Campos e Região ganhou traços de modernização semelhantes àqueles da metrópole com
uma estrutura social de feição operária e integrada ao mercado de consumo de massa.
Na década de 1990, o desempenho da indústria automobilística foi modificado por
conta da reestruturação produtiva que também afetou o ramo aeroespacial na região. Os
2 Vale destacar que em 1970 foi desenvolvido o Plano CODIVAP – Consórcio de Desenvolvimento Integrado do Vale do Paraíba e Litoral Norte e o Plano Regional do Macro-Eixo Paulista que pautaram o planejamento urbano com uma forte vertente econômica que integrava os Planos Nacionais de Desenvolvimento – PND I e II (COSTA, 2007).
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fatores da transformação do modelo produtivo em função da concepção enxuta da produção
se deveram à:
[...] intensa renovação produtiva baseada em novas tecnologias, sobretudo
de base microeletrônica; completa redefinição de produtos e processos;
redesenho de plantas; extensa revisão e renegociação das relações entre
os diversos elos da cadeia produtiva; destruição de postos de trabalho;
criação de outros [postos de trabalho] em novas bases (CARDOSO, p. 29;
2000).
Medidas de incentivos fiscais para alavancar o consumo como a redução do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), o estabelecimento de espaços de negociação através
das Câmaras Setoriais que buscavam definir soluções conjuntas para atender mutuamente
interesses regionais, empresariais e dos trabalhadores(as), e a integração dos mercados
Sul-Americanos (Mercosul) passou a incentivar performances mais robustas voltadas para
produção e comercialização de carros populares. Outro fator importante para o segmento
automotivo foi a abertura econômica ao capital estrangeiro que contribuiu para a
“concentração e desnacionalização” de componentes automotivos, o que intensificou a
formação das cadeias produtivas e o desenvolvimento da produção flexível (BERNARDES;
OLIVEIRA, 2002). Este cenário acarretou consequências irreversíveis para a classe
trabalhadora no que se refere à regulação das relações de trabalho. A dinâmica das
contratações flexíveis no período, com incorporação de novas modalidades de contrato, a
redução de postos de trabalho de em razão de tecnologias mais avançadas, a informalidade
e demissão, são alguns exemplos que colaboraram para a situação de emprego precário no
Brasil3.
1.2. Perfil da Renda e Emprego de S. José dos Campos e Região
Sobre o perfil da renda e emprego, dados mais recentes disponibilizados pela
Relação Anual de Informações Sociais (RAIS-2013) e pelo Cadastro Geral de Empregados
e Desempregados (CAGED), ao final de julho de 2014, mostrou que o ramo metalúrgico
empregava 44.223 trabalhadores alocados em 978 estabelecimentos distribuídos entre os
cinco municípios abrangidos pelo sindicato, deste total apenas 14% dos postos de trabalho
são ocupados por mulheres. Conforme o gráfico, o município de SJC reúne a parcela mais
significativa de estabelecimentos (682).
3 Segundo Krein, formas atípicas de contratação são compreendidas em 5 grupos. De modo geral, o primeiro
grupo considera formas de contrato determinadas pela sazonalidade (entre safras, obra certa, temporário). O segundo grupo atende o contrato temporário, primeiro emprego e de tempo parcial. O terceiro grupo prevê contratos de aprendizes e portadores de deficiência física. O quarto tipo considera o trabalho voluntário como exemplo de prevenir “possíveis passivos trabalhistas no futuro”. E o quinto e último grupo destacam-se os servidores públicos não-efetivos, demissíveis e contratos por tempo determinado nas três esferas de poder (KREIN, 2007, p. 133).
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Gráfico 1 – Distribuição dos estabelecimentos do ramo metalúrgico segundo município, 2013
Fonte: MTE-RAIS. Elaboração própria.
No aspecto da remuneração, a massa salarial do setor metalúrgico agregou um
pouco mais de R$ 213 milhões verificados entre as cinco cidades que compõe a base do
sindicato. A atividade de fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos
automotores, do setor aeronáutico, contribuiu com R$ 115.173.373,89 ou 54% do montante
auferido sobre a massa salarial a qual também representou a maior remuneração dos
trabalhadores com ganhos médios de R$ 7.670,04. A remuneração média dos metalúrgicos
das respectivas cidades abrangidas pelo SMSJC é de R$ 3.564,34, o que mostra um
desempenho salarial com ganhos acima da média quando comparados com a remuneração
média nacional de R$ 2.279,31.
Tabela 1 – Massa salarial e remuneração média por classificação da atividade econômica, Caçapava, Igaratá, Jacareí, Santa Branca e S. José dos Campos – 2013
Classificação da Atividade Econômica¹ Massa Salarial² Remuneração Média²
Metalurgia 3.260.520,60 3.782,51
Fabricação de produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos 14.819.565,50 3.275,77
Fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos
13.249.768,07 3.595,60
Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos 4.987.717,76 2.712,19
Fabricação de máquinas e equipamentos 10.083.757,85 3.311,58
Fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias 43.403.474,50 4.220,49
Fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores
115.173.373,89 7.670,04
Manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos 7.019.982,93 2.232,11
Comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas 1.557.485,31 1.278,72
Total 213.555.646,43 3.564,34
Nota (1): Baseada na divisão e classe econômica da CNAE 2.O. Nota (2): Os valores da massa salarial e da remuneração média calculados até 31/12/2013 foram inflacionados com base no INPC-IBGE com base nos preços de setembro de 2014. Fonte: MTE-RAIS. Elaboração própria.
Caçapava9% Igaratá
1%
Santa Branca2%
São José dos Campos
69%
Jacareí19%
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1.1 A trajetória política do SMSJC e a esquerda sindical da CUT
Entre 1956 a 1981, o sindicato esteve sob o comando de dirigentes nomeados pelo
Estado e o papel assistencialista e burocratizado predominava as ações da entidade.
Durante este período organizações autônomas de trabalhadores realizavam ações grevistas
e assembleias sob forte repressão ditatorial. Neste contexto se consolidou grupos de
oposições sindicais metalúrgicas atuantes no município de São Paulo constituídas por
trabalhadores que defendiam um sindicalismo mais independente e combativo (BATISTONI,
2010). Até que nas eleições livres do SMSJC em 1981 se elegeu a chapa dos Sindicalistas
Autênticos, futura tendência política denominada Articulação Sindical, identificada com o
movimento grevista metalúrgico do ABC, que deu origem ao novo sindicalismo4. Neste
período ocorreram as greves na Embraer (1984) e na GM (1985) em S. José dos Campos
que pautaram a redução da jornada de trabalho e conquistaram ganhos salariais,
promovendo avanços importantes para a categoria (SMSJC, 2006).
Destas mobilizações, destacaram-se os militantes da tendência Convergência
Socialista Sindical. Ambas as correntes – Articulação Sindical e Convergência Socialista5–
constituíam o caleidoscópio político atuante no interior da CUT e do PT, até que os
frequentes embates motivados por discordâncias internas ameaçaram a manutenção da
Articulação Sindical que era majoritária na direção do sindicato, ao passo que a presença de
militantes ligados à chapa do Movimento Convergência Socialista (MCS) – mais tarde
identificado como Movimento por uma Tendência Socialista (MTS) cujo posicionamento
político era mais radical dentre os agrupamentos internos da CUT – preenchia gradualmente
os cargos na diretoria até alcançar a maioria a partir de 1997 (FIGUEIREDO, 2007).
O fracionamento destas correntes de oposição resultou na criação do Partido
Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), em 1993, e onze anos depois, na fundação
da Central Sindical e Popular - CSP-Conlutas, ambos passaram a atuar enquanto oposições
de esquerda ao governo petista. A principal justificativa foi, sobretudo, a reprovação de
práticas propositivas inauguradas pelo sindicalismo do ABC que passou a ser definido como
“sindicato cidadão” ou ainda “CUT-Cidadã”, com referência à central, qualidade incorporada
4O termo novo sindicalismo expressou o momento de ascensão do movimento sindical no cenário político
nacional iniciado com as mobilizações dos sindicalistas metalúrgicos no ABC e Diadema, região mais industrializada da capital paulista. A erupção de greves iniciadas em 1978 anunciou a retomada dos trabalhadores na cena pública no momento de redemocratização do país, o que ressignificou a participação dos trabalhadores nacionalmente e ofereceu novos instrumentos de luta para inovar a ação sindical desse período, potencializada com a criação da CUT em 1983 e do PT em 1980 (RODRIGUES, 1999).
5As correntes políticas dos Autênticos, Oposições Sindicais e o Movimento de Oposição Metalúrgica de São Paulo originaram a Articulação Sindical, identificada com a CUT e o PT. O Movimento Convergência Socialista (MCS), fundado em 1978, rompeu com o PT em 1992 e deu origem ao Movimento por uma Tendência Socialista (MTS), frente que viria construir o PSTU em 1994 (GUTIERREZ, 2004; FARIA 2005).
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pelas entidades em meados dos anos 1990 para enfrentar contextos de crise econômica
regional, encarando a sociedade do trabalho a partir de sua fragmentação e flexibilização.
De modo geral, o discurso socialista propagado com maior intensidade pelas
lideranças cutistas nos anos 80 foi perdendo espaço para demandas urgentes e objetivas da
sociedade, pela defesa da cidadania, indicando práticas conciliadoras, que passaram a
privilegiar a negociação ao invés de encampar práticas combativas e afirmar o espaço de
conflito.
Ao se nortear pela percepção de cidadania, a CUT ampliou sua atuação na
sociedade, fortalecendo suas alianças com movimentos sociais e pautando políticas
públicas, no entanto, seu papel enquanto entidade sindical de oposição, característico do
novo sindicalismo, perdeu espaço. Assim, destacou Véras “a CUT adquiriu um perfil mais
contratualista (quanto a sua ação para fora, mais voltada à negociação e contratação
coletiva) e organicista (quanto ao modo de conceber sua organização própria)”. E sobre a
orientação política, o autor complementa “A referência do socialismo não saiu de cena, mas
perdeu importância (gerando uma forte polêmica interna) – o que foi decisivamente
favorecido pela chamada crise do “socialismo real” (...). A relação entre democracia e
socialismo ganhou novos contornos” (VÉRAS, p.361, 2011).
A trajetória do SMSJC está profundamente arraigada com as lutas sindicais
efetivadas nos anos 1980, este traço permaneceu forte e confere um perfil mais conflitivo à
entidade. Contudo, a entidade que representa um setor sindical dinâmico não busca apenas
replicar o repertório de confronto legitimado com a insurgência das greves entre os anos de
1978 a 1984, mas de mesclar tipos de ação sindical, das mais tradicionais como greves,
piquetes, assembleias, passeatas, negociações coletivas até as práticas consideradas mais
inovadoras como articulação em redes sociais, atuação no contexto urbano e preocupação
com os processos de trabalho e crises econômicas no âmbito local, regional e global.
Filiado à Central Sindical e Popular CSP-Conlutas e sob a direção de militantes do
PSTU, o SMSJC estabeleceu uma mudança em sua estratégia política e canalizou suas
críticas ao governo petista e à estrutura sindical brasileira. No primeiro momento, estas
lideranças sindicais que romperam com a CUT produziram um ambiente contencioso: ao
invés de recorrer à negociação no primeiro momento, optaram pela ampliação da
participação da base com a organização de assembleias e paralisações. Mas a
compreensão destes interesses políticos fracionados junto às lutas sindicais que
fragmentaram a unidade sindical cutista em razão de discordâncias com o rumo político e
institucional que tinha adotado decorre de um contexto anterior, que fora conduzido desde a
década de 1990 e guarda a crise do sindicalismo e a reestruturação produtiva como
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principais indutores de um novo cenário para a mobilização dos trabalhadores influenciado
pela globalização.
Neste sentido, se colocou na agenda do dia o debate sobre a renovação do
sindicalismo frente à configuração da economia mundial e à reconstituição do mercado de
trabalho. Para Fairbrother, alguns dos indícios de renovação sindical associam “práticas
sindicais que não se limitam aos aspectos economicistas ou que estejam a serviço de um
partido político, mas que buscam relacionar diferentes atores para alcançar objetivos
conjuntamente. O autor ainda ressalta que este sindicalismo deve se atentar para ação
local, experiências de ação coletiva inovadora, construção de alianças e extensão de sua
influência na sociedade, e incorporação de políticas emancipatórias (FAIRBROTHER, 2008).
Outro aspecto que desafia a instituição sindical é o perfil dos trabalhadores, mais
desprotegidos e inseguros em razão de fatores como a disseminação de contratos precários
de trabalho que utilizam formas de subcontratação, terceirização, contrato por tempo
determinado e parcial, trabalho informal, além do processo de flexibilização que compreende
medidas de adaptação do processo de trabalho ao sistema capitalista e colocam em risco o
patamar de direitos trabalhistas e de proteção social por meio de desregulamentações e
inovações sistêmicas (MONY; DRUCK, 2007).
Diante deste quadro, o espaço de atuação do SMSJC abrange facetas distintas da
realidade social que são complementares. De um lado, as relações industriais se tornaram
mais complexas e integradas globalmente, estabelecendo uma dinâmica distinta àquela
praticada pelo modelo de produção tradicional fordista/taylorista. De outro lado, sob uma
perspectiva particular, se observou o deslocamento de lideranças sindicais, antes ligadas à
CUT e ao PT, em direção oposta, construindo identidades políticas que não se alinharam ao
conjunto de estratégias e ações difundidas pelas principais entidades sindicais e partidos
políticos durante os governos petistas.
Em razão de sua motivação ideológica e estratégica, o SMSJC busca se diferenciar
de uma linha de sindicalismo mais negocial e economicista, consolidando formas de
engajamento político-sindical através de seu repertório compartilhado de lutas. No entanto,
este posicionamento mais crítico, de potencial renovador, não está isento de ambiguidades
presentes no cotidiano sindical cujos atores se desdobram para reelaborar alternativas de
intervenção na comunidade.
2. A General Motors em S. José dos Campos
A fábrica da General Motors iniciou suas atividades em S. José dos Campos em
1956 com a fabricação da Fundição e também com a fábrica de motores. Atualmente
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emprega 6 mil trabalhadores, deste número, 90% são sindicalizados constituindo um quadro
sólido de filiados com tradição sindical. Sobre a direção sindical, predominantemente
masculina, 41% de trabalhadores efetivos são oriundos da fábrica da GM sendo que um
terço preenche a diretoria executiva. Apenas duas mulheres participam da direção sindical,
uma delas trabalha na GM6. Esta configuração indica o acúmulo histórico de lutas sindicais
efetivadas no espaço da GM que reverberam nas práticas sindicais cotidianas da entidade.
Parte dos conflitos operários teve caráter defensivo em resposta ao processo de
globalização da indústria automobilística, reestruturação produtiva e crises econômicas cujo
epicentro foi a matriz americana, o “que implicou reduzir efetivos em diversos países,
mormente México e EUA, e a (re) dividir o trabalho de projeto, responsável por uma parte
considerável dos custos da empresa” (AMATUCCI; BERNARDES, 2007).
A GM é a segunda maior empresa montadora na indústria automobilística mundial e
emprega 235 mil trabalhadores em 140 países (CISCO, 2010). Com a meta de explorar os
potenciais mercados emergentes – América do Sul, África e Oriente Médio – e desenvolver
manufaturas enxutas com desempenho tecnológico avançado, a GM incorporou em suas
práticas competitivas a produção flexível enquanto forma de assegurar sua liderança global.
No Brasil, a empresa emprega 23 mil empregados distribuídos em oito municípios de
três diferentes Estados. São Paulo é a cidade que sedia dois, dos três complexos
industriais. A fábrica de S. José dos Campos (SP) produz automotores, comerciais leves,
CKD (completely knocked down) para exportação, motores, transmissões, estamparia,
injeção e pintura de peças plásticas. O município de S. Caetano do Sul (SP), além de
fabricar automotores e comerciais leves sedia um Centro Tecnológico e um Centro de
Treinamento Chevrolet. Na unidade de Gravataí (RS), fábrica de automóveis, foi constituído
um Complexo Industrial Automotivo (CIAG). A empresa também atua em Mogi das Cruzes
(SP), unidade destinada à produção de componentes estampados e que abriga um
Complexo Industrial e Comercial Automotivo. Em Sorocaba (SP) há um Centro Logístico
Chevrolet. Em Indaiatuba (SP) há um Campo de Provas da Cruz Alta. No Estado de
Pernambuco, em Porto de Suape, a empresa atua em um Centro Logístico de Distribuição
de Veículos7.
Em 2013, na cidade de Joinville (SC), foi inaugurada a fábrica de motores
considerada uma das mais sustentáveis do mundo pela eficiência energética de seus
produtos com baixo impacto ao meio ambiente. No mesmo ano, a GM produziu um total de
6 Informações obtidas através do Sindicato dos Metalúrgicos de S. José dos Campos e Região (2014).
7 Veja em “GM e Chevrolet: 89 anos de atividades no Brasil” na página http://www.chevrolet.com.br/universo-chevrolet/sobre-a-gm/a-companhia.html
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680.737 automóveis e comerciais leves sendo 83,5% destinados às vendas do mercado
interno (ABERJE; Anfavea, 2014).
A alta performance produtiva, com investimentos maciços nas áreas de tecnologia,
capacidade produtiva, e desenvolvimento está relacionada ao processo de reestruturação
implantado pela empresa para cumprir com os padrões de eficiência sob demanda da
manufatura enxuta. Conhecido como Sistema Global de Manufatura (Global Manufacturing
System), o GMS consiste na integração flexível dos sistemas de produção global, sem
perder de vista a produção local e regional, e seus princípios norteadores se baseiam em 5
fatores que combinam elementos constitutivos da produção: 1) padronização, 2) qualidade,
3) menor tempo de execução, 4) melhoria contínua, 5) comprometimento das pessoas
(REIS, 2004; PINHEIRO, 2009)8.
O depoimento do vice-presidente de manufatura da GM, José Eugênio Pinheiro, é
esclarecedor sobre as transformações mais recentes ocorridas na fábrica de S. José dos
Campos em decorrência de um investimento de R$ 5,3 bilhões para renovação da linha
Chevrolet e ampliação e modernização do parque industrial no Brasil.
Na Funilaria, a transformação foi geral. Foram instalados novos robôs e
equipamentos automáticos e um novo sistema de solda. A Pintura também
foi renovada e recebeu robôs de última geração. A Montagem Final da nova
S10 representou o maior desafio – instalar os novos equipamentos sem
deixar de produzir a versão antiga da picape. Foram adquiridas mais de 70
apertadeiras eletrônicas, que controlam automaticamente o torque dos
parafusos. Além disso, foram instaladas uma máquina de geometria, que
faz todo o alinhamento do veículo, e uma pista de ruídos de 500 metros que
simula trajetos de ruas (Revista Panorama, fev. 2013).
No aspecto das relações de trabalho, a adoção do GMS pela fábrica em S. José dos
Campos intensificou os conflitos entre sindicato e empresa em razão do aumento dos
contratos de terceirização, elaboração contínua do Programa de Desligamento Voluntário
(PDV), férias coletivas, layoff9 e demissões. Além destes desdobramentos verificados no
8 O estudo de Reis ressalta que a planta da GM em S. José dos Campos é considerada antiga (brownfiled) e por
isso a implementação do GMS é mais demorada quando se compara o mesmo sistema em nova planta (greenfield). No primeiro caso, os especialistas em produção enxuta são externos à organização e trabalham ao lado da gerência, realizando treinamentos paralelos à produção para não interrompê-la. No segundo caso, os gerentes são os responsáveis pela aplicação da produção enxuta que se inicia imediatamente à contratação do trabalhador, permitindo maior proximidade do gerente e seus subordinados (REIS, 2004, p. 17). 9 O layoff é um mecanismo de iniciativa empresarial que busca reduzir os períodos normais de trabalho ou suspendê-los durante um espaço curto de tempo em razão de fraco desempenho produtivo, conjuntura econômica desfavorável e/ou crises agudas que podem afetar gravemente as empresas. A duração do contrato de é de 5 meses. Em setembro de 2014, foi negociado o layoff de 930 empregados da GM até fevereiro de 2015. Neste período, os trabalhadores irão participar de cursos de qualificação na escola Senai e receberão salário integral pago pela empresa e pelo governo federal (SMSJC, 2014).
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âmbito da regulação trabalhista, houve fechamento de linhas de montagem – por exemplo, a
linha de montagem de veículos de passageiros (MVA) e terceirização da fundição –
intensificação da produção que incidiu no aumento de lesões e afastamentos por acidente
no local de trabalho e desenvolvimento de doenças psicossociais. A questão sobre o banco
de horas e horas extras também compôs o elenco de reivindicações do sindicato que se
concentrou na defesa dos empregos. Todavia, quando estas questões são colocadas nos
espaços de interação, o aprofundamento das divergências e as assimetrias entre empresa e
sindicato tendem a produzir relações conflituosas onde o consenso dificilmente é alcançado
diante de questões complexas que extrapolam a fábrica.
Diante deste panorama, para discutir questões que afetaram diretamente os
trabalhadores, o SMSJC teve que ampliar seu envolvimento com os atores sociais,
produzindo argumentos que focaram em aspectos do desenvolvimento regional, dimensões
da negociação coletiva e posicionamento dos trabalhadores. Assim, a partir de diferentes
perspectivas a entidade elaborou estratégias para intervir na realidade e propôs alternativas
que pudessem contemplar, sobretudo, os seus interesses de classe.
3. Enquadramentos interpretativos sobre o Banco de Horas.
No ano de 2008, a questão sobre implementação do banco de horas na fábrica da
GM em S. José dos Campos ganhou destaque nos jornais locais. O motivo foi a rejeição
pelo SMSJC à primeira proposta do acordo que previa investimentos na fábrica e a geração
de 600 postos de trabalho sob a condição do regime de contratação diferenciada que incluía
o banco de horas e a redução da grade salarial para os novos empregados. Neste primeiro
momento, a empresa fez a transferência do plano para a fábrica de S. Caetano do Sul, o
que gerou 1.500 vagas de trabalho.
O novo modelo de contratação estava associado à disposição da empresa em levar
investimentos para a região de S. José dos Campos com o aporte de US$ 500 milhões para
produção de um novo modelo de carro. O investimento milionário era promissor para o
desenvolvimento regional, razão que mobilizou a formação de uma comissão em defesa dos
empregos com a participação de gestores públicos, vereadores, associações comerciais,
empresários, advogados e igreja, além de representantes do sindicato para tratar das
condições do contrato e alcançar um entendimento comum. As discussões repercutiram
com maior força na medida em que a data limite expirava para o sindicato acenar sua
resposta à empresa. As disputas entre os atores foram elevando o tom polarizado entre
aqueles que eram favoráveis aos investimentos e aqueles que não fariam concessão para
reduzir os direitos.
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A maratona de mobilizações durou 5 meses. Desde seu início, em janeiro de 2008,
até a resolução definitiva das negociações, em junho do mesmo ano, o tema catalisou
tendências e posicionamentos distintos, atraindo a participação pública para a questão do
desenvolvimento regional. Conforme a cronologia sobre o Banco de Horas definida pelo
SMSJC, o primeiro momento, entre 23 e 24 de janeiro, foi marcado pela rejeição em
assembleia da proposta inicial feita pela GM aos trabalhadores que previa a criação de 600
novas vagas de emprego baseadas no rebaixamento da grade salarial com piso definido em
R$ 1.100 frente ao piso praticado no período de R$ 1.740 e adoção do banco de horas. Em
31 de janeiro houve a segunda rejeição da proposta pelo SMSJC, com alteração apenas no
valor do piso salarial de R$ 1.207. Entre fevereiro e junho a mobilização ganhou nova
dimensão com a inclusão de setores distintos da sociedade são-joseense no debate sobre
os investimentos e seus condicionantes, reflexos econômicos e sociais para a população.
Em 5 de junho uma nova proposta foi apresentada pela empresa, mas novamente o
sindicato rejeitou. No dia 12 de junho o SMSJC divulgou material informativo sobre a
campanha “Em Defesa dos Direitos”. Finalmente, em 19 de junho de 2008, a proposta foi
aprovada em assembleia dos trabalhadores e acordada entre as partes sem a incorporação
do banco de horas.
Estas experiências produziram uma constelação de argumentos que influenciaram o
cotidiano da cidade. Para captar as principais vertentes difundidas entre os atores
envolvidos, foram analisados fragmentos de 21 edições do jornal do sindicato publicadas
entre janeiro e julho de 2008, com exceção de uma edição de 2005, proveniente do jornal
específico dedicado apenas aos trabalhadores da GM que não circula mais. Também
consultamos edições antigas do jornal Vale Paraibano (atualmente O Vale) que abrangeram
as mobilizações em torno do sindicato e fábrica, totalizando 9 matérias. Neste sentido,
sistematizamos e organizamos este conteúdo em esquemas argumentativos com base nas
discussões travadas utilizando a noção de enquadramento (frame).
O conceito de frame, cujo expoente é Goffman (1986) compreende a interação da
ação coletiva empregada pelos indivíduos no mundo concreto que ocorre por meio dos
discursos e pela percepção dos interlocutores em uma situação. Dedicado às análises de
interações produzidas, sobretudo no cotidiano da vida social, o autor descreve sua proposta
de análise nas seguintes palavras: “isolar alguns dos enquadramentos básicos de
significado disponíveis em nossa sociedade para empregar significado aos eventos e
analisar as vulnerabilidades específicas em que estes enquadramentos estão expostos”
(GOFFMAN, 1986, p.10). Deste modo, os enquadramentos são marcos interpretativos
baseados em normas estabelecidas socialmente através da interação subjetiva dos sujeitos
com os acontecimentos. A disputa encerrada no acordo entre empresa e sindicato reuniu
13
interpretações distintas sobre um fato relevante em S. José dos Campos, dessas diferenças
a disputa no campo simbólico por meio de discursos e ações busca reconhecer os atores no
espaço de conflito.
Diante das várias operacionalizações do conceito de frame, para este trabalho
optamos pela análise dos quadros primários perceptíveis de modo mais imediato em uma
situação específica: “os quadros primários são construídos e modificados social e
contextualmente, sendo, pois, elemento central da existência intersubjetiva de uma
coletividade” (MENDONÇA; SIMOES, 2012, p. 190). Assim, ao apreender os
enquadramentos a partir do caso do Banco de Horas, iremos compreender a interlocução
entre os sujeitos e suas formas de engajamento conforme o cenário onde atuam.
3.1 A repercussão do banco de horas na cidade de S. José dos Campos
Na década de 1990 a discussão sobre a normatização da jornada de trabalho no
Brasil foi desenvolvida sob os parâmetros da flexibilização das relações trabalhistas como
uma forma de manter os empregos em um contexto de inovações tecnológicas e gerenciais.
A flexibilização do tempo de trabalho através do banco de horas compreende um
mecanismo de prorrogação e compensação das horas de trabalho realizadas pelo
empregado, sem constituir parte da sua remuneração. O efeito prático desta medida trouxe
diversos impasses para o movimento sindical. No âmbito das negociações coletivas,
critérios diferenciados relacionados à intensidade do tempo de trabalho foram acordados
envolvendo a modificação da jornada, sua relação com as folgas e os limites estabelecidos
para o tempo de trabalho (DIEESE, 2011).
O debate multifacetado pelos benefícios e prejuízos do banco de hora e outras
medidas de flexibilização trabalhista foi permeado por interesses antagônicos no espaço
público.
Para o SMSJC o banco de horas acarreta consequências negativas para o
trabalhador(a): “É uma escravidão moderna: os funcionários ficam totalmente reféns da
empresa e do vai-e-vem do mercado. Não se recebe mais as horas extras e, muitas vezes,
como a empresa acaba parando para adequar sua produção, o trabalhador fica devendo
muitas horas para a fábrica” (SMSJC, jun./2005).
Na opinião de José Carlos Pinheiro Neto, à época vice-presidente da GM
argumentou que “as mudanças na grade salarial dos novos contratados e a adoção de
banco de horas para todos os funcionários tem por objetivo deixar os veículos feitos em São
José com preço de produção competitivo no mercado nacional e no internacional” (Ovale,
6/06/2008).
14
Já os posicionamentos afirmados por membros da comissão, organizada para
discutir a proposta de investimento da montadora na região, se concentravam, sobretudo,
nos benefícios do investimento para a cidade, sem pontuar os condicionantes do contrato
propostos pela empresa. Para Eduardo Cury, na época prefeito da cidade, os investimentos
significavam “(...) novos empregos de forma imediata”. E complementou “Nós só não vamos
pegar esse investimento se não quisermos”. A preocupação do vereador e presidente da
comissão José Luís Nunes era manter S. José dos Campos na rota de investimentos da
empresa: “Quando você traz um novo produto para dentro de uma fábrica, você a projeta
para os próximos anos. O valor de UR$500 milhões é quase um orçamento da cidade em
um só produto” (Ovale, 6/06/2008).
A diocese de S. José junto com a OAB formou o bloco considerado isento da
comissão. O porta voz da igreja, Pe. Paulo Renato de Campos disse naquele momento: “A
proposta da GM precisa ser analisada com carinho pelo sindicato. Não temos interesse em
favorecer A ou B. Queremos buscar exaustivamente um entendimento para que esse
investimento não seja dispensado”. Ponderado, o advogado da ordem Luiz Carlos Pêgas
destacou a importância da manutenção do diálogo: “Não podemos neste momento partir
para um enfretamento, nem satanizar os sindicalistas” (Ovale, 0/06/2008).
A mediação dos conflitos entre capital-trabalho foi articulada com a participação de
atores que normalmente não são convocados para intervir em questões dessa natureza.
Esta espécie de “diálogo social” construído a partir de um acontecimento, delimitou o papel
dos sujeitos a partir dos diferentes significados que foram tomando forma no desenrolar
deste caso. O exercício analítico sobre os enquadramentos interpretativos difundidos pela
imprensa do SMSJC e pelo principal jornal da região Ovale possibilitaram a identificação de
três dois frames primários: “Em Defesa dos Direitos” relacionado ao SMSJC e “Em defesa
dos Empregos” que envolveu à prefeitura, membros da comissão e representantes de
entidades patronais.
Além disso, é importante destacar que um setor do sindicalismo cutista que atua no
interior da fábrica da GM também entrou na disputa como oposição ao sindicato,
questionando o resultado das assembleias e consultando a posição dos trabalhadores sobre
a negociação, o que colocou em evidência parcela de trabalhadores que não se viram
representados pelo SMSJC ameaçando a legitimidade da entidade. A seguir iremos
descrever a dinâmica de cada enquadramento.
3.1 “Em defesa dos direitos”
Este enquadramento foi o resultado da atuação do SMSJC no contexto da cidade. A
reestruturação produtiva e as tentativas de flexibilização dos direitos trabalhistas
15
conformaram estavam presentes na campanha “Em Defesa dos Direitos”. Nas primeiras
ações, o sindicato argumentou: “Não há nada que justifique a GM querer aumentar ainda
mais seus lucros às custas da exploração dos trabalhadores” (SMSJC, nº813). Contrário ao
banco de horas, o SMSJC destacou que as iniciativas da empresa para interpelar os
trabalhadores(as) e a cidade distorceram as consequências danosas dessas medidas.
O discurso da empresa, através da chefia, e em comunicados, como o lido
pelas lideranças nesta quarta (dia 23), tenta minimizar a gravidade das suas
propostas. Mais do que isso, tenta convencer os trabalhadores de que são
até benéficas. Mas o fato é que estas propostas de flexibilização da GM são
um grande ataque aos trabalhadores. Veja porquê: A GM alega que todas
as montadoras têm banco de Horas. De fato, isso é verdade. O Banco de
Horas é um dos principais mecanismos de flexibilização da jornada. O
objetivo é fazer com que o trabalhador fique à mercê do mercado (ou seja,
deixa o peão dependente da produção). Com certeza, para a empresa é um
ótimo negócio. Afinal, ela fica com o trabalhador à sua total disposição (...)
Há também a flexibilização da jornada que poderia variar de 32h até 48h na
semana (SMSJC, jan./2008).
As negociações revelaram a arbitragem das promessas da GM em nome do
desenvolvimento regional. A contrapartida da prefeitura de S. José dos Campos foi cumprir
com um pacote de concessões fiscais que incluiu a isenção do IPTU (Imposto Predial e
Territorial Urbano), redução do ISS (Imposto sobre Serviços) e liberação das taxas de
limpeza e iluminação pública (Ovale, 14/06/2008).
A prefeitura e câmara dos vereadores manifestavam apoio à GM enquanto o SMSJC
reagia propondo alternativas à proposta inicial da empresa com base em sua performance
produtiva.
Na reunião, o Sindicato apresentou outras alternativas à empresa, nas quais
não havia redução de salário e banco de horas, mas nenhuma foi aceita
pela GM. (...) O Sindicato entende que a abertura das vagas é possível, pois
há várias condições favoráveis. Mais do que isso, é necessária. Os
trabalhadores estão enfrentando um excesso de horas extras. A GM só teria
que acender as luzes do 2º turno do MVA, que está fechado, e pôr a linha
para rodar. Isso sem contar que a GM está obtendo vendas e lucros
recordes e recebeu da Prefeitura isenção total de IPTU e outros impostos. O
Sindicato apresentou à empresa uma contraproposta que prevê a
contratação de 600 trabalhadores, mesmo sendo com contrato por prazo
determinado, mas com garantia da nossa Convenção Coletiva para
lesionados. O Sindicato aceita negociar o trabalho aos sábados com
16
pagamento de 100% de hora extra, quer estabilidade de 48 meses e as
contratações sem grade salarial reduzida, nem banco de horas.
O relato de um dos dirigentes entrevistados nesta pesquisa mostra como foi a reação
inicial da população sobre o banco de horas na cidade:
Estava todo mundo contra a gente, inclusive a igreja. Todo mundo fazendo
campanha, a cidade inteira. Carro de som passando, falando que tinha que
aceitar o banco de horas. Se quer mais? Na igreja, na missa, o padre
falava. (...) Quem vai na missa? Os trabalhadores. Falava "ó está tendo
problema na GM, o pessoal do sindicato tem que conversar". Fazia
campanha no calçadão, o prefeito (...). O sindicato foi conversar com a
paróquia. Foi muito difícil. Nós derrotamos o banco de horas! [Olhar
expressivo] (Dirigente sindical e trabalhador da Power Train 1, fev. 2014).
Com o desenrolar dos acontecimentos, o SMSJC contou com a solidarização de
entidades sindicais Brasil afora, parte delas congregavam a base da CSP-Conlutas e
representavam categorias dinâmicas do sindicalismo como os professores do ensino básico
e superior, químicos, trabalhadores do ramo da alimentação, metalúrgicos e funcionários
públicos. “Em Defesa dos Direitos” também repercutiu internacionalmente através da rede
de contatos que expressaram solidariedade à bandeira. Para citar alguns exemplos,
trabalhadores da GM na Polônia, metalúrgicos do Canadá, República Tcheca, França, Peru
e Itália enviaram cartas e mensagens de apoio ao sindicato (SMSJC, nº 815).
No entanto, o acirramento do conflito modificou a posição da igreja católica que no
início foi classificada como isenta, mas nos meses seguintes passou a apoiar o sindicato.
Fato curioso e inusitado nos dias atuais, visto que o ativismo religioso em prol de questões
sociais incidiu com maior intensidade no período do regime militar com a criação das
pastorais. Novamente a questão regional pareceu apresentar particularidades que não são
tão visíveis quando analisamos apenas a ação sindical de forma isolada. O trecho a seguir
descreve a relação dos sindicalistas com os representantes religiosos.
Na semana em que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)
anunciou seu apoio à luta contra a redução da jornada, sem redução de
salários, uma comissão do Sindicato, formada pelo presidente da entidade,
diretores e trabalhadores da GM, participou de uma reunião, no dia 18, com
assessores do bispo de São José dos Campos, dom Moacir Silva. A
comissão contou também com Valdemar Rossi, fundador da Pastoral
Operária no Brasil, que foi convidado pelo Sindicato. A reunião foi realizada
para explicar a ameaça da proposta da GM aos trabalhadores e à cidade e
solicitar o apoio da Diocese à Campanha em Defesa dos Direitos, que está
sendo feita pelo Sindicato contra a ameaça de redução de salários e Banco
17
de Horas. Os sindicalistas foram atendidos pelo padre Paulo Renato,
Coordenador Diocesano de Pastoral e assessor de Dom Moacir, e pelo
padre Magela, assessor da Comissão Sócio-Política da Diocese, que
ouviram da comitiva tudo sobre as pressões da chefia, a repressão da
empresa contra o trabalho sindical, a suspensão de dirigentes sindicais e o
risco de demissões dos funcionários. Eles afirmaram que todas as
informações seriam repassadas ao bispo (SMSJC, nº 823).
Estes exemplos mostram que a participação do sindicato pode ser entendida como
uma inflexão importante para a dinâmica do desenvolvimento em S. José dos Campos.
Entretanto, cabe verificar o avesso de seus argumentos.
3.2 “Em Defesa dos Empregos”
Com esta mensagem em um outdoor, a GM recebia seus funcionários: “No mundo
real a concorrência existe, a competitividade é inevitável e a adaptação a esta realidade é
questão de sobrevivência. Você pode mudar o futuro da fábrica de S. José dos Campos e o
seu” (Ovale, 18/06/2008).
A combinação do futuro da empresa com os rumos da cidade e da vida do
trabalhador(a) associada com a disponibilidade de investimentos foi usada como estratégia
para convencer a opinião pública. Na visão de Pinheiro Neto, vice-presidente da GM, as
vantagens do investimento assegurariam os empregos: “Esse produto novo vai suportar a
manutenção dos empregos atuais. A manutenção do emprego atual é tão importante quanto
o emprego adicional” (Ovale, 6/06/2008). O protagonista dos enquadramentos neste
conjunto de interpretações foi o emprego. Neste sentido, qualquer ação que garantisse sua
permanência ou viabilizasse novos contratos de trabalho simbolizaria prosperidade,
crescimento e enriquecimento para a região, razões que justificaram a aliança pelo emprego
promovida na cidade em detrimento da qualidade do trabalho e das conquistas sindicais
asseguradas na fábrica.
O vereador José Luís em depoimento ao jornal sobre o andamento das negociações
disse “Eles [o sindicato] ainda se recusam a aceitar a proposta, mas estamos buscando um
entendimento. Vamos intensificar esses contatos” (Ovale, 6/06/2008). Estes contatos foram
atribuídos às tarefas de convencimento direcionadas aos trabalhadores da fábrica, com a
contribuição da CUT. A central manteve o seu trabalho de base na fábrica, atuando como
oposição à diretoria do sindicato. Uma funcionária da GM revela as ambiguidades no interior
fabril, ela disse: “Vamos continuar a esclarecer os funcionários dentro da fábrica. Com essa
proposta, nós só temos a ganhar” (Ovale, 6/06/2008). Neste período a central CUT realizou
18
uma pesquisa com os funcionários da fábrica distribuindo 8 mil questionários com cinco
perguntas sobre a implantação do banco de horas, nova grade salarial e os investimentos
na planta. Esta atitude, de certa forma, buscava deslegitimar os resultados das assembleias
realizadas pelo SMSJC que foram questionadas por alguns trabalhadores. Para uma
funcionária o método utilizado pela CUT era mais democrático: “Uma pesquisa como essa é
mais democrática do que o procedimento que o sindicato está fazendo” (Ovale, 04/06/2008).
Em 10 de junho, conforme relata o jornal Ovale, o resultado da pesquisa foi favorável à
negociação com mais abertura do sindicato. A pesquisa consultou 2.198 funcionários sendo
que 84,28% defendiam a discussão da proposta com a empresa.
Contudo, a cronologia dos acontecimentos mostrou que o sindicato negociou
diversas vezes com a empresa e dialogou com outros representantes. Mas a disputa
interpretativa ganhou novos contornos e o sindicato fez uso de seu espaço na mídia para
afirmar sua identidade política: “Queremos mostrar que o movimento sindical de esquerda
do país está contra a proposta do banco de horas e redução de direitos, além do malefício
que o banco de horas trouxe para a fábrica de Gravataí”, afirmou Adilson dos Santos, no
cargo de presidente do SMSJC (Ovale, 18/06/2008).
A contenda entre CUT cuja atuação destoa do SMSJC, filiado à CSP-Conlutas foi
explorada pelos relatos do SMSJC sobre uma negociação de metalúrgicos de base cutista
ocorrida em março daquele ano:
Semana passada, o Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté, filiado à CUT,
ajudou a Ford a reduzir uma série de direitos. O acordo, além de renovar o
banco de horas, reduziu o piso salarial, aceitou terceirização e a abertura de
um PDV dirigido a aposentados que estão no teto salarial e trabalhadores
com restrições médicas, ou seja, querem demitir os lesionados. A Ford quer
ampliar a produção de motores em 10%. Novamente, tenta-se justificar a
redução de direitos (SMSJC, nº 817).
Seis dias antes do desfecho das negociações, a comissão de defesa dos empregos
elaborou uma carta aos trabalhadores da GM “na tentativa de sensibilizar familiares dos
operários a aderirem a aprovação da proposta da montadora” (Ovale, 14/06/2008). Neste
intervalo, a GM lançou uma campanha de marketing em comemoração dos 50 anos da
fábrica na cidade, momento propício para atingir a população com propagandas que
exaltavam a participação da empresa na região. “(...) a intenção da primeira fase da
campanha é mostrar para a população do Vale do Paraíba ações da empresa em prol da
sustentabilidade da região e do bem-estar dos trabalhadores”, esclareceu disse a assessoria
de imprensa. (Ovale, 18/06/2008).
19
3.3 Desfecho pela “via-sacra”
Após 13 horas de reunião, a aprovação da proposta da montadora foi comemorada
com uma caminhada de agradecimento da empresa a todos que contribuíram com a
intermediação das negociações. O percurso se estendeu até a residência do bispo dom
Moarcir Silva (funcionário da GM nos anos 1970), seguiu para prefeitura onde Pinheiro Neto
e Moan (representantes da GM) tiveram uma reunião particular com o prefeito e a parada
final foi a Câmara dos vereadores onde aguardavam os membros da comissão a favor dos
empregos. Na visão de Pinheiro Neto “competir não é opção. O mercado que é nosso
grande senhor e patrão, é quem decide isso. São José voltará a uma posição de
competitividade, de flexibilidade, tão necessárias a manutenção do negócio” (Ovale,
20/06/2008).
Os parâmetros definidos pelo acordo com vigência de dois anos foram 1)
investimento de US$ 500 milhões para uma nova linha, 2) piso salarial de R$1.207 para os
novos funcionários, 30% inferior ao que se praticava na linha de montagem, mas 8% maior
que piso da categoria, 3) flexibilização da jornada de trabalho para os 9 mil trabalhadores
que substitui o mecanismo do banco de horas ao determinar a realização de até uma hora-
extra por dia de segunda a sexta-feira, 4) remuneração das horas-extras e jornada de
trabalho em até dois sábados por mês (prática que era realizada informalmente pela
empresa).
Faixas entre a multidão de trabalhadores levavam a mensagem “Eu sou GM, sou
mais São José”, “Flexibilização Mais Emprego”. Já o SMSJC exaltou “Vitória: derrotamos o
banco de horas” (Ovale, 20/06/2008). A conquista do sindicato, na forma de resistência à
imposição do banco de horas foi simbólica: “Derrotamos a ideia de que é preciso ceder
direitos para que se criem empregos. A GM já tem muitos lucros e não precisa tirar direitos e
impor Banco de Horas para fazer investimento em São José” (Adílson dos Santos, o Índio,
SMSJC, nº 828).
A comissão em defesa dos empregos também se pronunciou. O vereador José Luís
Nunes destacou o papel local, regional e global através de uma visão estratégica dos
investimentos: “As contratações vão começar em breve e temos um projeto novo para a
fábrica, que habilita o mercado internacional para a unidade de São José. As novas vagas
vão movimentar as cadeias produtivas e o setor de serviços” (Ovale, 20/06/2008).
Considerações finais
A partir do Banco de Horas questões sobre o território produtivo foram
problematizadas em S. José dos Campos, demonstrando a capacidade dos atores em
20
delimitar os espaços de interesse. A intensificação do conflito dentro e fora da fábrica
convocou instituições, representantes da sociedade civil e trabalhadores para ampliar seu
escopo de ação e se aproximar de temas complexos, que pautaram a agenda pública
naquele momento.
A breve análise dos enquadramentos “Em Defesa dos Direitos” e “Em defesa dos
Empregos” sugere a existência de um debate profícuo que tende a ser difundido com maior
intensidade na sociedade, especialmente em territórios onde o desenvolvimento é a grande
moeda de troca para as empresas se estabelecerem. De modo geral, os desdobramentos
que foram produzidos pelos enquadramentos expressaram as potencialidades dos atores
para inserir demandas baseadas em diferentes compreensões dos problemas.
Com este trabalho, buscamos descrever aspectos regionais do Vale do Paraíba
destacando o processo de interiorização do desenvolvimento urbano relacionado à vocação
industrial consentida Estado. A experiência sindical do SMSJC acumulada junto ao
protagonismo metalúrgico no ABC paulista no período da redemocratização no Brasil, se
consolidou ao longo dos anos pela afirmação de uma identidade de esquerda. Contudo, a
particularidade deste perfil de sindicalismo atualmente ganha novos contornos em um
cenário de crises econômicas frequentes que geram incertezas quanto ao futuro do mercado
de trabalho e sua regulação.
A pressão para estabelecer negociações em circunstâncias desfavoráveis para a
classe trabalhadora colocou o sindicalismo em um dilema diante das dificuldades para
minimizar as assimetrias geradas pela relação entre capital-trabalho. O exemplo do Banco
de Horas em S. José dos Campos mostra que a construção de consensos será cada vez
mais comum em situações onde a empresa busca barganhar o apoio de aliados compondo
um quadro cada vez mais disputado e permeado por questões que relativizam
posicionamentos considerados radicais. Por outro lado, a politização das práticas sindicais
pode contribuir para fortalecer pautas de interesse dos trabalhadores, mais ainda quando
sua reverberação atinge espaços não-fabris.
Nosso intuito foi apresentar as duas vertentes presentes nas campanhas que
debateram o Banco de Horas e pontuar questões que buscam refletir sobre a multiplicidade
de intervenções que o sindicato pode firmar na sociedade contemporânea. No caso do
SMSJC defendendo sua identidade coletiva, mas permitindo (re)significar argumentos ao
encampar posições e construir novos espaços de conflito.
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