Outdoors pela cidade de Porto Alegre e os Modos de Viver e ... · em quatro categorias que...

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1 Outdoors pela cidade de Porto Alegre e os Modos de Viver e de Trabalhar Contemporâneos Autoria: Adriana Schujmann, Letícia Weber, Daniele Fontoura Resumo O texto produzido para a publicidade é o resultado da soma de vários fatores de ordem econômica, social e psicológica, como também do uso de recursos retóricos como as figuras de linguagem, as técnicas argumentativas e os mecanismos de persuasão, entre outros (FERNANDES e SILVA, 2008). Sendo assim, por refletirem aspectos econômicos, sociais e psicológicos de seu tempo, neste trabalho objetiva-se analisar as mensagens implícitas e explícitas contidas nos outdoors espalhados pela cidade de Porto Alegre/RS a fim de avaliar sua relação com os modos de trabalhar e de viver da vida moderna. Foram tiradas cerca de 150 fotos de outdoors presentes nas ruas e avenidas da cidade de Porto Alegre. Esses lugares tinham por semelhança serem locais com grande fluxo de pessoas, seja de pedestres ou de circulação de veículos. Os outdoors foram fotografados no período compreendido entre outubro e novembro de 2008 e, após, analisados conforme a técnica de análise de discurso. Este método de pesquisa tem por característica uma postura crítica ao conhecimento dado, tendo a “convicção de que o conhecimento é socialmente construído, isto é, que nossas maneiras atuais de compreender o mundo são determinadas não pela natureza do mundo em si mesmo, mas pelos processos sociais” (GILL, 2002 p. 245). Os outdoors foram classificados em quatro categorias que corroboram o disposto na literatura sobre os modos de viver e de trabalhar contemporâneos: “prazeres físicos como bússola moral da vida”; “fluidez, tempo e espaço”; “up or out” e “bela da cabeça aos pés”. Salienta-se, no entanto, que a redução a categorias visa contribuir para a análise, pois todas são não-excludentes e guardam estreita relação umas com as outras, constituindo, assim, um tema rizomático. Desta forma, pode-se demonstrar que as mensagens contidas nos outdoors espelham o imaginário social e cultural de uma sociedade ao mesmo tempo em que reforçam em seus membros tais crenças. Como salienta Sennett (2001), o capitalismo flexível interfere no caráter pessoal dos sujeitos podendo causar ansiedade. Constatou-se assim que tais mensagens podem permitir melhor conhecer o sujeito, pois este desenvolve com a propaganda estreita relação: ao mesmo tempo em que se utiliza de um discurso legitimado socialmente para elaborar as peças publicitárias, há um reforço destas mesmas idéias por parte de quem recebe a mensagem. E, frente a este cenário, o sujeito se vê bombardeado lentamente, dia após dia, por um discurso legitimado pela própria mídia, nem sempre tendo consciência dos efeitos dele sobre si. Pois, como lembra Guattari e Rolnik (1996), a subjetividade é social, no entanto, é vivida pelos sujeitos, podendo estes responder ou consumir a subjetividade produzida de diferentes formas.

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Outdoors pela cidade de Porto Alegre e os Modos de Viver e de Trabalhar Contemporâneos

Autoria: Adriana Schujmann, Letícia Weber, Daniele Fontoura

Resumo O texto produzido para a publicidade é o resultado da soma de vários fatores de ordem econômica, social e psicológica, como também do uso de recursos retóricos como as figuras de linguagem, as técnicas argumentativas e os mecanismos de persuasão, entre outros (FERNANDES e SILVA, 2008). Sendo assim, por refletirem aspectos econômicos, sociais e psicológicos de seu tempo, neste trabalho objetiva-se analisar as mensagens implícitas e explícitas contidas nos outdoors espalhados pela cidade de Porto Alegre/RS a fim de avaliar sua relação com os modos de trabalhar e de viver da vida moderna. Foram tiradas cerca de 150 fotos de outdoors presentes nas ruas e avenidas da cidade de Porto Alegre. Esses lugares tinham por semelhança serem locais com grande fluxo de pessoas, seja de pedestres ou de circulação de veículos. Os outdoors foram fotografados no período compreendido entre outubro e novembro de 2008 e, após, analisados conforme a técnica de análise de discurso. Este método de pesquisa tem por característica uma postura crítica ao conhecimento dado, tendo a “convicção de que o conhecimento é socialmente construído, isto é, que nossas maneiras atuais de compreender o mundo são determinadas não pela natureza do mundo em si mesmo, mas pelos processos sociais” (GILL, 2002 p. 245). Os outdoors foram classificados em quatro categorias que corroboram o disposto na literatura sobre os modos de viver e de trabalhar contemporâneos: “prazeres físicos como bússola moral da vida”; “fluidez, tempo e espaço”; “up or out” e “bela da cabeça aos pés”. Salienta-se, no entanto, que a redução a categorias visa contribuir para a análise, pois todas são não-excludentes e guardam estreita relação umas com as outras, constituindo, assim, um tema rizomático. Desta forma, pode-se demonstrar que as mensagens contidas nos outdoors espelham o imaginário social e cultural de uma sociedade ao mesmo tempo em que reforçam em seus membros tais crenças. Como salienta Sennett (2001), o capitalismo flexível interfere no caráter pessoal dos sujeitos podendo causar ansiedade. Constatou-se assim que tais mensagens podem permitir melhor conhecer o sujeito, pois este desenvolve com a propaganda estreita relação: ao mesmo tempo em que se utiliza de um discurso legitimado socialmente para elaborar as peças publicitárias, há um reforço destas mesmas idéias por parte de quem recebe a mensagem. E, frente a este cenário, o sujeito se vê bombardeado lentamente, dia após dia, por um discurso legitimado pela própria mídia, nem sempre tendo consciência dos efeitos dele sobre si. Pois, como lembra Guattari e Rolnik (1996), a subjetividade é social, no entanto, é vivida pelos sujeitos, podendo estes responder ou consumir a subjetividade produzida de diferentes formas.

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1. Introdução

A vida moderna tem sido marcada pelo efêmero, pelo consumo sem limites, pelo desejado que se torna descartável em uma fração de tempo, pela busca do sempre mais, ainda que não se tenha a medida do que seja este “mais”. É o corpo e o intelecto que devem ser perfeitos como meio de garantir, entre outras coisas, o acesso e permanência no trabalho. Estes aspectos encontram-se presentes no dia-a-dia de cada sujeito e refletem-se nas formas de comunicação empresariais, seja nos jornais, revistas, televisão, rádio, internet ou nos anúncios nas ruas. Neste artigo daremos destaque para a mídia externa outdoor. O texto publicitário é estruturado em função de argumentos que buscam persuadir os sujeitos associando ao produto possíveis vantagens que o consumidor tenha ao adquirir aquele produto ou serviço. Desta forma, segundo Fernandes e Silva (2008), o texto produzido para a publicidade utiliza, além dos recursos retóricos como as figuras de linguagem, as técnicas argumentativas e os mecanismos de persuasão, vários fatores de ordem econômica, social e psicológica.

Como o outdoor se caracteriza por ser uma mídia externa, duas variáveis tem especial importância: tempo e movimento. Por estar posicionado em pontos estratégicos de uma cidade, a variável movimento do observador deve ser levada em consideração pelo criador da imagem. À medida que o observador vai se movendo, a sua percepção pode se alterar, pois os objetos tendem a modificar-se em termos de dimensão, formato e brilho. O tempo é outra variável que determina algumas características do outdoor. Devido ao curto período de exposição, o texto apresentado deve ser curto e impactante. A identificação do observador com as palavras expostas proporciona um reconhecimento mais rápido do texto escrito nas placas do outdoor (MACIEL e ARAÚJO, 2004).

Sendo assim, por refletirem aspectos econômicos, sociais e psicológicos de seu tempo, este trabalho tem por objetivo analisar as mensagens implícitas e explícitas contidas nos outdoors espalhados pela cidade de Porto Alegre/RS a fim de avaliar sua relação com os modos de trabalhar e de viver da vida moderna.

Os outdoors foram fotografados e analisados conforme a técnica de análise de discurso. Assim, buscou-se formar categorias que se relacionassem com os modos de viver e de trabalhar contemporâneos. Ao final, formaram-se quatro categorias de análise, no entanto, cabe salientar que nenhuma das categorias é exclusiva por tratar-se de um tema rizomático (DELEUZE e GATTARI, 1995), um tema que permite várias entradas e que ao mesmo tempo não permite estabelecer meio e fim. Um tema que evidencia a fluidez, a liquidez destacada por Bauman (2007). Em que não existem fronteiras ou quando existem são tão estreitas que se tem dificuldade em distinguir uma categoria da outra. Estes temas da contemporaneidade são tratados por diversos autores, levantando questões importantes para o entendimento do dinamismo dos modos de viver e de trabalhar atuais. Neste artigo, para fins de revisão da literatura, elencamos alguns destes temas, que são apresentados a seguir. 2. A Vida Moderna

Analisando a vida moderna, Bauman (2007) traz o termo fluidez ou, como define, a vida líquida. Esta é assim chamada justamente por correr em abundância, correr em fio, sem engarrafamentos ou retenções. Por tornar-se difícil de delimitar suas fronteiras, é a vida pessoal que se mistura cada vez mais com a vida profissional. É o gerenciamento do trabalho que é trazido para dentro da casa, da família.

Para Sennett (2001) o capitalismo flexível interfere no caráter pessoal. O autor mostra que a ênfase na flexibilidade pode causar ansiedade, já que as pessoas não sabem que riscos

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serão compensados, que caminhos seguir. Reforçando que a nova ordem impõe novos controles difíceis de entender, o novo capitalismo é um sistema de poder muitas vezes ilegível, gerando ansiedade e riscos que não se pode compreender, afetando não só a forma de ver o trabalhar, como a própria ética do trabalho. Ainda, neste contexto de contínuo replanejamento e enfoque no curto prazo, o autor coloca que as pessoas sentem falta de relações humanas constantes e objetivos duráveis.

Também as dimensões da vida humana como espaço e tempo são transformadas pelo capitalismo flexível por meio da tecnologia da informação e pelo processo de transformação histórica das sociedade em sociedade em rede (CASTELLS, 2000).

A este contexto de dominação e assujeitamento dos indivíduos, Hardt e Negri (2001) denominam de “império”, uma estrutura de poder que se generalizou, uma nova forma de soberania correspondente à fase atual do capitalismo mundial integrado, e não é apenas uma entidade política ou nacional localizada, pois jamais uma ordem política avançou a tal ponto em todas as dimensões, recobrindo a totalidade da existência, o espaço, o tempo, a subjetividade, a vida. O “império” não tem limites, nem fronteiras, engloba a totalidade do espaço do mundo, apresentando-se como ordem a-histórica, eterna, definitiva, e penetra na vida das populações, não só nas interações, mas no corpo, na mente, na inteligência, na afetividade. Este poder já não se exerce verticalmente, este poder está por toda a parte, não é localizado, nem centralizado, ele é imanente, soberania imanente ao capital, é a subsunção real da sociedade ao capital.

Nas sociedades contemporâneas o fluxo de informação é intenso, há um apelo constante à velocidade, à rapidez, à passagem, ao movimento. As redes sociais contribuem de forma intensa para a inovação e seu dinamismo, proporcionando a comunicação cada vez mais veloz de idéias, circulação de trabalho e troca de experiências (Castells, 2000). É preciso ganhar tempo, Virilio (1996) destaca que o valor estratégico do não-lugar da velocidade suplantou definitivamente o do lugar, e a questão da posse do tempo renovou a da posse territorial. “Surfamos numa mobilidade generalizada, nas músicas, nas modas, nos slogans publicitários, no circuito informático e telecomunicacional”, alerta Pelbart (2000, p. 15). No entanto, quanto mais cresce a rapidez, mais decresce a liberdade. A imediaticidade da informação leva à crise e à miniaturização da ação resultante da miniaturização do espaço como campo de ação. E a automobilidade do aparelho gera, finalmente, a auto-suficiência da automação (VIRILIO, 1996).

É a lógica do “não perder tempo” que passa a nortear os modos de trabalhar dos sujeitos, afetando, assim, seus modos de viver, fazendo com que sejam cada vez mais solicitados, como uma “obrigação interiorizada” conforme ressalta Lopez-Ruiz (2007). A hipersolicitação, termo utilizado por Gaulejac (2007), será abordada no próximo item. 2.1 A Hipersolicitação

Conforme nos alerta Pelbart (2000) antigamente a sujeição do trabalhador se dava de

forma voluntária às condições capitalistas de produção, de consumo e de circulação. Hoje percebemos a passagem da sujeição para a servidão, ou seja, as fronteiras entre as esferas produtiva e reprodutiva, antes demarcadas, tornam-se nebulosas. Como destaca o autor: “Vivemos todos aprisionados, prisioneiros a céu aberto. Isso tem várias razões, e deve-se, certamente, à maneira como o capitalismo atual invadiu as esferas mais privadas e íntimas da vida humana, desde a fé até o corpo biológico” (PELBART, 2000, p.26).

A tendência que se apresenta é cada vez mais trabalhar em casa de modo que a empresa confunde-se com a privacidade do tempo livre. Todos os tempos devem ser produtivos, devem ser aproveitados segundo uma lógica da instrumentalidade. Além disso, as

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inovações tecnológicas, com a tecnologia da informação, colaboram para que os sujeitos sejam controlados, um controle que atualmente é discreto e sutil, mas atuante.

O controle abordado na estrutura e no princípio do Panóptico, de Jeremy Bentham (2000), consiste num espaço demasiadamente grande, onde os detentos podiam ser controlados ou dirigidos, devendo sempre sentir-se como se estivessem sob inspeção, e onde permanecia a imobilidade do sujeito, agora é substituído pelo sinóptico. O princípio modernizou-se, conforme salienta Grisci (2008), a sociedade de controle passa, assim, a potencializar a invisibilidade do poder que se dilui com as fronteiras tênues e com as redes flexíveis, despertando uma sensação de aparente liberdade e constante movimento, numa “servidão voluntária da subjetividade”, num “controle de múltiplas entradas”.

O controle encontra-se, portanto, no próprio sujeito, internalizado nos seus modos de viver na forma de autocontrole. Este autocontrole favorecido pelas tecnologias atuais que contribuem para aumentar a “entrega” do sujeito pode ser considerado a base do capitalismo. Neste contexto, é preciso diferentes formas de mobilização dos sujeitos, fazendo com que nem se dêem conta da constante vigilância em contínuo movimento.

O sujeito precisa ser gestor de si, o que implica gerenciar sua carreira, sua aparência física, seu aprendizado, seu relacionamentos, consumir produtos cada vez mais modernos, tudo isso para não correr o risco de ficar obsoleto, é o mundo da hipersolicitação. O sujeito sente-se culpado de não satisfazer as exigências sempre mais prementes e tanto mais difíceis de contestar pelo fato de emanarem de um poder distante, abstrato, inacessível. A ameaça de perder o posto de trabalho ou de ser visto como obsoleto desafia a todos. A lógica do “up or out” é considerada como normal. Ela impele cada um a se superar em favor do capitalismo flexível, a fim de garantir a sua perenidade. A lógica que permeia o mercado de trabalho é a de estar sempre “acima das expectativas” para ser apreciado (GAULEJAC, 2007).

“Todos (do diretor ao operário) vivem, portanto, na ânsia de não estar à altura, de enganar-se, de não ser mais suficientemente bem sucedido, adaptável, criativo; em uma palavra, jovem” (ENRIQUEZ, 1995, p. 18). Os novos métodos de gestão minimizam as questões da subjetividade, pois desejam sujeitos ao mesmo tempo conformados, adaptáveis e inovadores, que é o mesmo que desejar a quadratura do círculo, conforme salienta o autor. A administração estratégica faz parecer respeitar o sujeito humano, mas para aliená-lo mais ainda. Não se trata somente, conforme se tem visto, de certificar-se de sua consciência profissional, trata-se de provocar uma adesão passional, por uma gestão não apenas do afetivo como ainda do inconsciente. E, “o inconsciente não reconhece o impossível, a contradição” (ENRIQUEZ, 1995, p. 19).

Para Pelbart (2000) o sujeito não mais se submete às regras, mas ele as investe, como se faz um investimento financeiro: ele quer fazer render seu corpo, seu sexo, sua comida, ele investe nas mais diversas informações para se rentabilizar, para se fazer render, para fazer render o seu tempo. Gaulejac (2007) menciona que a pessoa se torna uma empresa, ou seja, tudo é business. Lopez-Ruiz (2007) salienta que a atenção ao investimento e “o gerenciamento de sua carreira-vida-empresa” torna-se a meta principal a ser atingida por cada homem segundo a lógica do sistema, o único motivo em sua vida, sua fonte de sentido.

Aliando a velocidade à hipersolicitação, para Harvey (2001, p.139) o conhecimento é um combustível para aqueles que querem se mover nesse tempo em que a velocidade da ação é importante:

As pessoas que se movem e agem com maior rapidez, que mais se aproximam do momentâneo do movimento, são as pessoas que agora mandam. E são as pessoas que não podem se mover tão rápido – e, de modo ainda mais claro, a categoria das pessoas que não podem deixar seu lugar quando quiserem – as que obedecem.

A hipersolicitação desafia, inclusive, a biologia, pois não admite as deficiências e as imperfeições, não tolera a diversidade. O discurso da diversidade é muito presente em nosso

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contexto, mas a diversidade tolerada é uma diversidade padronizada, que é expressa pelos modelos-padrão de beleza, pelos modos de vestir e de se portar aceitos e legitimados pelas organizações e pela sociedade.

Os padrões de beleza se alteraram nos anos 20 e neste momento a magreza passou a estar em uma posição de destaque e de valorização. Ser magro remete a agilidade e leveza, ou seja, conceitos chaves dos tempos atuais. “A ausência da gordura, ao contrário, lhes é enloquente e promete movimento” (SANT’ANNA, 2001, p.23).

Segundo esta autora, as propagandas fortalecem a idéia de uma beleza para todo o corpo, idade e momento. É preciso estar belo sempre, independente das circunstâncias. A pessoa deve estar lindamente preparada para ser fotografada a qualquer instante, ou seja, a exposição do corpo no seu máximo nível. Além disso, troca-se de corpo sem cessar, de acordo com as circunstâncias, salienta a autora.

Evitar que o corpo seja um obstáculo para poder entrar em todos os lugares, passar por todos os tempos, navegar em meio a diferentes culturas. Por isso, o homem voltado à transparência também é inquieto e incerto, amedrontado de não ser suficientemente ágil, criativo, flexível. Buscando desvencilhar-se do peso de tudo o que tende a repousar sobre si, ele teme carregar muito corpo, muita memória, muita identidade (SANT'ANNA, 2001, p. 25).

Costa (2004) usa o termo “moral do espetáculo” no qual a imagem do corpo é o centro

das atenções. O autor fala da angústia vivida pelos sujeitos atualmente frente às perdas de valores. É justamente neste contexto que o corpo, como sede das sensações e como centro das ações motoras, sofre um desequilíbrio. Os sintomas corporais resultam do conflito entre, de um lado, incorporar e manter a imagem narcísica propagada pela mídia e, do outro, manter o sentimento de continuidade. “[...] os indivíduos urbanos elegeram o bem-estar e os prazeres físicos como a bússola moral da vida” (COSTA, 2004, p. 132). Na “sociedade de espetáculo”, o corpo é celebrado e não há mais espaço para a vida de sentimentos, reforça o autor, estar feliz hoje significa ter o corpo dos vencedores, da celebridade.

“A gestão da imagem resultaria uma padronização de modelos e cores nos modos de vestir, de enfeitar-se, de pentear os cabelos e de falar, gesticular e posicionar o corpo de modo discreto e elegante” (GRISCI et al, 2008, p. 5). Cada sujeito deve ser gestor do próprio corpo, segundo Grisci et al (2008), implicando em uma lógica na busca pela juventude e na eliminação das marcas do tempo sobre o corpo. A busca da beleza está acima de tudo, independentemente do investimento que se faça.

Analisando a beleza no trabalho bancário, os autores demonstram os dilemas e conflitos vividos pelos sujeitos e revelando a relevância da beleza física para o ingresso, a ascensão e permanência no trabalho, e o incremento do uso de artifícios e técnicas de embelezamento físico para o trabalho, devido aos desprezos, preconceitos e sofrimentos vivenciados. Os mesmos autores mostram que o banco utiliza a beleza física dos trabalhadores bancários, de modo a valorizar sua imagem projetada na sociedade. Nesse sentido, o investimento no embelezamento físico é sinônimo de investimento para o trabalho e sobrepõe-se, por vezes, à singularidade dos corpos em atenção aos padrões vigentes.

Seguindo essa lógica, Pereira (2005) realizou um estudo de cunho antropológico com o objetivo de desvendar a presença de algumas formas de classificação da sociedade externa no ambiente organizacional. Para tal, a autora realizou uma análise simbólica do corpo de trabalhadores de duas livrarias da cidade de Porto Alegre. A pesquisa apontou que o corpo funciona como objeto de hierarquização do trabalhador (principalmente no que se refere à questão da cor da pele). E, ainda, que o tipo de corpo selecionado é o magro, jovem e sem deficiência, o que reproduz um modelo de produtividade almejado pelas empresas e, também, um estilo de vida apregoado pelas classes alta e média da sociedade contemporânea e urbana.

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É à luz deste referencial teórico que serão analisados os outdoors dispostos na cidade de Porto Alegre. Na seção seguinte serão detalhados os procedimentos metodológicos utilizados neste trabalho. 3. Procedimentos Metodológicos

O presente trabalho caracteriza-se como um estudo de caso qualitativo. A pesquisa qualitativa, segundo Holliday (2007), objetiva demonstrar e ilustrar as manifestações da vida social que, conforme o autor, deveriam ser permanentemente apresentadas e exploradas pelos pesquisadores. O objetivo da pesquisa foi analisar as mensagens implícitas e explícitas contidas nos outdoors espalhados pela cidade de Porto Alegre/RS a fim de avaliar sua relação com os modos de trabalhar e de viver da vida moderna.

Recentemente, vem aumentando, o uso de fotografias e de recursos visuais em pesquisas, principalmente nas qualitativas. Segundo Flick (2004) as fotografias possibilitam “a captação de fatos e processos que sejam muito rápidos ou complexos para o olho humano” (p. 162). Com o uso de fotografia é possível um maior entendimento dos processos sociais, pois facilita e proporciona as pessoas uma grande reflexão do que está sendo mostrado (HARPER, 2000).

Para Loizo (2002) a imagem é um recurso que oferece um ótimo registro das “ações temporais e dos acontecimentos reais – concretos, materiais” (p. 137), sendo considerada uma “evidência ou valor persuasivo” (p. 141). Além de ser possível a sua reanálise, pois esta fica a disposição de outras pessoas (FLICK, 2004). A primeira etapa consistiu na observação e registro de fotos dos outdoors espalhados pela cidade de Porto Alegre, no período entre outubro e novembro de 2008. Optou-se por não limitar o tipo de outdoor ou região da cidade, pois se pretendia conhecer e explorar o campo de pesquisa na sua totalidade. Foram tiradas 150 fotos de outdoors presentes nas ruas e avenidas da cidade de Porto Alegre. Esses lugares tinham por semelhança serem locais com grande fluxo de pessoas, seja de pedestres ou de circulação de veículos.

Em seguida foram selecionadas as melhores e as mais nítidas fotos, analisando um total de 100 fotos conforme a técnica de análise de discurso. Segundo Gill (2002, p. 245), esta análise rejeita “a noção realista de que a linguagem é simplesmente um meio neutro de refletir ou descrever o mundo” e acredita na “importância central do discurso na construção da vida social”.

A análise de discurso é um método de pesquisa que tem por característica uma postura crítica ao conhecimento dado. Segundo Gill (2002) nossas maneiras atuais de compreender o mundo são determinadas não pela natureza do mundo em si mesmo, mas pelos processos sociais. a autora ressalta que o conhecimento é socialmente construído. Uma preocupação do analista de discurso é em relação ao contexto, ou seja, “quando um analista de discurso discute o contexto, ele esta também produzindo uma versão, construindo o contexto como objeto” (GILL, 2002, p. 255). Dessa forma, este pesquisador se preocupa em “produzir leituras de textos e contextos que estão garantidos por uma atenção cuidadosa aos detalhes e que emprestam coerência ao discurso em estudo” (GILL, 2002, p. 256).

As categorias encontradas a partir da análise de discurso, para este mesmo autora, são determinadas pelas questões de interesse. Para isto, são necessárias duas fases, primeiramente se busca uma padronização dos dados na questão da variabilidade e na consistência, depois há uma preocupação com a função. Assim, as categorias encontradas foram as seguintes: “prazeres físicos como bússola moral da vida”; “fluidez, tempo e espaço”; “up or out” e “bela da cabeça aos pés”.

Cabe salientar que as fotos dos outdoors foram categorizadas como forma de análise, porém as categorias revelaram-se não-excludentes, pois se pode considerá-lo um tema

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rizomático (DELEUZE e GATTARI, 1995), um tema que permite várias entradas e que ao mesmo tempo não permite estabelecer meio e fim. Um tema que evidencia a fluidez, a liquidez destacada por Bauman (2007). 4. Análise dos Resultados

As categorias encontradas “prazeres físicos como bússola moral da vida”; “fluidez, tempo e espaço”; “up or out” e “bela da cabeça aos pés”, são expostas a seguir.

4.1 “Prazeres físicos como bússola moral da vida”

Bauman (2007) salienta os apelos ao consumo presentes na vida moderna, e ressalta que, num mundo repleto de consumidores e produtos, a vida flutua desconfortavelmente entre prazeres do consumo e os horrores da pilha de lixo. Os outdoors abaixo buscam trazer a sensação de prazer e preenchimento para os consumidores, como forma de driblar a ansiedade e encontrar satisfação momentânea, pois a hipersolicitação, destacada por Gaulejac (2007), não permite ao sujeito a realização plena e duradoura. Pode-se pensar num shopping totalmente para “você” na fotografia 1, na fotografia 2 da operadora de celular, o cliente cada vez mais satisfeito é “vivo”, e, na fotografia 4, um lugar onde o consumidor explorará um momento só seu.

Fotografia 1: Indicação do Shopping Total Fotografia 2: Propaganda Vivo Celular Fonte: Coleta de dados pelos autores Fonte: Coleta de dados pelos autores

Como as relações sociais tornam-se efêmeras, já não se criam mais laços de trabalho

para toda a vida, surjem outros meios como forma de compensação social. A fotografia 3 mostra os apelos atuais da bebida para compensar a amizade, problema atual apontado por Sennett (2001).

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Fotografia 3: Propaganda Whisky Drury’s Fotografia 4: Propaganda Outback Fonte: Coleta de dados pelos autores Fonte: Coleta de dados pelos autores

Por outro lado, os prazeres que vêm de fora, como a comida e a bebida, muitas vezes contrapõe-se à lógica da beleza física por irem contra a magreza do corpo. Costa (2004) traz a questão da angústia vivida pelos sujeitos frente às perdas de valores e as exigências da sociedade para que se esteja sempre feliz, correndo constantemente atrás do bem-estar e dos prazeres físicos. 4.2 “A Fluidez, o Tempo e o Espaço”

Castells (2000) apresenta que a era da informação está introduzindo uma nova forma urbana, a cidade informacional. Pode-se relacionar a onipresença dos outdoors com a estrutura e o princípio do Panóptico, de Bentham (2000). Nos outdoors parece que o princípio da vigilância permanece, sua onipresença, pois mesmo que não se queira vê-los, eles estão lá, é como se houvesse um controle, uma vigilância por sobre cada sujeito que passe em sua frente.

No caso do panóptico permanece a imobilidade do sujeito. Já no sinóptico, princípio modernizado, conforme salienta Grisci (2008), a sociedade de controle passa, assim, a potencializar a invisibilidade do poder que se dilui com as fronteiras tênues e com as redes flexíveis, despertando uma sensação de aparente liberdade. Assim apresenta-se o sujeito diante dos outdoors, um sujeito em constante movimento, numa “servidão voluntária da subjetividade”, um “controle de múltiplas entradas” a serviço do capitalismo flexível.

Como salienta Virilio (1996) o mundo como um todo também perde suas fronteiras, a lógica da corrida se transfigura, enquanto a velocidade começa a se desterritorializar, esboçando a partir daí toda uma evolução, na qual a velocidade vai se afirmando como idéia pura e sem conteúdo, como puro valor, que ameaça ultrapassar até mesmo o valor do capital.

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A fotografia 5 mostra os vários outdoors e mais um outdoor “em movimento”, o caminhão que está passando. A vista da natureza é suplantada por propagandas em série. A lógica é a de que todos os espaços precisam ser ocupados, todos os espaços precisam ser produtivos. A fotografia 6 ilustra um local onde transitam muitas pessoas diariamente, em direção ao centro da cidade e a caminho de um dos maiores shoppings da cidade. Nestes lugares de passagem havia tantos outdoors que até confundiam, parecia não ter começo nem fim.

Fotografia 5: Entrada e saída de Porto Alegre Fonte: Coleta de dados pelos autores

Fotografia 6: Av. Borges de Medeiros em direção ao Shopping Praia de Belas

Fonte: Coleta de dados pelos autores

A fotografia 7 mostra o pátio de um posto de gasolina sob o ângulo de quem está abastecendo, que fica bem na direção das propagandas, não há como não vê-los, não há como não ser vigiado por eles.

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Fotografia 7: Posto de gasolina na esquina da Campos Velho com a Icaraí

Fonte: Coleta de dados pelos autores 4.3 “Up or out”

Conforme Lopez-Ruiz (2007) o conjunto de valores e normas é atualmente promovido

dentro das grandes corporações, orientando a conduta dos sujeitos que nelas trabalham. Dessa forma, são definidas e promovidas noções como “empreendedorismo” e “capital humano”, junto com outras como “inovação”, “criatividade”, “flexibilidade”, imbuídas de uma conotação e uma valorização social que ultrapassam, contudo, o âmbito corporativo e contribuem para delinear os traços de uma “mentalidade econômica” e a vincular os sujeitos a um complexo de deveres.

A constante ameaça de ser posto de lado desafia a todos. A lógica que norteia é a do acima ou fora, ou seja, ser sempre o melhor ou estar fora. No mercado de trabalho observa-se a crescente exigência por conhecimento, competências e habilidades. Por isso a apelação aos cursos técnicos, superiores, de informática, de idiomas, entre tantos outros. E, de preferência cursos rápidos, que permitam ao trabalhador/estudante adquirir o certificado que atestará que ele não está obsoleto, que ele está acima das expectativas do mercado. No entanto o que se observa no dia-a-dia é que dificilmente se consegue estar acima das expectativas dada a alta exigência destas. É preciso estar sempre correndo para não ficar para trás, sempre se modernizando para não ficar “out”. Os anúncios abaixo (fotografias 8 e 9) vinculam o curso anunciado a aspectos procurados pelos indivíduos-clientes: “o curso que vai preparar para o futuro profissional” ou então, “o curso que vai mudar a sua vida”.

Fotografia 8: Propaganda Faculdade Getúlio Vargas Fonte: Coleta de dados pelos autores

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Fotografia 9: Propaganda PUCRS

Fonte: Coleta de dados pelos autores

Mas o apelo em educação não é somente para o diploma universitário. As crianças são empurradas desde a escola maternal para programas ditos de excelência, para as melhores classes, para entrar nos melhores estabelecimentos de ensino. A educação é percebida como uma vasta seleção. A vida se torna um plano de carreira, cada etapa deve aparecer como um investimento em um projeto profissional. (GAULEJAC, 2007). O anúncio abaixo (fotografia 10) reflete bem essa lógica: “educação que se reflete na vida”, ou seja, é praticamente um determinismo, pois dependendo da escola na qual as crianças estudarem fará com que tenham determinado futuro.

Fotografia 10: Propaganda Colégio Salesiano Dom Bosco

Fonte: Coleta de dados pelos autores

Além disto, é preciso ser flexível para sobreviver no capitalismo flexível destacado por Sennett (2001). Anúncios de emprego, entre as muitas solicitações, vangloriam a flexibilidade do candidato, entendida com a flexibilidade de mover-se neste mundo sem fronteira, em ser desterritorializado conforme os interesses da companhia, em aceitar direitos de trabalhos ditos flexíveis. O outdoor abaixo (fotografia 11) mostra “flexibilidade”, leveza e conforto para os pés, já que é preciso ser ágil e flexível conforme destaca o autor.

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Fotografia 11: Propaganda Calçados Ramarim

Fonte: Coleta de dados pelos autores

4.4 “Bela da cabeça aos pés” Sant`Anna (2001) destaca que os conselhos de beleza apostam na necessidade de ser

bela da cabeça aos pés, em todas as horas do dia e em todas as idades. Para a venda de sapatos femininos não basta apresentar os calçados nas fotos, é preciso mostrar o corpo perfeito de uma mulher, o calçado em si fica relegado a um cantinho do outdoor, conforme fotografia 12. A mulher compra, então, o sapato querendo também aquela beleza-padrão, aquele bronzeado, aquele cabelo e tantos outros atributos que vêm vinculados à propaganda.

As figuras abaixo reforçam as questões levantadas pelas autoras Sant’Anna (2001) e Grisci et al (2008) sobre o corpo. A fotografia 13, por si só, já denuncia a exposição do corpo. Este como um elemento apelativo para o consumo e como um ditador de moda e padrão de beleza. A mulher que visualiza esta propaganda, não quer apenas o biquíni oferecido, ela quer juntamente a beleza e o corpo da modelo. Na fotografia 14, o corpo ocupa um papel tão fundamental na propaganda, que se levam alguns minutos para conseguir identificar qual é o produto realmente oferecido.

Fotografia 12: Propaganda Calçados Via Marte Fonte: Coleta de dados pelos autores

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Fotografia 13: Propaganda Lua Morena Fonte: Coleta de dados pelos autores

Fotografia 14: Propaganda Luz da Lua Fonte: Coleta de dados pelos autores

Bauman (2005) aponta que não importa se o corpo está em excelente forma, “sempre será possível melhorar” (p. 123). Não existe um objetivo final para a boa forma, ela se torna uma compulsão e em seguida um vício. A propaganda abaixo é um exemplo das possibilidades de investimento que se pode fazer para o corpo. O ambiente de trabalho também colabora para incentivar estes “investimentos”, conforme observou Pereira (2005). A autora verificou que normalmente o tipo de corpo selecionado é o magro, jovem e sem deficiência, o que reproduz um modelo de produtividade almejado pelas empresas e, também, um estilo de vida apregoado pelas classes alta e média da sociedade contemporânea e urbana.

Assim que acompanhamos espalhado pelas ruas de nossa cidade o apelo das propagandas pelo investimento em si, como por exemplo, a propaganda apresentada na fotografia 15: “Invista em você: pratique ACM”, ou seja, invista no seu corpo, na beleza física, na aparência, pois ficar velho é ficar de fora, é preciso apagar os sinais do tempo. Esse é um discurso tão legitimado pelas organizações que o anúncio informa, inclusive, que há uma promoção especial para empresas. Fica mais evidente ainda o fato de que o funcionário não cuida da saúde se não quiser, não adquire uma boa forma se não quiser, pois a empresa inclusive faz um convênio com a academia Há que salientar-se que esta é também uma forma de controle, pois a empresa passa a saber quem de fato “está preocupado com sua saúde” e os acomodados, segundo a lógica dicotômica do acima ou do fora, ou seja, aqueles funcionários que estão investindo em si (acima) e os demais que estão (ou estarão) fora. Por outro lado a empresa exige que se trabalhe cada vez mais horas para não se correr o risco de ser acusado de que não está vestindo a camiseta.

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Fotografia 15: Propaganda ACM

Fonte: Coleta de dados pelos autores 5. Considerações finais

Por meio da análise das mensagens implícitas e explícitas contidas nos outdoors expostos na cidade de Porto Alegre percebeu-se que estas mesmas mensagens permitem melhor conhecer o sujeito, pois este desenvolve com a propaganda estrita relação: ao mesmo tempo em que se utiliza de um discurso legitimado socialmente, no caso, do capitalismo flexível, para elaborar as peças publicitárias, há um reforço destas mesmas idéias por parte de quem recebe a mensagem. Castells (2000) afirma que a informação representa o principal ingrediente de nossa organização social, e que os fluxos de mensagens e imagens entre as redes constituem o encadeamento básico de nossa estrutura social. Pode-se dizer, assim, que as mensagens contidas nos outdoors espelham o imaginário social e cultural de uma sociedade ao mesmo tempo em que reforçam em seus membros tais crenças.

É preciso vender não só o produto ou serviço é preciso vender o discurso de que tal produto ou serviço é essencial, mesmo que para isto o sujeito sinta-se cada vez mais exigido sob pena de “estar fora”.

Além disso, há os estímulos para acelerar o tempo. Castells (2000) apresenta as duas formas de transformação do tempo em nossa sociedade: simultaneidade e intemporalidade. Hoje a informação pode ser instantânea em todo o globo, misturando os tempos, numa espécie de tempo intemporal.

Enriquez (1995) destaca que as conseqüências desta velocidade são temíveis, mesmo que elas não apareçam imediatamente, pois é preciso inovar por inovar, vender por vender, sob pena de a empresa ou a nação regredirem. Dito de outra forma, ser cada dia mais eficiente, lembra o autor. “A obsolescência das máquinas, das técnicas e dos homens torna-se dia após dia mais rápida, os produtos desvalorizam-se, os modos de vida transformam-se em poucos anos” (ENRIQUEZ, 1995, p. 16).

É justamente nos vazios criados pela velocidade e efemeridade da vida líquido-moderna que se colocam os produtos e serviços oferecidos. Como exposto por Sennett (2001), já que as relações e laços sociais são efêmeros, é possível encontrar amizade numa bebida alcoólica ou sentir prazer ao comer algo. Quanto às exigências do mercado de trabalho, o

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profissional nunca está pronto, sempre há algum curso que se diz capaz de prepará-lo para seu futuro profissional ou mesmo anunciando que mudará sua vida. Conforme Gaulejac (2007) essas exigências são interiorizadas. É devido a isto, inclusive, que ela é tão imperiosa. O sistema gerencialista que permeia a estrutura mental suscita um modelo de personalidade narcísico, agressivo, pragmático, sem estados de alma, centrado sobre a ação e não tanto sobre a reflexão, pronto a tudo para ter sucesso. Gera sobre o sujeito uma tensão e uma agitação permanente que o fazem perder o próprio sentido da vida. Bauman (2007) complementa que esta vida líquida significa constante auto-exame, autocrítica e autocensura, alimentando a insatisfação do eu consigo mesmo.

Não é somente o intelecto constante aprimoramento, o corpo físico também deve adequar-se aos imperativos atuais. O investimento no corpo é vendido não apenas como forma de manter laços pessoais, mas também profissionais. O discurso da magreza e da moda permeia o ambiente organizacional refletindo nos modos de trabalhar, nos quais tudo deve ser produtivo, inclusive a aparência. Há mais de um século atrás Taylor revolucionava a Administração com os princípios da Administração Científica, entre os quais a busca pela padronização dos processos e ferramentas. Hoje, é a padronização do sujeito que prevalece, padronização dos seus saberes, dos seus modos de vestir, de falar e de portar-se.

Frente a este cenário o sujeito, muitas vezes, se vê bombardeado lentamente, dia após dia, por um discurso legitimado pela própria mídia e nem sempre tem consciência do funcionamento da vida moderna e dos efeitos dela sobre si. O sujeito convive com estes apelos, produz e reproduz este discurso às vezes sem notar. Pois, como lembra Guattari e Rolnik (1996), a subjetividade é social, no entanto, é vivida pelos sujeitos, podendo estes responder ou consumir a subjetividade produzida de diferentes formas, balançando entre dois pólos. O primeiro pólo expressa uma relação de alienação e de opressão, e corresponde ao processo denominado pelos autores de individualização, que consiste em bloquear o processo de resistência e criação, afirmando a submissão e instaurando padrões universais, massificadores e individualizantes vigentes e, muitas vezes, assumindo a culpa para si. O segundo, expressa uma relação de expressão e de criação, processo chamado pelos autores de singularização, onde o sujeito reapropria-se dos componentes da subjetividade, como um ato de resistência, associando-se e afirmando outros modos de ser, outras sensibilidades, outras percepções.

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