P a r e c e r J u r í d i c o - arbim.com.br · Carta de Execução para resgate e quitação de...

76
P a r e c e r J u r í d i c o Consulente: BRASILCAP SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA PROFESSOR TITULAR DE DIREITO CIVIL DA UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES E DA ESCOLA DE MAGISTRATURA DO RIO DE JANEIRO DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Transcript of P a r e c e r J u r í d i c o - arbim.com.br · Carta de Execução para resgate e quitação de...

P a r e c e r J u r í d i c o

Consulente: BRASILCAP

SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA PROFESSOR TITULAR DE DIREITO CIVIL DA UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

E DA ESCOLA DE MAGISTRATURA DO RIO DE JANEIRO DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO

RIO DE JANEIRO

1

EMENTA:

Parecer Jurídico. Utilização de Título de Capitalização

como garantia de pagamento de aluguéis. Legalidade.

Arbitragem como modo de solução de conflitos e sua

aplicação na locação do imóvel urbano. Execução da

sentença arbitral. Desnecessidade de homologação

judicial. Carta de Execução para resgate e quitação de

débitos oriundos de contrato de locação. Concessão de

crédito pessoal para aquisição do Título de Capitalização e

possibilidade de serem as parcelas do financiamento

debitadas no recibo de aluguel. A aquisição de um Título

de Capitalização para garantir o pagamento de aluguéis

traduz modalidade de caução, admitida pela Lei 8245/91,

sendo, portanto, perfeitamente válida. A arbitragem é

meio legítimo de solução de conflitos de interesses,

antecedendo em milênios o surgimento da jurisdição

estatal, não se podendo mais questionar sua

constitucionalidade. Os conflitos locativos, por envolverem

direitos patrimoniais disponíveis, podem ser submetidos à

arbitragem, sendo lícita a inserção de cláusula

compromissória cheia nos contratos de locação. A

sentença arbitral constitui título executivo judicial,

dispensando homologação, produzindo coisa julgada formal

e material, e os mesmos efeitos objetivos e subjetivos da

2

sentença judicial. Sua execução, entretanto, só se

autoriza pelo Poder Judiciário.

A carta de Execução emitida pelo locador poderia ser

alternativa para resgate e quitação de débitos locativos,

diante do abandono do imóvel, estando o locatário em lugar

incerto e não sabido, em que pese tratar-se de matéria

sujeita à controvérsias doutrinárias. Neste caso deve ser

obtida, quando da celebração do contrato, autorização

expressa do locatário para que se proceda o Resgate pela

Carta de Execução.

Nada impede, à luz do princípio da autonomia da vontade,

que tendo sido concedido financiamento para a aquisição

do Título de Capitalização as parcelas do financiamento

sejam debitadas nos recibos de aluguel, para reduzir os

riscos da inadimplência. Considerações finais e possíveis

questões polêmicas.

3

BRASILCAP, através de seu eminente gerente comercial, Dr.

Hércules Xavier, honrou-nos com pedido de elaboração de Parecer Jurídico

sobre os aspectos legais que envolvem o lançamento de um novo produto

visando garantir o pagamento do aluguel, na locação de imóvel urbano, regida

pela Lei 8245/91.

Após o cuidadoso exame da documentação que nos foi encaminhada

e da análise do projeto e de sua estrutura jurídica e econômica, sentimo-nos

habilitados para atender ao pedido, emitindo o Parecer que se segue.

Animou-nos, ainda, o caráter inovador da proposta, que nos parece

ser útil alternativa para mitigar as dificuldades hoje enfrentadas por

aqueles que aspiram locar imóvel urbano e não conseguem oferecer as

garantias tradicionais, das quais a mais praticada pelo mercado é a fiança,

cada vez mais difícil de obter.

I) Hipótese jurídica

A consulente idealizou uma solução para atender aos clientes que

buscam alternativas de garantia para locação de imóveis.

Desenvolveu, então, um produto a que denominou de CapFiador,

como será doravante tratado neste parecer, e que representa um título de

pagamento único, na modalidade tradicional, e com vigência de trinta meses,

com carência zero.

4

Em apertado resumo, são características fundamentais do título,

segundo a consulente:

a) Série: cem mil títulos;

b) faixa de valores: de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$30.000,00

(trinta mil reais);

c) devolução ao fim da vigência do plano: 100% (cem por cento) do

valor da parcela paga, mais atualização monetária pela TR;

d) cota de capitalização: 87,40%;

e) cota de sorteio: 0,6651%;

f) premiação: sorteios mensais de um prêmio bruto no valor de

23,8096 vezes o valor do pagamento único;

g) meios de pagamento: boleto bancário ou débito em conta

corrente, para clientes do Banco do Brasil;

h) canais de venda: corretoras e imobiliárias.

Em sua exposição, a consulente elenca algumas das principais

vantagens desta nova modalidade de garantia de aluguel, também a seguir

resumidas:

a) maior liquidez, com ressarcimento ao locador até o valor da

garantia acordada entre as partes;

5

b) possibilidade de oferecer qualquer valor em garantia, já que

poderão ser contratados tantos títulos quantos forem necessários para

cobrir o valor da garantia;

c) não é necessária comprovação de renda ou aprovação do crédito,

para a aquisição do título;

d) participação do locatário em sorteios mensais, e, uma vez

premiado, poderá ele recuperar os aluguéis e encargos pagos;

e) velocidade na negociação, com muito menor burocracia;

f) garantia plena do locador, com ressarcimento até o limite

negociado;

g) devolução de 100% do valor pago pelo locatário, para a aquisição

do título, mais atualização pela TR, ao final da aplicação, e se estiver ele

quites com suas obrigações contratuais.

Para implantação do novo modelo, e seu eficiente funcionamento,

visando alcançar os propósitos que o inspiraram, a consulente quer se

resguardar de alguns questionamentos jurídicos, tendo em vista o seu

pioneirismo, especialmente quanto à eventual utilização da arbitragem, para

dirimir conflitos decorrentes não só do sistema idealizado, como da locação

em geral.

Também pretende a consulente saber se esta nova modalidade de

garantia é admitida pelo regime jurídico atual da locação do imóvel urbano,

6

instituído pela Lei 8245/91 e suas recentes modificações, trazidas pela Lei

12.112/09.

Estas são as principais preocupações da consulente, e que a

levaram a nos honrar com o pedido de Parecer.

II) Dos quesitos

Para obter as respostas que procura, a consulente formulou os

seguintes quesitos:

1º) Considerando o que dispõe o artigo 37 e seu parágrafo

único, da Lei 8245/91, a modalidade de garantia ora sugerida

é admissível?

2º) A Arbitragem é um meio de solução de conflito legítimo?

3º) As questões relacionadas à locação de imóveis podem ser

discutidas e resolvidas definitivamente pela Arbitragem?

4º) Quais são os cuidados que a Brasilcap deve ter ao acatar

decisões emanadas por Câmaras de Arbitragem, uma vez que

o resgate dos títulos de capitalização caucionados serão

baseados nas decisões arbitrais?

5º) A sentença arbitral precisa ser validada judicialmente?

6º) A Carta de Execução emitida pelo Locador ou seu

Representante Legal (modelo anexo), poderia ser utilizada como

7

uma alternativa para resgate e quitação de débitos oriundos de

abandono do imóvel e paradeiro desconhecido do Locatário, ou

seja, transferir o valor ao locador sem recorrer ao Judiciário

ou à arbitragem?

7º) Caso o Locatário contrate crédito pessoal para aquisição

do Título de Capitalização a ser caucionado no contrato de

locação, poderá esse locatário autorizar que as parcelas desse

financiamento sejam debitadas em seu recibo de aluguel? O

objetivo deste procedimento seria reduzir a taxa de risco, uma

vez que a possibilidade de inadimplência também ficaria

reduzida.

8°) Havendo no contrato cláusula compromissória cheia, e não

comparecendo o locatário para responder ao processo arbitral,

apesar de regularmente convocado pelo árbitro, é indispensável

o ajuizamento de ação de execução de obrigação de fazer para

compeli-lo à instaurar a arbitragem?

9°) Na cláusula compromissória é lícito indicar apenas a

instituição arbitral, à qual será submetido o litígio, ou é

necessário designar desde logo o árbitro ou árbitros que irão

atuar para dirimi-lo?

10°) Caso a Brasilcap libere valores ao locador baseada

somente na sentença arbitral, disporá o locatário de alguma

medida judicial para reaver direitos que julgar violados?

8

11°) A modalidade de garantia a que se refere a consulta

atende às exigências e disposições da Circular SUSEPE 380 de

29 de dezembro de 2008, sendo possível considerar que o

locador e o locatário estão relacionados à este tipo de

produto?

12°) Não optando as partes pela jurisdição arbitral como se

comporá eventual conflito entre locador e locatário,

especialmente quanto ao pagamento do aluguel?

13°) Queira o Parecerista emitir qualquer outra consideração

que entenda pertinente para o perfeito esclarecimento da

matéria.

III) Das respostas aos quesitos

1º Quesito: Considerando o que dispõe o artigo 37 e seu

parágrafo único da Lei 8245/91, a modalidade de garantia ora sugerida

é admissível?

Resposta: Para temperar o risco de eventual inadimplemento

das obrigações legais e contratuais do locatário, especialmente quanto ao

pagamento dos aluguéis e encargos, permite a lei que o locador exija

garantias, o que, aliás, é freqüente em se tratando de contratos onerosos.

9

As chamadas obrigações de garantia objetivam afastar dos

ombros do credor os riscos e as conseqüências econômicas da inadimplência

do devedor.

No campo da locação do imóvel urbano várias são as modalidades

de garantia, previstas na Lei 8245/91, valendo desde logo ressaltar que a lei

atual ampliou, consideravelmente, o leque de opções, o que favorece

bastante o mercado, tornando-o mais ágil.

As garantias elencadas pela Lei do Inquilinato, em seu artigo 37,

são a caução, a fiança, o seguro de fiança locatícia e a cessão fiduciária de

quotas de fundos de investimento, sendo que esta última não constava da

redação original, tendo sido acrescida pela Lei 11.196/05.

É relevante e oportuno frisar que as garantias locatícias estão

relacionadas em “numerus clausus”, não se admitindo qualquer outra, o que,

aliás, deve ter preocupado a consulente, levando-a a fazer a indagação

constante deste 1º quesito.

Em relação à caução, que é modalidade de garantia real, e não

fidejussória, como a fiança, a Lei 8245/91 introduziu substancial

modificação, que muito ampliou seu campo de incidência.

É que na lei anterior só se admitia a caução em dinheiro,

vulgarmente conhecida no mercado com o nome de “depósito”, e que não

poderia ultrapassar o valor de três meses de aluguel, tendo que ser

depositada (daí, certamente, a denominação popular) em caderneta de

poupança conjunta, em nome do locador e do locatário.

10

Esta caderneta é autorizada e regulamentada pelo Poder Público

através da Resolução n° 9, de 13 de agosto de 1979, do extinto BNH.

Segundo estas regras, o levantamento só se dará por autorização

escrita de ambos os contraentes, ou por ordem judicial, subseqüente a

sentença transitada em julgado.

Também se admite o levantamento a ser feito exclusivamente pelo

locatário, independente de intervenção judiciária, desde que este apresente

quitação integral do locador, para nada mais dele reclamar.

Não será nada difícil perceber que esta limitação retirava da

garantia grande parte de sua eficiência, já que a experiência do mercado

logo revelou, e dolorosamente para os locadores, que ela era quase sempre

insuficiente para ressarci-los integralmente, quando o locatário inadimplia o

contrato.

Foi por isto que a Lei 8245/91 expandiu, e muito, o território até

então exíguo da caução, para que pudesse ela ser representada por outros

bens que não dinheiro, podendo recair sobre móveis ou imóveis, no evidente

objetivo de facilitar a prestação da garantia.

Ocorre que, segundo a tradição das leis anteriores, a hoje vigente

também veda a adoção de mais de uma modalidade de garantia no mesmo

contrato de locação, sob pena de nulidade, como emana da redação

peremptória do parágrafo único do artigo 37.

11

A regra sempre suscitou críticas da doutrina, já que a orientação

do direito moderno é a de reforçar o crédito, que é a ponte que liga a

economia ao direito, e cujo pilar de sustentação é, exatamente, a sua

garantia.

Daí porque nunca se vedou, na teoria geral dos contratos, a

duplicidade de garantias do credor, o que também decorre da autonomia

privada.

A justificativa para a restrição da Lei 8245/91 é, certamente, a

densidade social de que se reveste a locação do imóvel urbano, e as

peculiaridades deste mercado, sendo quase sempre difícil para o futuro

locatário a prestação de garantia, ainda mais dúplice.

Se possível fosse a exigência de duas garantias, uma grande

parcela da população brasileira não teria acesso ao mercado, não tendo onde

se instalar, principalmente em se tratando de locação residencial, o que

traria desastrosas conseqüências sociais.

Mas, com o advento da nova redação do artigo 38 da Lei 8245/91,

qualquer bem móvel, desde que no comércio, ou seja, disponível, pode ser

objeto da caução.

Entre eles se incluem direitos, pessoais ou reais, como créditos

gerais, créditos titulados e cambiais, títulos da dívida pública ou privada,

ações de sociedades anônimas, certificados de depósitos bancários e, por

que não, títulos de capitalização.

12

O que se exige é que a garantia seja identificada de maneira

inequívoca, nada impedindo que, em se tratando de títulos de crédito,

fiquem eles em mãos do próprio devedor ou de terceiros, desde que com

isto concorde o credor.

Não vislumbramos, assim, qualquer impedimento para a adoção da

modalidade de garantia proposta pela consulente, que se traduz,

genericamente, como sendo “caução”.

Alguns requisitos de existência e validade são exigíveis, para que

se adote esta modalidade de garantia, como, por exemplo, a descrição do

seu título representativo, incluindo o seu valor.

A nosso aviso o título pode ainda não estar emitido, sendo futuro,

mas desde que seja claramente indicado no contrato. Neste caso,

configurar-se-ia a hipótese de garantia subordinada à condição suspensiva,

que seria a emissão do próprio título.

Não se implementando a condição, torna-se ineficaz a garantia,

autorizando-se até mesmo a rescisão do contrato, com medida liminar.

Daí se conclui que não desnatura a garantia real o fato de constar

do contrato apenas uma proposta de emissão do título de capitalização,

desde que venha ele a ser emitido na forma da referida proposta, que, por

isto mesmo, deve ser inequívoca, como já assinalado.

Também se exige que o contrato seja levado ao Registro de

Títulos e Documentos, não para lhe conferir validade e eficácia, mas tão

13

somente para o tornar oponível “erga omnes”, em razão da publicidade

acarretada pelo registro público.

Independente do registro, o contrato e a sua garantia se revestem

de força obrigatória ente as partes envolvidas, em decorrência do princípio

geral da relatividade e da noção de boa-fé.

Como se vê, não se impõe, como condição de validade, o registro do

contrato, que produzirá todos os seus efeitos “inter-partes”, em

homenagem à milenar regra “pacta sunt servanda”.

Aliás, é oportuno lembrar que não é costume do mercado locativo

proceder ao registro do contrato, no Cartório de Títulos e Documentos.

O que ocorre, freqüentemente, é a averbação junto à matrícula no

Registro de Imóveis, mas para assegurar ao locatário o respeito ao

contrato, pelo adquirente, em caso de alienação do imóvel (artigo 8°) ou para

lhe garantir direito real de preferência (artigo 33).

A conclusão a que chegamos, após a análise do projeto da

consulente, é que a adoção do sistema de aquisição de título de

capitalização, não ofende a regra inserida no artigo 37, § único da Lei

8245/91, não traduzindo modalidade nela não prevista, e, portanto, passível

de decretação de sua nulidade.

Além do mais, é preciso observar que o direito não é estático,

engessado no tempo, e, ao contrário, é dinâmico, acompanhando a evolução

social e econômica.

14

A sofisticação da economia atual, especialmente no campo

financeiro, com o surgimento de outros produtos e modelos, para alavancar

ou fortalecer o crédito, exige que também passem a ser adotadas novas

fórmulas de garantia.

A interpretação teleológica do artigo 37, que é a de facilitar o

acesso à locação, nos impõe a conclusão a que chegamos, no sentido de que a

modalidade de garantia proposta pela consulente é rigorosamente lícita,

além de atender aos interesses do mercado.

2º Quesito: A arbitragem é um meio de solução de conflito

legítimo?

Resposta: A resposta a este quesito nos remete,

obrigatoriamente, a um mergulho no passado, para acompanhar a evolução da

arbitragem, como meio de composição dos conflitos de interesses, que

explodem, inevitavelmente, na sociedade humana.

Ao contrário do que imaginam os leigos, a arbitragem antecede, e

muito, à solução judicial, remontando aos primórdios da civilização humana.

Sem pretender fazer um trabalho de “arqueologia jurídica”, o que

alongaria, inutilmente o Parecer, é interessante lembrar que a arbitragem

era praticada na Grécia antiga, remontando na sua origem à própria

Mitologia, que se refere a Paris, atuando como árbitro entre Atena, Priamo

15

e Afrodite, para decidir qual era a mais bela, e que receberia a “maçã de

ouro”.

Na Ilíada, de Homero, refere-se ele a um “juiz-árbitro”,

denominado Istor, que significa “o que sabe’, ou o “sábio”.

Aristóteles, na Retórica, confirma que “o árbitro visa à equidade,

enquanto o juiz visa à lei”.

Da Grécia, passou a arbitragem ao Direito Romano, e há uma

interessante referência à ela, na “Oratio pro Roscio Comoedo”, de Cícero,

onde ele traça um paralelo entre o árbitro e o juiz, dizendo : “Uma coisa é o

julgamento, outra a arbitragem. Comparece-se ao julgamento para ganhar ou

perder tudo”.

Praticada na Idade Média, e adotada no Direito Canônico, a

arbitragem resistiu mesmo depois do surgimento dos Estados modernos, que

avocaram para si o monopólio da solução dos conflitos de interesses, com a

criação do Poder Judiciário.

José Cretella Neto, nos “Comentários à Lei de Arbitragem

Brasileira”, Ed.Forense, 2004, faz um brilhante e esclarecedor retrospecto

da arbitragem, no Brasil.

Por ele se revela que a arbitragem já era prevista em nossa 1ª

Constituição Federal, de 1824, cujo artigo 164, assim dispunha

“Artigo 164 – Nas causas cíveis e nas penais civilmente

intentadas, poderão as Partes nomearem Árbitros. Suas

16

sentenças serão executadas sem recurso, se assim o

convencionarem as mesmas Partes”.

O mais impressionante, para o desenvolvimento deste Parecer, é

verificar que, no Brasil, a arbitragem era obrigatória, para a resolução de

litígios envolvendo os contratos de seguro e locação, conforme dispunham

leis dos anos de 1831 e 1827.

Como se vê, em matéria de locação, em nossa origem jurídica, a

arbitragem não só era reconhecida como meio legítimo de solução de

conflitos, como se tornou obrigatória, em razão de suas vantagens sobre a

solução judiciária.

O Código Comercial de 1850 ampliou a obrigatoriedade da

arbitragem para todas as questões mercantis, nos artigos 245 e 294 que se

referem, respectivamente, à locação mercantil e conflitos entre sócios.

A Lei 1350, de 1866, aboliu a arbitragem obrigatória, mas manteve

a “voluntária”.

Chegou então a arbitragem ao nosso primeiro Código Civil (Lei

3071, de 1/1/16), tratada no Livro III, Título II (Dos efeitos das

Obrigações), Capítulo X (Do compromisso), artigos 1037 a 1048.

Dispunha o artigo 1037 do Código Bevilacquia:

“As pessoas capazes de contratar poderão, em qualquer

tempo, louvar-se mediante compromisso escrito, em

17

árbitros, que lhes resolvam as pendências judiciais e

extrajudiciais”.

Como se não bastasse, o artigo 1041 do mesmo Código equipara a

jurisdição estatal à jurisdição arbitral, nos seguintes termos:

“Os árbitros são juízes de direito e de fato, não sendo

sujeito o seu julgamento a alçada ou recurso, exceto se o

contrário convencionaram as partes”.

No plano processual, a arbitragem foi regulada tanto no CPC de

1939, nos artigos 1031 a 1046, como no atual, de 1973, nos artigos 1072 a

1102, incluídos no Capítulo XIV (Do Juízo Arbitral) do Título I (Dos

Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa), constante do Livro IV

(Dos Procedimentos Especiais).

Quanto à arbitragem internacional, o Brasil é signatário da

Convenção de Genebra, de 1923, sobre Cláusulas Arbitrais e da Convenção

da ONU sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais

Estrangeiras, de 1958, conhecida como “Convenção de Nova York”.

Não se pode olvidar que no campo sempre delicado das relações

internacionais, disciplinadas pelo Direito Internacional Público, o Brasil

sempre se orgulhou, e com inteira razão, de ter solucionado quase todas as

suas disputas fronteiriças pela via pacífica da arbitragem.

Na frustrada tentativa do Código Bustamante, de 1928, que visava

a unificação do direito civil e comercial dos países americanos, e do qual foi

18

signatário o Brasil, dois de seus artigos, os de números 210 e 211, dispunham

sobre a jurisdição arbitral, admitindo-a.

A Constituição Federal de 1988 silenciou quanto à jurisdição

arbitral, dando ênfase especial aos chamados direitos fundamentais,

inscritos no artigo 5º e, entre eles, o do devido processo legal e da

inafastabilidade do Poder Judiciário, para solucionar os conflitos de

interesses.

A omissão levou algumas vozes apressadas a sustentar que a

arbitragem havia sido banida da ordem jurídica brasileira, o que, felizmente,

não foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que reafirmou a

admissibilidade da arbitragem voluntária, sustentando, inclusive, que à ela

poderia submeter-se o próprio Estado, desde que não se tratasse de

matéria afeta à sua soberania. (vide Revista Trimestral de Jurisprudência,

nº 52, pag. 168 a 171).

Como se vê, nunca foi absoluto o chamado “monopólio da jurisdição

estatal”, sempre se tendo admitido soluções alternativas para a composição

dos conflitos, e, entre elas, a arbitragem.

Mas, embora sempre existente, a arbitragem não foi bem

recepcionada pela cultura jurídica brasileira, sendo quase ignorada pela

maior parte de nossa sociedade.

Apesar das críticas dirigidas ao Poder Judiciário, referentes à sua

morosidade e onerosidade, os brasileiros continuavam apegados à tradição

de submeter os seus litígios aos juízes togados, já que os consideravam mais

19

preparados para exercer a difícil missão de julgar, melhor apreciando as

provas e conhecendo as leis aplicáveis ao caso concreto.

Um dos maiores entraves à admissão da arbitragem era a

imperiosa necessidade de se submeter o “laudo arbitral” à homologação do

Poder Judiciário, procedimento sempre demorado, o que lhe tirava o caráter

prático e célere.

Enquanto não homologado pelo Judiciário, não se revestia o “laudo”

de força executória, para obrigar a parte vencida a cumpri-lo.

Como se vê, acabavam as partes tendo que recorrer à jurisdição

estatal, sem a qual não se convertia o “laudo” em título executivo.

Dois relevantíssimos eventos vieram modificar fundamentalmente

a arbitragem, resgatando-a do ostracismo a que esteve relegada pela

sociedade brasileira.

O primeiro foi o advento da Lei 9307, de 23 de setembro de 1996,

conhecida como “Lei de Arbitragem”, e o segundo, a promulgação do Código

Civil de 2002 (Lei 10406, de 11 de janeiro de 2002). A Lei de Arbitragem

representou a carta de alforria do sistema, até então quase desprezado.

E, como se esperava, foi recepcionada com enormes resistências,

principalmente pela classe dos advogados, que temiam perder espaço no seu

mercado de trabalho e pelos magistrados, que, por sua vez, não admitiam o

enfraquecimento de seu poder político e prestígio, junto à sociedade

brasileira.

20

Durante anos a lei foi duramente combatida, através de sucessivas

argüições de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

Atacava-se, principalmente, o seu artigo 7º, que conferia força

obrigatória à cláusula compromissória, dispensando, neste caso, a jurisdição

estatal. Acusava-se a lei de ter revogado o princípio da inafastabilidade do

Poder Judiciário, incluído como cláusula pétrea na Constituição Federal de

1988.

Também se considerava perigoso precedente a equiparação do

antigo “laudo arbitral”, agora denominado “sentença arbitral”, convertido em

título executivo judicial, o que passou a dispensar sua homologação,

conferindo agora efetividade à decisão.

Como se disse, alongaram-se os debates na Corte Suprema, sendo

acirrada a controvérsia, até que, finalmente, e por apertada margem,

considerou-se constitucional a lei, e os seus questionados dispositivos.

Só então se poderá dizer que a lei efetivamente “nasceu”, já que

até então ficara em “compasso de espera”.

O segundo evento, como se disse, foi o advento do novo Código

Civil, que não só manteve a arbitragem, como método de solução dos litígios,

como lhe deu nova paginação e estrutura jurídica.

No Código de 1916, a arbitragem, com a denominação de

“compromisso”, estava incluída entre as modalidades de extinção das

obrigações, como se vê de seu artigo 1037.

21

Aparecia, assim, ao lado do pagamento por consignação, do

pagamento com sub-rogação, imputação, dação, compensação, novação,

confusão, remissão e transação.

O Código de 2002 elevou o compromisso à condição de contrato

(artigo 851), o mesmo ocorrendo em relação à transação.

Na precisa dicção do artigo 853, “admite-se nos contratos a

cláusula compromissória, para resolver divergências mediante juízo arbitral,

na forma estabelecida em lei especial”.

Não se operou, assim, uma simples modificação topográfica, mas

também da natureza jurídica do compromisso, o que lhe confere maior

“status” e força cogente entre as partes.

A partir de então, a arbitragem vem se consolidando cada vez

mais, entre nós, como solução eficiente e útil de conflitos de interesses,

adotada, principalmente, pelas empresas que, na maioria das vezes, não

podem aguardar a exasperante demora da entrega da prestação

jurisdicional.

Confiáveis e respeitadas Câmaras ou Tribunais Arbitrais estão em

funcionamento no Brasil, podendo-se citar, apenas como exemplos, no Rio de

Janeiro, a da Fundação Getúlio Vargas e da Associação Comercial (Câmara

Brasileira de Mediação e Arbitragem), em São Paulo a Câmara de

Arbitragem da FIESP e no Paraná a Câmara de Mediação e Arbitragem.

22

Quanto à nós, e após a aposentadoria como Desembargador do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, estamos vivendo uma

experiência fascinante, atuando como árbitro, em algumas arbitragens,

tanto na Fundação Getúlio Vargas quanto na Associação Comercial, onde

compomos seus quadros permanentes de árbitros, para livre escolha das

partes.

Mesmo que ainda não estivéssemos convencidos, (e sempre

estivemos), esta nova atividade a que passamos a nos dedicar, além da

consultoria jurídica, nos confere a entusiástica certeza que se abre um

campo fértil para aqueles que buscam solução mais rápida e eficaz para seus

conflitos.

A força obrigatória da cláusula compromissória é hoje de

reconhecimento pacífico em nossa construção pretoriana, inclusive no

Supremo Tribunal Federal, já havendo inúmeras decisões no sentido de

condenar a parte recalcitrante a instaurar o procedimento arbitral.

Impõe-se, a bem da verdade, observar que a Lei de Arbitragem em

momento algum afasta inteiramente a jurisdição estatal, permitindo a

qualquer das partes ingressar no Judiciário, para demandar a nulidade da

sentença arbitral, nos casos elencados, em “numerus cluausus”, na própria

lei, em seu artigo 32, como, por simples exemplo, a corrupção do árbitro, ou

o seu impedimento, além da falta de fundamentação da sentença.

O cumprimento da sentença arbitral se fará pelo procedimento

adotado pelo CPC, já que se trata de título executivo judicial, mas se

23

necessária se mostrar a medida, que se dispensará em casos específicos,

mais adiante comentados.

De todo o exposto, a resposta ao 2º quesito não poderia ser outra,

e é no sentido de que a arbitragem é meio legítimo de solução de conflitos,

desde os primórdios da civilização e na ordem jurídica brasileira atual, cada

vez mais se consolidando, como decorrência do exercício da cidadania.

3º Quesito: As questões relacionadas à locação de

imóveis podem ser discutidas e resolvidas definitivamente pela

Arbitragem?

Resposta: Como tivemos a oportunidade de ressaltar na resposta

ao quesito anterior, uma lei de 1827 instituiu a arbitragem obrigatória para

a solução de litígios oriundos do contrato de locação.

As razões eram de clareza solar, e decorriam da natural percepção

do mercado de que os conflitos entre locadores e locatários exigem solução

rápida, principalmente no que concerne à fixação e pagamento pontual do

aluguel e no desalijo do inquilino inadimplente.

O sistema da arbitragem compulsória vigorou até 1866, quando foi

abolido, preservando-se, entretanto, a forma voluntária, então largamente

praticada.

A Lei 8245/91 (Lei do Inquilinato) silenciou quanto á adoção da

arbitragem, para a solução dos conflitos locatícios, referindo-se, apenas, às

24

ações de despejo, consignatória de aluguéis e acessórios da locação,

revisional e renovatória.

Tal como ocorreu em relação à omissão da Constituição Federal de

1988, vozes distorcidas e infundadas apressaram-se a sustentar que no

vasto campo do contrato de locação do imóvel urbano não se admitiria a

arbitragem, tornando-se exclusiva a jurisdição estatal.

Esqueceram-se estas opiniões do disposto no artigo 79 da Lei

8245/91, segundo o qual “no que for omissa esta Lei, aplicam-se as normas

do Código Civil e do Código de Processo Civil”.

A solução arbitral não está expressamente autorizada, na lei

inquilinária, mas em lugar algum ficou vedada.

Daí se conclui, sem o menor esforço intelectual, que estando a

arbitragem autorizada e disciplinada tanto no Código Civil, quanto no de

Processo Civil, aplicar-se-á também na locação do imóvel urbano, em

qualquer de suas três modalidades, residencial, para temporada ou não

residencial.

Sempre sustentamos, em várias oportunidades, que a arbitragem

seria uma via ideal, especialmente em algumas questões pontuais, como a

fixação de aluguel, nas renovações do contrato, revisão do valor locativo ou

desalijo do locatário.

25

Aliás, em sede de ação revisional de aluguel e renovatória, a

perícia técnica de arbitramento do aluguel é a rainha das provas, e

considerada indispensável para a solução do litígio.

Ao nomear o Perito, o que na verdade se faz é recorrer a uma

espécie de árbitro, especialista na matéria, que orientará o Juiz para a

solução do litígio.

Daí falar-se em “arbitramento do novo aluguel”.

As vantagens da arbitragem, no campo locativo, são de ofuscante

clareza, e as maiores delas são a celeridade da entrega da sentença e a

impossibilidade de interposição de recursos.

O desafogo do Judiciário, inundado por uma avalanche de

demandas, contribuirá para resgatar-se o seu prestígio perante a opinião

pública.

Câmaras arbitrais especializadas, instituídas por órgãos confiáveis

e representantes dos diversos segmentos do mercado, permitiriam soluções

muito mais ágeis e menos onerosas, contribuindo para o seu fortalecimento.

É mais do que sabido pelos que militam neste mercado que a

exasperante demora na entrega da prestação jurisdicional, principalmente

nas ações de despejo, é um dos mais relevantes fatores de desestímulo dos

investidores, que não se sentem animados a construir ou adquirir unidades

imobiliárias para destiná-las à locação.

26

A recente Lei 12112/09, que introduziu algumas modificações na

Lei do Inquilinato, teve como notório objetivo acelerar a solução dos

conflitos locativos, como mecanismo necessário para o reaquecimento do

mercado.

Ampliou-se o número das hipóteses em que, nas ações de despejo,

poderá o juiz conceder medida liminar, para o desalijo do locatário em 15

dias, assim como se agilizou, e muito, a execução do despejo e da purgação

da mora.

Mas fomos os primeiros a advertir que a lei não alcançaria os seus

louváveis propósitos enquanto não se reformulasse a estrutura do Poder

Judiciário e a própria mentalidade dos julgadores.

O primeiro ano de vigência da Lei 12112/09 veio confirmar nossos

temores, e são pouco encorajadores os seus resultados iniciais,

remanescendo teimosamente as práticas do passado, em detrimento da

expansão do mercado.

Aprofundemos, agora, o exame da aplicabilidade da arbitragem, na

locação do imóvel urbano, que é o objetivo do quesito.

A Lei de Arbitragem (Lei 9307/96) estabelece, em seu artigo 1º,

que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para

dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

27

A forma adotada pelo legislador, “poderão”, indica, desde logo, que

a arbitragem admitida é a voluntária, o que homenageia o princípio da

autonomia privada.

Apresenta, assim, a arbitragem uma dupla faceta, de mecanismo

judicialiforme para solução de conflitos entre as partes, convivendo com o

sistema estatal e com outros mecanismos de solução de controvérsias, como

a conciliação e a mediação, e de procedimento previsto e instaurado por

iniciativa dos litigantes, informado pelo princípio da autonomia da vontade.

A simples leitura do artigo 1º da lei nos revela, portanto, que

podem ser submetidos ao procedimento arbitral os direitos patrimoniais

disponíveis, ou seja, que admitem transação.

No contrato de locação opera-se a transferência da posse do

imóvel ao locatário, por um certo tempo e mediante remuneração, traduzida

pelo aluguel.

O locatário passa a ser o possuidor direto do imóvel, conservando

o locador a posse indireta.

Trata-se, portanto, de contrato bilateral, oneroso, comutativo, em

que se encontra presente o tradicional binômio “prestação x

contraprestação”, que tem que se manter razoavelmente equilibrado

durante toda a sua vida.

Será fácil perceber que todos os direitos que emanam do contrato

são de natureza patrimonial e disponíveis.

28

Conseqüentemente, os seus conflitos são passíveis de solução

arbitral, entendimento que é unânime na doutrina pátria.

Na conhecida definição de Alcides de Mendonça Lima (Dicionário

do Código de Processo Civil Brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, 1986, pg.

225), diz-se que um direito é disponível quando ele pode ser ou não exercido

livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo o

cumprimento do preceito, sob pena de nulidade do ato praticado com sua

infringência.

Carlos Alberto Carmona, em sua excelente obra “Arbitragem e

Processo”, Ed. Atlas, pg. 56, doutrina que “são arbitráveis, portanto, as

causas que tratem de matéria a respeito das quais o Estado não crie reserva

específica por conta do resguardo dos interesses fundamentais da

coletividade, e desde que as partes possam livremente dispor acerca do bem

sobre que controvertem”.

Em que pese a conhecida divergência sobre a natureza jurídica da

posse, se um simples fato ou um direito, é indiscutível que se reveste ela de

caráter patrimonial.

E sobre ela, podem as partes transigir, o que, aliás, é bastante

freqüente.

A posse, como se sabe, pode ser adquirida onerosamente e se

transmite por atos inter-vivos ou em razão de sucessão “causa-mortis”.

29

Encontram-se presentes, portanto, todos os pressupostos que

autorizam a submissão do conflito à arbitragem.

Por outro lado, a natureza sinalagmática do contrato de locação,

produzindo obrigações recíprocas, exige que cada parte cumpra as que lhe

competem, sob pena de se romper o seu equilíbrio ético e econômico.

No momento em que o locatário, por exemplo, infringe os seus

deveres contratuais, especialmente o mais importante deles, que é o

pagamento pontual dos aluguéis, impõe-se uma composição rápida da equação

financeira do contrato, sem o que deixará ele de ser comutativo.

Poder-se-ia dizer, mas sem a menor sustentação, à nosso aviso, que

a Lei do Inquilinato elenca, em “numerus clausus”, as ações que podem ser

manejadas pelas partes, para solucionar os conflitos locatícios.

O simples fato do artigo 58 referir-se às ações de despejo,

consignatória de aluguel, revisional e renovatória, não significa dizer que são

elas as únicas possíveis, o que traduziria uma visão muito míope do amplo

universo da locação urbana.

Estas seriam, apenas, as mais comuns, o que justificaria disciplina

específica, e por isto preferimos denominá-las “ações locatícias típicas”, o

que não afasta um grande número de outras, que podem ter como “causa

petendi”, o contrato de locação.

Da mesma maneira, o fato de afirmar o artigo 5º da Lei do

Inquilinato que “seja qual for o fundamento do término da locação a ação do

30

locador para reaver o imóvel é a de despejo”, não traz como conseqüência o

afastamento da jurisdição arbitral.

O que se depreende, em decorrência de uma interpretação

sistemática, é que, elegendo o locador a jurisdição estatal, o que é de sua

livre opção, a ação para despedir o locatário é a de despejo.

Até porque o princípio constitucional é no sentido de que as partes

poderão submeter o seu conflito ao Judiciário, e não que são obrigadas a

fazê-lo.

Como já tivemos a oportunidade de afirmar, as soluções

alternativas, como a arbitragem, a mediação, a conciliação, sempre

estiveram à disposição das partes.

Ao avocar a responsabilidade de compor os conflitos de

interesses, o Estado não o fez em caráter absoluto, o que traduziria

intolerável agressão autoritária ao princípio da autonomia privada.

Além do mais, os meios alternativos são importantes para mitigar o

perigoso cenário de assoberbamento do Judiciário, causa principal de sua

criticada morosidade, a desgastar a sua imagem perante a opinião pública.

Entendemos que as questões relativas à locação são arbitráveis,

bem como as decorrentes da utilização do sistema de capitalização,

pretendido pela consulente.

31

Para isto, entretanto, deve ser introduzida no contrato, a cláusula

compromissória, de caráter obrigatório, como é o entendimento doutrinário

e pretoriano.

Mesmo na ausência da cláusula, e desde que as partes acordem,

quando ocorrer o conflito, poderão elas firmar o “compromisso de

arbitragem”, na forma do previsto na lei civil.

A decisão proferida pelo árbitro, como se viu, constitui título

executivo judicial, autorizando o ingresso no Judiciário, para o seu efetivo

cumprimento.

Um argumento algumas vezes manejado por uma parte minoritária

da doutrina é o da proibição do uso da arbitragem nas relações de consumo.

A tese não tem a menor sustentação jurídica, e não encontra eco

na doutrina mais respeitada.

A uma, porque a lei consumerista não veda a utilização da

arbitragem, limitando-se a considerar abusiva a cláusula compromissória.

Não se impede, portanto, que, instaurado o conflito entre fornecedor e

consumidor, possam eles optar pela via arbitral, firmando o respectivo

compromisso, desde que o façam livremente.

E a duas, porque, salvo raras exceções, a relação de locação não se

configura como sendo de consumo.

O locador não é um fornecedor de serviço, limitando-se a

transmitir a posse direta ao locatário, e nada mais.

32

Por outro lado, locação não é produto, o que afasta a incidência do

regime consumerista.

A resposta ao 3° quesito, para encerrar o assunto, é no sentido de

ser admissível a utilização da arbitragem nos conflitos locativos, mediante a

inserção de cláusula compromissória nos respectivos contratos, ou, não a

havendo, através do contrato de compromisso.

4º Quesito: Quais são os cuidados que a Brasilcap deve ter ao

acatar decisões emanadas por Câmaras de Arbitragem, uma vez que o

resgate dos títulos de capitalização caucionados serão baseados nas

decisões arbitrais?

Resposta: Para se chegar a uma resposta que atenda,

integralmente, ao interesse e dissipa as justas preocupações da Brasilcap, é

necessário que façamos uma análise do procedimento arbitral.

A esta altura, não mais se pode questionar a constitucionalidade da

arbitragem porque o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário está

garantido pela ação de nulidade,que pode ser manejada pela parte vencida,

para desconstituir a sentença, se estiver ela contaminada por um dos vícios

a que alude o artigo 32 da Lei 9307/96.

Coexistem, portanto, dois sistemas de resolução dos conflitos, e

ambos contam com o respaldo do devido processo legal: o sistema judicial e

o sistema arbitral.

33

Na acertada visão de J. E. Carreira Alvim, “a natureza da

arbitragem, antes que um equivalente da jurisdicional, é a própria jurisdição

em exercício”, razão pela qual o processo arbitral contem uma relação

jurídica processual, que guarda as mesmas características de qualquer outra

relação processual: autonomia, progressividade, complexidade, unidade e

caráter tríplice.

Esta relação se estabelece entre as partes interessadas, que

correspondem ao autor e o réu, e o árbitro ou árbitros, que atuam como

juízes de fato e de direito.

O processo arbitral, para atender a seus objetivos finais, deve

preencher determinados pressupostos, de existência e validade. Os

primeiros compreendem as partes interessadas e o árbitro ou Tribunal e o

litígio, cuja solução é o objeto da arbitragem. Os segundos, de validade, são

a capacidade de ser parte, a capacidade de estar em juízo, a competência e

imparcialidade do árbitro e a originalidade do litígio, o que constitui a

ausência de litispendência e de coisa julgada.

Além disto, é preciso respeitar os princípios diretores do processo

arbitral, tais como os do contraditório, da igualdade das partes, da

imparcialidade e do livre convencimento do árbitro.

Para os efeitos da consulta, é de fundamental importância inserir

no contrato de locação a chamada “cláusula compromissória”, a que já nos

referimos antes.

34

Leonardo Aravena Arredondo (Naturaleza Jurídica Del Arbitrage”,

Santiago do Chile, Ed.Jurídica do Chile, 1969, pag. 102), define a cláusula

compromissória como sendo “o ato mediante o qual as partes convencionam

remeter a árbitros o conhecimento de todas ou de algumas das questões que

surjam, no futuro, entre elas, relativas a matérias ou assuntos que

assinalam, subtraindo-as dos Tribunais de Jurisdição Ordinária”.

A nossa Lei de Arbitragem, em seu artigo 4º, a define como sendo

“a convenção através da qual as partes de um contrato comprometem-se a

submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a

tal contrato”.

Daí se conclui, na medida em que se tornou possível instaurar a

arbitragem independentemente do “compromisso arbitral”, que a cláusula

compromissória perdeu a natureza de pré-contrato de compromisso, para

produzir, desde logo, efeitos próprios.

É bem verdade que ainda persistem, na doutrina, vozes

divergentes, e entre elas as de Alexandre de Freitas Câmara e Celso

Agrícola Barbi.

Em sede doutrinária não há discrepância, a não ser redacional,

quanto ao conceito da cláusula compromissória e sua eficácia.

Apenas como breves exemplos podemos nos reportar a Carlos

Alberto Carmona, cuja autoridade sobre o tema decorre de ter ele

integrado a Comissão Revisora do ante-projeto da Lei de Arbitragem.

Sustenta, então, que ela é “uma convenção celebrada entre os contratantes,

35

através da qual fica estipulado que as divergências que vierem a surgir

entre eles, a respeito de um dado negócio jurídico normalmente acerca da

execução ou interpretação de um contrato, serão resolvidas por meio da

arbitragem” (A arbitragem no Processo Civil Brasileiro, Ed. Atlas, São Paulo,

2004, pag. 84).

Tarcísio Araujo Kroetz a define por um ângulo interessante, como

sendo “um negócio jurídico que determina a subtração da jurisdição estatal

das controvérsias que possam originar entre os contratantes, estabelecendo

a competência da solução de seus eventuais litígios para instância arbitral”.

Como se vê, o primeiro passo a ser adotado, é o da inserção da

cláusula compromissória no corpo do contrato, já que se exige que seja ela

expressa.

Mas a cláusula compromissória pode ser de suas espécies, ou seja,

cheia ou vazia.

Reputa-se cheia ou completa aquela em que as partes, valendo-se

da faculdade que lhes confere o artigo 5° da Lei 9307/96 indicam, desde

logo, o arbitro ou o Tribunal a que desejam submeter eventual controvérsia

instituindo a arbitragem segundo as próprias regras por elas escolhidas,

determinando se a sentença se baseará em direito ou na equidade.

Na cláusula vazia, ou incompleta, limitam-se as partes a eleger a

arbitragem como a solução de seus conflitos, sem indicar os árbitros ou as

regras que deverão presidi-la, o que se decidirá quando constituído o

Tribunal Arbitral, e firmado o compromisso.

36

Para a hipótese da consulta parece-nos óbvio que a cláusula deverá

ser “cheia”, ou seja, a mais completa possível.

Poderá ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança

das partes. A capacidade a que se refere o dispositivo é aquela regulada

pelo Código Civil, eliminando-se os que se enquadram nas hipóteses de seus

artigos 3° e 4°.

Exige-se, entretanto, que seja o árbitro pessoa natural, não se

admitindo que uma pessoa jurídica atue como tal. O árbitro pode não ter

formação jurídica, dispensando-se, portanto, que seja bacharel em direito.

Chegamos, finalmente, ao importante tema da sentença arbitral e

de sua execução.

Como já se viu, a Lei de Arbitragem rompeu a tradição de se

denominar de “laudo” a decisão arbitral, reservando-se a denominação de

“sentença” apenas para aquela emanada dos magistrados.

Refere-se agora a lei à “sentença arbitral”, como se vê do artigo

23, certamente para transmitir ao leitor a idéia de que se equipara ela

àquela emanada do Poder Judiciário, inclusive no que concerne à sua força

obrigatória e os limites, objetivos e subjetivos da coisa julgada.

O artigo 26 elenca os requisitos obrigatórios da sentença arbitral.

São eles: a) o relatório, que conterá os nomes das partes e um

resumo do litígio; b) os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as

questões de fato e de direito; c) o dispositivo, em que o árbitro resolverá as

37

questões que lhe foram submetidas e estabelecerá o prazo para o

cumprimento da decisão, se for o caso; d) a data e o lugar em que foi

proferida.

Como se sabe, a sentença arbitral é irrecorrível, desafiando,

apenas, embargos de declaração, para corrigir eventual erro material.

Isto, entretanto, não significa que foi afastada inteiramente a

apreciação do Poder Judiciário, já que, em caso contrário, estaria a lei

maculada pelo vício da inconstitucionalidade.

A nulidade da sentença arbitral pode ser argüida perante o Poder

Judiciário, em ação própria, de natureza declaratória, nas hipóteses

referidas no artigo 32.

A demanda anulatória seguirá o rito comum, e deverá ser proposta

no prazo de até 90 dias após o recebimento da notificação da sentença

arbitral, ou de seu aditamento.

Nas hipóteses dos incisos I, II, VI, VII e VIII do artigo 32, a

sentença judicial declarará a nulidade daquela proferida pelo árbitro,

apagando todos os seus efeitos; nas demais hipóteses, se determinará que o

árbitro profira nova decisão.

Nada impede, entretanto, que a nulidade da sentença arbitral seja

declarada em sede de embargos de devedor, conforme dispõe o artigo 741 e

seguintes do CPC, em havendo execução judicial.

38

Recomendamos, assim, que a consulente atente para estes

requisitos, quando prolatada a sentença arbitral, se ela for favorável ao

locador, autorizando o resgate do título garantidor.

Como será melhor examinado na resposta ao próximo quesito, a

sentença arbitral dispensa homologação, como se exigia no passado.

Concluindo a resposta ao 4° Quesito, cumpre-nos informar que a

sentença arbitral deverá determinar, de maneira clara, como se fará o

resgate dos títulos de capitalização caucionados, caso venha a ser acolhida a

pretensão autoral, deduzida na peça que instaura o procedimento arbitral.

Neste caso, em se tratando de mero resgate de garantia, dispensa-se a

execução judicial.

Daí se depreende que também será muito importante a peça

inaugural em que a pretensão tem que ser minuciosamente deduzida,

especialmente quanto ao eventual resgate do titulo, já que a sentença não

pode ser proferida “extra” ou “ultra petita”.

São estes, em resumo, os cuidados que a Brasilcap deve acatar,

para o resgate dos títulos de capitalização caucionados, com base em

sentença arbitral.

5º Quesito. A sentença arbitral precisa ser validada

judicialmente?

39

Resposta: Proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a

arbitragem, no-lo diz o artigo 29, devendo o árbitro enviar cópia da decisão

às partes.

Não exige a lei uma forma rígida para esta comunicação, bastando

que resulte inequívoca.

Poderão as partes, na cláusula compromissória cheia, indicar o

modo pelo qual se fará a notificação da sentença.

Não sendo estipulada pelas partes, a notificação poderá ser feita

por qualquer dos modos elencados no artigo 29.

A sentença arbitral, a nosso aviso, é uma expressão da vontade

estatal, tanto que a lei lhe reconhece os mesmos efeitos da sentença

proferida pelos Órgãos do Poder Judiciário, na arguta observação de

Carreira Alvim, na obra já citada, pág. 410.

Sobre este relevante assunto, uma das melhores análises se deve a

Nelson Nery Junior, que assim se manifestou, com a conhecida elegância e

precisão de seu estilo:

“Qual a diferença efetiva que existe entre a sentença

judicial e a sentença arbitral? Ambas, a nosso ver,

constituem exteriorização do poder jurisdicional. Apenas se

distanciam quanto ao aspecto confiança, que preside o

negócio jurídico de compromisso arbitral, estando ausente

na jurisdição estatal, cujo órgão não pode ser escolhido

40

pelas partes e cuja sentença é imposta coativamente aos

litigantes. Enquanto no compromisso arbitral as partes

convencionam acatar a decisão do árbitro, na jurisdição

estatal o réu é compelido a responder ao processo, ainda

que contra a sua vontade, sendo as partes obrigadas a

obedecerem o comando emergente da sentença” (“Código de

Processo Civil Comentado, RT, São Paulo, 1997, pg 69”).

A sentença arbitral, conclui-se, não é um ato judiciário, mas é um

ato jurisdicional, seja na forma, seja no conteúdo.

Nem seria lógico que o Estado admitisse a arbitragem, como meio

alternativo de solução dos conflitos de interesses, e negasse a

executoriedade de suas decisões, o que a tornaria uma pomposa inutilidade.

Daí a razão do que dispõe o artigo 31 da Lei de Arbitragem, “in

verbis”.

“Art.31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus

sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos

órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui

título executivo”.

Na expressiva maioria dos casos, a sentença arbitral é

condenatória, e, assim sendo, se revestirá da natureza de título executivo

judicial.

41

Dispensa-se, assim, qualquer homologação prévia, ou outro ato que

autorize a parte vencedora a dar início à sua execução, caso não seja

voluntariamente cumprida pelo vencido.

Este, alias, foi um dos maiores méritos da Lei 9307/76, já que a

exigência da homologação judicial, constante do regime anterior, era o

maior obstáculo à adoção da arbitragem pela sociedade brasileira.

Atribuir-se eficácia executiva autônoma, à sentença arbitral,

constitui fator importante, de incentivo à adoção da arbitragem.

A atual redação do artigo 475-N do Código de Processo Civil, que

elenca os títulos executivos judiciais, inclui, em seu inciso IV, a sentença

arbitral.

Não pode restar qualquer dúvida quanto ao fato de que a sentença

arbitral produz coisa julgada formal e material, estendendo os seus efeitos

subjetivos às partes e seus sucessores.

No que concerne ao cumprimento da sentença arbitral, alguns

mecanismos foram instituídos para incentivar o vencido à submeter-se aos

efeitos condenatórios da decisão.

O primeiro deles é de natureza moral, decorrente do princípio da

boa-fé objetiva, que é hoje um dos paradigmas da nova ordem jurídica,

implantada após o advento da Constituição Federal de 1988.

Como já foi antes ressaltado, o substrato da arbitragem é o

princípio da confiança, que é uma figura parcelar da boa-fé objetiva.

42

Ao optarem pela arbitragem as partes confiam que ambas se

submeterão aos efeitos da sentença.

Não fosse assim, e, certamente, recorreriam à via tradicional da

jurisdição estatal.

Ao aceitarem a inclusão, no contrato, da cláusula compromissória,

ou no momento de ser firmado o compromisso, não tendo sido ela prevista, a

parte incute na mente da outra a confiança de que a decisão será cumprida,

para pôr fim ao litígio.

Se assim não se conduzir o vencido, não estará se comportando

como o faria o homem probo, arrostando o juízo de reprovabilidade do corpo

social onde se insere.

A primeira conseqüência que se abate sobre a parte vencida, que

se mostra recalcitrante, é o desgaste de sua imagem, ou seja, a lesão à sua

honra objetiva, o que, nos meios comerciais e econômicos, onde a arbitragem

geralmente é adotada, pode ter reflexos prejudiciais incalculáveis.

Como se não bastasse, o não cumprimento da sentença arbitral,

pela parte vencida, representaria o que a doutrina civilista denomina de

“venire contra factum proprium”.

É intolerável, diante do paradigma da boa-fé objetiva, do qual

emana, como sub-produto, o princípio da confiança, que alguém manifeste a

inequívoca vontade de submeter o seu litígio à arbitragem, para depois,

ficando vencido, recusar-se ao cumprimento da sentença.

43

Seria “volver-se contra os próprios passos”, o que romperia, de

maneira perigosa, o equilíbrio e a segurança jurídica.

Não há a mais leve dúvida quanto ao fato de que a arbitragem tem,

na boa-fé objetiva, o seu pilar de sustentação.

Ela, na verdade, representa, para o homem probo, uma grande

janela que se abre para uma nova dimensão ética.

E foi justamente por isto que a Lei de Arbitragem equiparou a

sentença arbitral àquela emanada do Poder Judiciário, conferindo-lhe a

mesma força obrigatória, e dispensando-a de homologação, para que possa

ser executada.

Mas se não bastarem as motivações éticas, e o juízo de

reprovabilidade social ao recalcitrante, a lei prevê mecanismos bem mais

coercitivos, autorizando o vencedor a ingressar em Juízo, pela via da

execução de título judicial, se necessário.

Mas talvez aí resida um ponto ainda frágil, da jurisdição arbitral.

Não pode o próprio árbitro promover a execução de sua sentença,

por não ser dotado do “imperium” que a lei concede aos magistrados, que

integram o Poder Judiciário.

Opera-se, portanto, uma cisão, no procedimento arbitral,

encerrando o árbitro a sua jurisdição, ao prolatar a sentença.

Daí para frente, não sendo ela voluntariamente cumprida pelo

vencido, a jurisdição, para a execução, se transfere para o Judiciário.

44

Destaque-se, entretanto, por oportuno, que o juiz não pode

apreciar o mérito da decisão arbitral, mesmo que tenha se baseado na

equidade, por escolha das partes.

Não cabe ao Judiciário discutir a “justiça” da sentença arbitral, ou

se foram as provas bem apreciadas.

Só lhe cabe adotar as medidas de coerção, previstas no CPC, para

compelir o vencido a cumprir a sentença.

Também nada impede que o juiz adote providências antecipatórias,

para tornar efetiva a decisão, como, por exemplo, mandar expedir, desde

logo, o mandado de despejo, se esta foi a decisão arbitral.

De todo o exposto, a resposta ao 5° quesito é no sentido de que a

sentença arbitral não depende de homologação para produzir todos os seus

efeitos, convertendo-se, automaticamente, em título executivo judicial, no

termos do artigo 31 da Lei 9307/76, o que autoriza o juiz da execução

mandar expedir de pronto o mandado desalijatório, caso, na arbitragem,

tenha sido julgado procedente a pretensão autoral.

6º Quesito: A Carta de Execução emitida pelo locador ou seu

Representante Legal (modelo anexo), poderia ser utilizada como uma

alternativa para resgate e quitação de débitos oriundos de abandono do

imóvel e paradeiro desconhecido do locatário, ou seja, transferir o

valor ao locador sem recorrer ao Judiciário ou à arbitragem?

45

Resposta: Esta é a questão mais provocante submetida ao nosso

entendimento.

Sob o ponto de vista ético e de efetividade da garantia, a resposta

é afirmativa, já que uma eventual citação por edital, com a necessária

intervenção do Ministério Público ou da Defensoria, tornaria quase inócuo o

sistema.

Da mesma forma, o já tantas vezes citado princípio da boa fé

objetiva recomenda a solução a que se refere o quesito.

Para tanto, seria conveniente que se incluísse, expressamente, no

contrato de locação, esta possibilidade.

Neste caso, poder-se-á invocar o princípio da autonomia da

vontade e da força obrigatória dos contratos, resumido na conhecida

máxima romana “pacta sunt servanda”.

Ressalte-se que o modelo proposto pela consulente, e que veio

anexado aos quesitos, assegura o direito do caucionado reclamar a devolução

de eventual saldo, após o resgate, para o pagamento do débito locativo.

Mas não temos duvidas que muitas vozes se levantarão contra a

medida que é objeto do quesito nº 6.

Dir-se-á, em primeiro lugar, que a medida traduziria um retorno ao

já abolido sistema da auto-tutela do direito, alem de violar a garantia da

inafastabilidade da jurisdição estatal ou arbitral, para a resolução dos

conflitos.

A solução poderá ser acusada de abusiva, já que não oferece à

parte contrária a garantia do contraditório e da ampla defesa.

46

Um segundo argumento seria o princípio da vedação do pacto

comissório, que se aplica aos direitos reais de garantia.

Segundo dispõe a lei civil, não pode o credor incorporar

diretamente ao seu patrimônio o bem dado em garantia, sendo obrigatório

excuti-lo.

Mas a hipótese da consulta oferece algumas peculiaridades, que

devem ser consideradas.

O pacto comissório, acima referido, aplica-se essencialmente, ao

penhor e à hipoteca, havendo bens corpóreos representando a garantia.

Assim, por exemplo, se o bem apenhado é um veículo, não pode o

credor inadimplido incorporá-lo diretamente ao seu patrimônio, sendo

obrigatório promover a ação de execução, finda a qual, não havendo o

pagamento, o bem será levado a leilão.

Neste caso, em havendo saldo, decorrente da arrematação, será

ele entregue ao devedor.

O mesmo se aplica à hipoteca, impondo-se a realização da praça,

quando ao final, não se efetuou o pagamento.

A vedação do pacto comissório decorre do princípio basilar que

preside o direito das obrigações, segundo o qual a execução se fará em

beneficio do credor, mas da maneira menos onerosa para o devedor.

Levando-se o bem garantidor à alienação judicial será, em tese,

possível que após a arrematação, apure-se um saldo a favor do devedor, que

47

é à ele devido, o que jamais ocorreria se pudesse ele ser desde logo

integrado ao patrimônio do credor.

Mas isto não significa que a coisa apenhada ou hipotecada não

possa ser incorporada aos demais bens do credor.

No caso do penhor, por exemplo, pode o respectivo contrato

autorizar, desde que expressamente, que o credor aliene particularmente a

coisa apenhada, ou até que se aproprie dela, evitando-se a realização do

leilão.

Na hipoteca poderá o credor adjudicar o imóvel, se a avaliação do

mesmo for inferior ao crédito, quando, então, terá que conceder quitação

integral ao devedor, nada mais podendo dele reclamar, quanto ao saldo

devedor resultante.

Como se vê, não é absoluta a proibição do pacto comissório.

Em se tratando, entretanto, de título de crédito ou de

capitalização, a garantia é representada por dinheiro, que se aloca, desde

logo, a serviço do credor.

E ele só será devido até o limite do crédito, devolvendo-se ao

devedor o eventual saldo.

Não há como se promover a “alienação judicial” do bem apenhado.

O valor do título já é disponibilizado, total ou parcialmente, ao

credor, diante do inadimplemento do devedor.

48

Aliás, se assim não fosse, nenhum sentido prático teria a garantia,

quando representada por título de crédito ou de capitalização.

Recomenda-se, entretanto, que se inclua no contrato autorização

expressa do locatário para que se resgate o título, até o limite do débito

locativo, independentemente de recurso ao Judiciário e caso a sentença

arbitral acolha a pretensão autoral.

Tudo dependerá da clareza e objetividade da disposição contratual

e do pedido formulado na instauração do procedimento arbitral.

Neste caso, não poderia a locatário reclamar a devolução da

quantia resgatada, o que equivaleria à violação da coisa julgada em que se

transformou a sentença arbitral.

A única via que restaria ao locatário, para se opor ao resgate

realizado pela Brasilcap, em cumprimento da sentença arbitral, seria, como

já se disse, a ação de nulidade, mas isto só se admite se estiver a sentença

contaminada por um dos vícios referidos no artigo 32.

Aí sim, anulada a sentença, por decisão judicial, apagar-se-iam

todos os seus efeitos, inclusive o resgate, impondo-se a restituição dos

valores ao locatário, o que poderia até mesmo ser por ele pleiteado em sede

de ação de repetição de indébito.

Neste caso, como é elementar, só poderia o locatário reclamar a

devolução da quantia indevidamente resgatada, acrescida dos consectários

da mora, inclusive perdas e danos, se efetivamente comprovados.

49

O sujeito passivo da ação de repetição seria o credor- locador, se

à ele já tivesse sido pago o seu crédito, e não a Brasilcap, que só

responderia se comprovado ter ela agido de má-fé.

Daí se conclui que o resgate dos valores realizado pela Brasilcap,

em cumprimento imediato da sentença arbitral, seja em caso de abandono

do imóvel ou não, não configura abuso de direito ou exercício arbitrário das

próprias razões, e sim o dever indeclinável de cumprimento da sentença

arbitral e dos próprios termos do contrato de locação, em razão da

expressa autorização do locatário, para que assim se proceda.

O entendimento já será diferente, se a hipótese é a da utilização

da Carta de Execução independente do recurso à jurisdição estatal ou

arbitral.

Parece-nos, neste caso, que a posição do locador e da Brasilcap

ficaria bastante fragilizada, já que a solução aventada no quesito

certamente seria considerada abusiva ou ilegal, traduzindo violação ao

princípio do contraditório e da ampla defesa.

Poder-se-á alegar que o sistema representa o exercício direto das

próprias razões, o que, em tese, não se admite na ordem jurídica moderna.

É evidente que também poderão ser argüidos os princípios acima

referidos da autonomia da vontade e do “pacta sunt servanda”, mas ao que

nos parece, sem razoáveis possibilidades de êxito.

50

Por certo, muitos dos locatários não reagirão à medida, se prevista

no contrato e por eles autorizada, mas deve ser considerada pelo mercado

esta possibilidade de vedação judicial ao resgate promovido direta e

imediatamente pelo locador, sem qualquer decisão judicial ou arbitral.

Trata-se, portanto, de uma questão empresarial, de julgamento da

equação “custo x benefício”, para que se decida se convém assumir o risco,

o que desborda dos aspectos jurídicos.

Concluindo a resposta ao quesito, sustentamos que a prática pode

ser adotada, com os cuidados acima descritos.

7º Quesito: Caso o locatário contrate crédito pessoal para

aquisição do Título de Capitalização a ser caucionado no contrato de

locação, poderá esse locatário autorizar que as parcelas desse

financiamento sejam debitadas em seu recibo de aluguel? O objetivo

deste procedimento seria reduzir a taxa de risco, uma vez que a

possibilidade de inadimplência também ficaria reduzida.

Resposta: Ao nos ser apresentado o projeto, pela consulente, uma

das primeiras dúvidas que nos assaltaram, dizia respeito à capacidade

econômica do futuro locatário para aquisição do Título de Capitalização, cujo

valor atinge várias vezes o do aluguel avençado.

Este, aliás, foi um dos grandes entraves ao seguro fiança, previsto

na Lei 8245/91, como uma das modalidades de garantia, e que não logrou

51

êxito, sendo muito pouco praticado no mercado, já que o prêmio cobrado se

mostrava excessivo para a maioria das partes.

Além do mais a quantia despendida para o pagamento do prêmio

jamais retornará ao segurado, se o sinistro não se tornar realidade.

Caso ao final do contrato estiver o locatário rigorosamente quites

com suas obrigações contratuais, nada devendo ao locador, não poderá

pleitear, como é óbvio, a restituição do prêmio pago.

Mas o título de Capitalização traduz investimento, modalidade de

poupança, que retorna ao investidor, acrescido de correção monetária e

juros, após um certo tempo.

O locatário estaria, portanto, investindo para o futuro, confiando

na retidão do seu comportamento contratual.

Isto sem falar numa atração quase irresistível para ele, que é a

participação automática em sorteios mensais, que, sendo ele o premiado, lhe

proporcionaria receber quantia suficiente para pagar, senão todos, grande

parte dos aluguéis devidos durante a vida do contrato.

Estas são, indubitavelmente, duas forças atrativas do sistema, que

o podem tornar vitorioso, aquecendo o mercado locativo.

Foi então que nos foi esclarecido que seria possível a concessão de

crédito pessoal para a aquisição do Título de Capitalização, o que muito a

facilitaria, pelo parcelamento do valor a ser pago pelo locatário.

52

As condições para o financiamento, como é óbvio, deverão ser

ajustadas previamente, pelas partes interessadas, obedecendo, ainda, as

regras do sistema financeiro.

Neste caso, não vemos qualquer impedimento jurídico para que as

parcelas do financiamento fossem incluídas nos recibos de aluguel ou, até

mesmo, em débito automático na conta corrente do locatário.

Este sistema, entretanto, terá que ser expressamente autorizado

pelo locatário que é o adquirente do Título, constando a autorização do

contrato de locação e da aquisição do referido Título.

O direito moderno, em todos os sistemas jurídicos vigentes, se

orienta no sentido de fortalecer o crédito, mitigando os riscos da

inadimplência do devedor.

Isto porque o crédito é hoje o oxigênio que alimenta a sociedade

de consumo em que vivemos. Todos dependemos do crédito, produtores,

fornecedores e consumidores.

E não é possível concedê-lo, se não forem criados mecanismos que

assegurem a quem concede o crédito a mínima certeza de seu retorno, ou

seja, do efetivo e pontual pagamento da obrigação pecuniária.

Isto explica o fato das civilizações mais antigas já terem adotado

poderosos instrumentos para garantir o pagamento das obrigações.

Não se pode esquecer que na Roma Antiga o devedor inadimplente

era imolado em sacrifício à deusa Temis, num altar erguido às margens do

53

Rio Tibre. Mais tarde abrandou-se o terrível sistema, não mais se tirando a

vida do devedor, e sim a sua liberdade, tornando-o escravo do credor, só

recuperando a sua liberdade quando finalmente cumpria a obrigação.

Só muitos séculos depois é que a Lex Paetelia Papiria deslocou o

eixo da garantia do pagamento da obrigação do corpo do devedor para fazê-

lo recair sobre o seu patrimônio, sistema que até hoje perdura.

São os bens do devedor que garantem o credor.

A execução, como se sabe, se faz em beneficio do credor, embora

da maneira menos onerosa para o devedor, como já se disse antes.

Daí se conclui que são admissíveis todas as medidas que

fortaleçam o crédito e facilitem o pagamento, desde que não colidam com a

ordem pública ou violem norma cogente, e não ofendam a dignidade humana.

Também muito se prestigia hoje o princípio da efetividade do

direito, segundo o qual se deve assegurar que se entregue o bem da vida a

que faz jus o credor, com o menor esforço e tempo possíveis.

Tudo isto nos convence que nada impede que, uma vez concedido o

crédito para a aquisição do Título de Capitalização, e com pagamento

parcelado, as respectivas parcelas sejam incluídas nos recibos de aluguel,

desde que assim se convencione, expressamente, no contrato, e para que

depois sejam repassadas ao concedente do financiamento, seja pelo locador

ou pelo seu representante.

54

Vale ressaltar que a garantia é um pacto acessório do contrato

principal, seguindo-lhe a sorte.

A aquisição do Título, como já se disse, é uma modalidade de

caução, admitida pela Lei 8245/91.

A sua efetivação, por via de conseqüência, pode ser ajustada e

realizada no próprio contrato de locação, mediante o pagamento juntamente

com a obrigação principal, que é o aluguel.

Isto torna mais fácil e eficaz a aquisição do Título, além de

reduzir, de maneira significativa, o risco de inadimplência, o que é do maior

interesse social e preocupação permanente do legislador atual.

O pagamento das parcelas do financiamento passaria a ser um dos

encargos da locação, como o IPTU, o condomínio e as taxas, o que sempre

foi permitido repassar ao locatário, desde que previsto no contrato.

Daí se conclui que é admissível incluir nos recibos de aluguel o

pagamento das parcelas do financiamento concedido para a aquisição do

título de capitalização.

8º Quesito: Havendo no contrato cláusula compromissória

cheia, e não comparecendo o locatário para responder ao processo

arbitral apesar de regularmente convocado pelo árbitro, é indispensável

o ajuizamento de ação de execução de obrigação de fazer, para

compeli-lo a instaurar a arbitragem?

55

Resposta: O artigo 22, § 3° da lei de Arbitragem estabelece que

“a revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral”.

Dispõe, ainda, o artigo 21 que as partes se submeterão às regras

estabelecidas pelo Tribunal Arbitral, ou aquelas previstas na própria

cláusula compromissória ou compromisso arbitral.

Nada impede, portando, que seja prolatada a sentença arbitral,

diante da revelia da parte, se assim dispuserem as regras do órgão

encarregado de proceder à arbitragem.

Será preciso que se comprove que foi a parte regularmente

convocada para responder ao processo arbitral, o que também pode estar

disciplinado nas regras do Tribunal.

9º Quesito: Na cláusula compromissória é lícito indicar apenas

a instituição arbitral, à qual será submetido o litígio, ou é necessário

designar desde logo o árbitro ou árbitros que irão atuar para dirimi-lo?

Resposta: As duas soluções aventadas no quesito são

perfeitamente admissíveis.

Podem as partes, na cláusula compromissória cheia, apenas indicar

a instituição arbitral a que se submeterá o conflito.

Neste caso, compete à ela indicar o árbitro ou árbitros que irão

atuar, e estabelecer as regras do procedimento arbitral, o que , aliás, é o

sistema mais praticado.

56

Mas nada impede que na cláusula compromissória já se designe o

árbitro ou árbitros escolhidos pelas partes.

Há, portanto, quanto à isto, um grande espaço reservado ao

princípio da autonomia da vontade.

A Lei de Arbitragem, em várias passagens, deixa claro que o litígio

pode ser resolvido por um só árbitro ou por um conjunto de árbitros,

integrando um Tribunal.

A matéria argüida neste quesito fica, portanto, subsumida à

discricionariedade das partes contratantes.

10º Quesito: Caso a Brasilcap libere valores ao locador

baseada somente na sentença arbitral disporá o locatário de alguma

medida judicial para reaver direitos que julgar violados?

Resposta: A hipótese agora versada já foi, em sua maior parte,

respondida quando enfrentamos o 5° quesito.

Tendo a sentença arbitral, regularmente proferida, com

obediência aos princípios que regem este tipo de jurisdição, determinado o

resgate, total ou parcial, do Título de Capitalização, para ressarcir o locador

inadimplido, assim deverá proceder a Brasilcap, cumprindo não só os seus

termos, quanto aos do contrato.

57

Também já manifestamos nossa opinião no sentido de só restar ao

locatário, caso se mostre irresignado, ingressar com a ação de nulidade da

sentença arbitral.

E isto porque a sentença arbitral é irrecorrível, operando-se

preclusão lógica, para se constituir a coisa julgada.

Como se não bastasse, a liberação dos valores atende ao princípio

da efetividade do processo, que recomenda que se entregue a prestação no

menor tempo e esforço possíveis.

Do exposto, reportamo-nos à resposta já dada ao 5° quesito, já

que em sede do procedimento arbitral nada mais poderá fazer o devedor,

para resistir ao julgado, sob pena de se romper o lacre inviolável da coisa

julgada.

11º Quesito: A modalidade de garantia a que se refere a

consulta atende às exigências e disposições da Circular SUSEPE 380, de

29 de dezembro de 2008, sendo possível considerar que locador e

locatário estão relacionados à este tipo de produto?

Resposta: A Resolução 380, de 29 de dezembro de 2008, como se

depreende de seu artigo 1°, dispõe sobre os controles internos específicos

com o objetivo principal de combater os crimes de “lavagem” ou ocultação

de bens, direitos e valores, ou que com eles possam se relacionar,

58

acompanhando operações realizadas e as propostas de operações com

pessoas politicamente expostas.

É notório que tais crimes são perpetrados através de operações

financeiras, ainda que não sendo as instituições coniventes, atuando de boa-

fé.

Daí a criação de controles internos preventivos, aos quais se

subsumem as instituições a que a Resolução se refere, e que atuam em

diferentes segmentos dos mercados econômicos.

Entre elas foram incluídas as que operam na capitalização, o que

inclui, como é óbvio, a consulente.

Diversas pessoas, naturais ou jurídicas, são alcançadas pela

referida Resolução, e entre elas, no inciso VI, do artigo 3° se incluem os

“Terceiros”, ali definidos como “aqueles que não se enquadrem nos incisos

anteriores e que sejam eventualmente indenizados, beneficiados ou estejam

relacionados à aquisição ou liquidação de apólices de seguro, títulos de

capitalização e previdência privada”.

Não se confundem estes terceiros com os beneficiários, definidos

no inciso V do artigo 3°, que são pessoas indicadas pelo segurado, tal como

ocorre, por exemplo, nos contratos de seguro de vida, onde se configura o

instituto jurídico denominado “estipulação em favor de terceiro”.

Também não se consideram “clientes”, que são os próprios

segurados, titulares ou subscritores de títulos de capitalização.

59

Não será difícil perceber que as pessoas referidas no inciso VI

são aquelas que não integram a relação contratual mas que com ela se

relacionam, podendo ser alcançados por algum de seus efeitos.

O princípio geral da relatividade dos contratos, segundo o qual eles

só obrigam as partes que deles participam, sendo oponíveis apenas entre

elas, e não “erga omnes”, nunca foi absoluto, admitindo exceções, como, por

exemplo freqüente a acima citada “estipulação em favor de terceiro”.

O novo paradigma da função social dos contratos fez com que se

impeça que eles produzam efeitos negativos na sociedade como um todo.

Estes terceiros, portanto, não figuram como partes ou

beneficiários, mas de qualquer forma se relacionam com o negócio jurídico,

sendo por ele atingido.

Daí se conclui que para se configurar a presença de um terceiro,

nas operações a que alude a Resolução 380 da SUSEP, é preciso analisar se

algum efeito, ainda que remoto, se reflete sobre alguém, influindo no mundo

de seus direitos subjetivos.

Assim se verificando, estendem-se aos terceiros, os controles

referidos no inciso II do artigo 9° da Resolução já citada, no que concerne à

elaboração de critérios e implementação de procedimentos de identificação,

criando-se um cadastro de informações, como se vê dos §§ 7° e 8° do artigo

10.

60

Na hipótese da consulta, os locadores não se enquadram na

moldura de clientes ou beneficiários.

Ciente é o subscritor do título, e o valor capitalizado não é pago ou

devolvido a terceiros por ele indicados, como no seguro de vida.

Não pode restar a menor dúvida que o locador se reveste da

posição de “terceiro”, a que alude o já citado inciso VI do artigo 3° da

Resolução 380.

E isto porque, eventualmente, e no caso de inadimplência do

locatário, que é o titular, será ele ressarcido, mediante o resgate da quantia

capitalizada como garantia.

Por outro lado, como o título de capitalização está vinculado,

expressamente ao contrato de locação, passa a ser dele acessório,

seguindo-lhe a sorte e sendo abrangido por todos os fatos que atingem a

relação “ex-locato”.

Não há como se dizer que diante da formatação do contrato de

locação, e das partes que obrigatoriamente o integram, o locador e o

locatário não se relacionam ao negócio jurídico por eles engendrado.

Resta, agora, examinar se as informações cadastrais exigidas pela

Resolução 380 devem constar do contrato de locação ou do próprio título de

capitalização.

É mais do que sabido pelos que têm alguma intimidade com o

mercado locativo, que os locadores resistem à idéia de prestar informações

61

detalhadas sobre sua vida econômica, especialmente quanto aos seus

rendimentos e patrimônio, não concordando que sejam elas prestadas no

contrato de locação.

Nem a Lei do Inquilinato o exige, bastando a qualificação genérica,

quanto à nacionalidade, estado civil, profissão, além da carteira de

identidade e CPF.

A exigência do cadastro, no corpo do contrato, certamente

inviabilizaria sua celebração.

Diante da exigência de invasão de sua privacidade, obrigando o

locador a declarar no contrato sua renda, patrimônio e demais informações

referidas na Resolução 380 de SUSEPE, certamente desistiria ele do

sistema, optando por uma das outras garantias tradicionais, previstas na Lei

8245/91.

Como já imaginamos acima, a garantia referida na consulta

dificilmente encontraria interessados, entre os prováveis locadores.

Nossa sugestão é a de, nos contratos operacionais a serem

celebrados com as imobiliárias, para a implementação da garantia, se

estabelecer que deverão elas fazer o cadastro do cliente-locador, que

permanecerá com ela, sob sigilo, só sendo transmitido se e quando se tiver

que efetivar o resgate do título.

62

Este cadastro, feito pela administradora, não se confunde com

aquele do futuro locatário, subscritor do título, e que incumbirá à Brasilcap

elaborar, segundo as normas regulatórias.

Caso o locador se recuse a fornecer as informações a que se

refere a Resolução 380 deverá ser ele advertido das possibilidade de

medidas oficiais repressivas.

Daí estarmos convencidos que este cadastro será guardado com a

emissora do título, e só se divulgarão as informações completas por ocasião

do resgate, o que atende às exigências da Resolução 380.

De todo o exposto, respondemos ao 11° quesito no sentido de que o

locador e o locatário consideram-se relacionados ao tipo de produto a que se

refere a consulta.

12º Quesito: Não optando as partes pela jurisdição arbitral

como se comporá eventual conflito entre locador e locatário,

especialmente quanto ao pagamento do aluguel?

Resposta: Para o sistema de capitalização, a ser praticado pela

Brasilcap, não é indispensável que se recorra à jurisdição arbitral.

Não se inserindo no contrato de locação cláusula compromissória, o

que significa dizer que optaram as partes pela via jurisdicional, e incidindo o

locatário em mora, quanto ao pagamento dos alugueis, caberá ao locador

63

ingressar na justiça comum, com a competente ação de despejo, com fulcro

no artigo 62 da Lei 8245/91.

Neste caso, deve ser incluído no pedido inicial que, não sendo

purgada a mora, e julgada procedente a pretensão desalijatória, autorize o

juiz, na sentença, o resgate do título, até o limite do débito locativo, para

seu efetivo pagamento.

Eventual recurso de apelação, interposto pelo locatário, não

admitirá efeito suspensivo, como determina a lei, e o resgate independerá

de prestação de caução na forma do artigo 64 da Lei 8245/91.

Mais uma vez estamos diante de matéria que ultrapassa os

aspectos puramente jurídicos, revestindo-se de natureza administrativa, de

conveniência de mercado.

A jurisdição estatal, como já se disse, é, em tese, mais demorada,

principalmente em Comarcas de grande densidade populacional, o que pode

retardar, de muito, o resgate do título garantidor.

Mas também é inegável que a arbitragem nem sempre assegura

maior celeridade, e temos experiência pessoal, de que algumas delas

ultrapassam um ano, equiparando-se à jurisdição estatal, ou até mesmo a

ultrapassando.

Por outro lado, para se admitir a arbitragem, será necessário que

sejam instaladas Câmaras Arbitrais, pelo menos nas capitais dos estados e

cidades de grande porte.

64

Isto porque se for eleito no contrato de locação um órgão arbitral

em localidade diversa da localização do imóvel, a cláusula poderá ser

anulada, por abusiva, visando dificultar a defesa do locatário.

Ressalte-se, por oportuno, que havendo cláusula compromissória,

não se admite o recurso ao Poder Judiciário, já que ela tem força

obrigatória para as partes.

Já há inúmeras manifestações pretorianas no sentido de se

julgarem os juízes absolutamente incompetentes, havendo cláusula

compromissória no contrato.

Como se vê, caberá à imobiliária ou ao locador a opção por uma das

vias de solução de eventuais futuros conflitos, o que não repercute sobre a

Brasilcap, a quem só competirá cumprir a sentença, seja ela arbitral ou

judicial, quanto ao resgate do título.

13º Quesito: Queira o Parecerista emitir qualquer outra

consideração que entenda pertinente para o perfeito esclarecimento da

matéria.

Resposta: Algumas questões práticas podem surgir, desafiando

medidas eficazes, e que não foram expressamente referidas nos quesitos

acima formulados e respondidos.

A primeira delas interessa ao controle interno e jurídico.

65

Como fomos informados, quando da exposição da matéria que é

objeto da consulta, o título de capitalização só é emitido quando da

aceitação da proposta, que com ele não se confunde.

Ocorre, então, que o número da proposta não é o mesmo do título.

Preocupa-se o controle interno se esta divergência, quando da celebração do

contrato, pode colidir com o princípio da especificação, que preside os

direitos reais de garantia.

Questiona, também, se estarão sendo cumpridas as exigências

legais se o título ainda não estiver especificado, não estando o contrato

registrado.

Como já tivemos oportunidade de ressaltar, em resposta anterior,

não desnatura a garantia real o fato do seu título representativo ser ainda

futuro, desde que descrito minuciosamente no contrato.

O objeto do contrato nem sempre se encontra existente, no

momento de sua celebração, constituindo coisa futura.

O exemplo clássico a que remonta a doutrina é a compra e venda

de coisa futura, em que seu objeto ainda não existe, seja na modalidade de

“emptio spei”, seja na de “emptio rei sperata”.

O que se exigirá é que o título representativo da garantia do

locador seja perfeitamente especificado no contrato de locação, inclusive

quanto ao valor, prazo de vigência e demais elementos essenciais de validade

e existência.

66

Quanto ao registro do contrato, também já informamos que não é

ele exigível, a não ser para que se lhe atribua oponibilidade “erga omnes”, o

que não é do interesse da hipótese da consulta.

A segunda questão prática diz respeito ao incidente da purgação

da mora, que sempre foi garantido aos locatários, em homenagem à

densidade social de que se reveste a locação.

Na locação do imóvel urbano rompe-se a tradição de não se poder

compelir o credor a receber a prestação, já estando o devedor em mora.

Também é princípio fundamental das obrigações que o devedor não

tem direito a consignar a prestação, se oferecida após o vencimento, já que,

neste caso, será justa a recusa do credor em recebê-la.

Mas a Lei do Inquilinato converteu em direito do locatário purgar a

mora, para evitar a rescisão do contrato, não podendo o locador recusar-se

ao pagamento.

A purgação, uma vez realizada, extingue a ação de despejo,

independente da vontade do autor-locador.

O fato de se optar pela jurisdição arbitral não retira do locatário

a faculdade de purgar a mora, sendo nula, de pleno direito, qualquer

disposição, contratual que represente renúncia do locatário ao favor legal.

Parece-nos, entretanto, que o obstáculo é facilmente contornado,

bastando que, ao se instaurar o processo arbitral, o árbitro convoque o

locatário para pagar integralmente o débito apontado na planilha oferecida

67

pelo autor, no prazo de 15 dias, após a citação, tal como se estabelece no

artigo 62 da Lei do Inquilinato.

Este sistema ainda oferece uma vantagem suplementar, que é a

possibilidade de promover o árbitro a mediação, para encerrar o litígio,

mediante o pagamento ou a voluntária desocupação do imóvel.

No mais pensamos ter atendido aos objetivos da consulta.

IV) Considerações finais, quanto à utilidade e validade do

sistema.

Após as respostas aos quesitos, não podemos nos furtar a tecer

algumas considerações práticas, que são fruto da experiência que

acumulamos, em mais de trinta anos de exercício da advocacia, no ramo

imobiliário, especialmente no segmento da locação.

Também nos encoraja a circunstância de termos participado da

Comissão que elaborou o ante-projeto do qual resultou a atual Lei do

Inquilinato.

A questão da garantia da locação sempre foi um dos pontos

nevrálgicos do sistema, tendo em vista o alto grau de risco que envolve o

contrato, não sendo rara a inadimplência do locatário.

As garantias reais e fidejussórias admitidas pela Lei do

Inquilinato, em seu artigo 37, nunca se revelaram hábeis para assegurar, de

68

maneira eficaz, o cumprimento das obrigações do locatário, especialmente

quanto ao pagamento do aluguel.

A caução em dinheiro, limitada ao máximo de três vezes o valor

do aluguel, é notoriamente reduzida, e muito raramente assegura o

ressarcimento integral do locador, razão pela qual é rejeitada pela maioria

dos administradores de imóveis.

Ao ampliar a caução, para abranger outros bens móveis, que não

dinheiro, e até mesmo imóveis, esperou o legislador solucionar o problema,

já que, nestes casos, não haveria a limitação quantitativa a que acima nos

referimos.

Mas o tempo demonstrou que foi inútil o esforço da lei, sendo

rara, no mercado, a utilização desta modalidade.

Isto porque a caução de bens móveis, que não dinheiro, traduz,

na verdade, um penhor, a exigir, para sua constituição, alguns pressupostos

de existência e validade, que dificultam a sua adoção, a começar pela

necessidade de se registrar o contrato no Registro de Títulos e

Documentos, para lhe conferir oponibilidade “erga omnes”.

Como se não bastasse, em se tratando, no fundo, de um penhor,

aplicam-se os princípios da discriminação e especificação, vedando-se, como

se sabe, o pacto comissório, ou seja, o locador não poderá incorporar a coisa

dada em garantia, diretamente em seu patrimônio, diante da inadimplência

do locatário, sendo obrigado a promover a execução e levar o bem à leilão,

69

para se devolver ao devedor eventual saldo apurado entre o valor da

arrematação e o débito.

A caução representada por bem imóvel oferece dificuldades

práticas ainda maiores, já que se equipara à hipoteca, exigindo a celebração

de instrumento público e seu registro no cartório imobiliário competente.

Também, neste caso, se aplica a vedação do pacto comissório, exigindo-se a

execução judicial do bem.

A fiança, que é a modalidade mais adotada, também apresenta

deficiências preocupantes, ainda mais depois do advento da Lei 12112/09,

que assegurou aos fiadores o direito de exoneração, nas hipóteses previstas

nos artigos 11 e 12 da Lei do Inquilinato, ou quando o contrato se prorrogar

por tempo indeterminado.

Por outro lado, extingue-se a fiança, com a morte do fiador,

além de perder ela toda a sua eficácia, quando se torna ele insolvente ou

aliena todos os seus bens.

O seguro-fiança, ou seguro-locação, como já se disse, tem um

custo excessivo, já que o valor do prêmio deve corresponder ao grau de

risco assumido pela Seguradora, que é elevado.

Além do mais, e como já antes ressaltamos, o prêmio não é

devolvido a quem o pagou, se o sinistro, que é a inadimplência do locatário,

não vier a ocorrer.

70

Quanto à última e mais recente espécie de garantia inserida no

artigo 37 da Lei do Inquilinato, que é a cessão fiduciária de quotas de

Fundos de Investimento, tornou-se praticamente letra morta, em razão do

desuso.

Até porque poucos conhecem o mecanismo e a natureza dos

negócios fiduciários, o que dificulta, e muito, sua adoção.

Vale ainda ressaltar que estes investimentos são voláteis,

oscilando ao sabor das conjunturas econômicas nacionais e internacionais.

Daí porque acolhemos com entusiasmo a proposta da consulente,

que nos parece acenar com uma solução mais eficiente e socialmente útil

para o desafiador problema das garantias locatícias.

O sistema de capitalização é muito antigo e bastante conhecido

da maior parte da população brasileira. Houve época, no passado, que a

capitalização era o único modo de poupança, praticado pela nossa população.

Por outro lado, é um investimento conservador, não exposto aos

riscos do mercado financeiro de ações, não oferecendo dificuldade para sua

compreensão, já que o capital poupado retorna com a correção monetária

pela TR e os juros pré-fixados.

Outro atrativo é que, encerrado o contrato, e como já foi

observado antes, o locatário que adimpliu integralmente suas obrigações

receberá de volta o capital investido na aquisição do título e acrescido da

atualização monetário e juros. Neste caso, terá feito uma “poupança

71

forçada”, que poderá se mostrar extremamente útil, quando de sua

devolução.

Como se não bastasse, ainda há o sorteio mensal, que poderá

representar para o locatário uma vantagem inesperada, de grande

repercussão econômica, recuperando o que pagou de aluguéis, ou parte disto.

Sob o ponto de vista do inquilinato não vemos qualquer óbice

jurídico para a adoção do sistema, já que o título constitui, como já

afirmado, modalidade de caução, que não se confunde com o “depósito em

dinheiro”, nem com o penhor voluntário.

A dificuldade prática a enfrentar é a eventual carência

econômica do pretendente à locação para adquirir o título, de valor bem

superior ao aluguel. Para isto será útil o desenvolvimento de uma linha de

crédito pessoal, que facilite a aquisição, o que já está nos planos da

consulente, como se vê de seu 7º quesito.

O êxito do modelo passa, necessariamente, pela agilidade de se

obter o desalijo do locatário, quando se torna inadimplente quanto ao

pagamento dos aluguéis, incidindo em mora.

A via tradicional do Judiciário, através da ação de despejo, com

base no artigo 62 da Lei 8245/91, oferece, como já se ressaltou, o risco da

demora.

Para este tipo de ação não prevê a lei a concessão de medida

liminar, a não ser que o contrato não esteja garantido.

72

A execução do despejo demandará um tempo que provavelmente

tornará inócua a garantia, já que se exaurirá o valor do título, ao ser

resgatado.

Daí a saudável idéia de se poder também submeter o contrato à

solução arbitral, reconhecidamente mais ágil, inclusive diante da

irrecorribilidade da sentença.

O fato é que ficamos convencidos que vale a pena investir no novo

sistema, que pode facilitar o acesso à locação do imóvel urbano, reduzindo a

exasperante burocracia e demoradas negociações hoje exigidas.

A sofisticação dos mercados e da economia está a imprimir

vertiginosa velocidade ao mundo dos contratos.

Novos modelos de negócios jurídicos surgem a cada dia, assim

como mecanismos de garantia.

Não se pode mais atuar em qualquer mercado econômico com os

olhos postos apenas nos modelos do passado.

É preciso sonhar e ousar, criando novas soluções que atendam às

necessidades de uma sociedade em acelerada transiência.

Se o sistema proposto pela consulente dará certo, só o tempo dirá,

mas, sob o ponto de vista jurídico, reafirmamos que não vemos nenhum

obstáculo para sua implantação, desde que adotadas as cautelas sugeridas.

Sempre afirmamos a nossos alunos que enquanto o ser humano

puder pensar livremente, jamais se exaurirá o mundo dos contratos.

73

Ao encerrar o trabalho que nos foi pedido, e esperando ter

correspondido à confiança que nos foi depositada, só nos resta formular os

mais ardentes votos de que o sistema se consolide, o que muito contribuirá

para o desenvolvimento do mercado locativo.

V) Conclusões

São estas, em resumo, as conclusões a que chegamos:

a) A modalidade de garantia referida na consulta representada

pela aquisição de Título de Capitalização, não colide com o disposto no artigo

37 da Lei 8245/91, já que representa caução de bem móvel, ali admitida.

b) A arbitragem, desde os primórdios da civilização constitui meio

legítimo de solução de conflitos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis.

c) As questões relacionadas à locação de imóveis podem ser

discutidas e resolvidas definitivamente pela arbitragem, não sendo vedada

na Constituição Federal de 1988 nem na Lei do Inquilinato.

d) Para que seja convencionada a jurisdição arbitral será

necessária a inclusão, no contrato de locação, de cláusula compromissória

cheia, com a indicação do órgão arbitral a que se submeterá o litígio, ao qual

competirá a indicação do árbitro e as regras procedimentais a serem

seguidas.

e) A inserção de cláusula compromissória cheia no contrato de

locação não ofende o Código de Defesa do Consumidor, não se considerando

abusiva, já que a locação de imóvel não configura relação de consumo.

74

f) A sentença arbitral constitui título executivo judicial e

independe de homologação prévia pelo Poder Judiciário, como no passado se

exigia.

g) A Carta de Execução emitida pelo locador, para resgate do

título, sem o recurso à via arbitral ou estatal pode ser considerada ilegal,

por violar o princípio do contraditório. Mas se admitirá quando prolatada a

sentença.

h) Tal procedimento, em se tratando de caução de crédito, não

traduz pacto comissório, vedado pelo direito brasileiro.

i) Tendo sido concedido financiamento para aquisição pelo

locatário do título de capitalização, nada impede que o pagamento das

parcelas do pagamento sejam debitadas nos recibos de aluguel, o que

também deverá ser autorizado pelo locatário

j) No modelo proposto pela consulente, havendo cláusula

compromissória e não comparecendo o locatário quando regularmente

convocado pelo árbitro, não é necessário o ajuizamento de ação de execução

de obrigação de fazer, para compeli-lo a instaurar o procedimento arbitral,

sendo possível decretar-se a revelia, nos termos do $ 3º do artigo 22 da Lei

de Arbitragem.

k) Sendo irrecorrível a sentença arbitral não dispõe o locatário

réu, se vier a ser condenado, de qualquer recurso para reaver o que foi

resgatado para o pagamento do débito por ele deixado.

l) A sentença arbitral pode ser desconstituída por ação de

nulidade, a ser ajuizada na justiça comum, no prazo de 90 dias a contar de

75

sua ciência, mas só se estiver contaminada por um dos vícios elencados no

artigo 32 da Lei de Arbitragem.

m) O locador se enquadra na figura de “terceiro”, a que se

refere a Resolução 380 da SUSEPE, e tanto ele quanto o locatário estão

relacionados ao tipo de produto sugerido pela consulente.

n) Não se descaracteriza a garantia real e nem ofende o princípio

da especificação o fato do título de capitalização garantidor ainda não estar

emitido quando da celebração do contrato de locação, mas desde que seja

claramente enunciado, inclusive quanto ao valor, prazo e demais elementos

essenciais.

o) Tem que ser assegurado ao locatário o direito de purgar a mora,

para evitar a rescisão do contrato, e para isto deverá o árbitro conceder ao

réu o prazo de 15 dias para fazê-lo.

p) O desalijo do locatário, em caso de ser julgada procedente a

pretensão, só poderá ser realizado através do Judiciário, em ação de

execução de título judicial.

Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 2011.

SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA