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Leonardo Mozzaquatro Schneider Osteopatia na Atenção Primária à Saúde no município de Florianópolis: uma experiência de matriciamento e educação permanente Tese submetida como requisito final para a obtenção do grau de doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Santa Catarina. Orientador: Charles Dalcanale Tesser Florianópolis 2018

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Leonardo Mozzaquatro Schneider

Osteopatia na Atenção Primária à Saúde no município de Florianópolis: uma experiência de matriciamento e educação

permanente

Tese submetida como requisito final para a obtenção do grau de doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientador: Charles Dalcanale Tesser

Florianópolis 2018

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais e avós por todo o suporte. A minha esposa e meu filho pelo carinho e equilíbrio emocional. Aos amigos pela expontaneidade e criatividade. Aos professores pelos desafios e obstáculos. Ao meu orientador pelo comprometimento e parceria. Ao programa de pós-graduação em Saúde Coletiva por revelar, no dia a dia, aspéctos sociais que não desejo reproduzir como professor, gestor ou profissional de saúde. Aos meus alunos pela confiança e curiosidade. Agradeço a minha fisiologia por revelar os caminhos e descaminhos da auto-cura. Por fim, aos pacientes, que me ensinaram por meio de seus exemplos, algo a mais sobre as capacidades inerentes do ser humano em se curar em diversas e singulares situações de vida.

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“To find health should be the object of the doctor. Anyone can find disease”

A. T. Still 1899

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RESUMO

Esta tese trata das contribuições potenciais dos saberes, técnicas e abordagens osteopáticas ao cuidado clínico realizado na atenção primária à saúde. A tese parte de uma contextualização da abordagem osteopática no mundo, suas características e sua proximidade com o campo da atenção primária à saúde (APS). Em paralelo, organiza conhecimentos acerca de estratégias de aprendizagem voltadas a equipes multiprofissionais e que fomentam a transformação do processo de trabalho nos serviços de APS, segundo premissas da educação permanente em saúde (EPS). A tese se aproxima do campo empírico por meio de uma pesquisa/intevenção que envolveu estratégias de EPS e matriciamento sobre a abordagem osteopática oferecidas a profissionais de equipes de Saúde da Família de Florianópolis, SC. Participaram da pesquisa 35 profissionais de equipes de saúde da família e núcleos de apoio a saúde da família (NASF), sendo divididos em duas ondas de capacitação com carga horária de 32h, divididas em 8 encontros semanais cada uma. A metodologia de aprendizagem envolveu a realização de consultas compartilhadas entre o osteopata/pesquisador e as equipes multiprofissionais. As consultas foram realizadas inicialmente com os próprios profissionais e suas queixas reais para então serem realizadas com os usuários do serviço nos próprios centros de saúde. O processo foi registrado em áudio e vídeo e acrescido de uma entrevista final. Todo o material foi revisitado e a análise dos dados foi feita por meio da Grounded Theory. Os resultados provenientes dos relatos dos profissionais participantes indicam que a aprendizagem de saberes osteopáticos inseridos no processo de trabalho mostrou-se como instrumento disparador de processos reflexivos acerca do cuidado. A eficácia e resolubilidade desta abordagem na prática, motivou os profissionais participantes a transformar seus atos de cuidado dentro do seu processo de trabalho bem como o cuidado consigo, incluindo algumas técnicas e formas de avaliação em sua rotina de trabalho. Segundo os profissionais, o entendimento comum sobre os mecanismos de auto regulação e a inclusão do estudo da mobilidade tecidual em sua anamnese contribuíram para a transformação do processo de trabalho em equipe nos seguintes sentidos: a busca por um cuidado menos protocolar, mais adequado a cada caso, a inclusão de mecanismos endógenos e posturas ativas na terapêutica, o uso racional de exames complementares, medicação, encaminhamentos para procedimentos cirúrgicos. Os resultados também apontam para algumas dificuldades

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envolvendo o ato de diversificar as formas de aprendizagem do cuidado tanto no meio acadêmico como na subjetividade dos profissionais participantes. Isto esteve associado a um estranhamento e despreparo ao lidar com uma natural imprevisibilidade de aprendizagem por meio da vivência e compartilhamento de consultas reais e não teóricas. Todavia, segundo os profissionais a mesma imprevisibilidade, quando bem manejada, motivou um envolvimento capaz de tornar a aprendizagem interessante, humana e participativa. Isto favoreceu a aproximação dos profissionais, no sentido de fortalecer o trabalho em equipe acerca de um saber comprometido com a transformação e aberto a novas formas de cuidado. Palavras Chave: Saúde Coletiva, osteopatia, medicalização, atenção primária à saúde, educação permanente em saúde.

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ABSTRACT

This thesis explores potential contributions of osteopathic knowledge to clinical care performed in PHC services in the Brazilian national health system. The thesis starts from a contextualization of the osteopathic approach in the world, its characteristics and its proximity to the field of primary health care (PHC). The thesis approaches the empirical field through a research/intervention strategy offered to professionals of Family Health teams of Florianópolis, SC. Thirty-five professionals from family health teams (family doctors, community agents, nurses, nursing technicians) and members of the family health support teams (physiotherapist, psychologist, physical educator) participated in the study. It was conducted two training waves with a 32-hour workload, divided into 8 weekly meetings each. The learning methodology involved shared consultations between the osteopath/researcher and the multiprofessional teams. The consultations were initially carried out with the professionals themselves and their real complaints and in a second moment patients of the service were consulted according the same methodology. After the consultations there was established a reflexive and didactical environment to practice some of the approaches that were utilized in the consultations. The process was recorded in audio and video and added a final interview. All material was revisited and data analysis was done by Grounded Theory. The professionals indicate that the learning of osteopathic knowledge inside the work process has shown to be a triggering tool for reflective processes about how they manage care. The effectiveness and resolubility of this approach observed during the consultations has motivated the professionals to transform their care acts as well as the care with themselves. According to the professionals, the common understanding about the mechanisms of self-regulation and the inclusion of the study of tissue mobility in their anamnesis contributed in the following senses: the search for a less protocolary care, more appropriate to each case, the inclusion of endogenous mechanisms and active postures in the therapeutic plan, the rational use of complementary exams, medication and referrals for surgical procedures. The results also point to some difficulties involving the act of diversifying ways of learning care approaches, both in the academic environment and in the subjectivity of the professionals. This has been associated with strangeness and unpreparedness in dealing with a natural unpredictability of learning through the experience and sharing of real and non-theoretical queries.

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However, according to the professionals, the same unpredictability, when well managed, motivated an involvement capable of making learning interesting, human and participative. This favored the approach of the professionals, in the sense of strengthening teamwork about a knowledge committed to the transformation and open to new forms of care. Keywords: Collective Health, osteopathy, medicalization, primary health care, permanent education.

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LISTA DE ABREVIAÇŌES

OIA- Osteopathic International Alliance OMS- Organização Mundial de Saúde SUS- Sistema Único de Saúde EUA- Estados Unidos da América APS- Atenção Primária à Saúde TMO- Técnica Manual Osteopática COFFITO- Conselho de Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional PIC- Prática Integrativa e Complementar PNPIC- Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares EPS- Educação Permanente em Saúde NASF- Núcleo de Apoio a Saúde da Família SMS- Secretaria Municipal de Saúde UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina eSF- Equipe de Saúde da Família EC- Educação Continuada ASO- American School of Osteopathy AMS- Americam Medical Association DO- Diplomado em Osteopatia IBO- Instituto Brasileiro de Osteopatia PL- Projeto de Lei PNEP- Política Nacional de Educação Permanente MS- Ministério da Saúde IDH- índice de desenvolvimento humano UPA- Unidade de Pronto Atendimento CAP- Centro de Apoio Psicossocial

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Still e sua relação íntima com o estudo da anatomia ............. 24

Figura 2: Hospital escola da American Scholl of Osteopathy (ASO), fundada em 182 ..................................................................................... 24

Figura 3: Primeira turma de formandos osteopatas ............................... 25

Figura 4: Still em um momento didático. Observa-se a proximidade com seus alunos e a reflexividade de sua aprendizagem ....................... 29

Figura 5: Willian Stutherland tratando e ensinado sua abordagem craniana. Uma abordagem muito singular para a sua época.................. 30

Figura 6: Exame de Ressonância Magnética realizada em 2001 quando Leonardo tinha 19 anos ............................................................ 72

Figura 7: Finalização da formação como instrutor de yoga em 2002 com a professora Maria Laura Garcia Packer ....................................... 73

Figura 8: Conversa com Professor Hermógenes ................................... 73

Figura 9: Leonardo como professor de yoga em alguns congressos (2003) .................................................................................................... 74

Figura 10: Leonardo proferindo palestra de yoga em alguns congressos (2005) .................................................................................. 74

Figura 11: Ambulatório de Osteopatia na UFSC .................................. 77

Figura 12: Mapa mental do layout inicial das consultas compartilhadas ...................................................................................... 84

Figura 13: Mapa mental sobre as ferramentas pedagógicas iniciais ..... 85

Figura 14: Vídeos de introdução ........................................................... 86

Figura 15: Mapa mental inicial sobre o método de intervenção/aprendizagem/pesquisa ...................................................... 87

Figura 16: Mapa mental sobre a necessidade da construção de um contexto favorável a aprendizagem participativa .................................. 88

Figura 17: Mapa Mental sobre as dinâmicas reflexivas associadas as consultas compartilhadas ....................................................................... 89

Figura 18: Primeira consulta conduzida pelo osteopata ........................ 90

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Figura 19: Primeira aula prática ............................................................ 91

Figura 20: Esclarecendo dúvidas na primeira aula prática .................... 92

Figura 21: Dinâmica reflexiva .............................................................. 92

Figura 22: Produto da dinâmica reflexiva ............................................. 93

Figura 23: Momento de compartilhamento das experiências da semana .................................................................................................. 94

Figura 24: Momento de aprendizagem da mecânica corporal pela própria experiência corporal ................................................................. 95

Figura 25: Momento de aprendizagem da mecânica corporal pela própria experiência corporal ................................................................. 95

Figura 26: Prática supervisionada ......................................................... 96

Figura 27: Consulta osteopática nos participantes ................................ 97

Figura 28: Mapa mental introdutório do momento de dispersão .......... 98

Figura 29: Dinâmica reflexiva acerca da identidade profissional e dos objetivos com a capacitação .................................................................. 99

Figura 30: Produto da dinâmica reflexiva acerca da identidade profissional ............................................................................................ 99

Figura 31: Consulta compartilhada no centro de saúde ...................... 101

Figura 32: Consulta compartilhada ..................................................... 101

Figura 33: Dinâmica reflexiva no centro de saúde do Itacorubi ......... 102

Figura 34: Produto da dinâmica reflexiva no centro de saúde do Itacorubi .............................................................................................. 103

Figura 35: Referencial comparativo de rotação interna de ombro antes e após a intervenção osteopática ................................................ 105

Figura 36: Profissional relembrando, reescrevendo e relatando as suas conclusões acerca do último encontro ......................................... 106

Figura 37: Consulta à profissional, sempre explicando a racionalidade ....................................................................................... 107

Figura 38: Segunda consulta de Samira para uma dor pós traumática de joelho .............................................................................................. 108

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Figura 39: Segunda consulta de Samira para uma dor pós traumática de joelho utilizado dinâmica breve inspierada em técnica de constelação familiar............................................................................. 109

Figura 40: Nas palavras da psicóloga Samira: “foi um ambiente de cuidado” .............................................................................................. 110

Figura 41: Ressonância Magnética de Denise mostrando a presença de uma hérnia cervical volumosa ........................................................ 111

Figura 42: Atendimento multiprofissional e integrando diferentes abordagens ........................................................................................... 112

Figura 43: Consulta compartilhada com os profissionais sob supervisão de algumas técnicas ........................................................... 113

Figura 44: Consulta compartilhada e anamnese feita em conjunto pela equipe .......................................................................................... 113

Figura 45: Consulta Rejane ................................................................. 115

Figura 46, 47, 48, 49: Animações envolvendo diferentes modelos de atenção à saúde .................................................................................... 116

Figura 50: Animações envolvendo sobre o ato de cuidar em diferentes perspectivas ........................................................................ 118

Figura 51: Exemplificando conceitos e técnicas osteopáticas na prática .................................................................................................. 119

Figura 52: Mapa mental sobre o olhar integrativo .............................. 120

Figura 53: Mapa mental sobre o agir integrativo ................................ 121

Figura 54: profissionais realizando consultas com terapia manual ..... 123

Figura 55, 56: Ultima dinâmica reflexiva............................................ 124

Figura 57: Palavras chave escolhidas para sintetizar a última dinâmica reflexiva ............................................................................... 125

Figura 58: Apresentação coletiva da síntese proveniente da primeira dinâmica reflexiva da segunda turma .................................................. 127

Figura 59: Palavras chave que escolhidas para sintetizar a dinâmica reflexiva............................................................................................... 128

Figura 60: Consulta de Cilene ............................................................. 130

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Figura 61: Explicando a técnica e fazendo sentir ................................ 131

Figura 62: A profissional agora praticando a técnica após ter sentido 132

Figura 63: Anamnese coletiva nas consultas compartilhadas ............. 136

Figura 64: Consulta da Amanda .......................................................... 137

Figura 65: Anamnese coletiva orientada pelo osteopata ..................... 138

Figura 66: Profissional vivenciando a abordagem osteopática ........... 140

Figura 67: Profissional relatando sua experiência para o grupo ......... 140

Figura 68: Profissional repassando suas experiências para o paciente 141

Figura 69: Mapeamento das queixas de cada participante .................. 141

Figura 70: Consulta compartilhada de Janice ..................................... 143

Figura 71: Exames complementares de Janice .................................... 144

Figura 72: Produto da dinâmica de recapitulação do desenvolvimento da aprendizagem segundo os eventos recordados por cada um a cada semana ................................................................................................ 146

Figura 73: Profissional sendo entrevistada ......................................... 149

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LISTA DE MATERIAIS ÁUDIO VISUAIS DISPONIBILIZADOS

Vídeo 1 entrevistas finais: Experimentando outras formas de aprendizagem https://youtu.be/pKRUA5K-x68 Vídeo 2 entrevistas finais: Para além do prognóstico biomédico: o resgate da curiosidade clínica e a surpresa da eficácia dos mecanismos de auto-regulação https://youtu.be/w3-W5LCyLzw Vídeo 3 entrevistas finais: Da ampliação do olhar clínico ao trabalho em equipe https://youtu.be/U3WBybOpomI Vídeo 4 entrevistas finais: Abrindo os olhos para o fenômeno da catastrofização https://youtu.be/9gUYC9cr3bM Vídeo 5 entrevistas finais: Quantidade X qualidade dentro do serviço: qual era mesmo o cuidado que queríamos compartilhar? https://youtu.be/dyBYZefpvgU Vídeo 6 entrevistas finais: Refletindo sobre as condutas clínicas e a conquista de maior autonomia https://youtu.be/5PP7lrQcB1w Vídeo 7 entrevistas finais: O desafio do compartilhamento https://youtu.be/9uhLbeX0468 Vídeo 8 entrevistas finais: Sinais ou visões de superação do modelo biomédico https://youtu.be/KP2s02wsXeE Vídeo 9: Animação didática sobre modelo de saúde I https://youtu.be/dJtl6kPiWSE

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Vídeo 10: Animação didática sobre modelo de saúde II https://youtu.be/pGM1Vlqvcb4 Vídeo 11: Técnicas e abordagens mais utilizadas https://youtu.be/GUHMARvxaPs Vídeo 12: Apresentação da tese: https://youtu.be/LLj1APHewqs

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SUMÁRIO

1- Introdução ......................................................................................... 23

2- Objetivos ........................................................................................... 30

2.1 Objetivo geral ............................................................................. 30

2.2 Objetivos específicos .................................................................. 31

3- Do núcleo ao campo: referenciais teórico-metodológicos ................ 32

4- Revisão de literatura: ........................................................................ 44

4.1- Origens e características da osteopatia, sua organização profissional e institucional no mundo e no Brasil. ............................ 44

4.2- A osteopatia no SUS e na APS: o desafio do compartilhamento .......................................................................................................... 50

4.3 Contribuições da osteopatia para o cuidado no contexto da APS54

Desafios e motivações (parcialmente) semelhantes .......................... 54

5- Percurso metodológico e resultados .............................................. 68

5.1 Aspectos Éticos ........................................................................... 68

5.2- Caracterização do território da pesquisa e sobre o pesquisador 69

5.3- Cronograma realizado: .............................................................. 77

5.4- Fase exploratória ....................................................................... 81

5.5- Fase de execução - primeira turma ............................................ 82

5.5.1- Descrição das estratégias de educação permanente da primeira turma .............................................................................. 84

5.6- Fase de execução da segunda turma (segunda onda da capacitação): ................................................................................... 125

5.6.1- Descrição do processo de educação permanente da segunda turma: ......................................................................................... 126

6- Metodologia de análise dos materiais e entrevista final:................. 146

7. Resultados ....................................................................................... 149

7.1 Da teoria emergente: ................................................................. 185

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7.2 Da técnica à postura investigativa e cuidadora osteopática: refletindo sobre o que pode ser socializado. ................................... 188

7.3 Uma proposta de aprendizagem via consultas compartilhadas 193

7.4 Limitações do estudo: ............................................................... 195

7.5- Considerações finais................................................................ 197

8- Referências ..................................................................................... 197

9- Artigos: ........................................................................................... 217

Osteopatia e Atenção Primária: uma relação desconhecida no Brasil ........................................................................................................ 217

Contribuições da osteopatia para o cuidado na atenção ................. 235

primária à saúde brasileira .............................................................. 235

Da educação ao serviço: desafios à diversificação da aprendizagem do cuidado a partir da aprendizagem da Osteopatia. ...................... 255

Osteopatia na atenção primária à saúde: resultados parciais de uma experiência de educação permanente/matriciamento e alguns efeitos iniciais ............................................................................................ 273

ANEXO 1: .......................................................................................... 295

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1- Introdução

Esta tese trata das contribuições potenciais dos saberes, técnicas e abordagens osteopáticas ao cuidado clínico realizado na atenção primária à saúde. Foi desenvolvida por meio de uma pesquisa/intevenção que envolveu estratégias de educação permanente e matriciamento sobre a abordagem osteopática oferecidas a profissionais de equipes de Saúde da Família de Florianópolis, SC.

A osteopatia é definida como um sistema de cuidados à saúde centrado na pessoa, que inclui um senso altamente desenvolvido de toque como um componente significativo de estabelecimento de diagnóstico e conduta terapêutica. Nela se considera necessário um entendimento avançado da relação entre estrutura e função corporal e é aplicada para otimizar as capacidades de auto-regulação, visando a homeostase dos indivíduos por meio de mecanismos endógenos (OIA, 2012).

Foi desenvolvida por Andrew Taylor Still, médico e cirurgião que estabeleceu a primeira escola independente de osteopatia em 1892 nos Estados Unidos da América em meados do século 1892 (GEVITZ, 2004). Still desenvolveu sua abordagem por ser completamente descrente da medicina clínica de sua época. Neste momento histórico a medicina se utilizava de muitas abordagens ineficazes, como a sangria ou uso de purgantes. Still teve influências de seu pai que foi médico e pastor metodista; também houve uma aproximação com as ideias de Mesmer relativos a cura pelo magnetismo natural, porém, não se sabe ao certo onde e como Still entrou em contato com as manipulações que vieram a fazer parte central da osteopatia. O que se sabe é que este tinha uma paixão pela anatomia e fisiologia, o que serviou como base para o desenvolvimento de sua abordagem (PETTMAN, 2007).

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Figura 1: Sitll e sua relação íntima com o estudo da anatomia

Fonte: www.sos.mo.gov; thedo.osteopathic.org

Figura 2: Hospital escola da American Scholl of Osteopathy (ASO), fundada em 1892.

Fonte: www.sos.mo.gov

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Figura 3: Primeira turma de formandos Osteopatas. Destaca-se a presença de mulheres na turma, sendo isso uma luta travada por Still, uma vez que nesta época as mulheres não eram aceitas em escolas de medicina nos EUAs pelo argumento “científico” de sua inferioridade (QUINN, 2017).

Fonte: thedo.osteopathic.org

A osteopatia depende do contato manual para diagnóstico e

tratamento. Ela foi desenvolvida centralmente, de um ponto de vista da prática clínica, ao redor do aperfeiçoamento da observação, do toque e da manipulação com as mãos do terapeuta sobre o corpo do usuário, e sua abordagem dos problemas de saúde sempre foi intrinsecamente ampliada ou holística, no sentido de incorporar aspectos físicos, sociais, psicológicos e do contexcto de vida. Nas palavras mais usadas pelos osteopatas, a ostepatia respeita a unidade entre o corpo, a mente e o espírito, principalmente no que compete a influir na saúde e na doença; enfatiza a relação entre os aspectos estrutural e funcional do corpo e a tendência intrínseca do corpo para a autocura. Os clínicos osteopatas utilizam uma grande variedade de técnicas manuais terapêuticas para melhorar a função fisiológica e / ou reestabelecer o fluxo sanguíneo visando a homeostase dos tecidos e do todo. Para os osteopatas, a causa do sofrimento e dos sintomas decorrem da perda de mobilidade tecidual livre e completa (descrita como disfunção osteopática), em estruturas esqueléticas e miofasciais, elementos vasculares, linfáticos e neurais relacionados (OMS, 2010).

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Para a construção do raciocínio clínico osteopático é importante a compreensão da relação entre as estruturas (anatômicas) e sua função (forma como é utilizada), considerando otimizar as capacidades de autorregulação do corpo segundo a singularidade de cada indivíduo. A abordagem baseia-se em três princípios: o corpo é uma unidade dinâmica e indissociável; a estrutura e a função sempre estão interrelacionadas; o corpo possui uma capacidade inerente de se autorregular. Os osteopatas se utilizam de variados modelos explicativos acerca das relações entre estes princípios e aquilo que se observa clinicamente, no intuito de organizar a sua racionalidade clínica, para planejar, intervir e avaliar a evolução terapêutica. Dentre os principais modelos estão: o modelo biomecânico, o modelo respiratório/circulatório, o modelo neurológico, o modelo biopsicossocial e o modelo bioenergético (OMS, 2010).

O modelo biomecânico observa a relação das estruturas anatômicas e sua disposição no espaço. Considera os mecanismos de postura relativa das partes, seus braços de alavanca e transmição de força entre as partes e do equilíbrio do corpo frente as forças da gravidade e a otimização dos braços de alavanca necessários às demandas mecânicas e ergonômicas da vida. Segundo este modelo, as técnicas manipulativas osteopáticas permitem a otimização da mobilidade do sistema musculoesquelético, no sendido de restabelecer posturas mais equilibradas e movimentos livres, que possibilitem um menor gasto energético para a realização das atividades de vida diária.

O modelo respiratório/circulatório preocupa-se com a manutenção de ambientes extracelulares e intracelulares através da fluxo desimpedido de oxigênio e nutrientes e da remoção de resíduos celulares já metabolizados. Este modelo considera que o estresse tecidual ou outros fatores que interferem no fluxo ou na circulação de qualquer líquido corporal podem afetar a saúde do tecido. Aplica abordagens terapêuticas, incluindo técnicas manipulativas osteopáticas, para abordar a mecânica respiratória e do fluxo de fluidos corporais (OMS, 2010).

O modelo neurológico considera a influência da função neuro-proprioceptiva, da atividade de nociceptores e do sistema nervoso autônomo na manutenção das condições necessárias a autorregulação. Segundo este modelo, quando o corpo não consegue dar conta dos mecanismos estressores, o sistema nervoso fica hiperestimulado em determinadas regiões, esta hiperestimulação gera reflexos no sistema nervoso autonômo, que altera de forma desequilibrada a vasomotricidade das estruturas e sistemas. Desta forma, este modelo procura lidar tanto com as questões de dor relacionadas aos nociceptores

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quanto com as questões viscerais, endócrinas e de imunidade moduladas pelo sistema autônomo. Para intervir nestes sistemas o osteopata procura diminuir as tensões em regiões mais contraturadas e hiperativas do sistema autônomo simpático, bem como se utiliza de técnicas para estimular o sistema parassimpático quando necessário, e desta forma equilibrar as entradas neurais e reduzir ou eliminar o impulso nociceptivo e autonômico exacerbado (OMS, 2010).

O modelo biopsicossocial reconhece as várias reações e estresses psicológicos que podem afetar a saúde e o bem-estar dos indivíduos. Direciona sua atenção a fatores ambientais, socioeconômicos, culturais, fisiológicos e psicológicos que influenciam a doença. Este modelo aplica as técnicas manipulativas osteopáticas, para abordar os efeitos e as reações a vários estresses biopsicossociais procurando dar consciência sobre alguns determinantes sociais por meio dos seus registros com o corpo, seus sintomas e consequências percebidos pelo individuo. Desta forma, contribui para elucidar fatores causais encontrados em determinantes sociais até então não considerados e que servem como base para a conquista de autonomia, frente a ações que atenuem ou tornem mais resiliente e pró-ativo o usuário, frente à sua realidade (OMS, 2010).

Por fim, o modelo bioenergético observa a dinâmica do corpo em manter um equilíbrio entre produção, distribuição e gasto de energia. A manutenção desse equilíbrio ajuda o organismo a adaptar-se a vários estressores (imunológico, nutricional, psicológico etc.). Este modelo aplica abordagens terapêuticas, incluindo técnicas manipulativas osteopáticas e questões relativas a alimentação, metabolismo e excreção para abordar fatores que têm o potencial de desregular a produção, distribuição ou gasto de energia (OMS, 2010).

A coexistência de modelos explicativos, bem como de uma extensa diversidade de técnicas e abordagens terapêuticas, é característica do conhecimento teórico e prático da osteopatia. O osteopata experiente reconhece a necessidade de relativizar as suas próprias narrativas e abordagens para melhor adequar aquilo que seja mais eficiente e adequado à complexidade de cada indivíduo. Alguns exemplos de técnicas, amplamente descritas e difundidas na literatura e nos cursos de osteopatia são: técnicas de trust ou de movimentos de alta velocidade e baixa amplitude, técnicas de energia muscular, técnicas viscerais, técnicas cranianas, técnica de inibição posicional (Jones), técnicas funcionais, técnicas de equilíbrio dos diafragmas, técnicas de Sutherland, técnicas fasciais, técnicas de liberação somato/emocional, dentre outras. Mesmo considerando a mesma origem, cada uma destas

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técnicas são vistas e difundidas por escolas diferentes e por vezes, com uma certa variação segundo as inclinações filosóficas e técnicas de cada escola.

Para entendermos melhor a complexidade da forma como o conhecimento é produzido e difundido, podemos acompanhar a trajetória das correntes de pensamento osteopático. Isto pode ser visto como uma arvore genealógica onde cada osteopata proeminente de sua época, vai construindo, adaptando e criando conceitos a partir de seus antecessores. As correntes e escolas geralmente respeitam os princípios osteopáticos compilados por Still, porém, cada qual possui suas particularidades, se inclinam no desenvolvimento de determinados modelos explicativos, utilizam-se de repertórios narrativos próximos, entretanto sempre acompanhados de diferenças e peculiaridades de cada escola. Os osteopatas vivenciam uma constante transformação de seus núcleos de saber ao entrarem em contato com outras escolas, outros professores e os novos achados científicos. Embora não se diga frequentemente, o desenvolvimento do saber osteopático pode ser visto como um movimento social de profissionais de alta especialização, que envolve a aprendizagem pelo contato tutorial, acompanhamento das consultas de profissionais mais experientes e geralmente o conhecimento se propaga nos grupos formados por escolas, que mantêm sua agenda de educação permanente, trazendo professores de outras escolas. Cada novo professor, traz um novo olhar ou uma particularidade à prática que a adequa aos paradigmas e as demandas epidemiológicas de sua época. Ao observarmos de fora um consulta de osteopatas de diferentes escolas, percebemos uma dinâmica e um estilo de clinicar, por vezes muito diferentes. Todavia, a título de aprendizagem, cada estilo inspira algo, como uma forma particular de existência clínica.

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Figura 4: Still em um momento didático. Observa-se a proximidade com seus alunos e a reflexividade de sua aprendizagem.

Fonte: www.sos.mo.gov

Um exemplo pode ilustrar parcialmente isso. Still compilou os princípios osteopáticos. Willian Sutherland, aluno direto de Still, desenvolveu as técnicas cranianas, que demoraram a serem aceitas mesmo na comunidade osteopática (SUTHERLAND, 1944). John Upledger inspirado pelas ideias de Sutherland, sobre a mobilidade dos ossos do crânio e seus ritmos lentos, nomeados por Sutherland de respiração primária, desenvolveu a abordagem de liberação somato-emocional no intuito de procurar flexibilizar tensões relacionadas às questões emocionais e traumáticas (UPLEDGER, 2011). Outro exemplo desta precedência é o caso de Viola Frymann, osteopata que inspirada pela abordagem craniana, desenvolveu e capacitou por anos abordagens aplicadas a recém-nascidos (FRYMANN, 2000). Existem inúmeros exemplos de escolas e conhecimentos que se sucederam e continuam em constante transformação. Vale colocar que as abordagens mais recentes, por vezes, são incluídas gradualmente nas formações de osteopatia. Em contrapartida existem escolas que seguem seu caminho de forma independente, tornando-se não mais escolas de osteopatia mas sim escolas de suas abordagens próprias. A diversidade de escolas e abordagens é tamanha que para avaliar uma dor no ombro, um osteopata pode concluir que existe um

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interdependência regional entre o ombro e uma pdisfunção proveinente da coluna cervical e seu tratamento envolverá melhora da fisiologia vascular e neurológica advinda da flexibilização cervical. Outro osteopata pode concluir que trata-se de um problema associado ao tensionamento fascial do peitoral maior e menor e de cadeias musculares interligadas por sua continuidade fascial, o que favorece uma protrusão escapular dificultando o movimento livre gleno-umeral. Um terceiro, que tenha maior identidade com escolas que acreditam que os problemas sejam em sua maioria oriundos das vísceras, pode em sua avaliação atribuir a causa desta dor a um tensão diafragmática, que por hipótese, pode ter relação com uma questão associada ao fígado e que, por isso, seu tratamento consiste em repensar a dieta e flexibilizar os tecidos e fáscias relacionados ao fígado e ao diafragma. Em última instância, cada osteopata, segundo suas próprias inclinações, vivências e formações, opta por iniciar e dar continuidade ao percurso investigativo e terapêutico de forma singular. Figura 5: Willian Stutherland tratando e ensinado sua abordagem craniana. Uma abordagem muito singular para a sua época.

Fonte: www.sos.mo.gov

2- Objetivos 2.1 Objetivo geral

Construir e analisar de maneira participativa estratégias de educação permanente e matriciamento em Osteopatia com/para profissionais da saúde, com especial atenção para a Atenção Primária a

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Saúde e Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) do município de Florianópolis.

2.2 Objetivos específicos

a) Identificar e analisar as contribuições da prática osteopática para o cotidiano dos profissionais da saúde e usuários do SUS, com especial atenção para APS e NASF segundo os interessados (stakeholders).

b) Construir participativamente estratégias viáveis de educação permanente e matriciamento em Osteopatia com/para profissionais da Saúde do município de Florianópolis.

c) Implantar e executar as estratégias adotadas. d) Analisar as estratégias adotadas e as experiências de

matriciamento e aprendizado em conjunto com os participantes.

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“Why would you want to be happy if you can be interested?”

Slavoj Žižek

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3- Do núcleo ao campo: referenciais teórico-metodológicos As reflexões advindas do contexto empírico vivenciado ao longo dos três anos do projeto serviram como referência e inspiração para a construção do método apresentado, bem como, nortearam as escolhas dos materiais, interpretações e narrativas que estruturaram os encontros/intervenções e os produtos acadêmicos (ensaios, resultados e discussões). Em outras palavras, as relações com o contexto empírico vieram do próprio percurso de construção da pesquisa/intervenção e contribuíram para a construção do método como se apresenta agora. Tal percurso foi resultado de constantes reformulações alimentadas por nossas análises, em parceria ou pelo menos colaboração com gestores e profissionais participantes, ao longo do projeto. Desta forma observamos que o método também é uma parte dos resultados. Caso este projeto tivesse continuidade, certamente partiria deste ponto para novos caminhos que encontrassem eco nas demandas e desejos dos participantes. A primeira proposta submetida ao comitê de ética e à gestão da Secretaria Municipal de Saúde apresentava nossas intenções. Tínhamos os objetivos, neste momento, de negociar espaços que possibilitassem realização das estratégias de educação permanente. Considerando a não neutralidade científica, explicitamos na época uma síntese das intenções iniciais relativas à intervenção proposta pela pesquisa:

a) contribuir para a efetivação do SUS; b) contribuir para o desenolvimento da auto-percepção,

autocuidado, comprometimento e satisfação dos profissionais; c) contribuir para o manejo do fenômeno de biomedicalização da

vida (CLARKE et al., 2010); d) fortalecer condutas centradas na pessoa (MCWHINEY, 2010;

STEWUART et al, 2010); e) empoderar os profissionais (generalistas e especialistas) e a

comunidade em relação a recursos de osteopatia; f) aumentar a resolubilidade dos profissionais envolvidos na APS

de Florianópolis; Ao longo do processo o projeto foi incluindo a perspectiva dos

grupos de interesse dos serviços e da gestão municipal e a cada reunião foi reformulado de tal forma a acomodar as sugestões e consensos. Metodologicamente, tornou-se útil como ferramenta de ensino/pesquisa/intervenção evidenciar para os participantes quatro aspectos principais envolvidos no matriciamento/capacitação proposto: a) a racionalidade clínica orientadora do trabalho assistencial; b) os interesses, desejos e motivações dos profissionais participantes; c) o

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processo de trabalho e d) o sentimento de segurança ou resistência de cada profissional frente ao ‘modelo de cuidado’ a que se propõe a osteopatia.

a) A racionalidade clínica foi observada e discutida a partir das linguagens e narrativas envolvendo as formas de avaliação, estabelecimento de hipóteses diagnósticas, estratégias de cuidado, formas de acompanhamento longitudinal, estabelecimento de prognósticos e das maneiras pelas quais os profissionais comunicam sua racionalidade e suas interpretações com os usuários bem como outros profissionais. Procuramos criar condições para tornar evidente aos participantes a racionalidade de cada profissional, suas narrativas, valorizando o saber-fazer empírico proveniente da experiência clínica e vivida de cada profissional. Nosso ideal foi fazê-lo de tal forma a tornar as linguagens inteligíveis para todos os envolvidos, independente da profissão de base. No intuito de iluminar a racionalidade de cada profissional participante foram construídos ambientes de confiança e conforto onde cada profissional pôde expressar sua forma de pensar e sanar suas dúvidas sobre a racionalidade do outro. Para isto utilizamos estratégias de consultas compartilhadas, de caráter multiprofissional, seguidas de dinâmicas reflexivas que pudessem organizar os conteúdos e narrativas utilizadas nas consultas. Como ferramentas de organização das narrativas, lançamos mão da confecção coletiva de mapas mentais, contendo palavras-chave para sintetizar os assuntos gerados neste processo (BUZAN, 2005). Como forma de registro, todos os mapas foram fotografados, grande parte das consultas registradas em vídeo e áudio e os diálogos provenientes dos momentos reflexivos foram registrados em áudio. Outros materiais também foram confeccionados pelo pesquisador de tal maneira a organizar os conteúdos discutidos nos encontros após realizados, para serem retomados em sessões posteriores. Para fundamentar nossa opção metodológica, inicialmente nos aproximamos de abordagens construtivistas por duas convicções que se sustentaram ao longo do trabalho de campo. A primeira refere-se a hipótese de que a aprendizagem de conhecimentos básicos e aplicáveis ao campo na saúde (independentemente da profissão), quando inserida no processo de trabalho por meio de consultas compartilhadas entre diversas profissões e de forma organizada, promove protagonismo e autonomia dos sujeitos e coletivos no sentido da transformação do processo de trabalho em saúde. Esta hipótese se sustentou ao analisarmos as entrevistas e relatos dos participantes ao longo de todo o processo de aprendizagem, o que será apresentado nos resultados.

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A segunda convicção, é que modelos tradicionais de educação, baseados no acumulo de conteúdos teóricos previamente estipulados e distantes da prática cotidiana, por vezes, dificultam o entendimento comum entre profissionais. Esses modelos de ensino, quando aplicados ao campo da saúde, podem criar barreiras e obstáculos aos leigos bem como pode distanciar as profissões entre si. Isto ocorre na medida em que as linguagens e narrativas se tornam cada vez mais especializadas e herméticas, dominadas exclusivamente por um grupo ou categoria profissional. O aprendiz de qualquer nova racionalidade clínica, proveniente de outra profissão ou especialidade, naturalmente ainda ignorante sobre o novo campo de saber, sente-se constrangido em não dominar as nomenclaturas e conceitos (no caso, em sua maioria, biomédicos, mas também vários de origem osteopática, desconhecidos na biomedicina) e por isso não se autoriza a questionar, procurar incoerências e participar da solução de problemas. Desnecessário frisar que estes são atributos indispensáveis para indivíduos protagonistas de transformações como se espera em práticas, iniciativas e ambientes de educação permanente.

O construtivismo, bem como o construcionismo social, partem do pressuposto que não existe uma realidade única, mas sim, várias realidades. Uma variação dessa ideia é que a realidade só é apreensível parcialmente aos humanos e essa apreensão é também performadora da própria realidade, ou co-construtora dela. Estas correntes de pensamento consideram a(s) realidade(s) como produto(s) de uma construção social e cognitiva (esta também permeada por forças psico-sociais) e não como algo absoluto e pronto, estável e objetivo do qual nos aproximaríamos através de processos cognitivos, sobretudo através da Ciência, que nos levaria assintoticamente cada vez mais próxima da verdade, vista esta como um descrição e ou explicação fiel da realidade. Os pensadores atribuem especial importância aos repertórios narrativos dos sujeitos e coletivos como elementos constitutivos da(s) “realidade(s)” destes. Tais repertórios dão sentido às subjetividades, culturas e práticas sociais dos sujeitos e assim condicionam o seu agir no mundo, seja no contexto do trabalho, nas relações com profissionais e usuários, bem como em outros contextos de vida (BERGER; LUCKMANN, 2014; TIOLLENT, 1996; ANDERSEN, 2000).

Uma questão comum entre os métodos que comungam com pressupostos construtivistas é não terem a pretensão de encontrar “o real” ou uma “verdade” supostamente transferível a todos os contextos, mas sim, servir para ampliar a capacidade de compreensão, análise e ação dos grupos sobre suas próprias realidades (CAMPOS, 2000;

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BERGER E LUCKMANN, 2014). No contexto da introdução de novos olhares no campo da saúde, isto é especialmente relevante, pois, cada grupo profissional e especialidade possui seus próprios repertórios narrativos. Tais repertórios pré-determinam condutas por meio do estabelecimento de diagnósticos e suas estratégias terapêuticas específicas. Este trabalho buscou compartilhar no campo multiprofissional, ainda que parcialmente, uma outra racionalidade clínica (a osteopatia), o que inclui distintas narrativas e linguagens sobre a fisiologia, conceitos, estratégias terapêuticas e de diagnóstico, segundo as particularidades da osteopatia. Outra questão relevante é que se pretendeu desenvolver conhecimento sobre aquilo que pode ser compartilhável por toda a equipe de saúde, e por isso, foi imprescindível que a linguagem fosse compreensível para todos os envolvidos. Desta forma as reflexões sobre o método aqui apresentadas podem ser úteis para outras especialidades que tenham o interesse de compartilhar parte de seus saberes específicos com outras profissões.

b) O segundo aspecto que procuramos tornar evidente ao longo do trabalho tem relação com os desejos, interesses, motivações e necessidades dos participantes. Tanto para Santos Filho (2009), quanto para Campos (2000), bem como Tiollent (1996) e Guba e Lincon (2011), é preciso analisar a dinâmica das motivações, desejos e dos interesses dos sujeitos e coletivos. Por meio do acolhimento destes, motiva-se o agir participativo, abrem-se as possibilidades de ressignificação necessárias para o desenvolvimento da capacidade de tomar decisões, lidar com conflitos, estabelecer compromissos e contratos, “ampliar a capacidade para lidar com informações, interpretá-las, compreender-se a si mesmo, aos outros e ao contexto” (CAMPOS et al.; 2014, p. 985), ampliando, enfim, a possibilidade de mudança. Vale lembrar que, no que se refere a mudança, sobretudo, “não se pretende mudar algo “para” o outro, senão “com” o outro” (CAMPOS et al.; 2014, p.993). Kenneth e Mary Gergen (2010), no livro intitulado ‘Construtivismo Social: um convite ao diálogo’, instrumentalizam a postura dialógica, nos campos da educação, pesquisa e dentro das organizações. Para os autores, o envolvimento na construção de significados compartilhados favorece o interesse e motivação, principalmente quando estes novos significados aproximam as relações daquilo que se deseja. Consideram importante ter claro o que se deseja e propõem como recurso revisitar momentos e experiências vividas de realização, pois estas podem apontar indícios do que para cada um é o bem e o bom e servir para nortear as transformações. Estes autores

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organizam três etapas para transformar e pesquisar: 1- juntar-se à produção de realidade, 2- explorar juntos os limites e possibilidades e 3- criar juntos novas visões de futuro.

c) O processo de trabalho na perspectiva de cada profissional gradualmente ganha corpo como objeto de análise na medida em que acolhemos e contextualizamos os interesses dos participantes. Tais interesses vêm, na maioria dos casos, de suas necessidades no ambiente de trabalho. Isto envolve suas demandas, suas atribuições, suas práticas, sua produtividade, seus sentimentos e frustrações em relação ao trabalho, cansaço e gasto de energia. Tudo isto sendo parte do corpo palpável e vivido e por isso, acessível e observável não apenas nas falas mas também em sua fisiologia, seu sono, sua força e aptidão física ou a ausência da mesma, sua flexibilidade, sua disposição ou falta de disposição, suas limitações, suas dores, suas crenças, enfim, tudo aquilo envolvido no ato de trabalhar diariamente em determinadas condições estruturadas no processo de trabalho.

As metodologias e práticas desta pesquisa se aproximam no sentido de comprometer-se com a solução de problemas práticos, procurando encontrar ações legítimas e viáveis para a superação dos mesmos. Nesse contexto torna-se importante integrar o conhecer, o agir e o avaliar (THIOLLENT, 1996; GUBA; LINCON, 2011). As arquiteturas metodológicas que aqui se enquadram, como a pesquisa-ação (THIOLLENT, 1996), pesquisa participante (BRANDÃO, 2006), avaliação de quarta geração (GUBA; LINCON, 2011) e o método Paidéia (CAMPOS, 2000; 2003) convidam a elaboração atenta, crítica, sistemática e participativa de narrativas e modelos explicativos da realidade vivida seja ela dentro ou fora do processo de trabalho, com a função ética de organizar o agir coletivo no sentido da superação das adversidades elencadas pelos próprios interessados. Santos Filho (2009), considerando o contexto de busca de estratégias de transformação do processo de trabalho no SUS, destaca a inseparabilidade entre o fazer, planejar, acompanhar e avaliar dentro do processo de aprendizagem e construção de saber. O autor propõe a inversão do conhecer para transformar, para o transformar para conhecer. Ressalta que a avaliação não pode se dar senão em curso, mediando o percurso de formação/intervenção. Para o pesquisador, formar e intervir tornam-se práticas correlatas, principalmente quando o processo de ensino-aprendizagem se faz na experiência quente dos serviços de saúde e não a partir do estado de quarentena daqueles que se prepararam para uma futura atividade profissional. Propõe, ainda, uma metodologia que abarca estratégias de observação participante, o que

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possibilita uma informação e ação sobre o funcionamento dos serviços em tempo real; implementação de movimentos/encontros das equipes, que podem seguir os modelos de grupos focais, com o objetivo de serem momentos analítico-interventivos; e a utilização de filmagens e debates para facilitar uma autoanálise crítica do fazer, no trabalho. Os assuntos podem ser direcionados/focados tanto no trabalho, ações, procedimentos e projetos, quanto em torno da grupalidade, modos de interação e funcionamento em equipe, incluindo também os usuários. Ressalta também, que a postura do pesquisador deve considerar uma responsabilidade colaborativa e de inclusão das diversas vozes e situações.

Ainda, no que se refere a postura do pesquisador/apoiador, Gastão Wagner de Sousa Campos, construtor do conceito de matriciamento e do método Paidéia, traz algumas sugestões: quando possível, deixar clara as intenções dos pesquisadores para os participantes; trabalhar com uma duplicidade de objetivos, um externa ao grupo – produzindo valores de uso para outros –, e uma interna – ampliar a compreensão e a capacidade operacional dos coletivos; integrar as demandas dos participantes às ofertas do apoiador; apoiar o grupo tanto para construir objetos de investimento quanto para compor compromissos e contratos com outros; pensar e fazer junto com as pessoas e não por elas; autorizar os grupos a exercer crítica generosa e desejar mudanças; autorizar-se a ser agente e não somente apoiador.

d) Por fim, existe a necessidade de evidenciar e acolher o sentimento de segurança ou resistência de cada profissional frente aquilo que até então era desconhecido. O profissional pode dar-se conta de que por vezes, acaba agindo a favor de um ‘modelo de cuidado’ que ele próprio não apoia, porém, que por força da rotina estabelecida, acaba por reproduzir em seu fazer. Este momento é extremamente importante e delicado, pois nele emergem questões que envolvem sua identidade profissional, o que inclui aquilo que orienta como o profissional se relaciona com os usuários, com a equipe e com as suas próprias incertezas e convicções.

Nossa metodologia se apoiou na socialização de saberes osteopáticos, procurando contribuir com a transformação do processo de trabalho. Isto tem direta relação com as identidades profissionais pois é por meio das distintas atribuições e conhecimentos que cada profissão constrói suas relações com as outras. Neste contexto o método Paidéia, proposto por Campos (2003), vem sendo amplamente utilizada para dar suporte ao protagonismo dos coletivos e servindo inclusive como base para a construção das diretrizes dos NASF. O método possui dois eixos

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importantes para nosso trabalho: o apoio matricial e a clínica ampliada e compartilhada. O apoio matricial envolve um arranjo organizacional que sugere um funcionamento de trabalho em rede, tendo o sujeito como centro do cuidado e reorganizando o processo de trabalho envolvendo responsabilização por pessoas e não mais por procedimentos. Busca-se um compartilhamento de saberes dos diferentes grupos profissionais que possibilite a construção de conhecimentos comuns e que sirvam como base para facilitar a comunicação e construção de redes de cuidado multiprofissional compartilhado ou pelo menos intensamente colaborativo.

É sabido que o compartilhamento e construção de conhecimentos comuns pode gerar um tensionamento das grupalidades corporativas. No intuito de atenuar a separação de saberes, sem desrespeitar a especificidade de cada especialidade ou profissão são úteis os conceitos de campo e núcleo de saber e de competência. O núcleo de saber conforma as identidades profissionais, havendo uma aglutinação de conhecimentos e práticas e determinados padrões de compromisso com a produção de saúde relativamente específicos e pouco delegáveis ou socializáveis de cada profissão. O campo, por sua vez, pode ser definido como um espaço de interseção entre os saberes especializados e profissionais, com o foco nas necessidades contextuais, havendo assim “uma sobreposição dos limites entre cada especialidade e cada prática, e onde todo profissional de saúde poderia atuar, independentemente de sua categoria ou formação” (CAMPOS et al.; 2014, p. 989). Fora o aspecto corporativo, que pode fomentar resistências a mudanças geradas por um compartilhamento de saberes, o método Paidéia também procura desenvolver o conceito de clínica ampliada. Este conceito procura estimular a mudança do processo de trabalho, propondo uma superação da prática clínica reducionista. Isto pode gerar resistências na medida em que os profissionais se deparam com uma forma de atuar diferente daquela na qual foram formados (com uma predominância de elementos técnicos e pouco estímulo a habilidades relacionais). Ao tratar da clínica ampliada, Campos (2003) evidencia a comum e muito criticada presença de práticas e abordagens clínicas, sobretudo na medicina, caracterizadas por grande reducionismo (geralmente biológico), em que as doenças e os respectivos protocolos ou raciocínios clínicos de diagnose e indicações terapêuticas passaram a se sobressair e ficar em primeiro plano, consumindo o grosso da atenção dos profissionais, deixando os sujeitos doentes, seus sofrimentos e sua situação de vida em segundo plano.

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Nesse contexto, as tecnologias duras (corporificadas em produtos e aparelhos de alta tecnologia), os procedimentos e os tratamentos mais comuns e consagrados, para os quais foi gerado o grosso das evidências científicas, notadamente os exames complementares como processos diagnósticos, os fármacos e cirurgias como instrumentos terapêuticos, tornaram-se o foco e o centro do trabalho interpretativo e terapêutico, respectivamente (CAMARGO, 2003). Além disso, e com isso associada, há uma comum degradação das relações terapêuticas em termos de reciprocidade, empatia, solidariedade, escuta, dialogicidade e estímulo a participação dos usuários, com proeminência de um estilo de relação terapêutica autoritário, controlador e paternalista (EMANUEL; EMANUEL, 1992), em que os profissionais interrogam (anamnese), examinam (exame físico), investigam (exames complementares) e prescrevem (fármacos e ou cirurgias) e espera-se dos usuários não mais que submissão e cumprimento das prescrições. Esse tipo de relação terapêutica, obviamente, reduz a participação dos usuários, reduz o espaço na interação profissional-usuário para suas vivências, crenças, desejos, experiências de vida, explicações ou hipóteses sobre seu próprio adoecimento, e faz decair e empobrecer a comunicação, o conhecimento mútuo, a parceria e a cumplicidade entre profissionais e usuários. Essas e outras características, associadas aos comuns problemas de infraestrutura dos serviços de saúde e seu subdimensionamento no setor público, notadamente na APS, e à desigualdade e iniquidade social no Brasil geraram o que pode ser considerado uma clínica reduzida e degradada, a tal ponto de ela poder ser em muitos locais considerada 'normal', pois muito comum.

Advogando o rompimento com essa quase 'tradição' biomédica (TESSER, 2007; 2009) de clínica degradada e reduzida, a então qualificada como 'clínica ampliada' estende o objeto de atenção clínica para além das doenças e riscos biológicos, considerando as capacidades de estabelecimento de contratos e compromissos, de elaboração de interpretações pessoais e posicionamentos participativos, as dimensões psicossociais e as singularidades dos usuários. Isso amplia os objetivos para além de curar, reabilitar e prevenir. Apoia a promoção de saúde dentro do ato clínico e terapêutico, no sentido do desenvolvimento de maiores graus de autonomia e auto-atenção dos sujeitos e de sua capacidade de realização pessoal (MENÉNDEZ, 2003). Não obstante, a proposta da clínica ampliada diversifica também os meios de trabalho em saúde, reformulando a relação clínica e os processos de educação em saúde, bem como amplificando as possibilidades de recursos terapêuticos e interpretativos na atenção básica (CUNHA, 2007).

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Constrói relações que superam ou atenuam/relativizam lógicas hierárquicas de poder e proporcionam contextos de aprendizagem e intervenção baseadas no diálogo, no vínculo e na corresponsabilização (CAMPOS et al., 2014).

No contexto do Sistema Único de Saúde, para além dos NASF, há ainda outras diretrizes e políticas que convergem com essa abordagem de cuidado colaborativo e compartilhado e de ampliação da clínica e da participação. Mais especificamente, no que se refere a formas de abordagem interpretativa e terapêutica, o Ministério da Saúde elaborou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). A PNPIC busca ampliar a oferta de ações de saúde por meio de práticas Integravas e Complementares (PIC), com ênfase na atenção primária (BRASIL, 2006). A partir de experiências de longa data já presentes no SUS e na APS, a PNPIC oficializa o reconhecimento da possibilidade do uso de outras formas de cuidado à saúde caracterizadas pelo seu não pertencimento ao escopo do que é consagrado na medicina convencional e nas outras profissões da saúde: as anteriormente chamadas medicinas alternativas e complementares e medicinas tradicionais, hoje designadas medicinas tradicionais e complementares (OMS, 2013). Para tal, a política prevê o desenvolvimento de estratégias de qualificação e aprendizagem em PIC para profissionais do SUS, em caráter multiprofissional e em conformidade com os princípios e diretrizes estabelecidos para educação permanente em saúde (EPS), outro enfoque assumido pelo SUS como desejável no cotidiano das práticas do SUS, convergente com a clínica ampliada e a perspectiva deste trabalho.

A educação permanente é aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho. A educação permanente se baseia na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar as práticas profissionais. Pode ser entendida como aprendizagem-trabalho, ou seja, ela acontece no cotidiano de trabalho das pessoas e das organizações (BRASIL, 2009).

Vale lembrar, que a EPS se diferencia do modelo de educação continuada (EC), pois, enquanto esta apresenta-se fragmentada em especialidades, sustenta-se em verdades (supostamente) transferíveis a todos os contextos e legitima-se a priori pela ciência, independente das necessidades e peculiaridades dos grupos envolvidos, a EPS fundamenta-se na valorização do trabalho como fonte de construção conjunta de conhecimento, contextualiza-se nos processos de trabalho, necessidades e desejos dos grupos de interesse por meio do diálogo e

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visa transformar o exercício cotidiano do trabalho por meio da aprendizagem significativa e valorização da articulação com a atenção à saúde, a gestão e a participação social. Considera também que as práticas de educação e qualificação são definidas por múltiplos fatores, voltadas à multiprofissionalidade e à interdisciplinaridade, com estratégias de ensino contextualizadas e participativas (PEDUZZI, 2009).

Para a Política Nacional de Educação Permanente (PNEP) (BRASIL, 2009), as ações voltadas a formação e desenvolvimento dos trabalhadores na área da saúde devem ser produto de cooperação técnica, articulação e diálogo entre as três esferas de governo, as instituições de ensino, os serviços de saúde e a participação da sociedade e usuários no sistema público e seus serviços de saúde. Isto foi muito caro para a este trabalho, uma vez que a escolha metodológica foi construída no intuito de não fechar-se nos próprios objetivos, nem tampouco fingir que não existem, mas abrir-se no sentido do diálogo organizado com diversas instâncias e grupos de interesse, tendo como objetivo facilitar a transformação de processos de trabalho, na medida em que os participantes sintam-se intrinsecamente motivados a fazê-lo.

A Ostepathic International Association (OIA) registrou em 2012 a existência de programas de educação em osteopatia em mais de 25 países. A diretriz europeia para a educação e formação em osteopatia (VAN DUN; KOUWENBERG, 2012) enfatiza alguns aspectos peculiares à essa formação que norteiam o presente trabalho:

1- O estudo da osteopatia coloca o indivíduo no centro de aprendizagem, integrando aprendizagem teórica e prática, inseridas no contexto clínico;

2- A formação visa não ser demasiadamente prescritiva, incentivando a diversidade educativa e inovação na área da aprendizagem;

3- Tem foco na busca de soluções compartilhadas; 4- Enfatiza um estudo centrado na pessoa, em vez de ser centrado

na patologia; 5- A natureza do estudo em osteopatia é multidisciplinar,

envolvendo conhecimentos de alimentação, práticas físicas e estilo de vida e trabalho;

6- Enfatiza aspectos relacionais e comunicacionais, envolvendo conduta esclarecida e pactuada entre profissional e indivíduo;

7- Desenvolve habilidades manuais terapêuticas e diagnósticas segundo os princípios osteopáticos.

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Como nosso enfoque é a construção de formas de compartilhamento de conhecimentos que fortaleçam o campo comum de cuidado profissional na atenção primária á saúde, entendemos que os principais objetos de reflexão a serem ampliados e relativizados dentro do pensamento clínico são os diagnósticos, seus prognósticos e as terapêuticas. Isto porque, uma vez estabelecidos os rótulos diagnósticos há um desencadeamento de pressupostos e narrativas que norteiam o funcionamento do processo de trabalho em saúde. Ao incluir novas abordagens de avaliação e anamnese torna-se possível a visualização de outras possibilidades de ações terapêuticas e de acompanhamento conjunto dos casos.

Por fim, ao flexibilizar padrões de conduta baseados em diagnósticos biomédicos, amplamente conhecidos e compartilhados pelos profissionais, é imprescindível analisar o sentimento de segurança por parte de todos os envolvidos. Isto deve ser constantemente observado nas consultas e dinâmicas reflexivas, incluindo a avaliação conjunta de quais procedimentos utilizar e quais não em cada situação específica. Caso o sentimento de segurança dos profissionais não seja alcançado naturalmente, retorna-se ao modelo anterior, com seus rótulos, prognósticos e pactuações de responsabilidades, muitas vezes por processos e não por pessoas.

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4- Revisão de literatura: 4.1- Origens e características da osteopatia, sua organização profissional e institucional no mundo e no Brasil.

A osteopatia foi desenvolvida por Andrew Taylor Still, nos Estados Unidos, no fim do século XIX. Médico e cirurgião, com considerável interesse por mecânica e anatomia, e descrente dos métodos terapêuticos da medicina de sua época, percebeu que a flexibilização dos tecidos, por meio de técnicas manuais, contribuía para a manutenção da saúde de seus pacientes (GEVITZ, 2009)

Em 1892, Still fundou a Escola Americana de Osteopatia (American School of Osteopathy - ASO) em Kirksville. Entre 1896 e 1899, 13 faculdades de osteopatia foram abertas nos EUA. No início apresentavam algumas características típicas da APS como o primeiro contato e o acompanhamento longitudinal, pois, se estabeleciam em pequenas cidades e estados rurais do meio-oeste, isolados de maiores instituições de saúde e abrindo freqüentemente seus próprios hospitais de pequeno porte (GEVITZ, 2004). Com a expansão das escolas de osteopatia, foi criado em 1901 a American Osteopathic Association (AOA), três anos antes do primeiro relatório da Americam Medical Association (AMA), instituição que viria gradualmente a regular as escolas médicas no país, incluindo escolas de osteopatia, após o relatório Flexner, de 1910, que avaliou as escolas médicas nos EUA, segundo critérios biomédicos da época (GEVITZ, 2009).

Mesmo sendo abertamente avesso à modalidade, Flexner manteve a osteopatia como escola médica em seu relatório, pois, observou que “na seita, os osteopatas eram treinados a reconhecer uma enfermidade e a diferenciar uma patologia da outra tão cuidadosamente quanto qualquer outro médico” (FLEXNER, 1910) Esta investigação criteriosa somada à capacidade de abordar o indivíduo como um todo, se encontram nos alicerces da prática osteopática e convergem como os conceitos atuais de clínica ampliada (CUNHA, 2007).

Flexner observou também que as escolas de osteopatia tinham pouco investimento em infra-estrutura, poucos equipamentos, os alunos avançados ensinavam os mais novos em disciplinas teóricas, e a osteopatia, na prática, era aprendida através do acompanhamento direto de consultas de profissionais mais experientes (FLEXNER, 1910). Tais relatos históricos revelam a importância que a osteopatia atribui ao estudo dos sinais clínicos como referência para a tomada de decisão, dispensando muitas vezes a necessidade de exames de alta complexidade. Indica também a aprendizagem como uma forma de

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compartilhamento de experiências clínicas e não de protocolos e diretrizes rígidas e fechadas.

Outro tema observado neste material histórico, que converge com desafios atuais da APS, refere-se à confiança que os osteopatas tinham na promoção de saúde por meio do estímulo de mecanismos de autorregulação, bem como a resistência ao uso irracional de medicamentos (o que provavelmente vale hoje, mesmo sendo muito diferente dos daquele tempo). Ao visitar a ASO, Flexner destacou a existência de uma disciplina, composta por vinte seminários, que versavam sobre falácias da medicina alopática da época, tendo por intuito instrumentalizar os estudantes a não utilizar drogas nos tratamentos. Mesmo assim, encontrou diferentes pontos de vista sobre o uso ou não de fármacos no tratamento e uma unanimidade na aplicação de técnicas manuais entre os profissionais (FLEXNER, 1910).

Como consequência de seu relatório, o ensino de osteopatia teve que se adequar aos padrões biomédicos por ele estabelecidos, sob a pena de fechamento das escolas. Devido à resistência e de amplos debates internos quanto ao uso ou não de fármacos, as disciplinas de farmacologia passaram a ser oficialmente ensinadas apenas em 1929. A regulamentação do uso de recursos médicos, incluindo procedimentos cirúrgicos, foi gradualmente conquistada por meio da submissão dos egressos a exames conduzidos pela AMA, recebendo titulação dupla de Diplomado em Osteopatia (DO) e de Doutor em Medicina (MD), com direitos ilimitados de prática profissional médica, que se mantém até hoje naquele país (GEVITZ, 2009).

Embora nos Estados Unidos os profissionais osteopatas tenham conseguido legitimar socialmente e politicamente sua profissão, a prática enfrentou um percurso de discriminação que pode ser observado até hoje. Um exemplo foi a luta de médicos osteopatas para servirem ao seu país durante a primeira e segunda guerra (SILVER, 2012). Outra batalha travada por osteopatas foi contra a discriminação das mulheres na formação médica nos EUA. Still acreditava na igual capacidade de homens e mulheres e manteve as portas abertas das faculdades de osteopatia, tendo seus cursos oferecidos sem distinção alguma para homens e mulheres (QUINN, 2017).

Paralelamente ao processo norte-americano, em 1917, o escocês John Martin Littlejohn, formado na ASO, fundou o primeiro centro de treinamento de osteopatia na Europa, a Escola Britânica de Osteopatia, atuante até hoje. Forma profissionais osteopatas em nível superior (título de DO), que não realizam procedimentos cirúrgicos nem tampouco prescrevem fármacos. A osteopatia foi regulamentada como profissão de

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nível superior independente na Austrália, Nova Zelândia, França, Finlândia, Suíça e Inglaterra.

Voltando ao contexto norte-americano, até a década de 1990, a maioria das graduações em osteopatia eram realizadas em instituições de ensino com fins sociais, separadas das escolas de graduação em medicina (alopáticas) (GUGLIELMO, 1998).

As escolas de osteopatia não só apresentam sua identidade atrelada à APS, como constituem uma porção significativa da mão de obra nas áreas rurais (FORDYCE, 2012). Chen et al (2010) verificaram que 58% dos médicos osteopatas atuantes em 2005, nos EUA, trabalhavam na APS sendo que somente 35% dos médicos alopatas estavam vinculados ao que pode ser considerado, com ressalvas várias, APS (prática comunitária generalista de primeiro contato). Miller et al (2006) demonstraram, em seu estudo voltado à identificação das características dos profissionais da APS, que ser formado em escolas de osteopatia aumenta em 2,3 vezes a preferência de profissionais homens por atuarem na APS e em 2,5 vezes de profissionais mulheres.

Todavia, este perfil tem apresentado mudanças. Nas últimas décadas houve um grande crescimento do número de escolas osteopáticas nos EUA. Estas novas escolas apresentam características distintas das escolas antigas, com formação realizada em hospitais e instituições médicas alopáticas, com aumento do tamanho das turmas, diminuição da importância do acompanhamento dos alunos na clínica ambulatorial e um envolvimento limitado na prestação de serviços à comunidade (GEVITZ, 2004).

Ao estudar o desenvolvimento da educação norte-americana em osteopatia, Shannon e Teitelbaum (2009) destacaram que nas últimas décadas foram reforçados os requisitos de acreditação, com inovações de currículo, treinamento baseado em evidências, maior investimento em pesquisa com técnicas manuais, novas faculdades em expansão e um aumento de 30% no número de estudantes de medicina osteopática. Ao mesmo tempo, o estudo apontou para um distanciamento recente dos osteopatas da APS, sendo observado um aumento da preferência por outras especialidades médicas entre os graduados.

Associado ao recente distanciamento da APS, uma pesquisa realizada com 3000 médicos osteopatas norte-americanos em 2001 mostrou diminuição do uso de técnicas manuais osteopáticas (TMO), sendo que 50% dos entrevistados afirmou utilizar TMO em menos de 5% das consultas (JOHNSON; KURTZ, 2001). Segundo a OIA, em 2013, apenas um quarto dos médicos osteopatas passavam mais da metade do seu tempo de trabalho realizando técnicas manuais. Em

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contrapartida, dentre os osteopatas não-médicos mais de 90% gastavam metade do seu tempo de consulta utilizando técnicas manuais (OIA, 2012).

No intuito de ampliar a oferta de osteopatia pelo mundo e dar suporte aos países quanto à integração da prática osteopática nos sistemas de saúde públicos, a Organização Mundial de Saúde, em 2010, publicou o documento Benchmarks for Training in Osteopathy (OMS, 2010). O documento apresenta conteúdos e competências mínimas para a formação adequada na área e é indicado como referência para os países no processo de regulamentação da osteopatia. Ele indica dois modos de formação em osteopatia. A primeira, direcionada a estudantes sem prévia graduação na área da saúde, possui carga horária mínima de 4000 h, incluído 1000 h de treinamento clínico supervisionado. Os conteúdos abrangem desde questões anatômicas, fisiológicas e patológicas até os princípios e técnicas osteopáticas. A segunda formação é indicada aos profissionais com formação anterior na área da saúde. A duração e o conteúdo dependem das experiências e conhecimentos prévios dos profissionais. Tipicamente tem uma duração de 1000h, com o objetivo de atingir as mesmas competências dos formados segundo o primeiro modelo.

No Brasil, em 1986, há registros das primeiras formações em osteopatia (IBO, 2003). Estes cursos foram acolhidos e frequentados, em sua maioria, por profissionais com graduação prévia em fisioterapia. Em 1988, foi criada a Sociedade Brasileira de Osteopatia, primeira organização sem fins lucrativos com o objetivo de representar os osteopatas no país. Em 2000, seus membros criaram o Registro Brasileiro de Osteopatia (RBrO), na tentativa de regulamentar a profissão. Atualmente, o RBrO pertence à Osteopathic International Association (OIA).

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei PL 2778/2015, que reconhece a osteopatia como um ramo específico de cuidado à saúde, prevendo a regulamentação da profissão de Osteopata. O projeto recebeu dois pareceres favoráveis. Em contrapartida, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) publicou em seu site oficial, uma nota para estimular a rejeição da matéria, contrário à profissionalização da osteopatia bem como da quiropraxia (COFFITO, 2018).

No SUS, a osteopatia foi recentemente reconhecida como Prática Integrativa e Complementar (PIC), o que incentiva a sua inserção na APS. Considerando que a osteopatia ainda não foi regulamentada como profissão e a fisioterapia já tem seu espaço no SUS, ficou reservada aos

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fisioterapeutas, que possuem formação em osteopatia, a possibilidade e a tarefa de inserir e exercer esta prática no SUS (BRASIL, 2017).

Um estudo recente, realizado em cinco grandes cidades, sobre a inserção das PIC no SUS, identificou ofertas da osteopatia apenas em serviços especializados, recebendo encaminhamento de outros serviços, sem integração com a APS (SOUSA; TESSER, 2017). Isto pode ser compreendido considerando que, estando a prática osteopática restrita a ação de fisioterapeutas, sua identidade se mistura com as origens da fisioterapia e por isso passa a seguir os seus mesmos caminhos. Historicamente, a fisioterapia se desenvolveu no contexto da reabilitação, ficando mais presente nos níveis secundários e terciários da atenção à saúde e, portanto, distante da APS (FREITAS, 2006).

O trabalho desses fisioterapeutas osteopatas no SUS é pioneiro e de grande valia para a população. Todavia, encontra-se ainda limitado aos serviços ambulatoriais especializados, gerando duas consequências imediatas. A primeira é restringir o acesso à abordagem osteopática aos casos referenciados de patologias já estabelecidas e muitas vezes cronificadas, o que diminui os benefícios da intervenção. A segunda é a restrição da aplicação destes saberes aos problemas relacionados ao sistema músculo-esquelético, esquecendo-se de que a prática osteopática tem como objeto de intervenção o reestabelecimento da capacidade de auto-regulação ou auto-cura do organismo todo e isto está, antes de mais nada, centrado na pessoa e não na patologia que ela apresenta. A osteopatia pode ser aplicada para contribuir em diversas outras ações de saúde.

O artigo de Gurgel et al. (2017) exemplifica a reflexão sobre o emprego da osteopatia no SUS, na perspectiva da fisioterapia. Estes autores reconhecem a osteopatia, por definição, como uma abordagem que transcende a visão fragmentada do ser humano. Mencionam que a osteopatia possui formas distintas de estabelecer uma relação clínica, sendo uma forma de tratamento não medicamentoso, que considera aspectos sociais, psicológicos e mantém o foco na saúde e não apenas na doença. Na medida em que sugerem espaços e contextos para introdução da prática osteopática, concluem que a abordagem se apresenta como um método aplicável no tratamento fisioterapêutico de indivíduos que sofrem de distúrbios osteomioarticulares e ortopédicos. Esta conclusão reforça o direcionamento de esforços na aplicação da osteopatia voltada a tais patologias, o que, para a fisioterapia é positivo, pois amplia as ferramentas e inclui a complexidade necessária para o aumento da resolutividade dos serviços ambulatoriais especializados em problemas músculo-esqueléticos. Por outro lado, nossa argumentação ilumina

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possíveis contribuições da osteopatia que não necessariamente se misturam com as origens da fisioterapia, mas que, como visto anteriormente, pertencem à sua identidade, sendo observadas ao longo de seu percurso histórico e que podem contribuir para o fortalecimento da APS.

Os pesquisadores internacionais, atentos à crise atual de identidade da osteopatia, concordam que o afastamento da APS implicaria em uma perda dos benefícios desta prática para a população (CUMMINGS, 2015; SHANNON; TEITELBAUM, 2009). Como estratégias de superação, apontam para duas questões essenciais: a primeira é estimular a reflexão sobre os princípios osteopáticos, sua origem e sobre as particularidades da osteopatia em relação ao modelo biomédico, abordadas também neste artigo. A segunda refere-se à conservação e desenvolvimento dessas peculiaridades, como, por exemplo, através de estratégias de educação permanente voltadas aos profissionais, no sentido do constante compartilhamento de suas habilidades manuais e clínicas. As estratégias buscam revitalizar a aprendizagem por meio do toque clínico, conhecido na comunidade osteopática como estilo clínico hands on. Neste contexto, profissionais que compartilham e inclusive recebem cuidados osteopáticos de colegas e professores antes e durante suas formações, referem mais confiança nas TMO e as utilizam mais em suas práticas clínicas quando formados (VAZZANA, 2014; VOLOKITIN; GANAPATHIRAJU, 2017).

É notória a aproximação e a convergência entre os princípios/características da osteopatia e da APS, principalmente no que se refere à busca de métodos clínicos comuns centrados na pessoa, como o desenvolvido pelos médicos de família e comunidade (STEWART, 2017), as discussões brasileiras sobre a necessidade de uma clínica ampliada e compartilhada (CAMPOS, 2014), e a construção da integralidade na abordagem dos usuários na atenção básica (MATTOS, 2004). Desta forma, parece-nos que a inserção da osteopatia no SUS deva transcender questões voltadas apenas a reabilitação de problemas músculo-esqueléticos, e se direcionar no sentido da construção de ações que contribuam para o fortalecimento da APS nas características acima destacadas.

Além disso, osteopatas estão atentos e desenvolveram saberes para a superação ou evitação de alguns efeitos adversos de serviços e cuidados biomédicos, que são desafios cotidianos importantes para os profissionais da APS. Exemplos são o reconhecimento dos efeitos nocebo, que podem perpassar o relacionamento clínico (BENEDETTI, 2007); o fenômeno da catastrofização, ou antecipação do sofrimento dos

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pacientes (MAIN, 2010); o medo do movimento ou cinesiofobia (LARSSON, 2016) e a consequente piora nos quadros clínicos. Para atenuá-los, os osteopatas procuram estimular a manutenção do movimento e atividades físicas e comportamentos de enfrentamento ativo para as queixas e problemas. Também constroem estratégias terapêuticas que reinterpretem os sinais semiológicos no sentido da desconstrução de crenças limitantes e do gradual encorajamento a retomada de atividades (ABBEY; NANKE, 2013; LEDERMAN, 2017). Estas percepções e conceitos são importantes para o manejo e evitação da cronificação de problemas, por vezes, induzidos pelos serviços de saúde, relacionados à recomendação de afastamento de atividades ou a incertezas frente a capacidade fisiológica de adaptação e remodelamento tecidual, cada vez mais comuns em populações mais envelhecidas e cada vez mais sedentárias. Estas convergências tecnológicas e conceituais entre osteopatia e APS são discutidas em outro momento mais a frente. 4.2- A osteopatia no SUS e na APS: o desafio do compartilhamento

Como já mencionado, as primeiras inserções da osteopatia no SUS estão na atenção secundária e terciária, em serviços de fisioterapia especializados. Todavia os princípios, saberes e técnicas da osteopatia possuem grande potencial para enriquecer os recursos de cuidado da APS, aumentando sua resolutividade e diminuindo a demanda para os outros níveis de atenção. Todavia, a inserção direta e simples de profissionais osteopatas na APS é problemática, defensável e difícil, pois demandaria acréscimo de profissionais às equipes, em um contexto de grande subdimencionamento da APS, com poucos profissionais, com precária qualificação. Os médicos de família e comunidade (com residência) eram em 2017 menos de 4 mil (AUGUSTO et al., 2017), o que significa menos de 1% de todos os médicos brasileiros (SCHEFFER, 2013), e menos de 10% dos médicos das mais de 40 mil equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), cobrindo apenas cerca de 65% da população brasileira (BRASIL, 2017) (desconsiderando os médicos da APS sem ESF). Isso induz ou sugere uma priorização da ampliação dos profissionais biomédicos capacitados (médicos e enfermeiros) e de suas equipes. Também Sousa e Tesser (2017) consideram pouco sustentável e fértil do ponto de vista da expansão das PIC na APS a simples introdução de profissionais exclusivos de uma ou mais PIC (que não exercitam o cuidado convencional generalista) nos serviços de saúde da APS,

A inserção da osteopatia na APS brasileira não é simples e sua

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contribuição ao cuidado profissional ali realizado ainda está por ser explorada. Precisa ser construída, aceitando-se a hipótese, amplamente difundida internacionalmente, de que esta prática é tecnologicamente e historicamente (fora do Brasil) adequada a este ambiente assistencial. Algumas possibilidades institucionais para esta inserção já estão dadas pela intersecção entre a PNPIC, a atuação dos e a Política Nacional de Educação Permanente (PNEP). Estas possibilidades têm em comum, o compartilhamento de saberes, no sentido do fortalecimento e construção de um entendimento comum, que estreite laços e ações profissionais.

A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) estimula a ampliação da oferta de PIC no SUS, em geral antes relativamente restritas ao setor privado, com ênfase na atenção básica, onde já estão mais presentes. A PNPIC prevê o desenvolvimento de estratégias de qualificação em PIC para profissionais do SUS já em atividade, em caráter multiprofissional e em conformidade com os princípios e diretrizes da Educação Permanente em Saúde (EPS) (BRASIL, 2006).

A PNEP procura estimular nas equipes de trabalho um ambiente de constante aprendizagem dentro das práticas profissionais. Em outras palavras, procura trazer para a aprendizagem a realidade do trabalho, e para o ambiente de trabalho um contexto de aprendizagem. A PNEP visa também superar a lógica do saber estanque, pautado em verdades absolutas e fragmentada em especialidades ou profissões. Nessa lógica, as técnicas e recursos terapêuticos passam gradualmente a ser compartidas entre os profissionais, no que possam ser socializáveis (BRASIL, 2009).

Os NASFs, por sua vez, propõem superar a lógica fragmentada da área da saúde para a construção de redes de atenção e cuidado, de forma corresponsabilizada com a Estratégia Saúde da Família (ESF). Visam ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade, contribuindo para a integralidade do cuidado aos usuários (BRASIL, 2010). A organização e o desenvolvimento do processo de trabalho do NASF envolvem, para além do exercício do cuidado especializado aos usuários (realizado pelos profissionais dos NASF), processos de parceria, comunicação entre os profissionais dos NASF e da saúde da família, aprendizado e educação permanente mútua, responsabilidade assistencial compartilhada e construção conjunta e colaborativa de planos terapêuticos. Este conjunto de ações foi chamado de matriciamento ou apoio matricial (ANDRADE, 2012; CAMPOS, 2014). Estas tecnologias se apresentam como soluções no sentido da superação de um modelo cindido em especialidades e

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profissões que não trabalham juntas em equipes azeitadas, não compartilham saberes nem responsabilidades nem realizam trabalho assistencial colaborativo.

Entretanto, na prática, a efetivação do NASF apresenta dois relevantes obstáculos. O primeiro inclui a lacuna na formação dos profissionais da saúde no que se refere ao domínio de conhecimentos relacionados a estratégias de aprendizagem e de compartilhamento. Esse aspecto apresenta-se ainda mais evidente quando nos referimos a educação permanente, uma vez que a maior parte da formação destes profissionais se deu em modelos de educação uniprofissional e continuada, principalmente embasada em conteúdos previamente determinados e geralmente distantes do processo de trabalho. O segundo refere-se a dificuldade de se reservarem momentos, dentro do serviço, para o compartilhamento entre profissionais. Ambos obstáculos impactam diretamente na ação dos profissionais do NASF, que por força do hábito, acabam atuando apenas como sua formação de base prevê, ou seja, isolados em suas especialidades, com pequena interação entre si em equipe multiprofissional. Esta problemática também merece atenção nas iniciativas em osteopatia no contexto do NASF, pois, existe a tendência e a tradição dos osteopatas, do Brasil e do mundo, para um trabalho solitário e isolado, possuindo ainda poucas experiências de inserção das práticas em sistemas amplos de saúde em relação as profissões de base biomédicas. Dados internacionais mostram que 39% dos médicos osteopatas e 43% dos osteopatas atuam isoladamente em consultórios privados, e outros 30% tem atuação conjunta também em consultórios particulares com apenas um ou dois parceiros (OIA, 2012). Pesquisa realizada sobre a clínica osteopática apontou para pouco compartilhamento entre osteopatas e outros profissionais na Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido, atribuído ao fato da grande maioria dos profissionais trabalharem em consultórios isolados. Todavia, demonstrou que os osteopatas possuem uma racionalidade distinta das outras profissões, constituindo uma contribuição única na tomada de decisão multiprofissional. Os autores levantaram a necessidade de somar ao processo de formação de osteopatas capacitações sobre abordagens que envolvam a construção compartilhada de condutas clínicas e o compartilhamento de conhecimentos para estimular trabalho em equipe multiprofissional (GRACE, 2016).

As primeiras iniciativas realizadas em ambulatórios especializados em osteopatia, sejam eles ambulatórios didáticos (coordenados por escolas de osteopatia) ou conduzidos por

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fisioterapeutas especialistas (nos serviços especializados de fisioterapia do SUS), constituem e desenvolvem o núcleo do saber osteopático no Brasil. Resta construir o campo comum de cuidado entre os osteopatas e as equipes de APS, este último a ser enriquecido com saberes e técnicas da osteopatia. Nesse sentido, os profissionais osteopatas se empenhariam na construção de redes de atenção e cuidado que integrem, por meio do matriciamento e estratégias de educação permanente, partes socializáveis dos saberes/técnicas osteopáticos com o trabalho das equipes de saúde da família (SF). As equipes de SF, por sua vez, seriam gradualmente sensibilizadas e instrumentalizados com saberes e técnicas osteopáticas básicas e aplicáveis no seu cotidiano, tendo como referência os profissionais do NASF e os ambulatórios de osteopatia.

Esboçadas estas possibilidades de inserção, cabe uma reflexão sobre a dificuldade de integração dos serviços em redes de atenção à saúde. Merhy e Franco (2003) observam que ao contrário do que se possa pensar, as redes de atenção no SUS possuem um compartilhamento competente e coerente de informações das ações envolvidas na produção de cuidado. Todavia tal compartilhamento infelizmente se dá no sentido de uma intensa medicalização da vida e de um deslocamento do cuidado profissional para interesses privados das diferentes especialidades. O que se compartilha encontra-se no imaginário dos profissionais, incluindo as crenças que envolvem diagnósticos e possíveis prognósticos geralmente ruins, o que gera medos, distanciamentos, limitações e angústias tanto nos usuários quanto nos profissionais. Neste contexto, cada grupo profissional estabelece e difunde suas próprias soluções, gerando assim protocolos, algo como uma linha de produção de cuidados para cada diagnóstico. O problema existe quando, por interesses privados, grupos especializados difundem narrativas (científicas ou populares) que geram demanda por suas soluções, sem considerar a integração ao sistema de saúde, incluindo o acesso, a eficácia e a autonomia dos envolvidos. Aplicando essa consideração à osteopatia, surge a questão: o que os osteopatas querem compartilhar no SUS para o campo comum de cuidado?

Ao realizar matriciamento e educação permanente, alguns caminhos podem se abrir. Estes podem estar enraizados em interesses privados, no sentido do favorecimento ou expansão de uma clientela específica para os osteopatas, mas já comentamos como é relativamente inviável o oferecimento amplo de um profissional especializado (osteopatia) nos serviços de APS, considerando o subdimensionamento desta (excluindo os NASF, para efeito desta discussão, da APS). Restaria, neste caso, a luta pela inserção em serviços especializados ou

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na chamada atenção secundária e nos NASF. Assim, a osteopatia seria mais uma especialidade a disputar espaço entre outras profissões e especialidades, no SUS ou fora dele. Em contrapartida, outra direção distinta, defendida e experimentada neste estudo, segue rumo ao compartilhamento e socialização possíveis (ainda que parciais) da abordagem, de saberes e técnicas osteopáticos e de estilo clínico hands on com profissionais da APS, convergindo com a desmedicalização possível dos cuidados, promovendo gradual aumento de autonomia e competência dos profissionais generalistas da APS e dos usuários. Isso pode se dar no sentido de um compartilhamento de saberes, narrativas e técnicas capazes ou facilitadoras de desconstrução e reconstrução do imaginário social biomédico (relativamente assustador em vários diagnósticos e ou situações) compartilhado hegemonicamente. Este último distancia os profissionais do contato com o usuário e aproxima seu agir de um trabalho morto, caracterizado pela aplicação de protocolos de forma mecânica e pouco criativa, distante dos pacientes

(MERHY; FRANCO, 2003). Nesta perspectiva, ao socializar seu saber, os profissionais da osteopatia podem iniciar diálogo com as outras profissões generalistas da APS, servindo como referência em seu núcleo de saber. Isso abre a possibilidade de maior reconhecimento da osteopatia como estilo clínico singular e de uma maior contribuição sua na tomada de decisão quanto ao uso racional de exames complementares, medicamentos, intervenções cirúrgicas, bem como estabelecimento de planos terapêuticos envolvendo promoção, prevenção e reabilitação, com o respaldo das equipes multiprofissionais.

4.3 Contribuições da osteopatia para o cuidado no contexto da APS Desafios e motivações (parcialmente) semelhantes

Embora nascidas em épocas distantes, a osteopatia e a APS se constituem a partir de críticas à clínica biomédica, que, com efeito, as aproximam. Still, médico criador da osteopatia no fim do século XIX, era ferrenho combatente de intervenções exógenas (farmacológicas), típicas de biomedicina. Acreditava que a osteopatia era um sistema independente da medicina, que poderia ser aplicado à todas as condições de saúde. No início de seu primeiro livro, Philosophy of Osteopathy, de 1899, Still distancia a osteopatia da prática clínica convencional, baseada em fármacos e outras intervenções exógenas, e observa que a prática médica de seu dia-a-dia era ineficaz e, às vezes, prejudicial ao paciente: “ao invés de obter melhoras, obtive muitos danos com isso ... as drogas e eu estamos tão longe quanto o Oriente está do Ocidente;

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agora e para sempre" (STILL, 1899, p.8). A APS, muito mais recentemente, nasce da necessidade de

superar deficiências da biomedicina, muito especializada, cara, intervencionista e fragmentada no cuidado Starfield (2004). Ela procura responder às crises decorrentes da elevação dos gastos em saúde, do insuficiente impacto do modelo médico hegemônico na melhoria de qualidade de vida e saúde da população e ao aumento das iniquidades sociais em saúde (WALT, 1998). As mudanças no padrão de morbimortalidade, com diminuição das doenças infectoparasitárias e aumento das crônicas (SCHMIDT, 2011; MENDES, 2010) têm imposto novos desafios à organização dos cuidados clínicos, que a APS tem sido reconhecida como potente para enfrentar (STARFIELD, 2005), incluindo a redução dos danos iatrogênicos frequentes e importantes (MAKARY; DANIEL, 2016) (a que retornaremos), motivação também do fundador da osteopatia.

Uma tecnologia adequada à APS

A importância dada às chamadas ‘tecnologias leves’ (MERHY, 2000) na APS, com ênfase na relação interpessoal em detrimento de um tecnicismo duro, com ênfase em equipamentos e protocolos, permeia diversas afinidades eletivas entre a osteopatia e a APS. O conhecimento osteopático fundamenta-se em três princípios: 1) o corpo é uma unidade integrada; 2) o corpo possui capacidade de auto-regulação e autocura; 3) estrutura e função se interrelacionam (PAULUS, 2013). A APS, por sua vez, tem como seus atributos várias características: acesso de primeiro contato, longitudinalidade, integralidade da atenção, coordenação da assistência, atenção centrada na família, orientação comunitária e competência cultural dos profissionais (STARFIELD, 2004).

Na APS, o aspecto relacional entre profissional e usuário é imprescindível para a construção de um vínculo essencial que possibilite uma relação longitudinal do cuidado, servindo de elo entre as demandas e recursos terapêuticos ao longo da vida. A APS, vista como centro dos cuidados profissionais biomédicos, prevê uma relação com outras especialidades e outros setores da sociedade, se aprofunda no conhecimento do outro, investigando a gênese dos problemas, no conhecimento da família, da cultura, da comunidade, envolvendo uma integralidade entre promoção de saúde, prevenção de agravos, cuidado clínico (cura) e reabilitação (STARFIELD, 2004). Starfield (2011) defende uma relação de cuidado centrado na pessoa, o que leva a considerar a perspectiva do usuário sobre sua realidade, suas queixas e suas estratégias de cuidado, bem como a tomada de decisão

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compartilhada, com consequente postura mais participativa por parte do usuário e melhores desfechos de saúde.

O primeiro principio da osteopatia indica a necessidade de se compreender o ser humano como um todo integrado em seu contexto, e ressoa convergindo com os atributos da APS, principalmente no que se refere a abordagem centrada na pessoa, à integralidade e à discussão sobre a necessidade de uma clínica ampliada na APS do SUS (STEWART, 2010; CAMPOS, 2003). Embora a generalidade desse princípio possa ser considerada, à uma primeira e superficial vista, um apelo discursivo genérico e um lugar comum ‘politicamente correto’ na área da saúde, ele não deve ser subestimado. As práticas clínicas osteopáticas pressupõem tacitamente as características desejáveis acima e as concretizam em significativa medida, conforme evidenciado adiante. Isso mostra a convergência na prática clínica (para além da teoria) da osteopatia com as necessidades de qualidade relacional e de abordagem clínica explicitadas nas discussões da APS e da saúde coletiva. Estudos empíricos apontam para a concretude destes princípios nos atos clínicos dos osteopatas (STRUTT et al. 2008; LICCIARDONE et al., 2002; CAIRNEY et al, 2012; ORROCK, 2016). Escolas médicas osteopáticas nos EUA dão maior ênfase no desenvolvimento de habilidades de comunicação interpessoal quando comparadas com as escolas médicas alopáticas (EARLEY; LUCE, 2010). Os osteopatas são significativamente mais propensos do que seus pares alopatas a descrever as suas condutas como sendo mais sócio-emocionais, que tecnocientíficas (PETERS et al., 1999). Médicos osteopatas são mais propensos a usar o primeiro nome dos pacientes, explicar fatores etiológicos e discutir os aspectos sociais, familiares e emocionais das doenças que seus colegas alopatas (CAREY et al., 2003). Os osteopatas consideram a abordagem osteopática essencialmente voltada à APS, baseada no uso de técnicas de manipulação e na relação médico-paciente, adotando uma conduta centrada na pessoa e um estilo clínico influenciado pelo contato físico, nomeado como “hands-on style” (JOHNSON; KURTZ, 2002).

Para os usuários, a prática osteopática considera uma visão ampliada do fenômeno saúde-doença e inclui estratégias de educação e tomada de decisão compartilhada nos atos clínicos (ORROK, 2016). Na perspectiva de estudantes e profissionais osteopatas a prática se mantém associada a uma abordagem holística (CAIRNEY et al, 2012).

Fomento do entendimento mútuo e da autonomia

A osteopatia e a APS apresentam em seu arcabouço tecnológico

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uma ênfase na construção de tecnologias leves que consigam promover autonomia, no sentido da conquista de habilidades que instrumentalizem os sujeitos para o manejo de suas próprias questões de saúde, sejam elas relacionadas a doenças ou a conquista/manutenção de boa qualidade de vida. O segundo princípio osteopático refere-se a isto na medida em que considera a capacidade inerente do organismo de se autocurar ou encontrar caminhos de adaptação, evidenciando um olhar fisiológico sobre a saúde e não apenas sobre a doença. Este princípio, juntamente com as técnicas manuais osteopáticos, aproxima a osteopatia de condutas que favorecem mecanismos de regulação, recuperação e autocura endógenos, como é comum em várias medicinas alternativas e complementares ou PIC (LEVIN; JONAS, 2001), sendo especialmente importante tanto para as situações agudas comuns na APS como nas cada vez mais comuns situações de problemas crônicos ou cronificados.

Para Still (1910), o trabalho de cura é realizado pela natureza: “a natureza não tem apologias a oferecer. Ela faz o serviço” (p. 22). A função do osteopata é reconhecer e flexibilizar o que impede a natureza de realizar o seu trabalho. Ou seja, por meio da palpação, o profissional investiga a mobilidade natural dos tecidos anatômicos e sua função em relação aos demais incluindo a análise da mecânica e fisiologia corporal sem perder de vista a totalidade.

Vale notar que a exploração dos mecanismos fisiológicos e de regeneração/adaptação endógenos, muitos deles conhecidos e descritos na fisiologia e demais saberes biomédicos, é muito pouco desenvolvida na biomedicina como terapêutica. Ao contrário, como é sabido, esta última centra-se intensamente nas doenças ou patologias e em terapêuticas exógenas, artificiais ou alheias a ecologia e economia do organismo, como a farmacoterapia e a cirurgia (CAMARGO, 2003)

Este segundo princípio sugere que a osteopatia pode contribuir no sentido do melhor manejo clínico do fenômeno da medicalização social (TESSER, 2006), entendido como um processo que envolve a perda gradual da capacidade da população em lidar de forma autônoma com suas questões de saúde. Esse processo tem se agudizado nas últimas décadas, sustentado por um complexo e multifacetado agrupamento de aparatos tecnocientíficos e sua progressiva importância na vida social, na biomedicina e na saúde pública (CLARKE et al., 2010). Isso é especialmente importante para a APS.

Através de um estudo minucioso da semiologia incluindo a análise da mobilidade, da consistência e tensão dos tecidos, por meio da palpação, da visualização da anatomia e das informações dos pacientes, o osteopata constrói seus referenciais para o acompanhamento de cada

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caso. Este estudo dos sinais envolve um constante feedback do paciente, o que leva a um compartilhamento de informações, miscigenando linguagens e narrativas técnicas com as sensações e repertórios dos pacientes e, assim, conduzindo a um entendimento mútuo e facilitando pactuações sobre estratégias terapêuticas e de acompanhamento (THOMSON; COLLYER, 2017). Vale ressaltar, que excluídos os casos de urgência (amplamente reconhecidos na formação e prática dos osteopatas), ao direcionar a atenção clínica para a percepção dos potenciais de auto-regulação, ocorre um deley, uma parcimônia temporal, uma consideração cuidadosa e muito criteriosa no ato de atribuir prognósticos e acessar procedimentos invasivos, reforçando antes disso, a atitude clínica de promoção de saúde através das TMO, para então, aguardar e acompanhar a ‘natureza’ fazer o seu trabalho. Isso tem relação íntima com o que os profissionais da APS chamam de 'demora permitida' (KLOETZEL, 1999) ou 'esperar e ver' (GÉRVAS; PERES-FERNANDES, 2002), ou 'observação assistida' (watchful waiting) (NORMAN; TESSER, 2009) com o diferencial que se pode potencializá-la através do estímulo da autocura por meio das TMO. Assim, não só seria facilitada a prática da demora permitida na APS, mas também ela seria transformada em cuidado clínico terapêutico, o que é um significativo avanço simbólico, teórico e prático. Isso pode suprir sensações de vazio terapêutico, relativamente comuns em profissionais e usuários, quando têm que aguardar e observar. Parece haver aqui um potencial encaixe feliz e necessário entre a osteopatia e suas TMO com a APS, já que a primeira incide exatamente nos estímulos a auto-regulação, adaptação e auto-cura, foco em que a biomedicina é pobre no cuidado clínico, frente à grande prevalência de quadros inespecíficos, iniciais e ou inexplicáveis medicamente (estes últimos estimados em até 30% dos problemas novos trazidos à APS) (JCP-MH, 2017).

O terceiro princípio osteopático também contribui com a construção de autonomia ao considerar a importância de se avaliar a relação entre estrutura e função, que implica em considerar na análise clínica uma contextualização centrada nas cargas e estímulos vivenciados nas atividades, rotinas e costumes de cada indivíduo. Still considerava que o sistema musculoesquelético no seu aspecto estrutural (“estrutura”) tinha relação com a manutenção da totalidade funcional (“função”) de cada indivíduo. Por isso, a formação em osteopatia possui grande parte de seu currículo em disciplinas de anatomia e fisiologia, no sentido de compreender a relação entre estas partes. Este princípio, na prática, respaldado no estudo da mecânica dos tecidos, próprio da

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osteopatia, aproxima e sensibiliza a clínica osteopática das condições de vida dos indivíduos, trazendo à tona as sobrecargas registradas no corpo e sua perpetuação nos modos de viver, nutrir e trabalhar. Nesse sentido, a osteopatia opera com noções de semiologia, típicas da fisiologia e anamnese biomédicas, as articulando com o modo de vida e trabalho das pessoas, facilitando a construção de interpretações contextualizadas, menos reducionistas e culturalmente aceitáveis aos usuários, já que geralmente baseadas em grande parte na fisiologia científica.

Da satisfação à resolutividade

Para Starfield (2004), a satisfação está associada à qualidade do vínculo entre usuários e profissionais, e isto é imprescindível para que a APS seja escolhida como centro do cuidado ao longo da vida. Strutt et al. (2008), encontraram que a satisfação nas consultas osteopáticas tinha a influência de valores pessoais subjacentes ao contexto clínico. Estes valores, segundo os usuários, foram os responsáveis pela construção de uma relação terapêutica positiva, compreendendo temas como esperança, respeito e confiança.

Não obstante, a satisfação dos usuários não sustenta-se apenas em questões relacionais, mas sim devido a resolubilidade e abrangência das terapêuticas. Starfield (2004) destaca que a satisfação dos usuários na APS depende da gama de recursos de cuidado e de queixas passíveis de manejo eficaz. Licciardone (2002) observou significativa associação da satisfação dos pacientes da osteopatia com alívio de dor e desconforto. Nesse estudo, a razão de insatisfação foi relacionada com dificuldades de acesso ao serviço, justificando, assim, um maior esforço no sentido do aumento da oferta.

Ao analisar a gama de queixas nas quais os profissionais osteopatas utilizam as TMO, 34% são problemas agudos, 28% subagudos, 34% crônicos, 21% consultas de checkup e 18% por outros motivos (OIA, 2014). Na França, queixas relacionadas ao sistema músculo-esquelético foram as razões mais recorrentes, computando 62% dos motivos de queixas e, no Canadá, 69,1%. Entretanto, na Austrália, também foram relatados casos representativos relacionados a problemas digestivos em adultos e crianças, cefaleias e migranias, fadiga e dores crônicas. Consultas osteopáticas pediátricas variaram de 8% a 12% do movimento dos osteopatas nestes estudos (OIA, 2014). Desnecessário enfatizar que todos esses problemas são altamente frequentes na APS, cujo manejo constitui o dia-a-dia dos profissionais das equipes de saúde da família no Brasil.

Evidências científicas que respaldam diferentes condições de uso

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das TMO concluem que elas são um tratamento seguro e de baixo custo para vários sintomas, como dores na coluna, especialmente em pacientes com dores crônicas (PEREZ et al., 2012). As TMO podem reduzir a necessidade de antibióticos e o tempo de internação de pacientes com pneumonia, assim como são úteis como adjuvante de antibióticos em crianças com otite média; reduzem também a morbidade, uso de antibióticos e desconforto pós-tratamento cirúrgico (PEREZ et al., 2012); reduzem significativamente a dor lombar, persistindo a melhora por pelo menos três meses, fato este observado tanto em osteopatas médicos (EUA) como não-médicos (Reino Unido) – o que não surpreende, considerando a semelhança do treinamento entre os dois grupos no que se refere as TMO (LICCIARDONE, 2005). Revisão sistemática encontrou evidencias preliminares de que as TMO podem ser benéficas na síndrome do intestino irritável (MÜLLER, 2014), em diminuir horas de choro em crianças com cólica (DOBSON, 2012). No entanto, boa parte das revisões concluem que não existem provas científicas suficientes que validem a eficiência das práticas de terapia manual em diferentes patologias (HONDRAS, 2005; PROCTOR, 2006; GUILLAUD, 2016)

Johnson e Kurtz (2002), ao investigar as condições e diagnósticos em que os médicos osteopatas recorriam ao uso de TMO, encontraram um total de 2206 condições clínicas. Isso indica uma enorme gama de problemas estruturais e funcionais com resultados positivos, referido pelos profissionais. Entretanto, esta ampla gama de aplicabilidade das TMO não vem da medicina baseada em evidencias, mas sim da experiência clínica dos osteopatas em potencializar a capacidade de autocura do indivíduo, independente da patologia.

Construção e validação do saber: técnica ou estilo clínico peculiar?

Outra convergência entre a osteopatia e a APS se apresenta na relação com a construção de conhecimentos que norteiem a prática clínica. Os estudos baseados em evidências buscam consolidar as melhores práticas em relação a cada patologia e assim difundir entre os profissionais um conhecimento básico comum, que seja eficaz e seguro. Para tal, estratégias gerencialistas (baseadas no controle e padronização das condutas) buscam a construção de protocolos e indicadores que possam nortear e avaliar as ações em saúde segundo as melhores práticas. Todavia, ambos os contextos (osteopatia e APS) apontam para uma resistência frente a sobrecarga de procedimentos, diretrizes e protocolos (STARFIELD, 2011; STOKOE; RAJENDRAN, 2010; FIGG-LATHAM; RAJENDRAN, 2017; CAMPOS, 2008).

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Ao analisar a questão da adesão às diretrizes clínicas baseadas em evidências por parte dos profissionais no contexto da APS, Starfield (2011), considera que as diretrizes, embora por vezes sejam úteis para os profissionais, se concentram no manejo de doenças específicas, o que as distancia da prática clínica na APS, devido a alguns fatores: muitas doenças prevalentes são síndromes, isto é, um conjunto de sinais comuns, porém com origens e determinantes contextuais singulares de cada indivíduo; há uma tendência de aumento no diagnóstico precoce de doenças e um consequente aumento na presença simultânea de diferentes doenças, sobretudo em contextos de maior longevidade, aumentando assim, a complexidade de cada caso. Além disso, a maioria das práticas baseadas em evidências são sobre tratamentos de patologias únicas e frequentemente em contextos distantes da vida real. Assim, muitos algoritmos para o gerenciamento do cuidado na APS se baseiam em um conceito ultrapassado de problemas de saúde centrados em doenças únicas e discretas (STARFIELD, 2011). Isso tem sido cada vez mais questionado devido ao crescente reconhecimento da comum multimorbidade (MANGIN; HEATH, 2015) que vem se tornando norma para a maioria dos pacientes atendidos na APS, principalmente em idades mais avançadas.

Neste contexto de multimorbidade e alta prevalência de problemas crônicos, uma das principais estratégias dos serviços e das interações clínicas é a construção de redes colaborativas de cuidado, que integrem generalistas e especialistas, e que consigam acompanhar os usuários longitudinalmete. Todavia, a construção de redes de referência e contra-referência e das relações de vinculo longitudinal demandam uma importante qualificação do trabalho profissional no sentido do cuidado colaborativo e compartilhado. Campos (2008) destaca que essa construção não é capturada nas planilhas de indicadores estanques, que não consideram os desejos dos envolvidos. Como, então, gerar na extensividade das redes uma intensidade das relações de produção de cuidado, nos encontros das equipes de APS com os usuários?

Entre estudiosos da osteopatia, dilema similar se apresenta no processo de produção de conhecimento e validação do saber. Muitos se preocupam com a credibilidade da profissão/prática no meio científico, consideram que a prática osteopática continua a sofrer pela escassez de estudos clínicos que dêem suporte científico aos achados empíricos não sistematizados (JOHNSON; KURTZ, 2002). Outros, em contrapartida, apontam para as dificuldades e riscos de tentar se reduzir a complexidade do conhecimento empírico osteopático aos padrões-ouro atuais das evidências para validação do saber. Esse processo pode

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distanciar a prática osteopática de seus princípios, reduzindo-os a uma simples aplicação de técnicas descontextualizadas. Quando isso ocorre demasiadamente, existe uma tendência à perda de identidade e consequente enfraquecimento da contribuição da osteopatia como instrumento de alívio do sofrimento humano. Tais autores sugerem que outras formas de ensino sejam revitalizadas, como estudos de caso, observação pessoal, ensino um a um professor/aluno, no intuito de contribuir com a boa prática osteopática (FIGG-LATHAM; RAJENDRAN, 2017).

Estudos que avaliam a adesão dos osteopatas às diretrizes clínicas indicam uma resistência destes profissionais (FIGG-LATHAM; RAJENDRAN, 2017; STOKOE; RAJENDRAN, 2010). A resistência baseia-se na ideia de ‘precedência da osteopatia’ associada ao entendimento de que se trata de uma abordagem filosófica mais ampla e complexa que outras disciplinas. Eles atribuem maior credibilidade para a experiência dos professores que a diretrizes de qualquer natureza (FIGG-LATHAM; RAJENDRAN, 2017).

Ao estudar a formação em osteopatia nos EUA, Shannon e Teitelbaum (2009) destacaram que nas últimas décadas foram reforçados os requisitos de acreditação, com inovações de currículo, dando enfâse ao treinamento baseado em evidências e maior investimento em pesquisa com técnicas manuais. Ao mesmo tempo, o estudo apontou para um distanciamento das peculiaridades da prática, incluindo a diminuição da escolha dos médicos osteopatas pela APS, associado à diminuição do uso de técnicas manuais entre médicos osteopatas.

Dissolvendo a catastrofização: contribuição imediata da osteopatia à APS

Em nosso ver, a superação do fenômeno da catastrofização é uma importante contribuição da osteopatia a ser explorada no dia-a-dia da APS. Este é um conceito pouco discutido na saúde coletiva e na biomedicina, que pode ser observado como uma faceta da biomedicalização da vida (CLARKE et al., 2010). A catastrofização é caracterizada como a geração de antecipação ou expectativa de desfechos negativos por parte dos pacientes, ou, pelo menos, de uma evolução menos favorável e mais reservada ou crônica de permanência dos adoecimentos, dores e limitações e ou seu agravamento como inexoráveis, e apenas parcialmente atenuados pelas tecnologias exógenas manipuladas profissionalmente, mais ou menos convencionais (terapias, fármacos, etc). Em outras palavras, a noção de catastrofização

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reconhece o potencial performático dos sujeitos da relação terapêutica e suas crenças e saberes, com destaque para o poder do saber biocientífico e biomédico na cultura, na sociedade e sobre a maior parte das pessoas, cuja direção pode ser anti-terapêutica. Estudos observam que a qualidade da relação profissional/usuário, incluindo a comunicação verbal e não verbal, podem reforçar crenças limitantes, gerando um comportamento de evitação do movimento, ou cinesiofobia, aumento da ansiedade, da dor e de desfechos negativos (FINNISS et al., 2010; LARSON et al., 2016).

Em muitas situações, o processo de catastrofização, comum de ser induzido na abordagem biomédica convencional, destrói o que de outra forma poderia ter sido um bom prognóstico e desestimula o paciente de seguir com sua vida livre de crenças de incapacidade. Tais crenças geralmente ganham força na relação clínica por meio de recomendações de repouso prolongado e retirada irracional de atividades físicas, sendo respaldadas em diagnósticos de patologias, legitimados ou não por exames complementares e indicações de estratégias terapêuticas por vezes vitalícias (LARSON et al., 2016). Este processo aumenta a deficiência, gera atrasos ou impede a recuperação (MAIN et al., 2010) além de gerar aumento pela procura dos serviços de saúde convencionais e não convencionais, maior consumo de medicamentos e maior realização de cirurgias desnecessárias (BENEDETTI et al., 2007, FINNISS et al., 2010).

Ao estudar e reestabelecer a mobilidade natural dos tecidos, restaura-se a capacidade de remodelamento tecidual e consequente auto-regulação do organismo como um todo. Esta condição de flexibilidade é mantida por estilos de vida ativos e livre de crenças limitantes. Esse entendimento soma-se aos conhecimentos de fisioterapeutas atualizados em abordagens que estudam criteriosamente o movimento em toda a sua amplitude. Estes conhecimentos são amplamente estudados no contexto de problemas musculo-esqueléticos, porém, a prática osteopática aplica esse saber em muitas outras questões prevalentes de saúde, fazendo correlações fisiológicas entre o funcionamento dos sistemas digestório, respiratório, vascular e neurológico.

A não-maleficiência (em latim: primum non nocere) é cada vez mais um princípio utilizado por profissionais da APS para salientar a necessidade de evitar riscos, custos, medicalização e danos desnecessários aos pacientes. Esta é a idéia central da prevenção quaternária (JAMOULLE; GOMES, 2014), desenvolvida na APS. Segundo Norman e Tesser (2009), esse caminho passa por desviar do excesso de rastreamentos e de solicitação de exames complementares e

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da medicalização de fatores de risco. Hart et al. (1995) encontraram que os médicos de família osteopatas são menos propensos a solicitar radiografias ou prescrever antiinflamatórios, relaxantes musculares, aspirina, sedativos e analgésicos para dor lombar do que seus colegas alopatas.

Ao estudar o contexto de crescimento das lombalgias, um dos problemas mais prevalentes na APS, os pesquisadores enfatizam que a utilização de exames de imagem, visando o estabelecimento de diagnósticos baseados em patologias observáveis em alterações anatômicas estruturais, não só não apresenta evidencia de impacto positivo na prevalência desse desfecho na população, como estão associados a um desencadeamento de ações danosas aos pacientes (FOSTER et al., 2018; HARTVIGSEN et al., 2018). Dentre elas, o afastamento desnecessário de atividades físicas e do trabalho, sustentado por crenças limitantes e reforçados pelo entendimento unicausal e biologicista dos profissionais de saúde, o que mostrou-se um aspecto a ser urgentemente repensado na prática clínica. Os estudos longitudinais apontam para um aumento de casos cronificados, aumento do impacto psicossocial e dos custos relacionados a estes casos. Esta revisão observa também que, por mais que existam consensos e diretrizes consolidadas, no sentido da redução de medicação, redução de exames complementares e do estímulo ao ensino/aprendizagem de estratégias ativas para manejo do problema, existe uma inércia à mudança por parte dos serviços de saúde. Diversas estratégias foram utilizadas no sentido de transformar as práticas nos serviços de saúde, porém, devido ao contínuo crescimento do problema e da constatação da manutenção de condutas contra-indicadas, considera-se ainda a necessidade de construção de novas estratégias (HARTVIGSEN et al., 2018). Ao analisarmos as estratégias já implantadas e avaliadas, observamos que estas apresentam prioritariamente características gerencialistas de tentativa de controle das condutas clínicas por meio de protocolos e diretrizes, apresentando assim, uma boa extensividade nas redes de atenção e abrangendo grande parte dos profissionais. Ainda assim essas estratégias não geraram mudanças consistentes na conduta dos profissionais. A nosso ver, os aspectos envolvendo tecnologias leves que incluem a intensidade e a qualidade das relações de cuidado ainda são muito pouco explorados, dificultando a mudança da conduta.

Consideramos que o encontro do estilo clinico osteopático com tecnologias brasileiras empregadas na APS, como o matriciamento, pode fomentar um contexto rico de produção de novas experiências no sentido da superação de algumas mazelas do cuidado biomédico. Isto no

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sentido da construção de tecnologias leves, segundo saberes e técnicas que instrumentalizem os profissionais a promover posturas ativas dos usuários frente ao manejo de problemas crônicos cada vez mais prevalentes. Cabe ressaltar, que nesse contexto, também se faz necessária uma autoanálise por parte dos osteopatas, haja vista que existem ainda alguns profissionais, que praticam estilos clínicos, que reforçam crenças limitantes. Isto depende da formação, bem como, dos interesses privados dos mesmos, podendo ser observado quando, por meio do excesso de estratégias passivas sem o devido encorajamento para estratégias ativas, o profissional gera dependência, ou quando, por falta de informação, o mesmo se utiliza de modelos explicativos puramente mecânicos e passivos sem considerar estratégias ativas (ZUSMAN, 2013; HARTVIGSEN, 2018).

Still (1899) parecia antever o contexto da limitada eficácia em buscar na estrutura isolada (que se pode observar em exames de imagem, por exemplo) a justificativa para problemas funcionais. Se tal prática pode simplificar o entendimento do sofrimento, para profissionais e usuários, ela o reduz demasiado e induz a perda da visão do todo (primeiro princípio), dificultando a exploração da capacidade de adaptação e regeneração (segundo princípio) observada na relação peculiar e singular entre a estrutura e a função de cada indivíduo (terceiro princípio). Esse processo não é fácil, necessita de profissionais motivados e curiosos sobre cada caso e não simplesmente treinados na aplicação de protocolos e diretrizes. Como dizia Still (1899) (p.28), “Encontrar a saúde deve ser o objeto do terapeuta. Qualquer um pode encontrar a doença”.

Do compartilhamento da catastrofização à manutenção da monocultura biomédica: uma conversa necessária

A catastrofização, bem como a medicalização, são fenômenos nos quais existe um compartilhamento de crenças e pressupostos que geram angústias que podem fortalecer a adesão a determinadas estratégias terapêuticas. Essas crenças e pressupostos são compartilhados tanto pelos usuários dos serviços de saúde quanto por profissionais. Merhy (2012), identifica um ideário compartilhado dentro do SUS, redutor das histórias clínicas dos usuários, que circulam entre diversos profissionais de um ou vários serviços, caracterizado por um intenso processo de medicalização da vida. Ou seja, atenta para a existência de um compartilhamento competente de crenças e pressupostos que em última instancia enfraquece a população em suas capacidades para lidar com

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suas questões de saúde. A manutenção de determinadas crenças catastróficas ocorre,

quando algum grupo, por interesses ou convicções particulares, compartilha pensamentos, cenários, histórias, tecnologias estritamente relacionadas a processos patológicos e de desfechos ruins. Para cada um desses processos, estrutura-se uma solução tecnológica bem definida. Essa solução, dependendo da complexidade, envolve uma série de serviços e produtos, custos e responsabilidades de cada provedor. Uma vez, pactuadas as crenças e pressupostos, incluindo quais os caminhos considerados mais seguros e eficazes, as profissões disputam o direito de uso de tecnologias que se enquadrem nos modelos mais aceitos. O problema ocorre quando a manutenção de determinadas condutas se dá por angústias cultivadas e compartilhadas mesmo quando existem evidências que determinados procedimentos não geram os benefícios que se esperava e inclusive apresentam efeitos nocivos a saúde da população. Vale acrescentar que, uma vez estando o procedimento restrito a determinada profissão, sob o argumento de uma suposta segurança técnica, acentua-se um desequilíbrio de responsabilidades entre profissionais e usuários. Ou seja, ao restringir a responsabilidade por determinados procedimentos a categorias específicas, se impede a construção e compartilhamento de narrativas alternativas a determinados procedimentos padronizados. O usuário, em seu momento de fragilidade, não encontra nenhuma condição e apoio técnico, de qualquer outro profissional, para ter autonomia mínima na decisão sobre qual conduta seria mais segura para si, e é induzido a adesão, em alguns casos quase obrigatória, a procedimentos considerados seguros.

Nesse contexto, a osteopatia pode reforçar e aprofundar a utilização da espera permitida como forma de verificar com segurança a necessidade ou não de determinadas estratégias investigativas e terapêuticas. Por meio do compartilhamento das estratégias de cuidado, incluindo abordagens básicas de avaliação e intervenção osteopática para as outras profissões, ampliar-se-ia a referência do toque e a importância da mobilidade dos tecidos, bem como um olhar sobre a evolução do todo, somando aos sinais semiológicos biomédicos o acompanhamento dos sinais de auto-regulação. Isto torna-se mais evidente dentro de um acompanhamento longitudinal, instrumentalizando a tomada de decisão mais segura para toda e qualquer profissão da saúde. O usuário por sua vez, ao vivenciar o processo, compartilhando das informações encontradas, gradualmente tem a possibilidade de participar de forma esclarecida, sem tantas angústias, sobre a tomada de decisão. Por fim, o compartilhamento

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legítimo e esclarecido de decisões, estimula uma redistribuição das responsabilidades entre profissionais e usuários. Este estilo clínico torna o usuário mais esclarecido e responsável, não só favorecendo a ampliação de autonomia como atenuando o crescente problema de processos judiciais contra profissionais. O problema é mais evidente justamente em países onde a saúde é vista como mercadoria, a exemplo dos EUA e em especialidades onde o imaginário catastrófico é desproporcional aos desfechos naturais, como a ortopedia e a obstetrícia (MAKARY; DANIEL, 2016). Ao contrário do que se possa pensar, a principal causa das denúncias contra profissionais da saúde não esta relacionada a tecnologias duras, como atos de imprudência ou imperícia técnicas, mas sim às situações de negligência e problemas de comunicação (BITENCOURT et al., 2007).

Outra questão a ser colocada, é que segundo uma perspectiva sistêmica, as iatrogenias advêm também do processo de trabalho, ou seja, da qualidade dos cenários e contextos de trabalho dos profissionais (REASON, 2000). Nesse sentido é importante que a criação e experimentação de estratégias de educação permanente envolvendo a osteopatia na APS seja conduzido dentro dos processos de trabalho. Isto respeita a premissa do conceito de educação permanente de estimular a reflexão e transformação do trabalho e não apenas acumular mais informações teóricas desconectadas da rotina dos profissionais. Tal posicionamento visa melhorar a qualidade do serviço tanto para usuários quanto para profissionais. Isto é imprescindível pois existe uma correlação entre o burnout vivido pelos profissionais, redução da empatia e aumento de iatrogênias (WEST et al., 2006). O profissional, quando desgastado em seu processo de trabalho, diminui a sua disponibilidade relacional à empatia, o que o distancia do usuário. Somado a isto, a alta demanda e o tempo reduzido de consulta, contribuem para que o profissional simplifique o seu processo de trabalho, optando para a aplicação mecânica de procedimentos e condutas. Esse contexto, favorece desentendimentos e desamparos, o que inclui questões de negligencia (WEST, 2006; BITENCOURT et al., 2007). Assim, pode ocorrer uma de tomada de decisão unilateral, o que leva ao usuário a aderir a uma estratégia sem ter refletido sobre suas possibilidades de tratamento, ou simplesmente não aderir a proposta alguma e perder o vínculo com o serviço de APS, como centro do cuidado.

A segurança, que a osteopatia procura evidenciar, advêm do estudo das singularidades e por isso demanda tempo, atenção e empatia. Isto se fortalece na medida em que se introduz este saber no contexto

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multiprofissional e se integra a sua aplicação clinica a conhecimentos de outras profissões e especialidades. A segurança considera a tomada de decisão conjunta, entre as diferentes profissões e os usuários, o acompanhamento de cada caso ao longo do tempo, e o estímulo de estilos de vida ativos, livre de crenças limitantes desnecessárias. 5- Percurso metodológico e resultados 5.1 Aspectos Éticos

Uma vez que esta proposta trata também de uma intervenção em alguns serviços de saúde do município de Florianópolis (que foram definidos durante o processo) dividiremos as considerações éticas em duas partes. A primeira contempla questões éticas frente ao serviço de saúde e a segunda frente a pesquisa e coleta de dados.

Quanto ao serviço, o mais importante foi procurar contribuir para o mesmo sem gerar novas demandas ao sistema local de saúde. Nesse intuito, a postura do pesquisador foi de encontrar estratégias que visassem instrumentalizar os profissionais em suas próprias atribuições e em seu próprio processo de trabalho. A fase exploratória teve como pressuposto identificar espaços, estratégias e possíveis contribuições da osteopatia sem que isto gerasse demandas que já não estejam contempladas nas atribuições profissionais, respaldadas nas políticas do Ministério da Saúde e que sejam consideradas legítimas pelos grupos de interesse.

Vale lembrar que as técnicas manuais desenvolvidas nos diferentes contextos possuem baixíssimo risco à saúde. No contexto da aprendizagem da Terapia Manual, a experiência própria constitui um importante meio de sensibilização e aprendizagem. Caso houvesse a participação em capacitações deste projeto, os riscos poderiam ser decorrentes das estratégias de manipulação no próprio corpo do participante e foram minimizados por meio de seleção de técnicas suaves, escolhidas por clínico experiente e levando-se em conta a atenção plena a contraindicações como previstas na literatura da área (OMS, 2005).

Caso ainda assim existisse a necessidade de um acompanhamento especializado, o que não ocorreu, seria disponibilizado para os participantes o acompanhamento de Terapia Manual realizado por profissionais especializados, realizados no ambulatório de osteopatia que acontece no Centro de Capacitação do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina e no consultório de osteopatia do pesquisador responsável pela pesquisa. Os endereços e contatos:

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Projeto Amanhecer Campus Universitário Trindade – Florianópolis/SC Caixa Postal 6199 – CEP: 88040-970 Telefone: +55 (48) 3721-8055 E-mail: [email protected]. Consultório de osteopatia: R. Santa Luzia, 100, sala 419 - Trindade, Florianópolis - SC, 88036-540. Telefone: (48) 99210702, Email: [email protected]

No que se refere à pesquisa, todos os participantes receberam, leram e assinaram se concordaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, todos os demais requisitos éticos desta resolução foram seguidos na íntegra. O projeto recebeu parecer favorável da prefeitura em novembro, do Hospital Universitário em fevereiro e do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da UFSC em maio CAAE: 52367216.7.0000.0121. Os profissionais participantes expressamente autorizaram o uso das suas imagens filmadas durante o projeto/capacitação para fins de registro e publicação científica, motivo pelo qual as imagens apresentadas não estão com as faces borradas. Ainda assim, optamos por utilizar pseudônimos na transcrição de suas falas para preservar o anonimato dos profissionais e usuários bem como seu relacionamento com as equipes respectivas. 5.2- Caracterização do território da pesquisa e sobre o pesquisador Município de Florianópolis

O município de Florianópolis possui uma população de 485.838 habitantes (IBGE, 2017), e em sua rede de atenção a saúde, possui 49 centros de saúde, 1 centro de controle de zoonoses, 4 policlínicas, 2 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), 4 Centros de Apoio Psicossociais CAPs. São 130 equipes de saúde da família, 12 Núcleos de Apoio a Saúde da Família, totalizando 2577 servidores em 2017. Florianópolis é a capital brasileira com o maior índice de desenvolvimento humano (IDH) sendo a terceira entre os municípios em geral, a capital mais longeva e com menor taxa de mortalidade infantil. Foi a primeira capital que alcançou 100% da cobertura populacional pelas equipes de ESF. Foram realizados em 2017 um total de 938492 consultas nos centros de saúde, 313621 nas UPAs, 204722 nas Policlínicas e 8369 nos CAPs. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde o percentual de encaminhamentos para a atenção especializada foi de apenas 9% em 2017. Nos últimos 3 anos, vivencia um declínio da cobertura da estratégia de SF em função de uma diminuição do quadro de servidores de 2743 em 2015 para 2577 em 2017 apresentando uma taxa de 89% de cobertura da Saúde da Família em 2017 (SMS, 2017).

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Outra característica peculiar dos serviços de saúde de atenção primária de Florianópolis refere-se a que aproximadamente 60% dos médicos do serviço são especialistas em saúde da família ou medicina de família e comunidade. A rede oferece e estimula estratégias de educação permanente possuindo também uma comissão multiprofissional para difundir e capacitar os profissionais em práticas integrativas e complementares (SMS, 2017). O projeto amanhecer O projeto de extensão do Hospital Universitário da UFSC (HU) “Projeto Amanhecer” foi parceiro em nosso estudo disponibilizando o espaço (sala de práticas e sala de reunião) e materiais (macas, almofadas, lençóis, retroprojetor) para a primeira onda de capacitação. Esta parceria se firmou por consequência de uma relação de 4 anos onde o pesquisador implantou e coordenou um ambulatório de osteopatia que oferecia atendimentos gratuitos por meio do projeto amanhecer. Este ambulatório capacitava profissionais osteopatas dos últimos dois anos da formação em osteopatia do Institudo Brasileiro de Osteopatia (IBO). O projeto amanhecer iniciou suas atividades em 1996. Inicialmente com o proposito de “cuidar de quem cuida”, o projeto oferecia cuidados em práticas integrativas para os profissionais do hospital universitário da UFSC. O projeto foi gradualmente ampliando o oferecimento de práticas para a comunidade universitária e seu quadro de profissionais voluntários foi cresceu de forma espontânea. Atualmente a cede do projeto encontra-se no centro de treinamento e capacitação do HU e possui em seu quadro de voluntários 130 profissionais, sendo que conta apenas com um servidor e um estagiário da UFSC. Realizou em 2017, 8892 consultas em PIC de forma gratuita e ofereceu cursos e capacitações na área (NASCIMENTO, 2016). Embora o projeto seja um sucesso no que se propõem, acolhendo e acompanhado a comunidade universitária, esta com seu reconhecido sofrimento psíquico entre os estudantes e professores, o projeto atualmente corre o risco de não mais acontecer porque a coordenadora atual está prestes a se aposentar e não existem expectativas de contratação de um novo servidor para este cargo. Sobre o pesquisador O pesquisador iniciou sua trajetória de investigação/construção de saber a partir de um problema de saúde que o impossibilitou de permanecer sentado ou em pé por períodos prolongados (mais de uma hora). Incapaz de prosseguir em sua formação de engenharia de

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produção elétrica por não conseguir ficar sentado (cursava o 7º semestre), Leonardo foi inicialmente consultar especialistas de coluna. Recebeu diagnóstico de hérnia discal comprovado por ressonância magnética envolvendo as seguintes considerações clínicas:

a) Não poderia continuar praticando atividades físicas de impacto.

b) Segundo os especialistas (quatro ortopedistas de coluna e um neurologista), na época sua coluna tinha a constituição estrutural de um indivíduo de 70 anos.

c) O tratamento consistia em repouso, vigilância com os movimentos nocivos e em caso de dor severa (que provavelmente iria ocorrer de tempos em tempos), recomendava-se o uso combinado de anti-inflamatórios, analgésicos, relaxantes musculares e fisioterapia.

d) Os fisioterapeutas convencionais (recomendados pelos especialistas) concordavam apenas que os protocolos de reforço muscular e alongamentos pareciam não evoluir bem.

e) Seria recomendado um acompanhamento longitudinal feito por Ressonância Magnética (exame considerado de qualidade ouro) para o acompanhamento da evolução do quadro segundo os ortopedistas de coluna.

f) Leonardo era considerado um caso raro de degeneração por ter apenas 18 anos na época.

g) Fora estas considerações, a recomendação era seguir uma vida “normal”.

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Figura 6: Exame de Ressonância Magnética realizada em 2001 quando Leonardo tinha 19 anos.

Fonte: arquivo pessoal do autor

Leonardo iniciou sua auto-investigação e busca de autocura pela prática de yoga em 2001. Realizou formações com professores muito experientes nessa prática tradicional, como a professora Maria Laura Garcia Packer e o professor Hermógenes.

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Figura 7: Finalização da formação como instrutor de yoga em 2002 com a professora Maria Laura Garcia Packer.

Fonte: arquivo pessoal do autor

Figura 8: Conversa com Professor Hermógenes.

Fonte: arquivo pessoal do autor

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Figura 9: Leonardo como professor de yoga em alguns congressos (2003).

Fonte: arquivo pessoal do autor

Figura 10: Leonardo proferindo palestra de yoga em alguns congressos (2005).

Fonte: arquivo pessoal do autor

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Partindo do yoga, Leonardo realizou diversas formações e vivências em terapias integrativas e complementares como bioenergética, biodança, constelação familiar, reeducação postural global, quiropraxia, mindfulness, rolfing e por fim direcionou seus estudos à osteopatia. Ingressou na fisioterapia no intuito de procurar integrar os conhecimentos adquiridos com uma profissão legalmente reconhecida no Brasil e também por entender que havia a necessidade de se aproximar dos conhecimentos científicos convencionais.

Logo no segundo semestre da faculdade de fisioterapia, Leonardo idealizou e implantou, junto com um grupo de quatro colegas, o projeto de extensão voltado ao oferecimento de terapias complementares para a Síndrome da Fibromialgia (SFM) na Universidade do Estado de Santa Catarina em 2005 (UDESC). O projeto inicial, integrava práticas de yoga, whatsu1, caminhada e vivências reflexivas de apoio, adaptadas a indivíduos com diagnóstico de fibromialgia da comunidade. O projeto está associado ao laboratório de psicologia do esporte (Lape/UDESC). Atualmente o Lape dividiu o projeto em três projetos de extensão, um voltado a programas estruturados de caminhada, outro de musculação e outro de alongamento para este mesmo público (https://www.udesc.br/cefid/lape/projetosextensao). Este foi o primeiro contato com a relação entre pesquisa e extensão universitária e com a produção científica na prática. Leonardo acompanhou nesse projeto o trabalho de coleta de extensos questionários validados (Escala de Humor de Brunel (BRUMS), a depressão pelo Inventário de Depressão de Beck (BDI) e o impacto da SFM sobre a qualidade de vida pelo Questionário de Impacto da SFM (FIQ). Neste processo inicial de contato com a pesquisa, Leonardo observou o quanto os interesses de pesquisadores puramente acadêmicos e pesquisadores voltados à extensão eram distintos e como estes interesses condicionavam suas percepções, análises e conclusões. A busca pela validação e produtividade científica por vezes se sobrepunha à busca pelo desenvolvimento da experiência empírica e humana do cuidado. Para exemplificar esta observação, pode-se trazer da lembrança o desamparo vivido pelos participantes ao responder os próprios questionários: dois deles referiram durante os encontros que tiveram recaídas após a última coleta. Em uma breve reflexão sobre os questionários, do ponto de vista empático, pode-se imaginar a situação dos respondedores: imagine-se você estando

1 Técnica que mistura conceitos do shiatsu com movimentos realizados na água (Dull, 2008).

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cansado de sentir dores, tendo ido em diversos especialistas, sem querer incomodar seus familiares sobre assuntos desagradáveis, com sua autonomia amplamente limitada, ser convidado a responder de forma solitária a mais de 50 perguntas, sendo que a maioria com quatro ou mais opções de respostas sobre suas limitações de ir ao mercado sozinho, de realizar suas atividades de vida diária com facilidade ou envolvendo frases como: “Eu me culpo, me odeio, tenho vontade de me matar, perdi meu interesse nos outros, não me sinto atrativo, estou cansado demais para fazer qualquer coisa, não consigo tomar decisões, etc..” (GORENSTEIN, 1998). Como você se sentiria?

A esta altura, Leonardo além de conduzir as práticas de yoga, continuava estudando seu próprio corpo e limitações. Ainda não conseguia ficar por mais de uma hora sentado ou parado em qualquer postura sem a presença de uma ciatalgia no membro inferior esquerdo. Mantinha esta informação para si por também concluir que não ajudava muito ficar trazendo isto à tona. Tendo em sua família uma tradição de médicos e, por isso, um forte apelo a estudar medicina, Leonardo não enveredou para a área por não encontrar nenhuma ferramenta técnica na medicina biomédica que pudesse contribuir para seu próprio sofrimento.

Seguiu gradualmente realizando cursos e processos autoinvestigativos e conheceu a osteopatia, ao constatar que por trás de muitas técnicas e abordagens que lhe ofereciam alívio existia uma influencia dela. Um exemplo disto é o caso da idealizadora do método Rolfing (abordagem voltada a flexibilizar e reintegrar as fáscias corporais). Ida Rolfing, relata em seu livro (ROLF, 1999), que iniciou o desenvolvimento de suas ideias após ter sofrido um acidente de cavalo e ser tratada por um osteopata.

Leonardo observou que seu conhecimento empírico tinha uma forte influencia daquilo que vivenciava em sua própria recuperação. Constatou também a dificuldade de encontrar na literatura cientifica conhecimentos que preenchessem ou contribuíssem para seu processo de autocura. Neste momento (18 anos atrás), a literatura em relação a problemas discais era muito mais taxativa, protocolar e não inspirava quase nenhuma esperança de melhora. A partir destas constatações, Leonardo idealizou o projeto de extensão que intitulou de projeto “movimento integral”. Neste, desenvolveu uma metodologia de aprendizagem da fisioterapia a partir da própria vivência dos métodos e técnicas abordados no curso e a partir da integração de algumas de suas vivências de até então. Foram incluídos conhecimentos de yoga, rolfing, RPG, pilates, bioenergética e outros. Leonardo foi bolsista por dois anos deste projeto e produziu um artigo sobre educação acerca da

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vivencia de si na aprendizagem da fisioterapia (SCHNEIDER; VASCONCELOS, 2011). Este projeto também continua sendo conduzido até hoje, pela mesma professora que o acompanhou no segundo ano de sua existência (https://www.udesc.br/cefid/programasextensao/integracao/movimentointegral).

Em 2008, Leonardo iniciou seus estudos de osteopatia, conquistando o título internacional de Diplomado em Osteopatia em 2013, já atento a necessidade de integrar esta abordagem a sistemas de atenção primária à saúde. De 2011 a 2015 implantou e conduziu um ambulatório de osteopatia no centro de capacitação do Hospital Universitário da UFSC, em conjunto com o Projeto Amanhecer e com o Instituto Brasileiro de Osteopatia. Em 2014, entrou no Doutorado em Saúde Coletiva, conseguindo convergir sua área de pesquisa acadêmica com seu tema de investigação pessoal e empírico.

Figura 11: Ambulatório de Osteopatia na UFSC.

Fonte: arquivo pessoal do autor

Leonardo encontrou a sua cura há mais de 10 anos e continua

ativo e praticando todos os esportes que lhe convêm. A literatura mundial sobre o assunto da lombalgia mudou muito e hoje defende-se o movimento como melhor evidência para o tratamento. O maior obstáculo apontado pela literatura envolve uma dificuldade dos profissionais e serviços de mudarem as suas condutas frente a este assunto (FOSTER ET AL., 2018; BUCHBINDER et al., 2018; CLARK; HORTON, 2018). 5.3- Cronograma realizado: Abaixo, com o objetivo de uma descrição cronológica sintética, segue um quadro com as principais atividades envolvidas na construção do projeto de pesquisa, melhor descrita nos tópicos que seguem.

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Quadro 1. Cronologia das atividades do projeto de pesquisa.

Data Local Participantes Ações

2015 UFSC Leonardo Schneider e Charles Tesser

Construção do projeto (interação não presencial)

2015 setembro

SMS Comissão de Praticas Integrativas e Complementares da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis (SMS)

Construção do piloto para submissão ao comitê de ética

2015 outubro

UFSC Comitê de Ética Submissão

2016 janeiro

SMS Departamento de Educação em Saúde da SMS

Aprovação e ajustes finais

2016 fevereiro

CS Córrego Grande

Todas as equipes do CS

Apresentação e negociação sobre a etapa de exploração

2016 março a agosto

CS Córrego Grande

Todas as equipes do CS e NASF do Córrego Grande

Fase exploratória da pesquisa. Acompanhamento das equipes. 28 consultas compartilhadas, com médicos, fisioterapeutas e enfermeiros, acompanhamento de 10 sessões de grupo, incluindo estratégias de PIC, grupos de dor e de alongamento.

2016 fevereiro

CS Monte Cristo, CS Armação, CS Itacorubi, CS Saco Grande

Profissionais da Fisioterapia, Psicologia e Educação Física do NASF

Participação em grupos e estratégias de PIC. Entrevistas iniciais com profissionais e usuários.

2016 março HU Coordenação do Projeto

Viabilidade de salas, horários e estrutura física.

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Amanhecer 2016 junho SMS Comitê de

Praticas Integrativas

Renegociação e reconstrução da proposta piloto.

2016 julho SMS Direção de Atenção Básica

Apresentação do modelo e renegociação de viabilidades.

2016 julho SMS Comissão de Educação em Saúde

Renegociações e viabilidades. (Escolha de centros de saúde, carga horária)

2016 julho CS Itacorubi

Coordenação de Centro

Adequação do projeto às demandas da unidade. Formas de apresentação e realização de convite.

2016 julho CS Saco Grande

Coordenação de Centro

Adequação do projeto às demandas da unidade. Formas de apresentação e realização de convite.

2016 julho Consultório e Skype

Profissionais Diplomados em Osteopatia.

Apresentação e remodelamento do modelo de intervenção.

2016 agosto Consultório e Skype

Profissionais Diplomados em Osteopatia.

Apresentação e remodelamento do modelo de intervenção.

2016 agosto CS Saco Grande

Reunião de Centro de Saúde

Apresentação da proposta, convite oficial e formação da primeira turma.

2016 agosto CS Itacorubi

Reunião de Centro de Saúde

Apresentação da proposta e convite oficial e formação da primeira turma.

2016 setembro

Centro de Capacitação do HU/UFSC

20 participantes Início da primeira onda de capacitações e fase de concentração (4 encontros de 4h).

2016 outubro

CS Itacorubi

8 participantes Fase de dispersão da primeira onda 3 encontros semanais de 3h.

2016 outubro

CS Saco Grande

12 participantes Fase de dispersão da primeira onda 3 encontros semanais de 3h.

2016 Centro de 20 participantes Encerramento da primeira

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novembro Capacitação do HU/UFSC

onda de capacitação. (Um encontro de 4h)

2016 novembro

UFSC Banca Examinadora

Qualificação do projeto

2016 novembro

CS Itacorubi

Participantes do primeiro grupo

Entrevista final sobre a capacitação: 2 entrevistas de 30 min.

2016 novembro

CS Saco Grande

Participantes do primeiro grupo

Entrevista final sobre a capacitação: 6 entrevistas de 30 min.

2016 dezembro

SMS CPIC Apresentação dos resultados preliminares

2017 janeiro-março

SMS Direção de Atenção Básica

Viabilidade e remodelamento da segunda onda.

2017 abril UFSC Reunião dos Educadores Físicos dos NASF

Apresentação do projeto e roda de conversa sobre o modelo utilizado

2017 abril CS Lagoa da Conceição

Reunião geral dos NASF

Apresentação do projeto e roda de conversa sobre o modelo utilizado

2017 abril CS Itacorubi

Equipes do CS e profissionais

Remodelamento do Capacitação. 2 Grupos focais com 2 equipes. Tema: qual o formado da capacitação que vocês querem? 1 reunião com a coordenadora do CS

2017 Agosto- setembro- outubro

CS Córrego Grande

16 profissionais do CS do córrego grande

Segunda onda de Capacitação: 8 encontros semanais de 4h.

2017 novembro

CS Córrego Grande

16 profissionais do CS do Córrego Grande

2 Grupos Focais com os profissionais sobre a Capacitação

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5.4- Fase exploratória Inicialmente utilizou-se de um processo de exploração de campo

empírico da APS, no intuito de considerar a “influência de uma grande variedade de condições institucionais, políticas, ideológicas e culturais, que antecipam e determinam o espaço dentro do qual a capacitação pode operar seus limites e possibilidades” (PNEP, 2004). Logo neste primeiro momento, deu-se início a um diálogo dos profissionais de um serviço de atenção primária com o pesquisador, na posição de osteopata, enviesado por um olhar construído ao longo de sua formação e experiência clinica com práticas integrativas e saúde coletiva.

O pesquisador acompanhou os profissionais de um centro de saúde, em acordo com a equipe e os gestores da SMS, em suas rotinas de trabalho através de observações semanais de um turno, inicialmente mais passivas e progressivamente mais participativas. Além disso, houve participação do pesquisador em diversos ambientes de reunião, cuidado e formação com gestores, profissionais dos NASF e de centros de saúde, no intuito de conhecer o ambiente, os profissionais, as práticas de trabalho, os problemas ali enfrentados e selecionados a partir de sua potencial e hipotética intersecção com os objetivos este trabalho.

Este momento durou três meses e envolveu, idas a Centros de Saúde, participação em reuniões de equipe, reuniões de centro de saúde, reuniões de NASF, participação em grupos terapêuticos conduzidos por fisioterapeutas, educadores físicos, nutricionistas e psicólogos, participação em um congresso de medicina de família e comunidade, acompanhamento a consultas de acolhimento e consultas das equipes de APS. Gradualmente, por sugestão das equipes de saúde da família, foram iniciadas consultas compartilhadas informais entre o pesquisador e membros das equipes - que eram os responsáveis clinicamente pelas consultas -, mais especificamente enfermeiros, médicos, residentes de medicina, fisioterapeutas, residentes de fisioterapia e educadores físicos, totalizando 28 atendimentos compartilhados, dentro do ambiente de trabalho dos Centros de Saúde envolvidos. Também foram realizadas consultas de osteopatia em que os profissionais da APS eram os pacientes.

Respaldado nas observações deste primeiro momento exploratório e contextualizador, iniciou-se a construção do projeto piloto, adequado ao universo das equipes de APS. Este projeto inicial foi construído em parceria com o setor de Educação em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, gestores da SMS e de dois Centros de Saúde escolhidos por sugestão dos gestores da SMS, devido a disponibilidade de tempo para capacitação por parte das equipes. O

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projeto previa momentos de concentração, realizados no centro de capacitação do Hospital Universitário da UFSC e momentos de dispersão, realizados dentro dos centros de saúde participantes (Itacorubi e Saco Grande). Esse desenho inicial está esquematizado no Anexo 1, que foi aprovado pelo setor de educação em saúde da SMS. 5.5- Fase de execução - primeira turma

O projeto piloto foi desenhado de tal forma a superar a persistência do modelo escolar. Para tal, não houveram conteúdos teóricos determinados à priori, mas sim uma dinâmica que incluía momentos sistemáticos de vivência, feed-back, exposição e construção participativa de narrativas sobre os assuntos provenientes das vivências. O piloto teve inicio no dia 9 de setembro de 2016 e término dia 11 de novembro de 2016, sendo que completou uma primeira onda de capacitação/matriciamento devido a adaptação do cronograma de fim de ano dos centros de saúde. O processo incluiu 5 encontros de 4h realizados no centro de capacitação do HU, com a parceira do Projeto Amanhecer, e 6 encontros de 2h nos Centros de Saúde do Itacurubi e do Saco Grande, intercalados. Participaram desta primeira onda um total de 19 participantes destes dois centros de saúde incluindo 3 enfermeiros, 1 fisioterapeuta, 1 psicólogo, 2 médicos, 2 técnicos de enfermagem, 4 agentes comunitários, 1 residente de enfermagem, 1 residente em fisioterapia, também 2 médicos residentes em acupuntura, e 2 acadêmicos de medicina frequentaram alguns encontros por convite dos colegas. Participou também desta etapa, um cinegrafista francês, que foi previamente paciente osteopático e acompanhou voluntariamente todos os encontros.

A metodologia de ensino envolveu a construção, experimentação do ensino teórico-prático e assimilação de uma abordagem generalista em terapia manual, considerando a experimentação das mesmas no seu próprio corpo bem como a aplicação nos colegas. Isto foi intercalado com consultas feitas pelo pesquisador nos/com os participantes que apresentassem questões específicas. Estas consultas foram conduzidas de maneira dialógica com enfoque em perguntas/respostas sobre o caso ali abordado. O conteúdo específico das técnicas de terapia manual selecionadas foi gerado na medida das necessidades apresentadas ao longo destas consultas, a partir das técnicas mais relevantes para o contexto, e foi produzido um material didático em vídeo. Os encontros foram organizados em sete momentos que variaram segundo as demandas do contexto:

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1- Boas vindas e feed-back sobre encontro anterior (15 min): neste momento se dispunha o grupo em roda, abordando os assuntos trazidos pelos participantes; 2- Esclarecimentos iniciais (10 min): preparação do grupo sobre a dinâmica do dia e por vezes uma breve teoria introdutória; 3- Prática em grupo (45 min): realização de técnicas e práticas corporais gerais; 4- Intervalo (15 min): 5- Consultas compartilhadas (1 h): estas consultas ora foram realizadas com profissionais ora com pacientes dos serviços. Organizamos o cenário em círculo e de tal forma que a todos poderiam tirar suas dúvidas no momento em que quisessem e o profissional que estivesse conduzindo a consulta tinha liberdade para narrar sua forma de raciocínio clínico ao longo da consulta, sendo que também poderia fazê-lo depois, caso julgasse mais conveniente para o paciente. 6- dinâmica reflexiva (1 h): este momento procurou organizar o pensamento em torno dos objetos evolvendo as linguagens, narrativas, dilemas e soluções associados ao raciocínio clínico, bem como sobre o processo de trabalho. Para tal nos utilizamos de perguntas disparadoras que tivessem o potencial de gerar uma auto-análise da própria forma de raciocinar. Esta etapa, necessitou de um olhar atento do pesquisador, o que envolve um esforço constante em se projetar no lugar dos participantes e encontrar perguntas simples e abertas que favorecessem a externalização da “realidade” e da subjetividade de cada um. A conversa era finalizada, quando os participantes referiam um entendimento comum sobre as narrativas e linguagens tornando-as claras e organizadas o suficiente para a todos. Por fim, geralmente aplicamos técnicas de organização do pensamento, baseadas em métodos de construção de mapas mentais (BUZAN, 2010), contendo apenas palavras chave ou símbolos que se interconectavam. 7- Fechamento (10 min): esclarecimentos finais e pactuações para os próximos encontros. Este momento também foi de enorme importância, pois na medida em que o processo foi acontecendo o grupo foi gradualmente se aproximando do processo de trabalho rotineiro dos centros de saúde e realizando as consultas o mais próximo o possível do contexto das unidades. Isto necessitou uma iniciativa dos participantes em organizarem espaços e agendas dentro dos centros de saúde que não impactassem negativamente no serviço.

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5.5.1- Descrição das estratégias de educação permanente da primeira turma A descrição do percurso do trabalho será apresentada conforme a ordem cronológica e inclui os momentos de feedback, as dinâmicas reflexivas, práticas de terapia manual, as consultas compartilhadas, os temas abordados e as produções como mapas mentais, imagens, vídeos didáticos e algumas falas transcritas que se mostraram relevantes para ilustrar e fundamentar empiricamente nosso percurso. A descrição de alguns dos casos abordados não visa o rigor e o aprofundamento especializado sobre cada patologia, mas sim, tem a função de apresentar as origens dos assuntos discutidos na capacitação. Isto porque o trabalho não teve a intenção de apresentar a osteopatia como um recorte de técnicas aplicadas a determinadas patologias, mas sim, como uma ferramenta de aprendizagem capaz de gerar reflexões acerca do tema saúde/doença na prática, no sentido da transformação ativa do processo de trabalho. Desta forma, os estudos de caso serão acompanhados dos temas que foram gerados a partir do encontro com os mesmos.

Inicialmente utilizei diagramas e mapas mentais para organizar a didática e as estratégias iniciais de captação de imagem e configuração do cenário para as consultas compartilhadas.

Figura 12: Mapa mental do layout inicial das consultas compartilhadas.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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Este primeiro diagrama refere-se ao lay out da sala em que ocorreram os encontros de concentração da primeira onda de capacitação, incluindo o posicionamento das macas na sala, das câmeras (câmera global e câmera foco) e a função de cada participante (representados por círculos ou quadrados) Optou-se pela construção de ferramentas pedagógicas ao invés de conteúdo, pois, o conteúdo estava aberto para ser gerado do encontro das necessidades dos participantes e a experiência e expertise do facilitador (osteopata) num contexto metodológico favorável ao diálogo. Neste mapa encontram-se as palavras-chave: consultas multiprofissionais (o que foi chamado de 'grupo de cura' neste primeiro momento); formas de registro (registro histórico por meio de gravações sistemáticas); a apresentação do processo de aprendizagem como algo a ser vivenciado e construído coletivamente; sobre a utilização de mapas mentais e materiais que facilitassem a construção de narrativas. Figura 13: Mapa mental sobre as ferramentas pedagógicas iniciais.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Realizado isto, gravei alguns vídeos de introdução ao projeto e

sobre a proposta, filmado na sala da capacitação. Estes vídeos iniciais contém os temas a serem abordados no primeiro momento. Iniciando por um breve histórico sobre a construção e as motivações dos pesquisadores, apresento o objetivo de difundir a consciência e habilidades de ação sobre as capacidades de auto-cura inerentes do

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corpo (princípio da osteopatia); sobre o método (aprendizagem/intervenção/pesquisa); sobre possíveis temas comuns entre a terapia manual e a APS, como a medicina centrada na pessoa; a visão objetivo da capacitação (atingir autonomia, inserir-se no processo de trabalho); cronograma e momentos de concentração e dispersão. Figura 14: Vídeos de introdução.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Sobre a metodologia na prática, descrevi algumas palavras-chave que norteariam nossas ações. A aprendizagem que tenha a função de criar colaborativamente, transformar, envolver no sentido de mobilizar afetos, incluindo diferentes narrativas, significados, expectativas, demandas dos diferentes grupos de interesse. A intervenção incluiu as estratégias e fundamentos da educação permanente, no sentido da associação entre aprendizagem/intervenção/transformação do processo de trabalho. Foi composta pelo que chamei inicialmente de 'rodas de cura' que incluíram o atendimento das demandas de saúde dos profissionais, em um ambiente multiprofissional, que fortalecesse o sentimento de pertencimento a redes de cuidado e que se baseassem na responsabilidade das pessoas por pessoas e não por procedimentos e técnicas.

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Figura 15: Mapa mental inicial sobre o método de intervenção / aprendizagem / pesquisa.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

O mapa mental a seguir trata da construção de um ambiente

relacional favorável à aprendizagem por meio do compartilhamento de experiências e vivências. Inclui, qualidades desse ambiente como conforto, confiança, que seja inclusivo, receptivo as diferenças, que possua tempo suficiente, que inspire no sentido de mobilizar afetos e envolver os participantes a um movimento reflexivo e criativo. Aponta para algumas dos objetivos de se construir um ambiente com essas qualidades como o fato de permitir o compartilhamento de experiências clínicas, permitir aos participantes o contemplar e testemunhar, no sentido de ouvir os depoimentos como indícios dos resultados do ato de cuidado proposto pela abordagem osteopática e de fomentar indivíduos e equipes capazes de reavaliar suas próprias crenças e condutas.

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Figura 16: Mapa mental sobre a necessidade da construção de um contexto favorável a aprendizagem participativa.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

O seguinte mapa apresenta um modelo teórico voltado a

desconstrução de crenças sobre quadros clínicos, por meio da testagem de hipóteses de visão de futuro dos pacientes (prognósticos) e reavaliação dos desfechos apresentados na prática clínica. Este modelo procura organizar as consultas compartilhadas no sentido de tornar evidente as crenças e as formas como cada um conduz cada caso. Para isto inicialmente se estimula a expressão verbal por parte dos profissionais de suas hipóteses diagnósticas, bem como suas crenças sobre o prognóstico de cada caso. No segundo momento, realiza-se a consulta osteopática, apresentando a sua racionalidade, suas formas de avaliação e técnicas terapêuticas, e em um terceiro momento, reavalia-se o caso e confronta-se o desfecho com o prognóstico inicialmente construído. A intenção deste processo é evidenciar os estilos clínicos e onde e quando possuímos e lançamos mão de crenças que nos impedem de acreditar nas capacidades de auto-regulação do organismo. Esta metodologia também deixa clara a limitação de determinadas técnicas e procedimentos osteopáticos para alguns casos.

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Figura 17: Mapa Mental sobre as dinâmicas reflexivas associadas as consultas compartilhadas.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Nosso primeiro encontro aconteceu no dia nove de setembro de

2016 no centro de capacitação do Hospital Universitário da USFC. Como já mencionado, o grupo era formado por profissionais de dois centros de saúde (Itacorubi e Saco Grande) com um total de 19 participantes incluindo 3 enfermeiros, 1 fisioterapeuta, 1 psicólogo, 2 médicos, 2 técnicos de enfermagem, 4 agentes comunitários, 1 residente de enfermagem, 1 residente em fisioterapia, também 2 médicos residentes em acupuntura, e 2 acadêmicos de medicina frequentaram alguns encontros por convite dos colegas.

Iniciei com a apresentação das intenções do projeto/capacitação, minha formação e experiência, no intuito de me apresentar como pesquisador sem o pressuposto da neutralidade. Foram discutidos os métodos, os materiais a serem utilizados, cronograma e uma breve introdução a osteopatia. Na sequencia o grupo se apresentou e trouxe as suas expectativas iniciais frente a capacitação.

Em um segundo momento partimos para uma segunda sala, que estava organizada para o primeiro estudo de caso com um dos participantes. Inicialmente perguntei ao grupo se alguém teria alguma demanda para participar desta primeira consulta. Isabel, residente de enfermagem, disse que possuía várias queixas e que tinha o diagnóstico de síndrome da fibromialgia.

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Figura 18: Primeira consulta conduzida pelo osteopata

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Este caso serviu para apresentar a osteopatia em uma

leitura clínica ampliada buscando a participação do indivíduo no seu cuidado, para além de prognósticos e rótulos diagnósticos. Ao longo do processo foram abordados temas como a definição de síndromes como um conjunto de sinais, muitas vezes sem causas bem definidas. Formas de abordar a fibromialgia e dores crônicas, sensibilização central, como estimular posturas ativas no manejo desses casos, considerações sobre a terapia manual e a importância das práticas físicas.

Em um terceiro momento, reorganizamos a sala para um cenário com 9 macas onde os profissionais se dividiram em duplas. Foram demonstradas uma sequência de técnicas iniciais para a aplicação nos colegas. Essas técnicas foram selecionadas por servirem como formas seguras de entrar em contato com o corpo, avaliando os eixos principais de movimento e ao mesmo tempo iniciar algumas estratégias de promoção de mecanismos de auto-regulação. As mesmas foram escolhidas de forma a abranger os membros inferiores, coluna lombar, toráxica, as cinturas escapulares e pélvica, membros superiores, abdome,

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cervical e cabeça. Incluí neste momento alguns conceitos de avaliação global e conceitos de mobilidade e rigidez, posicionamento na maca, técnicas de relaxamento subocciptal, mobilização da fáscia cervical profunda, fáscia torácica, posicionamento das escápulas, equilibração das tensões recíprocas dos membros inferiores, equilibração dos diafragmas e introdução do conceito de Movimento Respiratório Primário 2 . Deste primeiro momento, foi construído e editado um material explicativo em vídeo com a síntese das técnicas abordadas montados para esta turma. Figura 19: Primeira aula prática.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

2 Conceito desenvolvido por Willian Sutherland que deu origem as manipulações cranianas.

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Figura 20: Esclarecendo dúvidas na primeira aula prática.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Em um quarto momento conduzimos uma dinâmica reflexiva

com o objetivo de compreender melhor as demandas e objetivos dos participantes em relação ao impacto esperado da capacitação em seu dia-a-dia. Partimos da seguinte pergunta disparadora: Imagine que se passaram três meses, e que esta capacitação terminou, como você perceberia no seu dia-a-dia que a capacitação foi bem sucedida? Inicialmente eles conversaram sobre e sintetizaram a conversa em duas palavras que simbolizam esta mudança almejada. Figura 21: Dinâmica reflexiva

. Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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Figura 22: Produto da dinâmica reflexiva.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

As palavras escolhidas foram: TROCA, SENSIBILIDADE,

TRANQUILIDADE, FLEXIBILIDADE, ACOLHIMENTO, CAMINHO, PERCEPÇÃO, CALMA, SERENIDADE, LIBERDADE, AJUSTE, CONFIANÇA, ENERGIA, ALÍVIO, CONFORTO, MUDANÇA, ENTREGA, RELÓGIO, DESPERTAR, RESOLUTIVIDADE, RELAXAMENTO, REFLEXÃO, DETERMINAÇÃO E FUSÃO. Algumas palavras referiam-se a sua própria saúde como alívio, conforto, calma, serenidade, tranquilidade, flexibilidade, outras a sua atuação profissional como percepção, sensibilidade, acolhimento, confiança, relógio (mais tempo), resolutividade e um terceiro grupo relacionado a mudança em si como despertar para um novo olhar, reflexão sobre si, mudança, caminho de transformação e fusão de conhecimentos.

Como produto foi gerado nesse momento um vídeo com um conjunto de técnicas e conceitos básicos de terapia manual para os profissionais da APS. Material produzido com as imagens e conteúdos abordados na prática do encontro anterior.

O segundo encontro iniciou com uma rodada de conversa sobre as reflexões durante a semana. Rosangela trouxe o assunto do estranhamento em receber o toque: “eu nunca gostei que me tocassem... eu tenho rejeição a isso... mas dessa vez eu adorei, eu relaxei bastante”.

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Citou a questão dos afetos que isso mobiliza e disse que desta vez ela relaxou bastante porque tinha um olhar mais técnico. Essa fala gerou o assunto do estabelecimento de vínculo e de relação de confiança através do toque. Nesse momento pude apresentar algumas questões relativas ao sistema nervoso autônomo e como que o toque pode modular tais sinais. Samira, psicóloga, relatou que conseguiu visualizar alguns de seus pacientes que seriam beneficiados pelo toque “aqueles que tem uma rede de apoio muito pequena”.

Outros assuntos foram levantados e foram abordados temas como distribuição de carga mecânica, compensações possíveis, influência do sistema nervoso autônomo no toque, “lei da artéria” (nome dado por Still à importância de todas as estruturas estarem com o aporte sanguíneo adequado), mecânica do ombro e estabelecimento de relação de confiança. Figura 23: Momento de compartilhamento das experiências da semana.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Houve a apresentação e conversa sobre o vídeo editado,

produzido com o material do segundo encontro, com as técnicas e conceitos provenientes do encontro anterior.

Num segundo momento demos início a práticas corporais no intuito de fazer com que os profissionais se observassem a sua própria mobilidade com o intuito de facilitar o entendimento da necessidade de flexibilização das estruturas rígidas e também como base para a construção de recursos de auto-cuidado. Nesse momento foram

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apresentados conceitos de cadeias musculares, continuidade fascial, mecânica de flexão e extensão.

Figura 24: Momento de aprendizagem da mecânica corporal pela própria experiência corporal.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Figura 25: Momento de aprendizagem da mecânica corporal pela própria experiência corporal

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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Na sequencia conduzi uma segunda etapa de trocas de cuidados com terapia manual, incluindo avaliação inicial, prática e feed-back, realizadas em duplas e com supervisão.

Figura 26: Prática supervisionada.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Dois participantes que identifiquei previamente que possuíam

disfunções toráxicas relevantes receberam uma consulta inicial onde apresentei algumas técnicas iniciais para essa região e a importância de sua flexibilidade. A primeira, a ACS Dulcinéia, com queixas de dor no ombro direito a dois anos, tendo realizado fisioterapia e utilizado fármacos, apresentando dor e diminuição do movimento global do ombro direito. E o segundo foi o médico acupunturista Ronaldo, que apresentava dores crônicas na região escapular.

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Figura 27: Consulta osteopática nos participantes escolhidos pela livre demanda ao longo do processo.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Reservamos um tempo final para as pactuações necessárias para

organizar o momento de dispersão nos centros de saúde a ser realizado na próxima semana (horários, espaço físico e materiais necessários).

A partir desse momento iniciamos a preparação para as idas ao centro de saúde. O mapa a seguir considera alguns conceitos sobre a imprevisibilidade e a transitorialidade do processo de aprendizagem neste modelo e estimula a reflexão sobre as possibilidades de mudança. Trazemos conceitos que procuram relativizar o real e o óbvio para poder examinar possibilidades de mudança.

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Figura 28: Mapa mental introdutório do momento de dispersão.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

No terceiro encontro, nossa conversa inicial ficou a redor de

assuntos sobre a necessidade de se ter uma postura profissional sem tensão, no intuito de transmitir confiança; o ato de manter o foco na solução ou na promoção de potenciais de auto- cura e não apenas no problema ou nos sintomas e patologias; sobre os fenômenos correlatos do efeito nocebo, cinesiofobia e catastrofização; sobre rigidez e hipervigilância, entradas e saídas da sala devido a demanda do serviço, criação de cultura de promoção de saúde dentro do serviço de saúde; abertura de possibilidades de mudança de modelo de atenção.

Na sequencia conduzi uma dinâmica reflexiva com o objetivo de evidenciar as qualidades e valores dos participantes como profissionais e construir uma identidade de grupo. A dinâmica foi construída desta forma porque percebi nos primeiros encontros alguns dos profissionais desestimulados em seu trabalho e isto estava influenciando na motivação para participar ativamente da aprendizagem. A dinâmica iniciou com uma pergunta disparadora: Faça de conta que você viveu sua vida toda, se aposentou, e faleceu... passados cinco anos do seu falecimento, um pesquisador vai realizar a sua biografia apreciativa, e pergunta aos usuários do serviço, que você acompanhou por toda a vida, como eles lembravam de você como profissional? Como eles lhe representariam? Então foram abertas as falas e num segundo momento

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os profissionais desenharam objetos, com suas devidas características, que lhe representassem como profissionais queridos pela população. Depois os profissionais desenhavam em grupo um símbolo que pudesse representar a capacitação.

Figura 29: Dinâmica reflexiva acerca da identidade profissional e dos objetivos com a capacitação.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Figura 30: Produto da dinâmica reflexiva acerca da identidade profissional.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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Descrição do material acima exposto segundo os significados expressos pelos próprios autores-participantes: 1- o Sol e Lua, utilizado pelo medico de família (João), a sua habilidade de reintegrar a pessoa a sua vida, a possibilidade de ajudar os pacientes a perceberem os ciclos da vida. 2- uma mesa de chá, foi utilizada pela ACS (Nilce), que simboliza a sua habilidade de reunir, sem o pretexto da doença, mas sim pelo prazer do compartilhamento. 3- um menino com energia entrando em saúde, utilizado pela psicóloga (Samira), para simbolizar que a seu cuidado consistia em olhar o ser humano como um todo, considerando um respeito pelas crenças de cada um. 4- uma faixa foi utilizada pelas fisioterapeutas (Joana e Camila), pois segundo elas, a faixa tem a capacidade de dar um direcionamento, um conforto e a segurança que abre possibilidade, que a pessoa consegue, que ela é capaz. “eles, (os pacientes) vem muito com: o que eu posso fazer?” (Camila) 5- a almofada, que representa a maleabilidade, considerando que cada pessoa tem a sua demanda e a habilidade de se moldar as necessidades de cada um (médica de família). 6- uma ponte, no nosso serviço somos uma ponte, um elo, uma ligação entre as pessoas. (Fabiane) 7- um abraço, para representar conforto (Isabel) 8- no centro encontra-se uma mola, objeto escolhido pelo grupo para representar a capacitação, isto pois, para o grupo, a capacitação servirá como um impulso para novas possibilidades de trabalhar, também ela representa a união de vários ciclos e de varias pessoas juntas.

No centro de saúde consultamos o médico de família João, e realizamos um método de perguntas e respostas com o caso dele, em que os profissionais faziam as perguntas enquanto eu conduzi a consulta. Neste caso, formam abordados os temas de hipervigilância e relação entre flexão e extensão e alongamentos para casa. Técnica de 'lombar roll', para a avaliação e tratamento em rotação lombar em decúbito lateraincluindo componentes de flexão ou extensão da lombar e sacro ilíaca.

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Figura 31: Consulta compartilhada no centro de saúde.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Figura 32: Consulta compartilhada.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Na sequencia, foi conduzida consulta inicial com a psicóloga do

NASF, Samira. Lesão parcial do ligamento cruzado anterior e fratura estável de tíbia. Nesse caso, foram abordados temas como lesão

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traumática, fase aguda, formas de abordar a inflamação, critérios de segurança, anastomose, lesão meniscal, semiologia do joelho, técnicas de mobilização, crenças limitantes, os modelos de atenção músculo-esquelético, necessidade ou não de exames complementares e história natural da doença. Após terminado nosso encontro no centro de saúde do Saco Grande, fomos (eu e o cinegrafista) realizar esta etapa com os profissionais no Itacorubi. Figura 33: Dinâmica reflexiva no centro de saúde do Itacorubi.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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Figura 34: Produto da dinâmica reflexiva no centro de saúde do Itacorubi.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Descrição do material acima exposto segundo os significados

expressos pelos participantes: 1- Os profissionais em conjunto escolheram para símbolo uma cinta de ferramentas para representar a capacitação, incluindo uma chave que possibilitaria abrir novas portas. 2- Rosangela (ACS) desenhou um fogão, sua narrativa partiu inicialmente da palavra lembrança, pois, segundo ela as pacientes se sentiam lembradas quando ela ligava, e também ligavam para saber dela “hoje eu lembrei de ti”. Neste momento, ela gostava de falar sobre cozinha como uma forma de intercalar momentos de sofrimento com um cuidado afetuoso “vamos esquecer de doenças e vamos trocar uma receita.. é uma troca... ela (a paciente) trocou um doce por uma orientação... distrai, aquele problema dela né.... então trocando de assunto ela se esquece um pouco daquela dor”. 3- Rejane (ACS) trouxe a questão do carinho inicialmente para então considera a escuta carinhosa “Só uma conversa já acalma”, “os pacientes vem aqui e só querem que os ouça”.

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4- Rubia (enfermeira) “eu gosto de trabalhar o sofrimento com a perspectiva de futuro”, “é importante trabalhar o plano de cuidado mas acho legal trabalhar nas motivações pessoais com uma perspectiva de futuro... por isso escolhi desenhar um caminho. 5- Paulo (enfermeiro), escolheu um óculos que para ele simboliza a disponibilidade de ter a sua atenção totalmente em favor dos seus pacientes.

Na sequencia realizei o acompanhamento do caso da Rosangela, com queixa de dor e limitação de movimento no ombro por dois anos. Neste caso abordamos assuntos como fugir de respostas protocolares e relações de causa/efeito lineares. Isto porque a lesão de Rosangela tinha sido atribuída a um excesso de carga ao carregar seu material de trabalho, porém sua dor apenas apareceu quatro anos após ela não estar mais realizando essa função. Ao iniciarmos o trabalho de flexibilização das estruturas do ombro, incluindo principalmente estratégias de energia muscular para perda de mobilidade glenoumeral em rotação interna, Rosangela lembrou que teve uma queda na frente do centro de saúde um mês antes das dores iniciarem, ou seja, neste caso a origem não tinha sido uma questão degenerativa e crônica mais sim um trauma não abordado. Abordamos o não estabelecimento de prognósticos precoces nem tampouco buscar relações de causa efeito que não acrescentem muito no tratamento, a necessidade do estudo da complexidade ao longo do processo investigativo e terapêutico e tecnicamente foram apresentados testes para mobilidade do ombro, sua relação possível com a região toráxica e cervical e possibilidades de flexibilização de forma segura. Abaixo uma foto antes e outra depois da intervenção que apontou o reestabelecimento da mobilidade em rotação interna e adução do ombro sem presença de dor.

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Figura 35: Referencial comparativo de rotação interna de ombro antes e após a intervenção osteopática.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

O quarto encontro foi novamente realizado com as duas equipes

juntas no centro de capacitação da UFSC. Iniciamos retomando o que ocorreu no encontro anterior. As equipes presentes nos momentos de dispersão apresentam seu quadro para a equipe do outro centro e assim reformularam suas narrativas acerca de sua auto-imagem como grupo e como profissionais dignos de lembrança.

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Figura 36: Profissional relembrando, reescrevendo e relatando as suas conclusões acerca do último encontro.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Demos continuidade com uma prática completa de trocas de

cuidado, envolvendo a construção de um grupo de atendimento multiprofissional. A turma foi separada em duas e em um grupo foi paciente e outro cuidador depois houve a troca. Os participantes conduziram a avaliação e o tratamento com os recursos que tínhamos desenvolvido até então. Foram realizados os ajustes das técnicas e desenvolvimento da manualidade, bem como desenvolvidas estratégias de inserção da terapia manual nas consultas do dia-a-dia. Perguntas e dinâmicas inseridas em uma consulta completa.

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Figura 37: Consulta à profissional, sempre explicando a racionalidade utilizada.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

No meio da dinâmica, consultei Rejane, ACS, com dor no

quadril e lombar. Ao longo do processo percebemos que sua dor influenciava em sua pressão arterial que estava 160/110 mmHg. Foram abordados a biomecânica da sacro/ilíaca relações biomecânicas com o resto do corpo, aprofundamento sobre movimento respiratório primário e importância de se manter o olhar sobre o todo.

Por fim realizamos o segundo atendimento de Samira. Nele aprofundamos na utilização da terapia manual para seu caso de joelho, incluindo considerações sobre a avaliação semiológica e a mobilidade.

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Figura 38: Segunda consulta de Samira para uma dor pós traumática de joelho.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Também lancei mão de uma técnica reflexiva utilizando tabuleiro

com pedras que representavam pessoas em seu ciclo de relacionamento, adequadas às demandas emocionais presentes no caso. Tal técnica nada tem a ver com a osteopatia, porém, por pertencer a uma formação em constelação familiar que possuo e segundo o preceito de ter a vivência de ser cuidado como forma de aprendizagem do cuidado, abri esta possibilidade ao grupo e principalmente à Samira, que acolheram a ideia.

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Figura 39: Segunda consulta de Samira para uma dor pós traumática de joelho utilizado dinâmica breve inspierada em técnica de constelação familiar.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Nas palavras de Samira “a possibilidade de ter um grupo desse,

dentro da tua oficina, pra nós também esta sendo um momento de autocuidado... acho que todos vão amar fazer” e em outro momento ela lembra “nós sabíamos que era um momento para aprender, mas foi mais que isso... foi um ambiente de cuidado”

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Figura 40: Nas palavras da psicóloga Samira: “foi um ambiente de cuidado”.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Alguns temas abordados foram: a função da dor como alerta;

sistema autônomo e dor; a função da fáscia como tecido conectivo; avaliação dos graus de fratura semiologicamente; técnicas para abordar complexidades; a importância das narrativas no processo de saúde/doença; a importância do vínculo essencial no momento das lesões; cinesiofobia e crenças sobre fraturas, o costume clínico de imobilizar muito mais que o necessário, gerando aderências e perdas de função; efeito piezoelétrico e como estimular a consolidação de uma fratura com segurança; avaliação de custos e benefícios dos modelos de saúde. Foram oferecidos dois artigos científicos sobre fratura no joelho. No quinto encontro voltamos aos centros de saúde, onde os profissionais convidaram dois pacientes para vir ao grupo receber o atendimento. A equipe conduziu a anamnese para então conduzirmos o tratamento de forma participativa, onde parte deles próprios realizaram as intervenções e participei quando havia necessidade. O primeiro caso foi o de Denise, que relatou dor irradiada para membro superior direito há um mês e meio, e sua passagem em quatro especialistas de coluna, indicação cirúrgica para hérnia discal, utilização conjunta de antiinflamatório (corticoide) e analgésico intramuscular, relato de efeitos colaterais sem melhora do seu sintoma.

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Figura 41: Ressonância Magnética de Denise mostrando a presença de uma hérnia cervical volumosa.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

A paciente foi abordada de forma multiprofissional e com a

utilização de outras abordagens integrativas. Renata, médica de família, aplicou acupuntura para o seu caso, o que evidenciou a facilidade de se utilizar abordagens integrativas em conjunto.

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Figura 42: Atendimento multiprofissional e integrando diferentes abordagens.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

O segundo caso atendido no Saco Grande foi o caso de Letícia,

funcionária da recepção do centro de saúde, afastada por lombalgia, tomando antiinflamatório via oral por dez dias com melhora parcial do quadro. Inicialmente os profissionais fizeram a anamnese e avaliação palpatória e depois conduzimos a consulta de forma partilhada.

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Figura 43: Consulta compartilhada com os profissionais sob supervisão de algumas técnicas.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Figura 44: Consulta compartilhada e anamnese feita em conjunto pela equipe.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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Nesse caso foi necessário apenas uma técnica de flexibilização do sacro em torção posterior, e exercícios para a manutenção da flexibilidade de extensão em casa. Logo na consulta Letícia referiu melhora total dos sintomas tendo retornado ao trabalho sem necessidade de uso de medicação.

Foram abordadas a semiologia da coluna cervical e lombar, desconstrução de crenças por meio de uma anamnese com um olhar integrativo, reflexão sobre atendimento multiprofissional: o que existe em comum entre as diversas profissões? Como se determina que técnicas são seguras ou quais conhecimentos são necessários para sua aplicação? Avaliação e prescrição de exercícios terapêuticos.

No Itacorubi, apenas conseguimos acompanhar o caso de Roberta que foi trazida pelo enfermeiro Paulo. A paciente veio com queixas de deglutição e polialgia. Este caso chamou a atenção dos participantes a evidencia questões relacionadas ao efeito nocebo que a paciente tinha internalizado. Nas palavras de Clara “o que me marcou foi quando ela disse que o médico tinha dito que ela não podia ir a praia... era algo que ela gostava de fazer... depois disso ela nunca mais foi a praia... eu percebi a importância de pensar o que falamos e como falamos”. Este caso nos tomou uma hora e meia e nos fez refletir ainda mais sobre nosso modelo de atenção. Não conseguimos atender o segundo caso por falta de tempo, era uma funcionária do serviço com dores lombares. Neste encontro foram abordados temas como semiologia neurológica dos nervos cranianos, referência e contra-referência, a necessidade de esclarecimento e construção de uma narrativa dos eventos historicamente compreensível. Super-especialização e recortes do modelo biomédico. Hipersensibilidade do sistema nervoso central: estratégias para abordá-la. Reflexões sobre o cuidado e a manutenção da saúde do cuidador. Complexidade e equilíbrio entre o dar e receber no ato de cuidado. O quantitativo e o qualitativo dentro do serviço. O sexto encontro seguiu a metodologia de consultas compartilhadas. Iniciamos com o acompanhamento da Amanda, seguido do caso de Samira. Quanto a Letícia, já havia voltado ao seu trabalho e estava sem dores. Algumas questões foram abordadas como perguntas abertas e escuta curiosa para a investigação inicial. Percepção do todo incluindo a postura, ânimo e tom de voz. Técnica de desenrolamento fascial para membros superiores, mobilização neural do nervo radial, liberação do retináculo do punho. Pontos gatilho. Sobre cefaleias tensionais. A necessidade de mudança do olhar. Mobilização neural. Técnicas oscilatórias para lombar. Avaliação do ligamento cruzado

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anterior. Técnicas funcionais para joelho, energia muscular para joelho. Tais técnicas são amplamente descritas em manuais de osteopatia (GREENMAN, 2001).

No Itacorubi, iniciamos pelo acompanhamento da Rejane (ACS). Hoje com a pressão controlada e dor reduzida apenas ao fim de movimento.

Figura 45: Consulta Rejane.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Temas e assuntos abordados incluem as condições de trabalho na

área da saúde. Modelos de atenção. Técnicas de sacro em energia muscular, sacro em torção posterior. Caimbras e irradiações. Sensibilização central. Complexidade e organização das narrativas de causa/efeito. Catastrofização e comportamento evitativo por medo (fear avoidence behavior).

Como síntese desses encontros realizados nos centros de saúde confeccionei quatro animações que foram apresentadas e discutidas no próximo encontro. A animação abaixo, apresenta de forma simples o coletivo formado por indivíduos complexos, inseridos em redes de relacionamento incluindo diferentes áreas, trabalho, família, lazer, aprendizagem, cultura, etc... Aduz que os acontecimentos traumáticos e de sofrimento podem vir de qualquer uma dessas áreas ou do somatório delas e compara como cada modelo atua sobre eles.

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Figura 46: Animações envolvendo diferentes modelos de atenção à saúde.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Figura 47: Animações envolvendo diferentes modelos de atenção à saúde.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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A segunda animação apresenta dois gráficos que tem no eixo das abscissas (X) o tempo em anos, partido do nascimento a noventa anos, o gráfico acima apresenta no eixo das ordenadas (Y) o tempo médio de relacionamento dos indivíduos com os serviços de saúde e o gráfico abaixo apresenta vitalidade no eixo das ordenadas. A linha vai sendo desenhada ao longo da animação mas, a linha mais escura, refere-se ao modelo biomédico, e a linha mais clara, refere-se ao que chamamos de modelo integrativo.

Figura 48: Animações envolvendo diferentes modelos de atenção à saúde

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

A terceira animação apresenta a viabilidade financeira dos

modelos, o eixo das ordenadas (Y) contem os gastos em reais e o eixo das abscissas (X) o tempo. Simula-se neste gráfico as diferentes condutas clínicas, considerando a utilização de recursos terapêuticos, exames complementares, procedimentos cirúrgicos, etc, no modelo biomédico e num modelo integrativo.

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Figura 49: Animações envolvendo diferentes modelos de atenção à saúde.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

A quarta fala sobre as múltiplas perspectivas sobre o ato de

cuidar, a constante mudança destes olhares, considerando a necessidade de pactuação de responsabilidades num equilíbrio entre o dar e receber entre as partes envolvidas.

Figura 50: Animações envolvendo sobre o ato de cuidar em diferentes perspectivas.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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No sétimo encontro foram utilizadas as animações como disparadoras para perguntas e discussões sobre os assuntos. Quando os participantes levantavam alguma questão eu sistematicamente perguntei onde e quando ele observava correlações com o seu processo de trabalho. Em um segundo momento realizamos mais uma prática coletiva de aplicação das técnicas realizadas até o momento. Durante o processo, realizei alguns ajustes e intervenções específicas visando melhorar as práticas. Foram abordados conceitos e técnicas viscerais, liberação diafragmática, técnicas crânio-sacrais, de maneira muito simplificada. Figura 51: Exemplificando conceitos e técnicas osteopáticas na prática.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

O percurso até então gerou conteúdos que sintetizei em dois

mapas um referente ao olhar integrativo e outro ao agir integrativo.

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Figura 52: Mapa mental sobre o olhar integrativo.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

O mapa acima, sobre o que chamamos de olhar integrativo, contempla os seguintes tópicos: - torná-lo evidente para que seja objeto de aprendizagem passou a ser um dos objetivos deste trabalho. - apresenta as seguintes caraterísticas: é acolhedor; inclui diferentes formas de cuidado, perpectivas e modelos terapêuticos; é complexo; generalista; inacabado, ou seja, em constante construção; é plural; vitalista e transcende as profissões e suas especialidades - facilita: estabilidade de fluxos nas redes de cuidado por meio de um entendimento comum e esclarecido entre os profissionais; esclarece também o paciente possibilitando maior autonomia, favorece a construção de narrativas de acordo das diferentes partes envolvidas. - passa a ser o centro do cuidado: redireciona assim a responsabilidade do cuidado, não para este ou aquele nível de atenção, mas sim para o próprio entendimento que se tem de cada caso e as pactuações envolvidas entre as partes.

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Figura 53: Mapa mental sobre o agir integrativo.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

O agir integrativo, por sua vez, complementa o olhar e reflete

sobre as barreiras e direcionamentos da ação de cuidado, apresenta os seguintes tópicos: - características: tem baixo risco, é centrado na pessoa, transprofissional, esclarece sobre riscos e benefícios, tensiona barreiras corporativas e pactua ações e responsabilidades. - fala sobre o campo de aprendizagem: que desperte interesse, que transforme, ou seja, possibilite movimento e dinâmica entre conceitos, crenças, olhares e comportamentos e que tenha conexão com o contexto que o cerca. - avalia: riscos e benefícios, a relação entre razão técnica ou defesa de mercado, as possibilidades de matriciamento, que conhecimentos são generalistas e pertencem a núcleos especialistas, formas de ensino/aprendizagem - quanto à aprendizagem sugere: incluir elementos vivenciais/experienciais, ser centrada na prática e no cuidado, e se manter em construção, possibilitado assim a inclusão de novos métodos.

O oitavo encontro teve inicio com a apresentação dos mapas sem que houvesse nenhuma explicação além do mapa em si. Pedi que os participantes falassem livremente sobre o que lhes chamava mais atenção. Nas palavras do enfermeiro Paulo:

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“...ele é o centro do cuidado... ou seja, toda a periferia é delimitada por esse ponto central.. então o olhar integrativo como eu tenho entendido é a avaliação que se faz do caso que nos chega, do sofrimento dessa pessoa... então o mais importante seria essa avaliação, todo o demais, que seria essa periferia, se é auriculoterapia, se é terapia manual, se é um analgésico, se é acupuntura, isso tudo são meios que giram em torno do centro, que seria essa avaliação. Então eu posso atender uma pessoa que esta com uma dor de cabeça, dando um paracetamol ou fazendo uma auriculoterapia, mas isso não é o olhar integrativo... isso é a periferia... a partir do momento que a pessoa quer ir para o centro, quer saber, quer entender, ou se curar de uma questão crônica, aí importa a gente ter esse olhar integrativo, importa a gente saber que essa pessoa não é só um corpo físico... que ela tem relações com a família dela, que ela tem hábitos... história de vida... trabalho... então tem todo um escopo abrangente que resulta naquele sintoma...”

Esta última prática coletiva de terapia manual teve como

insígnia que os participantes se organizassem em dois grupos, sendo que iriam realizar uma consulta completa sem supervisão alguma em um intervalo de 30 minutos cada grupo, incluindo acolhimento, anamnese, avaliação segundo parâmetros presentes na capacitação, aplicação do tratamento e fechamento.

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Figura 54: profissionais realizando consultas com terapia manual.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Conduzi uma última dinâmica reflexiva no intuito de

fechamento de nossa capacitação. Os participantes foram divididos em dois grupos e foi dado inicialmente dois minutos para cada participante responder a pergunta disparadora: O que foi esta capacitação para você? Na sequencia os participantes elencaram palavras-chave e em seguida contaram sobre estas palavras para o outro grupo e os demais.

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Figura 55: Última dinâmica reflexiva.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Figura 56: Última dinâmica reflexiva.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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Figura 57: Palavras chave escolhidas para sintetizar a última dinâmica reflexiva.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

5.6- Fase de execução da segunda turma (segunda onda da capacitação): Para a segunda turma, procuramos testar outras formas de organização e inserção no processo de trabalho das equipes de saúde da família. Isto no sentido de adentrarmos ainda mais no processo de trabalho dos centros de saúde. A carga horária permaneceu a mesma, com 32h divididas em 8 encontros semanais realizados no turno da manhã. Para este grupo não conseguimos organizar um horário com sala disponível no centro de capacitação do HU e todos os encontros foram realizados no próprio centro de saúde. Desta forma todo o processo foi conduzido dentro do centro de saúde ou no centro comunitário ao lado do centro de saúde. Outra mudança foi que procuramos juntar uma equipe inteira ao invés de profissionais pertencentes a várias equipes. Objetivamos assim nos aproximar da dinâmica da equipe o que tornou ainda mais concreto as relações dentro do processo de trabalho. Participaram desta etapa apenas o centro de saúde do Córrego Grande com um total de 16 profissionais, sendo um enfermeiro, dois residentes em enfermagem, um médico, 6 agentes comunitários, um fisioterapeuta do NASF, duas residentes em fisioterapia, um educador físico do NASF

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e dois residentes de educação física, uma profissional que trabalhava de voluntária no centro de saúde com técnicas de terapia manual. Os outros princípios e características da capacitação se mantiveram os mesmos, porém, as dinâmicas reflexivas se adaptaram as necessidades de aprendizagem deste grupo. Nestes encontros as gravações de áudio e vídeo foram realizadas pelos próprios participantes não havendo a participação do cinegrafista. 5.6.1- Descrição do processo de educação permanente da segunda turma: O primeiro encontro iniciou com uma breve introdução sobre o tema e apresentação de um vídeo curto da turma anterior, discussão sobre os objetivos e as opções metodológicas.

A primeira dinâmica reflexiva teve o objetivo de compreender as necessidades e expectativas dos participantes. Os profissionais foram agrupados em grupos de quatro pessoas e conversaram sobre a pergunta disparadora: Para você, como esse curso pode ser útil? Cada profissional teve o tempo de 3 minutos para falar na primeira rodada. Depois o grupo teve que sintetizar as falas em palavras-chave e um dos participantes foi escolhido para apresentar as reflexões para os demais grupos. Por último o grupo foi levado a organizar suas narrativas mais uma vez, tendo que decidir entre apenas quatro palavras-chave que melhor representassem os possíveis benefícios esperados do curso para o grande grupo.

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Figura 58: Apresentação coletiva da síntese proveniente da primeira dinâmica reflexiva da segunda turma.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

As palavras escolhidas foram: diversidade de avaliação e

terapêutica, resistência social à mudança, manejo da dor e redução de medicação. Neste primeiro encontro alguns dos profissionais colocaram que um dos objetivos com a capacitação era saber lidar melhor com seus próprios problemas de saúde.

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Figura 59: Palavras chave que escolhidas para sintetizar a dinâmica reflexiva.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

A primeira voluntária a receber uma consulta foi Sabrina, a ACS

convivia com dor e limitação de movimento do ombro direito (amplitude máxima de abdução com dor suportável de 90 graus) por mais de sete anos. A profissional associava a dor à ter trabalhado no passado com massagens. Todavia, Simone falou que na época que trabalhava com massagem ela não tinha dor. Quando perguntei porque ela fazia essa associação entre a dor e a massagem, ela disse que quando foi ao médico, fez exames e recebeu o diagnóstico de tendinite do supra-espinhoso e segundo ela, o profissional atribuiu a causa ao excesso de esforço com as massagens. No tratamento deste caso apenas flexibilizamos a cervical, sem trabalhar com o ombro em si, no intuito de verificarmos qual a influencia da cervical no quadro da Sabrina. A ACS referiu melhora de 50% na dor logo na primeira consulta sem nem termos mexido no ombro. Isso apontava para uma dor referente à perda de mobilidade funcional cervical e não a um problema na estrutura do ombro em si.

Cilene foi a segunda voluntária, a ACS apresentava dor nos dedos do pé direito, com o dedo médio com deformidade em garra, perda de sensibilidade nos dedos. Após manipulação lombo-sacral, incluindo um

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sacro em torção anterior, houve a diminuição completa do sintoma de dor no pé e a sensibilidade se manteve sem alteração.

Nesse encontro foram abordados os seguintes temas: a importância de se analisar a mobilidade geral e tecidual dentro da anamnese; formas de testar possíveis relações com a coluna vertebral; como observar e testar a melhora da dor ao realizar movimentos; a centralização da dor e as dores irradiadas; técnicas de avalição global e específica da mobilidade; técnica de relaxamento suboccipital, liberação da fáscia cervical profunda, equilibração dos diafragmas, considerações iniciais sobre a mecânica das estruturas pélvicas, mecânica da cervical e da toráxica. Mapas de dermátomos e dores referidas.

No segundo encontro iniciamos, como sempre, pelo feedback relativo ao primeiro encontro e alguns temas foram discutidos. O principal foi a questão de como pode-se estimular estratégias ativas por parte dos usuários frente aos seus problemas de saúde. Esta conversa partiu do feedback das duas ACS que foram consultados no primeiro encontro. Uma das participantes obteve um resultado de melhora de 90% e a outra voltou a sentir a sua dor na mesma intensidade sendo que a primeira realizou todos os dias o que foi proposto e a segunda, por acreditar estar melhor, literalmente esqueceu do exercício proposto para casa. Esse tema gerou a participação de todos na equipe e uma discussão sobre mecanismos endógenos e autógenos no processo de cura.

O acompanhamento de Cilene veio com uma nova queixa. Agora, referindo dor abdominal há uma semana. Cilene fez exames laboratoriais e o resultado ainda não tinha saído, a hipótese diagnóstica é de uma cistite e ela vem tratando com antibiótico. Cilene refere inchaço após comer, e a avaliação palpatória apontou para uma grande quantidade de gases no intestino grosso. A dor não apresentou características de influencia de componentes mecânicos, não apresentado relação com o movimento. A conduta foi de espera permitida e um direcionamento da atenção da ACS para a possível relação com presença de gases ou elementos relacionados a digestão.

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Figura 60: Consulta de Cilene.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Após essa consulta acompanhamos o caso da Sabrina que referiu

melhora de 90% no ombro e mudança no local da dor para perto da coluna cervical. Mantivemos nossa conduta baseada apenas na flexibilidade cervical principalmente no sentido da flexibilização de disfunções em flexão e rotação à esquerda de C7, que ainda não estavam totalmente livres, e toda a parte facial da transição cervico toráxica.

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Figura 61: Explicando a técnica e fazendo sentir.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Na sequencia realizamos uma prática das técnicas vistas até

então. Essa prática partiu da consulta da Simone. Após a profissional ter recebido pela segunda vez as técnicas, aproveitei essas informações cinestésicas vivenciadas por ela e instruí a profissional a aplicar as técnicas nela utilizadas e previamente descritas em dois de seus colegas. Na medida em que os profissionais foram praticando e sentido as técnicas fui acompanhando, corrigindo e realizando em cada um para que sentissem a qualidade do meu toque. Ao longo desse processo fui conversando sobre considerações clínicas, formas de observar a evolução, benefícios fisiológicos esperados, formas de avaliação e diferenciação de cada caso entre outros assuntos que pudessem ter relação com questões prevalentes e com o raciocínio clínico osteopático. Somado a isto, estimulei os participantes a se sentirem como pacientes e terapeutas, trocando informações sobre suas sensações, seu histórico e suas queixas ao longo do processo. Isto me serviu para abrir um campo relacional de cuidado e compressão da necessidade de cada um. Vale a pena registrar que neste momento, nos damos conta da enorme demanda de cuidado dos profissionais e da enorme lacuna no que se refere a estratégias de auto-cuidado.

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Figura 62: A profissional agora praticando a técnica após ter sentido.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Alguns outros temas foram abordados, como: mecânica cervical

e toráxica; relações entre as estruturas via inervação; vascularização; mecânica da dura-mater; modelo crânio-sacral; respiração primária; como coletar referências funcionais e semiológicas iniciais; como construir cronologicamente o processo de adoecimento e cura de cada paciente.

No feedback da abertura do terceiro, encontro os profissionais relataram como se sentiram durante a após receberem as práticas terapêuticas propostas:

“no meu pescoço... melhorou aquela dor, hoje estou sem dor” (Fernanda, fisioterapeuta) “minha dor no braço e na cervical, estou bem melhor e continuo fazendo os exercícios pra mim, mas não apliquei em ninguém” (Sabrina, ACS) “eu pelo menos, não senti mais nada depois daquele dia” (Bete, ACS) “aquele dia eu estava com bastante dor, estava sentindo como se tivesse sido atropelado por um ônibus... e aliviou bastante a dor, no outro dia eu já

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estava bem melhor. Foi bem válido! (Pedro, enfermeiro)

Sete profissionais referiram que utilizaram as técnicas em pacientes e em familiares com resultados positivos na dor:

“Utilizei em algumas pacientes e tive um resultado bem bom, principalmente na dor” (Fernanda, Fisioterapeuta). “Passei para uma paciente... ela estava reclamando com muita dor na cervical e ela disse que melhorou pra caramba... que foi uma coisa muito satisfatória para ela...” (Bernadete, ACS) “Fiz o relaxamento na região sub-occipital na minha mãe e me ela se sentiu muito bem” (Fernanda, Fisioterapeuta)

Os relatos das primeiras tentativas de utilização das técnicas começam a apresentar características de desenvolvimento de raciocínio investigativo clínico envolvendo a testagem dos efeitos das técnicas sem induzir verbalmente:

“eu apliquei a técnica na minha esposa. Eu simplesmente apliquei a técnica sem induzir no que ela ia sentir, eu não disse nada... fiz a técnica de descompressão suboccipital e no final ela me relatou que sentiu aquela relação entre o crânio e o sacro, então foi bem válido...” (Caio, educador físico)

Para a fisioterapeuta, uma coisa marcante foi a questão de se investigar clinicamente questões que vão além do sistema músculo-esquelético.

“eu achei muito legal o caso da Cilene, porque eu nunca pensaria em outra coisa. Eu pensaria no pé dela, porque ela começou com dor no pé e por mais que a gente tente pensar no todo, eu nunca saberia onde procurar... eu também achei interessante pedir para o paciente se observar, para ver de onde vem o problema... eu estou me observando mais também” (Karina, fisioterapeuta)

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Houve dois relatos de casos onde não houve nenhum resultado positivo, gerando nas profissionais um sentimento de decepção. Isto possibilitou conversar sobre a necessidade de investigação, sem tantas expectativas, mas sim com um senso investigativo no sentido de obter um melhor entendimento de quais as variáveis podem ser consideradas na construção narrativa sobre o quadro da paciente.

“tinha uma paciente que tem lesão do supra-espinal, ela já participou de grupo de ombro e não melhora... ai eu fiz a técnica e passei um exercício que tu tinha passado pra Simone né... achando que na hora ia dar aquele milagre que deu com a Simone mas pra ela não fez nenhuma diferença. Confesso que fiquei meio decepcionada porque não deu o mesmo milagre” (Manuela, educadora física) “eu fui tentar usar as técnicas com uma paciente, mas eu não consegui explicar o que eu estava fazendo, ai não funcionou e eu desisti” (Karina, fisioterapeuta)

Também houveram outros relatos de insegurança frente a aplicação das técnicas.

“eu ainda não me sinto segura para fazer em ninguém, mas estou fazendo alguns exercícios comigo” (Karen, ACS) “eu não me senti segura ainda, quero fazer o certo e tenho medo de fazer errado...” (Nilce, ACS)

Os profissionais também referiram dificuldade de organizar as ideias quando se deparavam com as queixas dos pacientes:

“Tu disse que as vezes o paciente chega na consulta com várias queixas e fica difícil de organizar a ideia... isso aconteceu comigo duas vezes ontem, eu fiquei uma hora com a paciente e ela chegou com muitas queixas e eu ainda assim não consegui organizar a ideia... eu tentei colocar em ordem cronológica mas ela pulava de uma queixa para outra e eu não consegui organizar a ideia...” (Karina, fisioterapeuta)

Um relato sobre a catastrofização e a importância em saber dar estímulos ao movimento com firmeza e segurança:

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“a questão de cuidar o que falar né...ontem a gente começou o grupo do joelho o paciente disse que ele teve uma queda. Ele foi na UPA e falaram que ele machucou o menisco... aí falaram que não era mais para ele caminhar e era para usar muleta. Aí ele ficou só alguns meses de muleta só que hoje ele não esta mais caminhando. Aí eu perguntei quanto tempo que foi isso e ele disse e ele disse que faz anos... aí ele disse que desde então ele não caminha porque falaram que não era para caminhar. Aí começamos a organizar o cronológico e a gente percebeu que ele estava realizando aquela conduta da fase aguda até hoje... a gente percebeu a importância de observar como a gente fala... porque se a gente não explica ele vai passar a vida toda sem fazer mais nada.... isso que ele voltou na unidade, fez o exame e nem tinha tido lesão no menisco. Hoje ele tem problema de retorno venoso, já teve trombose e não estava mais caminhando por causa dessa queda” (Fernanda, fisioterapeuta) “ele mesmo falou que não tinha dor para caminhar, mas tinham falado para ele que ele não podia. Isso que era advogado” (Manuela, educadora física) “a gente vê que os pacientes dão muita importância para os exames... eles falam como que eu vou fazer exercício sem antes uma ressonância?.. eu não consigo mudar isso” (Bianca, fisioterapeuta) “a gente tem que ter muito cuidado com os exames... as vezes existe uma dissociação clinico-radiológica. Tem paciente que apresenta um exame com problemas importantes no exame e não tem nada na clinica. O contrário também é verdadeiro” (Claudio, médico de família) “Outra paciente referiu que “eu estou empurrando com a barriga a minha dor porque não sai o exame”... eu tentei desconstruir mas não consegui” (Sabrina, ACS)

Na sequência, acompanhamos novamente o caso da Cilene, os exames indicaram que não havia infecção urinária, foi retirado o

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antibiótico e ela continuou com dor. Cilene começou a sentir melhora há dois dias, tendo passado a semana com dor e associou a melhora a diminuição do sentimento de inchaço abdominal levando a considerarmos novamente a produção exacerbada de gases como causadora de sua dor. À palpação não apresentava mais grande quantidade de gases nem tensionamento do intestino grosso.

Na sequência, os profissionais foram divididos em quatro equipes, e cada grupo foi responsável por conduzir um caso clínico de um colega. O tempo foi dividido em: 1) de coleta do histórico; 2) anamnese e testes de avaliação de parâmetros iniciais e anamnese; 3) narrativas finais envolvendo, hipóteses diagnósticas, prognóstico esperado, estratégias terapêuticas possíveis e formas de acompanhamento; 4) consulta osteopática e 5) questões e fechamentos.

Figura 63: Anamnese coletiva nas consultas compartilhadas.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Ao longo desse processo foram desenvolvidas habilidades de construção de hipóteses envolvendo como sistematizar a coleta de informações em uma linha histórica; formas de resgatar aspectos e estabelecer parâmetros em relação com as queixas; o princípio da autocura na prática; evolução natural do reestabelecimento da homeostase; disfunções osteopáticas e estratégias adequadas à flexibilização para cada tecido; formas de lidar e testar as hipóteses diagnósticas e seus prognósticos.

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O quarto encontro manteve foco na prática das consultas compartilhadas. Para isso, continuamos acompanhando os casos dos próprios participantes e abrimos a consultas para usuários do centro de saúde. Foram realizados um total de 6 consultas, três de acompanhamento dos participantes e três com usuários do serviço. Um caso em especial foi muito marcante para o grupo, por ser um caso que não teve resposta imediata e que ao longo da consulta se mostrou muito mais delicado do que o normal. Este caso em particular, gerou uma série de reflexões neste e nos três próximos encontros, porque mobilizou afetos dos participantes e evidenciou lacunas no serviço no sentido do fortalecimento da APS como coordenadora do cuidado. Os profissionais trouxeram para o grupo a paciente Amanda, de 22 anos. Chegou com uma queixa de dor no braço, persistente por quatro meses e sendo acompanhada pela equipe do centro de saúde. O tratamento anterior era para uma lesão suspeita de lesão no manguito rotador, mas que segundo um ultrassom, essa hipótese não tinha sido confirmada. O tratamento até o presente momento se baseava em analgésicos, antiinflamatórios, relaxantes musculares repouso e gelo no ombro. A paciente estava afastada do trabalho por dois meses e em duas semanas teria que voltar. Figura 64: Consulta da Amanda.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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A paciente chegou com perda de força nos movimentos da mão mais evidente no movimento de pinça do dedo mínimo e polegar. Perda de sensibilidade severa nos dermátomos de C6, C7, C8 e muita dor em todo o membro superior. A dor modificava dependendo da posição, porém se manteve em alta intensidade o tempo todo da consulta. Ao longo de minha anamnese os sintomas foram modificando na medida em que mobilizava tecidos relacionados com a região cérvico-toráxica. Técnicas aplicadas a fáscias cervicais profundas geraram centralização da dor e aumento da mobilidade articular, todavia a paciente continuava com dores intensas. No fim da consulta a paciente apresentava melhoras no braço, porém, a queixa cervical estava mais presente. Por se tratar de um caso muito agudo, dei meu telefone a ela para que pudesse ter um acompanhamento nos dias seguintes, instruí algumas posições e movimentos que segundo a anamnese poderiam ajudá-la, e marcamos retorno para a outra semana. Figura 65: Anamnese coletiva orientada pelo osteopata.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Também, atendemos mais dois casos trazidos pelos participantes e que tiveram uma ótima resposta sem maiores dificuldades ou dilemas. Um caso de dor no quadril, diagnóstico de lesão labral e que já tinha realizado alguns tratamentos anteriores, respondeu bem com a flexibilização de disfunção em flexão e rotação externa do fêmur em

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relação ao acetábulo. Nestes, segui apresentando algumas técnicas e reforçando alguns conceitos que já tinham sido abordados nos outros encontros, principalmente relativos a avaliação e a aplicação de algumas estratégias terapêuticas.

Os assuntos abordados foram: avaliação osteopática e estabelecimento de hipóteses. Como conduzir testes terapêutico como forma de avaliar as estratégias adotadas. Estratégias para identificar se a queixa vem do local da dor ou trata-se de uma dor referida. Técnicas fasciais para a região cérvico-toráxica. Mecânica e fisiologia, cervical e cervico-toráxica. No quinto, sexto e sétimo encontros seguimos a dinâmica de um momento de abertura, partindo de um feedback dos participantes e seguido da abordagem dos temas que eram levantados por estes. Os encontros mantiveram uma característica mais prática, envolvendo mais consultas compartilhadas, segundo as configurações realizadas nos primeiros encontros. Nestes encontros, aceleramos um pouco o tempo de consulta, para nos aproximar da rotina de trabalho. Tivemos um total de 12 consultas. Na medida em que nos aprofundávamos nas consultas compartilhadas, gradualmente os participantes foram estimulados a participar mais ativamente do processo. Neste momento, ficou claro o quanto cada profissional procurava utilizar e recomendar as mesmas estratégias de cuidado que utilizava para si. Isto reafirmou a importância em se investir na experiência de cuidado dos participantes ao longo da capacitação. Em outras palavras, a importância de aprender a cuidar sendo cuidado.

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Figura 66: Profissional vivenciando a abordagem osteopática.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Figura 67: Profissional relatando sua evolução para o grupo.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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Figura 68: Profissional repassando suas experiências para o paciente.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Ao constatar as demandas dos participantes e o quanto era importante a vivência do cuidado e a aprendizagem de novas estratégias de autocuidado, pedi para que estes se desenhassem e indicassem suas queixas com uma nota de zero a dez para o impacto que ela gera no seu dia a dia. Figura 69: Mapeamento das queixas de cada participante.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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Amanda retornou para a segunda consulta com uma melhora de 40% na dor no braço. Ao perceber que a dor estava mais concentrada na cervical, recordou que teve esse sintoma há quatro anos, porém, desta vez, a dor no braço estava mais forte e não percebeu tratar-se do mesmo quadro já vivido. Amanda, referiu que assim que a dor ficou evidente na cervical, recordou que a quatro anos, quando a dor apareceu e em menos de um mês foi internada com perda de sensibilidade e força total nas pernas. Referiu que não tinha mais o controle para evacuar ou urinar. Na época, realizou uma série de exames, incluindo ressonância, tomografia e uma punção, que segundo Amanda foram inconclusivos. Isto ocorreu no Pará e ela não conseguiu encontrar nenhum de seus exames. O quadro começou a melhorar dois meses internada, após uma rezadeira lhe fazer uma massagem no leito. Referiu que inicialmente retornou a sensibilidade e o controle motor levou seis meses para retornar ao normal, onde foi acompanhada por um serviço de fisioterapia por seis meses. Amanda referiu que ao longo das últimas semanas estava sentido progressivamente perda de força nas pernas. Frente a esses sinais, a encaminhamos com urgência para um serviço de neurologia por um quadro clínico de compressão medular, segundo as diretrizes clínicas atuais mesmo não sendo um quadro comum nesta faixa etária. Conseguimos o agendamento para dois meses de espera e pedimos para que ela viesse ao próximo encontro para que apenas lhe acompanhasse sem dar continuidade ao tratamento. No terceiro encontro, Amanda disse que estava gradualmente piorando e ao colocarmos na balança o caso dela, decidimos que ela corria mais risco sem acompanhamento sendo que tinha piorado gradualmente e que se mantinha sozinha uma vez que sua rede de apoio era formada apenas por uma amiga. Outro fator que contribuiu para nossa tomada de decisão foi que clinicamente ela respondia bem. Amanda foi acompanhada em mais duas consultas dentro da capacitação e três consultas no consultório. Teve melhora total das dores o ombro e não apresentou mais eventos de fraqueza nos membros inferiores, porém, dependendo de sua atividade diária seu sintoma cervical piorava. Amanda foi ao especialista que lhe encaminhou para realizar uma ressonância da coluna cervical que iria demorar ao menos três meses. Até o momento da redação deste material, Amanda estava se mantendo apenas por nossas recomendações, conseguindo ficar sem o uso de medicamentos e aguardando a ressonância magnética. Nas palavras de alana:

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“agora com esses exercícios eu não sinto mais tantas dores, eu não tenho fraqueza na perna, eu não sinto mais incomodo no meu ombro e no braço todo... eu não vou dizer que estou cem por cento porque quando eu tenho que fazer um esforço, aí volta de novo, não muito agudo nem muito intenso mas fica a dor, aí eu tenho que vir, fazer uma compressa quente, alongar e as vezes ir ao consultório do Dr. Leonardo pra poder passar. Hoje eu to tentando lidar com a situação da melhor maneira possível, fazendo os meus exercícios que me ajudam... hoje em dia eu espero uma ressonância, que pode não dar resultado algum, como não deu a anos atrás.”

Um segundo caso emblemático para nossa capacitação foi o caso

da dona Janice. Esse caso foi importante porque contrapôs a questão encontrada com Amanda. O caso de Amanda era um caso de urgência e estávamos aguardando uma ressonância para a tomada de decisão, sendo que clinicamente a paciente apresentou sintomas clássicos de compressão medular. Em contrapartida, Janice nos chegou, logo após o retorno da Alana, com quatro ressonâncias, uma em cada pé e uma em cada ombro. Estas continham diversas alterações estruturais, porém seu caso estava estável e controlado por meio de estratégias terapêuticas orientadas pela clínica sem mudança de conduta relacionada a ressonância.

Figura 70: Consulta compartilhada de Janice.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

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Figura 71: Exames complementares de Janice.

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Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Em outras palavras, a ressonância neste caso não tinha

contribuído para nada e estávamos aguardando uma ressonância importante mas que talvez não apontasse para uma compressão medular evidente na estrutura, embora clinicamente a paciente apresentasse sintomas evidentes relacionados a região cervico toráxica. A partir disso, levantamos uma série de questionamentos relacionados às limitações em se manter a conduta dependente de exames complementares, a necessidade de desenvolver capacidades clínicas de triagem de urgência, a questão do risco de se oferecer acolhimento ao sofrimento quando as diretrizes dizem o contrário, mas o sistema de saúde não consegue responder as exigências das diretrizes, dentre outras questões.

No último encontro, realizei uma dinâmica reflexiva onde os participantes relembraram e recapitularam de forma organizada todos os encontros, incluindo as consultas, os principais assuntos e técnicas e as coisas que mais marcaram cada um ao longo da capacitação, incluindo as reflexões advindas daqueles encontros. No fim os participantes montaram um painel em ordem cronológica de suas lembranças.

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Figura 72: Produto da dinâmica de recapitulação do desenvolvimento da aprendizagem segundo os eventos recordados por cada um a cada semana.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

6- Metodologia de análise dos materiais e entrevista final:

Quanto à construção das categorias organizadoras dos resultados, o processo de sua construção foi muito dinâmico e reflexivo, realizado ao longo do processo da pesquisa-intervenção, não seguindo nenhum protocolo de construção ou técnica pré-definida. Nesse sentido, a Grounded theory (STRAUSS, 1990) foi uma referência usada de uma forma muito flexível, ao permitir a emergência de núcleos de sentido percebidos pelo pesquisador durante o processo, que eram registrados. A Grounded Theory foi escolhida por permitir explorar a diversidade dos dados de forma criativa, abrangente e interativa (STRAUSS, 1990). Esta metodologia nos instrumentalizou para termos como ponto de partida os achados empíricos para a partir deles buscar conceitos e referências teóricas e não o contrário.

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Diferente de uma metodologia de análise convencional, em que a análise costuma ocorrer após a coleta dos dados, ou quando simultânea à coleta é realizada apenas pelos pesquisadores, as categorias emergentes desta pesquisa foram criadas e trabalhadas na medida em que o pesquisador avançava no campo empírico, a partir de algo que aguçava o seu sentido ou chamava sua atenção, algum problema, algum obstáculo à mudança, alguma discrepância entre o que se pretendia e o que se praticava, algum sofrimento alheio sendo desconsiderado no ato clínico, alguma crença acerca da forma como aprendemos novos conhecimentos, alguma crença, percepção ou opinião sobre a postura relacional e existencial de um profissional de saúde, sobre o sofrimento do outro e de si, sobre de onde guardar esperança para a conquista de saúde. Isto tudo motivava o pesquisador a estudar novos assuntos e sintetizar (por vezes em mapas mentais) aquilo que fora estudado e que parecia envolver os participantes (na percepção do primeiro). No encontro seguinte, discutia com os profissionais participantes acerca de suas percepções e sínteses ativando seu envolvimento com perguntas e provocações, algumas dinâmicas envolvendo a construção coletiva de mapas mentais, ou de síntese dos assuntos abordados em grupos, apresentação dos principais pontos levantados por cada grupo para o resto da turma e rodadas de perguntas e respostas.

A partir da espontaneidade do envolvimento e das falas dos participantes o pesquisador validava a importância de manter, tratar/melhorar ou abandonar cada categoria e/ou os conceitos acessados e/ou hipóteses criadas. Quando os assuntos já não motivavam mais reflexões partia-se para a prática novamente, buscando intervir tecnicamente através de consultas conjuntas e discussões dos casos (o aspecto interventivo e educativo pela prática do projeto) até que algo sensibilizasse novamente a atenção do pesquisador. Isso procurava materializar e operacionalizar de forma coerente os objetivos de estimular e viabilizar a participação dos profissionais envolvidos tanto no processo educativo quanto no processo de produção de conhecimento. Os sucessivos momentos de diálogo e reflexão com os profissionais, a partir de sínteses parciais que o pesquisador fazia e apresentava para debate a cada encontro, foram consubstanciando as categorias que iam se reforçando, fundindo, alterando ou agregando.

Não faltaram assuntos e motivos a estudar. No fim do processo, quando se chegou nas entrevistas finais, a fala dos profissionais pareceu reforçar aquilo que se tinha tratado, discutido, consensuado ao longo do processo. Em outras palavras, as análises foram feitas em conjunto com os profissionais participantes ao longo do processo de pesquisa. Nos

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encontros finais, a saturação de dados veio por meio de uma forte concordância acerca do que foi a capacitação para cada um, em que cada fala se encaixou sem muito esforço analítico ou de reorganização da parte do pesquisador, junto ao conjunto de categorias temáticas já discutidas ao longo do processo com os participantes.

Somado ao material produzido ao longo do processo, foi realizada uma rodada de entrevistas visando captar os significados e sentidos atribuídos pelos participantes à sua experiência na capacitação, bem como apreender como a mesma incidiu sobre os profissionais e sua prática. O roteiro de entrevista continha perguntas de caráter amplo e aberto no intuito de não influir nas respostas mas sim de situar os profissionais frente a capacitação. Nesse sentido nos utilizamos de três estratégias. Inicialmente a entrevista buscou situar os participantes em relação a sua vivencia nas capacitações, incluindo aquilo que vivenciou, aquilo que percebe no momento presente e o que visualiza para o futuro através das seguintes perguntas:

- O que foi a capacitação para você? (passado); - Você percebe em seu dia a dia alguma mudança na sua relação

com a saúde dentro ou fora do trabalho após a capacitação? Se sim qual foi? (presente)

- Imagine que prosseguíssemos com esta capacitação para todas as equipes. Em sua opinião isso iria gerar alguma mudança no serviço? Se não, porque nada mudaria? Se sim, o que mudaria? (futuro)

Uma segunda estratégia para extrair os significados da capacitação para os participantes foi pedir que os mesmos simulassem falar sobre a capacitação com colegas e com gestores:

- Apresente a capacitação para um colega de profissão... - Apresente a capacitação para um gestor... A ultima estratégia foi mobilizar as críticas dos participantes em

relação a capacitação como se esta fosse sua: - Se a capacitação fosse sua, o que você mudaria e o que você

preservaria?

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Figura 73: Profissional sendo entrevistada.

Fonte: o autor (material produzido durante a pesquisa)

Para realizar a análise final dos dados e produção dos resultados e

discussão, inicialmente todos os materiais produzidos foram revisitados seguindo a ordem cronológica em que foram produzidos (escuta dos áudios, visualização dos materiais áudio-visuais, dos materiais didáticos, mapas mentais, diários de campo, descrição das consultas compartilhados e as entrevistas). Os dados empíricos que se mostraram mais relevantes, foram transcritos, agrupados, codificados, comparados entre si, interpretados e discutidos com autores capazes de aprofundar e fortalecer as relações entre os códigos favorecendo a emergência de uma teoria a partir dos dados como preconiza o método (STRAUSS, 1990).

Dados os objetivos da pesquisa e a originalidade da empiria e da hipótese, em nosso esforço de análise e interpretação foi dada especial atenção à discussão dos achados empíricos, incluindo a apresentação das falas dos profissionais em detrimento de uma construção teórica muito elaborada que talvez nos distanciasse da prática. 7. Resultados

As categorias temáticas que emergiram da análise foram: a) A

educação permanente, funciona! (ao contrário do que se acredita, mas não se assume explicitamente); b) osteopatia: a vivência da autocura como disparador de processos reflexivos acerca do cuidado e estímulo à

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aprendizagem transformadora; c) visões de superação do modelo biomédico e seus obstáculos (trabalho solitário versus em equipe, fragmentação do cuidado, tempo e intensidade da atenção versus produtividade, qualidade versus quantidade); d) catastrofização e efeitos adversos de um modelo que supõe só ele saber. Esta última categoria poderia estar incluída como subcategoria ou exemplo da terceira categoria, mas optamos por destacá-la pela sua relevância conceitual e prática, sua grande prevalência na APS, como se verá. Ao fim, apresentamos a teoria emergente e uma breve síntese sobre aquilo que seguramente pode ser socializado entre as equipes e que seja proveniente do estilo de cuidado osteopático. Segundo os profissionais, a capacitação teve como objeto central a reflexão sobre o ato de cuidado, suscitada pela aprendizagem de saberes/técnicas osteopáticos. Nas entrevistas com os profissionais, eles foram praticamente unânimes sobre a possibilidade da mudança de olhar sobre a prática do cuidado, embora cada profissional, dependendo da sua formação de base, tenha trazido um complemento ao olhar do outro sobre o que foi a capacitação para si. Nas palavras dos profissionais a capacitação foi:

“Uma nova forma de ver o cuidado, uma outra vertente do cuidado.” (Isabel, Enfermeira) “foi oportunidade, esperança de que a gente pode

oferecer algo a mais aos nossos usuários. Aprendizado, convivência, ação multiprofissional, vínculo, tudo isso reunido e interligado, tudo junto, muito misturado e muito bom.” (João, médico) “Esse curso está me ajudando bastante em ter um novo conceito do que é tratamento, do que é doença crônica, tirando aquele conceito da medicação, abrindo um novo leque, inserido no nosso campo de trabalho.” (Clara, técnica em enfermagem)

Alguns profissionais levantaram questões que convergem com o

que foi dito, porém, com exemplos pautados na rotina de trabalho: “A gente já muda um pouco o olhar né, porque quando chega com uma dor a gente já pensa logo no exame, um ultrassom dependendo do local da dor, e analgésico e alongamento né... e a gente

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nem toca muito... e com a capacitação a gente já muda o olhar, a gente testa... dá um olhar mais diferenciado, não só aquela questão engessada.” (Roberta, enfermeira) “... traz alguns caminhos pra gente intervir e não trabalhar apenas com orientação e com encaminhamento, ser mais resolutivo na atenção primária.” (Camila, fisioterapeuta)

A capacitação serviu para alguns reforçarem características de

seu próprio estilo de cuidado: “você me passou muito, o indivíduo como um ser humano, de todo contexto que ele tem, a sociedade que ele está inserido, a rotina que ele leva.... aí eu pensei...isso vem me completar também, porque me faz bem eu sou assim, eu trabalho muito com sensibilidade, com humanização.” (Clara, técnica em enfermagem)

Estas falas corroboraram com a nota de satisfação dada pelos

mesmos uma semana após o término da capacitação, com média de 9,6 em um máximo de 10. Um dos principais fatores que pode justificar a satisfação dos profissionais foi a motivação dos mesmos para a aprendizagem. Esta motivação esteve associada ao método, que cuidadosamente procurou manter a capacitação convergente com as premissas da Educação Permanente (EP).

a) A educação permanente, funciona! (ao contrário do que se

acredita, mas não se assume explicitamente) A categoria inicial refere-se aos desafios e benefícios ao nos

mantermos coerentes com o que se preconiza em EP ao longo de todo nosso percurso. Retomamos aqui essas premissas que fundamentaram a proposta metodológica, incluindo conceitos de Educação Permanente (BRASIL, 2009), Pesquisa-Ação (THIOLLENT, 1996), método Paidéia (CAMPOS, 2003, 2014). Embora estas metodologias tenham origens em contextos e momentos históricos distintos, seus aspectos comuns são os mais importantes para este trabalho. Dentre eles estão: a consideração dos interesses e desejos dos participantes, o esforço em se inserir nas realidades dos mesmos e considerá-la a partir de sua situação cotidiana existencial e profissional, a aproximação da construção do saber com a transformação participativa dos contextos estudados, a aberta disposição

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a lidar com a resolução de problemas práticos e concretos e o reconhecimento da imprevisibilidade do processo de aprendizagem nestes moldes.

Tal imprevisibilidade sobre o processo de pesquisa foi o tema central que acalorou os debates acadêmicos sobre o desenho da pesquisa. Nestes debates houve uma divisão entre docentes que consideravam o projeto inovador e relevante e outros docentes resistentes ao projeto, pois, consideraram que a imprevisível e possível não adesão dos participantes poderia levar a um abortamento do trabalho e a sua invalidação como produto acadêmico. A este respeito, Ceccim e Feuerwerker (2004) colocam que para transformar o modelo de cuidado nos serviços de saúde, para além de estratégias de EP direcionados ao pessoal do serviço, são ainda mais necessárias capacitações ao pessoal docente, buscando fortalecer e “levar para dentro da educação superior e profissional os valores éticos” (idem, p 52) e atitudes necessários a superação do modelo clássico de aprendizagem. Isto inclui aspéctos éticos, técnicos e organizacionais que estejam comprometidos com a transformação dos contextos de trabalho. Estes autores incluem uma educação interativa e de ação na realidade para operar mudanças de forma participativa, o que considera o desejo de futuro dos envolvidos, formas de se motivar a partir dos próprios grupos de interesse para que se organizem os objetivos a transformar, que lhes inspire o protagonismo necessário a negociar e pactuar processos de mudança.

Feuerwerker (2014) aponta para a falta de espaços favoráveis à produção de novas experiências de aprendizagem/intervenção/pesquisa dentro do ensino superior, o que torna compreensível a espontânea e concisa oposição de um grupo de docentes à metodologia participativa da pesquisa. A autora afirma que os espaços acadêmicos e os movimentos produzidos no âmbito da saúde coletiva têm tendido a um fechamento por parte de grupos que excluem todos os diferentes dos debates, congressos, das publicações. Isso “tem a ver com uma pretensão de verdade – que desqualifica todo o diferente - e com onipotência – são grupos que se consideram capazes de fazer tudo no lugar de todos; tem a ver com uma desconsideração da importância dos saberes [...] a partir de outras referências teóricas” (idem, p. 82-83) ou situacionais.

A título de registro, os dois primeiros produtos desta pesquisa, dois artigos sobre as relações da osteopatia com a APS, foram rejeitados pelo corpo editorial 11 vezes, sob a justificativa, enviada por meio de uma mensagem padronizada, que os temas dos artigos não pertenciam às

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prioridades editoriais das oito principais revistas de saúde coletiva a que foram submetidos. Ao mudarmos de estratégia, na tentativa de publicar os materiais, escolhemos uma revista que possuísse um breve distanciamento do núcleo de saber da saúde coletiva, a revista História, Ciências e Saúde, de Manguinhos. Desta vez o artigo também foi rejeitado, porém, recebemos pela primeira vez uma justificativa que não fosse meramente burocrática e automática:

“Trata-se de um tema interessante e original. O texto está bem escrito, mas com um nítido conflito de identidade entre a parte inicial e final. Da maneira como está apresentado, parece ter mais identidade com uma revista de Saúde Coletiva do que histórica especificamente.”

Retomando a questão da imprevisibilidade, o que observamos em

nosso estudo foi que embora tenha gerado um estranhamento inicial no grupo, resultando em um sentimento de insegurança, ao ser bem manejada, serviu como fator que motivou a participação e coesão do grupo frente ao desconhecido. Nas palavras de Vania, ACS, “no começo parece confuso, mas se esclarece ao longo do curso... quando você coloca em prática vai tudo para o seu lugar”. A psicóloga Samira encontra em si registros das metodologias tradicionais de educação ao refletir sobre a imprevisibilidade do método vivido:

“na graduação a gente aprende que tudo tem que ser assim, “assim”, “assado”, mas tem muita coisa que não contempla, porque a gente está lidando com o ser humano, né... se eu fosse conduzir a capacitação, eu ia chegar com algo programado, para me sentir segura, mas aí não ia acontecer... aí é que tá, entra na questão do meu aprendizado... eu ia ter que ter as coisas fechadas mas aí não iria fluir porque as coisas não precisam estar tão fechadas... porque a nossa turma foi assim, a próxima vai ser diferente e isso é muito bom...”

Para Merhy et al. (2010), a aprendizagem que transforma se dá no

ato de ensaiar, experimentar, até que algo novo se constitua para em um momento seguinte se desfazer novamente, moldando-se às próximas demandas. Nossas estratégias utilizadas para lidar com a imprevisibilidade puderam ser sintetizadas em três. A primeira foi reconhecer e atenuar o reflexo, por parte do pesquisador, de se “apoiar” demasiadamente em ideias, materiais e teorias pré-existentes para

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conduzir o processo. O ato de trazer os assuntos para uma zona de conforto, circunscrita por temas e habilidades dentro do campo de expertise do pesquisador/facilitador pareceu envolver uma sensação de segurança e ordem. Todavia, um efeito colateral desta postura foi um distanciamento e desinteresse dos participantes, principalmente daqueles mais distantes do assunto em questão (osteopatia ou prática clínica). Ao reconhecer tal postura em mim, procurei substituir as minhas próprias narrativas por perguntas. Estas serviram para que os participantes pudessem organizar em narrativas próprias os assuntos e temas vivenciados pelo grupo. Esta postura esteve associada a uma compreensão mútua dos profissionais, independente da complexidade do assunto ou da formação de base. Para as profissionais:

“Foi de uma forma que todo mundo interagiu junto... não foi como um livro que tu pegas uma linha e vai lendo, mais de uma forma que todo mundo consegue entender e trabalhar junto.” (Fabiane, ACS) “Eu manteria o formato, essa ideia de ir ouvindo as informações e ir praticando é muito boa, muito pedagógica de aprender.” (Joana, fisioterapeuta)

Na perspectiva da micropolítica, a educação deve ser um

instrumento permanente, que facilite a organização do saber e estimule os trabalhadores a novas posturas para um melhor cuidado com a saúde (MERHY, 2006). Segundo Lemos (2016, p. 916), “a educação permanente poderia se inscrever como uma potência permanente” que envolva os trabalhadores para serem protagonistas de mudanças no seu próprio serviço de saúde. Isto foi observado em nossos encontros, nas palavras da fisioterapeuta Gabriela: “eu acho que toda a nossa equipe estava disposta e tu conseguiu fazer com que todos se envolvessem. ”

Não acostumados com modelos de aprendizagem participativa, os profissionais apontaram para a necessidade de se lidar com um possível estranhamento inicial frente a capacitação. Segundo a fisioterapeuta Camila “é preciso ir de mente aberta... tirar esses preconceitos que a gente aprende na universidade, para aproveitar o curso”. João, médico de família, é mais enfático:

“Então é essa mensagem que eu deixo: a gente estar sempre aberto a aprender algo a mais. Eu peço para você [referindo-se aos próximos participantes] conhecer!!! Você conhece e aí me diz o que que tu achou.”

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A segunda estratégia para lidar com a imprevisibilidade, foi direcionar esforço e atenção para a construção prévia de um ambiente físico e relacional que possibilitasse a reflexão sobre a rotina do processo de trabalho. Consideramos que para obtenção de novos olhares que inspirem ações ativas no sentido da transformação do processo de trabalho, por um lado, deve-se aproximar ao máximo da rotina de trabalho, e por outro, deve-se distanciar do calor e da repetitividade do serviço para a obtenção de um novo ponto de vista. Segundo Joana, fisioterapeuta:

“foi um momento de muito aprendizado no sentido de sair do que seria o óbvio do serviço. Por que quando a gente está no serviço, fica o tempo todo fazendo as coisas do mesmo jeito.”

O preparo do ambiente favorável pode parecer básico, porém, a

construção de um local e tempo para a aprendizagem, que seguisse um modelo de Educação Permanente, demandou muita energia. Quando o ambiente esteve adequado, com tempo e espaço físico reservados e preparados, e com as devidas pactuações com os participantes já realizadas, a aprendizagem se apresentou com maior profundidade e envolvimento dos participantes. Para Samira e João:

“o ambiente foi super acolhedor, eu não fiquei mal de me expor. É claro que estávamos atentos ao conteúdo teórico, pensando como vamos aplicar, mas para além disso, foi um momento de cuidado”. (Samira, psicóloga) “Eu preservaria tudo de bom que aconteceu, essa coisa de juntar profissionais de diferentes locais, áreas, esse ambiente harmônico, preservaria as visitas no Centros de Saúde, essa proximidade com os usuários e com os funcionários, eu acho que tudo isso foi muito legal” (João, médico de família)

Em diversas situações os profissionais estiveram com sua atenção

dividida entre a capacitação e as demandas do serviço, sendo os momentos realizados nos Centros de Saúde interrompidos por demandas do serviço. Segundo a enfermeira Roberta, que não conseguiu se isolar das demandas do serviço: “espero que os próximos [participantes] consigam estar totalmente presentes... isto não é apenas mais uma capacitação teórica”. Outra questão observada foi que em nome da alta demanda a saída de profissionais para fazerem a capacitação gerou uma

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sobrecarga para o resto das equipes: “No nosso grupo de whatsapp o resto da equipe ficou colocando pressão para voltarmos para o serviço”. Desta forma, na segunda onda de capacitação, os horários e saída dos profissionais foi pactuada com todas as equipes, inclusive com os profissionais que não participaram da capacitação. Devido a este amplo consenso, na segunda onda de capacitação este efeito foi mínimo, embora tenhamos reservado a mesma carga horária.

A terceira estratégia para lidar com a imprevisibilidade e motivar o envolvimento dos profissionais no processo foi aproximar ao máximo a realidade do participante do conteúdo a ser assimilado. Isto foi feito por meio da realização de consultas compartilhadas nos próprios participantes. Estas consultas foram conduzidas segundo o estilo clínico osteopático, e procurou evidenciar as estratégias de autocuidado de cada um, refletir sobre suas origens e suas crenças em relação a sua saúde de tal forma que servissem como material de estudo. O termo autocuidado aqui é tomado em sentido genérico de cuidado autônomo de si mesmo com apoio das redes de relações e apoios sociais de cada pessoa, de modo muito semelhante ao que Menéndez (2003) propõe como ´autoatenção´. A autoatenção inclui as referências, crenças e práticas de múltiplas origens (inclusive biomédicas) que se fazem presentes em maior ou menor grau. A autoatenção é o meio através “do qual os sujeitos e seus grupos evidenciam sua capacidade de ação, de criatividade, de encontrar soluções” e agir em prol de sua saúde de forma a criar e fortalecer mecanismos de autonomia dos sujeitos e grupos (Menéndez, 2003, p.204).

Todavia, como no ambiente institucional da APS as orientações profissionais sobre esse cuidado são comumente identificadas com o termo autocuidado, optamos por manter este termo para simplificação do texto, embora com significado ampliado, dado estarmos incluindo saberes das PIC, a exemplo da osteopatia, como potenciais referências para autocuidado orientado profissionalmente.

A partir da própria experiência, os participantes iniciaram a construção e/ou desconstrução do seu saber. Este contexto desvelou dois aspectos importantes que podem contribuir para processos de Educação Permanente em Saúde, que podem ser talvez em algum grau generalizáveis: a) carência de autocuidado nos itinerários terapêuticos dos profissionais de saúde; b) o profissional recomenda aos seus pacientes estratégias terapêuticas que compõe as suas próprias formas de auto-atenção. Ou seja, acabam recomendando aos outros o que faz para si mesmo, ou segundo os seus propris itinerário terapeuticos. Isto, além de ser uma forma empática de conduzir a relação terapêutica, o que é

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ótimo no contexto de cuidado, propaga estilos clínicos e estratégias terapêuticas de uma forma automática, o que merece atenção, pois, na formação convencional o autocuidado é relativamente subdesenvolvido ou pelo menos relativamente padronizado, pouco singularizado, excessivamente genérico e prescritivo, além de ser inexistente ou muito subvalorizado para muitos problemas, e por isso pode ser e comumente é pouco explorado como potência terapêutica, preventiva e promocional de forma singularizada nos serviços de saúde.

Feuerwerker (2014) considera que cuidar de si é pressuposto para cuidar dos outros, dá potência ao trabalhador da saúde para a sua produção cotidiana. Para a pesquisadora,

“isso diz respeito a um “olhar para si”, significa montar e desmontar mundos, conseguir operar movimentos de desterritorialização e reterritorialização em relação à práxis de produção do cuidado. O trabalhador da saúde que não costumafazer esses movimentos, não consegue “cuidar de si”, tende a permanecer aprisionado na plataforma organizacional que conduz a produção do cuidado” (FEUERWERKER, 2014, p.103).

Num contexto de descuidado consigo o trabalhador tem como

referência de cuidado, apenas a aplicação daquilo que está implantado em seu processo de trabalho. Perde-se então a capacidade de ajustes baseados no conhecimento empático da realidade do outro e no olhar crítico das limitações do próprio serviço para determinados casos.

Nosso processo não só tornou evidente a falta de autocuidado, bem como a alta prevalência de problemas da saúde entre os próprios profissionais. Por fim, estimulou os participantes a visualizarem formas de incluir momentos de cuidado para a própria equipe, sem que houvesse qualquer sugestão por parte do pesquisador:

“...poder aplicar não só apenas nos usuários, mas também na equipe, no local de trabalho, nos funcionários. Os funcionários, além do dia-a-dia, com uma sobrecarga de trabalho, com questões posturais, ergonômicas... muito tempo sentados, muito tempo em pé... movimentos repetitivos.” (João, médico) “Quero colocar no grupo que temos instituído os ensinamentos que tu trouxeste também para os profissionais. Porque a gente não tem nenhuma

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ergonomia, a médica da minha equipe já está com dor no braço, eu no quadril. Então se a gente conseguisse trocar os atendimentos seria bom para a equipe.” (Larissa, enfermeira)

Observa-se nestas falas, um interesse espontâneo e disposição à

ação no sentido da construção de contextos mais saudáveis para si e para a equipe. Para Feuerwerker (2012), ao adentrar as intensidades do ponto de vista da produção do cuidado, por meio da experiência de si, abre-se toda uma agenda para olhar os modos como se organizam os serviços e os encontros que precisam ser produzidos entre trabalhadores e usuários. Para Lemos (2016), o processo da educação permanente em saúde:

“deve estar condicionado uma nova postura relacional dos profissionais, ter maior comprometimento e intencionalidade em estabelecer uma relação mais humanizada no atendimento e no trabalho de equipe, oferecer bem-estar aos usuários e sua equipe e em consequência tornar a sua atividade válida e reconhecida para ele mesmo” (LEMOS, 2016, p.917).

Miccas e Batiltall (2014), ao revisarem os estudos sobre estratégias de educação permanente, encontraram que infelizmente várias estratégias de EP apresentam características típicas de modelos de “educação continuada baseada em ações fragmentadas, pontuais e com metodologias tradicionais de ensino” (p.174). Isto pôde ser observado em nosso estudo na fala da profissional de enfermagem, quando esta aduz que os profissionais vão se surpreender pelo fato da capacitação não tratar-se de um curso teórico, como de costume: “As pessoas vão se surpreender, porque a gente tem a impressão que vai ser mais um curso teórico que vai ter...” (referindo-se as capacitações tradicionais) e segue trazendo elementos que apontam para uma aprendizagem significativa e de questionamento sobre seu agir em saúde incluindo seus os próprios itinerários terapêuticos:

“vai melhorar não só a questão da prática profissional, mas também, um olhar sobre eu mesma. Por exemplo: eu tô com uma dor aqui, ao invés de tomar uma remédio eu vou me alongar e pedir para alguém que fez o curso me ajudar... eu não faria tantos exames, em mim mesma sabe” (Roberta, enfermeira)

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Feuerwerker (2014) discute a dificuldade de diversificar as estratégias de cuidado dentro do serviço, ensino e pesquisa, apontando para a necessidade de criar novas formas de aprendizagem que transcendam os interesses corporativos. Para a autora, atualmente, a corporação médica possui e reserva um enorme poder governando o processo de incorporação tecnológica segundo interesses de mercado, independente de um impacto na saúde coletiva. A pesquisadora ressalta que “no SUS, a alta complexidade concentrou 3/4 dos gastos em saúde, embora seja responsável por apenas 1/3 dos atendimentos” (p.77). A pesquisadora aduz que se o território de cuidado, incluindo os significados sociais a ele associados, tanto para os profissionais de saúde, quanto usuários, bem como dentro das instituições de ensino, for exclusivamente colonizado pelo ideário biomédico, o SUS jamais será capaz de se fabricar em seus princípios de equidade, universalidade e integralidade. O modelo hegemônico sobrevaloriza as tecnologias duras (exames de alta complexidade e procedimentos cirúrgicos por exemplo), entendendo que estes recursos são o melhor cuidado, e assim, organizando o processo de trabalho em torno dos protocolos e tecnologias duras, geralmente muito caras e apenas frequentemente paliativas dos problemas da população. Feuerwerker (2014) observa a necessidade de estratégias de aprendizagem/intervenção/pesquisa criativas o suficiente para a produção de algo novo. É enfática ao dizer que:

“Não existem as tecnologias para produzir redes de atenção à saúde. Elas precisam ser produzidas. Não existem os apoiadores para dar suporte a todos esses movimentos nos espaços locais. Eles precisam ser produzidos. Não existem as escolas para formar trabalhadores portadores de futuro. Elas precisam ser produzidas. Não existe o saber, nem as tecnologias para atender as necessidades dos usuários para a produção de territórios existenciais mais ricos.” (FEUERWERKER, 2014, p.79)

A pesquisadora destaca a importância de diversificar cenários de

aprendizagem, incluindo uma aprendizagem ativa e no sentido de um cuidado integral. A invenção das tecnologias que produzam mudanças acaba ficando por conta de quem tem o interesse em mudar, pois, as instituições em si presam mais a manutenção de suas verdades. Outra colocação que converge com nossas premissas é que para a autora as novas metodologias deveriam “levar os professores da área clínica para os cenários extra-hospitalares” (FEUERWERKER, 2014, p. 140).

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Tesser (2010) ressalta que a maioria das pesquisas realizadas sobre as PIC partem de pressupostos consagrados pela biomedicina, focados na testagem dos seus impactos em patologias específicas, o que negligencia as características de outras racionalidades médicas e práticas de cuidado. Revisão realizada por Contatore et al. 2015 sobre o uso das PIC na APS conclui que embora as PIC sejam utilizadas por um número crescente de pessoas em todo mundo, a sua institucionalização na APS cresceu em menor proporção. Para este pesquisador, isto ocorre porque a efetiva implantação de novos procedimentos técnicos nos serviços públicos está vinculada a uma política de evidências científicas restritiva, com um viés metodológico biomédico, o qual não contribui para esclarecer o potencial de cuidado das PIC na APS (CONTATORE et al., 2015).

b) Osteopatia: a vivência da autocura como disparador de

processos reflexivos acerca do cuidado e estímulo à aprendizagem transformadora.

A segunda categoria observa a aprendizagem da osteopatia como um dispositivo capaz de gerar processos reflexivos e que motiva a transformação ativa do modelo de cuidado. Sabe-se o quanto é difícil motivar os profissionais para o questionamento e transformação das suas práticas de cuidado, uma vez que geralmente estes encontram-se sobrecarregados pela alta demanda, envoltos por seus compromissos e protocolos e sem tempo para educação permanente (SHERER, 2016; VIANA, 2015). Em nosso estudo os benefícios percebidos pelos participantes em si (e nos outros) da abordagem osteopática serviram para motivar e materializar a visão de uma nova abordagem de cuidado, não apenas de uma forma teórica, mas por meio de conhecimento prático.

“Eu achei muito bacana porque é uma coisa real, que você pode aplicar na realidade, deixa de ser um campo um pouco utópico, que a gente pede para as pessoas fazerem várias coisas que a gente sabe que elas não vão fazer.”(Diana, enfermeira)

Os relatos de melhora e eficácia foram fortalecedores da

confiança do grupo na aprendizagem, bem como sensibilizaram quanto à capacidade inerente de autocura do corpo. Para pesquisadores da educação permanente em saúde, a transformação que se propõe não envolve apenas a pedagogia e os processos de ensino e aprendizagem, mas também uma profunda incorporação crítica de tecnologias

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materiais, como a eficácia da clínica produzida, os padrões de escuta, as relações estabelecidas com os usuários e entre os profissionais (CECCIM, 2005; MICCAS, 2014).

“Eu fui a primeira atendida e eu tô muito bem. Eu sentia dor no braço há 7 ou 8 anos. Falavam que era tendinite... eu já tinha feito acupuntura, remédio e fisioterapia... ajudava mais sempre voltava... agora com esses exercícios eu estou bem satisfeita, estou sem dor” (Sabrina, ACS) “Outro caso foi o meu dedo do pé, ele doía sempre, era dormente, eu sentia um queimor. Depois o dedo ficou bom, inclusive ele estava torto e ficou bom. Eu nunca senti mais dor no meu dedo. Esse meu dedo já doía há anos, tipo, 20 anos.” (Cilene, ACS) “Eu me surpreendi com a melhora da Carol, foi muito rápido, não precisou de medicação e nem de exame.” (Roberta, enfermeira) “Tem uma amiga nossa, com uma dor no ombro e outra no quadril. Desde a primeira vez que ela veio, ela não sentiu mais dor. Ela já tinha feito tudo que era tratamento. Ontem eu encontrei com ela, ela levantou o braço e não dói. Parece que foi tirado com a mão, é impressionante.” (Cilene, ACS) “Para mim foi um aprendizado. Aprendi que nós podemos fazer muito sem tomar medicação. Pessoas que chegaram ali com dor, tipo, Lana, Lena, Simone e tiveram um resultado fantástico.” (Leia, ACS)

Para os profissionais com maior formação técnica, o que mais os

surpreendeu e motivou foi a questão da resolubilidade observada nas consultas realizadas ao longo da capacitação:

“A gente viu aqui funcionários que foram beneficiados com técnicas e abordagens rápidas, mas que se mostraram eficientes nos casos que acompanhamos no curso.” (João, médico) “Na minha prática como enfermeira isso ajuda muito, porque a gente tem o dia-a-dia bem corrido, e ser mais objetivo já podendo ajudar a pessoa, sendo mais resolutivo, ajuda muito. Mesmo com pouco tempo e com poucos exercícios que a pessoa pode fazer em casa.” (Diana, enfermeira)

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Essa resolubilidade pode ser observada em casos de problemas agudos e crônicos, o que foi rico para apresentar a utilidade da osteopatia tanto como abordagem de primeiro contato tanto como de acompanhamento longitudinal:

“O que eu pude observar foi uma resolução muito grande nos casos de dores crônicas e não crônicas que a gente atendeu, com uma melhora bem significativa, eu acho que isso foi o que me marcou bastante no curso” (Pedro, enfermeiro)

Na tipologia desenvolvida por Merry (2004) que compreende as densidades tecnológicas no campo da saúde, a osteopatia parece se enquadrar em um espaço até então pouco habitado ou reconhecido, uma espécie de lacuna entre as tecnologias ditas leves-duras, (que inclui os saberes clínicos estruturados, envolvendo semiologia a fisiologia e anatomia aplicados no cuidado) e as tecnologias leves (encontrando-se aqui, questões relacionais, como o acolhimento e a necessidade do estabelecimento de vínculos e parcerias entre profissionais e destes com usuários). Isto porque, embora a osteopatia se apresente com uma boa quantidade de saberes relacionados à clínica dita “dura”, incluindo saberes fisiológicos e epidemiológicos comuns a biomedicina, por outro lado possui todo um grande componente de trabalho vivo em ato que busca criar relações que integrem as informações duras com as sensações e referenciais do próprio indivíduo, aproximando-se de sua singularidade e resgatando sua autonomia frente a seu corpo e suas questões de saúde.

Em nosso estudo, a conquista de uma certa autonomia no ato de cuidado foi um outro fator motivacional que chamou a atenção, sendo observado de forma evidente entre os agentes comunitários. A autonomia é um atributo imprescindível de ser desenvolvida, tanto para a educação quanto em qualquer intervenção de saúde. Não é necessário aqui uma discussão teórica sobre a importância da autonomia na educação em saúde, nem tampouco sobre a importância dos ACS na saúde da família. Damos voz ao grupo na fala das ACS:

“...quando a gente faz em outra pessoa, a pessoa também se apropria daquele conhecimento e vê que não é só dependente de um profissional, que depende dele também. A pessoa se sentiria mais dona daquilo que ela pode fazer.... eu não preciso depender de um serviço x ou y. (Vania, ACS)

“Pra mim foi liberdade, porque quando tu estás com alguma dor, está preso. Quando você se livra de uma

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dor se torna uma pessoa uma pessoa com mais liberdade. Então, um alongamento ou um toque de uma pessoa pode te dar essa liberdade...” (Fabiane, ACS)

Nossa pesquisa revelou que alguns profissionais possuíam um

importante interesse e disposição ao ato de cuidado que era subjugado, por parte de gestores, à sua relação ou ausência de relação formal com o conhecimento biomédico.

“Normalmente ACS aprende a preencher papeis, nessa unidade as ACS podem, atender o telefone, ajudar na recepção, acalmar o paciente que esta surtando, fazer o acolhimento... não o acolhimento clinico, mas um acolhimento da pessoa .... aqui (na capacitação) eu aprendi que tem mais o que pode fazer, ampliou o leque daquilo que se pode fazer.... eu não sou clínica de maneira nenhuma, mas dentro do que eu faço que é orientar as pessoas, onde eu possa fazer alguma coisa... além daquilo de preencher um formulário e dizer que “eu te entendo”, bater nas costas da pessoa e deixa pra lá.... poder tentar fazer outra coisa, tentar mostrar que tem outro caminho para a pessoa. Minha antiga gestora, normalmente colocava freio para fazer as capacitações para quem não tinha uma capacitação clínica, ela falava, você não tem estudo suficiente para isso, você não tem capacidade... você não tem um know how para fazer isso.... então eu dizia, quem diz qual é o meu know how? Se eu decido estudar medicina eu vou estudar medicina, vai depender de mim.” (Vania, ACS)

Vale lembrar que os ACS são justamente elo mais próximo da

realidade da população e por isso, profissionais muito importantes na medida em que apostamos na produção de práticas sociais capazes de fabricar, na vida, outros saberes e outros territórios existenciais. Não obstante são justamente estes profissionais que carregam em si menos influência do modelo hegemônico e por vezes um olhar mais atento ao outro e também mais livre de preconceitos técnicos. Feuerwerker (2014, p. 127) coloca que estudos mostram “que os estudantes de nível superior da área da saúde saem dos cursos de graduação mais empobrecidos do que entram”, no que compete as habilidades relacionais. Segundo a pesquisadora na medida em que vão se formando profissionais “perdem porosidade para o mundo e para os encontros” (idem, p. 127). Desta

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forma, as habilidades técnicas se sobressaem ao agir em defesa da vida, este agir que parte do elo empático com a realidade do outro. Nas palavras da agente:

“se for ver todo o discurso político sobre o que é um ACS... é o elo entre a saúde e a comunidade..... e como é que fica esse elo?.... o elo tem que ser forte!... e como é que consegue isso?... consegue se capacitando, não é por meio de questionários e papeladas... Não podendo aplicar aqui (o conhecimento aprendido em nossa capacitação) nesta instituição, eu vou aplicar para mim e para a minha família. Isso é para a vida, para a minha vida!” (Vania, ACS)

Campos (2003, p.9) defende que “caberia repensar modelos de atenção que reforçassem a educação em saúde, objetivando com isso ampliar a autonomia das pessoas sobre suas próprias vidas.” Para o autor, “isto poderia ser realizado tanto durante as práticas clínicas quanto as de saúde coletiva” (idem, p. 9) e apoiando os usuários e profissionais “para que ampliem sua capacidade de se pensar em um contexto social e cultural" (idem, p.9) promotor de saúde para a si e para a sua comunidade.

No ponto de vista dos demais profissionais, a participação dos ACS foi destacada como elo para o entendimento ampliado de cada caso abordado na capacitação, por seu conhecimento acerca da realidade social e emocional, que por vezes escapa aos profissionais que estão mais atentos a seus afazeres técnicos:

“...tem troca entre uma categoria e outra, é importante para o crescimento, porque soma o olhar de cada profissional, eu não vou olhar somente o físico... o agente de saúde sabe a situação emocional da pessoa fora daqui né e aí a gente consegue uma visão mais global da pessoa.” (Roberta, enfermeira) “de maneira geral se fala em profissionais de saúde da atenção básica mas não se inclui as ACS, e acho que não pode desconsiderar as ACS como pessoas fundamentais de tudo que acontece na atenção básica. Pra mim elas somaram muito mais do que atrapalharam.” (Joana, fisioterapeuta)

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c) visões de superação do modelo biomédico e seus obstáculos Para os profissionais, a participação do ACS, bem como o caráter

multiprofissional da capacitação, foi extremamente benéfico, incluindo a valorização de diferentes olhares, a ampliação da clínica na prática e o fortalecimento do trabalho em equipe. Ao atuarmos, via educação permanente, na aprendizagem de diferentes profissionais, fortalecemos as possibilidades da transformação do processo de trabalho a partir do consenso sobre a inclusão de novas estratégias de cuidado.

“por exemplo, se eu fiz a capacitação e outro profissional não fez, ele não tem noção disso... chega uma paciente com uma dor lombar ou cervical, se eu fiz a capacitação eu posso colocar numa maca, alongar... o outro funcionário não tem essa noção, ele iria pedir um RX e medicar” (Fabiane, ACS)

Ao utilizar os novos recursos de cuidado, em nosso caso

aprendidos ao longo da capacitação, os profissionais passariam a reorganizar o serviço no sentido da inclusão de tecnologias que considerassem mais eficazes e satisfatórias. Isto necessitaria um tempo de assimilação das equipes acerca das estratégias osteopáticas, incluído a constatação prática de sua eficácia e efetividade nas queixas mais prevalentes da população. Apenas assim as equipes poderiam decidir e negociar espaços reservados a prática do estilo de cuidado osteopático e suas técnicas dentro do seu processo de trabalho.

Nossa capacitação não visou formar especialistas em osteopatia, mas sim, estimular um olhar concreto e palpável sobre os potenciais de autoregulação e sua estimulação através de técnicas manuais osteopáticas, e como a inclusão deste saber pode contribuir com a transformação e melhoria dos serviços de saúde. Entretanto a socialização de conhecimento gerou uma serie de discussões sobre quem pode ou não utilizar determinado saber eu sua prática. Essa discussão se evidenciou a partir do contexto trazido pelos profissionais que por vezes se mostravam dispostos a utilizar técnicas e saberes que podem contribuir com a saúde da população, o que diluiria o seu centramento do modelo na figura do médico e na ação de medicamentos, porém, não se viam capazes de fazê-lo.

“A gente pode fazer muito, mas sem conhecimento a gente não pode fazer... como foi multiprofissional, achei muito importante, até então a gente pensa que é só o médico que pode fazer... e a gente viu que somos muito capazes, vimos que podemos fazer, que temos conhecimento e que a gente pode levar o

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conhecimento para a casa da família.... Acho que assim a gente pode não levar tanta demanda para dentro da unidade... quem sabe um dia que não gere essa demanda como tem ali assim, só remédio, só médico, só enfermeiro que podem resolver essa situação.” (Leia, ACS)

Quando em contato com os recursos terapêuticos apresentados na

capacitação os profissionais pareceram motivados a participar mais do próprio serviço, no sentido de buscar e testar novas possibilidades terapêuticas.

“A capacitação foi uma maneira de ajudar o próximo, foi uma maneira de ter uma visão... como aconteceu com a minha amiga, ela chegou falando: eu vou fazer uma tomografia e uma ressonância; e eu falei: espera, calma aí, vamos ver se tem alguma alternativa... foi uma forma de eu ter essa autonomia de falar isso.” (Fabiane, ACS)

O tema da autonomia relacionado ao questionamento de

determinada recomendação de cuidado para si ou para o próximo, pode gerar uma desconfiança quanto a segurança envolvida nesse processo. Será que tal profissional teria a condição de realizar determinados questionamentos? Quem tem o poder sobre essas decisões? Por outro lado, questiona-se também se seria possível impedir que os profissionais tragam suas experiências prévias, ao se relacionar com os usuários. Neste contexto, Menendez (2003) transcorre sobre o indivíduo que não cumpre as prescrições por opção e esclarecimento e não pelo fato de não compreender ou puramente discordar sem o devido diálogo com o clínico. Nas palavras de Menendez, sobre esta forma de relação que o indivíduo estabelece com o profissional:

“se caracteriza por não cumprir a prescrição, mas não por ignorância das consequências negativas que podem ter a suspensão ou modificação do tratamento ou por não entender a prescrição receitada, senão devido a dois fatos básicos: por uma parte, a quantidade de informação técnica que possui este tipo de paciente e por outra que sua modificação do tratamento obedece a experiência de seu próprio corpo com o tratamento receitado. O indivíduo decide aumentar, reduzir a dose ou espaçá-la segundo seu conhecimento e sua própria experiência, ações estas que não oculta senão que discute com a equipe. Fazendo isto, este usuário ou profissional

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não questiona o "poder médico" nem a eficácia da biomedicina, pelo contrario, é um partidário da mesma, não lhe interessa discutir o poder na relação médico/ paciente, e sim melhorar a saúde, controlando o melhor possível o padecimento crônico. Este novo tipo de usuário ou profissional (que não é tão novo) se caracteriza por seu saber e não por sua ignorância, mas também por uma informação que refere a sua própria experiência de enfermidade e atenção” (MENENDEZ, 2003, p. 204).

A postura relacional esclarecida que estamos tratando aqui, revela

uma prática entre profissionais e usuários que é sistematicamente velada e por isso não notificada nem tampouco tecnicamente desenvolvida. Essa prática tem relação com a utilização de determinados medicamentos já pertencentes ao arcabouço de autoatenção dos usuários, sendo utilizados na prática diária para sintomas recorrentes como dores músculo-esqueléticas, cefaléias, problemas gastro-intestinais comuns como azia, refluxo, má digestão, gases, prisão de ventre, etc. Nesse contexto, em nossa capacitação houveram casos onde a avaliação osteopática foi utilizada para o reconhecimento de diagnósticos diferenciais, bem como para reformular hipóteses diagnósticas e estratégias terapêuticas, o que possibilitou um redirecionamento de certas estratégias de autoatenção. Nas palavras de Cilene, ACS:

“... eu estava com uma dor abdominal, o médico tinha pedido os exames de sangue e dado antibiótico (sem qualquer melhora). Achávamos que era cistite, mas depois (após a avaliação palpatória) a gente veio a descobrir que eram gases e melhorou.”

Nesse caso, a avaliação osteopática apontou para um

tensionamento e perda de mobilidade dos tecidos na região do intestino grosso e aumento de gases. A ACS por conta própria, escolheu uma medicação que já havia utilizado para gases e em dois dias estava sem os sintomas que já perduravam por duas semanas mesmo já tendo realizado o uso de antibiótico sem nenhum efeito.

Esta capacidade de estabelecer hipóteses diagnósticas baseadas no estudo dos sinais fisiológicos caracteriza a osteopatia desde seu nascimento do século XIX. Flexner (1910), mesmo sendo abertamente avesso à esta abordagem, manteve a osteopatia como escola médica em seu histórico relatório em 1910, pois, observou que “na seita, os

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osteopatas eram treinados a reconhecer uma enfermidade e a diferenciar uma patologia da outra tão cuidadosamente quanto qualquer outro médico” (FLEXNER, 1910, p. 125).

Sabe-se que este assunto beira uma importante barreira frente a autonomia sobre a tomada de decisão relativa a utilização de estratégias terapêuticas medicamentosas e outras questões que tencionam os territórios circunscritos pela atuação exclusiva de especialistas ou a gradual dissolução de saberes em campos de atuação conjunta, dialogada e multiprofissional. A simples negação desse fenômeno parece apenas distanciar o conhecimento empírico do saber técnico, o que torna o cuidado mais ineficaz e diminui o diálogo e o vínculo entre as partes envolvidas.

Ampliando esse assunto, Tesser (2009) observa que profissionais do SUS envolvidos com atividades coletivas de tipos variados, inclusive usando técnicas complementares, não raro testemunham que os grupos costumam fomentar cidadãos mais atuantes e mesmo conselheiros locais de saúde. Considera que praticantes de racionalidades médicas vitalistas ou práticas complementares tradicionais desenvolvem um razoável grau de sabedoria prática e ética a partir de suas próprias vivências de cuidado, seja de si ou do outro. Desta forma estes praticantes desempenham uma ação de cuidado suficiente emponderadora, baseada no diálogo e na promoção de saúde.

Para Camila, fisioterapeuta do NASF, o matriciamento e socialização do conhecimento/das técnicas abriu possibilidades o fortalecimento da atuação multiprofissional.

“Quando eu vi os médicos nesse momento com a gente, foi bem interessante... aí eles começaram a entender um pouco mais da nossa prática e ver como eles podem atuar junto com a gente, não somente ali dentro do consultório, cada um separado no seu quadrado.”

Para Feuerwerker (2011), quando os trabalhadores são

provocados e desafiados pela complexidade das situações, em momentos de discussão coletiva de casos, ampliam-se as possibilidades de se mobilizarem para produzir equipe, pois nessas situações é que vale a pena o esforço da articulação de diferentes saberes e o desenvolvimento da interdisciplinaridade. No enfrentamento coletivo das dificuldades, surgem as soluções criativas, as quebras ou superações necessárias quando os protocolos não conseguem a resoltividade ou a automonia que se busca. Em nosso caso a aprendizagem no contexto

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multiprofissional contribuiu para afinar o trabalho em equipe segundo um olhar ampliado e que transcende as particularidades de cada profissão:

“Ser multiprofissional, acho que contribui bastante para ver os olhares que cada um traz”(Isabel, Enfermeira) “a gente trabalhou multiprofissional. Foi bem bom que a gente viu a visão de vários profissionais.” (Fernanda, fisioterapeuta) “Integrou bastante vários cursos, todos conseguiram aprender um pouco, desde fisioterapeutas, enfermeiros as ACS também ganharam um certa autonomia para trabalhar essas questões.” (Pedro, enfermeiro)

Uma fisioterapeuta do NASF reparou que devido a sua formação

de base, não visualizava a possibilidade de atuar como educadora da equipe, apontando para uma lacuna na formação dos profissionais do NASF no que se refere a habilidades de matriciar:

“O curso foi como mudar a prática... abriu horizontes, algumas luzes... mais de trabalho em equipe... mostra um lado diferente de atuar na atenção primária... até a capacitação, para mim era só fisioterapeuta que poderia aplicar a terapia manual... e hoje eu vejo que qualquer um pode aplicar, de uma forma simples, sem técnicas muito avançadas, mas que pode já trazer um conforto e estabilidade para aquele paciente... abriu também um pouco essa questão que não sou só eu atuando, que os outros pode atuar também, até os agentes comunitários e a população” (Camila, Fisioterapeuta)

Segundo Miccas e Batistall (2014) um aspecto recorrente em

estratégias de EP bem sucedidas foi a íntima relação entre EPS e trabalho em equipe multi ou interdisciplinar. Em contrapartida quando as estratégias de EP não conseguem superar memórias do modelo de educação continuada, observaram que:

a “a aquisição de competências parece remeter, prioritariamente, às características individuais dos trabalhadores não privilegiando o trabalho em equipe e a problematização coletiva como foco da

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aprendizagem”. (MICCAS e BATISTALL, 2014, p.174)

O tempo da capacitação foi considerado curto para os

profissionais. Considerando a alta demanda e a dificuldade de se retirar os profissionais do serviço, questiona-se se o caminho para a efetivação das mudanças que o processo de aprendizagem pode inspirar, seja o aumento da carga horária ou a continuidade do processo reflexivo proposto em intervalos de tempo. Nas palavras das profissionais:

Eu não acho que oito encontros foram suficientes... Porque é um assunto bem amplo, lógico que a gente abordou mais as questões do dia a dia, mas eu fiquei com a impressão que tinha muito mais coisas para a gente aprender... eu acho super importante que isso pudesse ter continuidade. Que você viesse daqui a alguns meses... alguma forma de retomar aquilo que estamos fazendo aqui. (Roberta, enfermeira) “Faltou tempo, mas eu acho que tu abriu uma porta...” (Isabela, Enfermeira) “para mim eu mudaria só o tempo, eu acho que faltou um pouquinho de tempo para poder desenvolver melhor, até para as pessoas se sentirem seguras para poder utilizar” (Camila, fisioterapeuta)

O tempo também foi o principal obstáculo para as tentativas de

transformação do processo de trabalho. Esse fato, por um lado, aponta para um achado recorrente na literatura relativo ao subdimensionamento da APS e a sobrecarga da demanda, porém, por outro lado, indica que modelos de aprendizagem permanente tenham a devida continuidade por se tratarem de espaços de encontro acerca de temas que não se encerram por serem inerentes ao próprio processo de trabalho e necessitarem ciclos de experimentação/ reflexão/ação para alcançarem as devidas negociações e mudanças necessárias.

...aqui no Centro de Saúde, para a gente fazer o que aprendeu no curso, eu precisaria de mais de 10 min de consulta. Pensando que a minha agenda é de 10 a 15 min e que é alta a demanda.... pra gente é muito mais fácil dar a receita com os medicamentos do que a gente posicionar, avaliar, conversar e testar. Por que ao mesmo tempo que eu estou com a paciente, eu estou pensando no meu atraso e nas pessoas que

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estão lá fora esperando... que eu preciso atender bem rápido. (Roberta, enfermeira)

O cuidado em saúde é um ato singular, sendo imprescindível que

o ser cuidado e o ser cuidador se encontrem em interação qualitativamente produtiva Esta interação envolve ações, atitudes e comportamentos guiados por fundamentação científica, experiência, intuição e pensamento crítico. Este processo necessita que a atenção do profissional esteja na relação com o outro, visando promover, manter e/ou recuperar não apenas sua integridade física, mas sobretudo sua dignidade e totalidade humanas. Do contrário, “deixados às normas e ao automático, já sabemos que os (trabalhadores dentro dos) serviços tendem a reproduzir o hegemônico” (FEUERWERKER, 2014, p.108), tendem a repetir processos sem adequá-los a singularidades, assim produzindo o descuidado.

O dilema da quantidade versus qualidade do cuidado oferecido sempre acompanhou as equipes. O profissional vê a sua atenção dividida entre metas externas e o exercício de se colocar disponível a perceber o outro, colocando-se no lugar deste para estabelecer relações empáticas e que transmitam algo a mais do que informações técnicas protocolares.

Eu vejo que por conta da demanda, a gente às vezes atropela o processo terapêutico, quer fazer tudo muito rápido.... e a capacitação traz de volta a questão do toque e a importância de acolher aquela pessoa, não apenas a dor da pessoa mas o que ela está trazendo com um olhar mais sensível, mais integrativo... A serenidade não faz muito parte do serviço, a gente está sempre num caos, numa coisa muito pesada, e a serenidade eu vejo como uma coisa importante, se não temos serenidade fica muito difícil de lidar com pessoas. (Joana, fisioterapeuta)

A habilidade relacional de construção de vínculo determina a

escolha deste ou daquele profissional como centro do cuidado no acompanhamento longitudinal. Apesar disto, ser notoriamente reconhecido pela comunidade, não é devidamente computado nos indicadores de produtividade do serviço. Neste contexto o trabalho em saúde, repleto de significados e esclarecimentos, vínculo, e pactuações, como se preconiza para uma maior eficácia da APS, acaba não sendo valorizado. Segundo Scherer (2016), para melhorar a qualidade dos serviços,

“são necessárias ferramentas cognitivas afiadas para desempenhar todas as funções demandadas em seu

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dia a dia com qualidade e sensibilidade, o que determina um maior ‘uso de si’. Essa dedicação intensificada pode levar ao desgaste psíquico e fisiológico” (SHERER, 2016, p.95).

O caso de Clara, técnica de enfermagem exemplificou

perfeitamente esse contexto. ... parto muito de olhar de uma outra forma, partindo da humanização, partindo da atenção, da pessoa em si, não só da doença com aquele objetivo da medicação, mas sim um olhar mais envolto, partindo do indivíduo como um todo.... a equipe me pergunta, “porque os pacientes só querem vir quando você está?” Eu sou muito cobrada por essa atitude no ambiente de trabalho, porque eu dou atenção... porque tem aquela coisa... “vamos, vamos, não dá tempo, tem uma lista enorme te esperando... vamos, vamos!!... não é aqui que você tem que fazer isso”... porque têm que ter números e números... aqui o paciente chegou com uma receita, você confere, administrou, “pá, pum” e manda embora. Eu sou muito cobrada nesse sentido... É esse modelo de trabalho que a gente está, de quantidade, essa coisa de números, números e números! Isso me deixa angustiada como profissional. (Clara, técnica de enfermagem)

Formozo et al (2012) observou que os profissionais justificam seu

distanciamento durante o ato de cuidar pela falta de tempo e por, “durante a formação profissional, preconizar-se o controle da expressão dos sentimentos e emoções para não interferir no desempenho profissional” (iden, p.126), deixando a tomada de decisão mais neutra. Entretanto sabe-se que estas posturas, distanciam e enfraquecem as ações de cuidado, já que a ausência de uma relação pessoal autêntica implica na descaracterização de sua singularidade. Assim sobrevalorização da quantidade de instrumentrumentos e considerações técnicas pode de certa forma, contaminar a percepção do profissional bem como sua capacidade de adequação a diferentes contextos, personalidades e singularidades contribuindo assim para a maior mecanização do processo de cuidado.

Ao observarmos a avaliação da qualidade dos serviços, podemos entender os valores que se defendem na prática dos serviços e o impacto que isto tem no estímulo ou desestímulo de determinadas estilos de cuidado. Bosi e Uchimura (2007) discutem o cuidado em saúde como

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objeto de avaliação. Estes pesquisadores destacam que dependendo da ótica dos avaliadores, incluindo sua concepção de qualidade, organiza-se toda uma agenda de organização do serviço baseada em parâmetros que muitas vezes não condizem com as necessidades da população em sua dinâmica complexidade. A avaliação da qualidade dos serviços geralmente é determinada por dimensões objetiváveis clássicas de modelos avaliativos tradicionais como indicadores de produtividade passiveis de quantificação e reprodução. Esta escolha acaba não considerando movimentos dinâmicos de mudança de processo de trabalho ou de inclusão de novas abordagens. Sustentam que avaliação de qualidade e avaliação qualitativa não são rótulos intercambiáveis, mas opções políticas atreladas a projetos sócio-sanitários que não se justapõem. Propostas avaliativas tradicionais “gerencialista” excluem outras perpectivas que não cabem em suas extensas planinhas de prioridades, estas que direcionam os olhares e organizam os esforços segundo indicadores muitas vezes distantes da realidade e anceio dos principais envolvidos (usuáriso e profissionais da ponta). Nas palavras destes pesquisadores:

“A polissemia da qualidade impõe reconhecer e considerar a centralidade dos processos simbólicos e práticas discursivas dos atores envolvidos, em especial dos usuários, para a avaliação dos rumos da qualidade das ações desenvolvidas, compreendendo, sobretudo, o que para eles significa qualidade... Impõe-se, portanto, a valorização das percepções dos atores, entendendo essas percepções não como subjetividades descontextualizadas, como o querem fazer crer perspectivas gerencialistas, mas como sinalização de experiências complexas, materializadas nas relações estabelecidas com determinadas práticas em saúde.” (Bosi e Uchimura, 2007, p.153).

Cecilio (2011) destaca dois polos que compõe as estratégias

avaliativas, o polo mais “duro” e o polo do território micropolítico. Os elementos “duros” geralmente escolhidos por estratégias avaliativas baseadas em controle são aqueles com pretensão de objetividade, de quantificação, de produzir certa visibilidade, dentre eles:

"a) indicadores de resultado, como os de morbimortalidade; b) indicadores de processos, referentes ao cumprimento de metas físicas, cumprimento de protocolos, normas e, mesmo, a qualificação e produtividade dos

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trabalhadores; c) de estrutura, como avaliações das condições físicas de trabalho, equipamentos, manutenção etc." (CECILIO, 2011, p. 594).

O pesquisador ressalta que:

“todo o processo de contratualização entre Estado e os novos regimes de gestão (Organizações sociais, fundações estatais de direito privado, OSCIPS etc.) está fortemente ancorado no conceito de “contratos de gestão” por sua vez, apoiam-se em indicadores de resultados, os quais, em princípio, seriam a garantia da “objetividade” no acompanhamento dos contratos e, por conseguinte, de controle do Estado. Dizer que o que importa é acompanhar resultados, não processos, marca esse campo”. (CECILIO, 2011, p. 594).

O segundo polo de prioridades importantes em um processo de

avaliação, se aproxima do território micropolítico e envolve a internalidade. Esta é entendida como um complexo campo de saberes, evolvendo relações de autoridade onde se distribuem e contratualizam as atribuições, responsabilidades e competências dos profissionais em seu dia a dia de trabalho (CECÍLIO, 2011).

Neste campo ocorrem as tomadas de decisão quanto as estratégias a serem desenvolvidas, tanto no âmbito coletivo do serviço, quanto no âmbito clínico. Isto inclui disputas entre os sentidos e significados atribuídos aos objetos de intervenção, por exemplo, partindo dos conceitos de os conceitos de saúde/doença para a forma como se estabelecem as ações de promoção da saúde ou de combate a doença. Em outras palavras evolve o entendimento da equipe e dos usuários sobre as causas de cada quadro de sofrimento e como e quando ajir, tanto de forma paliativa como preventiva ou curativa. Em última instancia, referece aos significados que regem o ambiente de negociação que resulta no onde e como investir e acompanhar os resultados deste investimento dos recursos (materiais e de mão de obra) disponíveis. O autor sublinha que esse campo micropolítico, em função da institucionalização e do cotidiano dos serviços de saúde, apresenta importantes elementos estruturados, dotados de certa regularidade e previsibilidade, todavia, parte deste campo é formado pelos processos de

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produção de novidades e novos conhecimentos, ou seja, do inusitado que escapa à normatização e controle de processos já consolidados e por vezes ultrapassados e ineficazes. Neste contexto dirigentes, gestores e, muitas vezes, os próprios gerentes, com um viés muito controlador e tradicional acabam de certa forma desconsiderando todo um processo de trabalho, principalmente no que compete ao contexto da utilização e desenvolvimento de tecnologias leves. A submissão a indicadores insensíveis aos esforços em tecnologias leves pode sufocar o trabalhador. Isto ocorre em um movimento de constante busca de controle externo por entendender que tais indicadores, ao serem orientadores do processo de trabalho, otimizariam por si o funcionamento do serviço. O autor enfatiza que:

“o delírio funcionalista e controlador máximo é supor ser possível anular o componente da internalidade da equação. Se triunfasse tal visão, a dinâmica do “interno” à micropolítica poderia ser totalmente capturada, esquadrinhada e controlada por um olhar externo objetivo, “científico”, distanciado: a externalidade absoluta.”(CECILIO, 2011, p. 596)

Para Contatore (2015, p. 3264), “a efetiva implantação de novos

procedimentos técnicos nos serviços públicos, principalmente de PIC, está vinculada a uma política de evidências científicas restritiva, que privilegia evidências quantitativas em detrimento das qualitativas”. Merhy e Onocko (1997) coloca que justamente o modo como se estruturam e são gerenciados os processos de trabalho configuram um dos grandes nós críticos das propostas que apostam na mudança do modelo tecnoassistencial em saúde no Brasil, que se mostram comprometido outros tipos de interesse que não se emportam necessariamente com a saúde dos cidadãos.

A aprendizagem de saberes/técnicas osteopáticos no contexto da APS, nos moldes de Educação Permanente, mostrou-se rica para a tematização do cuidado, pois, pareceu servir na prática como um contraponto ao estilo serial de cuidado biomédico, muito comum, além de ser de fácil compreensão para os profissionais. Isto pode estar também relacionado às origens da osteopatia no que se refere a proximidade com a fisiologia e a anatomia, o que permite apresentar formas investigativas e terapêuticas relacionadas as capacidades de autocura do organismo com uma linguagem compreensível a profissionais formados no modelo biomédico.

Slomp et al. (2015), ao realizar matriciamentos com saberes homeopáticos envolvendo o resgate das histórias de vida dos usuários,

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concluíram que o contato dos profissionais com este saber parece ter proporcionado

“um mecanismo potencializador do encontro [entre profissionais e usuários] [...] [e] contribuiu para o enriquecimento de outros planos tecnológicos do cuidado, como a própria clínica em jogo em cada caso, operando assim como dispositivo para a produção do encontro cuidador” (SLOMP, 2015, p. 1802)

Estes achados convergem com os nossos no sentido da produção

de encontros e reflexões acerca do cuidado. d) Catastrofização e efeitos adversos de um modelo que tudo

sabe A capacitação em muitos momentos confrontou os participantes

com os fenômenos associados da cinesiofobia e catastrofização. Estes são conceitos pouco discutidos na saúde coletiva, na biomedicina e na APS, e podem ser observados como uma faceta da biomedicalização da vida (TESSER, 2006). O fenômeno da catastrofização pode ser caracterizada por geração ou reforço de antecipação ou expectativa de desfechos negativos por parte dos pacientes (BENEDETTI et. al, 2007). Já a cinesiofobia é definida como medo de movimentar-se. Eles têm relação com a qualidade da interação profissional-usuário e são relativos às expectativas de melhora ou piora do quadro do paciente. A conduta clínica e a qualidade da relação profissional/usuário, incluindo a comunicação verbal e não verbal, podem reforçar crenças limitantes, aumentar a dor, gerar ansiedade e estresse (DARLOW et. al, 2012).

Em muitas situações, o processo de catastrofização, comum de ser induzido na abordagem biomédica convencional, destrói o que de outra forma poderia ter sido um bom prognóstico e desestimula o paciente de seguir com sua vida livre de crenças de incapacidade. Tais crenças geralmente ganham força na relação clínica por meio de recomendações de repouso prolongado e retirada irracional de atividades físicas, sendo respaldadas em diagnósticos de patologias, legitimados ou não por exames complementares e indicações de estratégias terapêuticas vitalícias (BENEDETTI et. al, 2007; LARSSON et. al, 2016). Este processo aumenta a deficiência, gera atrasos ou impede a recuperação, além de gerar aumento pela procura dos serviços de saúde convencionais e não convencionais, maior consumo de medicamentos e maior realização de cirurgias desnecessárias (MAIN et. al, 2010). Nas palavras dos participantes:

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“A gente já atendia ela faz tempo... mas para nós foi uma surpresa, ela contou que teve um acidente com essa parte da coluna (cervical), e o médico falou para ela que ela ia piorar com o tempo, que ela não ia mais engolir... ela era uma pessoa muito ativa e após esse acidente ela parou de fazer muitas atividades. Aí a depressão veio a aflorar muito mais no caso dela. O fato que marcou para mim, assim, foi que uma coisa que ela gostava muito de fazer era caminhar na praia e o médico falou para ela “não, tu não pode caminhar na praia”... Ela era muito ativa e a partir daquele acidente ela passou a viver aquilo que o médico falava para ela viver... Mesmo nós do centro de saúde ainda não conhecíamos esses motivos dela, a gente viu que a dor era um ponto X da questão, mas que o quadro tinha todo um contexto que veio a deixá-la mais fragilizada ainda.” (Clara, técnica de enfermagem)

As crenças dos indivíduos sobre suas próprias dores estiveram

associadas a relações de causalidade reforçadas pelos profissionais de saúde que acompanharam seus casos no passado. A causalidade apresentada, geralmente foi descrita como um efeito nocivo e cumulativo associado a algum movimento ou atividade exercida pelo indivíduo no passado.

“Eu acredito que essa dor veio por causa que eu trabalhava com massagem. No momento que eu trabalhava eu não sentia dor, mas depois eu vim a sentir a dor. Eu fiz exames, deu tendinite e tal, e o médico falou que era da época que eu trabalhei com massagem, que eu fazia muito movimento. A dor veio a aparecer cinco anos depois de eu já ter parado de fazer massagens.” (Sabrina, ACS) “Diz a médica que eu fui, que foi esse movimento de carregar bolsa.... ela falou para eu fazer uma cirurgia. Antigamente no nosso trabalho nós levávamos bem mais peso, tinha uma ficha para cada paciente para carregar. Naquele tempo eu não tinha dor... mas a dor apareceu quatro anos depois, quando eu já não carregava bolsas pesadas....” (Rosangela, ACS)

A fragilidade dessas crenças compartilhadas entre clínicos e

pacientes pôde ser observada ao analisarmos longitudinalmente o aparecimento das queixas, sendo que as dores apareceram anos após elas

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terem parado de realizar as atividades e as próprias pacientes não faziam relação entre as atividades e suas queixas. Nestes dois casos, foram médicos de família das próprias equipes em que trabalhavam os profissionais que os acompanharam nestas conclusões. Embora a medicina de família dê a devida importância ao acompanhamento longitudinal, quando o quadro se apresenta de forma crônica, e já foram feitas as tentativas que se tem acesso, encontra-se uma rasão fisiopatologica baseada em uma degeneração, desgaste ou envelhecimento de qualquer estrutura anatômica e a atribuição a possives causas. Uma vez que tivemos alguns casos onde o profissional superou suas limitações por meio das flexibilizações teciduais propostas isto pode apontar para um vazio no que compete o teste e o restabelecimento da função dos tecidos tem toda sua amplitude de movimento dentro deste ambiente de serviço. A construção de hipóteses e justificativas para a perpetuação de quadros crônicos merece atenção, pois, se apresentam como algo muito mais automático do que técnico. Apontam para uma lacuna na racionalidade clínica que supõe tudo saber sem que seja necessário a testagem das hipóteses construídas antes de reafirmá-las segundo suas próprias crenças. Os participantes consideraram que a capacitação pode auxiliá-los tecnicamente nesse sentido:

“Acho que melhorou a minha prática no sentido de aprender avaliar. De conseguir aprofundar um pouco da anatomia palpatória, de estudar os eixos, e de conseguir aplicar poucas técnicas que sejam resolutivas.” (Diana, enfermeira) “Eu pude aprofundar essa parte investigativa, que eu não tinha essa ideia de o quão profundo eu conseguiria ir na investigação da dor, do porque, dessa linha histórica, de tentar entender quando ela surgiu e como. Não só do ponto de vista mecanicista, assim, biomecânico, mas considerar também todo o contexto social de vida do paciente.... como que estava todo o emocional dele e que poderia influenciar nessa dor.” (Caio, educador físico)

Retomando a questão da construção de causalidades, levantamos

certos questionamentos em uma perspectiva paradigmática: no que essas informações podem ser úteis? Ou, qual o impacto desta informação para o manejo do caso do indivíduo? Estando a causa no passado, pode-se pensar que os danos teciduais já ocorreram e que por isso tem-se que conviver com a dor ou talvez optar por estratégias exógenas e ou

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vitalícias, como cirurgias, medicamentos e reabilitações intermináveis. Isto se intensifica ainda mais quando, por meio de um exame complementar “de alta tecnologia” (segundo o imaginário popular), existe a confirmação de lesões teciduais. O que já se mostrou frequentemente uma falácia, devido a enorme prevalência de alterações estruturais, comprovadas por exames de imagens, sem qualquer relação com a perda de função ou sintomatologias. A profissional de fisioterapia exemplifica muito bem o contexto da construção de crenças limitantes no serviço:

“....o paciente vem com uma dor que está sentindo a quatro meses, já tomou medicamento, fez um ultrassom que acusou uma tendinite por exemplo, e agora está esperando uma ressonância, que vai demorar para sair, enquanto isso eles mandam para a fisioterapia... em muitos desses casos a gente consegue ajudar e até resolve. Às vezes, quando sai a ressonância dá até uma regressão. Porque ele recebe um diagnóstico vindo da ressonância e diz: “eu tenho uma lesão de ligamento”... a gente percebe que ele vai ser encaminhado de novo... sendo que ele já está orientado, já está melhor.... aí ele evita o movimento e acaba voltando o problema, às vezes voltam os sintomas de dor...” (Camila, fisioterapeuta)

Na medida em que os participantes tiveram contato, puderam

aprender algo e mesmo se beneficiar pessoalmente da abordagem osteopática, tais crenças limitantes puderam ser desconstruídas (ao menos em parte). Ao acompanharem as consultas os profissionais puderam observar a discrepância entre os prognósticos construídos na primeira consulta realizada pelas equipes, e os resultados observados após a intervenção osteopática. Para Larissa, enfermeira: “Eu me surpreendi com a melhora da Carol, foi muito rápido, não precisou de medicação e nem de exame.” Isto indica uma grande potência educativa e transformadora, de forma muito simples e inserida na realidade do serviço.

Embora o tempo do curso tenha sido considerado curto, houveram muitos relatos de aplicação do conhecimento adquirido com resultados positivos dentro e fora do serviço:

“A princípio, nos primeiros quatro encontros eu estava bem em dúvida se tinha segurança para fazer os exercícios, do quinto em diante eu já fiquei segura... eu consegui fazer nas outras pessoas. (Cilene, ACS)

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“As pessoas aqui no posto, que o Carlos fez a intervenção, acharam que melhorou muito.” (Roberta, enfermeira) “Ontem mesmo teve a minha irmã, que estava com uma dor forte e ajudou bastante.” (Leia, ACS) “Tem toda essa parte da técnica que eu achei muito interessante, pude aplicar na minha esposa. Apliquei sem relatar o que poderia acontecer... e ela me relatou exatamente os benefícios que a gente viu no curso.” (Caio, Ed. Físico)

“Houveram pessoas que eu levei essa técnica e resolveu o problema e hoje elas esta me agradecendo muito por isso.” (Bernadete, ACS) “Pude aplicar em um colega, que reportava dor no joelho. Estudei toda essa parte de investigar, o que ocasionava, que momento ele estava vivendo quanto apareceu a dor. Eu pude encontrar um suporte de melhora nessa dor. No segundo encontro ele passou o feedback que a dor estava curada, que ele não sentia mais a dor.” (Caio, educador físico) “A minha mãe que sofre muito com enxaqueca, ela toma medicamento direto a anos. Eu não fiz a técnica por muito tempo, porque teve barulho mas foi algo que ela ficou sete dias sem precisar tomar o medicamento.” (Fernanda, fisioterapeuta) “A gente conseguiu aplicar em um dos grupos que a gente trabalha na Barra da Lagoa e teve uma paciente que ficou sem dor no ombro, logo na hora.” (Ana, educadora física) “Eu apliquei a técnica duas vezes com pacientes. O resultado foi satisfatório, foi positivo, obteve a cura“ (Fernanda, fisioterapeuta) “Eu consegui aplicar pouco, em pacientes, apliquei algumas técnicas em amigos e familiares e foi bem resolutivo, ajudou bastante.” (Diana, enfermeira) “Eu usei isso com a minha mãe e no dia seguinte ela disse que dormiu muito melhor.” (Isabel, enfermeira)

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É importante notar, que estes profissionais, independente de ter ou não ter formação prévia, foram capazes de acolher, amenizar e por vezes até solucionar problemas de saúde que em alguns casos não tinham sido melhorados nem pelas abordagens mais especializadas. Aqui levanta-se algumas questões meramente reflexivas e que se referem ao modelo educacional convencional, pautado na assimilação de conteúdos pré-existentes: necessariamente a aprendizagem precisa ser tão difícil como se apresenta nas instituições de ensino? Na área da saúde, não seria hipocrisia propagar formas desgastantes de educação, em função de uma suposta segurança do ato clínico? Ou melhor, quem ganha com formas desgastantes de educação? Será que a sobrecarga de conceitos, definições e teorias torna o ato clínico mais seguro, eficaz e interessado? Se as instituições de ensino da área da saúde, assumissem a intenção de tornar seus alunos e futuros profissionais mais saudáveis, qual seria o impacto disso? Seria possível, aprender sobre saúde com prazer?

No decorrer das capacitações foram produzidos alguns materiais que serviram para sintetizar os assuntos, desafios e soluções que o grupo encontrou para lidar as situações encontradas no campo. Paulo, enfermeiro generalista, quando fala de como entende o olhar integrativo pelo grupo discutido, coloca muito bem a questão da técnica ou da utilização de determinados recursos em segundo plano em relação à avaliação e à forma de estabelecimento da relação de cuidado que inclua a totalidade circunscrita no indivíduo. Desta forma, transfere a responsabilidade por procedimentos para a responsabilidade pelo cuidado do todo da pessoa. Para Campos (2003) a formação profissional de profissionais da saúde envolve alguns aspectos, nestes a atualização técnico-científica tem sua importância, porém, deve ser balizado o conhecimento pela vivência e desenvimento de habilidades reflexivas, com o centro no próprio processo de trabalho, na busca de soluções criativas que otimizem a produção dos serviços de cuidado. Isto inclui a construção de significados e subjetividades que capacitem pensar e ajir sobre a saúde e seus determinantes sociais e como adequar os serviços a realidade dos usuários visando sua autonomia.

Para Silva e Sena (2008, p. 48), “a compreensão da integralidade do cuidado [...] tem como direcionalidade o cuidado centrado no usuário. [...] Construir a integralidade na formação implica assumir o agir em saúde como princípio educativo” em uma nova forma de aprender-ensinar em saúde, a partir da realidade e da subjetividade do usuário. Em outras palavras, parte-se daquilo que o usuário entende do próprio cuidado para então procurar formas de estimulá-lo a refletir

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acerca daquilo que este pode transformar em sua rotina que o traga mais saúde. Trata-se de em uma nova forma de aprender-ensinar em saúde “que rompe com o saber formatado, isolado em conteúdos técnicos e descontextualizado rompe com o saber formatado e descontextualizado” (idem). Neste contexto a reflexão acerca da integralidade leva a re-inserir práticas pedagógicas dentro do serviço, seja dentro dos consultórios e grupos, bem como em todos os contextos onde haja o encontro entre profissionais e usuários.

Para Mattos (2004, p. 50), “a integralidade se constrói na práxis” e não fora dela. Este movimento se dá nas “diferentes formas de encontro desses profissionais com e no serviço” (idem). Para o pesquisador “integralidade é premissa para a reorganização das práticas e deve ser contemplada no movimento de articulação ensino-serviço, teoria-prática e ação-reflexão-ação” (MATTOS, 2004, p. 50).

Os profissionais reconheceram o fomento a uma postura 'humana'que se buscou construir e praticar durante a capacitação, que se espera que todo profissional exercite no cuidado clínico aos usuários, ou seja, um interesse genuíno, solidário e empático pelo outro, nas palavras de Fabiane “acima de tudo, foi muito humano” e segundo Fernanda:

“acho que você foi muito verdadeiro com a gente e com os pacientes. Tu não veio aqui só para mostrar o trabalho, aplicar o teu trabalho, tu se importou mesmo com os pacientes.”

A vivência da abordagem osteopática pareceu acessar parte da

subjetividade e dos afetos envolvidos no ato de cuidado, tanto como trabalhadores da saúde como quanto como pacientes. Para Bessa et al. (2011), os afetos envolvidos no processo de trabalho em saúde são sentimentos que se baseian na história pessoal de cada um e na forma como o profissional encherga e se relaciona com o serviço. “Esses afetos podem contribuir ou não para a eficácia da conduta terapêutica e para a manutenção da vida em cada pessoa afetada, seja o trabalhador, ou o próprio usuário” (idem, p. 3056). É imprescindível considerar os afetos na aprendizagem em saúde, sobretudo nos espaços onde o estabelecimento das interações intersubjetivas são fundamentais para o desfecho, como é o caso do ato de cuidado. Este autor ressalta ainda que nesses espaços os profissionais inevitalvelmente são colocados perante a humanidade do outro e sendo assim, sua atenção deve incluir os aspectos técnicos, porém, com uma importante parte focada na interação humana e ética ali envolvida.

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Os participantes referiram que a capacitação pode contribuir não só para a formação profissional, mas também para a sua vida como um todo:

“Depois desses dois meses de capacitação, eu me sinto um profissional melhor.” (João, médico) “Vou levar pro resto da minha vida esse conhecimento, obrigada.” (Leia, ACS) “...não podendo aplicar aqui nesta instituição eu vou aplicar para mim e para a minha família, isso é para a vida, para a minha vida.” (Vania, ACS) “assim eu tenho uma reflexão sobre mim mesmo” (Roberta, enfermeira)

Para Ceccin (2005, p.176), “efeitos de subjetivação emergem das

atividades de educação permanente, das problematizações ao pensar-agir-perceber e de sua interpretação emerge como aprendizagem significativa a invenção de si”. Isso inclui a reflexão sobre o próprio agir, dentro e fora do ambiente de trabalho. Nesse processo há a dissolução de identidades e a reconfiguração de novas subjetividades. Estas novas metodologias produzem uma ruptura, pois põem as pessoas frente a si mesmas; substituem um processo educativo heterônomo por um processo mais autônomo.

Por fim, quando questionados sobre qual seria o impacto desta estratégia de educação permanente no longo prazo, os profissionais apresentaram elementos que apontam no sentido da mudança da cultura envolvida no ato de cuidado, tanto por parte dos profissionais quanto da população. As falas vieram acompanhadas de todo um repertório relacionado ao que atualmente se defende como “boas práticas” e clínica ampliada em saúde. Todavia, pode-se observar na simplicidade das narrativas o ar mais vivencial que teórico ou rebuscado (Quadro 2). As falas consideram temas como medicalização da vida, prevenção quaternária, uso racional de medicamentos e exames, trabalho em equipe, centramento na pessoa, educação em saúde, temas estes que falam por si só e que também defendemos como centrais para a melhoria da qualidade do cuidado na APS.

Quadro 2

Samira, “A gente ia tentar dar um olhar para esse todo, cultura,

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psicóloga crenças, o relacionamento com os outros... Vai mudar, conceitos, a cultura das pessoas que vão acessar o serviço. Vai potencializar a qualidade do serviço.”

Fabiane, ACS “Mudaria os pacientes dentro do centro de saúde, procurando por medicação... eu acho que essa é uma medicina do futuro... os atendimentos do futuro, não vão ser mais prescrever medicação, mas sim exercícios.”

Diana, enfermeira

“E eu acho que essa capacitação amplia a visão porque às vezes a tua ajuda está nas tuas mãos e não necessariamente num artifício fora”

Pedro, enfermeiro

“O que mais valorizei nesse curso é uma lacuna que existe entre o diagnóstico médico e a intervenção medicamentosa. O paciente sai do consultório, muitas vezes já com um diagnóstico, e uma intervenção, sem passar por uma tentativa de melhora com outras práticas.”

Isabel, enfermeira

“Eu acho que vai diminuir a demanda por exemplo de remédio para a dor, pra ansiedade, para depressão, acho que isso ameniza muito, a necessidade de remédio, acho que existem outras formas de remédio, como a terapia manual, que talvez sejam muitos mais efetivos, com menos efeitos colaterais. É um curso que ensina a perceber a pessoa como um ser humano total, de levar em conta o que ela sente. Isso pode fazer muita diferença para aliviar as dores de uma pessoa, aliviar a ansiedade, enfim... dar conforto para a pessoa”

Camila, fisioterapeuta

“vai mudar a prática e o modelo, que querendo ou não vem instituído na formação desde o começo... centrado no médico, nos medicamentos e nas consequências, sem pensar muito na causa, aí no outro dia, o paciente está aqui de novo... aí todo mundo se capacitando, vai pensar diferente, como a gente pode trabalhar com saúde, com promoção”

Caio, educador físico

“Melhoraria bastante na questão de direcionamento de exame... porque as pessoas querem muito exame... e nessa parte ajudaria muito, auxiliando os encaminhamentos, diminuindo a utilização de remédios. Então se a equipe toda fosse capacitada, a qualidade de vida dos pacientes e o tempo de melhora poderia ser reduzido bastante”

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Tesser (2009) destaca quatro eixos onde as PIC potencialmente podem contribuir para a promoção de saúde. Pudemos observar três destes eixos em nossa intervenção. O primeiro envolve um certo empoderamento do coletivo, “para que indivíduos e coletividades possam participar ativamente na construção de uma vida e uma sociedade mais saudável” (TESSER, 2009, p. 1435). Este eixo pode ser observado tanto na motivação solidária dos participantes em relação a construção de espaços de troca entre profissionais, no fortalecimento do trabalho em equipe e na sensação de autonomia em procurar alternativas e estratégias menos invasivas como forma de terapêutica. O segundo eixo compreende concepção de saúde positiva e ampliada o que pode ser observado em diversos relatos onde os participantes trouxeram a importância de compreender o cada contexto incluindo as histórias de vida de cada pessoa, bem como quando se depararam com a eficácia produzida ao promover mecanismos de autocura por meio da flexibilização dos tecidos. E o terceiro eixo refere-se à transformação das práticas pedagógicas em algo mais dialógico e menos diretivo (TESSER, 2009).

7.1 Da teoria emergente:

A teoria ou pelo menos a síntese teórica que emergiu de nosso estudo trata do desafio de construir e difundir formas de cuidado no intuito de ajudar a si ao próximo. Isto parece estar acompanhado da constante busca por métodos mais eficientes e eficazes, bem como pela necessidade de superar a insegurança dos envolvidos frente ao lidar com os sofrimentos ao longo da vida. Em nosso estudo observamos em certo grau a postura e racionalidade clínica dos profissionais da APS em sua relação com os usuários (por vezes envolta por medos, prognósticos assustadores, distanciamentos, pouco tempo para atendimento, exames complementares e terapêuticas essencialmente baseados em estratégias exógenas). Em parte, isso foi por eles associados a organização dos serviços. Em parte, discutimos que também há a influência da produção de evidências, diretrizes e protocolos que tendem a homogeneizar o ato de cuidado.

Os relatos dos participantes convergem com a literatura quanto a que os processos e tempos de trabalho dos serviços de saúde da APS, que tem um abordagem essencialmente biomédica, dirigem-se para observação, combate ou controle e acompanhamento do 'patológico', o que induz provavelmente um aumento das inseguranças clinicas, da presença de um provável mal ser combatido, da necessidade de exames complementares que tragam mais segurança à tomada de decisão, dos

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encaminhamentos a especialidades, dos recursos terapêuticos exógenos, das soluções prescritivas e das atitudes protocolares.

Em contrapartida, a aprendizagem parcial da osteopaita pela vivencia em si e no outro pode, em nossa hipótese que foi reforçada pela pesquisa, repercutir em uma busca por reorganizar o processo de trabalho no sentido do aumento do tempo gasto com trabalho mais vivo, dedicado às pessoas e suas potências. Este trabalho retoma a atitude investigativa, os testes terapêuticos empíricos, munidos do acompanhamento de sinais clínicos agora somados a sinais de mobilidade e tensão tecidual; prevê um maior gasto energético com o envolvimento de si em uma relação de escuta dialógica e menos burocrática. O mecanismo que propomos para comprender essa mudança no uso no tempo tem relação com a atenção do profissional. Estar atento a algo, pressupõe que fisiologicamente o indivíduo direciona seus sistemas capazes de perceber e assimilar informações em algum foco específico. Todo o processo educativo, trata de direcionar a atenção, ou seja, a percepção, para determinados focos. Ao definir objetos a serem alvos da atenção do profissional, a aprendizagem aumenta a capacidade de percepção por meio do treino de determinadas vias neurológicas e perceptivas e suas associações a semânticas (conjuntos de significados). A formação biomédica reconhecidamente estimula a atenção acerca do patológico (LUZ, 1988; CAMARGO JR., 2003), pois supõe que tendo a atenção profissional direcionada a estes sinais, o mesmo teria a capacidade de prever e assim prevenir possíveis desfechos indesejáveis. O problema ocorre quando, por excesso de informação e treino em um determinado sentido, a capacidade de percepção fica tão enviesada que não consegue mais perceber e assimilar informações atualizadas, ou seja, informações coletadas e recebidas in loco, em ato e de forma dialógica com o outro. Quando isto ocorre, é como o sistema de gerenciamento das informações percebidas ficasse dando um looping em suas próprias redes semânticas, sem perceber, ou ao menos, sem se adequar a outras informações que não aquelas pertencentes ao que é previamente esperado e estabelecido. Como estas redes foram unilateralmente estimuladas no sentido da busca constante por patologias, a visão catastrófica começa a ganhar gradualmente corpo. O processo vai se construindo no imaginário do profissional, que inadvertidamente acaba compartilhando suas inseguranças e possíveis prognósticos em seu ato de cuidado para com o usuário. Este último, por vezes, também possui redes semânticas catastróficas, cultivadas socialmente em uma sociedade reconhecidamente hipocondríaca e amedrontada (BAUMAN, 2008;

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IOCHINS et al, 2012). Ao entrar em contato com as informações (verbais e não verbais) compartilhadas na consulta, facilmente a atenção do usuário volta-se para a possível doença eminente, fazendo com que medos, evitações de movimento, tanto social quanto funcional, possam acentuar ainda mais a deficiência do organismo em se auto-curar.

Em contrapartida, apesar de suas limitações várias (brevidade da pesquisa, pouco poder de generalização externa, viéses decorrentes da participação do pesquisador como professor no processo educativo avaliado pelos participantes), os nossos resultados sugerem que a aprendizagem inicial da osteopatia, adaptada ao contexto de trabalho da APS, pode contribuir como uma espécie de antídoto para este mecanismo. Propomos como hipótese nascente da pesquisa a seguinte compreensão desse processo: a aprendizagem pela vivência acaba sendo uma intensa dose de outros estímulos que competem pelas vias de percepção. Ao acionarmos as redes semânticas relacionadas ao fenômeno saúde/doença, certamente nos abrimos à possibilidade de compartilhamento de informações relativas a desconfortos e inseguranças em relação a própria saúde. Neste momento, ao invés de prosseguirmos investindo em estratégias exógenas, introduzimos formas de treinar e redirecionar a atenção por meio da vivência e percepção de mecanismos de auto-regulação e passamos a reescrever nas redes semânticas novas informações (de maior mobilidade e geralmente bastante prazerosas). Este estímulo passa a competir pela atenção do indivíduo que vivencia o fenômeno. Ele pode ser intenso, na medida em que reescreve determinadas crenças sobre suas próprias limitações. Vale ressaltar que muitas vezes, são nossas limitações que nos dão forma e que sustentam nossa inserção no mundo. Exemplificando: o indivíduo acredita que por este ou aquele motivo, por uma lesão qualquer, ele não tem condições de correr ou fazer alguma atividade laboral ou de lazer. Previamente aprendeu que a corrida gera impacto e que por isso não é bom para suas articulações, que já possuem patologias. Patologias estas observadas nos exames e que os especialistas já até recomendaram cirurgia... e por aí vai... (exemplos não faltam nos resultados anteriormente expostos).

Ao estimularmos por meio da vivência de mecanismos de autocura percebidos fisiologicamente, pela sensação corporal, pelo toque, pelo teste e re-teste de determinadas funções, no noso caso por meio de saberes e técnicas osteopáticas, o individuo desconstrói seus conceitos de limitações. Torna-se desta forma mais vazio de pré-conceitos acerca daquilo que lhe era certo como limitação, tornando-se por um momento mais vazio acerca de si e acerca do cuidado. Neste

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momento ocorre a possibilidade da aprendizagem que toca e reescreve o íntimo, aprendizagem capaz de inspirar mudanças autênticas, que partem do próprio indivíduo, capaz de restaurar a autonomia e capacidade de inspirar no outro, pelo exemplo de si, a vontade de tentar superar ou questionar certas limitações. Esta aprendizagem não necessariamente encontra-se em indivíduos com elevada escolaridade ou de competência técnica, nem tampouco necessariamente o contrário. Essa aprendizagem depende muito mais construção de uma relação de aprendizagem capaz de mobilizar os conteúdos já vividos para alguma forma de viver considerada melhor: na perpectiva osteopática, uma forma mais flexível e ampla em sua mobilidade e função corporais o que permeia a totalidade do indivíduo, seus anseios e sua inserção social. O encontro de aprendizagem do osteopata com aquele que procura reescrever seu saber (a socialização de aspectos da osteopatia para a APS, ou a educação/matriciamento em osteopatia) se dá no sentido de inspirar no outro (profissional) aquele processo que já lhe ocorreu, de explorar a sua própria flexibilidade, de testar e retestar caminhos e descontruir suas crenças clínicas e não apenas de apresentar suas teorias e técnicas. É justamente nesse sentido que nosso constructo defende a autonomia no cuidado humano, e por isso, que a aprendizagem da osteopatia seja multiprofissional e priorize a inclusão de todos com igual importância, de agentes comunitários a médicos especialistas. Em nosso ver, o recorte da osteopatia, para esta ou aquela profissão reduz seus benefícios à saúde coletiva e ao cuidado no contexto da APS.

7.2 Da técnica à postura investigativa e cuidadora osteopática: refletindo sobre o que pode ser socializado.

Nossos resultados e discussão partiram da socialização parcial da osteopatia entre profissioanis da APS para questões amplas que envolveram a formação na saúde, mudança de modelos de cuidado, questões relativas a disputas de mercado a outros assuntos relativos ao contexto clínico na APS, a abordagem das crenças e motivações envolvidas no cuidado e tecnologias entre leves e leves-duras, compreendendo a fisiologia e anatomia de uma forma mais aberta ao diálogo no sentido da busca compartilhada de possibilidades de auto- regulação.

Neste momento, sintetizamos nossa interpetação sobre como a osteopatia contribuiu com nosso percurso a partir dos seus aspectos mais técnicos. As proposições a seguir derivaram do registro, análise retrospectiva e síntese da pesquisa, resultando em algo como um roteiro simplificado construído durante o percurso desta pesquisa, mas que se

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mantém aberto às peculiaridades dos contextos e dos profissionais que queiram dar continuidade a estratégias de inserção e socialização do conhecimento osteopático nos serviços de APS via matriciamento/educação permanente.

Vale ressaltar, de início, nossa convicção de que a abordagem osteopática não apresenta sua potência maior quando observada segundo recortes e técnicas isoladas, diagnósticos (avaliação) ou terapêuticas, mas sim quando vivenciada em ato. Os cursos e formações em osteopatia tem uma longa duração e procuram dissecar diversas estratégias que visam o restabelecimento da mobilidade completa, livre e indolor das estruturas. Para tal, cada articulação ou tecido é estudado segundo sua fisiologia e anatomia e uma série de técnicas e conceitos são apresentados e treinados entre os estudantes e com a supervisão do professor. Existem muitos manuais contendo técnicas aplicadas a todo o corpo, desde grupos musculares, articulações, fáscias, a estratégias para o crânio e vísceras (GREENMAN, 2001; QUEF; PAILHOUS, 2003).

No intuito de adequar tais conhecimentos ao nosso contexto de educação permanente na APS, nos adaptamos a uma série de aspectos contextuais que moldaram os conteúdos técnicos por nós considerados passíveis e adequados para socialização. Os aspectos mais relevantes foram:

a) O contexto multiprofissional, o qual incluía uma heterogeneidade de formações profissionais e vivências práticas dos profissionais. As formações em osteopatia no Brasil, são realizadas apenas com profissionais já graduados em fisioterapia e estando abertos também para médicos, embora esses últimos não frequentem esses cursos. Isto prevê conhecimentos básicos de anatomia e fisiologia, principalmente no que compete ao movimento (cinesiologia) e a anatomia palpatória. Considerando que estratégias de educação permanente retiram os profissionais de sua rotina de trabalho e por isso o tempo é raro, foi necessária a busca constante de uma linguagem simplificada e adequada ao repertorio narrativo do grupo.

b) O compromisso com a inserção no processo de trabalho. Este aspecto nos evidencia a necessidade de procurar resolver problemas reais do serviço, prevê uma seleção pragmática das informações utilizadas no sentido do desenvolvimento de habilidades que sejam eficazes e suficientemente amplas para acolher e manejar, ainda que preliminarmente e ou parcialmente, casos mais prevalentes neste ambiente de cuidado.

c) O tempo reduzido de capacitação, o que nos evidencia ainda uma necessidade de simplificar nomenclaturas e adequar as narrativas e

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dinâmicas e aos processos de trabalho pré-existentes. Isto inclui o tempo de consulta, formas de retorno, acompanhamento longitudinal e relação de referência e contra-referência.

Neste contexto, tornou-se mais importante instrumentalizar a postura, a atitude investigativa e algumas ações potencialmente terapêuticas na lógica da osteopatia, com critérios simplificados para sua eleição, abaixo sintetizados, do que nomear uma série de técnicas especificas para cada segmento corporal.

O desenvolvimento desta postura incluiu alguns critérios presentes na osteopatia e que pareceram não estar presentes no estilo clínico utilizado pelos profissionais dos serviços de APS, que pode ser considerado simplesmente biomédico. Três principais critérios se mostraram relevantes de serem socializados:

1) avaliar a mobilidade dos tecidos, 2) observar e testar a relação do todo com as partes, 3) observar a relação entre a função e os sinais e sintomas.

Organizamos uma sequência para elucidar aspectos relevantes para a aprendizagem: a) O momento da primeira consulta, a importância de escutar o paciente, organizar a informação segundo uma linha histórica, observando o que veio antes dos sintomas, quais as estratégias terapêuticas e de auto-atenção já utilizadas e quais as crenças em relação aquele sintoma. Verificar quando e como essas crenças foram construídas ou reforçadas, observando a presença ou não de cinesiofobia (medo do movimento) ou pensamentos catastróficos nocivos (“vou piorar”, “nunca vou melhorar”, “minha hérnia discal me impede” etc...). Nesse momento é muito importante manter uma postura de legítima curiosidade procurando atuar por meio de perguntas que esclareçam como o indivíduo vê e se relaciona com suas queixas. Procurar ao máximo refrear o impulso mecânico de disparar narrativas acerca das próprias “verdades” ou mesmo "evidências", como profissional de saúde. Procurar entender basicamente o porque daquela queixa com o enfoque em gerar mais autonomia, por meio do desenvolvimento das estratégias de auto-atenção do indivíduo.

b) Perceber a mobilidade incluindo as tensões e os eixos mais rígidos. Sugerimos a avaliação da mobilidade dos tecidos inicialmente de forma ativa na flexão, extensão, inclinação e rotação da coluna e dos membros, tendo principal atenção aos movimentos funcionais como sentar, caminhar/correr, agachar, e ficar deitado. Perceber se na história da pessoa ela traz elementos que podem contribuir para alguma relação de eixo de movimento, por exemplo se tem dor ao ficar muito tempo

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sentada (pode indicar uma perda de mobilidade para a extensão das vertebras lombares ou articulações sacro-ilíacas), ou se a dor aparece após ficar muito tempo em pé ou correndo, se por algum motivo algum segmento ficou imobilizado por tempo prolongado como um entorse de tornozelo, se realiza trabalhos repetitivos com os braços e qual sua postura nesse momento. Sempre procurar comparar com a mobilidade do membro contralateral. Pede-se para o indivíduo escolher um movimento que gere a sua queixa e que ele indique em que grau de movimento a dor/queixa aparece e qual a intensidade (pode ser feito em uma escala de 0 a 10). Estes testes passam a ser as referencias para o acompanhamento da evolução do quadro. Isto se a queixa tiver uma relação com dor ao movimento.

c) Num segundo momento inicia-se a palpação dos tecidos, partindo de uma percepção do corpo globalmente, procurando perceber as zonas mais tensas que o comum, rígidas, contraturadas e sem vitalidade, partindo de grandes segmentos como lombar, torácica, cervical, pelve, membros inferiores, membros superiores, crânio e abdômen. Realizar o reconhecimento do terreno anatômico, procurando sentir a origem e a inserção das estruturas a serem trabalhadas, solicitando ao paciente a contração, palpando sua forma e acompanhando seu movimento. São então escolhidas as zonas mais rígidas e que apresentavam uma possível relação fisiológica com as queixas. Por exemplo, ao considerar as relações vasculares e neurológicas (dermátomos por exemplo), o que pode explicar a relação entre uma dor no pé uma perda de mobilidade lombar. Outro exemplo são as zonas de possíveis dores ou sintomas referidos, como a rigidez cervical alta e a cefaleia tensional.

d) Dar início as flexibilizações iniciais. Realizamos mobilizações graduais no sentido de flexibilização dos tecidos e observando se é possível e necessária ou não a participação ativa do paciente nesse momento. Exemplo: se a pessoa apresenta uma perda de movimento para dorsiflexão do tornozelo (muito comum após entorse de tornozelo), estudamos formas de facilitar a dorsiflexão ativa e passiva. Neste momento, são resgatados alguns conceitos osteopáticos relativos a estratégias de flexibilização como: estratégias posicionais (onde a posição mantida é capaz de diminuir a rigidez e a tensão); estratégias que equilibram as tensões dos tecidos ao ir a favor do sentido já favorecido (lado contrário a rigidez); estratégias diretas onde por meio de pressão do profissional ou da força do próprio paciente estimula-se a flexibilização indo no sentido da rigidez e perda de movimento tanto com força mantida quanto repetida. As técnicas estruturais diretas

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(aquelas onde se aplicam movimentos de baixa amplitude e alta velocidade no sentido da rigidez) não foram abordadas neste contexto por serem um pouco mais agressivas quando não bem manejadas. Inicia-se a aplicação de técnicas simples, no intuito de flexibilizar estas regiões. As técnicas mais utilizadas nesse momento foram:

• relaxamento sub-occipital (paciente em decúbito dorsal, realizar pressões progressivas e lentas na região suboccipital procurando gerar um relaxamento para a região cervical alta);

• mobilizações funcionais envolvendo ganho de amplitude de movimento principalmente no sentido da flexão ou extensão de toda a coluna e das articulações periféricas;

• liberação diafragmática, técnicas fasciais toráxicas (sem focar em uma estrutura especifica mas sim em um distencionamento dos tecidos);

• técnicas de energia muscular para trabalhar algumas torções (apenas quando os profissionais já tinham dominado as técnicas de flexão e extensão).

e) Explorar bem os movimentos de flexão ou extensão, escolhidos segundo a rigidez encontrada, até o conforto do paciente. Os participantes foram estimulados a observar a existência de padrões de rigidez na população, por exemplo, anteriorização de cabeça, protrusão de ombros (rigidez dos peitorais e fáscias torácicas), rigidez torácica (dificuldade de extensão da torácica), dores lombares disparadas após flexão com carga ou de maneira repetida.

f) Verificar se ao aplicar a técnica o paciente refere melhora (diminuição de dor, aumento de amplitude de movimento, conforto ou diminuição de algum outro sintoma), ou piora do quadro.

g) Em caso de melhora, vá gradualmente encontrando formas de aumentar a flexibilidade e fazer o paciente entender o que está sendo feito e como ele pode se manter flexível em seu dia a dia.

h) Em caso de piora, procure mudar o sentido do estímulo ou o segmento que esteja sendo trabalhado. Uma observação importante ao observar uma piora no quadro é que talvez esse segmento, quando submetido a cargas nesse eixo, seja um dos responsáveis pela queixa. Neste caso o paciente é estimulado a pensar formas de minimizar cargas repetidas naquele sentido, enquanto estes estímulos piorarem a dor ou os sintomas. Neste momento é importante observar como encorajar o indivíduo a seguir com suas tarefas apesar da dor, como minimizar e controlar o sintoma sem gerar medo excessivo de se movimentar.

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i) Procurar estimular o movimento no dia a dia do paciente observando os movimentos e estratégias que causam mais alívio (encontrados durante a consulta), as preferências e possibilidades do paciente e suas demandas diárias. Neste momento é importante a construção partilhada de estratégias de tal forma a gradualmente gerar adesão e autonomia acerca do próprio tratamento.

j) Por último, manter o indivíduo informado sobre as possibilidades terapêuticas, seus benefícios e limitações de forma realística. Isso inclui um importante momento de educação em saúde, que procura refletir sobre os modelos de atenção e seus limites e promessas e a importância da auto-atenção no que se refere a promover um estilo de vida ativo. Esta síntese foi desenvolvida ao longo do processo de matriciamento do conhecimento aplicado a casos reais e por profissionais em circunstancias normais de atendimento na APS. Ela não almeja ser considerada um guia, mas registra em parte o percurso construído no que diz respeito à educação permanente em osteopatia voltada para profissionais da atenção básica e NASF. Ela é totalmente aberta a interação e reconstrução em outras situações, incluindo profissionais e escolas distintas de osteopatia. Aqui não se tem a intenção de substituir formações mais específicas nem tampouco reformular ou questionar estratégias, mas sim sensibilizar, por meio de uma breve capacitação, para a necessidade de se manter uma postura investigativa e dialogada não apenas no contexto de vínculo e aspectos puramente relacionais, mas também no contexto clínico, de considerações fisiológicas, de exploração propedêutica e de terapêutica manual palpatória dos usuários, que inclua as informações sobre o movimento e sobre os tecidos do organismo como um todo. 7.3 Uma proposta de aprendizagem via consultas compartilhadas

Sinteticamente, nos sucessivos encontros com os participantes da pesquisa partimos de estratégias que iluminam a racionalidade clínica na prática, facilitando a reflexão sobre os diagnósticos e prognósticos, incluindo a necessidade e utilidade de métodos de avaliação e terapêuticos, bem como o sentimento de segurança necessário à transformação. Metodologicamente, estabelecemos as seguintes prioridades para a condução das consultas compartilhadas:

- a) presença da maior diversidade possível de profissões. Entendemos que quando menor a diversidade mais a linguagem torna-se especializada, o que dificulta sua utilização no campo. A diversidade profissional também aprofunda o sentimento de segurança, uma vez que

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diferentes olhares são mais capazes de identificar possíveis riscos evitáveis bem como possibilitam uma visão mais global e abrangente;

- b) construir um contexto favorável à aprendizagem. Isto inclui local confortável para todos os envolvidos, tempo reservado para as consultas compartilhadas e para dinâmicas reflexivas;

- c) estímulo ao questionamento como forma de aprendizagem, tornando explícito o entendimento da que não existe uma única realidade e que vários pontos de vista podem ter igual ou pelo menos significativa importância;

- c) não deixar com que a teoria se sobressaia ao cuidado em cada participante e usuário;

- d) quando possível, aplicar as metodologias diagnósticas e terapêuticas nos próprios profissionais. Isto estimula uma aprendizagem reflexiva uma vez que o profissional passa a ser o seu próprio objeto de estudo (SCHNEIDER e VASCONCELLOS, 2011).

De forma pragmática, e como síntese de nossos achados durante o processo, propusemos algo como um ‘passo a passo’ para dar início a estratégias de aprendizagem coletiva da osteopatia no contexto da APS, por meio de estudos de casos clínicos:

1) Grupo formado por uma ou até duas equipes de SF mais alguns profissionais do NASF, segundo características do serviço;

2) Os profissionais sentados em círculo; 3) Pergunta 1: Alguém tem algum problema de saúde de queira

melhorar ou acredita que possua uma limitação em sua mobilidade que não melhora há tempos?

4) Os participantes apresentam brevemente as suas queixas e o grupo escolhe dois casos por meio de votação.

5) Pergunta 2: Alguém sente-se confortável para ser o cuidador? 6) Se sim: esse profissional vai conduzir a consulta; se não: o

facilitador (no nosso caso, o osteopata vai conduzir a consulta – o(s) primeiro(s) caso(s) em geral é (são) conduzido(s) pelo osteopata;

7) Se são cumpridos os seguintes critérios durante o atendimento termina-se a consulta e abre-se espaço para questões e esclarecimentos: a) o participante que recebeu a consulta se sente esclarecido; b) foram utilizados os recursos terapêuticos possíveis e relevantes para o caso; c) foram sanadas as necessidades didáticas no sentido do esclarecimento sobre o estilo clínico e suas peculiaridades.

8) Caso estes critérios não sejam atingidos realiza-se uma segunda consulta utilizando-se de um outro estilo clínico.

9) Rodada de questões finais e síntese de palavras-chave que possam representar os significados para os participantes.

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10) Momento de aprendizagem de técnicas utilizadas e compartilháveis.

11) A partir desse ponto, provavelmente os participantes já estarão cativados a prosseguir no processo de investigação/aprendizagem/intervenção de suas próprias demandas, havendo a necessidade apenas do facilitador organizar os materiais empíricos trazidos e deixar o processo seguir seu rumo natural. Desta forma é imprescindível nos próximos encontros reservar espaços para o acompanhamento longitudinal e evolução de cada caso, bem como para revisitar e sanar dúvidas e necessidades geradas nos momentos anteriores. Caso os profissionais, ainda assim, não estejam cativados para a aprendizagem, consideramos a reflexão organizada das equipes de pesquisa/intervenção/matriciamento sobre as seguintes perguntas: Será que temos conhecimentos relevantes eficazes e aplicáveis dentro do contexto deste serviço em particular? Caso os pesquisadores/matriciadores não encontrem respostas que os motivem a prosseguir, sugerimos que no próximo encontro seja realizada uma dinâmica reflexiva que considere de uma forma tranquila a não continuidade do processo. Esta dinâmica pode envolver a seguinte pergunta: O que eu pretendo transformar em minha vida, incluindo meu processo de trabalho, que sinto que este matriciamento/capacitação pode me ajudar? Sem motivação não há aprendizagem que transforme! 7.4 Limitações do estudo: O presente estudo, como se configurou, apresentou algumas limitações importantes a serem consideradas. A primeira refere-se ao relativo grau de conflito ético devido ao fato do pesquisador ter participado de todas as etapas, inclusive ter sido um dos atores e até mesmo principal protagonista da intervenção educativa e ao mesmo tempo o entrevistador e analista dos dados. Por isso, por mais que o pesquisador tenha procurado minimizar este viés, ressaltamos a possível interferência de um interesse de que tudo desse certo e que os participantes estivessem satisfeitos com sua aprendizagem ao longo do processo.

Nesse contexto, um viés e limitação importante que poderia ser minimizado, porém não foi por questões logísticas e por ausência de outro pesquisador, foi um possível constrangimento nas entrevistas; uma vez que o pesquisador já possuía um vínculo anterior com os participantes, o que pode inibir sua liberdade crítica. Mesmo que elas tenham sido realizadas após o final da intervenção, e também porque sabiam que era o pesquisador que iria analisar os dados, as pessoas ao

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darem essas entrevistas estavam concretamente e potencialmente em alguma medida constrangidas na sua liberdade e na sua crítica possível aos processos e resultados da intervenção, o que faz com que as conclusões aqui apresentadas devem ser observadas com critério e reserva no que compete a uma visão otimista e positiva do processo.

Outra limitação de nosso estudo refere-se a natureza do saber osteopático. Este saber, como exposto anteriormente, possui uma diversidade de modelos explicativos, escolas, estratégias diagnósticas e recursos terapêuticos. Desta forma, cada profissional osteopata se utiliza de saberes e práticas com os quais possui mais afinidade, sendo impossível uma padronização de seu ato clinico, muito menos da escolha dos conteúdos a serem compartilhados com outros profissionais. Provavelmente essa limitação pode ser sanada com novas experiências de socialização dos saberes e TMO com profissionais da APS.

Outra limitação importante refere-se à seleção do grupo de participantes e ao contexto institucional da pesquisa, que se deu em uma rede de serviços de serviços de saúde que convive há pelo menos oito anos com iniciativas institucionais repetidas e relativamente frequentes de ensino de algumas práticas integrativas e complementares aos profissionais da APS, e apoio à prática das mesmas pelas equipes de saúde da família (SANTOS; TESSER, 2012; MORÉ et al. 2016). Esse contexto institucional tornou muito provavelmente os profissionais em geral da APS de Florianópolis mais abertos a outros saberes e técnicas de cuidado que os dos demais municípios brasileiros e talvez mesmo do mundo. Embora os serviços de origem dos profissionais participantes tenham sido indicados pelo gestor municipal, eles tinham também maior contato prévio com atividades de ensino devido a presença de atividades didáticas de alunos de graduação de vários cursos da saúde e de residência médica e multiprofissional, o que também não é a regra entre os serviços de saúde de APS do Brasil e provavelmente do mundo. Tudo isso faz com que a validade externa de nossos resultados seja altamente questionável, e demanda novas pesquisas e experimentações institucionais em outros locais e serviços, em que se experimente a possibilidade de socialização de aspectos da osteopatia para os profisisonais convencionais da APS.

Por fim, a última limitação, também observada pelos participantes da pesquisa, é que estratégias de pesquisa/educação permanente desta natureza necessitam de continuidade, envolvendo ciclos permanentes de ação-reflexão-ação. Isso não ocorreu neste estudo devido ao seu pequeno período de duração, sendo talvez a sua maior limitação, a nosso ver.

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7.5- Considerações finais Este trabalho apresenta uma síntese da experiência de educação permanente em osteopatia que se aproximou do dia-a-dia das equipes, mais especificamente do ato de cuidado clínico na APS, considerada relativamente exitosa pelos participantes.

Os saberes e técnicas osteopáticos foram disparadores de processos reflexivos que se deram através da vivência deste estilo de cuidado até então desconhecido pelos profissionais. Para tal, não foram utilizados muitos momentos teóricos, nem tampouco a separação dos grupos de aprendizagem em diferentes profissões, como é comum. Este cuidado pareceu facilitar a instrumentalização da avaliação e do agir profissional focado na totalidade de cada ser humano, recolocando a técnica em um 'segundo plano', no sentido de ficar em uma posição adequada, a serviço dos sujeitos, que a praticam ou acessam (ou não), com maior ou menor expertise.

O processo aqui apresentado e analisado parece ter conseguido motivar os profissionais a transformarem em algum grau seu agir profissional cuidador, o que pode vir a ter algum impacto no serviço, e sugere que pelo menos parte do conjunto dos saberes/técnicas da osteopatia podem e devem ser socializados/aprendidos/praticados pelas equipes de APS.

Futuras pesquisas são necessárias para melhor exploração dos limites e potencialidades da experiência acima sintetizada, que, sugerimos, devem considerar uma longitudinalidade da aprendizagem. Em certa medida, isso pode ser viabilizado via matriciamento de equipes de Saúde da Família (nos NASF, por exemplo), para o que recomendamos que o osteopata possua um vínculo permanente com a instituição. 8- Referências ABBEY, H; NANKE, L. Developing a chronic pain self-management clinic at the British School of Osteopathy: quantitative pilot study results. Int J Osteopath Med, v. 16(1), pp. 11-12, 2013. ANDRADE, L.M.B.; QUANDT, F.L., CAMPOS, D.A., DELZIOVO, C.R., COELHO, E.B.S., MORETTI-PIRES, R.O. Análise da implantação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família no interior de Santa Catarina. Saúde & Transformação Social, v. 3(1), pp. 18-31, 2012.

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9- Artigos: 9.1- Artigo 1: Osteopatia e Atenção Primária: uma relação desconhecida no Brasil Resumo

A principal contribuição da osteopatia ao bem estar coletivo apresenta-se historicamente na APS; todavia, nas últimas décadas, esse perfil tem se modificado. Nos Estados Unidos, na medida em que as formações estreitam laços com escolas médicas alopáticas, diminui-se a utilização de técnicas manuais osteopáticas e a preferência pela atuação no campo da APS entre os profissionais. No Brasil, a osteopatia foi reconhecida como Prática Integrativa e Complementar (PIC) recentemente no SUS; e, como tal, foi incentivada sua inserção na APS. As experiências iniciais estão ocorrendo por iniciativa de fisioterapeutas em serviços ambulatoriais especializados, envolvendo geralmente a atenção secundária e terciária. Nesse contexto, apresentamos e discutimos estratégias atualmente viáveis, porém, ainda não exploradas, de inserção desta abordagem na APS, atentando sobre as particularidades da osteopatia e as políticas do SUS. Estas estratégias, desafiam os profissionais osteopatas a considerarem metodologias de matriciamento e educação permanente no sentido da construção de um campo comum que além de incluir saberes e técnicas osteopáticas básicas, seguras e adequadas ao contexto multiprofissional da APS, favoreça a reformulação de conceitos, crenças e práticas medicalizantes comumente partilhados pelos profissionais da biomedicina. Palavras Chave: Osteopatia, Atenção Primária à Saúde, Práticas Integrativas e Complementares, Terapia Manual e Fisioterapia. Abstract

The purpose of this article is to discuss the osteopathic practice and its relationship with Primary Health Care (PHC) along time and its recognition in the Brazilian public health system (SUS). Historically, the main contribution of osteopathy to well being has been presented in PHC. However, the current approach to the biomedical model, when associated to allopathic medical schools (in United States), or through the exclusive performance of physiotherapists (in Brazil), generates a distance from osteopathy identity and from PHC. This is associated with the decrease of use of osteopathic manipulative treatment (OMT), among North American doctors, or reducing it to the use of OMT

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dissociated from its historical-philosophical context and its wide scope, in the SUS. In this context more attention should be devoted to develop the potential contributions of osteopathy to care in PHC, in the sense of building networks of care in osteopathy, using Brazilian technologies, such as matriciamento. This enables gradual recognition and socialization, of the osteopathic distinct clinic style in a common field, in the sense of multidisciplinary management of demedicalization, pluralization of care strategies and reduction of biomedical monoculture of care and its social, cultural and clinical iatrogenies. Key words: Osteopathy, Primary Health Care and Manual Therapy. Introdução

A osteopatia/medicina osteopática é definida como um sistema de cuidados à saúde centrado na pessoa, que inclui um senso altamente desenvolvido de toque como um componente significativo de estabelecimento de diagnóstico e conduta terapêutica. Nela se considera necessário um entendimento avançado da relação entre estrutura e função corporal e é aplicada para otimizar as capacidades de auto-regulação, visando a homeostase dos indivíduos por meio de mecanismos endógenos 1. A expressão composta usada acima “osteopatia/medicina osteopática” deve-se a que em alguns países, como nos Estados Unidos da América (EUA), a osteopatia é uma formação médica, enquanto que em outros é considerada uma profissão à parte, com formação independente da medicina 2.

No Brasil, a osteopatia foi reconhecida como ocupação pelo Ministério do Trabalho em 2013 e, em 2011, tornou-se especialidade da fisioterapia 3. No Sistema Único de Saúde (SUS), foi reconhecida como Prática Integrativa e Complementar (PIC) recentemente, havendo um incentivo para sua inserção na Atenção Primária à Saúde (APS), ou atenção básica4. Historicamente, os profissionais osteopatas apresentam uma predileção por atuação vinculada à APS, todavia este perfil tem apresentado alterações 5, 6, 7. Embora na literatura mundial exista abundante material acerca do tema, a incipiência da regulamentação e inserção da prática osteopática no SUS, os dilemas envolvendo sua identidade como profissão no Brasil e a inexistência de produção científica sobre o assunto, justificam uma discussão e contextualização da osteopatia no âmbito da APS, trazendo à luz e à reflexão da Saúde Coletiva esta prática até recentemente restrita ao mercado privado no Brasil.

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O objetivo deste ensaio é apresentar e discutir a prática osteopática especificamente em sua relação com a APS, explorando essa relação ao longo do tempo no contexto mundial e brasileiro, e identificando possibilidades e desafios de sua inclusão no SUS e na APS.

Uma vez que a osteopatia foi criada bem antes da construção da ideia de APS como a conhecemos hoje, nossa discussão explorou e se concentrou em convergências e conteúdos que destacam elementos e características comuns entre a osteopatia e a APS ao longo do tempo. Uma discussão propriamente histórica do nascimento e desenvolvimento da osteopatia foge ao escopo deste artigo, bem como, não é nosso objetivo o aprofundamento conceitual sobre aspectos da APS em si mesma. Assim, usamos doravante a expressão APS com um significado muito flexível, que oscila conforme o contexto histórico-social. Ela ganha ora um sentido restrito de serviços ambulatoriais comunitários de acesso direto (o que torna possível falar em APS no contexto norte-americano, onde a osteopatia foi criada), ora comporta um sentido abrangente vinculado à construção de sistemas de saúde públicos universais organizados em redes de serviços coordenados pela APS 8, como oficialmente se quer o SUS.

O texto está organizado em dois tópicos: 1) origens e características da osteopatia, organização profissional e institucional no mundo e no Brasil e 2) a osteopatia no SUS e na APS: o desafio do compartilhamento. Em 1) identificamos características comuns entre a Osteopatia e a APS e como tais características foram se desenvolvendo ao longo do tempo, segundo o contexto de alguns países em que esta prática é mais estruturada e antiga, até o presente momento, assim como vem sendo praticada no Brasil. Em 2) discutimos, propositivamente, formas possíveis de operacionalizar a inserção da prática osteopática no SUS.

Origens e características da osteopatia, sua organização profissional e institucional no mundo e no Brasil.

A osteopatia foi desenvolvida por Andrew Taylor Still, nos Estados Unidos, no fim do século XIX. Médico e cirurgião, com considerável interesse por mecânica e anatomia, e descrente dos métodos terapêuticos da medicina de sua época, percebeu que a flexibilização dos tecidos, por meio de técnicas manuais, contribuía para a manutenção da saúde de seus pacientes 7.

Em 1892, Still fundou a Escola Americana de Osteopatia (American School of Osteopathy - ASO) em Kirksville. Entre 1896 e

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1899, 13 faculdades de osteopatia foram abertas nos EUA. No início apresentavam algumas características típicas da APS como o primeiro contato e o acompanhamento longitudinal, pois, se estabeleciam em pequenas cidades e estados rurais do meio-oeste, isolados de maiores instituições de saúde e abrindo freqüentemente seus próprios hospitais de pequeno porte 9. Com a expansão das escolas de osteopatia, foi criado em 1901 a American Osteopathic Association (AOA), três anos antes do primeiro relatório da Americam Medical Association (AMA), instituição que viria gradualmente a regular as escolas médicas no país, incluindo escolas de osteopatia, após o relatório Flexner, de 1910, que avaliou as escolas médicas nos EUA segundo critérios biomédicos da época 7.

Mesmo sendo abertamente avesso à modalidade, Flexner manteve a osteopatia como escola médica em seu relatório, pois, observou que “na seita, os osteopatas eram treinados a reconhecer uma enfermidade e a diferenciar uma patologia da outra tão cuidadosamente quanto qualquer outro médico” 10. Esta investigação criteriosa somada à capacidade de abordar o indivíduo como um todo, se encontram nos alicerces da prática osteopática e convergem como os conceitos atuais de clínica ampliada 11.

Flexner observou também que as escolas de osteopatia tinham pouco investimento em infra-estrutura, poucos equipamentos, os alunos avançados ensinavam os mais novos em disciplinas teóricas, e a osteopatia, na prática, era aprendida através do acompanhamento direto de consultas de profissionais mais experientes 10. Tais relatos revelam a importância que a osteopatia atribui ao estudo dos sinais clínicos como referência para a tomada de decisão, dispensando muitas vezes a necessidade de exames de alta complexidade. Indica também a aprendizagem como uma forma de compartilhamento de experiências clínicas e não de protocolos e diretrizes rígidas e fechadas.

Outro tema observado neste material histórico, que converge com desafios atuais da APS, refere-se à confiança que os osteopatas tinham na promoção de saúde por meio do estímulo de mecanismos de autorregulação, bem como a resistência ao uso irracional de medicamentos (o que vale hoje, mesmo sendo os daquele tempo, outros). Ao visitar a ASO, Flexner destacou a existência de uma disciplina, composta por vinte seminários, que versavam sobre falácias da medicina alopática da época, tendo por intuito instrumentalizar os estudantes a não utilizar drogas nos tratamentos. Mesmo assim, encontrou diferentes pontos de vista sobre o uso ou não de fármacos no

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tratamento e uma unanimidade na aplicação de técnicas manuais entre os profissionais 10.

Como consequência de seu relatório, o ensino de osteopatia teve que se adequar aos padrões biomédicos por ele estabelecidos, sob a pena de fechamento das escolas. Devido à resistência e de amplos debates internos quanto ao uso ou não de fármacos, o ensino das disciplinas de farmacologia passaram a ser oficialmente ensinadas apenas em 1929. A regulamentação do uso de recursos médicos, incluindo procedimentos cirúrgicos, foi gradualmente conquistada por meio da submissão dos egressos a exames conduzidos pela AMA, recebendo titulação dupla de Diplomado em Osteopatia (DO) e de Doutor em Medicina (MD), com direitos ilimitados de prática profissional médica, que se mantém até hoje naquele país 7.

Embora nos Estados Unidos os profissionais osteopatas tenham conseguido legitimar socialmente e politicamente sua profissão, a prática enfrentou um percurso de discriminação que pode ser observado até hoje. Um exemplo foi a luta de médicos osteopatas para servirem ao seu país durante a primeira e segunda guerra 12. Outra batalha travada por osteopatas foi contra a discriminação das mulheres na formação médica nos EUA. Still acreditava na igual capacidade de homens e mulheres e manteve as portas abertas das faculdades de osteopatia, tendo seus cursos oferecidos sem distinção alguma para homens e mulheres 13.

Paralelamente ao processo norte-americano, em 1917, o escocês John Martin Littlejohn, formado na ASO, fundou o primeiro centro de treinamento de osteopatia na Europa, a Escola Britânica de Osteopatia, atuante até hoje. Forma profissionais osteopatas em nível superior (título de DO), que não realizam procedimentos cirúrgicos nem tampouco prescrevem fármacos 14. A osteopatia foi regulamentada como profissão de nível superior independente na Austrália, Nova Zelândia, França, Finlândia, Suíça e Inglaterra. Voltando ao contexto norte-americano, até a década de 1990, a maioria das graduações em osteopatia eram realizadas em instituições de ensino com fins sociais, separadas das escolas de graduação em medicina (alopáticas) 15.

As escolas de osteopatia não só apresentam sua identidade atrelada à APS, como constituem uma porção significativa da mão de obra nas áreas rurais 5. Chen et al. 16 verificaram que 58% dos médicos osteopatas atuantes em 2005, nos EUA, trabalhavam na APS sendo que somente 35% dos médicos alopatas estavam vinculados a APS. Miller et al. 17 demonstraram, em seu estudo voltado à identificação das características dos profissionais da APS, que ser formado em escolas de

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osteopatia aumenta em 2,3 vezes a preferência de profissionais homens por atuarem na APS e em 2,5 vezes de profissionais mulheres.

Todavia, este perfil tem apresentado mudanças. Nas últimas décadas houve um grande crescimento do número de escolas osteopáticas nos EUA. Estas novas escolas apresentam características distintas das escolas antigas, com formação realizada em hospitais e instituições médicas alopáticas, com aumento do tamanho das turmas, diminuição da importância do acompanhamento dos alunos na clínica ambulatorial e um envolvimento limitado na prestação de serviços à comunidade 6.

Ao estudar o desenvolvimento da educação norte-americana em osteopatia, Shannon e Teitelbaum 18 destacaram que nas últimas décadas foram reforçados os requisitos de acreditação, com inovações de currículo, treinamento baseado em evidências, maior investimento em pesquisa com técnicas manuais, novas faculdades em expansão e um aumento de 30% no número de estudantes de medicina osteopática. Ao mesmo tempo, o estudo apontou para um distanciamento recente dos osteopatas da APS, sendo observado um aumento da preferência por outras especialidades médicas entre os graduados 18.

Associado ao recente distanciamento da APS, uma pesquisa realizada com 3000 médicos osteopatas norte-americanos em 2001 mostrou diminuição do uso de técnicas manuais osteopáticas (TMO), sendo que 50% dos entrevistados afirmou utilizar TMO em menos de 5% das consultas 19. Segundo a OIA, em 2013, apenas um quarto dos médicos osteopatas passavam mais da metade do seu tempo de trabalho realizando técnicas manuais. Em contrapartida, dentre os osteopatas não-médicos mais de 90% gastavam metade do seu tempo de consulta utilizando técnicas manuais 2.

No intuito de ampliar a oferta de osteopatia pelo mundo e dar suporte aos países quanto à integração da prática osteopática nos sistemas de saúde públicos, a Organização Mundial de Saúde, em 2010, publicou o documento Benchmarks for Training in Osteopathy20. O documento apresenta conteúdos e competências mínimas para a formação adequada na área e é indicado como referência para os países no processo de regulamentação da osteopatia. Ele indica dois modos de formação em osteopatia. A primeira, direcionada a estudantes sem prévia graduação na área da saúde, possui carga horária mínima de 4000 h, incluído 1000 h de treinamento clínico supervisionado. Os conteúdos abrangem desde questões anatômicas, fisiológicas e patológicas até os princípios e técnicas osteopáticas. A segunda formação é indicada à profissionais com formação anterior na área da saúde. A duração e o

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conteúdo dependem das experiências e conhecimentos prévios dos profissionais. Tipicamente tem uma duração de 1000 h, com o objetivo de atingir as mesmas competências dos formados segundo o primeiro modelo 20.

No Brasil, em 1986, há registros das primeiras formações em osteopatia 21. Estes cursos foram acolhidos e frequentados, em sua maioria, por profissionais com graduação prévia em fisioterapia. Em 1988, foi criada a Sociedade Brasileira de Osteopatia, primeira organização sem fins lucrativos com o objetivo de representar os osteopatas no país. Em 2000, seus membros criaram o Registro Brasileiro de Osteopatia (RBrO), na tentativa de regulamentar a profissão. Atualmente, o RBrO pertence à Osteopathic International Association (OIA) 21.

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei PL 2778/2015, que reconhece a osteopatia como um ramo específico de cuidado à saúde, prevendo a regulamentação da profissão de Osteopata. O projeto recebeu dois pareceres favoráveis. Em contrapartida, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) publicou em seu site oficial, uma nota para estimular a rejeição da matéria, contrário à profissionalização da osteopatia bem como da quiropraxia 22.

No SUS, a osteopatia foi recentemente reconhecida como Prática Integrativa e Complementar (PIC), o que incentiva a sua inserção na APS. Considerando que a osteopatia ainda não foi regulamentada como profissão e a fisioterapia já tem seu espaço no SUS, ficou reservada aos fisioterapeutas, que possuem formação em osteopatia, a possibilidade e a tarefa de inserir e exercer esta prática no SUS 4.

Um estudo recente, realizado em cinco grandes cidades, sobre a inserção das PIC no SUS, aponta que as ofertas da osteopatia se encontram em serviços especializados, recebendo encaminhamento de outros serviços, sem integração com a APS 23. Isto pode ser compreendido considerando que, estando a prática osteopática restrita a ação de fisioterapeutas, sua identidade se mistura com as origens da fisioterapia e por isso passa a seguir os seus mesmos caminhos. Historicamente, a fisioterapia se desenvolveu no contexto da reabilitação, ficando mais presente nos níveis secundários e terciários da atenção à saúde e, portanto, distante da APS24. Em contrapartida, no Brasil praticamente todos os osteopatas tem formação prévia em fisioterapia, isto traz uma peculiaridade e uma singularidade ao desenvolvimento desta profissão no país. Uma vez que estas são duas importantes vertentes sobre a análise e abordagem do movimento, este

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encontro pode contribuir com a potência e abrangência terapêutica de ambas. Junta-se por exemplo o pragmatismo da fisioterapia baseada em envidências destacando sua eficiência em suas especialidades (na sua maioria voltada a problemas musculo-esqueléticos), com o olhar centrado na pessoa e atento ao estímulo dos mecanismos fisiológicos de auto regulação e de clínica abrangente voltando-se aos problemas mais prevalentes do dia a dia da população (naturais de origem de generalista da clínica osteopática).

O trabalho desses fisioterapeutas osteopatas no SUS é pioneiro e de grande valia para a população. Todavia, encontra-se ainda limitado aos serviços ambulatoriais especializados, gerando duas consequências imediatas. A primeira é restringir o acesso à abordagem osteopática à casos referenciados de patologias já estabelecidas e muitas vezes cronificadas, o que diminui os benefícios da intervenção. A segunda é a restrição da aplicação destes saberes à problemas relacionados ao sistema músculo-esquelético, esquecendo-se de que a prática osteopática tem como objeto de intervenção o reestabelecimento da capacidade de auto-regulação ou auto-cura do organismo todo e isto está, antes de mais nada, centrado na pessoa e não na patologia que ela apresenta e pode ser aplicada para contribuir em diversas outras ações de saúde.

O artigo de Gurgel et al 25 exemplifica a reflexão sobre o emprego da osteopatia no SUS, na perspectiva da fisioterapia. Estes autores reconhecem a osteopatia, por definição, como uma abordagem que transcende a visão fragmentada do ser humano. Mencionam que a osteopatia possui formas distintas de estabelecer uma relação clínica, sendo uma forma de tratamento não medicamentoso, que considera aspectos sociais, psicológicos e mantém o foco na saúde e não apenas na doença. Na medida em que sugerem espaços e contextos para introdução da prática osteopática, concluem que a abordagem se apresenta como um método aplicável no tratamento fisioterapêutico de indivíduos que sofrem de distúrbios osteomioarticulares e ortopédicos. Esta conclusão reforça o direcionamento de esforços na aplicação da osteopatia voltada a tais patologias, o que, para a fisioterapia é positivo, pois amplia as ferramentas e inclui a complexidade necessária para o aumento da resolutividade dos serviços ambulatoriais especializados em problemas músculo-esqueléticos. Por outro lado, nossa argumentação ilumina possíveis contribuições da osteopatia que não necessariamente se misturam com as origens da fisioterapia, mas que, como visto anteriormente, pertencem à sua identidade, sendo observadas ao longo de seu percurso histórico e que podem contribuir para o fortalecimento da APS.

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Os pesquisadores internacionais, atentos à crise atual de identidade da osteopatia, concordam que o afastamento da APS implicaria em uma perda dos benefícios desta prática para a população 6,

18. Como estratégias de superação, apontam para duas questões essenciais: a primeira é estimular a reflexão sobre os princípios osteopáticos, sua origem e sobre as particularidades da osteopatia em relação ao modelo biomédico, abordadas também neste artigo. A segunda refere-se à conservação e desenvolvimento dessas peculiaridades, como, por exemplo, através de estratégias de educação permanente voltadas aos profissionais, no sentido do constante compartilhamento de suas habilidades manuais e clínicas 6, 18, sendo este um dos objetivos da tese de doutorado em saúde coletiva da qual esse artigo faz parte 26. As estratégias buscam revitalizar a aprendizagem por meio do toque clínico, conhecido na comunidade osteopática como estilo clínico hands on. Neste contexto, profissionais que compartilham e inclusive recebem cuidados osteopáticos de colegas e professores antes e durante suas formações, referem mais confiança nas TMO e as utilizam mais em suas práticas clínicas quando formados 27, 28.

É notória a aproximação e a convergência entre os princípios/características da osteopatia e da APS, principalmente no que se refere à busca de métodos clínicos comuns centrados na pessoa, como o desenvolvido pelos médicos de família e comunidade 29, as discussões brasileiras sobre a necessidade de uma clínica ampliada e compartilhada 30, e a construção da integralidade na abordagem dos usuários na atenção básica 31. Desta forma, parece-nos que a inserção da osteopatia no SUS deva transcender questões voltadas apenas a reabilitação de problemas músculo-esqueléticos, e se direcionar no sentido da construção de ações que contribuam para o fortalecimento da APS nas características acima destacadas.

Além disso, osteopatas estão atentos e desenvolveram saberes para a superação ou evitação de alguns efeitos adversos de serviços e cuidados biomédicos, que são desafios cotidianos importantes para os profissionais da APS. Exemplos são o reconhecimento dos efeitos nocebo, que podem perpassar o relacionamento clínico 32; o fenômeno da catastrofização, ou antecipação do sofrimento dos pacientes 33; o medo do movimento ou cinesiofobia 34 e a consequente piora nos quadros clínicos. Para atenuá-los, os osteopatas procuram estimular a manutenção do movimento e atividades físicas e comportamentos de enfrentamento ativo para as queixas e problemas. Também constroem estratégias terapêuticas que reinterpretem os sinais semiológicos no sentido da desconstrução de crenças limitantes e do gradual

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encorajamento a retomada de atividades 35, 36. Estas percepções e conceitos são importantes para o manejo e evitação da cronificação de problemas, por vezes, induzidos pelos serviços de saúde, relacionados à recomendação de afastamento de atividades ou a incertezas frente a capacidade fisiológica de adaptação e remodelamento tecidual, cada vez mais comuns em populações mais envelhecidas e cada vez mais sedentárias. Estas convergências tecnológicas e conceituais entre osteopatia e APS são discutidas em outro momento 37.

A osteopatia no SUS e na APS: o desafio do compartilhamento.

Como já mencionado, as primeiras inserções da osteopatia no SUS estão na atenção secundária e terciária, em serviços de fisioterapia especializados. Todavia os princípios, saberes e técnicas da osteopatia possuem grande potencial para enriquecer os recursos de cuidado da APS, aumentando sua resolutividade e diminuindo a demanda para os outros níveis de atenção. A inserção direta de profissionais da osteopatia na APS fica dificultada, pois demandaria acréscimo de profissionais às equipes, em um contexto de grande subdimencionamento da APS, com poucos profissionais, com precária qualificação - apenas 4 mil médicos de família e comunidade em aproximadamente 40 mil equipes de saúde da família, cobrindo apenas cerca de 65% da população brasileira, o que induz uma priorização de ampliação de profissionais biomédicos (médicos e enfermeiros) e de suas equipes38. A inserção da osteopatia na APS brasileira não é simples e sua contribuição ao cuidado profissional ali realizado ainda está por ser explorada. Precisa ser construída, aceitando-se a hipótese, amplamente difundida internacionalmente, de que esta prática é tecnologicamente e historicamente adequada a este ambiente assistencial. Algumas possibilidades institucionais para esta inserção já estão dadas pela intersecção entre a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, a atuação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família e a Política Nacional de Educação Permanente. Estas possibilidades tem em comum, o compartilhamento de saberes, no sentido do fortalecimento de um entendimento comum, que estreite laços e ações profissionais.

A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) estimula a ampliação da oferta de PIC no SUS, em geral antes relativamente restritas ao setor privado, com ênfase na atenção básica, onde já estão mais presentes. A PNPIC prevê o desenvolvimento de estratégias de qualificação em PIC para profissionais do SUS já em atividade, em caráter multiprofissional e em conformidade com os princípios e diretrizes da Educação Permanente em Saúde (EPS) 39.

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A Política Nacional de Educação Permanente (PNEP) procura estimular nas equipes de trabalho um ambiente de constante aprendizagem dentro das práticas profissionais. Em outras palavras, procura trazer para a aprendizagem a realidade do trabalho, e para o ambiente de trabalho um contexto de aprendizagem. A PNEP visa também superar a lógica do saber estanque, pautado em verdades absolutas e fragmentada em especialidades ou profissões. Nessa lógica, as técnicas e recursos terapêuticos passam gradualmente a ser compartidas entre os profissionais, no que possam ser socializáveis 40.

Os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), por sua vez, propõem superar a lógica fragmentada da área da saúde para a construção de redes de atenção e cuidado, de forma corresponsabilizada com a Estratégia Saúde da Família (ESF). Visam ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade, contribuindo para a integralidade do cuidado aos usuários 41. A organização e o desenvolvimento do processo de trabalho do NASF envolve, para além do exercício do cuidado especializado aos usuários (realizado pelos profissionais dos NASF), processos de parceria, comunicação entre os profissionais dos NASF e da saúde da família, aprendizado e educação permanente mútua, responsabilidade assistencial compartilhada e construção conjunta e colaborativa de planos terapêuticos multiprofissionais. Este conjunto de ações foi chamado de matriciamento ou apoio matricial 30, 41. Estas tecnologias se apresentam como soluções no sentido da superação de um modelo cindido em especialidades, todavia, na prática, a efetivação do NASF apresenta dois relevantes obstáculos. O primeiro inclui a lacuna na formação dos profissionais da saúde no que se refere ao domínio de conhecimentos relacionados a estratégias de aprendizagem e de compartilhamento. Esse aspecto apresenta-se ainda mais evidente quando nos referimos a educação permanente, uma vez que a maior parte da formação destes profissionais se deu em modelos de educação continuada, principalmente embasada em conteúdos previamente determinados e geralmente distantes do processo de trabalho. O segundo refere-se a dificuldade de se reservarem momentos, dentro do serviço, para o compartilhamento entre profissionais. Ambos obstáculos impactam diretamente na ação dos profissionais do NASF, que por força do hábito, acabam atuando apenas como sua formação de base prevê, ou seja, isolados em suas especialidades, com pequena interação com a equipe multiprofissional42.

Esta problemática também merece atenção nas iniciativas em osteopatia no contexto do NASF, pois, existe a tendência e a tradição

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dos osteopatas, do Brasil e do mundo, para um trabalho solitário e isolado, possuindo ainda poucas experiências de inserção da práticas em sistemas amplos de saúde em relação as profissões de base biomédicas. Dados mostram que 39% dos médicos osteopatas e 43% dos osteopatas atuam isoladamente em consultórios privados, e outros 30% tem atuação conjunta também em consultórios particulares com apenas um ou dois parceiros2. Pesquisa realizada sobre a clínica osteopática apontou para pouco compartilhamento entre osteopatas e outros profissionais, atribuído ao fato da grande maioria dos profissionais trabalharem em consultórios isolados. Todavia, demonstrou que os osteopatas possuem uma racionalidade distinta das outras profissões, constituindo uma contribuição única na tomada de decisão multiprofissional. Os autores levantaram a necessidade de somar ao processo de formação de osteopatas capacitações sobre abordagens que envolvam a construção compartilhada de condutas clínicas e o compartilhamento de conhecimentos para estimular trabalho em equipe multiprofissional43.

É sabido que o compartilhamento e construção de conhecimentos comuns podem gerar um tensionamento das grupalidades corporativas. Para compreender e atenuar a tendência à divisão e fragmentação de saberes e práticas, sem diluir a especificidade dos mesmos, redirecionando as práticas profissionais em um sentido mais colaborativo e interdisciplinar, é desejável a utilização de conceitos como o de campo e núcleo de saber e competência. O núcleo de saber conforma as identidades profissionais, o que é próprio e característico de uma profissão, havendo uma aglutinação de conhecimentos e práticas e determinados padrões de compromisso com a produção de saúde. O campo, por sua vez, pode ser definido como um espaço de interseção entre os saberes/práticas especializados (dos núcleos), com o foco nas necessidades contextuais, havendo assim uma sobreposição dos limites entre cada especialidade e cada prática, e onde todo profissional de saúde poderia atuar, independentemente de sua categoria ou formação45.

As primeiras inciativas, realizadas em ambulatórios especializados em osteopatia, sejam eles ambulatórios didáticos (coordenados por escolas de osteopatia) ou conduzidos por fisioterapeutas especialistas (nos serviços especializados de fisioterapia do SUS), constituem e desenvolvem o núcleo do saber osteopático. Resta construir o campo comum de cuidado entre os osteopatas e as equipes de APS, a ser enriquecido com saberes e técnicas da osteopatia. Nesse sentido, os profissionais osteopatas se empenhariam na construção de redes de atenção e cuidado que integrem, por meio do matriciamento e estratégias de educação permanente, partes

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socializáveis dos saberes/técnicas osteopáticos com o trabalho das equipes de saúde da família (SF). As equipes de SF, por sua vez, seriam gradualmente sensibilizadas e instrumentalizados com saberes e técnicas osteopáticas básicos e aplicáveis no seu cotidiano, tendo como referência os profissionais do NASF e os ambulatórios de osteopatia.

Esboçadas estas possibilidades de inserção, cabe uma reflexão sobre a dificuldade de integração dos serviços em redes de atenção à saúde. Merhy46 observa que ao contrário do que se possa pensar, as redes de atenção no SUS possuem um compartilhamento competente e coerente de informações das ações envolvidas na produção de cuidado. Todavia tal compartilhamento infelizmente se dá no sentido de uma intensa medicalização da vida e de um deslocamento do cuidado profissional para interesses privados das diferentes especialidades. O que se compartilha encontra-se no imaginário dos profissionais, incluindo as crenças que envolvem diagnósticos e possíveis prognósticos geralmente ruins, o que gera medos, distanciamentos, limitações e angustias tanto nos usuários quanto nos profissionais. Neste contexto, cada grupo profissional estabelece e difunde suas próprias soluções, gerando assim protocolos, algo como uma linha de produção de cuidados para cada diagnóstico. O problema existe quando, por interesse privado, grupos especializados difundem narrativas (científicas ou populares) que geram demanda por suas soluções, sem considerar a integração ao sistema de saúde, incluindo o acesso, a eficácia e a autonomia dos envolvidos. Aplicando essa consideração à osteopatia, surge a questão: o que os osteopatas querem compartilhar no SUS para o campo comum de cuidado?

Ao realizar matriciamento e educação permanente, alguns caminhos podem se abrir. Estes podem estar enraizados em interesses privados, no sentido do favorecimento ou expansão de uma clientela específica para os osteopatas, o que torna inviável o oferecimento amplo deste serviço na APS, considerando o subdimensionamento desta. Assim, a osteopatia seria mais uma especialidade a disputar espaço entre outras profissões, no SUS ou fora dele. Em contrapartida, outros caminhos podem convergir com a desmedicalização possível dos cuidados, promovendo gradual aumento de autonomia dos profissionais generalistas da APS e dos usuários. Isso pode se dar no sentido de um compartilhamento de saberes, narrativas e técnicas capazes desconstruir o imaginário assustador compartilhado. Este imaginário distancia os profissionais do contato com o outro, caracterizado como um trabalho vivo, e o aproxima da um trabalho morto, caracterizado pela aplicação de protocolos de forma mecânica e distante dos usuários46.

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Vale colocar aqui, que existem muitos espaços a serem explorados, no sentido de estratégias de fortalecimento do trabalho multiprofissinal nesses moldes. Um proposta de compartilhamento foi testada em uma pesquisa que envolveu estratégias de educação permanente em técnicas e saberes osteopáticos com equipes de SF e profissionais do NASF (em esquemas de oito encontros semanais sucessivos, com carga horária de 32h). Como resultados parciais preliminares, os profissionais participantes relataram um fortalecimento do trabalho em equipe multiprofissional, associado a um novo entendimento, comum e de fácil compreensão, sobre temas como integralidade na saúde, clínica ampliada, acompanhamento de questões crônicas e sobre o impacto da utilização da abordagem osteopática na conformação do serviço de APS26.

Considerações finais

Ao socializar seu saber, os profissionais da osteopatia abrem diálogo com as outras profissões, servindo como referência em seu núcleo de saber, o que possibilita o reconhecimento da osteopatia como estilo clínico singular, que abre possibilidades para a tomada de decisão quanto ao uso racional de exames complementares, medicamentos, intervenções cirúrgicas, bem como estabelecimento de planos terapêuticos envolvendo de promoção, prevenção e reabilitação com o respaldo das equipes multiprofissionais.

Sugerimos que uma maior atenção deve ser dedicada aos potenciais de contribuições da osteopatia e suas TMO ao cuidado na APS, via matriciamento, no sentido de ampliação e singularização da clínica pelas equipes da ESF, desmedicalização parcial das interpretações e tratamentos, pluralização das formas de cuidado e diminuição da monocultura biomédica e suas iatrogenias sociais, culturais e clínicas 47.

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8.2- Artigo 2

Contribuições da osteopatia para o cuidado na atenção primária à saúde brasileira

Resumo (até 140 palavras)

Este ensaio discute relações da osteopatia com a atenção primária à saúde (APS), enfocando a contribuição dos conhecimentos e técnicas osteopáticas ao cuidado clínico na APS. Tais contribuições incluem: melhoria da qualidade da relação clínica, no sentido da construção de narrativas compartilhadas sobre os adoecimentos; diversificação interpretativa, com melhor consideração de aspectos psicossociais, laborais e comportamentais; diversificação terapêutica, com estímulo a mecanismos endógenos de auto-regulação, via técnicas manuais osteopáticas; estímulo à participação no cuidado e à autonomia dos usuários; redução da hipermedicalização do cuidado e do excesso de exames complementares; superação da catastrofização (geração de crenças limitantes com piores prognósticos). Por fim, discutimos brevemente a operacionalização da aproximação dos saberes e técnicas osteopáticas da APS brasileira, via matriciamento e educação permanente.

Palavras Chave: Osteopatia, Atenção Primária à Saúde, Catastrofização e Medicalização. Potential contributions of osteopathy to care in primary health care in the Brazilian context Abstract: This essay discusses the relationships between osteopathy and primary health care (PHC), focusing on the contribution of osteopathic approach to the multidisciplinary care in PHC. Such contributions include: improving the quality of the clinical relationship, in the sense of building shared narratives about illness; interpretative diversification, with better consideration of psychosocial, labor and behavioral aspects; therapeutic diversification, with stimulation to endogenous mechanisms of self-regulation; stimulating participation in the care and autonomy of patients; reduction of hypermedicalization of care and excess of complementary exams; overcoming catastrophization (generation of limiting beliefs with worse prognoses). Finally, we briefly discuss possibilities of operationalization of osteopathic knowledge and

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techniques in the Brazilian National Heath System PHC, through permanent education and matriciamento (concept that aims to build a common understanding including the sharing of technical tools among different health professions from multiprofessional health teams). Potenciales contribuciones de la osteopatía para el cuidado en la atención primaria a la salud en el contexto brasileño Resumen: Este ensayo discute posibles contribuciones del enfoque osteopático para el contexto multiprofesional de la atención primaria a la salud. Tales contribuciones incluyen: mejorar la calidad de la relación clínica, en el sentido de construir narraciones compartidas sobre la enfermedad; diversificación interpretativa, con una mejor consideración de los aspectos psicosociales, laborales y de comportamiento; diversificación terapéutica, con estimulación de mecanismos endógenos de autorregulación; estimular la participación en el cuidado y la autonomía de los pacientes; reducción de la hipermedicalización y exceso de exámenes complementarios; superar la catastrofización (generación de creencias limitantes con peores pronósticos). Finalmente, discutimos brevemente las posibilidades de operacionalización de conocimiento y técnicas osteopáticas en el sistema nacional de salud brasileño, a través de educación permanente y matriciamento. Palabras clave: Osteopatía, Atención Primaria, Catastrofización. Introdução

A osteopatia pode ser definida como um sistema de cuidados à saúde centrado na pessoa, que inclui um senso altamente desenvolvido de toque como um componente significativo de estabelecimento de diagnóstico e conduta terapêutica. Ela inclui um entendimento avançado da relação entre estrutura e função corporal e é aplicada para otimizar as capacidades de auto-regulação, por meio de mecanismos endógenos1, geralmente com uso das técnicas manuais osteopáticas (TMO): técnicas de palpação e manipulação corporal dos usuários desenvolvidas pela osteopatia, usadas como formas de diagnose e tratamento.

Nos Estados Unidos da América (EUA), seu berço originário, a osteopatia é hoje uma formação médica. Em outros países, como Inglaterra, Nova Zelândia, Austrália e França, é considerada uma profissão de nível superior. Em ambos os casos há em comum o uso das

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TMO e a aplicação dos ‘princípios osteopáticos’, como referência para a conduta clínica.

A osteopatia é reconhecida historicamente por sua proximidade com a APS nos países em que é mais antiga. Nos EUA, Miller2 constatou que ser formado em escolas de osteopatia aumenta em 2,3 a 2,5 vezes a preferência de profissionais médicos por atuarem na Atenção Primária à Saúde (APS). Relatório publicado pela Osteopatiac International Alience (OIA), em 2014, apontou que 60% dos médicos osteopatas atuam na APS ou como generalistas3. As escolas de osteopatia apresentam sua identidade atrelada a APS e formam uma porção vital da mão de obra nos sistemas de saúde nas áreas rurais4. Todavia, nos EUA a osteopatia tem intensificado recentemente sua aproximação com escolas de medicina. Um dos efeitos imediatos dessa aproximação foi um distanciamento da APS, bem como das TMO5,6. Pesquisadores deste fenômeno ressaltam que para que a osteopatia continue contribuindo para o bem estar da população, ela deva se manter essencialmente na APS. Consideram também a importância de um esforço com foco na diferenciação da osteopatia em relação à biomedicina e no fortalecimento de seu vínculo com a APS. Defendem que sejam revisitadas suas origens, particularidades e estilo clínico, no intuito de nortear o desenvolvimento de novos contextos de educação, intervenção e produção de conhecimento científico osteopático7,8,9.

No Brasil, há alguns anos, a osteopatia foi reconhecida como uma especialidade da fisioterapia10. No SUS, ela foi reconhecida como prática integrativa e complementar (PIC) em 201711. Essa entrada no SUS é recente e pode se desenvolver em várias direções. As experiências iniciais estão ocorrendo por iniciativa de fisioterapeutas em serviços ambulatoriais especializados e sem conexão com a APS12. Provavelmente isso está associado à dificuldade da osteopatia de se expressar em sua abrangência, por estar, aqui no Brasil, atrelada à herança da fisioterapia, que têm seu principal enfoque na reabilitação de problemas musculo-esqueléticos13.

Este ensaio apresenta e discute algumas relações da osteopatia com a APS, enfocando especificamente contribuições dos saberes/técnicas osteopáticos para o cuidado na APS. Tanto saberes osteopáticos quanto evidências científicas foram considerados na seleção e interpretação da literatura usada; assim como reflexão derivada de experiência de educação permanente com osteopatia na APS por três anos.

Usamos a expressão APS de modo flexível, que oscila conforme o contexto de sua aplicação, ganhando ora um sentido restrito de

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serviços ambulatoriais generalistas e de cuidado longitudinal de acesso direto pelos usuários (que torna possível falar, com restrições, que não prejudicam a discussão aqui produzida, em APS no contexto norte-americano), ora em um sentido abrangente vinculado à sistemas públicos universais de saúde com APS forte, como se quer o SUS14. Tomamos como referência os trabalhos de Bárbara Starfield sobre a APS, reconhecida mundialmente14,15,16.

O texto está organizado articulando temas dos dois campos de saber/prática: os princípios basilares da osteopatia e os atributos da APS, conforme Starfield14, e destaca aspectos em que os saberes e técnicas da osteopatia podem contribuir para o cuidado na APS.

Desafios e motivações (parcialmente) semelhantes

Embora nascidas em épocas e realidades muito distintas, a osteopatia e a APS se constituem à partir de críticas à clínica biomédica, que, com efeito, as aproximam. Still17, médico criador da osteopatia no fim do século XIX, era ferrenho combatente de intervenções exógenas (farmacológicas), típicas da biomedicina. Acreditava que a osteopatia era um sistema independente da medicina, que poderia ser aplicado à todas as condições de saúde. No início de seu primeiro livro, Philosophy of Osteopathy, de 1899, Still distancia a osteopatia da prática clínica convencional, baseada em fármacos e outras intervenções exógenas, e observa que a prática médica de seu dia-a-dia era ineficaz e às vezes prejudicial ao paciente: “ao invés de obter melhoras, obtive muitos danos com isso ... as drogas e eu estamos tão longe quanto o Oriente está do Ocidente; agora e para sempre17(p.8).

A APS, muito mais tardiamente, nasce da necessidade de superar deficiências da biomedicina, muito especializada, cara, intervencionista e fragmentada no cuidado14. Ela procura responder às crises decorrentes da elevação dos gastos em saúde, do insuficiente impacto do modelo médico hegemônico na melhoria de qualidade de vida e saúde da população e ao aumento das iniquidades sociais em saúde18. As mudanças no padrão de morbimortalidade, com diminuição das doenças infectoparasitárias e aumento das crônicas19,20 têm imposto novos desafios à organização dos cuidados clínicos, que a APS tem sido reconhecida como potente para enfrentar15, incluindo a universalização do cuidado profissional à saúde e a redução dos danos iatrogênicos, frequentes e importantes21, motivação também do fundador das osteopatia.

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Uma tecnologia adequada à APS

A importância dada às chamadas ‘tecnologias leves’22 na APS, com ênfase na relação interpessoal em detrimento de um tecnicismo duro, baseado em exames complementares, fármacos e protocolos, permeia diversas aproximações entre a osteopatia e a APS.

O conhecimento osteopático fundamenta-se em três princípios: 1) o corpo é uma unidade integrada; 2) o corpo possui capacidade de auto-regulação e autocura; 3) estrutura e função se interrelacionam7. A APS, por sua vez, tem como seus atributos várias características: acesso de primeiro contato, longitudinalidade, integralidade da atenção, coordenação da assistência, atenção centrada na família, orientação comunitária e competência cultural dos profissionais14. Embora aparentemente não relacionados, a operacionalização dos três princípios osteopáticos nas suas TMO reforçam e fomentam a concretização harmoniosa dos atributos da APS.

Na APS, o aspecto relacional entre profissional e usuário é imprescindível para a construção de um vínculo que possibilite uma relação longitudinal do cuidado ao longo da vida; para que a APS seja o centro dos cuidados profissionais e coordene a ação de outras especialidades. A clínica da APS se aprofunda no conhecimento do outro, da família, da cultura e da comunidade, investigando a gênese dos problemas, integrando promoção de saúde, prevenção, cuidado clínico e reabilitação14.

Starfield defende uma relação de cuidado centrado na pessoa, o que leva a considerar a perspectiva do usuário sobre sua realidade, suas queixas e suas estratégias de cuidado, bem como a tomada de decisão compartilhada, com consequente postura mais participativa por parte do usuário e melhores desfechos de saúde16.

O primeiro principio da osteopatia indica a necessidade de se compreender o ser humano como um todo integrado em seu contexto, e ressoa convergindo com os atributos da APS, principalmente no que se refere a abordagem centrada na pessoa, à integralidade e à discussão sobre a necessidade de uma clínica ampliada na APS23,24. Embora a generalidade desse princípio possa ser considerada, à uma primeira e superficial vista, um apelo discursivo genérico e um lugar comum ‘politicamente correto’ na área da saúde, ele não deve ser subestimado. Suas respectivas práticas clínicas pressupõem tacitamente as características desejáveis acima e as concretizam em significativa medida, conforme evidenciado adiante. Isso mostra a convergência na prática (para além da teoria) da osteopatia com as necessidades de

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qualidade relacional e de abordagem clínica explicitadas nas discussões da APS e da saúde coletiva. Estudos empíricos internacionais (na falta de nacionais) apontam para a concretude deste princípio nos atos clínicos dos osteopatas25,26,27,28.

Escolas médicas osteopáticas nos EUA dão maior ênfase no desenvolvimento de habilidades de comunicação interpessoal quando comparadas com as escolas médicas alopáticas29. Os osteopatas são significativamente mais propensos do que seus pares alopatas a descrever as suas condutas como sendo mais sócio-emocionais, que tecnocientíficas30. Médicos osteopatas são mais propensos a usar o primeiro nome dos pacientes, explicar fatores etiológicos e discutir os aspectos sociais, familiares e emocionais dos adoecimentos que seus colegas alopatas31. Os osteopatas consideram a abordagem osteopática essencialmente voltada à APS, baseada no uso de técnicas de manipulação e na relação médico-paciente, adotando uma conduta centrada na pessoa e um estilo clínico influenciado pelo contato físico, nomeado como “hands-on style”32.

Para os usuários, a prática osteopática considera uma visão ampliada do fenômeno saúde-doença e inclui estratégias de educação e tomada de decisão compartilhada nos atos clínicos28. Na perspectiva de estudantes e profissionais osteopatas, a prática se mantém associada a uma abordagem holística27. Fomento do entendimento mútuo e da autonomia

A osteopatia e a APS apresentam uma ênfase na construção de tecnologias leves que consigam promover autonomia, no sentido da conquista de habilidades que instrumentalizem os sujeitos para o manejo de suas próprias questões de saúde, sejam elas relacionadas a doenças ou a conquista/manutenção de boa qualidade de vida. O segundo princípio osteopático refere-se a isto na medida em que considera a capacidade inerente do organismo de se autocurar ou encontrar caminhos de adaptação, evidenciando um olhar fisiológico sobre a saúde e não apenas sobre a doença. Este princípio, juntamente com as TMO, aproxima a osteopatia de condutas que favorecem mecanismos de regulação, recuperação e autocura endógenos, como é comum em várias PIC33, sendo especialmente importante tanto para as situações agudas comuns na APS como nas cada vez mais comuns situações crônicas.

Para Still34, o trabalho de cura é realizado pela natureza: “a natureza não tem apologias a oferecer. Ela faz o serviço” (p. 22). A função do osteopata é reconhecer e flexibilizar o que impede a natureza

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de realizar o seu trabalho34. Ou seja, por meio da palpação, o profissional investiga a mobilidade natural dos tecidos e sua função em relação aos demais, incluindo a análise da mecânica e da fisiologia corporal, sem perder de vista a totalidade do sujeito. Vale notar que exploração dos mecanismos fisiológicos e de regeneração/adaptação endógenos, muitos deles conhecidos e descritos na fisiologia e demais saberes biomédicos, é muito pouco desenvolvida na biomedicina como terapêutica. Ao contrário, como é sabido, esta última centra-se nas patologias ou síndromes e em terapêuticas geralmente exógenas, artificiais ou alheias a ecologia e economia do organismo, como a farmacoterapia e a cirurgia35.

Este segundo princípio sugere que os saberes e técnicas osteopáticas podem contribuir para um melhor manejo clínico do fenômeno da medicalização social36, entendido como um processo que envolve a perda gradual da capacidade da população em lidar de forma autônoma com grande parte de seus problemas de saúde. Tal processo tem se agudizado, sustentado pela influência e prestígio do desenvolvimento tecnológico duro, centrado em gestão e controle tecnocientíficos dos riscos individuais via fármacos, o que é especialmente importante para a APS37.

Através de um estudo semiológico minucioso da mobilidade, da consistência e da tensão dos tecidos, por meio da palpação, da visualização da anatomia e das informações dos pacientes, o osteopata constrói seus referenciais para o acompanhamento de cada caso. Este estudo dos sinais e sintomas envolve um constante feedback do paciente, o que leva a um compartilhamento de informações, miscigenando linguagens e narrativas técnicas com as sensações e repertórios dos pacientes. Isso facilita o entendimento mútuo e a pactuação de estratégias terapêuticas e de acompanhamento38.

Excluídos os casos de urgência (amplamente reconhecidos na formação e prática osteopáticas), ao direcionar a atenção clínica para a percepção dos potenciais de auto-regulação, a abordagem osteopática promove um deley, uma parcimônia temporal, uma consideração criteriosa no ato de atribuir prognósticos e acessar procedimentos invasivos, reforçando a atitude clínica de promoção de saúde e a terapêutica através das TMO, de modo a aguardar e acompanhar a ‘natureza’ fazer o seu trabalho. Isso tem relação íntima com a demora permitida ou observação assistida39, com o valioso diferencial de que se pode via osteopatia, potencializá-la através do estímulo da autocura por meio das TMO. Assim, não só seria facilitada a prática da demora permitida na APS, mas também ela seria transformada em cuidado

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clínico, o que seria um significativo avanço simbólico e prático. Isso pode suprir sensações de vazio terapêutico, relativamente comuns em profissionais e usuários, quando está indicado aguardar e observar. Há aqui um encaixe feliz e necessário entre as TMO e a APS, já que as primeiras são estímulos à auto-regulação e autocura, foco em que a biomedicina é relativamente pobre. Isso fica destacado frente à grande prevalência de quadros inespecíficos, iniciais e ou inexplicáveis medicamente (estes últimos estimados em até 30% dos problemas novos trazidos à APS40).

O terceiro princípio osteopático também contribui com a construção de autonomia ao considerar a importância de se avaliar a relação entre estrutura e função, que implica em considerar na análise clínica uma contextualização centrada nas cargas e estímulos vivenciados nas atividades, rotinas e costumes de cada pessoa.

Still considerava que o sistema musculoesquelético no seu aspecto estrutural (“estrutura”) tinha relação com a manutenção da totalidade funcional (“função”) de cada indivíduo7. Por isso, os saberes osteopáticos se aprofundam na anatomia e na fisiologia, no sentido de compreender a relação entre ambas. Este princípio, na prática concretizado via estudo da mecânica e dos tecidos, próprio da terapia manual, aproxima e sensibiliza a clínica osteopática das condições de vida dos indivíduos, trazendo à tona e tematizando as sobrecargas registradas no corpo e sua perpetuação nos modos de viver, nutrir e trabalhar. Nessa tematização, a abordagem osteopática opera com noções semiológicas da fisiologia biomédica, as articulando com o modo de vida e trabalho das pessoas, o que facilita a construção de interpretações contextualizadas, menos reducionistas e culturalmente aceitáveis aos usuários, já que baseadas em grande parte na fisiologia científica.

Da satisfação à resolubilidade

Para Starfield14, a satisfação está associada à qualidade do vínculo entre usuários e profissionais, e isto é imprescindível para que a APS seja escolhida como centro do cuidado ao longo da vida. Strutt et al.25, encontraram que a satisfação dos usuários da osteopatia é influenciada por valores comuns subjacentes ao encontro clínico. Esperança, respeito e confiança conformavam uma relação terapêutica positiva. Não obstante, a satisfação dos usuários não sustenta-se apenas em questões relacionais, mas na resolubilidade e na abrangência das terapêuticas. Starfield14 destaca que a satisfação dos usuários na APS

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depende da gama de recursos de cuidado e de queixas passíveis de manejo eficaz. Licciardone observou significativa associação da satisfação dos pacientes da osteopatia com alívio de dor e desconforto26.

As queixas nas quais os osteopatas utilizam as TMO são muito variadas: 34% são problemas agudos, 28% subagudos, 34% crônicos, 21% consultas de checkup e 18% por outros motivos3. Na França, queixas relacionadas ao sistema músculo-esquelético foram as razões mais recorrentes, computando 62% dos motivos de queixas e, no Canadá, 69,1%. Entretanto, na Austrália, também foram relatados casos representativos relacionados à problemas digestivos em adultos e crianças, cefaleias e migranias, fadiga e dores crônicas. Consultas osteopáticas pediátricas variaram de 8% a 12% do movimento dos osteopatas nestes estudos3. É desnecessário enfatizar que todos esses problemas são altamente frequentes na APS, cujo manejo constitui o dia-a-dia dos profissionais das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF).

Evidências científicas que respaldam diferentes condições de uso das TMO concluem que elas são um tratamento seguro e de baixo custo para vários sintomas, como dores na coluna, especialmente em pacientes com dor crônica41. As TMO podem reduzir a necessidade de antibióticos e o tempo de internação de pacientes com pneumonia, assim como são úteis como adjuvante de antibióticos em crianças com otite média; reduzem também a morbidade, uso de antibióticos e desconforto pós-tratamento cirúrgico41; reduzem significativamente a dor lombar, persistindo a melhora por pelo menos três meses, fato este observado tanto em osteopatas médicos (EUA) como não-médicos (Reino Unido) – o que não surpreende, considerando a semelhança do treinamento entre os dois grupos no que se refere as TMO42. Revisões sistemáticas encontraram evidencias preliminares de que as TMO podem ser benéficas na síndrome do intestino irritável43 e em diminuir horas de choro em crianças com cólica44. No entanto, boa parte das revisões concluem que não existem provas científicas suficientes que validem a eficácia das práticas de terapia manual em diferentes patologias45,46,47.

Johnson e Kurtz48, ao investigar as condições e diagnósticos em que os médicos osteopatas recorriam ao uso de TMO, encontraram um total de 2206 condições clínicas. Isso indica uma enorme gama de problemas estruturais e funcionais com resultados positivos referido pelos profissionais. Entretanto, esta ampla gama de aplicabilidade das TMO não vem da medicina baseada em evidencias, mas sim da experiência clínica dos osteopatas em potencializar a capacidade de autocura do indivíduo, independente da patologia48.

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Construção e validação do saber: técnicas ou estilo clínico peculiar? Outra convergência entre a osteopatia e a APS se apresenta na

relação com a construção de conhecimentos que norteiem a prática clínica. Os estudos baseados em evidências buscam consolidar as melhores práticas em relação a cada patologia e assim difundir entre os profissionais um conhecimento básico comum, eficaz e seguro. Para tal, estratégias gerencialistas, geralmente baseadas na padronização das condutas, constróem protocolos e indicadores norteadores das ações. Todavia, na osteopatia e na APS há resistências frente a sobrecarga de procedimentos, diretrizes e protocolos16,49,50,51.

Ao analisar a questão da adesão de profissionais da APS às diretrizes clínicas baseadas em evidências, Starfield16 considera que as diretrizes, embora por vezes sejam úteis, se concentram no manejo de doenças específicas, o que as distancia da prática clínica na APS, devido a alguns fatores: muitas doenças prevalentes são síndromes, isto é, um conjunto de sinais e sintomas comuns, porém com origens e determinantes contextuais singulares de cada indivíduo; há uma tendência de aumento no diagnóstico precoce de doenças e um consequente aumento na presença simultânea de diferentes doenças, sobretudo em contextos de maior longevidade, aumentando assim, a complexidade de cada caso. Além disso, a maioria das diretrizes "baseadas em evidências" são sobre tratamentos de patologias únicas e frequentemente em contextos distantes da vida real. Assim, muitos algoritmos para a gestão do cuidado na APS se baseiam em um conceito ultrapassado de problemas de saúde centrados em doenças únicas e discretas16. Isso tem sido cada vez mais questionado devido ao crescente reconhecimento da comum multimorbidade, que vem se tornando norma para a maioria dos pacientes atendidos na APS, principalmente em idades mais avançadas49.

Neste contexto de multimorbidade e alta prevalência de problemas crônicos, uma das principais estratégias dos serviços e das interações clínicas é a construção de redes colaborativas de cuidado, que integrem generalistas e especialistas no acompanhamento longitudinal dos usuários. Todavia, a construção de redes de referência e contra-referência e das relações de vinculo longitudinal demandam uma importante qualificação do trabalho profissional, no sentido do cuidado colaborativo e compartilhado. Campos51 destaca que essa construção não é capturada nas planilhas de indicadores estanques, que não consideram os desejos e relações dos envolvidos.

Entre estudiosos da osteopatia, dilema similar se apresenta no processo de produção de conhecimento e validação do saber. Muitos

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osteopatas se preocupam com a credibilidade da profissão/prática no meio científico, consideram que a prática osteopática continua a sofrer pela escassez de estudos clínicos que dêem suporte científico aos achados empíricos não sistematizados48. Outros, em contrapartida, apontam para as dificuldades e riscos de tentar se reduzir a complexidade do conhecimento empírico osteopático aos padrões-ouro atuais das evidências, para validação do saber. Esse processo pode distanciar a prática osteopática de seus princípios, reduzindo-os a uma simples aplicação descontextualizada de técnicas. Quando isso ocorre demasiadamente, existe uma tendência à perda de identidade e consequente enfraquecimento da contribuição da osteopatia como instrumento de alívio do sofrimento humano. A esse respeito, é sugerida a revitalização de outras formas de ensino, como estudos de caso, observação pessoal e ensino um a um professor/aluno50.

Estudos que avaliam a adesão dos osteopatas à diretrizes indicam uma resistência destes profissionais49,50. A resistência baseia-se na ideia de ‘precedência da osteopatia’, associada ao entendimento de que se trata de uma abordagem filosófica mais ampla e complexa que outras disciplinas. Eles atribuem maior credibilidade para a experiência dos professores que a diretrizes de qualquer natureza50.

Shannon e Teitelbaum6 destacaram que nas últimas décadas foram reforçados nos EUA os requisitos de acreditação, com inovações de currículo, enfâse no treinamento baseado em evidências e maior investimento em pesquisa com técnicas manuais. O estudo apontou também para um distanciamento das peculiaridades da prática, incluindo a diminuição da escolha dos médicos osteopatas pela APS, associado à diminuição do uso de TMO entre médicos osteopatas6.

Assim, tanto para a osteopatia quanto para a APS parece que em vez de um investimento em construção da presença e de saber/prática clínico segundo “padrões-ouro” baseados em evidências e patologias isoladas, melhor seria investir em metodologias fortalecedoras da construção de redes de cuidado colaborativo com um melhor entendimento, cooperação e aprendizado mútuo entre especialistas, generalistas e usuários, e isso inclui a osteopatia. Isso já é parcialmente possível através de matriciamento e educação permanente envolvendo generalistas da APS e os núcleos de apoio a saúde da família (NASF), que podem ter fisioterapeutas osteopatas.

Dissolvendo a catastrofização

A superação da catastrofização é uma importante contribuição da osteopatia para a APS. Este é um conceito pouco discutido na saúde

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coletiva e na biomedicina, e pode ser observado como uma faceta da biomedicalização da vida37. A catastrofização é caracterizada como geração de antecipação ou expectativa de desfechos negativos por parte dos pacientes. A qualidade da relação profissional/usuário, incluindo a comunicação verbal e não verbal, pode reforçar crenças limitantes, gerando um comportamento de evitação do movimento, ou cinesiofobia, aumento da ansiedade, da dor e de desfechos negativos52,53.

Em muitas situações, a catastrofização, comum de ser induzida na abordagem biomédica convencional, destrói o que de outra forma poderia ter sido um bom prognóstico, e desestimula o paciente de seguir com sua vida livre de crenças de incapacidade. Tais crenças geralmente ganham força na relação clínica por meio de recomendações de repouso prolongado e retirada irracional de atividades físicas, respaldadas em diagnósticos de patologias, legitimados ou não por exames complementares e indicações de estratégias terapêuticas, por vezes vitalícias54. Este processo aumenta a deficiência, gera atrasos ou impede a recuperação55, gera aumento de procura dos serviços de saúde convencionais e não convencionais, maior consumo de medicamentos e realização de cirurgias desnecessárias52,53.

Ao estudar e reestabelecer a mobilidade natural dos tecidos, restaura-se a capacidade de remodelamento tecidual e a consequente autorregulação do organismo como um todo. Esta condição de flexibilidade é mantida por estilos de vida ativos, livre de crenças limitantes. Esse entendimento soma-se aos conhecimentos de fisioterapeutas atualizados em abordagens que estudam criteriosamente o movimento em toda a sua qualidade e amplitude. Entre fisioterapeutas, esses conhecimentos são amplamente utilizados no contexto de problemas musculo-esqueléticos, mas geralmente é limitado a esse tipo de problemas. O matriciamento com práticas osteopáticas ampliaria as possibilidades de atuação dos fisioterapeutas osteopatas dos NASF para outros problemas comuns de saúde-doença, explorando correlações fisiológicas entre o funcionamento de outros sistemas corporais.

A não-maleficiência (em latim: primum non nocere) é cada vez mais um princípio utilizado por profissionais da APS para salientar a necessidade de evitar riscos, custos, medicalização e danos desnecessários aos pacientes. Esta é a idéia central da prevenção quaternária56, desenvolvida na APS, que passa por desviar do excesso de rastreamentos, de solicitação de exames complementares e de medicalização de fatores de risco39. Hart et al.57 encontraram que os médicos de família osteopatas são menos propensos a solicitar radiografias ou prescrever antiinflamatórios, relaxantes musculares,

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aspirina, sedativos e analgésicos para dor lombar do que seus colegas alopatas.

Ao estudar o contexto de crescimento das lombalgias, um dos problemas mais prevalentes na APS, é sabido que a utilização de exames de imagem, visando diagnósticos observáveis em alterações anatômicas estruturais, não só não apresenta evidencia de impacto positivo nesse problema como está associado a um desencadeamento de ações danosas aos pacientes58,59. Dentre elas, o afastamento desnecessário de atividades físicas e do trabalho, sustentado por crenças limitantes e reforçado pelo entendimento unicausal biologicista dos profissionais, o que se mostra um aspecto a ser urgentemente repensado na prática clínica.

Os estudos longitudinais apontam para um aumento de casos cronificados, aumento do impacto psicossocial e dos custos. Por mais que existam diretrizes consolidadas no sentido da redução de medicação, dos exames complementares e do estímulo ao ensino/aprendizagem de estratégias ativas para manejo do problema, há uma inércia à mudança por parte dos profissionais. Apesar das diversas estratégias utilizadas para transformar as práticas, devido ao contínuo crescimento do problema e à constatação da manutenção de condutas contra-indicadas, ainda há necessidade de construção de novas estratégias59. As estratégias implantadas e avaliadas são geralmente tentativas de controle das condutas clínicas por meio de protocolos e diretrizes, apresentando uma boa extensividade (abrangendo grande parte dos profissionais). Ainda assim, tais estratégias não geraram mudanças consistentes nas condutas. A nosso ver, os aspectos envolvendo a intensidade e a qualidade das relações de cuidado, o que transcende a relação de cuidado centrada em protocolos, explorando mecanismos de autoregulação de cada pessoa em suas particularidades ainda são pouco explorados, dificultando as mudanças pretendidas.

Still17 parecia antever o limitado resultado clínico de buscar na estrutura isolada (que se pode observar em exames de imagem, por exemplo) a justificativa para problemas funcionais. Se isso simplifica o entendimento do adoecimento para profissionais e usuários, reduz demasiadamente o problema e induz a perda da visão do todo (primeiro princípio), dificultando a exploração da capacidade de adaptação e regeneração (segundo princípio) observada na relação peculiar e singular entre a estrutura e a função de cada indivíduo (terceiro princípio). Essa abordagem não é fácil, necessita de motivação e curiosidade sobre cada caso e não simplesmente treino na aplicação de

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protocolos e diretrizes. Como dizia Still17 (p.28), “Encontrar a saúde deve ser o objeto do terapeuta. Qualquer um pode encontrar a doença”. Considerações finais O exercício de saberes e técnicas osteopáticas na APS podem contribuir significativamente para o cuidado ali realizado: na melhoria da qualidade da relação clínica, com melhor compartilhamento de narrativas sobre os adoecimentos; na diversificação interpretativa, com melhor consideração de aspectos psicossociais e laborais; na exploração da demora permitida: transformando-a em cuidado terapêutico; na diversificação terapêutica, com estímulo de mecanismos endógenos de auto-regulação, via técnicas manuais osteopáticas; no estímulo à participação e à autonomia dos usuários; em evitar a catastrofização e a sobremedicalização (excesso de fármacos, exames complementares e encaminhamentos a especialidades). O contexto do SUS e da APS facilita que saberes e técnicas osteopáticas sejam explorados de forma abrangente, na promoção de mecanismos de auto regulação voltados aos casos mais prevalentes neste nível de atenção. No SUS atual, os osteopatas são fisioterapeutas, poucos e concentram-se em serviços especializados. Todavia podem estar presentes nos NASF, realizando apoio matricial, que permite que esses profissionais pratiquem osteopatia dentro dos serviços de APS. O encontro do estilo clínico osteopático e suas TMO com o matriciamento pode fomentar novas experiências. Se o apoio matricial envolver educação permanente relevante, isso pode significar a socialização de saberes e técnicas osteopáticas passíveis de aprendizagem e prática com segurança por profissionais não-osteopatas da APS. Isso enriqueceria as suas abordagens clínicas, sua propedêutica e sua terapêutica com algumas TMO e saberes osteopáticos, concretizando parcialmente as contribuições acima mencionadas. Coerentemente, alguns saberes e técnicas osteopáticos, sendo suficientemente adequados (seguros e eficazes) para o contexto de trabalho das equipes da ESF e passíveis de aprendizado e prática sem necessidade de especialização, poderiam/ deveriam ser considerados como pertencentes ao campo comum de cuidado dos profissionais da APS; e assim incluídos nas formações de graduação dos mesmos, sobretudo médicos e enfermeiros, núcleo clínico principal da ESF, mas também dos fisioterapeutas e possivelmente de outros profissionais. Em paralelo, os profissionais e escolas de osteopatia podem e devem desenvolver conhecimentos e habilidades voltados ao seu núcleo de saber/prática, o que compreende pesquisa, ensino, e prática clínica,

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de preferência aproximando-se e quiçá inserindo-se no SUS e nos NASF, mesmo estando no presente momento os osteopatas, no Brasil, estão sobretudo trabalhando no setor privado e ali se formam, apenas na pós-graduação. Isto é relevante no que diz respeito à manutenção de suas peculiares contribuições ao cuidado, de forma independente de outras profissões (questão esta além do escopo deste artigo). Pesquisas e experimentações institucionais são necessárias para explorar essas potencialidades na APS, fortalecendo redes de profissionais no sentido da construção de formas singulares, seguras e eficazes de cuidado. Referências 1. Osteopathic International Alliance. History and current context of the ostheopathic profession. 2012. http://oialliance.org/wp-content/uploads/2013/07/oia-status-report-history-context-of-osteopathic-profession.pdf (acessado em 10/Mar/2018). 2. Miller T, Hooker RS, Mains DA. Characteristics of osteopathic physicians choosing to practice rural primary care. J Am Osteopath Assoc 2006;106(5): 204-79. 3. Osteopathic International Alliance. A Global View of Practice, Patients, Education and the Contribution to Healthcare Delivery. 2014. http://oialliance.org/resources/oia-status-report/ (acessado em 03/Abr/2017). 4. Fordyce MA, Doescher MP, Chen FM, Hart LG. Osteopathic Physicians and International Medical Graduates in the Rural Primary Care. Fam Med 2012;44(6):396-403. 5. Cummings, M. The Educational Model of Private Colleges of Osteopathic Medicine: Revisited for 2003-2013. Acad Med 2015;90(12):1618-23. 6. Shannon SC, Teitelbaum HS. The Status and Future of Osteopathic Medical Education in the United States. Acad Med 2009;84(6):707-11. 7. Paulus S. The core principles of osteopathic philosophy. Int J Osteopath Med 2013;16(1):11-6. 8. Orenstein R. History of Osteopathic Medicine: Still Relevant? J Am Osteopath Assoc 2017;117(3):148. 9. Licciardone JC. Osteopathic research: elephants, enigmas, and evidence. Osteopath Med Prim Care 2007;1:7.

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8.3 Artigo 3 Da educação ao serviço: desafios à diversificação da aprendizagem

do cuidado a partir da aprendizagem da Osteopatia. Resumo Este artigo apresenta e discute o percurso de construção e execução de uma estratégia de educação permanente acerca da diferenciação do cuidado na APS a partir de dados do contexto empírico de uma pesquisa-intervenção sobre a socialização de saberes osteopáticos. As capacitações foram realizadas com equipes multiprofissionais de ESF de três centros de saúde de Florianópolis (35 profissionais) e respeitaram as premissas da educação permanente, principalmente no sentido de estar intimamente atrelada ao processo de trabalho. Todos os encontros foram registrados em áudio e vídeo e no término das capacitações foi realizada uma entrevista com os participantes. A análise dos dados foi feita por meio da Grounded Theory o que possibilitou partir do contexto empírico de nossa capacitação em osteopatia e redirecionar nossa análise para a questão emergente da diversificação da aprendizagem do cuidado por meio de estratégias de EPS. Os resultados apontam para uma resistência em se diversificar as formas de aprendizagem do cuidado no meio acadêmico em que foi gerado, bem como na subjetividade dos profissionais participantes, estando associada a um estranhamento e despreparo à lidar com natural imprevisibilidade do campo. Todavia, segundo os profissionais a mesma imprevisibilidade, quando bem manejada, motivou um envolvimento capaz de tornar a aprendizagem interessante, humana e participativa. Isto favoreceu a aproximação dos profissionais, no sentido de fortalecer o trabalho em equipe acerca de um saber comprometido com a transformação e aberto a novas formas de cuidado. Palavras- Chave: Atenção Integral a Saúde, Educação Permanente em Saúde, Saúde Coletiva, Osteopatia Introdução

A osteopatia/medicina osteopática é um estilo clínico peculiar que pode ser definido como um sistema de cuidados à saúde centrado na pessoa, que inclui um senso altamente desenvolvido de toque como um

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componente significativo de estabelecimento de diagnóstico e conduta terapêutica. Nela se considera necessário um entendimento avançado da relação entre estrutura e função corporal e é aplicada para otimizar as capacidades de auto-regulação, visando a homeostase dos indivíduos por meio de mecanismos endógenos (WHO, 2010).

No Brasil, a osteopatia foi reconhecida como ocupação pelo Ministério do Trabalho em 2013. Em 2011, tornou-se especialidade da fisioterapia (COFFITO, 2011) e atualmente tramita um projeto de lei PL2778/2015 na câmara dos deputados, que reconhece a osteopatia como ramo especifico da saúde e regulamenta a profissão de osteopata. No Sistema Único de Saúde (SUS), foi incluída como Prática Integrativa e Complementar (PIC) em 2017, havendo um incentivo para sua inserção na Atenção Primária a Saúde (APS) ou atenção básica (BRASIL, 2017). Neste contexto a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) (BRASIL, 2006) enfatiza a inserção das PIC de forma a transformar o modelo de cuidado no sentido da integralidade e humanização do cuidado, em caráter multiprofissional e em conformidade com os princípios e diretrizes estabelecidos para Educação Permanente em Saúde (EPS), que direciona esforços de aprendizagem inseridos no processo de trabalho (BRASIL, 2009).

O objetivo deste artigo é apresentar e discutir os pontos fortes e as dificuldades encontradas no percurso de construção de uma estratégia de socialização de saberes osteopáticos para equipes de Saúde da Família (SF), com foco no próprio processo de produção da pesquisa e do processo de EPS. O trabalho faz parte da tese de doutorado em saúde coletiva, que envolveu a construção participativa de estratégias de matriciamento e educação permanente da Osteopatia para/com profissionais da APS realizada no município de Florianópolis. O artigo apresenta inicialmente o processo de pesquisa/intervenção envolvendo a socialização de conceitos e técnicas osteopáticas no contexto da atenção primária (métodos), e em seguida, desenvolve nos resultados, reflexões consequentes do processo.

Percurso metodológico

A intervenção foi articulada pelo Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da UFSC, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Florianópolis, incluindo a sua Comissão de Práticas Integrativas e Complementares (CPIC), a gestão de atenção básica e o Departamento de Gestão em Saúde, até os coordenadores de Centros de Saúde (CS) e equipes de três CS do município de Florianópolis.

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As premissas que nortearam a metodologia de pesquisa-intervenção bem como de aprendizagem, incluíram conceitos de EPS (BRASIL, 2009), Pesquisa-Ação (THIOLLENT, 1996) e do método Paidéia (CAMPOS, 2003, 2014). Embora estas metodologias tenham origens em contextos e momentos históricos distintos, seus aspectos comuns foram os mais importantes para este trabalho. Dentre eles estão: a consideração dos interesses e desejos dos participantes; o esforço em se inserir nas realidades dos mesmos e considerá-la a partir de sua situação cotidiana existencial e profissional; a aproximação da construção do saber com a transformação participativa dos contextos estudados; a aberta disposição a lidar com a resolução de problemas práticos e concretos e, a necessidade de lidar com as imprevisibilidade do campo.

Foram realizadas duas ondas de capacitação com carga horária de 32h, divididas em 8 encontros semanais. Participaram diretamente um total de 35 profissionais de ESF e Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF), incluindo 3 médicos, 7 enfermeiros, 5 fisioterapeutas, 1 psicólogo, 1 técnicos de enfermagem, 10 agentes comunitários, 3 educadores físicos e 2 médicos residentes em acupuntura (2 acadêmicos de medicina frequentaram alguns encontros por convite dos colegas, além de uma voluntária do centro de saúde que atuava com terapia manual). Participaram também 21 usuários dos CS, que foram atendidos pelos grupos ao longo do processo. O projeto foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos (CAAE: 52367216.7.0000.0121) e ocorreu dentro do turno de trabalho dos profissionais, pontuando como carga horária em EPS na vida funcional dos participantes. Os nomes dos participantes foram alterados para preservar a sua identidade.

As capacitações procuraram ao máximo aproximar a teoria da prática através de ciclos de ação-reflexão-ação inseridos no processo de trabalho, como se preconiza em estratégias de EPS. Como metodologia de aprendizagem/intervenção/pesquisa, utilizamos formas de elucidar e organizar as narrativas e diálogos provenientes de vivências do cuidado de si e do outro, realizadas em equipes multiprofissionais. Os turnos de capacitação tiveram sua dinâmica organizada em vivências da seguinte maneira: o grupo elencava casos clínicos (entre si –inicialmente - ou de usuários dos CS), havia uma consulta inicial realizada em grupo pelos profissionais do centro de saúde e uma consulta realizada pelo osteopata. Ao longo das consultas, os profissionais tinham liberdade e o estímulo para realizarem questionamentos segundo suas necessidades e dúvidas. O osteopata/pesquisador, ao longo dos atendimentos, mantinha

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sua atenção no paciente bem como na possibilidade de socializar algum conhecimento, reservando um segundo momento para possibilitar aos profissionais que vivenciassem em si as técnicas utilizadas no caso atendido. A partir disto, surgiram uma série de assuntos e diálogos gerados de forma espontânea por parte dos participantes. Estes, foram organizados por meio de dinâmicas reflexivas e posteriormente sintetizadas graficamente por meio de palavras-chaves, elencadas pelo grupo e relacionadas entre si em mapas mentais como propõe Buzan (1993). As dinâmicas foram registradas em materiais áudio-visuais. As dinâmicas reflexivas envolviam perguntas disparadoras, conduzidas pelo pesquisador, de caráter amplo e aberto que facilitavam a reflexão e organização coletiva de narrativas, questionamentos e significados vivenciados ao longo do processo.

Encerrados os encontros de capacitação, a análise do material foi orientada pela Grounded Theory (STRAUSS e CORBIN, 1990), por permitir explorar os dados de forma criativa, abrangente e interativa, incluindo a diversidade de dados que forem necessários. Esta metodologia também nos instrumentalizou a partir dos achados empíricos para então adequar a busca por conceitos teóricos, e não o contrário. Todos os materiais produzidos foram revisitados seguindo a ordem cronológica que foram produzidos, incluído a escuta dos áudios, visualização dos materiais áudio-visuais, dos materiais didáticos e mapas mentais produzidos pelos grupos e das consultas compartilhadas. Ao longo deste processo, o pesquisador realizou anotações e transcreveu as falas no intuito de captar os significados e sentidos atribuídos pelos participantes à sua experiência na capacitação, bem como aprender como a mesma incidiu sobre os profissionais e sua prática. Os dados foram categorizados e comparados entre si de forma simultânea à realização de uma rodada de entrevistas com os participantes duas semanas após o término da capacitação. Estas, possibilitaram explorar os significados da capacitação em osteopatia sob diferentes ângulos. As entrevistas ocorreram em sequência por conveniência (facilidade de encontro, agendamento e realização) até ser percebida a saturação dos dados, sendo 20 os entrevistados. Por fim, foram construídas categorias temáticas delineadoras da estrutura geral do fenômeno investigado.

Inicialmente, nosso objeto de pesquisa-intervenção foi a capacitação em osteopatia para/com profissionais da APS e seus efeitos iniciais, todavia, este artigo inclina seu olhar para alguns desafios e possíveis soluções ao desenvolvimento de estratégias de EPS em si. Nesse contexto, nossa capacitação em osteopatia foi vista apenas como um exemplo de estratégia de diferenciação da prática de cuidado no

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serviço de APS, sendo assim, parte das nossas observações podem servir como exemplo para outras iniciativas que tenham como objetivo a transformação do ato de cuidado por meio de educação permanente das equipes. Resultados e discussão

Ao longo da capacitação/socialização houve grande esforço em serem mantidas as premissas da EPS. No decorrer do processo, a temática da educação permanente gradualmente atravessou o tema da osteopatia na APS. Isto implicou em um redirecionamento de busca e revisão de literatura. Discutimos as relações entre o material empírico e a teoria, ora exemplificando por meio de falas dos profissionais (materiais produzidos nas capacitações e nas entrevistas), ora dialogando com estudiosos da educação/pesquisa/intervenção/gestão nos serviços de saúde, no contexto do SUS.

Nossos resultados incluem o contexto acadêmico de pós-graduação no qual o projeto foi concebido inicialmente, passando pela relação inicial que o projeto teve com as revistas científicas de saúde coletiva mais proeminentes, para então incluir a perspectiva dos profissionais da APS acerca da forma de aprendizagem desenvolvida e, por último, abordamos os obstáculos à aprendizagem de novas abordagens de cuidado que que tinham como premissa a aprendizagem que transforme a forma como se organiza o processo de trabalho no contexto dos três centros de saúde envolvidos. Ensino superior: lidando com o abismo entre a teoria e a prática No contexto da pós-graduação em saúde coletiva, a imprevisibilidade associada à proposta metodológica de caráter participativo acalorou os debates acadêmicos sobre o desenho da tese. Isto ocorreu de forma mais intensa em uma disciplina obrigatória voltada para a construção dos projetos de pesquisa desenvolvidos pelos alunos do programa. Nestes debates houve uma divisão entre docentes, que consideravam o projeto inovador e relevante enquanto outros docentes foram resistentes ao projeto, pois, consideravam que a imprevisível e possível não adesão dos participantes, poderia levar a um abortamento do trabalho e a sua invalidação como produto acadêmico. A este respeito, Ceccim e Feuerwerker (2004) colocam que para transformar o modelo de cuidado nos serviços de saúde, para além de estratégias de EP direcionados ao pessoal do serviço, são ainda mais necessárias capacitações ao pessoal docente, buscando fortalecer e

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“levar para dentro da educação superior e profissional os valores éticos” (idem, p 52) e atitudes necessários a superação do modelo clássico de aprendizagem. Isto inclui aspéctos éticos, técnicos e organizacionais que estejam comprometidos com a transformação dos contextos de trabalho. Estes autores incluem uma educação interativa e de ação na realidade para operar mudanças de forma participativa, o que considera o desejo de futuro dos envolvidos, formas de se motivar a partir dos próprios grupos de interesse para que se organizem os objetivos a transformar, que lhes inspire o protagonismo necessário a negociar e pactuar processos de mudança.

Feuerwerker (2014) aponta para a falta de espaços favoráveis à produção de novas experiências de aprendizagem/intervenção/pesquisa dentro do ensino superior e de pesquisa. A título de registro, os dois primeiros produtos desta pesquisa, dois artigos sobre as relações da osteopatia com a APS, foram rejeitados pelo corpo editorial 11 vezes, sob a justificativa, enviada por meio de uma mensagem padronizada, que o tema dos artigos não pertenciam às prioridades editoriais das oito principais revistas de saúde coletiva a que foram submetidos. Ao mudarmos de estratégia, na tentativa de publicar os materiais, escolhemos uma revista que possuísse um breve distanciamento do núcleo de saber da saúde coletiva, a revista História, Ciências e Saúde, de Manguinhos. Desta vez o artigo também foi rejeitado, porém, recebemos pela primeira vez uma justificativa que não fosse meramente burocrática e automática:

“Trata-se de um tema interessante e original. O texto está bem escrito, mas com um nítido conflito de identidade entre a parte inicial e final. Da maneira como está apresentado, parece ter mais identidade com uma revista de Saúde Coletiva do que histórica especificamente”

Considerando que a submissão de artigos é uma parte importante

do processo de trabalho de qualquer pesquisador, uma prática comum que observamos em nosso percurso de publicação foi que todas as revistas científicas que constituem as maiores da saúde coletiva possuem em suas normas e diretrizes de submissão alguma(s) distinções entre si, seja no numero de palavras (o que é algo defensável, devido as particularidades do conteúdo da revista) mas principalmente nas normas de formatação e referências bibliográficas, seja por uma virgula, a presença de um ponto a mais nas referências, a necessidade do nome dos autores por extenso ou não, dentre outra n particularidades. Isto não seria tão importante de se deixar registrado aqui, não fosse pela

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imposição uma total adequação às normas e especificidades de formatação antes mesmo da decisão de aceite ou rejeição. Vale lembrar que em nosso caso a justificativa que recebemos foi pelo mesmo não se enquadrar no escopo da revista, ou seja, totalmente desvinculada da qualidade da formatação. Embora levantar aqui este assunto seja desagradável à nós (pesquisadores em ato de submissão de nosso trabalho) e ao corpo editorial (por poder possivelmente se ver sendo criticado em seu processo de trabalho), justificamos a inserção deste assunto neste manuscrito devido a sua coerência com aquilo que entendemos por educação permanente que é o objeto central deste artigo. Lembrando que a mesma preconiza a aprendizagem inserida de forma permanente no processo de trabalho; que pertence ao nosso processo de trabalho como pesquisadores a submissão de nossa produção; que nos consideramos permanentemente aprendizes como pesquisadores; e que ética e filosoficamente estamos comprometidos com as premissas da educação permanente por entender, antes de mais nada, que este é um caminho de diálogo, reflexão e possível transformação dos processos no sentido da melhoria da qualidade da formação bem como da pesquisa em nossa área.

No caso de nossa pesquisa, como não formamos um núcleo de pesquisa hierarquizado, de tal forma a delegar aos bolsistas, estagiários e “aprendizes” de iniciação científica tarefas repetitivas. Computando todas as submissões, foram gastos algumas boas semanas de trabalho para tal atividade o que transfere um tempo de trabalho vivo em pesquisa, ou seja uma atividade crítica e reflexiva, para um trabalho morto e protocolar. Não obstante isto teve em nosso caso o efeito de distanciar pesquisadores e revisores do diálogo necessário a uma boa produção científica. Neste sentido Feuerwerker (2014) afirma que os espaços acadêmicos e os movimentos produzidos no âmbito da saúde coletiva têm tendido a um fechamento por parte de grupos que excluem todos os diferentes dos debates, congressos, das publicações. Isso “tem a ver com uma pretensão de verdade – que desqualifica todo o diferente - e com onipotência – são grupos que se consideram capazes de fazer tudo no lugar de todos; tem a ver com uma desconsideração da importância dos saberes [...] a partir de outras referências teóricas” (idem, p. 82-83) ou situacionais. A estranha aprendizagem que aproxima

Do ponto de vista dos participantes, a imprevisibilidade (embora tenha gerado um estranhamento inicial no grupo resultando em um

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sentimento de insegurança), ao ser bem manejada, serviu como fator que motivou a participação e coesão do grupo frente ao desconhecido. Nas palavras de Sheila, ACS, “no começo parece confuso, mas se esclarece ao longo do curso... quando você coloca em prática vai tudo para o seu lugar”. A psicóloga Sandra encontra em si registros das metodologias tradicionais de educação ao refletir sobre a imprevisibilidade do método vivido:

“na graduação a gente aprende que tudo tem que ser assim, “assim”, “assado”, mas tem muita coisa que não contempla, porque a gente está lidando com o ser humano, né... se eu fosse conduzir a capacitação, eu ia chegar com algo programado, para me sentir segura, mas aí não ia acontecer... aí é que tá, entra na questão do meu aprendizado... eu ia ter que ter as coisas fechadas mas aí não iria fluir porque as coisas não precisam estar tão fechadas... porque a nossa turma foi assim, a próxima vai ser diferente e isso é muito bom...”

Para Merhy et al. (2010), a aprendizagem que transforma se dá no

ato de ensaiar, experimentar, até que algo novo se constitua para em um momento seguinte se desfazer novamente, moldando-se às próximas demandas. Nossas estratégias utilizadas para lidar com a imprevisibilidade puderam ser sintetizadas em três. A primeira foi reconhecer e atenuar o reflexo, por parte do pesquisador, de se “apoiar” demasiadamente em ideias, materiais e teorias pré-existentes para conduzir o processo. O ato de trazer os assuntos para uma zona de conforto, circunscrita por temas e habilidades dentro do campo de expertise do pesquisador/facilitador pareceu envolver uma sensação de segurança e ordem. Todavia, um efeito colateral desta atitude foi um distanciamento e desinteresse dos participantes, principalmente daqueles mais distantes do assunto em questão (osteopatia ou pratica clínica). Ao reconhecer tal atitude, procurou-se substituir as próprias narrativas por perguntas. Estas, serviram para que os participantes pudessem organizar em narrativas próprias os assuntos e temas vivenciados pelo grupo trazendo mais elementos contextuais dos mesmos. Isto esteve associada a uma compreensão mútua dos profissionais, independente da complexidade do assunto ou da formação de base. Para as profissionais:

“Foi de uma forma que todo mundo interagiu junto... não foi como um livro que tu pega uma linha e vai lendo, mas de uma forma que todo mundo consegue entender e trabalhar junto.” (Leila, ACS)

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“essa ideia de ir ouvindo as informações e ir praticando é muito boa, muito pedagógica de aprender.” (Joana, fisioterapeuta)

Segundo Lemos (2016, p. 916), “a educação permanente poderia se inscrever como uma potência permanente” que envolva os trabalhadores para serem protagonistas de mudanças no seu próprio serviço de saúde. A educação permanente poderia se inscrever como uma potência permanente para motivar ou nas palavras do pesquisador desencadear uma positividade nos trabalhadores para inventarem a mudança no serviço de saúde. Isto foi observado em nossos encontros de forma muito expontânea, nas palavras da fisioterapeuta Gabriela “eu acho que toda a nossa equipe estava disposta e tu conseguiu fazer com que todos se envolvessem.”

Não acostumados com práticas de aprendizagem participativa, os profissionais apontaram para a necessidade de se lidar com um estranhamento inicial frente a capacitação. Segundo a fisioterapeuta Patrícia “é preciso ir de mente aberta... tirar esses preconceitos que a gente aprende na universidade, para aproveitar o curso”. João, médico de família, foi mais enfático:

“Então é essa mensagem que eu deixo: a gente estar sempre aberto a aprender algo a mais. Eu peço para você conhecer!!! [referindo-se aos próximos participantes] Você conhece e aí me diz o que que tu achou.”

Outra estratégia para lidar com a imprevisibilidade e motivar o

envolvimento dos profissionais no processo foi aproximar ao máximo a realidade do participante do conteúdo a ser assimilado. Isto foi feito por meio da realização de consultas compartilhadas nos próprios participantes. Estas consultas foram conduzidas segundo o estilo clinico osteopático, e procurou evidenciar as estratégias de autocuidado de cada um, refletir sobre suas crenças em relação a sua saúde de tal forma que servissem como material de estudo e auto análise. O termo autocuidado aqui é tomado em sentido genérico de cuidado autônomo de si mesmo, com apoio das redes de relações e apoios sociais de cada pessoa, de modo muito semelhante ao que Menéndez (2003) propõe como ´autoatenção´. A autoatenção inclui as referências, crenças e práticas de múltiplas origens (inclusive biomédicas) que se fazem presentes em maior ou menor grau. A autoatenção é o meio através “do qual os sujeitos e seus grupos evidenciam sua capacidade de ação, de

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criatividade, de encontrar soluções” e agir em prol de sua saúde de forma a criar e fortalecer mecanismos de autonomia dos sujeitos e grupos (MENÉNDEZ, 2003, p.204).

A partir da própria experiência, os participantes iniciaram a construção e/ou desconstrução do seu suas formas de auto atenção. Nas palavras da enfermeira Roberta:

“vai melhorar não só a questão da prática profissional, mas também, um olhar sobre eu mesma. Por exemplo: eu tô com uma dor aqui, ao invés de tomar uma remédio eu vou me alongar e pedir para alguém que fez o curso me ajudar... eu não faria tantos exames, em mim mesma sabe”

Este contexto desvelou dois aspectos importantes que podem

contribuir para processos de EPS, que podem ser, talvez, em algum grau, generalizáveis: a) carência de autocuidado nos itinerários terapêuticos dos profissionais de saúde; b) o profissional recomenda aos seus pacientes estratégias terapêuticas que compõe o seu próprio itinerário terapêutico. Ou seja, acabam recomendando aos outros o que fazem para si mesmos. Isto, além de ser uma forma empática de conduzir a relação terapêutica, o que é ótimo no contexto de cuidado, propaga estilos clínicos e estratégias terapêuticas de uma forma automática. Isto merece atenção, pois, na formação convencional, o autocuidado é relativamente subdesenvolvido ou relativamente padronizado, pouco singularizado, excessivamente genérico e prescritivo, além de ser inexistente ou muito subvalorizado para muitos problemas, e por isso pode ser e, comumente é, pouco explorado como potência terapêutica, preventiva e promocional de forma singularizada nos serviços de saúde.

Feuerwerker (2014) considera que cuidar de si é pressuposto para cuidar dos outros, dá potência ao trabalhador da saúde para a sua produção cotidiana. Para a pesquisadora,

“isso diz respeito a um “olhar para si”, significa montar e desmontar mundos, conseguir operar movimentos de desterritorialização e reterritorialização em relação à práxis de produção do cuidado. O trabalhador da saúde que não costumafazer esses movimentos, não consegue “cuidar de si”, tende a permanecer aprisionado na plataforma organizacional que conduz a produção do cuidado” (FEUERWERKER, 2014, p.103).

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Nosso processo não só tornou evidente a falta de autoatenção, bem como apontou para a alta prevalência de problemas da saúde entre os próprios profissionais. Para nossa surpresa o processo motivou os participantes a visualizarem formas de incluir momentos de cuidado para a própria equipe:

“...poder aplicar não só apenas nos usuários mas também na equipe, no local de trabalho, nos funcionários. Os funcionários, além do dia-a-dia, com uma sobrecarga de trabalho, com questões posturais, ergonômicas... muito tempo sentados, muito tempo em pé... movimentos repetitivos.” (João, médico de família) “Quero colocar no grupo que temos instituído os ensinamentos que tu trouxeste também para os profissionais. Porque a gente não tem nenhuma ergonomia, a médica da minha equipe já está com dor no braço, eu no quadril. Então se a gente conseguisse trocar os atendimentos seria bom para a equipe.” (Roberta, enfermeira)

Observa-se nestas falas, um interesse espontâneo e disposição à

ação no sentido da construção de contextos mais saudáveis para si e para a equipe. Para Feuerwerker (2014), ao adentrar as intensidades do ponto de vista da produção do cuidado, por meio da experiência de si, abre-se toda uma agenda para olhar os modos como se organizam os serviços e os encontros que precisam ser produzidos entre trabalhadores e usuários. Para Lemos (2016), o processo da educação permanente em saúde:

“deve estar condicionado uma nova postura relacional dos profissionais, ter maior comprometimento e intencionalidade em estabelecer uma relação mais humanizada no atendimento e no trabalho de equipe, oferecer bem-estar aos usuários e sua equipe e em consequência tornar a sua atividade válida e reconhecida para ele mesmo” (LEMOS, 2016, p.917).

Miccas e Batiltall (2014), ao revisarem os estudos sobre estratégias de educação permanente, encontraram que infelizmente várias estratégias de EP apresentam características típicas de modelos de “educação continuada baseada em ações fragmentadas, pontuais e com metodologias tradicionais de ensino” (p.174).Isto pôde ser observado em nosso estudo na fala da profissional de enfermagem, quando esta aduz que os profissionais vão se surpreender pelo fato da capacitação

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não tratar-se de um curso teórico, como de costume: “As pessoas vão se surpreender, porque a gente tem a impressão que vai ser mais um curso teórico que vai ter...” (referindo-se as capacitações comumente oferecidas as equipes).

Quantidade x qualidade: qual era mesmo o cuidado que queríamos compartilhar?

Ao nos aproximarmos do processo de trabalho dos profissionais nos CS, observamos uma discrepância entre a teoria do que se pretende como formas cuidado e a organização do processo de trabalho na prática. Em nossa capacitação, os profissionais observaram que trabalham com sua atenção dividida entre uma produtividade numérica, e o exercício de se predispor a perceber o outro, colocando-se no lugar deste para estabelecer relações empáticas e que transmitam algo a mais do que informações técnicas protocolares.

Eu vejo que por conta da demanda, a gente às vezes atropela o processo terapêutico, quer fazer tudo muito rápido.... e a capacitação traz de volta a questão do toque e a importância de acolher aquela pessoa, não apenas a dor da pessoa, mas o que ela está trazendo com um olhar mais sensível, mais integrativo... A serenidade não faz muito parte do serviço, a gente está sempre num caos, numa coisa muito pesada, e a serenidade eu vejo como uma coisa importante, se não temos serenidade fica muito difícil de lidar com pessoas. (Vanessa, fisioterapeuta)

O cuidado em saúde é um ato singular, sendo que o ser cuidado e

o ser cuidador se encontrem em interação qualitativamente produtiva e adequada a singularidade de cada encontro (MORAES et al., 2011; FORMOZO et al., 2012). Esta interação envolve ações, atitudes e comportamentos guiados por fundamentação científica, experiências prévias, intuição e pensamento crítico. Este processo necessita que a atenção do profissional esteja na relação com o outro, visando promover, manter e/ou recuperar não apenas sua integridade física mas, sobretudo, sua dignidade e totalidade humanas (FORMOZO et al., 2012; NEVES, 2002). Do contrário, “deixados às normas e ao automático, sabe-se que os trabalhadores tendem a reproduzir o hegemônico, tendem a produzir descuidado” (FEUERWERKER, 2014, p.108).

Formozo et al (2012) observou que os profissionais justificam seu distanciamento durante o ato de cuidar pela falta de tempo e por,

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“durante a formação profissional, preconizar-se o controle da expressão dos sentimentos e emoções para não interferir no desempenho profissional” (iden, p.126), deixando a tomada de decisão mais neutra. Entretanto sabe-se que estas posturas, distanciam e enfraquecem as ações de cuidado, já que a ausência de uma relação pessoal autêntica implica na descaracterização de sua singularidade. Assim sobrevalorização da quantidade de instrumentrumentos e considerações técnicas pode de certa forma, contaminar a percepção do profissional bem como sua capacidade de adequação a diferentes contextos, personalidades e singularidades contribuindo assim para a maior mecanização do processo de cuidado.

A habilidade relacional de construção de vínculo determina a escolha deste ou daquele profissional como centro do cuidado no acompanhamento longitudinal. Apesar disto ser notoriamente reconhecido pela comunidade, não é devidamente computado nos indicadores de produtividade do serviço. . Segundo Scherer (2016), para melhorar a qualidade dos serviços:

“são necessárias ferramentas cognitivas afiadas para desempenhar todas as funções demandadas em seu dia a dia com qualidade e sensibilidade, o que determina um maior ‘uso de si’. Essa dedicação intensificada pode levar ao desgaste psíquico e fisiológico” (SHERER, 2016, p.95).

Em nossa pesquisa observamos que por vezes o trabalho em saúde, repleto de significados e esclarecimentos, vínculos e pactuações, como se preconiza para uma maior eficácia da APS, não se mostrou devidamente estimulado e valorizado. O caso de Clara, técnica de enfermagem exemplificou essa situação.

“Parto muito de olhar de uma outra forma, partindo da humanização, partindo da atenção, da pessoa em si, não só da doença com aquele objetivo da medicação, mas sim um olhar mais envolto, partindo do indivíduo como um todo.... a equipe me pergunta, “porque os pacientes só querem vir quando você está?” Eu sou muito cobrada por essa atitude no ambiente de trabalho, porque eu dou atenção... porque tem aquela coisa... “vamos, vamos, não dá tempo, tem uma lista enorme te esperando... vamos, vamos!!... não é aqui que você tem que fazer isso”... porque têm que ter números e números... aqui o paciente chegou com uma receita, você confere, administrou, “pá, pum” e manda embora. Eu sou muito cobrada nesse sentido... É esse modelo de trabalho que a gente está, de quantidade, essa coisa

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de números, números e números! Isso me deixa angustiada como profissional.”

Ao observarmos a avaliação da qualidade dos serviços, podemos

entender os valores que se defendem na prática dos serviços e o impacto que isto tem no estímulo ou desestímulo de determinados estilos de cuidado. Bosi e Uchimura (2007) discutem o cuidado em saúde como objeto de avaliação. Estes pesquisadores destacam que dependendo da ótica dos avaliadores, incluindo sua concepção de qualidade, organiza-se toda uma agenda de organização do serviço baseada em parâmetros que muitas vezes não condizem com as necessidades da população em sua dinâmica complexidade. A avaliação da qualidade dos serviços geralmente é determinada por dimensões objetiváveis clássicas de modelos avaliativos tradicionais como indicadores de produtividade passiveis de quantificação e reprodução. Esta escolha acaba não considerando movimentos dinâmicos de mudança de processo de trabalho ou de inclusão de novas abordagens.

Para estes autores a avaliação da qualidade envolve considerar outros olhares sobre qualidade que não apenas numéricos, impõe reconhecer e considerar a centralidade dos processos simbólicos dos atores envolvidos, incluindo os significados e narrativas atribuídos por usuários e profissionais. Nas palavras dos autores:

“Impõe-se, portanto, a valorização das percepções dos atores, entendendo essas percepções não como subjetividades descontextualizadas, como o querem fazer crer perspectivas idealistas, mas como sinalização de experiências complexas, materializadas nas relações estabelecidas com determinadas práticas em saúde” (BOSI e UCHIMURA, 2007, p.153).

Tesser (2010) ressalta que a maioria das pesquisas realizadas sobre as PIC partem de pressupostos consagrados pela biomedicina, focados na testagem dos seus impactos em patologias específicas, o que negligencia as características de outras racionalidades médicas e práticas de cuidado. Revisão realizada por Contatore et al. 2015 sobre o uso das PIC na APS conclui que embora as PIC sejam utilizadas por um número crescente de pessoas em todo mundo, a sua institucionalização na APS cresceu em menor proporção. Para este pesquisador, isto ocorre porque a efetiva implantação de novos procedimentos técnicos nos serviços públicos está vinculada a uma política de evidências científicas restritiva, com um viés metodológico biomédico, o qual não contribui

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para esclarecer o potencial de cuidado das PIC na APS (CONTATORE et al., 2015).

Por último, Feuerwerker (2014) observa a necessidade de estratégias de aprendizagem/intervenção/pesquisa criativas o suficiente para a produção de algo novo. É enfática ao dizer que:

“Não existem as tecnologias para produzir redes de atenção à saúde. Elas precisam ser produzidas. Não existem os apoiadores para dar suporte a todos esses movimentos nos espaços locais. Eles precisam ser produzidos. Não existem as escolas para formar trabalhadores portadores de futuro. Elas precisam ser produzidas. Não existe o saber, nem as tecnologias para atender as necessidades dos usuários para a produção de territórios existenciais mais ricos.” (FEUERWERKER, 2014, p.79)

Considerações finais

Em nosso estudo, manter a fidelidade às premissas da EPS estimulou a participação em uma aprendizagem que inspirou a reflexão acerca de si e do processo de trabalho. Entretanto, observamos uma lacuna entre o que motiva os profissionais a transformar o seu processo de trabalho e a teoria previamente elaborada no isolamento de laboratórios acadêmicos na área da saúde coletiva. Não se espera aqui que nossa experiência seja tida como verdade, mas que sirva como um artigo solidário, no sentido de acompanhar aqueles pesquisadores que tentam aproximar a universidade do mundo do trabalho em saúde e se sufocam no exercício incansável de tentar dialogar com uma ciência burocrática, distante, discriminatória e protocolar. Referências BOSI, M.L.M.; UCHIMURA, K.Y. Avaliação da qualidade ou

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8.4 Artigo 4 Osteopatia na atenção primária à saúde: resultados parciais de uma experiência de educação permanente/matriciamento e alguns efeitos

iniciais Resumo

Este artigo apresenta e discute os resultados parciais de uma pesquisa-intervenção, por meio de capacitação, relativas à socialização de saberes/técnicas da abordagem osteopática para profissionais da Saúde da Família, na sua confrontação com os processos de trabalho e cuidado na APS, conforme a lógica da EPS, na perspectiva dos participantes. Participaram das capacitações, equipes multiprofissionais de três centros de saúde de Florianópolis (35 profissionais), sendo o processo registrado em áudio e vídeo e acrescido de uma entrevista final. A análise dos dados foi feita por meio da Grounded Theory. A aprendizagem de saberes osteopáticos inseridos no processo de trabalho mostrou-se como instrumento disparador de processos reflexivos acerca do cuidado. Confrontados com a eficácia e resolubilidade desta abordagem na prática, os participantes demonstraram disposição para transformar seus atos de cuidado consigo e dentro do seu processo de trabalho. Segundo os profissionais, o entendimento comum sobre os mecanismos de auto regulação e a inclusão do estudo da mobilidade tecidual em sua anamnese contribuíram para o trabalho em equipe envolvendo um cuidado menos protocolar, mais adequado a cada caso, que inclui o estímulo de mecanismos endógenos, o uso racional de exames complementares, medicação, procedimentos cirúrgicos. Osteopatia, medicalização, atenção primária á saúde Abstract

This article presents and discusses results of research about the tranining of some aspects of the osteopathic approach for primary health care (PHC) multidisciplinary teams. Tirty five professional from three primary health centers of Florianópolis participated in the training. The process was recorded in audio and video and a final interview about the traing and its relation with the work process was conducted in the end. Data analysis was done with the Grounded Theory. The learning of osteopathic knowledge inside the work process was shown as a triggering tool for reflective processes about care. Faced with the efficiency of this approach in practice, participants demonstrated a

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willingness to transform their acts of self care with themselves and within their work process. According to the professionals, the common understanding about the mechanisms of self-regulation and the inclusion of the study of the tissue mobility in their anamnesis, contributed to the team work involving less protocolary care, a more appropriate care to each case which includes the stimulation of endogenous mechanisms, the rational use of medication, complementary exams and surgical procedures. Osteopathy, medicalization, primary health care Introdução

A osteopatia/medicina osteopática é um estilo clínico peculiar que pode ser definido como um sistema de cuidados à saúde centrado na pessoa, que inclui um senso altamente desenvolvido de toque como um componente significativo de estabelecimento de diagnóstico e conduta terapêutica. Nela, se considera necessário um entendimento avançado da relação entre estrutura e função corporal e é aplicada para otimizar as capacidades de auto-regulação, visando a homeostase dos indivíduos por meio de mecanismos endógenos1.

No Brasil, a osteopatia foi reconhecida como ocupação pelo Ministério do Trabalho em 2013, em 2011 tornou-se especialidade da fisioterapia2 e atualmente tramita um projeto de lei PL2778/2015 na câmara dos deputados, que reconhece a osteopatia como ramo especifico da saúde e regulamenta a profissão de osteopata. No Sistema Único de Saúde (SUS), foi incluída como Prática Integrativa e Complementar (PIC) em 2017, havendo um incentivo para sua inserção na atenção primária à saúde (APS) ou atenção básica3. A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC)4 enfatiza a necessidade de se transformar o modelo de cuidado no sentido da integralidade e humanização do cuidado, em caráter multiprofissional e em conformidade com os princípios e diretrizes estabelecidos para Educação Permanente em Saúde (EPS)5, que direciona esforços de aprendizagem para dentro do processo de trabalho.

A adequação da osteopatia à APS não é nova e está amplamente fundamentada na sua história fora do Brasil6, porém, é ainda pouco explorada neste nível de atenção no Brasil. Este artigo deriva da pesquisa de doutorado em saúde coletiva que envolveu a construção participativa de uma experiência de capacitação na lógica da educação permanente em osteopatia para/com profissionais da APS do município de Florianópolis7. O objetivo deste artigo é apresentar e discutir

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resultados do processo de pesquisa-intervenção, por meio de capacitação, relativas à socialização/ensino de aspectos dos saberes/técnicas/abordagens osteopáticas para/com profissionais da saúde da família, na sua confrontação com os processos de trabalho e cuidado na APS, conforme a lógica da EPS, na perspectiva dos profissionais envolvidos.

Percurso metodológico

A pesquisa-intervenção foi pactuada com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Florianópolis, incluindo sua Comissão de Práticas Integrativas e Complementares (CPIC), a gestão de atenção básica municipal e os coordenadores e equipes de três de seus Centros de Saúde (CS). Ela foi precedida de 4 meses de exploração do campo do cuidado clínico na APS, em que um pesquisador inicialmente acompanhou e realizou atendimentos compartilhados com uma equipe de saúde da família uma manhã por semana, objetivando conhecer as principais demandas, tipos de problemas e respectivas abordagens ali vivenciados. Esta foi a base para a proposição e negociação multilateral de capacitações curtas em osteopatia voltadas aos profissionais da Saúde da Família.

As capacitações se organizaram segundo preceitos da EPS, principalmente no que concerne a: lidar com a imprevisibilidade do campo; considerar os interesses e desejos dos participantes; procurar a inserção na realidade cotidiana e profissional dos mesmos; aproximar a aprendizagem da transformação participativa dos contextos estudados e lidar com a resolução de problemas práticos4.

Foram realizadas duas ondas de capacitação com carga horária de 32h, divididas em 8 encontros semanais cada uma. Participaram delas 35 profissionais de equipes de saúde da família e núcleos de apoio a saúde da família (NASF), incluindo 3 médicos, 7 enfermeiros, 5 fisioterapeutas, 1 psicólogo, 1 técnico de enfermagem, 10 agentes comunitários, 3 educadores físicos e alguns residentes e acadêmicos de medicina. Participaram também 21 usuários dos CS, que foram atendidos ao longo do processo. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos (CAAE: 52367216.7.0000.0121) e ocorreu dentro do horário de trabalho dos profissionais. Foram utilizados pseudônimos para manter a identidade em sigilo.

As capacitações procuraram ao máximo aproximar a teoria da prática, através de ciclos de ação-reflexão-ação inseridos no processo de trabalho. Cada turno de capacitação (4h) teve sua dinâmica organizada em vivências da seguinte maneira: o grupo elencava casos clínicos

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(entre seus membros ou de usuários dos CS), havia uma consulta inicial realizada em grupo pelos profissionais do CS e em seguida a consulta era realizada pelo osteopata. Ao longo dos atendimentos, os profissionais tinham liberdade e estímulo para realizarem questionamentos segundo suas necessidades e dúvidas. O osteopata/pesquisador, ao longo dos atendimentos, mantinha sua atenção no paciente e na possibilidade de socializar conhecimentos, reservando um segundo momento para possibilitar aos profissionais que vivenciassem em si, as técnicas utilizadas no caso atendido. A partir disto, surgiam espontaneamente assuntos e diálogos entre os participantes. Estes, foram organizados por meio de dinâmicas reflexivas e posteriormente sintetizados em mapas mentais (organizando graficamente um conjunto de palavras-chave)8 e as conversas foram registradas em materiais áudio-visuais (video-gravação da maior parte dos encontros). As dinâmicas reflexivas envolviam a construção de perguntas disparadoras, conduzidas pelo pesquisador, de caráter amplo e aberto que facilitavam a reflexão e organização coletiva de narrativas, questionamentos e significados vivenciados ao longo do processo.

Encerrados os encontros de capacitação, todos os materiais produzidos foram revisitados seguindo a ordem cronológica em que foram produzidos. Somado a estes materiais foi realizada uma rodada de entrevistas visando captar os significados e sentidos atribuídos pelos participantes à sua experiência na capacitação e em sua prática diária. O roteiro da entrevista continha perguntas de caráter amplo e aberto no intuito de não influir nas respostas mas sim de situar os profissionais frente à capacitação (no passado: o que foi a capacitação para você?; presente: você percebe alguma mudança na sua relação com a saúde?; e futuro: qual o impacto da capacitação para o serviço se prosseguirmos com ela?). As entrevistas ocorreram em sequência por conveniência (facilidade de encontro, agendamento e realização) até ser percebida a saturação dos dados, sendo 20 os entrevistados. A análise do material foi orientada pela Grounded Theory9, por permitir explorar a diversidade dos dados de forma criativa, abrangente e interativa. Esta metodologia nos instrumentalizou a partir dos achados empíricos para buscar conceitos e referências teóricas e não o contrário. Os dados foram transcritos, agrupados, categorizados, comparados entre si, interpretados e discutidos com autores capazes de aprofundar e fortalecer as relações entre as categorias temáticas9.

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Resultados e discussão As categorias iniciais emergentes do processo analítico remetem

aos seguintes contextos: processo de trabalho; relações de cuidado consigo e com o outro; crenças e pressupostos dos participantes; aprendizagem em saúde; e modelo de atenção compartilhado pelos profissionais do serviço. A discussão e os tópicos finais foram construídos a partir do diálogo entre material empírico (apresentado nas falas dos participantes) com referenciais teóricos selecionados posteriormente. Para isto foram selecionados autores que tratassem de assuntos relativos à intervenção em serviços de APS por meio de capacitação profissional e que aprofundassem as relações entre as categorias iniciais. Devido a riqueza observada nas falas dos profissionais e sua importância para elucidar o contexto empírico da pesquisa, organizamos quadros contendo as falas que acompanham os assuntos discutidos.

Daquilo que se mostrou socializável da osteopatia para profissionais da APS Algumas considerações influenciaram a escolha dos conteúdos da osteopatia para as equipes de APS, como: a) a diversidade da osteopatia, por apresentar vários modelos teóricos e variadas técnicas clínicas, além de baixo risco relacionado com algumas técnicas; b) em relação aos serviços levou-se em conta sua característica multiprofissional, carga horária reduzida e características da APS, como: ser o centro do cuidado, necessidade de vínculo, centralidade do cuidado na pessoa e estímulo a uma postura ativa por parte dos usuários envolvidos. A abordagem osteopática possui a peculiar característica de uma ampla diversidade de modelos de raciocínio clínico (modelo biomecânico, modelo respiratório/circulatório, modelo neurológico, modelo biopsicossocial e modelo bioenergético)1 e de técnicas, sendo estas direcionadas a praticamente todos os tecidos e estruturas anatômicas (ex: técnicas viscerais, cranianas, músculo-esqueléticas), minuciosamente descritas em manuais e exaustivamente praticadas nos cursos de formação, com média de carga horária de 1700h1. Desta forma, no contexto da nossa pesquisa-intervenção, tornou-se mais importante instrumentalizar uma atitude investigativa acerca do movimento e das capacidades de auto-regulação (aspectos subdesenvolvidos no saber biomédico), estabelecendo critérios simplificados para sua eleição (abaixo sintetizados), do que nomear uma série de técnicas específicas para cada segmento corporal. Esta atitude incluiu alguns critérios presentes na racionalidade osteopática e que

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pareceram não estar presentes no estilo clínico utilizado pelos profissionais dos serviços, estilo este que pode ser considerado aproximadamente biomédico. Três principais critérios se mostraram relevantes de serem socializados: 1) avaliação da mobilidade dos tecidos, explorando palpatoriamente os tecidos mais tensos e os principais eixos de movimento partindo da flexão e extensão das articulações; 2) observação e avaliação da relação do organismo como um todo e com suas partes, ou da interdependência regional, percebendo possíveis relações anatômicas, principalmente no que se refere a vascularização e inervação, partindo da coluna vertebral para os membros, bem como considerar como os aspectos emocionais e sociais podem ter relação com as tensões encontradas; 3) observação da relação entre a função (incluindo o movimento realizado nas atividades laborais, de lazer e convívio) e os sinais e sintomas, questionando sobre onde e quando o problema se manifesta e quais os movimentos que agravam e quais trazem conforto. Uma descrição mais detalhada do resultado da aplicação desses critério está em Schneider6. Para além do prognóstico biomédico: o resgate da curiosidade clínica e a surpresa da eficácia dos mecanismos de auto-regulação

A questão da avaliação clínica para além do modelo biomédico foi levantada por boa parte dos profissionais após a capacitação.

“Eu pude aprofundar essa parte investigativa... do porque, dessa linha histórica, de tentar entender quando ela surgiu e como. Não só do ponto de vista mecanicista, assim, biomecânico, mas considerar também todo o contexto social de vida do paciente.... como que estava todo o emocional dele e que poderia influenciar nessa dor.” (Caio, educador físico)

A aprendizagem da osteopatia se mostrou um dispositivo capaz de gerar processos reflexivos acerca da clínica, da importância de se testar as hipóteses diagnósticas e de verificar se a visão de futuro construída para cada caso (prognóstico) converge ou diverge de sua evolução. Isto pois, no momento em que os profissionais reavaliaram os prognósticos por eles esperados na primeira consulta e confrontaram com a evolução após a abordagem osteopática, observaram a eficácia ou ineficácia do modelo clínico que utilizam diariamente no seu processo de trabalho.

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Os vários relatos de melhora e eficácia durante a capacitação foram fortalecedores da confiança do grupo na aprendizagem, bem como sensibilizaram quanto à capacidade inerente de autocura do corpo. Para a educação permanente, a transformação não envolve apenas a pedagogia e os processos de ensino e aprendizagem, mas também uma incorporação crítica de saberes/técnicas, padrões de escuta, relações estabelecidas com os usuários e entre os profissionais, a partir da eficácia da clínica produzida10,11. A eficácia e resolubilidade da abordagem osteopática pôde ser observada em casos de problemas agudos e crônicos, o que foi rico para apresentar a utilidade da osteopatia tanto como abordagem de primeiro contato tanto como de acompanhamento longitudinal.

Quadro 1

Sabrina, ACS “Eu fui a primeira atendida e eu tô muito bem. Eu sentia dor no braço há 7 ou 8 anos. Falavam que era tendinite... eu já tinha feito acupuntura, remédio e fisioterapia... ajudava mas sempre voltava... agora com esses exercícios eu estou bem satisfeita, estou sem dor”

Cilene, ACS “Outro caso foi o meu dedo do pé, ele doía sempre, era dormente, eu sentia um queimor. Depois o dedo ficou bom, inclusive ele estava torto e ficou bom. Eu nunca senti mais dor no meu dedo. Esse meu dedo já doía há anos, tipo, 20 anos”

Roberta, enfermeira

Eu me surpreendi com a melhora da Carol, foi muito rápido, não precisou de medicação e nem de exame.

Gorete, ACS “Tem uma amiga nossa, com uma dor no ombro e outra no quadril. Desde a primeira vez que ela veio, ela não sentiu mais dor. Ela já tinha feito tudo que era tratamento. Ontem eu encontrei com ela, ela levantou o braço e não dói. Parece que foi tirado com a mão, é impressionante.”

João, médico de família

“A gente viu aqui funcionários que foram beneficiados com técnicas e abordagens rápidas, mas que se mostraram eficientes nos casos que acompanhamos no curso.”

Pedro, enfermeiro

“O que eu pude observar foi uma resolução muito grande nos casos de dores crônicas e não crônicas que a gente atendeu, com uma melhora bem significativa, eu acho que isso foi o que me marcou bastante no curso.”

Diana, “Na minha prática como enfermeira isso ajuda muito,

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enfermeira porque a gente tem o dia-a-dia bem corrido, e ser mais objetivo já podendo ajudar a pessoa, sendo mais resolutivo, ajuda muito”

Leia, ACS “Para mim foi um aprendizado. Aprendi que nós podemos fazer muito sem tomar medicação.”

Na tipologia desenvolvida por Merry (2002)12, que compreende as densidades tecnológicas no campo da saúde, a osteopatia parece se enquadrar em um espaço até então pouco habitado ou reconhecido, uma espécie de lacuna entre as tecnologias ditas leves-duras, (que incluem os saberes clínicos estruturados, envolvendo a eficácia clínica, a semiologia, a fisiologia e a anatomia, aplicados no cuidado) e as tecnologias leves (questões relacionais, como o acolhimento e o estabelecimento de vínculos e parcerias entre profissionais e destes com usuários). Isso porque, embora a osteopatia se apresente com uma boa quantidade de saberes relacionados à clínica dita “dura”, incluindo saberes fisiológicos e epidemiológicos comuns à biomedicina, por outro lado possui todo um grande componente de trabalho vivo em ato que busca criar relações que integrem as informações duras e leves-duras com as sensações e referenciais do próprio indivíduo, aproximando-se de sua singularidade e facilitando o resgate de uma maior autonomia frente à seu corpo e suas questões de saúde. Da ampliação do olhar clínico ao trabalho em equipe

Para os profissionais, a socialização do saber osteopático em um contexto multiprofissional incluiu a valorização de diferentes olhares, a ampliação da clínica na prática e o fortalecimento do trabalho em equipe. Ao atuarmos, via educação permanente, na aprendizagem de diferentes profissionais, fortalecemos as possibilidades da transformação do processo de trabalho a partir do consenso sobre a inclusão de novas estratégias de cuidado.

Quadro 2

Fabiane, ACS “Foi de uma forma que todo mundo interagiu junto... não foi como um livro que tu pega uma linha e vai lendo, mais de uma forma que todo mundo consegue entender e trabalhar junto, por exemplo, se eu fiz a capacitação e outro profissional não fez, ele não tem noção disso... chega uma paciente com uma dor lombar ou cervical, se eu fiz a capacitação eu posso colocar numa maca, alongar... o outro funcionário não tem essa

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noção, ele iria pedir um RX e medicar” Camila, Fisioterapeuta

“Quando eu vi os médicos nesse momento com a gente, foi bem interessante... aí eles começaram a entender um pouco mais da nossa prática e ver como eles podem atuar junto com a gente, não somente ali dentro do consultório, cada um separado no seu quadrado.”

Para Merhy, Feuerwerker e Ceccim (2006)13, o acompanhamento

e discussão coletiva de casos clínicos é um dispositivo potente para identificar a complexidade dos problemas, tornando necessário articular diferentes saberes e recursos na produção de projetos terapêuticos. Quando provocados e desafiados pela complexidade das situações, ampliam-se as possibilidades de os trabalhadores se mobilizarem a produzir uma equipe para um melhor cuidado, pois nessas situações é que vale a pena o esforço da articulação e da interdisciplinaridade13. Abrindo os olhos para o fenômeno da catastrofização Os profissionais perceberam ao longo do processo, o quanto o exercício da abordagem biomédica pode gerar interpretações equivocadas, associadas a narrativas sobre prognóstico catastrófico e tendo como consequência a diminuição das atividades do paciente, medo do movimento e consequente piora no quadro como um todo, com tendência à cronificação, quase como uma profecia subliminar auto-realizadora.

“a gente percebeu a importância de observar como a gente fala... porque se a gente não explica ele vai passar a vida toda sem fazer mais nada” (Fernanda, fisioterapeuta)

A capacitação em muitos momentos confrontou os participantes com os fenômenos associados da cinesiofobia e catastrofização. Estes são conceitos comuns na osteopatia mas pouco discutidos na saúde coletiva, na biomedicina e na APS, e podem ser observados como uma faceta da biomedicalização da vida14. O fenômeno da catastrofização pode ser caracterizada por geração ou reforço de antecipação ou expectativa de desfechos negativos por parte dos pacientes. Já a cinesiofobia é definida como medo de movimentar-se. Eles têm relação com a qualidade da interação profissional-usuário e são relativos às expectativas de melhora ou piora do quadro do paciente. A conduta clínica e a qualidade da relação profissional/usuário, incluindo a comunicação verbal e não verbal, podem reforçar crenças limitantes, aumentar a dor, gerar ansiedade e estresse15,16:

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“para nós foi uma surpresa... o médico falou para ela que ela ia piorar com o tempo, que ela não ia mais engolir... ela era uma pessoa muito ativa e após desse acidente ela parou de fazer muitas atividades. Aí a depressão veio a aflorar muito mais no caso dela. O fato que marcou para mim, assim, foi que uma coisa que ela gostava muito de fazer era caminhar na praia e o médico falou para ela “não, tu não pode caminhar na praia”... Ela era muito ativa e a partir daquele acidente ela passou a viver aquilo que o médico falava para ela viver...” (Clara, técnica de enfermagem)

Em muitas situações, o processo de catastrofização destrói o que de outra forma poderia ter sido um bom prognóstico e desestimula o paciente a seguir com sua vida livre de crenças de incapacidade. Tais crenças geralmente ganham força na relação clínica por meio de recomendações de repouso prolongado e retirada irracional de atividades físicas, sendo respaldadas em diagnósticos de patologias, legitimados ou não por exames complementares e indicações de estratégias terapêuticas vitalícias16,17. Este processo aumenta a deficiência, gera atrasos ou impede a recuperação, além de gerar aumento pela procura dos serviços de saúde convencionais e não convencionais, maior consumo de medicamentos e maior realização de cirurgias desnecessárias18. Isso não se refere apenas a práticas tecnicamente mal-fundamentadas, mas é induzido por saberes biomédicos estabelecidos, relativos à cronicidade ou cronificação, à doenças ou situações para as quais não se tem cura e subliminarmente há um implícito (inscrito no saber e na cultura profissional) de cronicidade e evolução para pior - que seria no máximo contida ou retardada ou parcialmente reabilitada pelos tratamento biomédicos -, sobretudo quando há diagnósticos de lesões (em casos osteomusculares) ou doenças crônicas tecnicamente corretos e confirmados por exames (de imagem, etc).

Quantidade X qualidade dentro do serviço

Um importante obstáculo à mudança das práticas de cuidado foi a rígida organização do processo do trabalho em relação ao tempo e a demanda. Esse fato, por um lado, aponta para um achado recorrente na literatura relativo ao subdimensionamento da APS e a sobrecarga da demanda. Por outro lado, indica que modelos de aprendizagem permanente devem ter continuidade por se tratar de espaços de encontro acerca de temas que não se encerram, por serem inerentes ao trabalho e

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necessitarem ciclos de experimentação/reflexão/ação para alcançarem as devidas negociações nas agendas visando as mudanças necessárias.

...aqui no Centro de Saúde, para a gente fazer o que aprendeu no curso, eu precisaria de mais de 10 min de consulta. Pensando que a minha agenda é de 10 a 15 min e que é alta a demanda.... pra gente é muito mais fácil dar a receita com os medicamentos do que a gente posicionar, avaliar, conversar e testar. Por que ao mesmo tempo que eu estou com a paciente, eu estou pensando no meu atraso e nas pessoas que estão lá fora esperando... que eu preciso atender bem rápido. (Roberta, enfermeira)

O cuidado em saúde é um ato singular, sendo imprescindível que

o ser cuidado e o ser cuidador se encontrem em interação qualitativamente produtiva19,20. Esta interação envolve ações, atitudes e comportamentos guiados por fundamentação científica, experiência, intuição e pensamento crítico. Este processo necessita que a atenção do profissional esteja na relação com o outro, visando promover, manter e/ou recuperar não apenas sua integridade física mas sobretudo sua dignidade e totalidade humanas20,21. Do contrário, “deixados às normas e ao automático, sabe-se que os trabalhadores tendem a reproduzir o hegemônico, tendem a produzir descuidado” (p.108)22.

O dilema da quantidade versus qualidade do cuidado oferecido sempre acompanhou as equipes. O profissional vê a sua atenção dividida entre metas externas e o exercício de se colocar disponível a perceber o outro, colocando-se no lugar deste para estabelecer relações empáticas e que transmitam algo a mais do que informações técnicas protocolares.

Eu vejo que por conta da demanda, a gente às vezes atropela o processo terapêutico, quer fazer tudo muito rápido.... e a capacitação traz de volta a questão do toque e a importância de acolher aquela pessoa, não apenas a dor da pessoa mas o que ela está trazendo com um olhar mais sensível, mais integrativo... A serenidade não faz muito parte do serviço, a gente está sempre num caos, numa coisa muito pesada, e a serenidade eu vejo como uma coisa importante, se não temos serenidade fica muito difícil de lidar com pessoas. (Joana, fisioterapeuta)

A habilidade relacional de construção de vínculo pode determinar

a escolha deste ou daquele profissional como centro do cuidado no

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acompanhamento longitudinal. Apesar disto, ser reconhecido pela comunidade não é computado nos indicadores de produtividade do serviço. Em nosso estudo o trabalho em saúde, repleto de significados, vínculo e pactuações, como se preconiza para uma maior eficácia da APS, não se mostrou devidamente valorizado. Isto dificulta a transformação do modelo de atenção no que compete a introduzir olhares singulares e não protocolares, como propõe o estilo clínico osteopático. Nas palavras da técnica de enfermagem, Clara :

... parto muito de olhar, [...] da pessoa em si, não só da doença [...],do indivíduo como um todo.... a equipe me pergunta, “porque os pacientes só querem vir quando você está?” Eu sou muito cobrada por essa atitude [...] porque tem aquela coisa... “vamos, vamos, não dá tempo, tem uma lista enorme te esperando... não é aqui que você tem que fazer isso”... o paciente chegou com uma receita, você confere, administrou, “pá, pum” e manda embora. [...]É esse modelo de trabalho que a gente está, de quantidade, essa coisa de números, números e números! Isso me deixa angustiada como profissional. (Clara, técnica de enfermagem)

Segundo Scherer et al. (2016)23 para a superação do modelo de

cuidado biomédico: “são necessárias ferramentas cognitivas afiadas para desempenhar todas as funções demandadas em seu dia a dia com qualidade e sensibilidade, o que determina um maior ‘uso de si’. Essa dedicação intensificada pode levar ao desgaste psíquico e fisiológico” (SHERER, 2016, p.95).

Em nosso percurso, observamos que os trabalhadores mais atentos às singularidades acabavam sendo sobrecarregados e cobrados a aderir a uma contraditória produção em série de procedimentos. Para Contatore (2015, p. 3264)24, “a efetiva implantação de novos procedimentos técnicos nos serviços públicos, principalmente de PIC, está vinculada a uma política de evidências científicas restritiva, que privilegia evidências quantitativas em detrimento das qualitativas”. Merhy e Onocko (1997)25 coloca que justamente o modo como se estruturam e são gerenciados os processos de trabalho configuram um dos grandes nós críticos das propostas que apostam na mudança do modelo tecnoassistencial em saúde no Brasil, que se mostram

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comprometido outros tipos de interesse que não se emportam necessariamente com a saúde dos cidadãos.

Refletindo sobre as condutas clínicas e a conquista de maior autonomia com compartilhamento de responsabilidades

Quando em contato com os recursos terapêuticos apresentados na capacitação, os profissionais pareceram motivados a participar mais do próprio serviço, no sentido de buscar e testar novas possibilidades terapêuticas ao invés de simplesmente aderir a condutas que em sua experiência prévia não se mostraram satisfatórias.

“A capacitação foi uma maneira de ajudar o próximo, foi uma maneira de ter uma visão... como aconteceu com a minha amiga, ela chegou falando: eu vou fazer uma tomografia e uma ressonância; e eu falei: espera, calma aí, vamos ver se tem alguma alternativa... foi uma forma de eu ter essa autonomia de falar isso.” (Fabiane, ACS)

A autonomia em recomendar ou questionar determinada estratégia de cuidado, seja para si ou para o próximo, pode gerar uma desconfiança quanto a segurança envolvida nesse processo. Será que todos os profissionais têm condição de realizar determinados questionamentos? Quem tem o poder sobre essas decisões? Em nosso ver, a experiência dos profissionais em acompanharem diferentes casos ao longo do tempo, traz um valioso arcabouço de vivências capazes de contribuir para uma tomada de decisão segura e mais acertiva acerca da escolha de tratamento. Por outro lado, é previsível e inevitável que os profissionais tragam suas experiências prévias, tanto vivenciadas em si quanto testemunhadas no acompanhamento de outros casos, como elementos norteadores das recomendações em seu relacionamento de cuidado com os usuários.

Tratando da construção de uma relação de cuidado que envolva autonomia e compartilhamento da tomada de decisão, Menendez (2003)

26 transcorre sobre o indivíduo que não cumpre as prescrições por opção e esclarecimento e não pelo fato de não compreender ou puramente discordar sem o devido diálogo com o clínico. Nas palavras de Menendez, sobre esta forma de relação que o indivíduo estabelece com o profissional:

“se caracteriza por não cumprir a prescrição, mas não por ignorância das consequências negativas que podem ter a suspensão ou modificação do tratamento ou por não entender a prescrição receitada, senão

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devido a dois fatos básicos: por uma parte, a quantidade de informação técnica que possui este tipo de paciente e por outra que sua modificação do tratamento obedece a experiência de seu próprio corpo com o tratamento receitado. O indivíduo decide aumentar, reduzir a dose ou espaçá-la segundo seu conhecimento e sua própria experiência, ações estas que não oculta senão que discute com a equipe. Fazendo isto, este usuário ou profissional não questiona o "poder médico" nem a eficácia da biomedicina, pelo contrario, é um partidário da mesma, não lhe interessa discutir o poder na relação médico/ paciente, e sim melhorar a saúde, controlando o melhor possível o padecimento crônico. Este novo tipo de usuário ou profissional (que não é tão novo) se caracteriza por seu saber e não por sua ignorância, mas também por uma informação que refere a sua própria experiência de enfermidade e atenção” (MENENDEZ, 2003, p. 204).

Essa postura relacional estimulada na capacitação envolve uma

atitude questionadora e dialógica que busca fundir as informações técnicas e experiências próprias para uma decisão compartilhada e responsável, e revela uma prática entre profissionais e usuários que é sistematicamente velada e por isso não notificada nem tampouco tecnicamente desenvolvida. Essa prática tem relação com a utilização de medicamentos já pertencentes ao arcabouço de autoatenção dos usuários, utilizados na prática diária para sintomas recorrentes como dores músculo-esqueléticas, cefaléias, problemas gastro-intestinais comuns como azia, refluxo, má digestão, gases, prisão de ventre, etc. Na capacitação, houve casos em que a avaliação osteopática foi utilizada para o reconhecimento de diagnósticos diferenciais (reformulando hipóteses diagnósticas) e estratégias terapêuticas, o que possibilitou um redirecionamento de certas estratégias de autoatenção. Nas palavras de Cilene:

“... eu estava com uma dor abdominal, o médico tinha pedido os exames de sangue e dado antibiótico (sem qualquer melhora). Achávamos que era cistite, mas depois (após a avaliação palpatória) a gente veio a descobrir que eram gases e melhorou.” (Cilene, ACS)

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Nesse caso, a avaliação osteopática apontou para um tensionamento e perda de mobilidade dos tecidos na região do intestino grosso e aumento de gases. A ACS por conta própria, escolheu uma medicação que já havia utilizado para gases e em dois dias estava sem os sintomas que já perduravam por duas semanas, mesmo já tendo realizado o uso de antibiótico sem nenhum efeito.

Esta capacidade de estabelecer hipóteses diagnósticas baseadas no estudo de sinais fisiológicos caracteriza a osteopatia desde seu nascimento, no século XIX. Flexner (1910)27, mesmo sendo abertamente avesso à esta abordagem, manteve a osteopatia como escola médica em seu histórico relatório em 1910, pois, observou que, “na seita, os osteopatas eram treinados a reconhecer uma enfermidade e a diferenciar uma patologia da outra tão cuidadosamente quanto qualquer outro médico” (p.125)27.

Este assunto toca uma importante barreira referente a autonomia sobre a tomada de decisão sobre utilização de estratégias terapêuticas medicamentosas e outras que tencionam os territórios circunscritos pela atuação exclusiva de profissionais/especialistas ou a gradual dissolução de saberes em campos de atuação conjunta, dialogada e multiprofissional. A simples negação desse fenômeno parece apenas distanciar o conhecimento empírico do saber técnico, o que torna o cuidado mais ineficaz e diminui o diálogo e o vínculo entre as partes envolvidas.

Tesser (2009)28 destaca quatro eixos onde as PIC potencialmente podem contribuir para a promoção de saúde. Pudemos observar três destes eixos em nossa intervenção. O primeiro envolve um certo “empoderamento do coletivo” para que indivíduos e coletividades possam participar ativamente na construção de uma vida e uma sociedade mais saudável. Este eixo pode ser observado tanto na motivação solidária dos participantes em relação a construção de espaços de troca entre profissionais, no fortalecimento do trabalho em equipe e na sensação de autonomia em procurar alternativas e estratégias menos invasivas como forma de terapêutica. O segundo eixo compreende concepção de saúde positiva e ampliada, o que pode ser observado em diversos relatos onde os participantes trouxeram a importância de compreender o cada contexto incluindo as histórias de vida de cada pessoa, bem como quando se depararam com a eficácia produzida ao promover mecanismos de autocura por meio da flexibilização dos tecidos (técnicas manuais osteopáticas). E o terceiro eixo refere-se a transformação das práticas pedagógicas em algo mais dialógico e menos diretivo28.

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A reestruturação do saber a partir da vivência da abordagem osteopática em si e no outro

Os profissionais reconheceram o fomento de uma postura “humana” durante a capacitação. Esta característica é esperada de todo profissional exercite no cuidado clínico aos usuários, ou seja, um interesse genuíno, solidário e empático pelo outro, nas palavras de Fabiane “acima de tudo, foi muito humano” e segundo Fernanda:

“acho que você foi muito verdadeiro com a gente e com os pacientes. Tu não veio aqui só para mostrar o trabalho, aplicar o teu trabalho, tu se importou mesmo com os pacientes.”

A vivência da abordagem osteopática pareceu acessar parte da

subjetividade e dos afetos envolvidos no ato de cuidado, como trabalhadores da saúde e como pacientes. Para Bessa et al. (2011)29, os afetos envolvidos no processo de trabalho em saúde são sentimentos que se baseian na história pessoal de cada um e na forma como o profissional encherga e se relaciona com o serviço. “Esses afetos podem contribuir ou não para a eficácia da conduta terapêutica e para a manutenção da vida em cada pessoa afetada, seja o trabalhador, ou o próprio usuário” (p. 3056)29. É imprescindível considerar os afetos na aprendizagem em saúde, sobretudo no estabelecimento das interações intersubjetivas dos cuidados.

Para Ceccin e Feuerwerker (2004)30, das atividades de educação permanente, das problematizações do pensar-agir-perceber e de sua interpretação, emerge como aprendizagem significativa, a invenção de si. Nesse processo há a dissolução de identidades, de formas de agir, dentro e também fora do trabalho, o que reconfigura novas subjetividades acerca dos assuntos vivenciados. Estas novas metodologias produzem uma ruptura, pois põem as pessoas frente a si mesmas, substituem um processo educativo heterônomo por um processo mais autônomo30. Em nosso processo, a aprendizagem da osteopatia, por meio da vivência desta abordagem em si e no outro, mostrou-se um disparador de processos reflexivos indutores de transformar em alguma medida o cuidado e a si próprio. Nas palavras dos participantes:

Quadro 3

Roberta, enfermeira

“ aqui eu tenho uma reflexão sobre mim mesmo!”

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João, médico de família

“Depois desses dois meses de capacitação, eu me sinto um profissional melhor.”

Vania, ACS “...não podendo aplicar aqui nesta instituição eu vou aplicar para mim e para a minha família. Isso é para a vida! Para a minha vida!”

Leia, ACS “Vou levar pro resto da minha vida esse conhecimento, obrigada!”

Sinais de superação do modelo biomédico

Ao longo da capacitação, os profissionais puderam visualizar possibilidades de superação do modelo biomédico vigente e alguns de seus problemas mais evidentes. Alguns profissionais trouxeram exemplos pautados na rotina de trabalho, que incluíam assuntos relativos à diferenciação diagnóstica, testagem de hipóteses, superação de conduta puramente protocolar, uso racional de fármacos e exames complementares, e consequente resolubilidade. Os participantes foram praticamente unânimes sobre uma mudança de olhar na prática do cuidado.

Quadro 4 Isabel, Enfermeira

“Uma nova forma de ver o cuidado, uma outra vertente do cuidado.”

Clara, técnica em enfermagem

“Esse curso está me ajudando bastante em ter um novo conceito do que é tratamento, do que é doença crônica, tirando aquele conceito da medicação, abrindo um novo leque, inserido no nosso campo de trabalho.”

João, médico de família

“foi oportunidade, esperança de que a gente pode oferecer algo a mais aos nossos usuários”

Camila, fisioterapeuta

“traz alguns caminhos pra gente intervir e não trabalhar apenas com orientação e com encaminhamento, ser mais resolutivo na atenção primária.”

Roberta, enfermeira

“A gente já muda um pouco o olhar né, porque quando chega com uma dor a gente já pensa logo no exame, um ultrassom dependendo do local da dor, e analgésico e alongamento né... e a gente nem toca muito... e com a capacitação a gente já muda o olhar, a gente testa... dá um olhar mais diferenciado, não só aquela questão engessada.”

Por fim, quando questionados sobre qual seria o impacto desta

estratégia de educação permanente a longo prazo, os profissionais apresentaram elementos que apontam no sentido da mudança da cultura

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envolvida no ato de cuidado, tanto por parte dos profissionais quanto da população. As falas vieram acompanhadas de um repertório relacionado ao que atualmente se defende como “boas práticas” e clínica ampliada em saúde. Todavia, pode-se observar na simplicidade das narrativas o ar mais vivencial que teórico (Quadro 5), envolvendo temas como: medicalização da vida, prevenção quaternária, uso racional de medicamentos e exames, trabalho em equipe, centramento na pessoa, educação em saúde, centrais para a melhoria da qualidade do cuidado na APS.

Quadro 5 Samira, psicóloga

“A gente ia tentar dar um olhar para esse todo, cultura, crenças, o relacionamento com os outros... Vai mudar, conceitos, a cultura das pessoas que vão acessar o serviço. Vai potencializar a qualidade do serviço.”

Caio, educador físico

“Melhoraria bastante na questão de direcionamento de exame... porque as pessoas querem muito exame... e nessa parte ajudaria muito, auxiliando os encaminhamentos, diminuindo a utilização de remédios. Então se a equipe toda fosse capacitada, a qualidade de vida dos pacientes e o tempo de melhora poderia ser reduzido bastante”

Pedro, enfermeiro

“O que mais valorizei nesse curso é uma lacuna que existe entre o diagnóstico médico e a intervenção medicamentosa. O paciente sai do consultório, muitas vezes já com um diagnóstico, e uma intervenção, sem passar por uma tentativa de melhora com outras práticas.”

Isabel, enfermeira

“Eu acho que vai diminuir a demanda por exemplo de remédio para a dor, pra ansiedade, para depressão, acho que isso ameniza muito, a necessidade de remédio, acho que existem outras formas de remédio, como a terapia manual, que talvez sejam muitos mais efetivos, com menos efeitos colaterais. É um curso que ensina a perceber a pessoa como um ser humano total, de levar em conta o que ela sente. Isso pode fazer muita diferença para aliviar as dores de uma pessoa, aliviar a ansiedade, enfim... dar conforto para a pessoa”

Camila, fisioterapeuta

“vai mudar a prática e o modelo, que querendo ou não vem instituído na formação desde o começo... centrado no médico, nos medicamentos e nas consequências, sem pensar muito na causa, aí no outro dia, o paciente está

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aqui de novo... aí todo muito se capacitando, vai pensar diferente, como a gente pode trabalhar com saúde, com promoção”

Fabiane, ACS “Mudaria os pacientes dentro do centro de saúde, procurando por medicação... eu acho que essa é uma medicina do futuro... os atendimentos do futuro, não vão ser mais prescrever medicação, mas sim, exercícios.”

Diana, enfermeira

“E eu acho que essa capacitação amplia a visão porque às vezes a tua ajuda está nas tuas mãos e não necessariamente num artifício fora”

Considerações finais

A capacitação/educação permanente em osteopatia foi considerada relativamente exitosa pelos participantes e pelo pesquisador, embora limitada pela sua brevidade e descontinuação. Outra limitação de nosso estudo foi que todas as etapas foram conduzidas pelo mesmo pesquisador, incluindo as entrevistas e análise dos dados, gerando assim um possível conflito de interesse; todavia, a presença/participação do pesquisador em todas as etapas facilitou maior profundidade nas entrevistas e análise. A vivência dos saberes e técnicas osteopáticas foram disparadores de processos reflexivos que se deram através deste estilo de cuidado até então desconhecido pelos profissionais. Para tal, não foram utilizados muitos momentos teóricos, nem tampouco a separação dos grupos de aprendizagem em diferentes profissões, como é comum. Esta estratégia pareceu facilitar a instrumentalização da avaliação e do agir profissional focado na totalidade de cada ser humano, recolocando a técnica em um 'segundo plano', no sentido de ficar em uma posição adequada, a serviço dos sujeitos, que a praticam ou acessam (ou não), com maior ou menor expertise. Também permitiu a socialização da osteopatia como uma abordagem e não apenas como um conjunto de técnicas isoladas. O processo aqui sintetizado e analisado parece ter conseguido motivar os profissionais a transformarem em algum grau seu agir profissional, o que pode vir a ter algum impacto no serviço, o que, todavia, não foi avaliado nesse estudo. Ele sugere que pelo menos parte do conjunto dos saberes e técnicas da osteopatia podem ser socializados, aprendidos e praticados pelas equipes de APS, ampliando para melhor a clínica e sua resolubilidade. Referências

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1. World Health Organization WHO. Benchmarks for training in traditional /complementary and alternative medicine: benchmarks for training in osteopathy. Switzerland: WHO library; 2010.

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29. Bessa JMS, Muniz PD, Dias QPH, Alves PAG, Pereira de SFS, Cavalcante CM. Promoção da Saúde Mental - Tecnologias do Cuidado: vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia. Ciência & Saúde Coletiva 2011;16(7):3051–60.

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ANEXO 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

DOUTORADO EM SAÚDE COLETIVA

Construção e avaliação participativa de estratégias de matriciamento e educação permanente em terapia manual voltadas

à profissionais da atenção primária e NASF do município de Florianópolis.

ESTRUTURA DO PILOTO DE CAPACITAÇÃO Aluno: Leonardo Mozzaquatro Schneider

Orientador: Charles Dalcanale Tesser

Junho 2016

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1- Metodologia de Ensino: Modelo de formação-intervenção 2- Metodologia de Avaliação: Avaliação participativa. 3- Estrutura do piloto da Capacitação – o que segue é uma proposta de uma capacitação-piloto para ser testada (e aperfeiçoada) inicialmente em dois Centros de Saúde. Posteriormente, caso exitosa, poderá ser ampliada ou multiplicada para outros serviços - com ou sem modificações). A capacitação irá se desenvolver por meio de ondas de capacitação até que sejam sanadas as demandas dos profissionais e sem que haja afastamento de muitos profissionais no mesmo momento de suas atividades regulares de rotina. Cada onda tem a duração total de três meses e prevê a participação de aproximadamente 5 profissionais de APS de cada centro de saúde, mais profissionais de NASF de fisioterapia, psicologia e educação física e residentes e estudantes, tendo um total de 22 participantes por Capacitação segundo a tabela abaixo.

Formação

Número por CS por onda

Número Total por onda (2 CS e NASF e estudantes)

A P S

Enfermagem 1 2 Medicina 1 2 ACS 2 4 Técnicos 1 2

N A S F

Fisioterapia 1 2 Educação Física 1 2 Psicologia 1 2

Residentes/Estudantes de NASF e APS

3 6

Total APS/NASF/Estudantes 5/3/3 10/6/6= 22 participantes por onda

As ondas de Capacitação serão divididas em três momentos descritos abaixo:

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3.1 - Momento de concentração: Duração: 4h Local: Projeto Amanhecer no centro de capacitação do HU. Total de carga horária: 4 encontros ou 16h Objetivos:

Introduzir a Terapia Manual, Capacitar tecnicamente à de avaliar, triar e dominar técnicas terapêuticas por meio da Terapia Manual aplicadas ao contexto da APS. Capacitar as equipes na construção de grupos de atendimentos multiprofissionais em Terapia Manual Construir com os profissionais instrumentos de avaliação da capacitação.

Método:

Vivencia das técnicas nos próprios participantes Construção de grupos de atendimento Aulas expositivas e praticas

Observação:

A sala bem como as macas necessárias já foram acordadas com a direção do projeto amanhecer, porém esta instancia participara da pactuação do dia para a realização da capacitação.

Momento de concentração

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 160

2

4

6

8

Cronograma (semanas)Primeira onda Segunda onda

Carg

a ho

rária

sem

anal

(h)

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3.2- Momento de dispersão: Duração: 2h Local: Centros de Saúde Total de carga horária: 4 encontros ou 8h Objetivos:

Desenvolver as habilidades técnicas de avaliação, triagem e intervenção individual e em grupos. Construir um ambiente que favoreça a participação da comunidade Desenvolver habilidades relacionais Desenvolver habilidades de trabalho em equipe multiprofissional Identificar e instrumentar usuários no manejo de técnicas seguras para auto cuidado e acolhimento de mais usuários que sejam encaminhados pelas equipes para o grupo.

Método: Encontro no centro de saúde, com todos os participantes da capacitação. Nos dois primeiros sem a presença de usuários e nos demais com a presença de usuários encaminhados pelas equipes. Estabelecimento de fluxos de acolhimento, trabalho em grupo e consultas conjuntas.

Observação: Necessidade de se conquistar, uma sala com espaço para 20 pessoas e ao menos 5 macas.

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Momento de dispersão

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 160

2

4

6

8

Cronograma (semanas)Segunda ondaPrimeira onda

Carg

a ho

rária

sem

anal

(h)

Uma particularidade do momento de dispersão é que para a segunda onda, não se cria um novo grupo e apenas se mantem a rotina já adotada no primeiro grupo, deixando em aberto para as equipes e usuários a pactuação da continuidade da participação no trabalho de formação-intervenção como parte do próprio processo de trabalho e como serviço para a população. O momento de dispersão tem a pretensão de reunir ao longo do processo por volta de 50 usuários por encontro, dependendo da estrutura física e humana mobilizada para tal. 3.3- Consultas compartilhadas e supervisão (matriciamento) à equipe:

Duração: Este recuso será utilizado de maneira comedida e negociada com a gestão e profissionais do local.

Local: Centros de Saúde participantes

Total de carga horária: A carga horária máxima é de 4h semanais por CS e diminui ao longo do processo. Centros de Saúde participantes

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Objetivos: Servir como referencia para a aplicação de técnicas no ambiente de trabalho dos profissionais. Consolidar o conhecimento dentro da rotina prática dos profissionais Acompanhar casos de interesse dos profissionais ou necessidade do usuário. Registro de dados a serem utilizados nas capacitações como estudos de casos trazidos pelos profissionais.

Método: Consulta compartilhada com avaliação, criação de planos terapêuticos, aplicação de técnicas no próprio ambiente de trabalho e com os usuários do serviço. Feito apenas com o consentimento livre e esclarecido dos mesmos.

Observação: Os tempos de consulta, serão acordados com os próprios profissionais, porém tendem a seguir a modelo já presentes nos CS

3.4- Carga horária total A carga horaria total contabilizada para a capacitação será proveniente da soma dos momentos de concentração (16h) e de dispersão (8h), dispostas ao longo de três meses. Para não haver sobrecarga das equipes os momentos foram dispostos de maneira a não haver sobreposição dos dois momentos na mesma semana exceto, na última. As consultas compartilhadas serão realizadas dentro do fluxo de trabalho regular dos profissionais da APS e com apenas um ou dois profissionais por vez e o por isso não serão contabilizadas como carga horária da capacitação.

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4- Público alvo: Na fase piloto, atualmente apresentada, serão convidados a participar dois Centros de Saúde. Estes foram escolhidos por não fazer parte dos centros que passaram por processos de capacitações por cinco meses e por isso excluídos inicialmente deste projeto. Inicialmente foram escolhidos o Centro de Saúde do Saco Grande e um segundo Centro de Saúde a ser escolhido e que esteja na mesma situação, por participar apenas como grupo controle do projeto do PAC, conforme conversado com a comissão de ensino da SM. O convite será realizado pessoalmente pelo pesquisador nas reuniões de centro ou de equipe. Para poder contemplar todos os interessados, sem impactar tanto nas rotinas do serviço o projeto irá disponibilizar duas ondas de capacitações por centro de saúde segundo a demanda de profissionais para a Capacitação. Cada onda prevê a participação máxima de 18 pessoas, ou seja 5 de cada CS, somados a 3 profissionais do NASF, comuns dos dois centros e a 5 estudantes/ residentes. Os residentes/estudantes serão convidados segundo a necessidade multiprofissional do grupo e proximidade com as equipes. Caso hajam vagas não preenchidas, serão convidados estudantes interessados e que completem o quadro multiprofissional. Os

Carga horária total das equipes

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 160

2

4

6

8

Cronograma (semanas)

Segunda ondaPrimeira onda

Carg

a ho

rária

sem

anal

(h)

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profissionais de NASF, por serem comuns aos dois centros serão registrados no numero total de participantes segundo a tabela. 5- Recursos Humanos: Além da participação do pesquisador principal em todos os momentos, busca-se a negociação da possibilidade de inclusão de outros pesquisadores/facilitadores do processo. Estes serão profissionais especialistas em Terapia Manual, convidados a participar voluntariamente do projeto por um período de seis meses, o que cobriria duas ondas de capacitação. A manutenção destes no projeto, se dará via aprovação de sua participação a cada seis meses por parte da SMS. Estes pesquisadores/facilitadores teriam a função de contribuir com o suporte prestado aos participantes. Outra questão relativa aos recursos humanos refere-se a construção do espaço de dispersão como um espaço permanente de capacitação de usuários bem como da própria equipe. Isto apenas caso haja motivação por parte dos envolvidos e o impacto seja positivo e de comum acordo para o serviço. Outro tipo de recurso humano a ser convidado serão profissionais e estudantes das áreas do cinema e realização de vídeos, estes também trabalharão voluntariamente ou como bolsistas de cinema. 6- Recursos físicos ideais: Como o projeto aprovado não previu recursos financeiros, os materiais e espaços, dentre outras coisas como coffe break, serão conquistados coletivamente. Recurso Quantidade Sala Uma sala espaçosa reservada por

2h/semana em cada CS Uma sala reservada por 4h no Centro de Capacitação do HU (Já acordada e com 10 macas disponíveis)

Macas 5-10 Tapetes para Alongamento 10-20 Travesseiros 20 Lençóis 20 Coffe break 6 por capacitação

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7- Coleta dos dados:

Serão realizadas entrevistas com os participantes e usuários envolvidos, bem como grupos focais com as equipes e registro de todos os momentos acima citados bem como a utilização dos sistemas de informação para registro e acompanhamento da utilização dos recursos desenvolvidos. Os participantes serão apoiados a fazerem suas próprias elaborações narrativas e investigativas sobre o projeto por meio de diários de campo.

Também está prevista a participação de um profissional de câmera, que trabalhará de forma voluntária e um estudante de cinema para a coleta de dados áudio-visuais. Estas coletas servirão como dados do trabalho e podem servir também para difundir de forma interativa o processo e resultados do projeto. Isto apenas irá ocorrer com o consentimento livre e esclarecido de todos os participantes e segundo normas do comitê de ética em pesquisa. 8- Resultados esperados: 1- Produção de breve registro ou documentário de vídeo no intuito de sociabilizar a experiência. 2- Produção de estudos de caso baseados nas consultas multiprofissionais. 3- Instrumento de avaliação com métodos mistos e produção de indicadores para acompanhamento do processo. 4- Criação de grupos autônomos, conduzido por profissionais e usuários, de atendimento/educação popular multidisciplinar, por meio de um encontro semanal com duração de duas horas, nos moldes construídos ao longo das duas ondas nos momentos de dispersão. 9- Considerações finais Por se tratar de uma capacitação nos moldes de formação/intervenção para que uma onda chegue até o final é necessário o envolvimento ativo dos participantes. Desta forma, aspectos motivacionais serão trabalhados no sentido de fomentar a participação ativa na construção do conhecimento e na aplicação das técnicas no contexto do serviço. Caso não ocorra envolvimento dos participantes, estes tem total autonomia para não prosseguirem na capacitação. Por se tratar de um coletivo autônomo, o projeto prevê em seus momentos de capacitação, momentos de reflexão e tomada de decisão

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sobre os passos seguintes a seguir. Desta forma, embora aqui esquadrinhados, os percursos poderão ser modificados ou até abortados caso seja o consenso do grupo de participantes. Segundas ondas apenas ocorrerão por demanda e manifestação expressa por parte dos profissionais. Devido a este desafio e como o projeto de doutorado tem mais dois anos, serão feitas as devidas modificações, acordos e negociações com os centros e a SMS para novas tentativas de capacitações em Terapia Manual de forma contextualizado nos serviços e equipes de NASF, no espírito e lógica da educação permanente em saúde.