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    "Os Magos"

    J. W. Rochester

    mdiumWera Krijanowskaia

    Copyright - 1997 - 2S Edio 3.000 Exemplares

    Livraria Espirita Boa Nova Ltda.

    Rua Aurora, 706So Paulo - SP - 01209-000 - Fone: 223-5788

    Lmen Editorial Ltda.Rua Conselheiro Ramalho, 946So Paulo - SP - 01325-000 - Fone: 283-2418

    Editorao Eletrnica - Ricardo BaddouhTraduo - Dimitry Suhogusoff

    Reviso - Maria CarolinaC. SilveiraCapa Brasilio, Figueiredo e Pedro

    Fotolito da Capa - Binhos Fotolito Ltda.Fotolitos - Fototrao Ltda.

    Impresso - Grfica Palas Athena

    Esta obra uma co-edio da Livraria Espirita Boa Nova Ltdae da Lmen Editorial Ltda.

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    SOBRE O AUTOR

    John Wilmot Rochester nasceu em 1o ou 10 de abril de 1647 (no h registro da data precisa).

    Filho de Henry Wilmot e Anne (viva de Sir Francis Henry Lee), Rochester parecia-se com seu pai,no fsico e no temperamento, dominador e orgulhoso. Henry Wilmot havia recebido o ttulo de Condedevido ao seu empenho em levantar dinheiro na Alemanha para ajudar o rei Carlos I a recuperar otrono, depois de ter sido obrigado a deixar a Inglaterra.

    Quando seu pai morreu, Rochester tinha 11 anos e herdou o ttulo de Conde, poucaherana e honrarias.

    O jovem J. W. Rochester cresceu em Ditchley entre a bebida, as intrigas do teatro, asamizades artificiais com os poetas profissionais, a luxria, os bordis de Whetstone Park e a amizadedo rei a quem ele desprezava.

    Sua cultura, para poca, foi ampla: dominava o latim e o grego, conhecia os clssicos, ofrancs e o italiano.

    Em 1661, com 14 anos, saiu do Wadham College, em Oxford, com o ttulo de "Master of

    Arts". Partiu, ento, para o Continente (Frana e Itlia) e tornou-se uma figura interessante: alto,esguio, atraente, inteligente, charmoso, brilhante, sutil, educado e modesto, caractersticos ideais paraconquistar a frvola sociedade de seu tempo.

    Quando ainda no contava com 20 anos, em janeiro de 1667, casa-se com Elizabeth Mallet.Dez meses aps, a bebida comea a afetar seu carter. Teve quatro filhos com Elizabeth e uma filha,em 1677, com a atriz Elizabeth Barry.

    Vivendo as mais diferentes experincias, desde combates marinha holandesa em alto marat envolvimento em crime de morte, a vida de Rochester seguiu por caminhos de desatinos, abusossexuais, alcolicos e charlatanismo, um perodo em que atuou como "mdico".

    Quando contava com 30 anos, Rochester escreve a um antigo com-panheiro de aventurasrelatando estar quase cego, coxo e com poucas chances de rever Londres.

    Em uma rpida e curta recuperao, Rochester retorna a Londres.Pouco tempo depois, agonizante, realiza sua ltima aventura: chama o sacerdote Gilbert Burnet

    e dita-lhe suas memrias. Em suas reflexes finais, Rochester reconhecia ter vivido uma existnciainqua, cujo fim lhe chegava lenta e penosamente em razo das doenas venreas que lhe dominavam.

    Conde de Rochester morreu em 26 de julho de 1680. Depois de 300 anos, atravs da mdiumWera Krijanowskaia, Rochester manifesta-se para ditar sua produo histrico-literria, testemunhandoque a vida se desdobra ao infinito nas suas marcas indelveis da memria espiritual, rumo luz e aocaminho de Deus.

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    Captulo I

    Existem lugares que transmitem a impresso de que a natureza os criou num momento de

    tristeza. Eles emanam algo melanclico e esta sensao vaga, mas indescritivelmente tirnica, transmite-

    se a todos aqueles que esto prximos.

    Um lugar semelhante encontra-se no norte da Esccia. As margens ali so de altas escarpas,entrecortadas por pro fundos fiordes. Feito um cinturo zangado e ameaador, cercam aquele local hostil

    para os marinheiros as ondas ruidosas que fervilham entre os recifes e as escarpas pontiagudas.

    No cume de uma das montanhas mais altas, ergue-se um antigo castelo, cujo aspecto lgubre e

    austero se harmoniza com a montona e desrtica paisagem em volta.

    A julgar pela pesada e compacta arquitetura, pela espessura das paredes enegrecidas, pelas

    estreitas e fundas janelas em forma de seteiras, ele bem que poderia ser atribudo ao sculo XIII; mas,

    devido a seu aspecto extremamente conservado, comeava-se a duvidar se aquilo no seria um caprichode algum ricao, manaco por obras da Idade Mdia.

    De fato, nas duas espessas torres redondas, nenhuma ameia faltava. Os muros da fortificao

    estavam totalmente intactos, enquanto que o largo fosso, do lado do planalto que cercava o antigo

    castelo, estava cheio de gua, protegido por pequenas torres e uma ponte levadia com grade de

    proteo. Mas essa sensao de modernidade s se sentia enquanto o castelo era visto de longe; ao se

    aproximar, o viajante convencia-se de que por debaixo de rochas macias, aqui e ali, irrompiam o

    lquen e o musgo, e de que somente os muitos sculos poderiam dar uma colorao negro-cinzenta

    quela antiga fortaleza rude e retirada, que parecia grudar-se montanha como um ninho de guia

    esculpido.

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    Do lado do continente, os arredores tambm apresentavam um aspecto tristonho e pouco

    agradvel. Aos ps do castelo estendia-se um vale, coberto de urze e recortado por profundos

    barrancos, e, s ao longe, numa elevao, divisavam-se o campanrio pontiagudo de uma igreja e as

    casinhas de uma aldeia, mergulhadas na vegetao. Do mesmo lado, de dentro das paredes do castelo,

    podia-se enxergar o verde dos seculares carvalhos e olmos.Mas, se o aspecto externo do castelo parecia transportar o viajante para alguns sculos antes, a

    ampla e magnfica estrada, que recortava o altiplano, acabava por demolir a iluso e fazia voltar

    realidade da cultura do sculo XIX.

    Num dia encoberto de agosto, por essa estrada bem mantida e arborizada vinham duas

    carruagens. Na primeira, de tamanho menor e aberta, estavam sentados um jovem e uma jovem que

    trajava um vestido azul-escuro e um chapu da mesma cor. Essa tonalidade escura acentuava ainda

    mais a brancura ofuscante de sua tez e a excepcional cor plida de seus cabelos loiros, que poderiamser tomados por brancos, no fosse um leve matiz dourado que lhe conferia um toque especial. A

    segunda carruagem era uma espcie de um grande e amplo furgo, provido na dianteira de um assento

    baixo, no qual estavam acomodados um homem de meia-idade e uma camareira idosa, de pouca

    conversa.

    Os nossos leitores provavelmente reconheceram nos dois primeiros viajantes Ralf Morgan ou,

    por outra, o prncipe Supramati e a sua esposa Nara, que iam ao seu castelo.

    Eles levavam consigo uma arrumadeira idosa, cegamente fiel a Nara - Tourtoze, de cuja

    dedicao, discrio e humildade todos podiam ficar certos. Os jovens estavam calados,

    contemplando ora aquela paisagem tristonha, que se abria diante de seus olhos, ora a silhueta escura

    do castelo, que se desenhava em massa negra no fundo cinzento do firmamento. O tempo piorou. Do

    oceano assobiavam rajadas de vento; o horizonte cobriu-se de nuvens negras e o rugir da tempestade

    tornava-se cada vez mais audvel.

    Pelo jeito o velho castelo quer nos recepcionar com um furaco no muito amigvel -

    observou sorrindo Supramati.

    Oh! J estaremos em casa quando a tempestade desabar. Desta altitude, a viso do mar

    bravio terrifcante, ainda que um espetculo grandioso - observou Nara.

    Narayana, pelo visto, apreciava este local. Em sua pasta eu encontrei uma foto do

    castelo prosseguiu Supramati. - Entretanto, para o incorrigvel pndego, que s se sentia bem em

    meio da algazarra e agitao da sociedade, este local desrtico e retirado, respirando tristeza, no pos-

    sui nenhum atrativo.

    Voc se esquece de que Narayana era um imortal! Era justamente uma vida desregrada que

    o deixava abatido espiritualmente e, nessas horas, nada se harmonizava melhor com as suas

    tempestades morais do que o caos dos elementos desenfreados. Ele realmente apreciava este abrigo

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    em momentos difceis. Os adereos internos do castelo e a sua conservao so uma obra de

    Narayana. Foi por isso que eu lhe sugeri vir para c e estudar a magia inferior. Nenhum local

    melhor adaptado do que este, pois ele era um mestre em assuntos de decorao e instalaes, quer se

    trate de um buqu de flores ou de um laboratrio - concluiu Nara

    Entrementes, a carruagem, atrelada a cavalos de purosangue, percorreu rapidamente a distnciaque os separava do castelo, atravessou a ponte levadia, passou por baixo dos portes abobadados e

    parou junto entrada, coberta por lajes de pedra.

    Na ampla e escura ante-sala, que, pelo visto, outrora servia de sala de armas, eles foram

    recepcionados por administradores: um velho calvo de barba prateada, uma governanta idosa e

    alguns criados de rostos enrugados e carrancudos.

    Somos recebidos por um verdadeiro acervo de antigidades. Estou comeando a achar

    que Narayana reuniu aqui essas pessoas por coquetice - observou Supramati, subindo a escada e amuito custo contendo a vontade de dar uma gargalhada.

    Narayana no gostava de pessoas indiscretas. Ao encontrar pessoas leais, que viam e

    ouviam somente o que podiam ver e ouvir, para esquecer tudo em seguida, ele tentava prolongar ao

    mximo a vida delas. A maioria dos criados j alcanou uma centena de anos - assegurou Nara com

    um leve sorriso nos lbios.

    No obstante a idade avanada, os criados do castelo deixaram tudo maravilhosamente

    preparado para a recepo do senhorio. Em todas as imensas lareiras, decoradas por braso, ardiam

    chamas vivas, pois sob as grossas abbadas do castelo o ar era mido e frio. Na sala de jantar, a

    mesa estava posta com todo o requinte. Quanto ao almoo, este foi um ponto de honra do cozinheiro,

    sendo magnfico tanto em seu cardpio como na maneira de servir.

    Supramati expressou o seu contentamento ao administrador e aps o almoo inspecionou os

    cmodos.

    Toda a moblia era antiga e destacava-se por seu 1uxo sbrio e simples. As paredes eram

    revestidas de entalhes talhados que ficavam nos quartos do prncipe eram, provavelmente, do fim do

    sculo XIV, enquanto os dos aposentos de Nara pareciam contemporneos rainha Elisabeth. A

    nica coisa que destoava do estilo geral daquela moradia da Idade Mdia eram os tapetes orientais

    que cobriam o cho.

    A porta do gabinete de Supramati levava a uma pequena varanda cercada por balaustrada de

    pedra, que, feito um ninho de andorinha, ficava suspensa sob o abismo.

    Trmulo de fascinao e medo, ele debruou-se sobre a balaustrada.

    Abaixo dele e ao redor, desencadeava-se, ao longe, uma tempestade. Raios cintilantes

    riscavam o cu negro e iluminavam com a luz plida as ondas enfurecidas que, espumando e inflando

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    feito montanhas, parecia irem em ataque s escarpas, quebrando-se ruidosamente sobre os penhascos da

    margem.

    O vento rugia e assobiava, os troves rolavam, enquanto Supramati, em p no balco, parecia

    pairar sobre todo aquele caos.

    Estava ele totalmente absorto por aquele grandioso e terrifcante espetculo, quando umapequena mo se encaixou na sua e a cabecinha loira recostou-se no seu ombro.

    Supramati abraou, calado, a esposa e eles ficaram contemplando o lgubre abismo que se

    estendia a seus ps.

    Subitamente, no se sabe de onde, apareceu um largo feixe luminoso que rasgou a escurido,

    jogando uma luz suave e brilhante sobre as ondas revoltas, reverberando em prata as cristas que

    coroavam a espuma branca.

    Ao notar a surpresa do esposo, Nara explicou: No muito longe daqui h um farol. Nenhum infeliz marinheiro que esteja navegando

    hoje ficar to reconhecido ao encontrar essa luz benfazeja, que lhe servir de orientao em seu

    caminho perigoso. Esse farol faz-me lembrar a marca de sua vida, Supramati! A semelhana do mari-

    nheiro que enfrenta o mar revolto, voc se lanou ao oceano incgnito de misteriosos e terrveis

    conhecimentos. Em meio escurido que o cerca e dos elementos da natureza que o aguardam para a

    luta, seu nico albergue ser a sua fora de vontade e a esperana da iluminao ser o farol em que

    voc conseguir concentrar todos os seus esforos; assim, a luz ofuscante da magia superior, feito uma

    estrela brilhante, ser seu guia e iluminar-lhe- o caminho.

    voc que ser o meu guia, minha estrela brilhante no caminho espinhoso do meu estranho

    destino murmurou ele, apertando a esposa ao peito. - Voc me dar o seu amor que me apoiar,

    iluminar as minhas dvidas e me acalmar a angstia da expectativa de difceis provaes vindouras.

    Sim, Supramati! Eu lhe darei o meu amor, mas no terreno, no carnal, mas um amor

    puro, inexaurvel e enobrecedor, que une as nossas almas por sculos e que as arrasta pelo infinito

    caminho de aperfeioamento e conhecimentos.

    Sem dizer uma palavra, ele deu um beijo ardente na mo de Nara, mas uma forte emoo

    selava os lbios de ambos e eles admiravam em silncio o grandioso espetculo. Quando uma chuva

    torrencial teve incio, Supramati sugeriu esposa voltar aos quartos.

    O gabinete estava iluminado com um abajur azul. Na lareira crepitava alegremente o fogo,

    difundindo o calor. O conforto luxuoso do recinto era um contraste agradvel com a tempestade que

    esbravejava l fora.

    O elevado estado de nimo de Nara, que ria e brincava ao servir o ch, aumentava ainda

    mais essa sensao deleitvel. O restante da noite passou muito alegre. No entanto, como os

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    cnjuges se sentiam um pouco cansados devido viagem ou talvez quisessem ficar sozinhos para se

    entregarem aos seus pensamentos, eles se retiraram cedo para os seus aposentos.

    Supramati deitou-se na cama, mas o sono fugia-lhe. As incertezas da iniciao para a qual

    ele estava se preparando oprimiam-no; e aquilo que ele havia visto at ento do mundo do alm,

    mais o repelia do que atraa. Alm do mais, o temporal que continuava desenfreado dava nos nervos.Na profunda paz da noite, ouvia-se, com nitidez mrbida, o assobiar e o gemer do vento na lareira, o

    rugir do oceano; as ondas furiosas que batiam na margem parecia sacudirem o penhasco e faziam

    tremer o velho castelo nele localizado.

    Para mudar o rumo dos pensamentos, Supramati comeou a examinar os objetos em volta.

    Nos tapetes que cobriam as paredes estava representado um combate: o vencedor, de joelhos aos ps

    de uma dama, era agraciado por ela com uma corrente de ouro. O desenho deixava muito a desejar: o

    rosto plido da senhora do castelo e do cavaleiro eram terrivelmente feios. Supramati desviou o olharpara um retrato pendurado bem em frente dele, iluminado por uma lmpada que pendia do teto. O

    retrato foi pintado sobre madeira e representava uma mulher vestida de preto, com vu na cabea. O

    trabalho do retrato era imperfeito, no entanto percebia-se que era obra de um verdadeiro artista, pois,

    no rosto achatado e branco, saltavam dois olhos azuis, aos quais o pintor conseguiu imprimir uma

    expresso desesperadora de amargura, que despertava piedade por aquela mulher, agora cinzas de

    muitos sculos atrs.

    Sim, tudo aqui falava do passado fenecido e da fragilidade da vida humana. As alegrias e as

    tristezas de tantas geraes extintas foram tragadas pelo misterioso mundo invisvel. Subitamente,

    uma angstia e medo diante da vida infinita, que se estendia sua frente, apertaram dolorosamente o

    corao de Supramati. Esquecido de tudo, ele comeou a pensar sobre os acontecimentos inusitados

    que deram um rumo to estranho sua vida.

    Feito um caleidoscpio, projetavam-se diante dele os anos de sua vida pobre e laboriosa na

    qualidade de mdico, suas pesquisas cientficas e o medo involuntrio da morte, que ele sentia devido

    tuberculose a minar-lhe a sade. Logo depois, feito um verdadeiro gnio das "Mil e uma noites",

    surgiu Narayana e transformou o pobre e moribundo Ralf Morgan no prncipe Supramati - um

    milionrio imortal.

    Ele refez mentalmente uma nova viagem s geleiras junto com o seu misterioso

    acompanhante, ouvindo a sua narrativa sobre as maravilhosas propriedades do elixir da longa vida.

    Relembrou o seu primeiro encontro com Nara, seus encontros com os outros imortais e o ingresso na

    irmandade dos cavaleiros da "Tvola Redonda da Eternidade", no ferico palcio de Graal. Por fim,

    ele se recordou de sua viagem ndia e de quando conheceu o mago Ebramar, que se tornou o seu

    protetor por muitos sculos. Ao se recordar do ltimo, a inquietante angstia que lhe oprimia a alma

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    dissipou-se imediatamente. Poderia ele desanimar quando tinha um protetor to poderoso, uma

    esposa fiel que o amava e um amigo como Dakhir - seu irmo pela imortalidade?

    Por que no passar por aquilo que os outros passaram? Sem dvida, a carne impotente e

    treme s de tocar em foras ocultistas. Mas no estava ele dotado de vontade para derrotar aquela

    fraqueza? No mesmo instante, ele foi dominado por um forte desejo de aconselhar-se com Ebramar,confessar-lhe os seus receios e pedir-lhe apoio e conselho.

    Supramati levantou-se rapidamente e decidiu experimentar o presente que lhe dera o mago

    no dia em que ele deixava o castelo no Himalaia. Ebramar havia-lhe dito que com o auxlio daquele

    objeto ele poderia cham-lo, se sentisse uma necessidade imperiosa.

    No sof, encontrava-se uma pequena mala com diversos objetos ocultistas que sempre gostava

    de ter mo e que ele prprio arrumava e no deixava que outros tocassem.

    Ao abrir a mala, retirou uma caixa redonda, de tamanho de um prato e com cerca de dezcentmetros de altura. A caixa era executada em uma espcie de metal branco, parecido com prata,

    mas com matizes multicolores que lembravam madreprola. Na tampa estavam gravados uns smbo-

    los fosforescentes estranhos.

    J no era a primeira vez que Supramati examinava curioso aquela caixa. Agora, tambm,

    revirando-a com as mos, levou-a at o ouvido, pois pareceu-lhe que em seu interior alguma coisa

    crepitava.

    E de fato, da caixa vinham sons e barulho de ar comprimido, tal qual pode-se ouvir

    encostando-se uma concha no ouvido.

    Balanando a cabea, ele sentou-se, colocou a caixa sobre a mesa e apertou um sinal

    movedio no centro da tampa, como lhe fora ensinado por Ebramar. Ouviu-se um ranger seco e a

    tampa se abriu. Do interior da caixa desprendeu-se um aroma sufocante e o bafejar de ar quente,

    que lembrava a Supramati aquele ar que ele tinha respirado noite durante a sua permanncia no

    castelo do Himalaia.

    Inclinando-se curioso para saber o que havia dentro da caixa, ele no viu nada alm de uma

    nvoa cinzenta que pairava no fundo, sendo que este era to escuro, que parecia no ter fim - o que era

    totalmente incrvel para um objeto com dez centmetros de profundidade.

    Sem conseguir entender mais nada, ele se limitou a executar fielmente as instrues de seu

    mestre e comeou a olhar para dentro da caixa.

    Poucos instantes depois, no fundo surgiu um ponto vermelho. O ponto rodopiava,

    aproximava-se e aumentava rapidamente.

    De chofre, um grito de assombro soltou-se dos lbios de Supramati. Diante dele, em forma de

    uma nvoa ntida surgiu a formosa cabea de Ebramar, envolta num suave vapor prateado.

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    Os grandes olhos gneos do mago fitavam-no com um profundo e lmpido olhar; os lbios

    sorridentes abriram-se em sorriso e a voz bem familiar pronunciou surdamente:

    Sado-o, meu filho! No se assuste: o que voc v no milagre e tampouco uma bruxaria,

    mas uma simples adjuno das leis da natureza. Seus pensamentos inquietos e confusos chegaram at

    mim e eu venho sua presena para dizer-lhe que no desanime antes de iniciar a tarefa, e que notema foras desconhecidas, pois o estamos protegendo. Sem dvida, o caminho iniciao duro e

    espinhoso, mas grande tambm a recompensa para aquele que permanecer firme. Voc nem imagina

    a felicidade que ir sentir ao descobrir a sua fora astral aumentada, submetida sua vontade

    disciplinada; quando voc entender que j no mais um escravo cego das estranhas e desordenadas

    foras, mas -cnscio de suas foras - um governante dos elementos da natureza, submissos sua

    poderosa fora de vontade.

    Supramati ouvia sem entender de que maneira Ebramar, separado dele por um oceano emilhares de quilmetros, podia falar-lhe e comparecer sua presena em forma tangvel. Um tremor

    de pavor sobrenatural percorreu seu corpo.

    No mesmo instante, ouviu-se uma leve risada.

    O que voc v agora, meu filho, lhe parecer coisa normal, quando voc descobrir o

    mecanismo que desencadeia este fenmeno. Seja paciente, firme e obstinado! Chegar a hora em

    que a escurido se dissipar diante de seu olhar deslumbrado e esclarecido e se descobriro os mi-

    lagres do infinito.

    Ao fazer um ltimo gesto amigvel, a viso comeou a empalidecer. A cabea perdeu a

    definio de seus contornos, diluiu-se numa nvoa esbranquiada e transformou-se novamente num

    ponto vermelho que desapareceu ao longe.

    Respirando pesadamente, Supramati embrulhou a caixa num pano e guardou-a na mala. Deitado

    na cama, demorou a pegar no sono. O que vira e ouvira impressionou-o profundamente, mas ao mesmo

    tempo aumentou-lhe a vontade de descortinar aquele mundo misterioso onde se manifestavam aqueles

    fenmenos espantosos.

    Sua inquietao e medo desapareceram. S de pensar que ele, a qualquer momento, poderia se

    aconselhar com o poderoso protetor que, apesar da distncia que os separava, estava por perto - sentiu

    um efeito benfico e tranqilizador. Por fim, um sono profundo e restaurador cerrou as suas plpebras.

    Acordou recuperado e bem disposto, num dos melhores estados de nimo. O tempo tambm

    havia melhorado e os fulgurantes raios solares inundavam o mar. At o local desrtico, sob a ao

    dos raios vivificantes, tomou um aspecto alegre.

    Nara tambm estava contente e animada.

    Quando, aps o desjejum, Supramati expressou a sua vontade de dar uma volta para conhecer

    o castelo, a esposa observou sorrindo:

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    Voc ter tempo suficiente para isso. Aqui no h nada de especial para se ver, e a parte

    do castelo, destinada s aulas de ocultismo, eu sugiro que voc veja em companhia de Dakhir.

    Aproveitemos esta maravilhosa manh para dar um passeio e conhecer os arredores. Depois do

    almoo, eu mesma o levarei sala que batizei de templo da iniciao. Diga-me, meu senhor

    soberano, voc aprova a idia? Com todo o prazer, minha bela feiticeira! A voc, eu sempre obedeo! Alm do mais,

    confesso que um passeio ao ar puro bem mais interessante e agradvel do que ficar olhando para

    essas vetustas abbadas - asseverou jovialmente Supramati.

    Eles deram um longo passeio a cavalo e depois desceram at o mar por uma tortuosa vereda

    de pedra que Nara conhecia. Para qualquer um, que no fosse um imortal, o caminho representaria

    um srio perigo de vida.

    Aps o almoo, Nara puxou o marido pelo brao. Vamos ao seu futuro purgatrio - acrescentou ela em tom malicioso.

    Junto a seu quarto havia um gabinete no muito grande, cuja entrada fora artificialmente

    escondida no revestimento de madeira da parede. De l, por uma escada em caracol, eles subiram para

    o andar superior e foram dar num gabinete totalmente idntico ao do andar de baixo, escuro e sem

    janelas como o primeiro.

    A luz do archote carregado por Nara, Supramati divisou no fundo do recinto uma grande

    porta de ferro, cheia de sinais cabalsticos em vermelho e preto. No centro de duas almofadas da

    porta havia um medalho em forma de estrela pentagonal, onde eram representados desenhos

    simblicos.

    Num dos medalhes, reproduzia-se uma serpente vermelha na ponta da cauda, carregando um

    archote; no outro - uma pomba, segurando no bico uma aliana de ouro.

    Tanto acima daquela porta, como por sobre a entrada do templo egpcio, havia um disco solar

    alado fundido em molde, e acima deste - os emblemas dos quatro elementos da natureza, entre os

    quais uma fita negra cingia a seguinte inscrio, feita em letras gneas:

    "Quem passar por todas as esferas do conhecimento -adquire a coroa de mago; mas para

    aquele que levantar a cortina dos mistrios -jamais haver um retorno"!

    Nara deu tempo para que o marido examinasse a porta e explicou:

    Os smbolos que voc v so chaves para muitos fenmenos curiosos. Mas vamos

    entrando!

    Ela apertou uma mola; a porta, imediatamente, abriu-se silenciosa e eles entraram num quarto

    totalmente redondo e sem janelas. De um globo de vidro, pendente do teto, jorrava uma suave luz

    azulada, iluminando de leve o recinto; no obstante, Supramati podia enxergar com nitidez qualquer

    objeto. A sala era um templo e um laboratrio ao mesmo tempo: numa das laterais, sobre uma

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    elevao de alguns degraus, ficava o ara, rodeado de cortinas em veludo negro; na outra lateral estava

    instalada uma fornalha, equipada com imensos foles, retortas, vidrarias e demais objetos alqumicos.

    Nas estantes, viam-se livros com encadernao em couro, rolos de pergaminhos, escrnios; o

    armrio de vidro estava repleto de frascos, vasos e sacos de diversos tamanhos. Sobre o ara

    repousava uma espada ao lado de uma cruz em p, feita de um metal desconhecido. Prximo ao arapendia um sino.

    Junto parede, em cima de um alto pedestal, havia um espelho de superfcie brilhante e

    colorida, j visto por Supramati no castelo em Reno. Ali mesmo, no centro da sala, localizava-se

    um disco de metal polido e um martelo. O disco, porm, no era to pequeno como aquele, com o

    qual certa vez ele provocou, inadvertidamente, o aparecimento de uma estranha viso do exrcito

    dos cruzados.

    Entre todas aquelas coisas, viam-se pequenas mesas com castiais dourados ou prateadoscom velas de cera -dessas que so usadas em igrejas. Em duas mesas grandes agrupavam-se in-flios

    fechados. Em cima de cada uma delas havia um vaso de gua, to pura e fresca, que parecia ter sido

    recm-colhida da nascente. Baixas poltronas estofadas completavam a moblia do quarto.

    Um aroma estranho, acre e ao mesmo tempo excitante, enchia a sala.

    Aps ter examinado tudo, Nara disse:

    Vamos chamar agora por Dakhir!

    Ela levou o marido at o estranho espelho e acionou uma mola. O espelho comeou a sacudir,

    desceu do pedestal e parou diante deles.

    S agora Supramati se deu conta do tamanho do espelho que alcanava a sua altura.

    Nesse nterim, Nara arrumou um chumao de uma espcie de algodo e comeou a esfregar

    intensivamente com ele a superfcie polida do espelho; este de imediato escureceu, perdeu o seu

    aspecto colorido e tornou-se negro feito nanquim, cobrindo-se de gotculas prateadas que parecia

    infiltrarem-se de dentro para fora.

    Ao surgir uma nvoa brilhante, Nara entoou um canto numa lngua estranha ao marido.

    Ao terminar o canto, ela disse:

    Olhe agora com ateno!

    Com curiosidade compreensvel, observava Supramati aquele estranho processo a se desenrolar

    diante de seus olhos.

    A face do espelho parecia ter adquirido movimento; tremia e crepitava; sacudiu-se num

    denso vapor e tornou-se violeta, descortinando ao dissipar-se uma vista para o mar.

    Diante deles agora, perdendo-se ao longe, abria-se uma plancie marinha, agitada por suave

    brisa; o ar picante do mar bateu-lhe no rosto. De longe, deslizando pelas ondas, vinha se

    aproximando um navio que Supramati logo reconheceu ser de Dakhir. Minutos depois, o convs se

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    desenhou nitidamente e logo se emparelhou com o estranho espelho. No convs, recostado no mastro,

    estava Dakhir e em seu rosto plido brincava um sorriso. Entregando o seu chapu de feltro, ele fez

    uma mesura.

    Apresse-se, Dakhir! Estamos esperando por voc. Supramati est impaciente! - gritou

    Nara, agitando a mo. Amanh noite estarei jantando com vocs soou a voz sonora e bem familiar.

    Nesse instante, a nvoa violeta encobriu a estranha janela, surgindo o disco metlico a

    absorver rapidamente os rolos nevoentos que ainda afluam da superfcie. Tudo voltou ao seu estado

    anterior.

    Supramati deixou-se cair na poltrona, enxugando o suor que lhe cobriu a testa.

    D para ficar louco com as incrveis coisas que eu presenciei, que fariam ruir todos os

    preceitos da natureza - balbuciou ele, jogando a cabea contra o espaldar da poltrona.Nara desatou a rir.

    Quando voc, Supramati, recai na vaidade empolada de um cientista abalizado, comea a

    falar coisas engraadas. Ser que possvel fazer ruir as leis da natureza? No seria mais simples e

    lgico admitir que ainda existem para vocs leis desconhecidas, cuja manipulao por aqueles que

    conseguem govern-las, realizando fenmenos, parece-lhe surpreendente s porque voc no

    conhece a sua essncia? Logo esses "mistrios" ficaro claros e voc ser o primeiro a zombar de seu

    nervosismo de hoje.

    Supramati aguardava com visvel impacincia a chegada da noite seguinte. Apesar das

    evidncias, seu ceticismo nato fazia-o duvidar de seus prprios olhos. Parecia-lhe impossvel que

    Dakhir viesse at eles conforme o prometido. A viso do dia anterior no era nada mais do que uma

    alucinao, provocada por seus nervos abalados.

    Por ordem de Nara, o jantar foi posto para trs pessoas e, s dez horas aproximadamente, um

    dos velhos criados fez entrar a visita aguardada.

    Desta vez Dakhir vestia um elegante e impecvel traje moderno. Aps cumprimentar os

    anfitries, todos se sentaram mesa.

    Terminado o jantar, quando eles ficaram a ss, Dakhir apertou fortemente a mo de Supramati

    e disse:

    Agradeo-lhe, amigo, por voc ter-me escolhido como o seu orientador! Estou cansado

    de vagar pelos mares e ficarei feliz em descansar aqui em companhia de vocs.

    S o fiz movido por simpatia e voc no me deve nenhum agradecimento - redargiu

    Supramati jovialmente. - Quando voc acha que ns devemos iniciar os nossos estudos?

    Amanh noite, se voc no tiver nada contra.

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    Excelente! No prescrever voc nenhum tipo de preparao para as nossas aulas dos

    rituais?

    As preparaes tero incio amanh e at l ns estamos livres!

    Em seguida a conversa mudou de assunto.

    O dia seguinte passou muito rpido. Eles conversaram, passearam e almoaram com muitoapetite. Sobre a iniciao nada foi dito. Somente quando chegou a noite, Dakhir anunciou:

    Est na hora de a gente se retirar, Supramati! Despea-se de sua bela esposa por uma

    semana. o tempo necessrio para a preparao do primeiro ato de sua iniciao.

    Os jovens se retiraram ao laboratrio j descrito anteriormente. Para surpresa de Supramati,

    Dakhir abriu uma porta de cuja existncia ele nem suspeitava e que dava para um quarto contguo.

    L havia duas camas e uma espcie de grande banheira de vidro, cheia de lquido azulado transpa-

    rente. Aqui - disse Dakhir -, ns devemos passar uma semana em jejum, oraes e purificao.

    Comearemos j!

    Ele acendeu doze castiais com velas da espessura de um punho e o carvo das trempes,

    jogando nelas um punhado de p, que se inflamou em chamas multicolores e encheu o quarto de

    aroma asfixiante.

    Agora se dispa e entre naquela banheira! - ordenou Dakhir.

    Supramati obedeceu. Mas para sua grande surpresa, aquilo que ele julgava ser gua severificou uma substncia estranha, praticamente intangvel. Ainda que ele sentisse o contato de coisa

    mida, a umidade parecia vir do bafejar do ar e no do lquido. Pelo seu corpo percorreram pontadas

    clidas e Supramati convenceu-se admirado que a banheira, cheia at as bordas, esvaziara-se de uma

    forma incompreensvel.

    Ele no poderia dizer se aquela substncia estranha teria escoado por algum tubo invisvel ou

    se fora absorvida pelo organismo. Ele somente se sentia mais calmo e mais forte, tanto que saiu da

    banheira bem mais aliviado e comeou a se vestir.

    Depois disso, o tempo passava rapidamente.

    Todos os dias, Supramati tomava um banho dentro da substncia misteriosa e se submetia

    defumao. Duas ve zes por dia, Dakhir dava-lhe um alimento que consistia de po branco e uma

    taa de vinho tinto que ele ia buscar no ara do laboratrio. O tempo restante, Supramati dedicava lei-

    tura de oraes, marcadas num caderno fornecido por seu mestre, decorao de diversas frmulas

    mgicas e aos exerccios que se destinavam a disciplinar a fora de vontade e adquirir o hbito de se

    concentrar num objeto.

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    Absorto em seus exerccios, Supramati no percebia o correr do tempo. Ele se sentia vigoroso,

    sua mente estava clara como nunca. No tinha sensao de fome nem de cansao e ficou

    extremamente surpreso, quando Dakhir lhe disse certo dia:

    Sete dias j se passaram. Tome o ltimo banho e vista a roupa que est naquela gaveta.

    Supramati apressou-se em cumprir a ordem. Saindo da banheira, tirou da gaveta uma larga elonga tnica de cor leitosa que o cobriu em pregas macias at os calcanhares. Curioso, ele apalpou o

    tecido: no era seda, nem l ou linho. Era muito fino e ao mesmo tempo denso e fofo feito penugem;

    cintilava como se salpicado por gotculas de orvalho e emitia um leve crepitar ao ser amassado.

    Que tecido este? Eu nunca vi um igual - indagou Supramati.

    feito a partir de fibras de uma planta mgica - respondeu Dakhir, vestindo uma tnica

    idntica.

    Em seguida, ele tirou de uma outra gaveta dois cintos metlicos com sinais cabalsticos emrelevo e uma corrente com estrela violeta. Aps colocar ambos os objetos, Dakhir acrescentou:

    Coma esse pedao de po e tome uma taa de vinho! Depois, pegue a vela de cera e... ao

    caminho!

    Supramati obedeceu em silncio. Seu corao palpitava fortemente, pois, pelo visto, chegava a

    hora de entrar pela primeira vez em contato com o terrvel mundo invisvel.

    Armando-se da espada que estava sobre o ara, e segurando na outra mo uma vela, Dakhir

    prosseguiu:

    Agora v at a cortina no fundo do quarto! Eu o seguirei.

    Dominando valorosamente a inquietao que tomou conta dele, Supramati dirigiu-se para a

    cortina indicada, que antes passara despercebida.

    Assim que ele se aproximou, a pesada cortina abriu-se como se levantada por mos invisveis,

    deixando antever uma passagem estreita em forma de ponte, atravs de um abismo negro que se

    estendia pelos lados. Sem olhar ao redor, Supramati atravessou o abismo.

    Ergueu-se uma segunda cortina e ele entrou numa ampla sala, redonda como o laboratrio,

    mas praticamente vazia. No centro, sobre o piso de pedra estava desenhado um crculo vermelho,

    em volta do qual havia quatro trempes com carves que queimavam em chamas multicolores: brancas,

    azuis, verdes e vermelhas. Por causa do cheiro asfixiante que envolvia o recinto, a cabea de Supramati

    ficou tonta. Mas ele esqueceu de tudo ao ver Nara, que lhe sorria jovialmente.

    Descala como eles, vestida na mesma espcie de tnica, a jovem estava parada no fundo da

    sala junto a uma corda do sino que pendia do teto. Seus cabelos soltos, que caam at os calcanhares,

    envolviam-na feito uma capa brilhante. Ela estava bela como nunca, suas feies encantadoras

    respiravam importncia solene e vontade inabalvel.

    Venha e fique no centro do crculo - ordenou ela.

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    Supramati obedeceu, utilizando todos os esforos para dominar o tremor que o sacudia.

    Ento Dakhir, erguendo a espada e acenando com ela para o norte, sul, leste e oeste, entoou

    um estranho canto, enquanto Nara comeou a bater pausadamente no sino.

    Os longos e plangentes sons encheram a atmosfera, acompanhando a voz de Dakhir. A

    sensao era que se batia num instrumento de vidro.Subitamente o canto e o som do sino interromperam-se. Aps um minuto de tumular silncio,

    Dakhir trovejou:

    Espritos da natureza! Venham das profundezas da terra, da gua, das alturas do ter e

    do fogo que a tudo atravessa! Servos do espao, que movem as foras dos elementos, apaream a

    ns!

    Com o chamado, a sala encheu-se de barulho. O vento assobiava, a terra tremia e no ar

    ouviam-se estalidos. Parecia que uma multido invisvel se movia empurrando uns aos outros aoredor dos presentes. A seguir, as densas nuvens encheram a sala numa nvoa que, ao se dissipar,

    logo tornou visvel o estranho exrcito que se apinhava junto ao crculo, fitando em Supramati os

    olhares flamejantes.

    Eram seres cinzentos de contornos indefinidos, envoltos em vus esvoaantes. Aparentemente,

    eles tentavam traspassar a linha do crculo, mas o ar, de imediato, era recortado por raios e sobre

    Supramati surgia uma alva cruz cintilante.

    As massas areas recuaram e se dividiram em quatro grupos em volta de cada trempe. Agoraos seus contornos j eram mais ntidos e podiam ser distinguidas as estranhas e horripilantes formas

    daqueles seres espectrais.

    Eles eram vermelhos feito fogo e parecia serem fundidos de ferro em brasa; outros eram

    esverdeados como se feitos de espuma palustre estagnada. A nica coisa que tinham de humanos -

    eram os olhos fosforescentes. O terceiro grupo se destacava por suas formas estranhas e estava

    equipado de asas azuladas. Eles voejavam sem parar em torno da trempe de chama azul. Por fim,

    entre os rolos de fumaa negra, moviam-se os asquerosos e minsculos seres com rostos sinistros

    cinza-terrosos.

    Tremendo e suando em bicas, olhava Supramati para aquela horripilante turba, quase

    deixando que a vela lhe escapasse da mo. Como num sonho, ouvia ele o canto que se entoou no

    espao, ora harmnico ora surdo, ora rspido ora desafinado. Era uma mistura de queixumes,

    choros, gritos de alegria e mpetos luz.

    Ento, pela segunda vez, soou a voz estentrea de Dakhir.

    Espritos da natureza! Vocs procuram por um senhor, por um campo de trabalho! Ali est o

    seu novo senhor! Eu os uno a ele e vocs juram obedecer-lhe e ajud-lo.

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    Um trovejar ensurdecedor do trovo sacudiu o castelo at as suas fundaes. Raios brilhantes

    cintilaram por todos os lados, envolvendo por uns instantes Supramati, como se por uma retcula

    gnea. A terra parecia ter se desfeito, formando a seus ps um negro abismo insondvel. No mesmo

    instante, do outro lado do abismo, desenhou-se um arco de pedra - uma monumental passagem para o

    ignoto mundo de alm-tmulo, envolto em trevas.Nara e Dakhir agilmente se postaram junto do nefito, agarraram-no pelos braos e o

    empurraram para frente.

    Atravesse sem recuar os quatro portes do invisvel ou ser o seu fim! - gritaram eles

    energicamente.

    Aflito, cerrando valorosamente os dentes, Supramati lanou-se para frente e atravessou o

    abismo, apertando febrilmente a vela na mo.

    Ao passar a soleira do arco, ele se viu na mais completa escurido. A terra estava escorregadia eparecia que a qualquer minuto poderia ruir sob os ps. No obstante, ele avanava olhando para a vela

    que segurava nas mos, empurrado por um forte vento que lhe soprava nas costas.

    Aps um minuto, que pareceu uma eternidade, no lusco-fusco desenhou-se um segundo

    arco, de forma diferente, que servia de entrada para um corredor estreito, praticamente escuro.

    Corajoso e resoluto, Supramati ps os ps naquele passadouro e, imediatamente, de todos os

    lados, viu-se cercado por animais medonhos. Eram bichos rastejantes, morcegos e insetos venenosos

    que surgiam das trevas, mordendo-o e se agarrando a ele.

    Renhido, quase fora de si, prosseguia Supramati o seu caminho pela terra deslizante, sem se dar

    conta do que estava pisando.

    Uma luz ofuscante que lhe bateu no rosto fez com que ele estacasse. O corredor dilatou-se

    subitamente e revelou uma nova porta, arremessando chamas como do interior de uma fornalha. Junto

    a ela estava sentado um animal fantstico com rosto humano, de tamanho gigantesco.

    Atrs das costas do monstro erigiam-se imensas asas, o seu olhar ameaava de morte a

    qualquer um que se aproximasse.

    Um suor glido cobriu o rosto do jovem mdico, mas em seus ouvidos soavam ainda as

    palavras de seus orientadores.

    V em frente sem recuar, seno ser o seu fim!

    E com coragem desesperadora ele lanou-se adiante.

    Pareceu a Supramati haver mergulhado numa corrente de fogo. Os olhos do terrificante ser,

    como ferro em brasa, penetravam-no, e ele, instintivamente, ergueu a mo com a vela. Para sua

    surpresa, notou que o monstro abaixou a cabea e comeou a andar sua frente como se quisesse

    indicar o caminho.

    A medida que eles avanavam, o monstro perdia seu aspecto nojento.

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    A asquerosa cara animalesca transformou-se em cabea de anjo, de rara beleza. Seus cabelos

    encaracolados eram adornados por uma grinalda de flores brancas. O corpo do monstro foi se

    modificando e, aos poucos, adquiriu a forma de uma tnica gnea.

    Subitamente as chamas se extinguiram. Ante o olhar assustado de Supramati, estendia-se uma

    superfcie de gua. O vento uivava levantando gigantescas ondas revoltas, lanando no rosto donefito e do anjo gneo tufos espumosos das cristas de ondas.

    Supramati pensou em parar, mas o anjo olhou-o altivo e o jovem, como se golpeado por

    esporas, jogou-se nas ondas. Por uns instantes, pensou estar se afogando num precipcio sem fundo.

    A gua glacial cobriu-o impedindo-lhe a respirao; os ouvidos zumbiam, a cabea girava, sua viso

    escureceu. Mas, subitamente, veio uma onda, levantou-o e trouxe-o para a superfcie.

    Supramati olhou surpreso em volta. A gua havia desaparecido; o uivo e o assobio do vento

    cessaram: em torno reinava um majestoso silncio.Agora ele se encontrava na superfcie lisa como espelho polido de um lago e, em volta, abria-

    se uma alegre paisagem. Viam-se rvores verdejantes e prados salpicados de flores, e sobre sua

    cabea abria-se o firmamento azul-claro. Diante dele, banhado por feixes de luzes ofuscantes, estava

    o anjo gneo. Na mo, erguida para o alto, ele segurava um crucifixo branco, coberto de sangue.

    O semblante daquele guia misterioso respirava grandiosidade inumana; seu olhar

    flamejante, lmpido e impenetrvel, fitava os olhos ofuscados de Supramati. Ento retumbou a sua

    voz sonora:

    Veja! - disse ele, apontando para o crucifixo. -Este o caminho da eternidade inundado

    com sangue daqueles que triunfaram sobre a carne! Este um caminho de sofrimento de todos; aqui

    devem ser vencidas todas as paixes humanas, todas as luxrias, todas as fraquezas espirituais. O

    homem material aqui crucificado para ressurgir como um homem no-material e entrar no

    grandioso porto de conhecimento absoluto. Assim, transpasse este limiar, mido com o suor de seu

    trabalho e coroado com o sacrifcio de sua carne, e, ento, acender-se-lhe- no mundo invisvel a

    estrela cintilante de mago!

    A paisagem alegre anuviou-se e mudou de aspecto. A terra verdejante avolumou-se e abriu

    embaixo de si um tmulo, iluminado por uma vaga meia-luz. No centro do tmulo, havia um

    sarcfago aberto, acima do qual cintilava uma estrela ofuscante; ao lado do tmulo de pedra estava o

    gnio que fora o seu guia. S que agora, em vez da cruz, ele segurava nas mos um clice negro.

    O que significa tudo isso? - perguntou-se mentalmente Supramati.

    Isto significa o seguinte: eis o enigma que voc dever decifrar - respondeu o gnio

    erguendo o clice.

    No mesmo instante tudo escureceu. Supramati teve a sensao de estar voando dentro de um

    precipcio, e perdeu os sentidos.

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    Ao abrir os olhos, ele viu Nara e Dakhir inclinados sobre ele.

    Supramati passou a mo pela testa e tentou juntar as idias. Parecia-lhe ter acordado de um

    pesadelo, cheio de vises medonhas.

    De repente, a memria lhe voltou e ele recordou-se nitidamente daquilo que havia

    acontecido. Quando ele quis abrir a boca para falar, Dakhir levou o dedo aos lbios e dissebaixinho:

    Fique calado! No revele os mistrios vistos por voc! Carregue-os consigo como uma

    luz orientadora.

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    Captulo II

    Aps alguns dias dedicados ao descanso, passados em animadas e amistosas conversas e

    leituras interessantes, Dakhir anunciou certa noite que j era hora de iniciar o trabalho e que para

    tanto, bem cedo no dia seguinte, eles deveriam estar no laboratrio.

    De novo as invocaes? - indagou, fazendo careta, Supramati.

    Nara sacudiu em ameaa o dedo para Supramati, mas Dakhir respondeu-lhe sorrindo:

    No, primeiro a teoria e depois a prtica.

    No dia seguinte, mal o sol havia apontado no horizonte, Supramati dirigiu-se ao laboratrio.

    Dakhir j estava l, debruado sobre um volumoso in-flio.

    Aps saudarem um ao outro, Dakhir disse levantan-do-se da cadeira:

    Antes de mais nada, meu irmo, vou lhe mostrar como se deve iniciar o dia.

    Ele levou Supramati a um quarto onde havia duas camas e uma banheira. Atravessando-o, sem

    se deter, por uma porta secreta e uma escada em caracol, eles desceram ao piso inferior, onde estava

    instalado um verdadeiro quarto de banhos, com uma enorme piscina de mrmore no centro. O restante

    da moblia consistia de toalete com todos os seus pertences, uma cama e dois grandes bas.

    Trs vezes por semana ns vamos nos refrescar nesta piscina. Est vendo esta mola? Se

    voc acion-la, a piscina se encher, se voc empurr-la para a direita, a gua se esgotar. Dentro da

    gua voc ir colocar um copo desta essncia aromtica que est nesta nfora azul. Aps o banho,

    vista os trajes que voc encontrar no ba. Aquelas roupas so bem mais confortveis, alm disso

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    elas so mais adaptadas, por sua forma e cor, ao nosso tipo de trabalho do que os trajes no grito da

    moda. Depois de fazer tudo isso v ao laboratrio.

    O banho refrescou extraordinariamente Supramati. A essncia aromtica conferia gua uma

    tonalidade levemente rosada e encheu o quarto com aroma de rosas e violetas.

    No ba Supramati encontrou um longo e largo traje de l preto, um barrete da mesma cor euma corrente de ouro com uma insgnia pendurada, adornada com sete tipos de diferentes pedras

    preciosas.

    Ao chegar ao laboratrio, ele encontrou Dakhir vestido com traje semelhante.

    Estamos parecendo corri o doutor Fausto! Para completar a iluso s falta

    Mefistfeles.

    Abso lu tamente! Eu ju stamente represento Mefistfeles, travestido num honesto mdico

    cientista - brincou Dakhir. - Eu o iniciarei em mistrios diablicos da magia negra, nobre Fausto,dotado de eterna juventude, bem mais longa que a do seu prottipo. Alm disso, a m fama com

    que a lenda me cercou torna-me bastante adequado para o papel do sedutor.

    Aps se sentarem Dakhir prosseguiu:

    Antes de mais nada eu lhe falarei da "substncia primeva", ou seja, daquilo que voc

    nada sabe. No pense que eu vou esgotar a matria; eu mal conheo o abecedrio do gigantesco

    conhecimento que contm todo o mecanismo do Universo. No trarei os dados da cincia moderna

    que voc, como mdico e excelente qumico, j conhece; lembrarei apenas que a cincia "oficial"

    ignora a natureza da maioria das foras geradoras fsicas que nos cercam, e que, ao se estudarem os

    princpios ou os componentes dos corpos, so feitas novas descobertas, e qualquer corpo, consi-

    derado como simples, na verdade tem-se verificado bem complexo.

    E assim, por todo o espao infinito, acha-se esparsa uma substncia etrea, mais fina que

    o mais fino e impondervel gs ou fluido. Essa substncia a matria primeva - como ns a

    chamamos. Ela - se assim podemos dizer - uma chama no estado de um fluido imperceptvel - a

    fora geradora da vida, que a tudo impregna.

    Mas conheceriam os iniciados superiores todas as propriedades dessa extraordinria

    substncia, que bem que poderia ser chamada de sumo vital do Universo? - eu tenho dificuldade de

    afirmar.

    Essa substncia est espalhada por todo o espao do Universo. Quando se inicia a formao

    de uma nebulosa, ento, graas extraordinria velocidade giratria, a matria primeva densifica-se,

    e cada um dos planetas que se formam absorve-a no volume de suas necessidades futuras. Esta ama-

    de-leite imprescindvel para a vida dos corpos celestes e para tudo que h neles durante a sua

    existncia de bilhes de anos, pois a matria primeva faz parte de tudo que vive, respira, move-se ou

    emite a energia luminosa. L, onde essa luz se extingue, comea a decomposio: a morte.

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    Todos os planetas contm em suas entranhas uma certa reserva desse sumo vital e o mundo existe

    at se esgotar a sua ltima gota ou se quebrar o equilbrio das foras csmicas, mantido por essa

    estranha substncia, pois ela no nada mais que aquelesopro divino, do qual fala o livro de Gnese -

    aquele sopro do Criador que paira sobre as trevas do caos e isola os elementos. De fato, a substncia, ao

    penetrar na matria em formao, ainda que faa a separao, continua a desempenhar sempre umpapel primordial, transformando-se pelo trabalho de rotao em diferentes corpos que ela anima, ainda

    que destinada desta forma a alimentar o mundo durante toda a sua vida planetide. Contudo, para as

    substncias orgnicas, animadas por ela por fora do fracionamento e infinita transferncia, ela s

    fornece uma vida orgnica - o que voc v nas plantas, animais e seres humanos.

    Em estado puro esta substncia nunca faz parte de uma vida normal, pois transmitida para a

    posteridade atravs da gerao.

    Para ns, "imortais", tudo isso se apresenta de modo diferente. Ns absorvemos a matriaprimeva em seu estado primitivo e adquirimos com isso, para o nosso corpo, a longevidade de uma

    vida planetide.

    Como voc sabe, nenhum desperdcio ou acidente consegue exaurir a fonte inesgotvel da

    vitalidade em ns contida, se no recorrermos, claro, ao expediente utilizado por Narayana, e que

    teve conseqncias deveras considerveis. Ns, para morrermos, devemos esperar pela transferncia

    a um outro planeta. L, a matria primeva encontra-se em combinaes qumicas diferentes do que em

    nosso mundo, com as quais a exaurida e enfraquecida substncia, que se encontra em ns, j no

    consegue se associar.

    Ter incio, ento, uma decomposio, e ns, aps uma longa vida, festejaremos, finalmente, o

    ingresso no mundo invisvel. Por isso, recomendvel utilizar-se de todas as foras para progredir e

    no ficar esttico num mesmo lugar em nossa vida espiritual.

    Supramati estremeceu e jogou nervosamente para trs os seus cabelos castanhos.

    Sabe, Dakhir! Tivesse eu uma noo exata daquilo que estava fazendo, por nada neste

    mundo eu teria toma do aquela taa traioeira. Existem momentos em que a perspectiva de uma vida

    infinita me deixa de cabea zonza.

    Acredito! Eu j passei por isso. Mas quanto mais eu estudava, mais diminua essa

    sensao. De qualquer forma, j que Rubico foi atravessado, devemos seguir adiante!

    Diga-me, por favor, quem foi o felizardo que recebeu primeiro a matria primeva com

    todos os seus terrveis poderes e depois a passou para outros?

    Voc me pergunta o que nem mesmo eu sei. No fcil apontar o inventor dapanacia,

    cujos benefcios ns aproveitamos, devido antigidade do acontecimento. Existe uma tradio

    popular que lhe pode parecer por demais legendria.

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    Assim, segundo reza a lenda, Eva, tentada pela serpente (o tempo), tomou daquela substncia,

    pois a vida parecia-lhe to maravilhosa que ela queria continuasse indefinidamente. Ela deu de beber

    tambm a Ado, em funo do que ambos foram expulsos do paraso. Mas, ao abandonarem-no, eles

    pegaram um pouco daquela substncia, com o que se explica a longevidade dos primeiros patriarcas e

    de Matusalm. Dizem tambm que Melquisedeque tinha aquela substncia e era membro dairmandade. Hiro tambm, ao passo que Prometeu o seqestrou e mais tarde foi aniquilado.

    Onde estaria a fonte original dessa substncia misteriosa - eu no sei. Uns afirmam que na

    ilha de Ceilo, onde se localiza o paraso terrestre; outros falam de um local misterioso na

    Mesopotmia, entre os rios Tigre e Eufrates; alguns me asseveraram que na frica existe uma gruta

    que desce quase at o centro da terra, no interior da qual jorra a fonte das foras vitais.

    Quem saber onde est a verdade de todas essas narrativas? Eu s posso afirmar que uma

    quantidade considervel desta substncia se acha disposio de cada centro de nossa irmandade,sob a guarda de um dos membros.

    Narayana foi o guardio de um desses depsitos, localizado nas geleiras, e agora o guardio

    voc.

    Espere! Eu esqueci de lhe dizer mais uma coisa a esse respeito! Contaram-me que grandes

    serpentes, de uma determinada espcie, conhecem as propriedades da matria primeva e conseguem

    achar o caminho at ela. A rainha das serpentes, dizem, absorve obrigatoriamente aquela substncia.

    Mas, depois, a serpente dilacera a matria, que, devido ao contato com o ar e com as emanaes

    animalescas de que ela se impregnara, adquire o aspecto de uma pedra cintilante azul-celeste, dotada

    de fora miraculosa.

    Isso - por assim dizer - o palladium de todo o reino de serpentes. Mas os iluminados

    sabem como conseguir a pedra, dotada de propriedades surpreendentes. Ela cura doenas, protege

    de venenos mortais, regenera feridas, desenvolve foras ocultas, concede clarividncia, entre

    outras coisas.

    O detentor dessa pedra consegue submeter a vontade de outras pessoas, ficando invulnervel a

    qualquer tipo dessas intenes.

    No raro os profanos tinham nas mos esse tipo de pedra, sem suspeitarem de todas as suas

    propriedades. Um iluminado imortal poder, se assim o quiser, com uma gota da essncia primeva,

    decompor essa pedra, a qual se volatiliza em gs.

    A partir delas so feitas as estrelas mgicas; o mesmo tipo de pedra encontrado na insgnia

    de peito de Maha-Atma. Do material dessa pedra consistia o p que estava nas mos de Van Helmont

    e de Helvtius, com auxlio da qual at os metais mais rudes poderiam ser transformados em ouro.

    Os verdadeiros bastes mgicos - no os bastes comuns dos feiticeiros - so impregnados

    pela mesma matria primeva. Da a sua fora frente aos elementos da natureza. Com a ajuda desse

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    basto, o mago faz crescer a vegetao, influi no tempo, fazendo-o melhor ou provocando chuvas,

    tempestades, troves e relmpagos.

    Com o auxlio de um basto semelhante, Moiss fez abrir a terra e invocou as chamas que

    devoraram os rebeldes.

    A matria primeva, em forma de p, representa a pedra filosofal dos alquimistas; misturando-a com a terra, ela produz plantas mgicas, e o mesmo p, associado a diversas substncias qumicas,

    forma as gemas preciosas, dotadas de diversas propriedades mgicas. Resumindo, um mago, de-

    pendendo de seu grau de conhecimento, poder provocar diversos fenmenos e, se voc visse um

    deles, teria imaginado estar num mundo mgico; no entanto, tudo que voc teria visto no passaria

    de uma simples e sbia aplicao de foras desconhecidas aos profanos.

    Todos os magos e os iniciados possuem a matria primeva. Uns se utilizam dela para

    garantir a si a vida planetide; outros se contentam em aproveitar suas propriedades e estudam-nacomo uma cincia especfica.

    Conseqentemente, nem todos os magos e os iluminados ut il izam-se de vida

    planetide? - indagou Supramati.

    Todos eles tm uma vida extremamente longa, mesmo os que no querem prolongar a

    vida atravs do conhecimento. Isso se deve ao fato de que a vida deles, sbria e correta, sem

    quaisquer excessos, mais espiritual que material e vai esgotando a fora vital lentamente.

    Alm dos imortais da nossa irmandade, existe ainda um nmero considervel de iniciados

    que asseguram a si uma vida de muitos sculos com o auxlio de outros recursos, que lhes preservam

    a juventude ou idade madura, com a opo de se retirarem ao mundo invisvel assim que desejarem. S

    que esta categoria de sbios obrigada a manter um regime especial e deve evitar zelosamente

    qualquer tipo de excesso, coisa que um imortal da nossa irmandade no obrigado a fazer.

    Infelizmente, no so poucos sujeitos tipo Narayana que ingressam nas irmandades. Existem casos de

    tolos desregrados que brincam com fogo, sem a mnima disposio de estudar e entender as terrveis

    fora de que dispem. Mas esse tipo de pessoas desaparece da arena depois de um tempo mais ou

    menos longo, da maneira como desapareceu o seu antecessor.

    Ento ns iniciaremos com o estudo da matria primeva? - interessou-se Supramati.

    Sim e no! Sem dvida, a substncia primordial est em todas as coisas e ns a

    encontramos onde quer que seja nas mais variadas aplicaes; entretanto, o nosso programa de

    estudos bem mais restrito. Iremos estudar aquilo que chamamos de magia negra, ou seja,

    dedicaremos o nosso tempo ao estudo das foras da natureza em seu estado desarmnico e

    destruidor. Cada elemento tem os seus funcionrios. Assim voc ir se familiarizar, antes de tudo,

    com esses protagonistas inferiores, terrveis em seus poderes. Somente quando voc venc-los,

    tornar-se o seu senhor e no tremer diante das caticas e terrveis foras que nos rodeiam, ns

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    passaremos ao nvel bsico da magia branca, onde por ns aguardam as recompensas, ou seja: uma

    paz relativa, certa harmonia e a conscientizao de nossas foras. Passando por esse estgio, eu espero

    que voc seja digno de ser um discpulo de Ebramar e, sob a orientao dele, poder subir alguns

    degraus at o foco fulgurante da harmonia absoluta.

    Terei eu foras suficientes para percorrer tal caminho? - balbuciou Supramati. O mais importante no hesitar! Lembre-se sempre de que a dvida j uma meia

    derrota. claro que voc ter que vencer muita coisa e suportar provas duras e penosas; mas com

    energia e obstinao voc superar o que outros j superaram, inclusive eu. Imagine o quanto foi

    difcil para um rude e ignorante pirata galgar os primeiros degraus do conhecimento - o que bem

    mais simples para voc, um cientista, j preparado para trabalho intelectual.

    Voc tem razo, irmo, eu me envergonho de minha pusilanimidade. Permita-me agradecer-

    lhe e pedir-lhe desculpas por faz-lo assumir a tarefa ingrata de iniciar um profano ignorante como eu,que tanto o faz perder a pacincia.

    Dakhir sorriu e apertou calorosamente a mo de Supramati.

    No se atormente com os remorsos inteis. Estou feliz em ser seu orientador. No somos

    ns irmos verdadeiros, unidos pelo mesmo destino, mesmas idias e trabalho comum? A minha

    pacincia jamais se esgotar, pois eu mesmo passei por todas essas dvidas, inquietaes e duras

    provaes que esperam por voc. Passei por momentos inevitveis de desnimo, impacincia e at de

    frustrao, quando, ao utilizar-me dos poderes ocultos, eu vi fenmenos cujos princpios no conseguia

    explicar; muitas questes ficavam sem uma resposta, enquanto me diziam com condescendncia:

    "Calma, mais tarde voc vai entender tudo!".

    A conversa continuou girando sobre o mesmo tema. Supramati tinha um especial interesse pela

    matria primeva, o que o fazia a toda hora voltar a esse assunto, de modo que Dakhir observou:

    Estou vendo que voc quer de uma s vez chegar ao ntimo do "Sagrado dos

    Sagrados" e saber mais do que eu posso lhe ensinar. Isso impossvel; eu apenas vou-lhe ensinar o

    abecedrio. Mas j que voc se interessa pelas propriedades e pelo princpio de funcionamento da

    matria primeva, vou mostrar uma experincia que vai-lhe dar uma noo de como age o gerador

    misterioso durante a formao de um planeta, separando em diversas partes os elementos bsicos.

    Animado, Supramati levantou-se e seguiu Dakhir, enquanto este foi at o fundo do quarto,

    acionou uma mola e abriu uma porta at ento imperceptvel.

    Este castelo parece uma caixa com escaninhos secretos! Suas paredes e pisos esto cheios

    de surpresas - observou rindo Supramati.

    Ao adentrar com o seu companheiro numa sala redonda, ele quase levou um tombo, a tal

    ponto o piso brilhante do recinto estava liso.

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    Com os diabos! Estou com a sensao - que Deus me perdoe - de estarmos andando em

    cima de cristal! - acrescentou ele.

    Totalmente correto - confirmou, tambm em tom alegre, Dakhir. - Cuidado para andar!

    Supramati examinou interessado o ambiente. A sala estava praticamente vazia.

    Diga-me, Dakhir, por que os quartos daqui so todos redondos e no retangulares? porque nas sesses de magia, para a movimentao dos fluidos, o crculo bem mais

    adequado que as formas quebradas.

    Suspendendo em seguida uma cortina pesada, ele abriu uma janela alta e estreita, executada em

    vidro macio e muito grosso.

    Olhe! O centro do piso feito de cristal vermelho, enquanto l, na base, voc est vendo

    uma espcie de caixa de cristal. justamente com o auxlio daquele instrumento que ns faremos a

    experincia.Supramati aproximou-se e inclinou-se sobre uma grande caixa transparente. Ela parecia estar

    vazia e s no seu fundo se levantava um pequeno rolo de nuvem, reverberando todas as cores do arco-

    ris.

    Neste receptor est o fluido do espao, no estado e na combinao em que se encontrava

    durante a formao do nosso planeta. Agora voc ver o efeito que exercer sobre ele a matria

    primeva.

    Dakhir tirou do bolso um pequeno frasco com rolha de ouro, cheio de lquido misterioso,

    familiar a Supramati.

    Este frasco - disse ele - est dotado de um mecanismo que s deixa passar um dcimo de

    uma gota da substncia, necessrio para a nossa experincia.

    Um minuto depois, a gotinha, parecida com uma fagulha gnea, caiu sobre o fundo da caixa.

    No mesmo instante, Supramati sentiu um forte golpe na nuca e pareceu-lhe que a terra lhe fugiu dos

    ps. Dakhir agarrou-o pela mo e o apoiou. Alis, essa sensao no durou mais que um segundo e

    Supramati quase no lhe deu nenhuma ateno, pois todos os seus pensamentos se concentraram no

    espetculo que se desenrolava diante dos seus olhos.

    No interior do receptor de cristal tudo parecia estar em ebulio. Nuvens multicoloridas

    turbilhonavam-se com velocidade estonteante, espalhando-se, densificando-se, contorcendo-se em

    espirais e quebrando-se em remoinhos, como se fustigados por furaco. Para completar a iluso, o

    quarto encheu-se de estalidos, silvos e barulho ensurdecedor, como se vinte mquinas eltricas

    entrassem em funcionamento ao mesmo tempo. O barulho, vez ou outra, era abafado pelo rolar do

    trovo.

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    Subitamente todos esses sons cessaram e tudo se diluiu numa esfera cinzenta, sulcada por

    raios. Depois, num piscar de olhos, diante do estupefato Supramati, formaram-se quatro camadas de

    cores e composies diferentes.

    No fundo do caixo, agitava-se crepitando a massa fundida; sobre ela surgiu uma camada

    enegrecida, mas transparente. A terceira camada era ainda mais difana e tinha colorao azul-celeste.Todo o espao restante era preenchido com um vapor cinzento. Examinando-se mais atentamente, o va-

    por parecia ser urdido de milhares de pontos cintilantes.

    Da matria fundida elevava-se uma espcie de vnulas finas que, estalando, percorriam as trs

    camadas sem se deterem, contorcendo-se feito serpentes.

    O que aconteceu diante de voc em alguns minutos, no espao leva milhes de anos para

    acontecer sob a ao desta matria primeva, da qual algumas gotas seriam suficientes para devorar o

    nosso planeta e lev-lo ao estado gasoso. Uma vez que a experincia que eu mostrei bastanteimperfeita, no se desenvolveu uma forma esfrica. Mas isso indiferente! Mesmo sem isso, voc

    entende que a matria fundida o centro do planeta, foco do princpio vital; a cor enegrecida

    representa a primeira condensao de matrias mais rudes, que formaram uma casca. Em seguida

    vem uma camada lquida e atmosfrica, perpassada por fogo do espao - que vocs chamam de

    eletricidade -, as correntes que, representadas por vnulas gneas, sempre se acham em comunicao

    com o reservatrio principal do centro.

    Deixando Supramati olhar o quanto quisesse para aquele mundculo invocado, Dakhir pegou

    uma enorme lupa e a estendeu ao amigo.

    Pegue! Este aparelho foi feito a partir de um diamante que pesava mais de cem quilates.

    Ele bem mais perfeito do que os que vocs possuem. Com o seu auxlio voc poder perceber que,

    quando as matrias em formao alcanam o ponto em que ns estamos, j possvel enxergar as

    formas de seres e plantas, cujos germes eles contm e que mais tarde sero gerados pela terra.

    Supramati pegou o aparelho e de seus lbios soltou-se uma exclamao surda. Diante de seu

    olhar estupefato apareceu um infindvel nmero de plantas e animais de toda a espcie. Era fauna e

    flora que se destacavam por sua diversidade. Tudo era areo, indefinido e a tal ponto misturado, que

    seriam necessrios meses para se ter uma idia clara do que l havia.

    Dakhir interrompeu-o de sua observao.

    Est na hora de desintegrar tudo isso. Por enquanto, o que voc viu j suficiente, e um

    estudo detalhado levaria muito tempo. Eu vou fazer o mundculo entrar em contato com o ar e ele

    se desintegrar na atmosfera sem deixar vestgios.

    Abrindo a janela, ele baixou a cortina e ambos foram ao quarto vizinho.

    Compenetrado e confuso com tudo que havia visto, Supramati sentou-se na poltrona e

    mergulhou em pensamentos.

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    Vamos almoar! Voc ainda no viu o nosso refeitrio - disse animado Dakhir, batendo-

    o no ombro.

    Tem razo! Estou faminto, ainda que tenha esquecido disso.

    um bom sinal! Se voc se esqueceu do almoo, significa que est pronto para ser um

    cientista.Conversando, eles passaram pelo laboratrio, desceram a escada e por uma porta que ficava

    num gabinete escuro entraram numa sala, no muito grande, com vigas enegrecidas pelo tempo e

    paredes escuras de madeira trabalhada. O buf, a mesa e as cadeiras macias com espaldares altos

    apontavam a antigidade do castelo.

    A janela alta com vidros multicoloridos estava aberta e ao seu lado havia uma poltrona

    estreita sob o baldaquim.

    A mesa, coberta com uma toalha branca, decorada com prataria e flores, estava servida paraduas pessoas. Junto a uma das cadeiras, um ano esperava para servi-los.

    A refeio consistia de legumes, ovos e um pudim de frutas secas. Fora isso, sobre a mesa

    havia queijo, po, leite e uma garrafa de vinho.

    O nosso cardpio no prima por diversidade, mas, enquanto estivermos trabalhando aqui,

    voc ter que se contentar com os pratos vegetarianos, Todos os imortais passam por isso -

    observou Dakhir. Se ns fssemos simples mortais, teramos de nos contentar com po e gua para

    preparar o organismo atravs de um jejum rigoroso; mas, uma vez que somos imortais, podemos

    permitir-nos um almoo bem lauto.

    Oh! Eu acho o regime vegetariano excelente - disse Supramati. - Durante o tempo em que

    fiquei morando na casa de Ebramar, alimentei-me exclusivamente de legumes, sem sentir alguma falta

    de alimentos de origem animal, que, alis, me so repugnantes.

    Quando terminar a sua primeira iniciao e, de um modo geral, quando voc voltar para a

    sociedade, poder utilizar a carne, se que ento voc vai quer-la.

    E bem provvel que no, pois eu sei que o alimento de origem animal contamina o

    organismo com os elementos mortuosos.

    Ao terminarem o almoo, os jovens retornaram ao laboratrio. Dakhir trouxe um volumoso

    in-flio com desenhos, smbolos estranhos e texto incompreensvel.

    Este livro contm todas as categorias de frmulas. Todos estes smbolos e frmulas voc

    ter de aprender de cor. Quando dominar totalmente estas primeiras formas de encantamento, ns

    passaremos primeira experincia. At os reles feiticeiros conhecem parcialmente estas frmulas,

    mas com voc a situao diferente. Voc no poder, semelhana de um feiticeiro ignorante,

    ficar escravo das foras malficas ao invoc-las; precisa, desde os primeiros momentos, tornar-se

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    o seu senhor e governante. Uma vez que ainda no desenvolveu a segunda viso, eu lhe darei

    culos mgicos que lhe permitiro enxergar tudo o que ocorre em sua volta.

    Supramati iniciou os trabalhos com afinco. Ele ps-se a estudar os sinais misteriosos e as

    frmulas estranhas, compostas de nmeros e palavras, cujo sentido no entendia.

    No incio era-lhe difcil acostumar-se a esse tipo de estudo, mas nisso ele contava com aajuda e explicaes de Dakhir. At o fim da tarde, Supramati aprendeu, praticamente sem errar, a

    pronunciar algumas frmulas e desenhar com certa firmeza alguns sinais cabalsticos.

    Ele estava to compenetrado em seus estudos, que no percebeu o anoitecer. Dakhir acendeu a

    lmpada e, ao verificar a hora, observou sorrindo:

    Termine o trabalho; por hoje bastante! Logo so dez horas e nossa bela dona-de-casa

    nos espera para o ch. Voc no precisa ter tanta pressa em aprender tudo de uma vez, pois, graas a

    Deus, tempo o que voc mais tem. E verdade, mas que eu gostaria de passar, o mais rpido possvel, os primeiros degraus

    mais difceis e tediosos da iniciao - declarou Supramati, enxugando o suor.

    Aps vestirem seus trajes habituais, foram ao refeitrio, onde Nara esperava por eles. Os

    pratos frios j estavam servidos, juntamente com o samovar de prata a assobiar na mesa.

    E ento, Supramati? Como foi o seu primeiro dia da iniciao? - interessou-se a

    jovem, esboando um sorriso.

    Muito interessante! - respondeu Supramati beijando a esposa.

    Ao se sentar ao seu lado, ele comeou a contar-lhe animadamente o que havia feito durante

    o dia.

    Todos os mistrios do mundo invisvel me excitam e ao mesmo tempo me deixam

    apavorado. Eu, um ignorante preguioso, assusto-me com o gigantesco trabalho que terei de enfrentar.

    Aos ps da extensa escada que terei de galgar, eu me pergunto: como os outros puderam subir to

    alto sem ficarem tontos? - brincou ele em tom triste.

    Voc se utilizar de duas faculdades que ajudaram seus predecessores: a coragem e a

    obstinao atalhou Nara alegremente.

    Depois acrescentou em tom srio:

    Um pressentimento me diz que voc alcanar os degraus superiores do conhecimento e se

    tornar um grande mago. Voc sempre foi um pensador e labutador incansvel. Quanto mais voc

    avanar no novo caminho, tanto mais ir se interessar pelo mundo oculto e pelos poderes que ele lhe

    confere ao prov-lo de um verdadeiro exrcito de valorosos e hbeis guerreiros, ainda que

    demonacos e invisveis

    para os profanos, pois eles se escondem na atmosfera ao redor. Voc ainda no sentiu o prazer de

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    estar acima da turba, ler os pensamentos alheios, aliviar os sofrimentos secretos e governar as foras

    da natureza.

    Deus queira que os seus pressentimentos se realizem e que eu fique digno do bom

    conceito que voc tem em relao a mim. De qualquer forma, empregarei toda a minha fora de

    vontade para tanto - assegurou ele, beijando a mo da esposa.A conversa continuou ainda por algum tempo sobre o mesmo tema. Quando Dakhir mencionou

    as invocaes que eles ainda teriam de fazer, Supramati lembrou-se de algumas sesses espritas que

    presenciara durante a sua ltima estada em Londres.

    Naquela poca ele estava muito doente e a morte, que o rondava, fez com que ele se

    interessasse em aprender mais sobre as trevas do tmulo, ao qual almejava.

    Supramati tornou-se membro de um daqueles crculos e participou de uma srie de sesses.

    Ele presenciou manifestaes muito singulares: aparecimento de coisas, efeitos luminosos e at umamaterializao parcial. Alguns fenmenos exerceram nele uma profunda impresso; outros -

    provocaram dvidas.

    Eu sei que sesses deste tipo esto em moda e, de um modo geral, o espiritismo vem se

    desenvolvendo, porquanto preenche as necessidades do corao de pessoas fartas dos argumentos

    fteis dos renegadores e da intolerncia da cincia, comparvel - sem nenhum exagero - intole-

    rncia clerical - observou Nara. - Infelizmente, o espiritismo se encontra em situao catica e

    desfavorvel, estagnando no b-a-b do mundo oculto, pois os espritas ignoram as leis que

    governam os fenmenos. Bons mdiuns so muito raros e os espritos dirigentes so normalmente

    prejudicados pela desarmonia e at por desejos malficos dos presentes, ou seja, aquela turba ignara,

    interessada em assistir as sesses para, posteriormente, negar e ridiculariz-las, imaginando que o

    mundo do alm-tmulo, com os seus terrveis mistrios, est ali para diverti-los.

    verdade! O espiritismo gera mais achincalhadores e negadores do que adeptos - disse

    Dakhir. - No obstante, esta doutrina lenitiva j fez muitas coisas boas e salvou inmeras almas do

    sorvedouro trgico do materialismo. O que seria se fosse diferente?!

    Todos silenciaram por alguns instantes, aps o que Nara acrescentou:

    Sim, eu gostaria de que o espiritismo, que prova a existncia do mundo do alm-tmulo de

    uma maneira acessvel a todos, triunfasse para o bem da humanidade. A propsito, Supramati, se voc

    quiser, ns podemos ainda hoje noite realizar uma sesso esprita. Eu o tornarei de imediato um

    clarividente e voc ver todo o processo oculto das manifestaes espritas.

    Sem dvida que eu quero! Voc se antecipou ao meu desejo. Vamos logo, ento, ao

    laboratrio.

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    Para que temos que ir para l?! A minha sala deestar ideal. Assim, vo at l,

    senhores, e preparem tudo! Enquanto isso, eu mandarei providenciar o jantar para depois da sesso

    - o que no ser uma m idia.

    Um jantar vegetariano, naturalmente! exclamou Supramati alegre.

    Justo! Por enquanto voc vai ter que esquecer a carne e, daqui a alguns anos, osrosbifes, os faises assados e outras iguarias vo parecer-lhe pedaos de cadver. Voc vai ver coisas

    que iro tirar-lhe o apetite; e o cheiro da de composio que normalmente no sentido por

    gastrnomos ordinrios ir sufoc-lo.

    Na pequena sala de estar, eles baixaram as cortinas e retiraram os mveis que atrapalhavam,

    colocando no meio do quarto uma pequena mesa redonda. Depois apagaram as luzes, deixando

    apenas uma vela acesa.

    Mal eles acabaram os preparativos, chegou Nara. Ela trouxe consigo uma pequena trempe deprata e a colocou sobre a mesa. Depois, com uma pina, ela tirou da lareira alguns pedaos

    incandescentes de carvo e os colocou na trempe, ficando Dakhir na tarefa de sopr-los para atiar o

    fogo. Tirando do bolso um frasco, Nara lanou o seu contedo sobre o carvo. Imediatamente subiu

    uma densa fumaa, espalhando pelo recinto um aroma que Supramati julgou ser familiar.

    Ele lembrou-se de ter aspirado o mesmo aroma no dia em que esteve na casa do conde Rokk,

    no entanto, mesmo sendo este menos forte, no o impediu de ficar tonto por alguns instantes,

    sentando-se em silncio mesa.

    Ento Dakhir pegou o basto de vrios ns, que pendia em seu pescoo numa corrente de ouro,

    feito um lornho feminino, e, inclinando-se, encerrou a si e aos outros num crculo imaginrio.

    Por alguns instantes reinou um profundo silncio. Subitamente Supramati teve a sensao de

    que tudo em seu redor comeou a soar, mover-se e a girar com ele: a mesa, Nara e Dakhir -, com

    uma rapidez estonteante. Uma luz azulada despontou e naquela penumbra divisou assombrado uma

    alta e esbelta figura vestida em trajes cinza da cor de morcego. A criatura, extremamente esguia,

    hbil e mvel, segurava na mo um basto escarlate, em cuja ponta rodopiava uma esfera da mesma

    colorao. Por todos os lados desprendiam-se fascas gneas que se uniam, em seguida, em fios

    flamejantes. O crculo, desenhado por Dakhir, lanava agora chamas de todos os tamanhos. Os

    presentes viram-se enclausurados por uma retcula fosforescente. Com interesse cada vez mais

    crescente, observava Supramati aquilo tudo. Surpreendido, viu como por trs das pregas do reposteiro,

    das paredes, do cho e at da lareira, comearam a aparecer diferentes seres, agrupando-se em volta do

    crculo. Nos rostos de alguns estava estampada uma expresso maliciosa e despreocupada; nos outros -

    maldosa, animalesca e at cheia de dio. Os ltimos tentavam atravessar a retcula, mas eram repelidos

    como se recebessem uma descarga eltrica. Somente quando, junto da mesa, surgiram alguns seres

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    que, pela rapidez dos movimentos e trajes, eram parecidos com a figura que segurava a esfera gnea,

    Nara expressou a vontade que eles trouxessem uma jarra de gua do refeitrio.

    Imediatamente, alguns dos espritos se retiraram, trazendo em seguida a jarra, envolta por um

    denso vapor compacto parecido com algodo. A jarra era carregada com muita dificuldade por trs seres

    cinzentos que a colocaram, em silncio, sobre a mesa.Dakhir ordenou que fosse tocada uma msica na flauta que estava sobre o peitoril da janela.

    Imediatamente, um dos espectros pegou o instrumento e tocou, bastante bem, uma pequena ria

    conhecida de todos.

    Aparentemente, as experincias suscitaram a inveja entre os restantes. A maior parte dos

    espectadores dissipou-se, mas retornou rapidamente para junto do crculo mgico que no

    conseguiam atravessar. Isso os impedia de participar das diverses que, pelo que parecia, lhes

    agradavam sobremaneira. Portanto, vinham trazendo os mais variados objetos que se entreviam portrs do vapor que lhes servia de transporte. Ali havia esferas pretas parecidas com seixos, batatas,

    ovos podres, roupas e at areia. Todos esses membros da respeitvel companhia se rivalizavam entre

    si.

    Nesse meio tempo, o interior do crculo se ampliava, medida que de Dakhir e Nara se

    desprendiam correntes de luz e calor. O ente, no traje da cor de morcego, tornava-se cada vez mais

    compacto e rapidamente alcanou uma densidade palpvel que poderia ser vista at por um olho

    normal. Com a leveza, prova de sua surpreendente fora, o ser agarrou a cadeira macia, ergueu-a e

    sacudiu sobre a cabea de Supramati. Este se jogou instintivamente para trs, mas o esprito

    recolocou no lugar s gargalhadas.

    Neste nterim, apareceu um novo esprito que, sem demonstrar alguma dificuldade,

    atravessou o crculo gneo e passou pela retcula, postando-se entre Dakhir e Nara.

    Um grande vu branco envolvia a figura do esprito recm-chegado e cobria as suas feies.

    Nas mos ele segurava um buqu de flores. O aroma de lrios e rosas encheu todo o quarto.

    Supramati surpreso olhava para a nova apario, que comeou a descobrir lentamente o vu.

    Subitamente, ele soltou um grito: nela ele reconheceu a sua me. Bela e rejuvenescida, ela fitava-o

    com um olhar estranho e parado.

    Com o seu grito, a viso cambaleou, empalideceu e quase se diluiu, mas imediatamente

    ressurgiu.

    Me! Eu a vejo de novo, querida me! - balbuciou ele, trmulo.

    Com as lgrimas lhe aflorando os olhos, ele ajuntou:

    Eu posso toc-la, abra-la?

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    O esprito virou-se com o olhar suplicante para Nara. Esta, imediatamente, levantou-se e

    colocou as mos nos ombros da viso. Praticamente no mesmo instante, da jovem Nara comearam

    a emanar rolos de vapor fulgurante, que, s vezes, adquiria uma tonalidade rosada.

    Toda essa substncia parecia estar sendo absorvida pela viso, que rapidamente adquiria o

    aspecto e a densidade de pessoa viva. Voc pode beij-la - disse Nara sorrindo, retirando as suas mos.

    O jovem mdico se levantou, agarrou trmulo o esprito pelas mos e o puxou para si.

    Sim, esta era realmente a sua me adorada, sem qualquer vestgio da doena, cansao ou

    velhice, em todo o res-plendor da beleza que ele viu quando era um menino.

    Ralf! Minha adorada criana! - pronunciou a querida e bem conhecida voz.

    Mos reais enlaaram o seu pescoo e os lbios mornos e trmulos encostaram-se aos dele.

    Por algum tempo eles ficaram abraados em silncio, quebrado por Ralf, que disseemocionado:

    Oh, minha querida me! Como ramos cegos ao imaginarmos que nunca mais

    poderamos nos encontrar! Voc estava perto de mim quando eu chorei a nossa separao e no pde

    me fazer um sinal, consolar-me - e tudo isso se deveu a nosso desconhecimento das leis do mundo

    invisvel. Diga-me se voc est feliz! Voc viu o meu pai?

    Eu vi seu pai. Ele est feliz e tranqilo, pois cumpriu bem e corretamente a sua tarefa em

    vida. Voc o ver mais tarde.

    Diga-lhe que eu o amo e todos os dias rezo por ele e voc. Veja, me, como eu estou forte

    e sadio! Agora voc no precisa recear como antes pela minha sade - acrescentou ele com um

    sorriso maroto.

    Uma expresso de temor e tristeza anuviou as feies do esprito. Pondo a mo sobre a

    cabea do filho, a viso disse:

    Temo agora se no ser por demais longa essa vida com a qual eu me preocupava e que se

    extinguiria em pouco tempo.

    Diga-me, voc aprova este estranho destino para o qual me empurrou a fatalidade? -

    indagou Supramati em tom de tristeza e inquietao.

    Eu no ouso reprovar, querido Ralf; eu sou por demais ignorante. Apenas receio que

    seja por demais penosa a provao da imortalidade e o enorme trabalho que o aguarda para tornar-

    se digno das foras misteriosas obtidas. Pergunte para aqueles que penetraram nas esferas superiores

    do conhecimento e que contam sua vida em milhares de anos. Esto eles felizes por carregarem

    eternamente o perecvel invlucro terreno, sem possibilidade de descansarem na morte? Submetido

    a milhares de sofrimentos inerentes vida terrena, j que o privilgio da imortalidade sentido

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    apenas pelo corpo, o esprito permanece vulnervel como antes, sem se utilizar da prerrogativa de no

    sentir, no amar, no chorar os sofrimentos que a imortalidade no consegue aliviar.

    O esprito calou-se por instantes, mas logo prosseguiu em voz mais dbil:

    Eu sinto volatilizarem-se as foras que me foram dadas. Assim, at um novo encontro, meu

    filho! Eu aparecerei quando voc me chamar num momento difcil, no para a soluo dos problemasrelacionados com a gesto do Universo, mas s para que voc oua uma palavra amiga.

    Ele sentiu que a mo dela se tornava cada vez menos densa, que se dilua e se tornava

    intangvel. Toda a viso se derretia, tornava-se transparente e, por fim, desapareceu por completo.

    Respirando com dificuldade, Supramati deixou cair-se na cadeira e fechou os olhos. Dakhir

    acendeu uma vela e disse:

    Voc est exausto, meu amigo, no com o corpo, mas com o esprito. Assim, vamos

    interromper esta sesso. Apesar de sua imortalidade, voc far bem se se deitar para dormir.Supramati endireitou-se, pegou as flores deixadas pela me sobre a mesa, em cujas folhinhas

    ainda brilhavam gotculas de orvalho, e, com um sentimento misto de infelicidade e alegria,

    encostou-as aos lbios.

    Apesar da bem intencionada sugesto de Dakhir, todos permaneceram em seus lugares e

    continuaram a conversar. Supramati lamentava-se que os cticos, com os objetivos preconcebidos,

    impedissem o progresso do espiritismo, que representava, entretanto, uma das fontes de consolo para os

    espritos sofredores, contribuindo, ao mesmo tempo, para o seu renascimento moral, devolvendo-lhes

    a f na vida do alm-tmulo.

    Oh, esses cticos! - exclamou rindo Nara. s vezes eu tenho uma vontade imensa de

    convenc-los do contrrio, colocando-lhes os culos mgicos. Acho que todos esses grandes

    tagarelas ficariam malucos ao reconhecerem que toda a atmosfera em volta est povoada por seres

    invisveis, cuja existncia eles contestam e, no espao, que eles consideram vazio devido a seus

    equvocos presunosos, habita um verdadeiro mundo de seres intangveis.

    J no a primeira vez que ouo voc e Dakhir mencionarem certos culos mgicos.

    Posso v-los pelo menos uma vez? - pediu Supramati.

    Com todo o prazer! - prontificou-se Nara.

    Ela abriu a escrivaninha entalhada com acabamento em marfim, tirou de uma gaveta um par

    de culos com armao em ouro e estendeu-os ao marido.

    Com interesse bem compreensvel, Supramati examinou os culos, executados em um material

    estranho para ele, mais transparente que o vidro e que reverberava luzes multicolores.

    Sem pensar muito, ele colocou-os, mas para sua grande surpresa nada viu, alm de ondas

    coloridas que emitiam sons, moviam-se e fundiam-se. Ao mesmo tempo, parecia-lhe que o seu

    crebro estava sendo esmagado por um anel incandescente.

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    Tire os culos e v lavar o rosto! Hoje voc no vai conseguir ver nada, pois os seus

    rgos esto demasiadamente saturados por aquela substncia que eu queimei antes da sesso -

    disse Nara. - Mas esses culos tornam transparente, para o olho de um ser humano comum, a cortina

    que esconde o mundo invisvel.

    Ela guardou os culos. Supramati dirigiu-se apressado ao seu quarto para lavar o rosto, poissentia uma enorme dor de cabea, que passou imediatamente aps o uso da gua fria.

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    Estudavam tambm venenos vegetais, animais e minerais, as propriedades das plantas e os

    efeitos do magnetismo animal; agora, no entanto, para os olhos do jovem mdico abria-se uma

    Botnica e Qumica totalmente novas.

    Eles prosseguiam tambm com os exerccios de disciplinamento da mente. Certa vez,

    Dakhir trouxe ao laboratrio um grande disco, coberto por um tecido preto. Colocando-o sobre amesa, retirou o pano.

    Supramati comeou a examinar curioso o disco metlico azul retinto que reverberava todas as

    cores do prisma como um espelho mgico, j visto por ele antes. O disco estava encaixado numa

    espcie de moldura, na qual se viam incrustados diversos metais, pedras preciosas e medalhes com

    lquido. Na parte superior, a moldura era adornada por um medalho em forma de nfora.

    O que isso? Tambm um espelho mgico? Para que serve? - indagou Supramati.

    Sim, tambm espelho mgico, s que executado em outros metais que voc ainda noconhece. Ele lhe ajudar a alcanar uma habilidade muito difcil: controlar e disciplinar o pensamento

    vivo e suas imagens. O espelho, como voc v, composto de substncias mais tangveis. mais

    sensvel que um barmetro, que registra somente as oscilaes da atmosfera. Neste valioso

    instrumento, imprescindvel a todo mago genuno, so registradas as mais sutis vibraes da mente -

    um barmetro da alma. Os profanos incorrem em erro ao imaginarem que o espelho mgico possui s

    uma aplicao: mostrar ao mago os quadros do passado e do futuro e desvendar os segredos deste ou

    daquele objeto, totalmente indiferentes ao cientista. No entanto, em realida