OS SALÕES DE ARTE FOTOGRÁFICA (1942 E 1943)...

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OS SALÕES DE ARTE FOTOGRÁFICA (1942 E 1943) REALIZADOS PELO FOTO CINE CLUBE BANDEIRANTE. MARLY TEREZINHA CASTRO PORTO 1 1 Programa Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo.

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OS SALÕES DE ARTE FOTOGRÁFICA (1942 E 1943) REALIZADOS PELO FOTO

CINE CLUBE BANDEIRANTE. MARLY TEREZINHA CASTRO PORTO1

1 Programa Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo.

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INTRODUÇÃO

De alguns anos para cá, a fotografia brasileira produzida no ambiente

fotoclubista nos anos de 1940 a 1960 tem recebido maior atenção por parte do circuito

artístico que passou a incentivar a realização de exposições, tendo como consequência o

aumento do número de matérias publicadas nos principais periódicos nacionais.

Recentemente, o Museu de Arte Moderna de Nova York adquiriu 28 obras de fotógrafos

integrantes do Foto Cine Clube Bandeirante para seu acervo, fato que pode ser compreendido

como determinante no processo de reconhecimento da importância desta instituição na

história da fotografia brasileira.

Em “A Fotografia Moderna no Brasil”, Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva

destacam a significativa produção fotográfica existente entre as décadas de 1940 e 1950,

afirmando que esta produção é fruto da ação de um grupo de fotógrafos que atuou no Foto

Cine Clube Bandeirante e que essa história precisa ser resgatada criticamente (Costa & Silva,

2004). O livro foi produzido em 1995, como resultado de um concurso nacional de bolsas de

pesquisa promovido pela FUNARTE/IPHAN, numa época em que o quadro de referências

teóricas que se tinha disponível nessa área era limitado. A publicação ganhou uma nova

edição em 2004 pela editora Cosac&Naify e é de grande importância para esta pesquisa

porque resgata parte do legado da fotografia produzida no ambiente fotoclubista, além de ser a

principal referência sobre o assunto.

Em “Fotografia: Reflexos e Reflexões”, Vasquez (1986) afirma que a fotografia no

Brasil encontrou uma fase de ampla difusão nas três últimas décadas do século XIX, caindo

em seguida num período que o autor chama de semi-hibernação (Vasquez, 1986, p.27), do

qual somente no final de década de 1970 seria despertada. Para Vasquez, a produção

fotográfica gerada no ambiente fotoclubista sequer foi considerada o que deixa evidente a

ausência de informação e estudos sobre a fotografia produzida no Brasil na primeira metade

do século XX.

Importante ressaltar que estudos recentes estão mudando o panorama do que se

conhece sobre o surgimento dos fotoclubes brasileiros no início do século XX. Um exemplo

disso é o estudo dedicado à criação de associações no sul do país como a Sploro Photo Club e

o Photo Club Helios, ambas em Porto Alegre. Segundo artigo publicado por Luzia Costa

2

Rodeghiero (2014, p. 507-521), o Photo Club Helios foi fundado em março de 1907. Ricardo

Mendes (2013, p.8) destaca o desencontro de dados publicados na bibliografia especializada

sobre o tema fotoclubismo no Brasil e aponta a ausência de informações acerca do Photo Club

Helios e sua importância. De fato, o que Mendes afirma é o vazio em torno da historiografia

da fotografia no Brasil sobre um período longo entre o final do século XIX e as primeiras

décadas do século seguinte. No livro “Fotografia: cultura e fotografia paulistana no século

XX”, Ricardo Mendes e Mônica Junqueira de Camargo (1992) já afirmavam ser quase sempre

muito reduzido o conjunto de dados sobre as condições de produção da fotografia e de seus

autores.

Diante disso, propõe-se neste trabalho fazer uma apresentação sobre os primeiros

salões de arte fotográfica promovidos pelo Foto Cine Clube Bandeirante2 importante evento

considerado como elemento de difusão e intercâmbio da produção fotográfica nacional ainda

que limitada ao circuito do fotoclubismo. A organização periódica dos salões era a principal

manifestação da atuação dos fotoclubes e, assim como na Europa e nos Estados Unidos, os

fotoclubes no Brasil também reproduziram estas atividades, sendo que, a partir da década de

1940, o movimento alcança maiores proporções ganhando reconhecimento nacional. Na

cidade de São Paulo, o Foto Cine Clube Bandeirante fundado em 1939, viria a se tornar a

principal referência e o centro irradiador responsável, direta e indiretamente, pela criação de

uma série de entidades similares no interior do estado de São Paulo. O auge do movimento

fotoclubista ocorre em 1950 quando é realizada a 1ª Convenção Brasileira de Arte Fotográfica

e a partir desta década surgem entidades como a União Nacional de Fotoclubes e a

Confederação Brasileira de Fotografia e Cinema que passou a fazer parte da Fédération

Internacionale de l´Art Photographique (FIAP). O fotoclubismo entra em declínio a partir da

década de 1960 quando o panorama cultural do Brasil altera-se com o golpe militar de 1964 e

com o crescente prestígio atribuído ao fotojornalismo.

PICTORIALISMO E A CRIAÇÃO DE FOTOCLUBES

2 O Bandeirante passou a se chamar Foto Cine Clube Bandeirante, com o acréscimo da palavra “Cine”, em 1946,

quando lança sua primeira publicação, o FCCB-Boletim.

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O século XIX foi marcado pela transformação que apontava para a segunda

revolução industrial quando inúmeros descobrimentos científicos foram absorvidos pelo

mercado em plena expansão e a intensa migração do campo para os centros urbanos favoreceu

o crescimento desordenado das grandes cidades. A lógica do capital imprimia o ritmo dos

acontecimentos promovendo mudanças constantes nos meios de produção, as fábricas

trabalhavam num ritmo desenfreado e a chegada de novas tecnologias como o telefone, o

fonógrafo, a locomotiva elétrica, a descoberta da radioatividade, a invenção da lâmpada de luz

incandescente, do motor a gás, da geladeira e da fotografia provocaram uma profunda

alteração do comportamento e da percepção do homem.

A inclusão dessas novas tecnologias no dia a dia foi responsável pela explosão de uma

nova estética. O processo de mudança tornou-se um fim em si mesmo e a fotografia foi

absorvida e utilizada para documentar essas transformações. Alguns fotógrafos, conhecidos

por pictorialistas, procuraram tornar a fotografia uma arte aproximando-a da pintura, apesar

da ausência da cor nas ampliações fotográficas. Influenciados pelo Impressionismo, buscavam

evocar sensações a partir de temas que reforçavam a vontade de aproximar a fotografia da

pintura, como religiosidade, vida doméstica, natureza, paisagem, vida no campo e temas que

retratavam o cotidiano burguês da nova classe social em ascensão.

O pictorialismo pode ser entendido pelo uso de técnicas que alteravam a fotografia

direta e se caracterizou por tons sombrios, textura granulada, efeitos sistemáticos de flou

como num desenho, encenação, composição do sujeito e, sobretudo, inúmeras intervenções

posteriores sobre o próprio negativo e provas, com pincéis, lápis, borrachas, instrumentos e

vários produtos (Dubois, 1994, p. 33). Alguns recursos pictóricos como o bromóleo, por

exemplo, eram aplicados sobre a imagem já revelada, tornando-a mais romântica e bucólica. .

Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva afirmam que o movimento pictorialista ao

tentar introduzir a imagem fotográfica no universo da arte abriu um vasto campo de

questionamento para a fotografia por meio do experimentalismo e permitiu a uma camada de

aficionados da burguesia acesso à expressão artística (Costa & Silva, 1994). Ao explorar a

experimentação tanto técnica, quanto estética, os pictorialistas ampliaram pela primeira vez as

formas de interpretação ao instaurar novas possibilidades visuais. Ao tentar negar a

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especificidade da fotografia para transformá-la em arte, o movimento tinha como parâmetro a

pintura que, aliada à evolução tecnológica surgida à época, contribuiu para o enriquecimento

das possibilidades expressivas da fotografia. Assim, a fotografia produzida nos meios

pictorialistas passou a ser reconhecida como um trabalho artístico motivando o surgimento de

associações fotoclubísticas.

O surgimento de fotoclubes ocorre na segunda metade do século XIX e rapidamente se

espalha por diversas cidades europeias sendo fundados com êxito também nos Estados

Unidos. Essas associações nascem como locais de resistência contra a massificação do uso da

fotografia e com o intuito de elevar a fotografia à categoria da arte. Dentro desse contexto,

importantes associações foram fundadas entre 1891 e 1910, como a Wiener Kamera Klub

(Viena), The Linked Ring Brotherood (Londres), Photo Club de Paris, Association Belge de

Photographie (Bruxelas), Gesselschaft zur Förderung der Amateur Photographie

(Hamburgo) e Photo-Secession (Nova York), entre outras.

Um dos fatores que permitiu a consolidação do movimento pictorialista foi a

organização de exposições dedicadas somente à fotografia, como por exemplo, a grande

exposição para celebrar o cinquentenário da sua invenção em Berlim (1889). Dois anos mais

tarde, o Club der Amateur-Photographien, de Viena, organiza uma mostra contendo

seiscentas ampliações fotográficas selecionadas por um júri integrado por pintores e

escultores.

O Salão Fotográfico de Londres, inaugurado em 1893, é guiado pelo objetivo de

declarar a completa emancipação da fotografia pictorialista, desligando-a das vertentes

científicas e técnicas que haviam caracterizado por muito tempo o novo meio, defender seu

desenvolvimento como arte independente e propor novas possibilidades de promoção (Fabris,

2011, p. 36).

Além dos salões especializados, o pictorialismo divulga sua produção artística nas

exposições universais de Paris (1889 e 1900), Antuérpia (1894), Liège (1905) e em

empreendimentos como a Mostra Internacional de Arte Decorativa Moderna, realizada em

Turim, em 1903. Importantes instituições museológicas na Europa e Estados Unidos

começam também a expor trabalhos fotográficos, como a Academia Real de Berlim, a

Kunsthalle de Hamburgo e as galerias norte-americanas Albright, Carnegie e Corcoran. Três

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anos mais tarde, o Museu Nacional dos Estados Unidos adquire fotografias para suas

coleções, enquanto o governo belga cria um Museu Fotográfico como anexo dos Museus

Reais de Arte e História (Fabris, 2011, p.36).

Segundo Maria Teresa Bandeira de Mello (1998, p.68), o marco inicial do movimento

fotoclubista no Brasil foi a criação do Photo Club do Rio de Janeiro em 1910. Ainda, de

acordo a autora, em 1916, surge o Photo Club Hélios, em Porto Alegre e, em 1923, os

fotógrafos Alberto Friedmann e Guerra Duval, juntamente com os membros do Photo Club do

Rio de Janeiro, fundam o Photo Club Brasileiro. O fotoclube pode ser entendido como uma

associação que têm por objetivo promover encontros para discutir e expor trabalhos

fotográficos realizados por seus membros, vistos na maioria como amadores, pelo fato de não

terem a fotografia como principal ocupação profissional. Eram locais de relacionamento

social onde se realizavam diferentes atividades em torno da prática fotográfica. Os integrantes

destas associações sistematizavam as discussões ocorridas nestes encontros por meio de

publicações em revistas, catálogos e manifestos, que hoje se configuram em importantes

fontes para o estudo da fotografia. Os fotoclubes promovem salões nacionais e internacionais

de fotografia, concursos, premiações, publicam revistas, informes, boletins, catálogos de

exposições, realizam cursos, seminários, excursões fotográficas, além de incentivar o

intercâmbio entre associações nacionais e estrangeiras. Essas trocas se intensificam ainda

mais com a expansão do número dessas agremiações, no Brasil na década de 1950.

O Photo Club Brasileiro é considerado pelas autoras Angela Magalhães e Nadja

Fonseca Peregrino3 o primeiro clube de fotógrafos efetivamente organizado no Brasil. Entre

as atividades promovidas por esta associação, Maria Teresa Bandeira de Mello destaca: a

Quinzena do Associado – exposição individual na qual o sócio submetia seus trabalhos a um

colega mais experiente – e o Concurso Mensal – exposição coletiva, com tema previamente

escolhido, na qual os trabalhos eram submetidos a uma comissão de julgamento, além de

cursos teóricos e práticos, palestras sobre questões estéticas e técnicas e excursões

fotográficas. O Photo Club Brasileiro foi responsável pela publicação das revistas Photo

3 PEREGRINO, Nadja Fonseca; MAGALHÃES, Angela. Fotoclubismo no Brasil: o legado da Sociedade

Fluminense de Fotografia. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2012.

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Revista do Brasil e Photogramma e tornou-se uma importante referência na divulgação das

novidades estéticas e técnicas, exercendo papel fundamental na difusão do conceito da

fotografia artística, apoiado nos moldes do fotoclubismo europeu com o predomínio da prática

do pictorialismo. As autoras comentam sobre os encontros promovidos pelo artista e fotógrafo

Sylvio Bevilacqua em seu atelier instalado no edifício sede da Associação dos Empregados do

Comércio do Rio de Janeiro onde se realizavam reuniões para a troca de impressões sobre os

últimos eventos internacionais. Outro nome de destaque é o de Fernando Guerra Duval, figura

presente da vida literária do Rio de Janeiro, que as autoras acreditam ter sido um dos

integrantes da criação do Photo Club Brasileiro. Elas também destacam as livrarias da cidade

carioca como ponto de encontro entre artistas, jornalistas, políticos, acadêmicos e fotógrafos

para o debate sobre as artes em geral, antes do surgimento de instituições como os fotoclubes.

Para Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004), nas três primeiras décadas

do século XX o Rio de Janeiro foi o centro do fotoclubismo nacional. Segundo os autores, a

partir dos anos de 1940 até 1960, o eixo irradiador do movimento se desloca para o Estado de

São Paulo. Esse segundo momento do fotoclubismo no Brasil pode ser associado à

industrialização e modernização da cidade de São Paulo fato que contribuiu para a ampliação

da oferta de materiais fotográficos.

Um traço comum entre os membros dessas instituições era a situação financeira

privilegiada. De um modo geral, o associado era um profissional liberal pertencente à classe

média em ascensão que detinha o privilégio de poder dedicar parte de seu tempo à fotografia

como hobby. Tratava-se de um ambiente predominantemente masculino, sendo a hierarquia

uma característica comum na estrutura deste modelo da associação. A competição era

estimulada entre os sócios através de concursos internos, duelos fotográficos, pontuações,

diferentes modalidades de premiação em diferentes categorias como sênior ou júnior (Costa,

2016, p. 8).

Nos primeiros salões de fotografia realizados no Brasil, organizados pelo Photo Club

Brasileiro, entre 1924 e 1939, o acesso era exclusivo aos associados (Mello, 1998, p. 70). Em

São Paulo, em 1926, a Sociedade Paulista de Fotografia foi criada e teve duração de apenas

três anos. É a partir do período que se inicia com o fim da Segunda Guerra Mundial que o

movimento fotoclubista ganha novo impulso com a fundação do Foto Clube Bandeirante, em

1939.

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FOTO CINE CLUBE BANDEIRANTE

Em meados dos anos 1930, o Brasil passa por um momento de profunda mudança,

quando tem início uma fase de crescimento econômico a partir da construção das bases de um

estado moderno pelo viés industrial e urbano. São Paulo assistia a chegada de imigrantes em

massa desde o final do século XIX e convivia com migrantes vindos em grande maioria do

nordeste do país em busca de trabalho e oportunidade de uma vida nova. O impulso da

modernização podia ser percebido em todas as áreas da vida cotidiana. O crescimento das

cidades e a introdução de novas tecnologias de informação, como a imprensa ilustrada,

contribuíram para inserir a presença da fotografia no dia a dia do paulistano, que se torna mais

intensa na década seguinte quando começam a surgir diversos fotoclubes em todo o Estado de

São Paulo e no Brasil.

É dentro desse contexto de efervescência cultural e alteração do panorama da vida

cotidiana que, em 29 de abril de 1939, o Foto Clube Bandeirante é fundado para vir a

constituir-se em um espaço de discussão e fomento à produção fotográfica. A defesa da

fotografia como objeto artístico é visível na documentação produzida no momento fundador

da associação e converge com os ideais do pictorialismo na fotografia. No início, o ambiente

no interior do fotoclube era bastante conservador e limitado a seus associados, no entanto,

estimulado pelo grande intercâmbio, entre outros fatores, acabou sendo responsável por uma

profunda renovação na prática fotográfica.

Pouco tempo após a sua fundação, o Bandeirante envia 46 trabalhos fotográficos de

seus associados para o 1º Salão Internacional Uruguaio, em Montevidéu, e dá início a uma

série de atividades, como excursões e concursos fotográficos bem de acordo, com a tradição

fotoclubística do século XIX, onde o elemento competitivo se apresentava como uma forma

de estímulo associado ao lazer.

O sucesso das primeiras atividades permitiu ao Bandeirante inaugurar o 1º

Salão Paulista de Arte Fotográfica em 1942. O Salão vinha sendo elaborado há pelo menos

dois anos, quando matérias publicadas no jornal “Correio Paulistano”, em 1940 (Fig.1), já

davam conta da divulgação do evento que foi realizado em parceria com a Prefeitura

Municipal de São Paulo.

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Fig. 1 – Matéria publicada no jornal “Correio Paulistano” em 22 de setembro de 1940.

A relação do fotoclube com o poder público foi favorecida pela posição social de seus

principais associados que faziam uso de seus contatos pessoais na busca por alguns

favorecimentos e privilégios. Dessa forma, além da cessão da Galeria Prestes Maia,

considerado um espaço muito prestigiado na cidade onde eram apresentadas importantes

exposições de arte, a Prefeitura se responsabilizou também pela impressão dos catálogos. Em

contrapartida, a presença do poder público era vista através de trabalhos fotográficos

pertencentes ao Setor de Iconografia da Divisão de Documentação Histórica e Social do

Departamento Municipal de Cultura e da Divisão de Turismo e Diversões Públicas do

Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda num total de 40 imagens.

Uma Comissão de Seleção e Julgamento foi constituída para selecionar 189 trabalhos

pertencentes a 69 autores nacionais que, na sua maioria, eram associados do Bandeirante.

Quatro representantes das associações Foto Clube de Concordia e Foto Clube de Rosario

tiveram 18 trabalhos expostos e os membros da Comissão do Salão, exibiram 30 trabalhos. A

grande maioria das obras privilegiou temas tradicionais da pintura acadêmica, como

paisagem, crianças, retratos e alegorias, numa clara demonstração de ausência de arrojo

estético com predominância de regras de enquadramento clássico e harmonia na composição.

Entre os participantes do 1º Salão destacam-se as presenças de Thomaz Farkas que

teve sete trabalhos expostos e duas menções honrosas recebidas pelas fotografias “A Partida”

e “Arquitetura”, José Yalenti, que expôs a fotografia “Brasil Novo” e Eduardo Salvatore,

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empossado presidente do clube no mesmo ano, apresentou seis trabalhos e recebeu menção

honrosa pela fotografia “Outono”.

No ano seguinte, o 2º Salão Paulista de Arte Fotográfica expôs 280 fotografias4, sendo

254 obras pertencentes a 76 autores nacionais e 26 produzidas por autores estrangeiros,

integrantes das agremiações de Rosário, Concórdia e do Foto Clube Uruguaio. O texto de

abertura do catálogo com o título “Mais um passo à frente” destaca o “crescimento do número

de participantes do evento em relação ao anterior como a qualidade bastante superior da arte

fotográfica, de cunho artístico elevado, com inúmeros trabalhos que figurariam, com

destaque, em qualquer salão internacional dos mais exigentes” 5. Mais adiante, o texto afirma

ser a fotografia uma arte, ainda que muitos relutem em admitir aquilo que já se consolidou em

outros países.

Para a pesquisadora Annateresa Fabris6, ao postular que a fotografia é arte, Salvatore

está refazendo o caminho trilhado nas primeiras décadas do século XX por outros fotógrafos

ao reivindicar a opção pela fotografia como “arte independente”. Este fato evidencia o debate

que estava ocorrendo no país diante das experiências provenientes do âmbito da comunicação

de massa. Enquanto discutiam o valor artístico da fotografia, publicações como a Revista São

Paulo e o Cruzeiro lançavam projeto editorial moderno onde a imagem passava a assumir

grande destaque.

Os salões realizados pelo Bandeirante passam a se tornar importante fator de

circulação da produção estrangeira ainda que restrita àquela produzida no circuito do

fotoclubismo. A importância das exposições para a difusão da fotografia e circulação das

imagens apontam referências e tendências que influem diretamente na produção dos

participantes. A semelhança formal entre algumas imagens produzidas por seus membros com

a fotografia de outros países deve ser entendida como um exercício de atualização e

aprendizado, estimulado pelo intenso intercâmbio promovido pelos Salões. Sendo assim,

podemos entender as exposições como espaço de formação e não apenas de exibição de uma

4 Levantamento feito pela autora a partir do catálogo do Salão Paulista de Arte Fotográfica.

5 Catálogo do 2º Salão Paulista de Arte Fotográfica (1943).

6 FABRIS, Annateresa. Uma sensação estranha, que faz pensar. In: SAMAIn, Etienne (org.). Como pensam as

imagens. Campinas: Editora Unicamp.

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produção. Essas exposições atraíram grande público e contavam com o apoio da imprensa

através da uma ampla divulgação em importantes jornais impressos.

A fotografia começa a chamar a atenção dos críticos de arte e a participação do

Bandeirante em eventos internacionais é ampliada. Novos fotoclubes são fundados em todo o

Brasil, muitos deles tendo como base os estatutos do Bandeirante que, desde a posse de

Salvatore, passaram ser disponibilizados para a fundação dessas entidades.

OS CATÁLOGOS

A linha condutora deste estudo está concentrada na análise dos catálogos publicados

pelo Bandeirante durante a realização dos salões de arte fotográfica. A leitura não teve a

preocupação em avaliar a estética das imagens expostas e privilegiou relacionar os fotógrafos

participantes dos salões e a relação das fotografias participantes e premiadas pelo júri. O

conteúdo foi possível de ser elaborado a partir da análise detalhada deste material que, além

de enumerar todas as imagens e fotógrafos participantes, fornece pistas que poderão ser

exploradas futuramente, proporciona um conhecimento panorâmico desta coleção e revela

autores que se tornariam referência na história da fotografia do Brasil.

A circulação das imagens por vários fotoclubes paulistas pode ser pesquisada a partir

do acervo de Eduardo Salvatore, onde é possível identificar o percurso das fotografias em

salões e exposições nacionais e internacionais (Fig.02). No verso das cópias é possível

identificar o caminho percorrido pela imagem, em quais salões ela foi exposta, por meio de

selos de formatos e tamanhos diversos que mostram a inscrição daquela imagem em outros

salões de fotografia, além de anotações redigidas pelo próprio autor. A riqueza de informação

contida no verso das cópias permite compreender a articulação entre os fotoclubes, porque

uma mesma cópia poderia ser enviada para diferentes salões, publicada em diversos

catálogos, receber uma premiação ou um selo por sua participação de forma que, quanto

maior o número de etiquetas coladas no verso, maior o prestígio daquela fotografia. É como

se cada fotografia, ao carregar consigo seu histórico de viagem e passagem pelos salões,

carregasse também seu atestado de valor e mérito pela qualidade apresentada pelo

estabelecimento onde foi produzida.

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Figura 1 – Título: Dentro da névoa

Autor: Eduardo Salvatore

Fonte: Coleção particular da família

Figura 02 - Verso da ampliação fotográfica contendo registros sobre sua

participação em salões e exposições

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Fonte: Coleção particular da família

EDUARDO SALVATORE

Eduardo Pedro Paulo Salvatore (1914-2006) foi eleito Presidente do Bandeirante na

eleição da Diretoria para o biênio 1943/44 realizada em 28/12/1942, cargo que ocupa até

1990. Sua atuação foi determinante para a transformação dessa entidade em um polo

irradiador da produção fotográfica nacional, além de influenciar a criação de clubes, salões e

concursos fotográficos. Advogado, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de

São Paulo, Salvatore além de presidir o Foto Cine Clube Bandeirante recebeu, em 1949, o

mérito fotográfico do Cercle Royal d’ Études Photographiques Scientifiques d’ Anvers

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(Bélgica). No ano seguinte, organizou e presidiu a Confederação Brasileira de Fotografia e

Cinema, com a participação dos fotoclubes do país e, em 1951, ganhou o prêmio Honorary

Excellence de Fédération de l’ Art Photographique, na Suíça. Era ainda membro frequente

dos júris de salões, promovia palestras, orientava seminários internos, participava de

excursões fotográficas, recepcionava amadores de outros estados e países, colaborava com as

revistas especializadas da época, de forma que sua trajetória pessoal se incorpora à história do

Bandeirante.

Uma das primeiras iniciativas foi alterar o sistema de concursos internos, passando a

realizá-los mensalmente, com tema pré-determinado, quando não houvesse excursão

fotográfica. Salvatore propõe também uma reforma no modelo do regulamento dos concursos

internos procurando reduzir o caráter competitivo da premiação, fato que acabava por gerar

críticas entre os sócios.

É nessa época que o Bandeirante passa a representar os clubes do Paraná e Recife,

sendo responsável pelo envio de seus trabalhos aos salões no exterior. Outra iniciativa de

Salvatore foi a de enviar o estatuto do Bandeirante para a criação de novos clubes no Brasil.

Dessa forma, o Clube tornava-se cada vez mais conhecido vindo a transformar-se uma

referência para os clubes do interior do estado de São Paulo nas décadas de 1940 e 1950,

quando diversas associações dessa natureza foram fundadas em terras paulistas. Pequenas e

médias cidades, como Santos, Campinas, Jaú, Franca, Limeira, Araraquara, Bauru, entre

outras, promoveram salões nacionais e internacionais de fotografia, concursos, premiações,

publicaram revistas, informes, boletins, catálogos de exposições, promoveram cursos,

seminários, excursões fotográficas, além de intercâmbios com outras associações nacionais e

do exterior.

Em 1946, com o lançamento do primeiro FCCB- Boletim, o Clube passou a se chamar

Foto Cine Clube Bandeirante, com a criação do Departamento de Cinematografia sob a

direção do holandês Jan Jurre Roos. Outro departamento – “Secção Feminina” – é lançado

neste mesmo momento e, revela não apenas a intenção do Bandeirante em conquistar novos

sócios, como também mostra a abertura do Clube a novos membros da sociedade cultural

existente naquele período, como as mulheres e os amantes ou amadores de cinema.

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Principal veículo impresso no circuito fotoclubístico, o FCCB- Boletim, uma

publicação mensal sobre fotografia, atendia os interesses de divulgar as atividades do Clube,

orientava os sócios sobre o uso de equipamentos fotográficos, técnicas de laboratório e

curiosidades sobre a aplicação da fotografia em outras atividades.

O Bandeirante sob a presidência de Salvatore promoveu intercâmbio entre os salões

nacionais e internacionais além de estimular a circulação de ideias sobre a fotografia artística.

Sob a sua liderança uma nova escola se formava em São Paulo, fazendo com que o

Bandeirante se distanciasse da fotografia pictórica praticada em geral pelos demais fotoclubes

e, aproximando-se da fotografia que, posteriormente, seria denominada por alguns críticos de

“Escola Paulista”.

Em 1948, o Bandeirante passa a fazer parte da associação americana Photographic

Society of America (P.S.A.) que concedeu ao Bandeirante a liderança do circuito de salões

sul-americanos e, no ano seguinte, o FCCB entrou para a Fédération Internacionale de L’Art

Photographique (F.I.A.P.), passando a atuar no circuito internacional da fotografia. Em 1950,

é realizada a 1ª Convenção Brasileira de Arte Fotográfica na sede do Bandeirante com a

presença de 17 entidades: além do próprio Bandeirante, marcaram presença Foto Clube

Brasileiro (RJ), F.C. do Espírito Santo, F.C. Pontagrossense (PR), Sociedade Cearense de

Fotografia e Cinema, F.C.C. São Carlense (SP), F.C.C. do recife, F.C. Alagoas, F.C. do

Paraná, F.C. do Mackensie (SP), F.C. de Santos (SP), F.C.C. de Campinas (SP), F.C de São

José dos Campos (SP), F.C.C de Poços de Caldas (MG), Sociedade Fluminense de Fotografia

(RJ), Centro Acadêmico Luiz de Queiroz, Depto. Fotográfico de Piracicaba (SP) e F.C. da

Bahia. No segundo dia de realização da convenção é anunciada a fundação da Federação

Brasileira de Fotografia, com sede em São Paulo, nas dependências do FCCB e comissão

presidida por Eduardo Salvatore. A atuação de Salvatore junto ao Bandeirante é incansável

até que em junho de 1990, recebe uma justa homenagem quando o salão de exposições da

sede social do Bandeirante é batizado de Sala Cultural Eduardo Salvatore. Salvatore demitiu-

se também da presidência da Confederação Brasileira de Fotografia e Cinema, onde

permaneceu por 43 anos e passa a ser apenas presidente do Conselho Deliberativo do

Bandeirante.

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Referências

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paulistana no século XX. São Paulo: SMC, 1992.

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http://www.iar.unicamp.br/dap/vanguarda/artigos_pdf/helouise_costa.pdf.

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Paulo: Cosac Naify, 2004.

DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas: Papirus, 1994.

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521.

VASQUEZ, Pedro. Fotografia: Reflexos e Reflexões. Porto Alegre: L&PM Editores, 1986.