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MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO
67º CONGRESSO TRADICIONALISTA
PROPOSIÇÃO PARA TEMA
ANUAL DO MTG
SÃO BORJA, JANEIRO DE 2019.
Tema: A negritude na construção sociocultural gaúcha:
Uma referência a trajetória e situação do negro no Rio Grande do Sul.
Autores: Robson Thomas Ribeiro, Eduarda Teixeira Streck, Guilherme de Abreu
Machado e Luana de Moura.
Aspectos
Sociocultural: relativo aos fatores ou aspectos sociais e culturais da comunidade
afro-riograndense;
a. De Negritude: relativo ao sentimento de orgulho racial e conscientização do
valor e da riqueza cultural do povo negro;
b. De Trajetória: ação e percurso do negro na história do Rio Grande do Sul; de
onde veio e por onde passou;
c. De Situação: localização situacional e marginalização da comunidade negra
no espaço sócio político gaúcho em relação aos vários pontos de referência dentro
e fora do mesmo;
Justificativa
Um problema recorrente na construção da historiografia do Rio Grande do
Sul, especialmente a produzida pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho, é o
tratamento ainda muito isolado dado história do estado, recorrendo-se pouco ao
contexto nacional e internacional em um sentido mais abrangente. Ao falar-se da
questão da escravidão, abolição, pós-abolição e o processo de marginalização dos
povos negros, como preceitos de negritude inseridos neste contexto, se faz
necessário apoiar-se e reflexionar num sentido mais amplo ultrapassando as
barreiras geográficas e ideológicas. Percebe-se também que neste sentido, há uma
abordagem ainda muito restrita acerca da cultura e história afro-riograndense. Que
por muitos anos foi inexistente. Disse-se inexistente, pois a história do Rio Grande
do Sul, tanto quanto, a História do Brasil, sempre silenciou a participação dos
homens e mulheres negras, omitindo capítulos decisivos na formação sócio-cultural
da nação. E o Movimento Tradicionalista Gaúcho sendo, portanto, uma
territorialização da sociedade, acabava não abordando, ou omitindo tópicos
fundamentais da historia e da cultura afro-riograndense. "Aqueles que vencem a
batalha é que fazem à narrativa. Nós historiadores temos que reconstituir o
processo da batalha, para recuperar as vozes daqueles que não foram ouvidas",
Maria Helena Machado, USP, especialista em escravidão, BBC Brasil 2018.
Diáspora Africana e o Escravismo no Brasil
Faz-se necessário e de suma importância fazer uma retomada
histórica, pontuando alguns tópicos essenciais para que se tenha uma concepção
no mínimo rasa da degradação sofrida pelo negro e perceber que embora a
abolição tenha sido deveras muito importante no contexto, não contribuiu para
acabar com a violência sofrida pelos negros. Não possibilitou acesso e muito menos
inserção destes na sociedade. Após a libertação, continuou-se a reproduzir a
hierarquia escravista, a fim de manterem-se os mecanismos de perpetuação da
supremacia de raça e classe. E sendo o negro, o substrato desta produção
ordenada de desigualdade, o povo afro-brasileiro foi enxotando para os círculos
mais a margem e periféricos da grande esfera social.
No mínimo desinformados e/ou extremamente eurocêntricos são aqueles que
tratam ou entendem o Continente Africano anteriormente a invasão do branco como
um espaço bárbaro e selvagem, desprovido de um organismo social.
Antes de 1400 d.C, os 30.522.000 km² do continente africano era habitado
por vários grupos étnicos, cuja diversidade era marcada pelas línguas, dialetos,
crenças, costumes, tradições e paisagens. Um mundo com suas peculiaridades,
natural em qualquer cultura. Um povo significativamente espiritual, muitos,
organizados em reinos – com suas rainhas e reis. Uma sociedade bastante
complexa. Mantinham rotas internas e externas de comércio – inclusive entre
muçulmanos e cristãos. A mulher nesse período já atuava como agente social dos
reinos fons e nagô fiscalizando o palácio real e o reino de Daomé mantinha tropas
femininas temidas pelos inimigos.
As jovens africanas iorubas eram desde cedo comerciantes, negociando com
mercados distantes, enquanto as de mais idade ficavam próximas às suas casas
com seus tabuleiros. As Iorubas, muitas vezes, revendiam os produtos produzidos
pelos homens, ficando com elas o lucro. Nas feiras, as mulheres trocavam notícias,
receitas, mitos, modas, músicas, danças e realizam alianças, que podiam definir o
futuro de suas comunidades. No século XVIII, em algumas sociedades africanas,
muitas dirigentes de associações femininas eram membros de conselhos urbanos.
Cuidavam de temas relacionados aos rituais de fecundidade e de fertilidade, como
forma de preservar a cultura (BERNARDO, 2005).
Esta sociedade e os diversos povos nela inseridos, todavia, foram violados e
invadidos pelas forças colonialistas, desencadeando-se um longo processo de
transferência de grandes massas populacionais, a chamada Diáspora Africana.
Caracterizada pelo deslocamento forçado de pessoas escravizadas para as
Américas, durante o tráfico escravista. No período compreendido entre os séculos
XVI e XIX. Entre 1451 e 1870, os navios transatlânticos espalharam mais de 10
milhões de homens, mulheres e crianças africanas pela Europa e pelas Américas. O
maior número veio para o Brasil, cerca de 40% do total. “A diáspora africana
influenciou de modo direto as mudanças nas relações políticas, econômicas e
sociais entre os continentes, através da disseminação da presença dos negros
pelos diversos continentes e da relevância que esse fato assumiu para as futuras
gerações.” PUCRS. O samba, o reggae, o baião, a milonga, o blues, a capoeira são
exemplos disso, que nasceram ou foram influenciados por pelas cantigas e ritmos
africanos.
Neste sentido o processo migratório de natureza forçada, contudo perversa e
extremamente desumana se iniciou em meados do século XVI alcançando o século
XVIII, quando em 1850 foi totalmente proibido, porém não cessou, todavia, porque o
tráfico negreiro persistia e a escravidão ainda torturava e matava os negros e
negras, apoiada nas leis do “Império Escravista Brasileiro”, a última nação das
américas a acabar com os males do cativeiro. Como dizem Amanda Rossi e Juliana
Gragnani ao BBC Brasil 2018.
“Há 130 anos, o domingo de 13 de maio de 1888 a escravidão chegava ao
fim por meio de uma lei votada no Senado e assinada pela princesa Isabel. O Brasil
era o último país da América a acabar com a escravidão. Ao longo de mais de três
séculos, foi o maior destino de tráfico de africanos no mundo, quase cinco milhões de
pessoas. Grande parte dos descendentes daqueles que chegaram também fora
escravizada.”
O processo de abolição diferentemente do que algumas fontes propagam não
pode ser atribuída única e exclusivamente a Coroa Brasileira, na “personificação
folclórica” da princesa Isabel, que assinou a lei Áurea. Muitas foram às
personalidades negras que lutaram e doaram se à campanha. “Os próprios
escravos contribuíram de forma decisiva para acelerar o processo do fim da
escravidão”, diz o historiador Ricardo Tadeu Caires Silva, BBC 2018. Toda vida
também, a abolição aconteceu de forma perversa e mergulha em contradições. O
processo deixou em aberto pautas e cicatrizes que ainda sangram e inviabilizam
que comunidade negra tenha acesso integral democrático às instituições.
“Nos anos que antecederam a abolição, fugas, revoltas e quilombos
fervilhavam no Brasil. Em alguns casos, eram incentivados por militantes – muitos
deles, ex-escravos –, que iam para fazendas conscientizar escravos e estimular
fugas.”, BBC Brasil 2018.
A abolição é um tema ainda, muito controverso, todavia, porque deixou o
antigo escravo a mercê de uma realidade tão cruel quanto a de cativo. Quando
assinada a alforria, o negro teria duas opções bem definidas. Permanecer sob a
tutela de seu senhor, subordinado a um trabalho na lógica de favor, um indivíduo
formalmente livre, contudo em condição de total dependência, ou arriscava se a
empreitada de partir em busca da sobrevivência, buscando proteção nos quilombos,
este sendo um escravo proveniente do meio rural, ou assentando se nas periferias
das cidades, criando o fenômeno das favelas, este sendo urbano. Em ambas a
situações os homens e mulheres negras não deixaram de ser violentados física e
simbolicamente pela sociedade e suas instituições. A forma que a abolição ocorreu,
sem apoio para os ex-escravos começarem uma vida nova, tem consequências
negativas até hoje, segundo o presidente da Fundação Palmares, Erivaldo Oliveira.
Para ele, é uma das causas da profunda desigualdade racial brasileira.
É importante se pensar também que a abolição desenvolvesse em cima de
uma pauta Liberalista, que muito pouco preocupava se com causas humanísticas, e
sim via a escravidão como um atraso ao capital, tendo em vista que o trabalhador
assalariado não sendo propriedade privada, poderia muito bem ser descartado, o
escravo em condição de doença ou morte traria despesa ao senhor. Como diz
Roberto Schwarz, p 6 em, Ao Vencedor as Batatas: “Este aspecto - um entre
muitos - indica o limite que a escravatura opunha à racionalização do capital.” Os
liberais da época também preocupavam se com a ideia de reforma agrária que uma
abolição tardia poderia gerar.
“A abolição não ocorreu como parte dos abolicionistas queria. O engenheiro
negro André Rebouças, que fazia a ponte entre o abolicionismo das ruas e o dos
gabinetes políticos e é considerado um dos principais articuladores do fim da
escravidão, pregava que a abolição fosse acompanhada de uma reforma agrária,
que destinasse terras para os ex-escravos.” Amanda Rossi e Juliana Gragnani BBC
Brasil.
Mestre Toni Vargas em sua canção Dona Isabel contesta o imaginário
construído em torno do evento da abolição, salienta também, que o processo de
liberdade se fez com através de luta ideológica e derramamento sangue negro, e
por conseguinte, aplica uma analogia ao contexto atual, partindo da idéia de que a
abolição ainda se faz diariamente no contexto das favelas:
Dona Isabel que história é essa?
Dona Isabel que história é essa
Oi ai ai!
de ter feito abolição?
De ser princesa boazinha que libertou a escravidão
To cansado de conversa
to cansado de ilusão
Abolição se fez com sangue
Que inundava este país
Que o negro transformou em luta
Cansado de ser infeliz
Abolição se fez bem antes
E ainda há por se fazer agora
Com a verdade da favela
E não com a mentira da escola
Dona Isabel chegou a hora
De se acabar com essa maldade
De se ensinar aos nossos filhos
O quanto custa a liberdade
Viva Zumbi nosso rei negro
Que fez-se herói lá em Palmares
Viva a cultura desse povo
A liberdade verdadeira
Que já corria nos Quilombos
E já jogava capoeira
O povo que outrora era livre, encontrava-se ao fim de um longo processo de
escravidão, condicionado pelo sistema e colocado à margem da sociedade. O
espaço era voltado ao meio rural, a produção brasileira mantinham a forte
característica monocultora e agroexportadora, como diz Roberto Schwarz, p 5 em,
Ao Vencedor as Batatas “Como é sabido, éramos um país agrário e independente,
dividido em latifúndios, cuja produção dependia do trabalho escravo por um lado, e
por outro do mercado externo.”
Diz Oliveira: “A abolição foi fruto de uma pressão social. A gente precisa
recontar essa história, dos heróis e heroínas que lutaram pelo fim da escravidão”.
Sem esquecer que, 130 anos depois da abolição, a desigualdade persiste.
Mesmo após a abolição os negros continuaram a ser tratados como escravos,
o Candomblé junto às demais manifestações religiosas de raiz africana passou a
sofrer fortes censuras e a prática da capoeira foi totalmente proibida. Neste contexto
iniciou-se um processo de desvalorização e marginalização da comunidade negra,
que ainda hoje sofre com a crueldade e a indiferença de uma sociedade que
conserva antigos preconceitos. Como vemos neste recorte do código Penal da
República.
Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil
(Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890)
Capítulo XIII -- Dos vadios e capoeiras
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza
corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com
armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando
tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor
de algum mal;
Pena -- de prisão celular por dois a seis meses.
A penalidade é a do art. 96.
Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira
a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dôbro.
Art. 403. No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo,
a pena do art. 400.
Parágrafo único. Se fôr estrangeiro, será deportado depois de cumprida a
pena.
Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar
alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, perturbar a ordem,
a tranqüilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá
cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes.
Embora as leis tenham mudado, muitos movimentos tenham nascido e
muitos esforços tenham sido feito em favor da memória afro-brasileira, o paísl ainda
socumbe em tenções etnoraciais e os negros e negras ainda sofrem com as
mazelas do racismo e com a dificuldade de acesso amplo e democrático. Diferente
do que acreditava Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala, a grande
miscigenação do povo brasileiro não acabou por dinamizar o racismo e o sentimento
e supremacia branca.
Alonso em entrevista à BBC Brasil inclusive opina sobre o que os
abolicionistas fariam se vissem o Brasil hoje, 130 anos depois da abolição? “Acho
que eles entrariam em campanha, fariam um movimento de novo. Inclusive com as
mesmas bandeiras que eles tinham (de promoção de oportunidades para os
negros), que não foram implementadas”.
Somente será possível dinamizar ou acabar com a problemática do racismo
quando brancos e negros tiverem as mesmas condições de acesso e isto não
interromper a harmonia social. E neste sentido é impossível alcançar uma
democracia potencialmente plena se não estiver em desarranjo um processo amplo
e perene e justiça social-racial. Porém, não é isto que acontece, “durante esses 130
anos somos maioria no país - 54% da população é afro-brasileira. Mas não somos
54% no Congresso Nacional, nos ministérios, nos tribunais, nas universidades, nas
grandes empresas privadas. Isso precisa mudar”, Oliveira BBC Brasil.
Afro-gaúchos
O gaúcho não é um tipo étnico nascido do cruzamento
de portugueses e espanhóis com o índio do cone sul
americano. Houveram gaúchos ibéricos, índios puros e
mestiços. Houveram gaúchos de sangue alemão e italiano.
Houveram também autênticos gaúchos de alma e pele negra
(Antonio Augusto Fagundes).
É difícil estabelecer com precisão a data de chegada dos primeiros negros
no Rio Grande do Sul. Os colonizadores não davam importância em documentar o
que se relacionasse com o escravo nem sua participação ativa na vida da Província.
O território gaúcho como se sabe, foi disputado durante anos por portugueses e
espanhóis e é dentro de tal contexto histórico que ocorre a inserção dos homens e
mulher negras no território do atual Rio Grande do Sul. Em 1501, há o registro de
navios europeus tripulados por africanos, que passaram a percorrer o litoral gaúcho.
Em 1635, o bandeirante português Antônio Raposo Tavares chega às terras
sul-rio-grandenses. Um dos objetivos dessas expedições era o de expulsar os
jesuítas espanhóis e capturar índios para mão-de-obra especializada. Mas tinha
mais alguma coisa escondida nas sucessivas batalhas, além de guerreiros. Dionizio
Cerqueira dá a pista: “Não era muito raro ouvir-se depois do toque de silêncio, o
choro de uma criança que nascia”, se referindo a mulheres negras presentes nas
guerras do Sul (ENNES,1991).
Contudo, é em 1680 com a criação da Colônia do Santíssimo Sacramento
que se intensificou a vinda dos colonizadores para a região e por conseguinte a
vinda de negros na condição de escravos. Inclusive, muitas mulheres negras foram
trazidas do Rio de Janeiro para a região de Rio Grande, para servir de objeto sexual
dos homens brancos. É inadmissível para a nossa realidade atual, nos choca e nos
dá repugnância, mas as populares “crioulas” também eram conhecidas como
chinas, cafetinas, prostitutas e pervertidas que induzem suas vítimas, ou seja, os
homens, ao pecado. Relatos denotam a visão pervertida, misógina e de exotificação
sexual da mulher negra produzida pela ótica racista do homem branco, pois o
parecia chamar atenção dos colonizadores era a pele escura, e segundos estes, era
isso que desafiava a ordem e os bons costumes.
Na expedição que fundou a Colônia do Sacramento, em 1680, composta de
duzentos homens sessenta eram escravos, onde quarenta e oito era propriedade de
Manoel Lobo. A Colônia foi o principal ponto de comércio e tráfico de escravos na
Região da Prata, embora, acreditassem que o couro e o sebo eram os principais
“produtos” ali comercializados, há controvérsias, embora, negros não sejam
produtos, no período eram tratados como tal.
Em 1725, os negros integraram a frota de João de Magalhães, indo por terra
de Laguna a São José do Norte. Em 1732, Manoel Gonçalves Ribeiro recebeu a
primeira sesmaria em Tramandaí. As sesmarias eram pedaços de terra de 3 léguas
de comprimento por 1 de largura, concedidas pelo rei de Portugal aos homens de
posse. As estâncias surgiram a partir das sesmarias, povoando as com gado da
Vacaria do Mar. As primeiras estâncias eram precárias, de pau a pique e apenas
três peças. Ao lado eram erguidas as senzalas dos escravos, que serviam de
mão-de-obra.
Oficialmente, a presença negra se deu em 1737 com a construção do Forte
Jesus-Maria-José e a ocupação portuguesa. Nessa época uma operação como a
que se iniciava era impensável sem a ajuda do braço escravo – assim disse Mario
Maestri.
O negro entrou maciçamente no Rio Grande do Sul com as charqueados, em
1780. Foram esses estabelecimentos que permitiram a consolidação do sistema
escravocrata no Sul. O charque, que era o principal produto gaúcho manufaturado,
era fabricado de maneira árdua.
Durante os cem anos seguintes, as indústrias de secagem e salga de carne
bovina enriqueceram o Estado. As linhas de produção do charque, os trabalhos
agrícolas e domésticos nas charqueadas contaram com o suor de 30% da
população de Pelotas: negros e negras escravizadas. Mesmo a maioria dos
registros não darem visibilidade a mulher negra, faz-se necessário ressaltar que ela
estava presente nesse processo. Muitas outras fazendas de charque surgiram em
solo gaúcho, utilizando a comunidade negra – motor de crescimento econômico do
RS (SOARES, 2006).
A escravidão esteve totalmente ligada à economia, pois a ocupação do sul,
sem as barreiras naturais de selvas, foi feita de modo ostensivamente militar,
exigindo a presença de soldados. Desta forma, a história econômica do Rio Grande
do Sul compreende o ciclo do couro, o ciclo da estância, o ciclo da pecuária e das
charqueadas.
O povo negro, mesmo superando os males do cativeiro e encravando um
pouco de sua África nos largos campos sulinos, ainda é excluído político e
socialmente, e, por conseguinte, na maioria das vezes vê a sua cultura sendo
renegada, quanto formadora da identidade gaúcha.
A priori todos sabem que a história do povo negro é marcada pela violação de
direitos e deterioração psíquica da identidade deste povo por parte do branco
imperialista. No Rio Grande do Sul o negro foi submetido aos mais pesados
trabalhos em condições cruéis e abomináveis.
“Nas grandes charqueadas os negros são tratados com rudeza. O SR.
Chaves, tido com um dos charqueadores mais humanos, só fala aos seus escravos
com exagerada severidade, no que é imitado por sua mulher, os escravos parecem
tremer diante de seus donos. Há sempre na sala um pequeno negro de 10 a 12
anos, cuja função é ir chamar os outros escravos, servir água prestar pequenos
serviços caseiros. Não conheço criatura mais infeliz que essa criança”
(SAINT-HILAIRE, 1999, p.73).
Enquanto de um lado os homens assumindo o papel de guerreiros no corpo
de lanceiros negros, sob o comando de generais escravocratas na própria
Revolução Farroupilha que ironicamente pregava o ideal de Liberdade, Igualdade e
Humanidade, de outro usurpados e condenados à morte em Porongos. As mulheres
além de escravizadas, violadas pelos “seus” senhores que promoveram o que hoje
tratamos como miscigenação. Como podemos observar na imagem a seguir,
grandes nomes da Revolução Farroupilha não defendiam as ideias abolicionistas.
Muitos foram os negros gaúchos que tomados por invencíveis ânsias de
liberdade renegaram a escravidão, promoveram a sua resistência abrigando-se em
lugares de difícil acesso, formando refúgios e povoações com o nome de quilombos,
como é o caso da Sociedade Floresta Aurora fundada em 1872.
A 7 de setembro de 1884 a escravidão foi legalmente extinta no RS, Mesmo
depois de tanto tempo, é possível perceber que a problemática do racismo em face
social e institucionalizado se apresenta de forma latente sendo responsável pela
marginalização da comunidade afro-riograndense a ponto de produzir um
deslocamento identitário nesta parcialidade social. As situações cotidianas, as
fontes midiáticas e pesquisas mostram de forma gritante a questão do conflito étnico
racial que assola nosso país e nosso estado, sendo fruto de um desfecho histórico
social escravagista aliado a perpetuação de leis e pressupostos embutidos e
enraizados na sociedade, que muitas vezes se manifestam de forma sutil, contudo,
devastadora.
Muitas certezas e incertezas sobre o futuro dos africanos e seus
descendentes se deram sob o prisma da exclusão. Em 1884, nos bairros de Porto
Alegre como Cidade Baixa, Bom Fim, Rio Branco, Mont Serrat até o atual Três
Figueiras havia uma Colônia Africana onde os “não-negros” não queriam morar.
Nesses bairros tudo era mato e com poucas infra-estruturas. Principais moradores –
negros – no passado, ao serem libertos no parque da Redenção, plantaram árvores
nas vastas áreas e reconstruíram suas vidas nessas regiões, que registrava um
número expressivo de casas de religião de matriz africana. Núcleos como estes,
foram fundamentais para a resistência dos afro-brasileiros contra a violência sofrida,
e neste sentido, a criação das casas de candomblé foi fundamental para resgatar a
identidade cultural negra preservando a visão do Mundo africano, suas figuras
místicas, seus contos e danças e a própria língua yorubá, fon, quimbundo, das
diversas nações religiosas.
Indivíduo, Quilombo e Território
É fundamental que possamos compreender a presença do negro na
sociedade pós-abolição também sob uma ótica voltada ao espaço geográfico, vendo
o através da ótica Indivíduo, Quilombo e Território, pois a segregação e o racismo
seguiam com enorme força, e o povo negro necessitava ocupar uma parte do
território onde pudesse resistir aos preconceitos da sociedade branca. Ainda
observando por este ângulo, é necessário analisar o crescimento das cidades e, por
conseguinte o processo de “encaixe” destes núcleos afro-brasileiros neste contexto,
considerando uma perspectiva de tempo e espaço.
A busca pela sua parte do território se inicia durante o período escravocrata,
de forma pouco tranquila, pois os escravos fugitivos buscavam abrigo em lugares de
difícil acesso, na época localizada no espaço hoje designado como rurais
geralmente próximos a acidentes geográficos ou ainda regiões com intensa
afloração de rochas, sempre com o resguardo de uma densa vegetação. Estas
comunidades são chamadas de Quilombos e seus habitantes de Quilombolas, a
origem do termo vem da África, no século XVI assim que foram chamados os
acampamentos dos povos que invadiram o Angola e Congo.
O viver em comunidade garantia a organização do reduto, o subsídio dava-se
basicamente pela caça, pesca e agricultura. A quantidade de moradores sempre foi
muito variada, podendo ser de apenas algumas família, centenas ou milhares de
pessoas. Ali se estabeleciam além de negros, indígenas e mestiços que estivesses
buscando refugio, também tinham relações comerciais com o meio externo,
explicando assim a manutenção dos quilombos durante o período do império e
também como fator de garantia da força destes núcleos durante a república,
obtendo assim uma rede de informações produzidas através das relações de troca
realizadas entre quilombolas e os demais cidadãos,trocavam produtos da floresta
por manufaturados, sendo que estes comerciantes avisavam de possíveis ações
contra os redutos, assim destaca o geógrafo Andrelino Campos, professor da UERJ
em sua obra “Do Quilombo à Favela”.
Nos grandes complexos como o de Palmares que se localizava na Serra da
Barriga, na então Capitania de Pernambuco, o qual se tornou um ator geopolítico
para a época, ainda que não seja possível estimar ao certo a sua população,
estima-se que existiam torno de 2300 habitações em sua dinâmica de organização
espacial, atingindo em 1670 cerca de 20 mil habitantes, dentre estes existia um
significativo exército de homens e mulheres que protegia a população. Percebe-se a
magnitude que o movimento de resistência toma durante os temerosos tempos de
vigência da escravidão no Brasil, tendo nos mocambos um forte ponto de
perpetuação e produção da cultura afro-brasileira.
Com o avanço da urbanização das grandes cidades, bem como da abolição
da escravatura, encontramos um cenário em que os indivíduos então “livres” iniciam
este processo à margem da sociedade, tendo de cumprir deveres impostos pela
sociedade para sobreviver e recebendo nenhum direito em troca. A continuidade da
resistência nesta época se dá tanto no meio rural como no urbano, a apropriação de
territórios foram fator considerável para a possibilidade de busca de sustento em
ambos os espaços.
No rural, temos a ocupação de áreas remanescentes de grandes
propriedades, ou então antigas localizações de mocambos, onde nestes poderiam
tirar sua subsistência e também comercializar certos produtos, porém a relação
com os grandes proprietários e com o estado nunca foi amigável, existindo sempre
uma forte tensão.
Já no espaço urbano inúmeras áreas foram ocupadas ainda antes da
abolição, e após obtiveram um enorme crescimento, na época os lugares mais
cobiçados pelos quilombolas eram o topo dos morros, pois ao pé do morro seria já
muito próximo do meio de circulação dos demais munícipes, os quais
evidentemente não faziam parte da comunidade. Andrelino Campos ainda comenta
que qualquer pessoa “estranha” aos ocupantes subisse o morro, se não para tirar
seu sustento, apenas subia, tamanha era a tensão. Cidades como Rio de Janeiro,
São Paulo, Porto Alegre e entre outras, tiveram formações econômicas espacias
neste estilo.
Devemos destacar que a proximidade entre negros e brancos nas cidades
gerou inúmeros conflitos, os quais não devem ser romantizados, pois a lei da ordem
assassinava inúmeras pessoas a cada enfrentamento, as cadeias possuíam uma
população carcerária 90% negra, por crimes que variam desde roubos de alimentos
até brutais assassinatos. Para que possamos compreender estes fatos, devemos
levar em consideração um acúmulo de fatores de repressão e desigualdade de
oportunidades que culminava em estopins de ódio, uma compreensível reação a
estas ações de alto nível de desrespeito ocorridas no passado e presente, e resistir
a qualquer custo seria a única saída viável para imaginar um futuro talvez diferente.
Quando voltamos às atenções para a sociedade atual, percebemos várias
semelhanças com situações do século XIX, XVII e até anteriormente. A impressão
que temos é que evoluímos pouco, e que as desigualdades seguem aumentando.
Hoje por exemplo, temos cerca de 3500 comunidades quilombolas no Brasil, e
pouco mais de 190 possuem regulamentação para com o estado, ficando visível a
baixa interferência do mesmo nesta questão.
Há um fator de desigualdade econômica que permeia a sociedade e, portanto
social, que penaliza mais as mulheres negras, é impossível não abordar a questão
étnico-racial nas políticas propostas por todas as instâncias dos governos
brasileiros. A opinião das mulheres negras tem valor nas discussões que envolvem
questões como: a pobreza, a educação, a capacitação das mulheres, a saúde, a
violência, os conflitos armados, a política, os direitos humanos, o meio ambiente, as
meninas mulheres, as mulheres e a mídia, entre outros assuntos. Todos remetem
às conquistas almejadas na área da economia, principalmente viáveis através do
mercado de trabalho, que impulsiona para a dignidade social.
Outro fator é o genocídio do povo negro, que ocorre atualmente nas cidades
brasileiras, fruto da produção histórica de espaços criminalizados, como foi
comentado anteriormente, ainda pelo baixo investimento por parte dos poderes nas
áreas periféricas , sejam eles estruturais ou ainda de conscientização e subsídio de
uma produção cultural que não venha a ser marginalizada pela sociedade, ainda
vista como inferior quando feita por um negro. Fatores como este, e outros tantos
colaboram para o aumento da violência no geral, e principalmente das agressões
preconceituosas e veladas em espaços de convivência.
Este problema se atenua ainda mais quando é posto em gráfico a relação de
desigualdade, condição de acesso, necessidades básicas, e de vida das cidadãs e
cidadãos negros perante a parcela branca da sociedade. Entre graduados, brancos
ainda ganham 47% mais que negros no Brasil; em Porto Alegre uma pessoa com
pele negra recebe R$ 669,78 menos que outra de pele branca (IBGE). No viés
da violência a preocupação é ainda maior, nos últimos dez anos o assassinato de
mulheres negras no Rio Grande do Sul praticamente dobrou (Atlas da Violência
publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)).
O racismo de fato permeia todos os âmbitos de nossa sociedade, tanto que
somente em um ano (2015 a 2016) as denúncias de racismo aumentaram 250% no
estado segundo dados da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH), do governo
federal. A capital de todos os gaúchos lidera a desigualdade entre brancos e negros
no país, isto porque o IDHM da população negra de Porto Alegre é 18,2% menor
que o da população branca, enquanto no Brasil é 14,42% segundo dados do
relatório Desenvolvimento Humano para Além das Médias, divulgado pelo Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Diversos relatórios sociais trazem dados sobre as desigualdades que atingem
diretamente as mulheres negras – numa projeção do racismo à brasileira. Em 2004,
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Universidade
Federal de Minas gerais (UFMG) publicaram um banco de dados eletrônicos que
reúne mais de cem indicadores sociais sobre raça e cor no Brasil, nas cinco grandes
regiões e nos estados: é o Atlas Racial Brasileiro. Baseadas nesses e em outros
dados, que são atualizados a casa pesquisa, as ativistas negras passaram a propor
a instalação de observatórios de racismo nas Américas, a criação de políticas
anti-racistas e reparações econômicas para a população negra, que não recebem
PL – participação dos lucros – há séculos.
O movimento de mulheres negras brasileiras tem feito a ONU refletir sobre as
metas propostas pelas Nações Unidas nos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM). Dizem que se as diferenças sociais e econômicas, entre brancos e
negros, não forem reduzidas no país, em curto prazo, o Brasil não alcançará os
ODM.
Estudos apontam que, quando comparadas às mulheres brancas: as
mulheres negras vivem menos - são as maiores vitimas de assassinatos, de
violência doméstica e são vulneráveis na área da saúde; têm salário menor – são a
maioria das domésticas e a minoria nas grandes empresas, recém salário inferior a
mulher branca, mesmo desempenhando as mesmas atividades; são o grupo com
maior índice de analfabetismo - mas têm significativo ingresso no nível superior;
mesmo com salário reduzido, a maioria são as chefes de família negra; são as mais
pobres, as mais desempregadas, as com pouca representação política e tem menos
acesso a serviços de qualidade; em resumo, têm seus direitos violados em várias
áreas.
As cotas para os afro-brasileiros é um dos assuntos mais polêmicos dos
últimos tempos. Essas ações servem para eliminar os efeitos persistentes
(psicológicos, culturais e comportamentais) das atitudes contra os negros na época
da escravidão, perpetuados em diversas estruturas da sociedade até os dias atuais
(PEREIRA, 2005). Nesse processo, o movimento negro – e as mulheres negras –
entenderam que não se pode esperar a boa vontade humana, deve-se instituir
políticas públicas.
O Brasil tem a maior população negra fora da África, e como já vimos,
excluída ao longo da historia do país. Provisórias, as cotas precisam garantir, por
exemplo, a ascensão de mulheres negras em cargos de poder. Pautando a causa
negra no legislativo, no executivo, no judiciário e na mídia, podem garantir os
direitos humanos e a aplicação das políticas publicas para a comunidade negra
gaúcha. Nestes sentidos é importante se pensar nos movimentos negros e na
importância que os mesmos tem no combate ao racismo e a valorização da
memória afro, inclusive, vários pensadores destacam que o Movimento Negro é o
movimento social mais antigo do Brasil, em alusão à resistência dos africanos na
República dos Palmares, em Alagoas. O Quilombo dos Palmares foi fundado em
1600, por africanos fugidos das fazendas de engenhos de açúcar de Pernambuco.
Em 1655, num dos mocambos de Palmares, nasce Zumbi. O quilombo é invadido
por várias vezes e, numa dessas os soldados capturam Zumbi. O entregam aos
cuidados do Padre Antônio Melo, que lhe ensinou a ler muitos livros, inclusive em
latim. Em 1670, Zumbi foge do padre e retorna para Palmares. Líder, passa a lutar
pelo ideal de liberdade. Em 20 de novembro de 1695 é preso e degolado.
Em 1971, Ano Internacional para Ações de Combates ao Racismo e a
Discriminação Racial instituído pela ONU, a imprensa gaúcha abre espaço para a
divulgação da primeira evocação no Brasil do dia 20 de novembro, uma
manifestação do Movimento Negro gaúcho, em alusão ao dia da morte do líder do
Quilombo dos Palmares, Zumbi. O ato do Grupo Palmares, de Porto Alegre, em
1971, foi celebrado por homens e mulheres no Clube Náutico Marcilio Dia. A criação
do grupo e a escolha da data, estudada e sugerida pelo gaúcho Oliveira Silveira, foi
fruto de encontros de negros na Rua da Praia, na capital. A partir de 1978, outros
estados passaram a celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra. Em 2003, a
data passou a fazer parte do calendário escolar com a implementação da Lei
10.639/03.
Esses marcos históricos renovam as forças das mulheres negras
organizadas. Ao longo do tempo, as mulheres negras gaúchas ficam intrigadas com
algumas organizações femininas que dão ênfase ao gênero, mas não se
sensibilizam com a causa étnico-racial – negra. Reclamam, passam a serem
respeitadas, e são incluídas no movimento feminista, garantindo vários direitos
também para as mulheres negras. Com o apoio de mulheres representantes de
vários países do mundo, no I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e
Afro-Caribenhas, realizado em 25 de julho de 1992, na Republica Dominicana as
mulheres aclamaram o “Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha”,
apontando medidas para inibir as desigualdades nas Américas e Caribe.
O primeiro passo da ONU foi estabelecer o dia 25 de julho o “Dia da Mulher
Negra da América Latina e do Caribe”, marco internacional que desencadeou vários
estudos sobre as condições de vida das mulheres negras, também no Rio Grande
do Sul. Em Porto Alegre, Nelma Soares da ACMUN (Associação Cultural de
Mulheres Negras do RS) foi a mulher negra que impulsionou as discussões,
comemorando o 25 de julho, no Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Trabalho e
Previdência no RS, em 1993. Desde então, a ACMUN faz campanha para divulgar a
data com o slogan: “Dia da Mulher Negra – Senhora de Todos os Espaços”. Esse, e
vários outros encontros servem de momento para reflexão sobre o papel das
mulheres na promoção da comunidade negra.
O MTG e a sociedade afro-riograndense
A situação atual do Negro como agente social político e cultural é inegável,
porém a sociedade provou em inúmeras atitudes que o merecido reconhecimento
do valor dessa contribuição ainda é debilitado. Esta questão vai muito além de um
respeito mínimo, está ligada diretamente a forma com que a integração sociocultural
acontece, pois muitas vezes a falta de interesse de outros grupos étnicos de
conhecer aspectos da cultura africana, acabam colaborando para a má
interpretação da mesma, bem como um distanciamento da assimilação de um
pensamento igualitário não apenas em teoria, mas também como prática.
Diante do exposto preocupados com a problemática do racismo, opressão e
desvalorização sócio cultural da comunidade afro-riograndense, apoiados ainda no
que diz o primeiro item da Carta de Princípios (Auxiliar a sociedade na solução dos
seus problemas fundamentais e na conquista do bem coletivo), buscamos com esta
proposta estabelecer o diálogo e apreciação da cultura afro na sua essência, a fim
de promover uma reeducação coletiva como consciência acerca da igualdade
racial, trazendo a tona a importância dos povos negros para com a identidade
gaúcha.
Com o intuito de que os tradicionalistas possam discutir sobre a importância
da Negritude na Construção Sociocultural Gaúcha com Referência na
Trajetória e Situação do Negro no Rio Grande do Sul. E com isto promover a
protagonizarão do negro como o porta voz da sua própria história, que na maioria
das vezes é cantado pelo branco que não carrega a carga histórica cultural de um
povo marcado à chibata pelo racismo e que muitas vezes é relegado a uma perda
de identidade. Apresentado e transfigurado em um papel “exotificado” do guerreiro
escravo desvinculado dos seus valores e de sua riqueza cultural.
O MTG tem um grande compromisso para com a sociedade em especial a
comunidade afro, no que diz respeito a luta contra o racismo e valorização da
cultura afro brasileira e afro gaúcho, no sentido de estar dando mais entrada e
protagonismo. “O sistema vem fazendo a manutenção da ideologia racista desde o
fim da escravidão, ainda hoje o racismo é estrutural em nossa sociedade, mas um
grande passo para se dar combate ao racismo acredito ser pela educação, pela
escola, que pode contribuir para a valorização da identidade negra e de pretos
conhecedores de sua história e cultura e de brancos não reprodutores da ideologia
racista. Um dos desafios da comunidade negra é o de ocupar os espaços que não
foram pensados para nós mas que são um direito do nosso povo, como a escola, a
universidade, posições mais reconhecidas, como médico e médicas, advogados e
advogadas, engenheiros e engenheiras, professores e professoras… A algum
tempo o MTG como diversos espaços, não nos davam entrada e a discriminação
era gritante dentro dos mesmos. Assim hoje dar espaço de fala e de protagonismo é
essencial. Combater atitudes discriminatórias que até hoje estão presentes é
fundamental. E conhecer, estudar e contar a contribuição do povo negro em todos
os campos da construção socioeconômica do Rio Grande, pois não podemos
continuar omissos e ignorantes quanto ao papel importantíssimo que o negro
desempenhou em nossa sociedade e em nossa formação sociocultural. Acredito
que essa conscientização deve ocorrer em todos os espaços, principalmente na
escola, trazendo a grande contribuição do negro na história do RS, valorizando
nossa história, cultura e identidade. Acredito também que um grande início é não
interferir no espaço de fala e no protagonismo dos negros(as), e incentivar a
auto-organização do povo negro que contribui para o fortalecimento e
empoderamento do nosso povo, pois com a nossa organização vamos criando
autonomia para estar se colocando nos espaços e estar contando nossa verdadeira
história e cultura.” Rai Silva, entrevistada. Não há, portanto, “raças superiores, nem
inferiores. Há as que têm e as que não têm oportunidade”, como diz Collares p. 15.
Propostas de trabalho
❖ O negro no rio grande do sul, escravidão e a marginalização pós
diáspora;
❖ O quilombo como núcleo cultural e de resistência;
❖ O misticismo e religiosidade de matriz afro;
❖ Lanceiros negros, heróis anônimos;
❖ Vultos afro-riograndense esquecidos pela História Gaúcha;
❖ A trajetória do negro;
❖ Campanha abolicionista (Partenon Literário, Jornal A Voz do
Escravo...);
❖ Racismo institucional;
❖ Reeducação coletiva referente à identidade afro;
❖ Aspectos culturais: comidas de santo, instrumentos percussivos,
música, literatura africana em língua portuguesa, danças, mitos,
lendas, arte… Etc.;
❖ Capoeira Patrimônio Imaterial da Humanidade;
Considerações Finais
Cremos que seja importantíssima, portanto, a discussão por parte dos
tradicionalistas sobre a importância das mulheres e dos homens negros perante a
constituição da identidade social e cultural do povo gaúcho, enquanto agente da
expressão de uma cultura riquíssima e agente de uma constante luta e resistência contra
as tensões étnico raciais que afetam a nossa nação. Fazendo um arremate da cultura
afro-riograndense de modo que não haja uma apropriação indevida destes adereços e
aspectos e que se consiga dar voz aos homens e mulheres de pele preta.
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