PACIFICAÇÃO, VIOLÊNCIA E INFÂNCIA: O QUE AS CRIANÇAS...
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PACIFICAÇÃO, VIOLÊNCIA E INFÂNCIA: O QUE AS CRIANÇAS DO MORRO DOS
MACACOS DIZEM SOBRE ISSO?
Lorena de Oliveira Jardim Chaves
Monografia do Curso de Pedagogia da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Licenciado
em Pedagogia.
Orientadora: Profª Drª Anelise Monteiro do Nascimento
Nova Iguaçu
2019
AGRADECIMENTOS
Sempre pensei em como começaria a escrever os meus agradecimentos, a quem
agradeceria; quem iria estar nesse momento tão importante e como poderia expressar toda
a minha gratidão e amor por aqueles(as) que me ampararam nessa caminhada. Pois a
realização deste trabalho não seria possível sem as suas interjeições.
Agradeço à Deus pelo dom do amor e pela vida que me deste. Obrigada por ter me
encontrado e me mostrado a verdade que excede todo o entendimento. Que assim como
você o meu trabalho seja para os pobres, pretos, favelados, marginalizados desse mundo.
Agradeço a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) por ter formulado e
implementado o instituto multidisciplinar em Nova Iguaçu como uma forma de
resistência na Baixada Fluminense. Nesse lugar aprendi que há uma universidade
comprometida com a pesquisa, a aprendizagem e os diversos encontros. Uma salva de
palmas à turma de 2015.2 vocês estarão para sempre no meu coração.
Agradeço à Anelise, por realizar a mais bela de todas as missões que é a orientação
baseada na dedicação, no respeito, na confiança e na autoria. Ter te encontrada foi um
presente.
Agradeço aos professores e professoras da UFRRJ por cada aula, por cada abraço, por
cada bronca, por cada ensinamento. Antes de entrar na universidade vinha cheia dos
achismos e ranços que as pessoas colocam sobre o funcionalismo público, mas vocês
foram e são a prova de que vale a pena lutar. Carregarei para sempre cada um dentro de
mim.
Agradeço aos amigos que me acompanharam dentro desse árduo processo que foi a
graduação na minha vida. Vocês seguraram a minha mão, me inspiraram, me fizeram rir,
me fizeram chorar, me abraçaram, brigaram comigo e me mostraram a verdadeira
amizade é capaz de resistir a todos os trabalhos em grupos; vivemos o luto e celebramos
lindos casamentos. O meu muito obrigada para: Juliana (com J), Giuliana (com G),
Thainá, Tatiana e Renato.
Agradeço às mulheres da minha vida. Mãe você sempre foi tão guerreira, trabalhadora,
amiga e parceira, cresci vendo você mudar toda a sua vida para que um dia alcançássemos
“as estrelas”, como você diz.
À minha doce e forte avó, Luciene, o meu muito obrigada por ser essa super avó, vivi a
minha infância ao seu lado, sentindo o seu cheirinho e sendo amada por você, eu sou fruto
do seu amor e cuidado; obrigada por cuidar tão bem de mim. Espero que quando eu
“crescer” seja tão boa mãe, tia, esposa, irmã, como vocês foram na minha vida.
À Tawane, minha brava e furiosa irmã, obrigada por sempre ter se metido em todas as
brigas da escola por mim, crescemos e aprendemos a proteger uma a outra e é isso que eu
quero fazer pelo resto das nossas vidas; obrigada por ter trazido luz a nossas vidas com o
nascimento do Pedro Lucas ele é o resumo da fé, da esperança, do amor e da alegria.
E por último e não menos importante ao meu grande amor, companheiro e parceiro de
todas as horas Anderson Charles como é bom poder dividir a vida com você. Obrigada
por respeitar todas as minhas oscilações de humor, por enxugar as minhas lágrimas e
trazer os melhores sorrisos aos meus lábios.
RESUMO
O presente trabalho pretende convidar ao diálogo as falas e as visões das crianças de seis
a oito anos sobre a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Morro dos Macacos, em
Vila Isabel. A UPP é uma política de segurança pública implementada pelo Estado do Rio
de Janeiro e a pesquisa indica que ela têm atingido as crianças e impactado suas formar
de viver o território. Chama atenção que ao falarem dessa política, ocorra uma inversão
hierárquica discursiva, que evidencia que as vozes das crianças não são levadas em conta,
ou não são consideradas, mas mesmo assim, elas atuam em um movimento político.
Como estratégia metodológica foram realizadas: observações participantes, entrevistas
com as crianças e registros escritos no caderno de campo. O tema surge de uma
inquietação pessoal, tenho vínculos com essa favela, somada ao desejo de entender o
silenciamento das crianças da periferia nos ambientes educativos, especialmente sobre as
questões que ocorrem para além dos muros da escola, mas que impactam dentro dela. Que
oportunidades encontram essas crianças de falarem sobre temas transversais ligados a
comunidade, a vida, a subjetividade no interior dos espaços sociais? Como adultos lidam
com eles? São essas questões que dão origem a pesquisa. Encaminho esse tema com o
desafio de trazer as crianças para o centro desse trabalho respeitando as questões éticas
que cercam as suas participações entre elas: o rigor e a qualidade, reconhecendo suas
singularidades e as potencialidades infantis. Essa pesquisa se justifica pela necessidade
de aprofundamento de investigações no campo da sociologia da infância que tragam a
percepção das crianças sobre o complexo mundo do qual fazem parte. A Sociologia da
Infância é um campo que reconhece as crianças como sujeitos sociais, históricos e
produtores de cultura e como tais, as pesquisas acadêmicas devem respeitar e evidenciar
esses sujeitos como atores sociais e protagonistas de suas vidas.
Palavras-chave :UPP; sociologia da infância; favela.
Sumário
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 7
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................ 13
Infância e criança: uma aventura na Sociologia da Infância ............................... 13
1.1 Metodologia ................................................................................................. 16
1.1.1 A ética e a participação: os limites da pesquisa ...................................... 17
CAPÍTULO 2 ............................................................................................................ 21
Da semente a favela ............................................................................................... 21
2.1.1. Vila Isabel: Fazenda dos Macacos .......................................................... 23
CAPÍTULO 3 ............................................................................................................ 28
O campo: do desejo a constituição ........................................................................ 28
3.1 O primeiro contato ...................................................................................... 30
3.1.1 O que você quer saber do morro tu não mora aqui não?.......................... 32
3.1.2 É preciso brincar ..................................................................................... 35
CONSIDERAÇÕES FINAIS: .................................................................................. 37
PRA ONDE NOS LEVA ESSE DEBATE? .............................................................. 37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 38
ANEXOS ................................................................................................................... 41
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INTRODUÇÃO
“Contar é muito dificultoso, não pelos anos que já passaram, mais pela
astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se
remexerem dos lugares. A lembrança de vida da gente se guarda em
trechos diversos; uns com os outros acho, que nem se misturam (...) têm
horas antigas que ficaram muito perto da gente do que outras de recentes
datas”.
João Guimarães Rosa1
Caros leitores, por diversas vezes me interroguei ao iniciar esta monografia sobre
o que escrever ou que palavras e memórias deveriam ser resgatadas e classificadas para
chamar-lhes a atenção e persuadi-los para quererem cada vez mais mergulhar nos escritos
desta monografia pela busca das delícias nas entrelinhas.
Me preocupava e perdia o sono sobre o que vocês gostariam de ler, escrevia e
reescrevia pela incerteza e inexperiência. Foi então que descobri que as preocupações
com o outro rodeavam a minha mente me distanciando e não entendendo o meu lugar
neste memorial. A visão era turva e sem forma, as palavras já não faziam sentidos e o
sentindo parecia-se perdido e a escrita era ela por ela. Foi quando precisei voltar para o
centro e entender que era o meu trabalho e neles vocês buscariam por mim.
Diante disso pude entender que a insegurança se explicava desde o início da minha
vida estudantil. Como aluna fui sendo programada para ser a “aluna controlada” para
falar, escrever e copiar. Mas, agora estava diante de outro desafio, as minhas memórias.
Quais deveriam ser resgatadas e contadas?
Segundo Moraes (1992), a escrita de um memorial para o indivíduo representa a
reconstrução da sua própria existência através do resgate das memórias mais célebres.
Portanto, podemos dizer que partir da sua própria existência como um crítico de si mesmo
se torna um trabalho árduo frente as interferências e múltiplas facetas que agregamos a
nossa vida frente aos tempos. Tais fatos nós permitem a seguinte reflexão: como ser
pesquisador(a) da sua própria existência? Como falar de minha vida escolar e acadêmica
sem lembrar e reviver as minhas memórias na infância?
Posso dizer que a minha infância foi ótima. Morávamos na casa da minha avó
materna, após a separação dos meus pais. Éramos quatro mulheres, entretanto, esse
1ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
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número mudaria em dois mil de seis (2006) com o nascimento da minha irmã caçula Ana
Beatriz.
Os melhores momentos se davam quando minha irmã Tawane (1 ano e 6 meses
mais velha) e eu íamos passar as férias na casa da nossa avó paterna. Aquele momento
era único. Todos os primos e primas se reuniam para transformar e recriar cada parte da
nossa realidade naquele quintal: o coqueiro era a nossa casa árvore ou a torre de um
enorme castelo, as árvores eram as nossas florestas, os tempos nublados e chuvosos
davam graça aos deliciosos banhos na chuva, os papelões eram os nossos palácios, um
quadro de giz nos transportavam as nossas escolas e o chão batido de cimento da rua
virava amarelinha, pista de corrida ou qualquer coisa que a gente quisesse.
Falar sobre a minha a vida escolar, minha vida acadêmica é fazer uma espécie de
livro de recordações. É contar coisas boas e más pois, nessa vida não passamos sem ter
marcas. É olhar para um tempo longe e trazê-lo para mais perto, é como se pudesse dar
um “zoom” em momentos especiais que cercaram a minha história. Fico muito envolvida
com esse trabalho e muito emocionada porque falo de um tempo da minha vida que
somente agora entendo como foi e é importante para a minha profissão.
Comecei a minha vida estudantil em 1999, na Creche Municipal Tio Sebastião
Xavier, situada em Vila Kosmos, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Ingressei
com dois anos, no sistema escola, pois, minha mãe precisava voltar ao trabalho. Desta
fase tenho vagas lembranças. Lembro-me que a escola era pequena, mas
aconchegante, tinha uma pintura bem colorida na fachada, as salas eram espaçosas, a
professora era sempre educada e todos que trabalhavam naquele ambiente eram
receptivos. Minha mãe me contou que em certa ocasião quando estava indo à creche
para falar com a diretora me viu sentada longe das crianças e sentindo curiosidade
decidiu perguntar à professora o porquê de tal atitude. Ela explicou que eu tinha sido
afastada, de castigo, por estar comendo as carnes do almoço dos outros colegas. Nesse
sentindo, as primeiras memórias escolares são repletas de afeto. Gostávamos demorar
em Vista Alegre, porém, tivemos que nos mudar depois que o meu tio partiu
precocemente. Seu falecimento abalou a minha avó e toda família, abandonamos o
bairro porque traziam a ela lembranças que não conseguia suportar.
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Por isso, no ano de 2000 nos mudamos de Vila Kosmos para Sulacap, eu tinha 3
anos. Nesse novo lugar estudávamos em um CIEP e em todas as manhãs íamos para a
escola em um lindo carro preto, com o tio Luís ouvindo a rádio Globo.
Uma vez instalada no novo bairro, me matricularam no CIEP Aracy de Almeida.
Essa era a melhor escola do mundo! Eu e a minha irmã estudávamos em período integral
mais o tempo corria muito rápido e todas as manhãs queríamos estar naquele lugar. Minha
professora se chamava Selma, com ela aprendi grandes lições e valores. Iniciei meus
passos no CIEP ainda na creche e fiquei até a classe de alfabetização (antigo CA), com a
professora Selma, e um dos fatos mais impactantes foi quando consegui ler cada palavra.
Saber que os bilhetes secretos, já não era algo indecifrável para mim.
No ano de 2003 nós mudamos para Madureira. Não conseguia entender bem os
motivos de uma mudança repentina quando a sorte parecia estar sorrindo ao nosso favor,
mas, hoje entendo que era pela minha avó. Ela ainda estava deprimida.
A casa ficava situada na rua Silvio Tibiriçá, próxima a fábrica da Piraquê. Era tão
bom acordar e sentir aquele cheiro de biscoitos recém-saídos do forno. Entretanto, foi um
dos momentos mais difíceis das nossas vidas pois minha mãe não conseguia emprego e
só a minha avó estava mantendo as despesas com a sua pensão.
Passei a estudar na Escola Municipal Aspirante Carlos Alfredo lá, todas as manhãs
formávamos em filas para cantar o hino. Isso não era algo tão prazeroso, entretanto, a
minha alegria era a escola. Era pequena por só ter turmas do 1° ao 5° ano, mas tinha um
grande pátio e o que mais me impressionava era a bela e formosa árvore gigante com os
seus cipós. Sempre imaginava ser a minha casa da árvore, a fortaleza que poderia sempre
me refugia na hora do recreio, debaixo dos seus cipós me agarrava e esquecia as
preocupações dos adultos. A hora do recreio era sempre livre: a gente corria, brincava de
jogar bola, mas muitas vezes por ordem de minha mãe eu não tinha recreio, porque eu
tinha dificuldade na tabuada. Nesse momento confesso que parecia que minha vida
andava em câmera lenta ao ver todos os meus colegas se divertirem, e eu lá só olhando
por uma janela com a tabuada na minha frente.
No ano de 2004, aos 7 anos, nos mudamos para Vila Isabel. Foram tantas
mudanças que eu já não sabia se viveríamos para sempre naquele lugar ou se nos
mudaríamos outras vezes, já estava cansada daquelas mudanças excessivas. Queria ficar
em um lugar e parar, formar amigos e amigas para toda a vida, queria ter o primeiro amor.
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Nunca pensei que esse bairro me surpreenderia tanto e nele encontraria o meu objeto de
pesquisa.
Comecei a estudar na Escola Municipal Presidente João Goulart (EMPJG),
localizada no bairro do Andaraí. A escola se situava em um grande terreno atendendo
desde o 1º ano até o 9º ano do Ensino Fundamental. Estudava no período da manhã e
aquele lugar era o encontro dos alunos de duas comunidades de facções rivais e que
disputavam o controle do mesmo território o que gerava a rivalidade entre os mesmos.
Preciso dizer que a fase das séries finais do ensino fundamental não foram as melhores
da minha vida, encarar o antigo ginásio era algo pavoroso quando não se estuda em uma
escola estruturada e a direção parecia recuar as demandas de pais, alunos e professores.
Um grupo de professores não se preocupava comigo e nem estavam com os demais
alunos, só se lembravam do meu nome, muitas vezes, por causa da chamada ou quando
não éramos identificados pelos números que acompanhavam os nossos nomes.
A cada som do sinal trocava-se de matéria e consequentemente de professor
também. Tínhamos nesses momentos que recolher todos os nossos materiais e ir para a
próxima sala. Os conteúdos pareciam não se encontrar. Era como entrar em um mundo
totalmente desconhecido, parecia que não conhecia aquele sistema. Sabe quando você
parece que está num lugar que você não deveria estar? Pois bem, era assim que eu me
sentia nos primeiros quatro meses na escola em que eu estava. Completei todo o meu
ensino fundamental na EMPJG depois dos grandes embates e toda a minha resistência
pude enxergar as belezas daquele lugar.
Em 2012 ingressei no Colégio Estadual Julia Kubistchek (CEJK), no Centro do
Rio de Janeiro, onde dava início à minha formação como professora. Estudar no CEJK
por três anos foi um momento de transformação e desenvolvimentos; pois, ao mesmo
tempo em que eu me lançava no magistério me via cobrada pela proximidade em que
chegava à fase adulta.
Iniciei o curso de formação de professores para satisfazer a vontade a
minha mãe, pensava que assim iria realizar o sonho dela. Porém, não tive como ficar
naquele colégio sem ser contagiada por aqueles ensinamentos. Comecei a desenvolver
em mim conceitos de alteridade e empatia pelo outro. Imaginava uma caminhada solitária,
mas pelo contrário tive ao meu lado, grandes incentivadores, amigos e amigas,
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professores e professoras que realmente se empenhavam com a educação pública e
desejavam que todos pudessem concorrer as vagas no ensino superior.
Fiz o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em 2014 e no segundo semestre
passei para cursar pedagogia na Universidade Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Comecei
com muito entusiasmo, mesmo que, às vezes, as pessoas me perguntassem ou falassem:
“Mas por que pedagogia?”. “Que coisa sem graça!”. Mas, eu tinha certeza da minha
escolha, por mais louca que se pudesse parecer. Ao passar os dias, percebi que cursar uma
faculdade não é fácil, mas faz a gente formar, pensar e (re)criar conceitos sobre a
educação de todos e, mais ainda, a nossa própria educação. A universidade e este memorial
me trouxeram um novo olhar sobre a minha jornada escolar.
São incontáveis as vezes em que tive algo para falar ou até protestar e não tive
chance por causa do autoritarismo do professor. Era o professor ali na frente autoritário,
muitas das vezes não por terem aquele perfil, mas por precisarem viver uma postura
repreensiva já que a EMJG recebia alunos das favelas; e nós alunos ali um atrás do outro
só copiando coisas que não tinham sabor e nem importância naquele momento. Poucas
eram as aberturas para os temas transversais ligados a comunidade, a vida e a
subjetividade. Pois, o alimento que nos faltava era dialogicidade com os seres que ali
ocupavam aquele espaço. Quando comecei a faculdade, tinha entusiasmo, agora tenho
alegria, prazer e o desafio de aprofundar um tema na monografia. E nesse momento
pensamos o que escolher?
Foi quando ao cursar as disciplinas de Políticas Públicas para a Infância e a
Juventude e a de Educação Infantil, respectivamente, no 3º e 4º período, pude entender
que aquela EMJG, que servia como uma extensão de uma rivalidade pelas disputas
territoriais do tráfico (entre os morros do Andaraí, São João, Pau da Bandeira e dos
Macacos) podia ganhar forças com os alunos vivenciavam diretamente a violência a pela
polícia, os traficantes ou a escola. Tal atitude não poderia ser encarada apenas como um
movimento de rebeldia e violência, mas, sim tensionada por aqueles sujeitos que se viam
engajados a defenderem os seus territórios.
Foi então que diante dessa inquietação e pela política pública de pacificação na
comunidade do Morro dos Macacos (UPP), implantada em 2010 que pude encontrar o
meu objeto de pesquisa. Participando do Grupo de Pesquisa sobre Infâncias de zero a dez
anos (GRUPIs), comecei a desejar entender os fenômenos que para mim não teriam
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explicação na sociedade, já que no dito popular eram assim é ponto, sempre quis entender
o porquê as crianças da classe popular, da periferia não tinham lugar de fala fora das suas
comunidades, sempre quis entender porque a escola em especial trazendo um pouco mais
para as escolas que eu estudei não me pertenciam, eu não fazia parte daquele processo, as
minhas falas só poderiam ser direcionadas a comentário sobre a matéria/ conteúdo. Mas,
no grupo de amigos a minha liberdade existia. E para isso busco uma categoria que por
alguns anos estiveram ausentes de falas sobre seus pensamentos, emoções e sentimentos.
Busco com as crianças saber suas interpretações e representações sobre a infância, a
violência e a pacificação do Morro dos Macacos.
Em função dessas Lorenas e tantas outras crianças que este trabalho se justifica,
não pretendo mostrar verdades irrefutáveis ou absolutas, a verdade é um ponto de vista!
Pretendo trazer a fala e a visão que as crianças têm sobre suas realidades caminhando em
um movimento da Sociologia da Infância que assume a pesquisa com crianças um resgate
a sua participação no mundo.
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CAPÍTULO 1
Infância e criança: uma aventura na Sociologia da Infância
Neste capítulo pretendo trazer apontamentos que nos façam refletir sobre as
“pedras” que tem nos ajudado a construir o caminho acerca do reconhecimento da
infância como uma etapa geracional do protagonismo infantil e das crianças como autores
e produtores dos processos sociais. E nessa aventura vamos dialogar com a Sociologia da
Infância (SI).
Mas, para início de conversa precisaremos situar as diferenças que existem entre
os conceitos de infância e criança. Que embora se constituam de forma recíproca não
institui uma ideia de “sinonimidade”. E para isso constituiremos um breve resumo
histórico sobre infância(s) e criança(s).
Permitam-me conjecturar em pleno século XXI o mundo retrocedendo a Idade
Média e, nesse retrocesso, as crianças retornando à condição de infans2 e tomado pela
ausência da infância. Para isso os convido a imaginar algumas situações comigo.
Imagine-se em um mundo onde todos ao nascerem são denominados como adultos
perante a sociedade, como na Idade Média, não é preciso cuidados especiais, abraços,
carinhos e beijos; as brincadeiras, invenções e descobertas deram lugar ao trabalho e o
consumo; e o ser criança passa a representar uma perda de tempo.
Imagine viver em um mundo onde não há leveza; onde não há gente pequena;
onde brincar na chuva, na lama e ralar o joelho fossem sinal de asneira e desleixo. Imagine
viver em um mundo onde a infância passou a ser um crime.
Conseguiu imaginar? O que seria viver o retrocesso da infância em plena
Contemporaneidade? Imaginou o mundo sem a infância? O que a infância contribui para
pensarmos a relações que temos em nossa sociedade? Será que se deixássemos de viver
a infância teríamos algum malefício?
O conceito de infância, nem sempre foi entendido como o concebemos
atualmente. Segundo Ariès (1986) “a ideia de infância” encontrava-se ausente na Idade
Média e com isso as crianças eram consideradas seres inferiores e julgados como seres
2 Seres sem falas.
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sem falas. E por isso, não se diferenciavam e nem tampouco eram representadas
significativamente pelos adultos.
Como descreve ARIÈS (1986):
Na sociedade medieval a ideia de infância não existia; isto não é sugerir
que as crianças fossem negligenciadas, esquecidas ou desprezadas. A
ideia de infância não deve ser confundida com a afeição pelas crianças:
ele corresponde a uma atenção à natureza particular da infância, essa
natureza particular distingue a criança do adulto, mesmo do jovem
adulto. Na sociedade medieval faltava essa atenção. (p.157)
Neste momento “a ideia de infância” estava ausente e acabava-se por ser uma fase
da vida desconsiderada pela sociedade onde os cuidados diferenciados eram reservados
apenas nos primeiros meses. Logo, as crianças após esse período não eram diferenciadas
dos adultos, portanto acabavam por não receberem um tratamento particularizado. Pelo
fato de as crianças não serem diferenciadas dos adultos, a sociedade as generaliza, ou
melhor, não eram vistas como crianças, como vemos atualmente. Por isso seus corpos
quando retratados nas pinturas carregavam seus rostos cobertos por fortes maquiagens,
suas roupas eram pesadas e as descaracterizavam. Seus brinquedos, sua linguagem e as
outras situações do cotidiano negavam a sua singularidade e subjetividade, não as
separando do mundo adulto, sendo, pois, consideradas um adulto em miniatura.
Entretanto, no século XVI e XVII, surgem os primeiros indícios por um novo
sentimento da infância caracterizado pela “paparicação” e a moralização. O primeiro
indício compreendia a criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça a e tornando uma
fonte de distração e de relaxamento para os adultos. Já o segundo advinha de um forte
grupo moralistas que se preocupavam com a disciplina e racionalidade dos costumes pois
viam as crianças como frágeis criaturas e por isso, era preciso preservar e disciplinar os
seus corpos do mundo impuro (idem, p.164).
No século XVIII e XIX,os cuidados das crianças estavam ligados à Medicina e à
Psicologia. Até o século XX, a infância não tinha um espaço próprio para estudo com isso
as suas produções estavam basicamente vinculadas à Medicina e à Psicologia notava-se
que a higiene, a normatização e a prescrição do desenvolvimento das idades faziam com
que as crianças crescessem tendo o adulto como controlador da infância (BORBA e
NASCIMENTO, prelo).
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Por um longo período histórico as crianças foram silenciadas e inferiorizadas. Não
se reconhecia suas particularidades e diante das suas especificidades tornavam-se
invisíveis nos discursos científicos. Nesta vertente Kramer (1982) conclui que:
A ideia de infância não existiu sempre e da mesma maneira. Ao
contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na
medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na
comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel
produtivo direto (“de adulto”) assim ultrapassava o período de alta
mortalidade, na sociedade burguesa ela passava a ser alguém que
precisava ser cuidada escolarizada e preparada para a atuação futura.
Este conceito de infância é, pois, determinado historicamente pela
modificação nas formas de organização da sociedade (apud KRAMER,
1996, p.21).
Um marco do reconhecimento social da criança surge na modernidade com a ideia
de infância e criança. Segundo Sarmento (2003) as concepções construídas
historicamente sobre a infância foram sempre baseadas numa perspectiva adultocêntrica
que agia de forma oculta quando se pensava em esclarecera realidade social e cultural das
crianças. À vista disso, foi sendo necessário buscar novas ferramentas que se fizeram
necessárias para dar suporte e rompessem com o modelo epistemológico sobre a infância
até então institucionalizado.
Somente a partir da década de 1980, buscando contrapor-se aos conceitos
estabelecidos constitui-se a Sociologia da Infância, um novo campo de estudo, que tem
se proposto a compreender o universo infantil e resgatar “a infância das perspectivas que
a compreendem como um simples período maturacional do desenvolvimento humano que
se constrói independentemente das condições históricas, culturais e sociais dos
indivíduos” (BORGES et al., 2014, p.273).
Nesse bojo surge o movimento da Sociologia da Infância como uma oposição a:
psicologia do desenvolvimento/ comportamento e à sociologia da educação onde se
pretende colocar em foco os sujeitos então esquecidos: as crianças. A busca não se
centrava mais na criança como um ser que ainda está por vir-à-ser, incompleta quando
colocada em comparação ao adulto como uma tabula rasa que é incapaz para as questões
de decisão sobre si mesma. Mas, como atores sociais que produzem cultura e nela são
produzidas, criam, sentem, crescem, transformam e modificam a sociedade que estão
inseridas.
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Essa concepção será fundamental para entendemos como a Sociologia da Infância
trouxe importantes mudanças conceituais para a construção histórica ligada a infância e
a criança ao fornecer importantes elementos para compreender quem são as crianças do
Morro dos Macacos. Nesta direção Borba (2008) afirma que “é preciso penetrar
verdadeiramente no mundo da criança (...) e compreendê-la do seu próprio ponto de
vista”. E para melhor inserção “é necessário romper com uma ideia (sic) única e universal
de infância e entendê-la em sua singularidade” pelas “diferentes infâncias vividas por
nossas crianças” (BORBA, 2008, p. 74-75).
Para Abramowicz (2011, p. 23-24), o referencial teórico da sociologia da infância
“nos ajuda a pensar a criança e a infância não só como maleta de instrumentos teóricos”
mas “traz em seus movimentos inversões interessantes, novos/outros agenciamentos,
novos pesquisadores, novas perspectivas sobre/ e com as crianças, um outro olhar contra
o adultocrentrismo.”
Não digo que a Sociologia da Infância seja uma terra conhecida, mas o que busco
resgatar é que diante desse caminho de tantos esforços os pesquisadores dessa vertente
inseriram um campo capaz de “pensar a criança para além dos paradigmas hegemônicos”
(ABRAMOWICZ, 2011, p.25).
1.1 Metodologia
Não é possível fazer um trabalho científico sem antes conhecer os “instrumentos”
que nos ajudarão a construir o caminho. A construção de uma pesquisa não se dá de forma
aleatória, é preciso antes, escolhermos quais mecanismos usaremos para percorrer o
campo pois adentrar por um caminho “desconhecido” sem uma metodologia é como
dirigir com uma fenda nos olhos. Desta forma, o pesquisador, saberá se tal escolha o
atenderá e/ou suportará para confirmar ou negar suas hipóteses lançadas.
Nesse caminho um trabalho de pesquisa que envolve as condições das crianças
exige, por um lado, o devido domínio teórico-metodológico do processo de investigação
científica, pois por se tratar de um trabalho científico e o rigor e a qualidade devem ser
prioridades. Sem dispensar a capacidade de estabelecer vínculos com os sujeitos para
construir uma relação de confiança.
Na medida em que a pesquisadora pretendia entrevistar crianças que residiam no
Morro dos Macacos, localizada na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, definiu-se que
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para o favorecimento ao acesso e as informações para o trabalho de campo era preciso
que houvesse um elo entre a pesquisadora e pesquisados. Era preciso que as crianças, que
seriam os sujeitos ativos daquela pesquisa, pudessem achar pontos de identificação/ou
aproximação com a pesquisadora. Era preciso que a história deles se encontrassem, pois
por não ser uma moradora do morro (atualmente) o seu distanciamento poderia
prejudicar/ou mascarar as situações problemas.
Segundo Minayo (2002) a pesquisa qualitativa “se preocupa, nas ciências sociais,
com um nível de realidade que não pode ser quantificado” logo “ela trabalha com o
universo de significados, motivos, crenças, valores e atitudes” (p. 21-22). Ou seja, a
abordagem qualitativa pauta-se na preocupação da exploração, da intuição e do
subjetivismo tendo o seu aprofundamento no mundo das relações humanas. Uma das
grandes contribuições da pesquisa qualitativa está no reconhecimento da subjetividade,
tanto dos sujeitos da pesquisa, como do próprio pesquisador.
Nessa direção Nascimento (2014) indica que,
A pesquisa nas ciências sociais é uma investigação sobre o homem feita
pelo homem. Assim, podemos afirmar que não há pesquisa isenta e
distanciada; ela é um olhar parcial sobre a realidade. Um olhar que é
fruto da experiência de todos os envolvidos. Cabe ao pesquisador a consciência de que a formulação ou a seleção de questões por ele
realizadas influenciam, diretamente, os resultados obtidos (p.11).
Portanto, podemos concluir que o pesquisador não é um elemento indistinto no
processo da pesquisa. À medida que ele observa e participa das ações dos sujeitos ele
avança na compreensão da realidade humana através da socialização.
A pesquisa teve a participação de 4 crianças, três do sexo feminino e um
masculino, sendo duas de sete anos, uma de oito e uma de seis anos. Para uma melhor
definição dos padrões de respostas, ficou delimitado que todas as crianças pertencentes
ao grupo fossem “crias” do Morro dos Macacos. Não se constitui como objetivo desse
trabalho efetuar uma comparação, mas entender como as crianças do Morro dos Macacos
vivem suas infâncias e pensam sobre questões do dia a dia.
1.1.1 A ética e a participação: os limites da pesquisa
A criança é um presente. O presente que ela anuncia é um presente do qual nós
adultos não fazemos parte e desconhecemos, pois é um presente em infância,
como crianças, um tempo que não somos/temos mais.
(Abramowicz, 2011, p.18)
18
Muito se tem discutido e (re)pensado sobre a participação das crianças nas
pesquisas brasileiras. Parte dessas discussões se devem aos questionamentos e anseios
que os pesquisadores pela busca por coerência entre as questões teórico-metodológicas e
a concepção que reconhece a infância como uma categoria social atendam aos critérios
de rigor e da qualidade. E ao mesmo tempo, entenda as crianças como sujeitos históricos,
que produzem e são produzidos pela cultura reconhecendo as suas potencialidades
infantis.
Segundo Pereira (2015), em seu artigo “Por uma ética da responsividade:
exposição de princípios para a pesquisa com crianças”, a autora recorre a arte para
expressar como o fazer científico, quando tratamos de pesquisar com as crianças, não
pode se advir de forma homogênea. Para isso Pereira (2015) recorrer a obra do artista
francês contemporâneo Bernard Pras em o Retrato de Facteur Ferdinand Cheval, para
explicar o que se vê e o que está para além da estrutura.
O artista francês, Bernard Pras, desde os anos 60 vem construindo instalações
tridimensionais inspiradas em pinturas famosas de outros artistas, reconstruindo-as a
partir de objetos heteróclitos (mala, guitarra, cabeceira, cama, sofá, carinho de mão) que
a primeiro momento quando visto causa um desconforto ou sugerem um amontoado
caótico. Contudo, quando mudamos o foco e passamos a observar de um outro ponto de
vista reconstitui-se a forma apresentada originalmente na pintura.
O jogo por trás desse compartilhamento que o artista propõe é fazer com que as
diferentes perspectivas e anamorfoses desafiem os nossos modos de percepção. Mas,
porque recorrer a um artigo de 2015 que une a arte para discutir a ética nas pesquisas com
as crianças?
De acordo com Pereira (2015) se um objeto é olhado de várias perspectivas ele
adquire contornos diferentes de acordo com os diferentes ângulos a partir dos quais é
visado, como é possível querer extrair dele uma única resposta que seja suficiente à
especificidade de cada um desses distintos olhares?
Dessa forma, pensar uma ética da responsividade no campo da pesquisa científica
implica abrir mão de uma postura mecânica ou apriorística em relação ao conhecimento
que habita na recusa ao agir inconsequentemente. Sendo assim, é na evocação do outro
que a ideia da ética mora (PEREIRA, 2015, p.57).
19
Kramer (2002) aponta que se tratando da pesquisa com crianças, a ética e a autoria
são fatores primordiais no processo que cerca o seu desenvolvimento, visto que, existe
uma força adulta baseada em um nível hierárquico pelas relações de poder.
Diante dessas questões e considerando o referencial teórico no qual essa pesquisa
esta apoiada, avaliei que ainda que fosse um desejo meu revelar a identidade das crianças
para dar coerência ao princípio de considerá-las como sujeitos do início ao final do
processo as suas narrações, poderia expô-las, trazendo repercussões constrangedoras ou
castigos. Ainda que a maioria das falas e situações relatadas não tenham consequências
comprometedoras no âmbito da igreja, da família ou do grupo de pares, o fato de falarem
sobre algo que foge da lógica infantil poderia repercutir como algo perigoso a elas.
Desse modo, decidi perguntar às crianças como gostariam de serem chamadas e
identificadas nos relatos desta pesquisa e para a minha surpresa optaram por manter os
manter os seus nomes originais. Pois na fala de João: o meu nome é João e vai continuar
sendo João (Caderno de Campo, 2019).
O consentimento para a participação na pesquisa e em tudo o que ela envolve: a
observação, as entrevistas, as fotografias, foi constantemente atualizado com as crianças.
Além do consentimento escrito (ver em anexo), da manifestação oral expressa por meio
do diálogo, foi também importante estar atenta a outros modos de expressão das crianças
que revelassem acordos ou desacordos, ou ainda modos diferentes passíveis de ser
incorporados nas estratégias que estavam sendo mobilizadas pela pesquisadora.
Dessa forma, ampliando o debate para a participação Filho e Barbosa (2010) vão
propor que para olhar a criança é preciso que tenhamos uma “lente de aumento” capaz de
nos levar a compreendermos e superarmos o muro que isola adulto e criança; e
pesquisador e pesquisado quando analisamos suas vozes, ações, reações e relações. Pois,
como nas palavras da epígrafe de Abramowicz, a infância é um tempo ao qual nós não
pertencemos e por isso ainda que seja uma etapa igualitária a todos os seres humanos não
poderá ser compreendida pela singularidade. Segundo Motta e Frangela (2013)
A pesquisa com crianças, a partir dessa perspectiva, pode configurar-se
num rompimento com a lógica que leva o intelectual a falar pelo
subalterno, pois que pode romper com a premissa de um sujeito coletivo
constituído numa cultura singular. Se a cultura não é instância rígida e
homogênea, podemos pensar na cultura produzida pelas crianças como
20
um dos elementos da heterogeneidade que permite questionar permite
questionar a forma como as crianças são representadas pelos discursos
hegemônicos elaborados a partir de uma lógica adultocêntrica.
(MOTTA & FRANGELLA, 2013, p.188)
Nessa direção Qvortrup (1991 apud Corsaro, 2011, p. 93) propõe a infância como
uma forma integrada à sociedade logo, as crianças em suas infâncias “afetam e são
afetadas por grandes eventos e transformações sociais”. Nesse percurso, por terem um
papel que afetam e são afetadas ouvir as crianças significa trazer a sua participação
coletiva para entender os processos de mutação/metamorfose da sociedade, ao buscar a
interpretação e valorização de suas interações. Garantindo, assim, uma ressignificação, as
hierarquias geracionais dos papéis estabelecidos culturalmente.
Já que considerar a criança como protagonista na pesquisa científica é uma
prerrogativa da própria Sociologia da Infância que prioriza a inclusão das crianças como
sujeitos da pesquisa. E se queremos pesquisar sobre elas nada melhor que elas para nos
dizerem. Esse movimento será interessante para entendermos a diferenciação que ocorre
entre as pesquisas feitas sobre crianças, se caracteriza como um obstáculo ao
conhecimento da realidade da criança visto que os dados e informações partem dos
adultos (escola, família e Estado), e as pesquisas com as crianças que rompe com o
esquecimento que as envolveu na construção da história da própria infância e passa a ter
seu ponto de partida através das concepções, considerações e interações das crianças com
jovens e adultos (NASCIMENTO, 2013, p.49).
Como aponta Sirota (2001)
As crianças devem ser consideradas como atores em sentido pleno e
não simplesmente como seres em devir. As crianças são ao mesmo
tempo produtos e atores dos processos sociais. Trata-se de inverter a
proposição clássica, não de discutir sobre o que produzem a escola, a
família ou o Estado mas de indagar sobre o que a criança cria na
intersecção de suas instâncias de socialização (SIROTA, 2001, p.19).
21
CAPÍTULO 2
Da semente a favela
“Favela
1. [Brasil]Conjunto de edifícios, majoritariamente para habitação, de
construção precária e geralmente ilegal.
2. [Depreciativo] Lugar de má fama, suspeito, frequentado por
desordeiros.
3. [Botânica] Planta das caatingas baianas.”
Fonte: Dicionário Online Priberam3
Antes de iniciarmos esse capítulo para conhecermos o terreno que nos foi palco
dessa pesquisa é preciso conhecer o contexto histórico de como as “favelas se originaram.
E para isso acho oportuno esclarecer o porquê que ao longo da minha escrita adotei a
palavra “favela” como uma forma original e autêntica para representar o espaço e as
pessoas que moram nesses lugares, dispensando todo e qualquer eufemismo.
Segundo Arenhart (2016) ao pensarmos na palavra favela existem várias
conceituações e representações sociais que foram construindo-se ao longo das
transformações históricas relacionadas às ocupações do espaço urbano. Historicamente a
favela era definida pelo que não seria ou pelo que não teria, se caracterizando assim, como
um espaço pela ausência de infraestrutura urbana, como: água, esgoto, luz e saneamento
básico. Um lugar sem ordem, sem lei e sem regras.
Minha intenção neste trabalho não é realizar uma discussão aprofundada sobre
esse tema, mas indicar algumas bases em que me apoio para fazer uso da palavra favela.
Já que em geral ao buscarmos referenciais sobre as favelas, na maioria das vezes, “se
fundamentam em pressupostos equivocados, em geral, superficiais” que são “baseados
em estereótipos que não permitem uma compreensão aprofundada sobre a realidade
social, econômica, política e cultural em sua totalidade e complexidade”. Mas afinal o
que é a favela? (OBSERVATÓRIO DE FAVELAS, 2009, p.21).
Segundo o Observatório das Favelas (2009) a constituição de uma favela se dará
pelas seguintes referências:
a) insuficiência histórica de investimento do Estado e do mercado formal principalmente
o imobiliário financeiro e de serviços;
b) forte estigmatização socioespacial, especialmente inferida por moradores de outras
áreas da cidade;
3 Disponível em: <https://dicionario.priberam.org/favela>
22
c) edificações predominantemente caracterizadas pela autoconstrução, que não se
orientam pelos parâmetros definidos pelo Estado;
e) apropriação social do território com uso predominante para fins de moradia;
f) ocupação marcada pela alta densidade de habitações;
g) indicadores educacionais, econômicos e ambientais abaixo da média do conjunto da
cidade;
h) níveis elevados de subempregos e informalidade nas relações de trabalho;
i) taxa de densidade demográfica acima da média do conjunto da cidade;
j) ocupação de sítios urbanos marcados por um alto grau de vulnerabilidade ambiental;
k) alta concentração de negros (pardos e pretos) e descendentes de indígenas, de acordo
com a região brasileira;
l) grau de soberania por parte do Estado inferior à media do conjunto da cidade;
m) alta incidência de situações violências, sobretudo a letal, acima da média das cidades;
n) relações de vizinhança marcadas por intensa sociabilidade, com forte valorização dos
espaços comuns como lugares de convivência.
Com a Lei do Ventre Livre em 1871, a cidade do Rio de Janeiro se encheu de
escravos em busca de trabalho. Nessa época começaram a surgir uma grande quantidade
de cortiços na região central da cidade, que até então era considerada área nobre da cidade,
e se tornou uma importante região de concentração de trabalho com a construção da
Central do Brasil em 1858.
No início do século XIX as elites brasileiras estavam preocupadas com a pobreza
urbana que tomava conta da cidade através das grandes cabeças de porco (cortiços) –
grandes casarões que abrigavam moradores de baixo poder aquisitivo. Com isso,
propunham práticas que pudessem intervir e administrar a pobreza e os seus personagens
(VALLADARES, 2000, p.6-7). Os primeiros interessados em esmiuçar a cena urbana e
seus personagens voltaram seus esforços para tratar os cortiços que ao seu ponto de vista
eram considerados como o “locus da pobreza” pois ali residiam “alguns trabalhadores e
se concentravam, em grande número, vadios e malandros, a chamada classe perigosa”
(idem, p.7).
Segundo Valadares (2000)
caracterizado como verdadeiro “inferno social”, o cortiço era tido como
antro não apenas da vagabundagem e do crime, mas também das
epidemias, constituindo uma ameaça às ordens moral e social (p.7).
Nesse sentido, ter na cidade espaços que não “embelezavam” constituíam-se como
uma condenação ao projeto higienista, orquestrado pelo então prefeito Francisco Pereira
Passos. Pois os antigos cortiços e casebres pelas suas condições precárias com a falta de
saneamento básico favoreciam o contágio de doenças. Com isso medidas administrativas
23
precisaram ser tomadas, entre elas: a primeira estava ligada a proibição da construção de
novos cortiços no Rio de Janeiro; e em seguida, iniciava-se uma “caça às bruxas” com a
destruição do maior cortiço da época, o “Cabeça de Porco, com a reforma do prefeito
Pereira Passos, entre 1902 e 1906, que propôs sanear e civilizar a cidade.
A destruição desses espaços habitacionais se caracterizou como um plano de
desmonte e desapropriação do governo para com as pessoas que tinham aqueles lugares
como moradias onde se constituía em um plano desesperado por um embelezamento que
não garantia à população a mínima forma de sobrevivência. Para alguns estudiosos do
cortiço no Rio de Janeiro tal forma habitacional correspondeu como à “semente da
favela”.
Sem saber para onde ir e como recomeçar as suas vidas, após as campanhas contra
os cortiços, a população começam a procurar por novos espaços geográficos e dentro
desse quadro surge a primeira4 favela no Rio de Janeiro, o Morro da Favella, em torno de
1900 – onde mais tarde seria conhecido como Morro da Providência.
Valladares (2000) nos diz que com o fim da Guerra de Canudos chega à cidade do
Rio de Janeiro os ex-combatentes e estes interessados em pressionar o Ministério da
Guerra a pagar os soldos de guerra devidos passam a ocupar o morro localizado aos
fundos desse Ministério, que batizaram de Morro da Favella. Contudo, a autora esclarece
que apesar do morro da Favela, hoje morro da Providência, ser o mais conhecido, a Quinta
do Caju, a Mangueira e a Serra Morena também datam do século XIX e são todas
anteriores ao morro da Favela. O povoamento dessas zonas começou em 1881 e seus
primeiros habitantes eram imigrantes portugueses, espanhóis e italianos. No entanto, foi
o morro da Favela que entrou para história.
2.1.1. Vila Isabel: Fazenda dos Macacos
O bairro de Vila Isabel tem sua fama reconhecida por ter sido o berço do sambista,
cantor e compositor, Noel de Medeiros Rosa, mais conhecido como Noel Rosa.
Considerado um local boêmio do Rio de Janeiro, está situado na Zona Norte da cidade.
Vila Isabel, nome dado em homenagem à Princesa Isabel, surgiu do espírito
empreendedor do Barão de Drummond, que adquiriu a Fazendo do Macaco, de
4 Datam que a Quinta do Caju, a Mangueira e a Serra da Morena como favelas anteriores ao morro da
Favella. Porém, nesse trabalho nos referiremos como o morro da Favella como a primeira devido a sua
importância histórica, social e política.
24
propriedade da Imperatriz D. Amélia Augusta Eugênia – esposa do imperador D. Pedro I
– e seus herdeiros quando a Lei do Ventre Livre foi promulgada e os escravos lá residentes
foram libertados.
Fundado em três de janeiro de 1872 teve suas projeções arquitetônicas projetas
nos moldes de Paris, a fazenda tinha como limites o rio Joana, o caminho de Cabuçu
(conhecida atualmente como rua Barão do Bom Retiro) e pela serra do Engenho Novo.
Conforme relatos de moradores mais antigos, a comunidade teve sua origem quando
alguns guardas do antigo parque jardim zoológico decidiram começar a construir casas
de zinco no morro, a fim de impedir sua ocupação irregular. Entretanto, com o passar do
tempo, estes funcionários, passaram a fixar residências com suas famílias no morro dando
início as ocupações irregulares. Por conta do parque zoológico, o morro ficou conhecido
inicialmente como Parque Vila Isabel, passando a chamar-se Morro dos Macacos devido
ao grande número de primatas que viviam no local.
O Morro dos Macacos conta com uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP)
desde 30 de novembro de 2010. A região localiza-se em uma importante região de acesso
ao Estádio do Maracanã, as estações de trem e metrô e a Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ).
A violência é sem dúvida um dos grandes problemas que vem se arrastando há
décadas no Estado do Rio de Janeiro e por isso notamos a sua crescente presença na
sociedade através dos seus destaques nas mídias sociais, nos rádios, nos jornais, nas
novelas, nos indicadores sociais (IBGE, ISP, Observatórios de Pesquisas), etc. Com isso
não passamos um dia sequer, sem sermos invadidos por notícias que nos assolam a alma
em busca de retirar-nos a empatia, a solidariedade ou a esperança. Parte dessa violência
acaba tendo sua relação pelas chamadas “Guerras do Tráfico” que por suas extensões
ultrapassam os limites geográficos dos morros, local onde sua presença se dá com certa
naturalidade.
Em função dessas experiências fracassadas de programas de segurança pública no
Rio de Janeiro, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) se ressaltam, em seu início,
como uma esperança e resposta aos tempos de caos frente a violência e a criminalidade
no Estado.
As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) surgem no Estado do Rio de Janeiro
em 2008, como um modelo de ação policial voltado para enfrentar nas favelas, o poder
25
dos grupos criminosos ilegais armados. Sua regulamentação está garantida pelo Decreto
nº 45.186 de 17 de março de 2015 publicado no Diário Oficial (D.O). O documento
estabelece, em seu artigo 3º, os objetivos das UPPs que são:
I - Retomar territórios sob o jugo de grupos criminosos, visando à extinguir a
coação ilegal sobre seus moradores; II - Reduzir a violência armada,
especialmente a letal; III - Recuperar a confiança e a credibilidade dos
moradores na polícia. (DIÁRIO OFICIAL, 2015)
Durante o governo de Sérgio Cabral, com a Secretaria de Segurança do Estado
(Seseg) sob o comando de José Mariano Beltrame, a primeira UPP foi implementada em
19 de dezembro de 2008 no Morro Santa Marta, no bairro de Botafogo, zona sul da cidade
do Rio de Janeiro. Seu “nascimento” teve como inspiração uma experiência bem-sucedida
na área de Segurança Pública em Medelín, na Colômbia. Desde 2008, trinta e oito
unidades foram implantadas na região metropolitana do Rio de Janeiro: sendo 37 na
capital e uma em Duque de Caxias (Complexo da Mangueirinha).
Tratava-se de um projeto de “(re)aproximação entre policiais e moradores nas
áreas retomadas de grupos armados pelo estado” onde o “fazer moderno e criativo que
prioriza a construção de redes de confiança para que delas compartilhem polícia e
sociedade”. E com isso “reconquistar a legitimidade do Estado” e “recuperar a confiança
de moradores que foram historicamente excluídos” (MELLO; MUNIZ, 2015, p.48).
Porém, dentro do contexto de crise econômica que atravessa o governo do estado do Rio
de Janeiro, em 2018, foi preciso enxugar algumas unidades reduzindo o seu efetivo e a
desativando5 algumas bases. Nesse trabalho trataremos como nosso objeto de estudo a
unidade do Morro dos Macacos.
Mapa 1 – Favelas com UPPs no RJ
5 Foram elas: Batam (maio); Vila Kennedy e Mangueirinha (junho); Cidade de Deus (agosto); Camarista
Méier (setembro); São Carlos (outubro); Coroa / Fallet / Fogueteiro, Cerro-Corá e Caju (dezembro).
26
Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP)
Para que houvesse o estabelecimento de uma UPP era preciso que as áreas
potencialmente suscetíveis a receberem seguissem as diretrizes estabelecidas pela Seseg
e pelo próprio Instituto de Segurança Pública (ISP) como “aquelas compreendidas por
comunidades pobres, com baixa institucionalidade e alto grau de informalidade, em que
a instalação oportunista de grupos criminosos ostensivamente armados afronta o Estado
Democrático de Direito” (DIÁRIO OFICIAL, 2011).
Com o Decreto nº 42.787 de 06 de janeiro de 2011, o governador Sergio Cabral
estabelece os procedimentos padronizados e os objetivos para aplicação da filosofia da
polícia de proximidade. De acordo com o documento, o programa de pacificação envolve
quatro etapas para a sua existência. A primeira é a intervenção tática. Nesta etapa são
deflagradas ações táticas, coordenadas pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais
(BOPE), pelo Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) e por outros efetivos com o
objetivo de recuperarem o controle estatal sobre áreas ilegalmente subjugadas por grupos
criminosos ostensivamente armados.
27
Após a dominação do terreno acontece a “estabilização”. Nesta segunda etapa,
antecedendo a implementação da UPP, são intercaladas ações de intervenção tática e
ações de cerco da área delimitada. Na terceira etapa a implementação da UPP ocorria
quando os policiais militares capacitados para o exercício da polícia de proximidade
chegam à favela e passam a ocupar a área para a chegada dos demais serviços públicos.
A quarta e última etapa compreende na avaliação e no monitoramento. Nesse
momento, tanto as ações de polícia pacificadora, quanto as de outros atores prestadores
de serviços públicos e privados nas comunidades contempladas passam a ser avaliados
sistematicamente com foco nos objetivos para aprimoramento do programa.
28
CAPÍTULO 3
O campo: do desejo a constituição
Meu movimento em direção à definição do campo de pesquisa se orientou
considerando algumas premissas definidas em razão da pertinência do objeto. Sendo
assim, o campo deveria caracterizar-se pelo contexto social e classe social, acesso à
cultura.
Assim, minha ideia inicial era de estudar grupos infantis de seis a oito anos no
espaço escolar, visto que, seria o lugar mais indicado para tal pesquisa pela pluralidade
do campo, ao reunir os sujeitos dessa pesquisa, as crianças. Dessa forma, poderia buscar
dentro dos espaços formais de educação como as vozes das crianças eram tratadas no
interior das instituições escolares. Sem contar que me proporcionaria um melhor acesso
às famílias das crianças para que eu pudesse lhes esclarecer o trabalho e realizar o estudo
de forma consentida e ética.
Sendo assim, comecei a mapear as unidades educacionais que fizessem parte do
quadro de escolas públicas da Secretaria de Educação do município do Rio de Janeiro
(SME), em especial, na região de Vila Isabel, que reunissem o grupo etário que tinha
definido e que atendessem, preferencialmente, as crianças residentes do Morro dos
Macacos. Minhas pesquisas me levaram a encontrar quatro instituições: a Escola
Municipal Equador, a Escola Municipal Noel Rosa, a Escola Municipal Mário de
Andrade e o CIEP Presidente Salvador Allende.
Conheci, primeiramente, a Escola Municipal Equador pois, é uma instituição que
atende majoritariamente6 as crianças residentes do Morro dos Macacos. Esta instituição
atende à alunos da pré-escola ao Ensino Fundamental II nos turnos matutino e vespertino.
Ao chegar no espaço em abril de 2019 fui orientada a procurar a direção. Ao me
apresentar e iniciar a minha fala sobre o que me levará aquele espaço fui surpreendida
por um balde de água fria, sem ter começado a falar do meu projeto fui interrompida e
sem mais esclarecimentos me pediram que procurasse a secretaria de educação.
Em uma contrata partida ao balde de água fria, fui em maio de 2019 a três
instituições por uma indicação: a E.M. Noel Rosa, a E.M. Mário de Andrade e ao CIEP
Presidente Salvador Allende. Nessas instituições pude encontrar o oxigênio, que uma
6 Fala da agente educadora da Escola Municipal Equador.
29
recente pesquisadora precisava, pela receptividade da direção e equipe pedagógica ao
apresentar o meu projeto de pesquisa. Tal momento, fez com que brotasse em mim o
entusiasmo e a euforia para logo então “arregaçar as mangas” e começar a minha
descoberta pelo meu novo mundo.
Porém, os processos administrativos se constituíram como uma agrura para a
minha introdução no campo. Ao ir ao prédio da SME, situado na Cidade Nova, com o
projeto de pesquisa foi preciso que me encaminhasse para a 2ª Coordenadoria Regional
de Educação (2ªCRE) pois, precisaria de um documento que alegasse a ciência e
autorização da área pedagógica sobre a minha pesquisa e buscasse o modelo atualizado
do projeto de pesquisa do município do Rio de Janeiro para submissão. Contudo, a
tramitação legal de avaliação pelo Comitê Nacional de Ética em pesquisa, para obedecer
à norma da portaria E/DGED nº 41/2009 a qual estabelece a obrigatoriedade do parecer
desse comitê, levaria até 4 meses para a apreciação.
Nesse sentindo, me vi em um labirinto sobre como continuar a minha pesquisa ao
considerar o calendário escolar e os fatores externos (chuvas, conselho de classe, feriados,
pontos facultativos, etc.) sem contar que eu queria fazer esse estudo em uma escola que
se situa-se no próprio Morro dos Macacos e por ter esse desejo eu bem saberia que os
tiroteios e toques de recolher me levariam a reduzir mais ainda o meu tempo para a
observação.Com isso apenas uma pergunta ficava persistindo em minha mente: como
continuar com esse tema sem ter tempo hábil para fazer a pesquisa na escola? Porém, ao
expor os fatos em uma reunião de orientação resolvemos construir uma nova estratégia,
um novo desafio: reunir as crianças em um espaço não formal.
Me sentia à vontade em realizar a pesquisa em um espaço escolar, como explicado
acima, pois seria um lugar do encontro com a pluralidade e de fácil acesso as crianças,
porém ao ler um artigo de Flávia Dip e Gabriela Tebet (2019) tive um encontro com a
seguinte citação,
Interessante notar que a maior parte dos estudos feitos sobre culturas
infantis foi realizada em contextos escolares, ocupados
predominantemente por crianças e, por isso mesmo, locais onde os
pesquisadores poderiam encontrar mais facilmente seus sujeitos de
investigação. Cabe perguntar se, em outros lugares, nos dias de hoje,
poderíamos encontrar as mesmas evidências da existência de uma
cultural infantil autônoma? Há autores que sugerem que talvez o que
estamos chamando de cultura infantil exista nós espaços e tempos nós
quais as crianças tem algum grau de poder e controle. É o caso dos
pátios da escola, no recreio, nos parques de recreação existentes nas
escolas, nos tempos vagos existentes nas rotinas criadas pelos adultos, nos grupos das ruas, pois são espaços em que geralmente as crianças
30
estão livres do olhar adulto. (ABRAMOWICZ; OLIVEIRA
apud DIP; TEBET, 2019, p.47).
Nesse sentido ficou decisivo que ainda que os espaços escolares fossem a área
predominante, pela presença das crianças, ele não poderia se constituir como um único
meio para que a participação e o protagonismo das crianças ocorressem nessa pesquisa.
No entanto, logo vislumbrei alguns entraves para a operacionalização dessa ideia.
Em minha mente como “marinheira” de primeira viagem me via impotente para realizar
uma pesquisa fora de uma instituição escolar visto que só pensava nos desafios que tal
caminho me requereria, tais como: reunir e garantir a participação das crianças, o espaço
e a dificuldade de localizar as famílias e responsáveis.
Assim, convencida de que não mudaria meu objeto de pesquisa e que a minha
pesquisa se realizaria sobre a ótica infantil resolvi desenvolver este trabalho com as
crianças da igreja da qual eu faço parte, em Vila Isabel.
Foram convidados para participar da pesquisa oito crianças. Entretanto, no dia da
reunião, contamos com a presença de quatro participantes, são eles: Sophia, João,
Emanuely Cecília e Mikaelly.
3.1 O primeiro contato
Entro na sala e um misto de emoções invadem a minha alma: a eufórica, o ânimo
e entusiasmo se juntam a alegria por ter conseguido vencer os meus pessimismos. Mas
controlo todos os anseios que rodeiam a minha mente naquele momento pois, das oito
crianças que havia convidado apenas quatro foram com seus responsáveis a aquela
igreja e eu só pensava, e se alguém desistisse? (Lorena, Caderno de Campo, 2019).
“Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem
comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que
comparação.
Manoel de Barros7
Antes de começarmos a conversar decidi fazer um momento informal
para explicar as crianças as questões que futuramente viríamos a conversar caso elas
aceitassem participar dessa pesquisa. E para isso, busquei ressaltar a importância que a
participação delas nesse estudo para que eu pudesse apresentar um pouco delas ao
“mundo científico”.
7BARROS, Manoel de. Memórias Inventadas – a terceira infância; São Paulo: Editora, Planeta, 2008.
31
Comecei me (re)apresentando as crianças e contando a elas um pouco sobre a
minha vida e da onde eu vinha, elas me conheciam apenas da igreja por isso achei
necessário criarmos um novo vínculo já que elas perceberiam que eu estava ali com um
novo papel, o de pesquisadora, e não o da "tia da salinha da igreja ou irmã da Tawane".
Era do meu interesse que eles soubessem o real motivo por estarem ali sentadas naquele
tapete no meio da minha sala. Antes de iniciarmos a pesquisa combinei que
construiríamos um quadro de "combinados" para o nosso próximo encontro e os perguntei
o que não poderia faltar pra que nossa pesquisa fosse interessante, o que poderíamos ou
não falar, o que eles gostariam de dizer; e que aquilo seria algo que poderíamos mudar a
qualquer momento. As crianças não queriam que aquele momento se tornasse uma
intromissão para os pais ou responsáveis opinarem ou decidirem o que elas poderiam ou
não falarem.
Sendo assim construímos de forma coletiva os seguintes combinados:
- Não falar nada pros pais;
- Os pais não poderiam participar;
- Ninguém é obrigado a falar;
- O Pedro pode participar;
- Não pode mandar calar a boca.
(Caderno de Campo, 2019)
Elucidei as crianças que todos os nomes, locais e informações que pudessem
identificar tanto a escola, a igreja, os seus familiares ou demais pessoas referenciadas
seriam o nosso “segredo” (omitidos ou alterados) caso elas mudassem de ideia até o final
das nossas entrevistas. Pela mesma razão ética, informei que desligaria o gravador sempre
que surgisse algum assunto que um de nós considerasse não apropriado para a gravação
ou que sentissem vergonha de relatar. Todas as crianças mostraram-se interessadas e
curiosas sobre o que iríamos falar e como dito por eles “deve ser coisa séria pra tia trazer
a gente pra casa dela”. Segui o mesmo procedimento para obter a autorização dos
responsáveis e as primeiras falas que sobressaíram daquele grupo de oito responsáveis ao
buscar a sua autorização mostravam as suas preocupações, tais como: “Lorena eles nem
sabem o que é a UPP”; “Lorena isso é perigoso”; “Não é melhor fazer esse trabalho com
adultos”, “Isso não é assunto para crianças”. Aquele momento não me espantou pois
estava preparada para aquelas reações e na minha frente haviam mães, pais, avós,
mulheres e homens que não tiveram as oportunidades de terem as suas vozes
referenciadas na infância; nos rostos daquelas pessoas estavam as preocupações e anseios
que se carrega sobre todo o morador de favela. Entretanto, quatro crianças não puderam
32
participar. Por isso nesse estudo monográfico contaremos com a participação de quatro
crianças.
Para a gravação da entrevista, utilizei um gravador de voz digital instalado no meu
telefone e uma câmera fotográfica para os registros e gravações. A entrevista foi realizada
na casa da pesquisadora em 27 de julho e 03 de agosto de 2019, em função das férias
escolares das crianças.
3.1.1 O que você quer saber do morro tu não mora aqui não?
Ao pensarmos em favela somos levados a pressupor as suas representações sociais
ligadas à pobreza, a marginalidade, a falta de saneamento básico e as altas taxas de
criminalidade e violência, e quando levamos a nossa mente ao imaginário das realidades
infantis, existentes nesses espaços, essa ideia não se altera. Neste sentido Bittencourt e
Caldas (2012) vão salientar que ao considerarmos as crianças e as suas infâncias nesses
ambientes é comum conjugar uma vida marcada pela ausência de requisitos básicos para
um desenvolvimento saudável.
A infância das camadas populares, no auge dos anos 70, foi retratada pelas teorias
da “carência” ou “deficiência” cultural que desqualificavam as suas especificidades e
subjetividades quanto as suas experiências de vida (GOUVEA,1993).
Dessa forma, Costa et al. (2015, p.31) propõem que nos processos identitários da
pesquisa, o pesquisador precisara estar entre, na fronteira, para descolonizar os discursos
tidos como especialista (do expert) aos modos de produzir significados e experimentar as
multidirecionalidades para vivenciar as produções de sentidos. Essa perspectiva fica
explícita na fala do participante João: “O que você quer saber do morro tu não mora aqui
não?” (JOÃO, Caderno de Campo,2019).
Ao interrogar a pesquisadora sobre os seus intuitos ao querer saber sobre o Morro
dos Macacos, João quis entender o porque ela, como adulta e moradora da região, teria
o interesse de perguntar a eles o que se passava naquele lugar e o que eles poderiam ter
de interessante para falar. Desse modo, entendemos que:
Dar-se conta da alteridade infantil no desenrolar da pesquisa é fazer aparecer
sua presença e junto com ela compor as aberturas necessárias ao já sabido, ao
já dito, ao já consolidado. Do mesmo modo, dar às crianças a oportunidade de
confrontar-se com experiências com os adultos, que não sendo
necessariamente pedagógicas (mas educativas, pois transformam) reativem
nossas capacidades criadoras de outros mundos[...] (COSTA et al, 2015, p.31).
Para Borba (2006, p.4), As crianças se encontram em um mundo estruturado por relações materiais,
sociais, emocionais e cognitivas que organizam suas vidas cotidianas e suas
33
relações com o mundo. É neste contexto que elas vão constituindo suas
identidades como crianças e como membros de um grupo social. Não devem,
todavia, ser vistas como sujeitos passivos que apenas incorporam a cultura
adulta que lhes é imposta, mas como sujeitos que, interagindo com esse mundo,
criam formas próprias de compreensão e de ação sobre a realidade. Isso porque
esse contexto não apenas constrange suas ações, mas também lhes traz novas
possibilidades.
Nessa mesma direção Arenhart (2005) destaca que a relação entre sujeito e
sociedade se organiza de uma forma dialética e que desse modo não se trata nem de mera
assimilação passiva, nem de produção científica, mas de uma troca onde ao mesmo tempo
em que formam, também são formadas por ela.
As favelas por muitos anos foram locais de grande descaso e ausência do Estado
isto favoreceu com que grupos criminosos exercessem nesses espaços importante
protagonismo e controle das relações que nela se dão. Neste sentindo na primeira reunião
com os responsáveis das crianças foi comum ouvir que eles não tinham o que reclamar
dos bandidos já que eles não se apresentavam como um perigo para a sua família e todos
sabiam as ordens do morro, já nos relatos direcionados a polícia, tinham um medo de que
aquilo que os seus filhos(as) fossem apresentar trouxessem grandes represálias. Este
fenômeno é explicado por Mello e Muniz (2015) ao dizer que o uso do poder coercitivo
da polícia se emancipa e se confunde com as paixões daqueles que o exercem e por isso
acaba por transparecer menos segurança e favorece mais os arranjos particulares e
personalistas de proteção.
As crianças também contaram história sobre a relação dos traficantes e da polícia
antes e depois da instalação da UPP, no Morro dos Macacos. Seus depoimentos antes da
UPP:
Emanuelly: “Muito ruim, dava tiro”. João: “O bandido ficava na rua, a polícia chegava,
eles corria, dava tiro e depois fica tudo calmo”. Sophia: “Era ruim, chegou a polícia deu
alguns tirinho...Deu alguns tirinho??? Acertou a janela da minha sala!!”. (Caderno de
Campo,2019)
Dessa forma, ao analisar as narrativas das crianças vemos que os conflitos no
morro, antes da implantação da UPP, sempre foram encarados como algo intenso e que
trazia problemas aos moradores que ali residiam.
Contudo em meio a entrevista surgiu novos relatos sobre a situação atual da UPP.
Para realçar esse momento transcrevo outro episódio:
João: Ficou ruim com a UPP, horrível.
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Sophia: Ah... ficou mais ou menos porque acontece a mesma coisa. O cara agora fica fumando agora ali na
minha porta e vendendo droga. (Caderno de Campo, 2019)
Os principais pontos de descontentamento das crianças estavam atrelados a
presença e a atuação ostensiva e agressiva dos policiais aos moradores. E neste misto de
sensações João trouxe uma observação pessoal sobre o comportamento dos policiais: Tem
muita polícia que não é do bem, tem polícia que é do mal. Então, pra mim, mais ou menos.
(Caderno de Campo, 2019). Tal indagação de um menino tão jovem me fez perceber que
as crianças se atentam a atuação e os comportamentos das autoridades dentro do morro e
como tais relações, entre polícia e bandido, circunscritas entre grupos opostos se atraem.
Nesse sentido que leituras as crianças fazem desse lugar de poder e “liderança”
que os traficantes exercem?
Sophia: Ah tem uns bandidos que moram lá na casa da minha vó Valda. Então eu não tenho medo. O amigo
do meu primo não tinha braço, não conseguia dar tiro, aí o do lado dele ajudou ele. Eles ficam lá, mas eles
só dão tiro quando tem polícia.
Lorena: Vamos começar pelo João. Fala João:
João: Ah eu acho ruim só, só isso...
Lorena: Mas, porque João?
João: Por causa do meu irmão, mas, não fala pra minha mãe. Ele morreu!
Emanuely: Fica triste não João! A gente não vai falar nada.
(Caderno de Campo, 2019).
Temos uma leitura crítica da ação dos grupos dentro da comunidade, mas na fala
das crianças o tom é afetivo? Estaria essa afetividade no laço estendido de amizade do
João? Ou independente deles?
Para nos ajudar a pensar tal temática recorro a fala de Judith Butler (2005) ao
dizer,
Certas vidas merecem ser choradas, outras não, a atribuição diferencial do direito ao luto (grievability), que decide quais
sujeitos devem ser chorados e são efetivamente, e quais sujeitos
devem ser chorados e são efetivamente, e quais sujeitos não devem ser, produz e mantém concepções exclusivas quem é o
humano de um ponto de vista normativo; qual vida é digna de ser
vivida, qual morte deve ser chorada (apud ABRAMOWICZ,
2011, p.24-25)
Em tempos de tanta barbárie temos visto vidas negras, pobres, faveladas, sendo
exterminadas. Nós colocamos diante dos jornais e das mídias com a balança para medir
quem vale mais. Por isso, ver a dor e o desespero daquele menino ao dizer que perdera o
seu irmão de uma forma tão trágica e estúpida, que aquilo não podia ser contato a sua
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mãe, para poupar-lhe o sofrimento, fez com que algumas questões fossem levantadas:
como julgar a dor de alguém? Como dizer por quais vidas podemos chorar? Qual o valor
da nossa vida?
Não estamos dizendo que as crianças são detentoras "de uma verdade absoluta ou
dotadas de um conhecimento puro, inovador e irrepreensível" (SILVEIRA, 2014, p.1-2).
Mas, sim, viabilizar uma escuta sensível sobre seus desejos, medos, temores e alegrias ao
abandonar uma visão predominantemente e singular da criança como alguém inferior ou
de menor valor/importância; a que não precisa ser levada a sério já que não sabemos como
separar a mentira ou a fantasia.
3.1.2 É preciso brincar
A brincadeira é uma palavra estreitamente ligada à infância e às crianças. É sobre
a brincadeira que se dão as interações, diversões e momentos de descontração.
Consideramos que o brincar é um cenário privilegiado para compreendermos como as
crianças produzem e reproduzem nas interações com os seus pares, experiências,
sentimentos e particularidades sobre a vida social na qual estão inseridas, interpretando-
a segundo os seus desejos e necessidades.
De acordo com Vigotski (1987), o brincar é uma atividade humana criadora, na
qual imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de
interpretação e expressão e de ação das crianças. Porém, ainda é considerada irrelevante
ou de pouco valor em alguns contextos da escola que pensam o brincar como uma
desvalorização do “saber” docente, e em alguns casos assumem um papel paralelo, ainda
que ganhem presença nos planejamentos são associados a uma função de subordinação
as matérias.
De acordo com Borba (2006, p.47), ao brincar “a criança não apenas expressa e
comunica as suas experiências, mas ao reelabora, se reconhecendo como sujeito
pertencente a um grupo social e um contexto cultural”. É através da brincadeira que a
criança intervém sobre a realidade e aprende sobre si, o outro e o mundo.
Desde pequenos somos ligados ao mundo através de brincadeiras. Basta fazermos
um esforço na memória para lembrarmos de como fomos marcados pelos momentos de
intenso prazer e felicidade ao corrermos com os pés descalços no chão, ou ao ralarmos os
joelhos subindo um muro no “pique-altura” ou em uma partida de futebol, ou ao
36
cortarmos a mão ao soltar uma pipa, ou pular de um pé só na amarelinha, ou quando uma
caixa de papelão podia virar uma linda casinha, um castelo. A variedade e a riqueza lúdica
desses momentos não pareciam ter limites.
Como diz Sarmento (2003, p.16) "o brincar é a condição da aprendizagem e, desde
logo, da aprendizagem da sociabilidade". Nos relatos das crianças desta pesquisa
conseguimos identificar como elas se conectam através das brincadeiras de rua, as
pedaladas através das bicicletas e dos brinquedos que desejam e como elas têm sobre o
asfalto a ressignificação de um mundo tão assolado. De uma rua que é palco de uma
violenta disputa entre polícia e bandido quando tomada por crianças se transforma como
os contos de faz-de-conta, de uma árvore que serve como escudo elas sobem sem medo
de cair.
João: Eu gosto de brincar de futebol, de boneco, de bicicleta, de pique esconde,
soltar pipa, de várias coisas. Lorena: Vocês brincam na rua? Sophia: Só de correr, brincadeira de correr. Mikaely: Eu brinco na rua! Emanuely: Eu também brinco na rua. Tem dia que a rua tá fechada pro baile e
todo mundo fica em casa. A gente vai lá pro meio da rua e fica brincando lá.
Só quando tem churrasco e quando tem isso (Caderno de Campo, 2019)
Percebemos que as crianças participantes dessa pesquisa, ao mesmo tempo em
que sofrem com a violência através dos abusos do tráfico, da polícia e da discriminação
também contam com o brincar como uma forma de viver.
37
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
PRA ONDE NOS LEVA ESSE DEBATE?
"Nós vamos avaliar se aquelas gravuras realmente foram feitas
por crianças. Até porque quem conhece e estuda o crime organizado,
como eu conheço, sabe que o crime organizado é capaz de tudo".
Wilson Witzel, 16/09/2019.
Ao chegar ao fim dessa monografia, abro as considerações finais com a fala do
governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. No dia 16 de agosto de 2019 o
governador foi a mídia para dizer que os desenhos feitos por crianças moradas da favela
da Maré, que retratavam suas perspectivas da condição social de violência que lhes foi
imposta, deveriam ser questionados já que precisava-se avaliar se realmente aqueles
desenhos partiam das crianças. Esta fala me fez refletir sobre como temos tratado esses
sujeitos em nossa sociedade. Ainda que o desenho apresentasse características e traços de
uma criança houve a dúvida, pois que criança poderia falar sobre violência?
Segundo Pérez e Jardim (2015) a concepção de infância como uma fase de
aprendizado e preparação para a vida adulta acaba por excluir as crianças das formas
instituídas da participação política.
Considerar as crianças como sujeitos sociais é entender que elas são capazes de
provocar e intervir sobre os processos da sociedade a qual pertencem. Logo, podem e
devem participar da construção de políticas públicas. Mas, infelizmente isso ainda não é
algo percebido pelo poder público.
Sendo assim, o debate que propomos nesse trabalho não tem a intenção de mostrar
o “caminho das pedras” mais o seu caráter reside em fomentar a discussão e lançar novas
proposições de como estas e outras crianças têm sido impedidas de participarem e
incorporarem suas opiniões, desejos e demandas às contribuições dos seus discursos sobre
a convivência nas favelas.
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1987.
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ANEXOS
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
Prezados pais e/ou responsáveis,
Vimos, por meio deste, solicitar seu consentimento para que seu filho(a) possa
participar da pesquisa realizada pela graduanda Lorena de Oliveira Jardim Chaves da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ intitulada PACIFICAÇÃO,
VIOLÊNCIA E INFÂNCIA: O QUE AS CRIANÇAS DO MORROS DOS MACACOS
TEM A DIZER SOBRE ISSO?
O objetivo da pesquisa é conhecer e compreender o que as crianças do Morro dos
Macacos têm a dizer acerca das suas experiências com o outro, suas formas próprias de
pensarem, sentirem e interpretarem o mundo e os ensinamentos passados pelos adultos e
consigo no sentido de conhecer sobre seus saberes e competências.
Todos os sujeitos envolvidos nesta pesquisa são isentos de custos. A participação
de seu filho(a) neste estudo é voluntária e ele(a) terá plena e total liberdade para desistir
do estudo a qualquer momento, sem que isso acarrete qualquer prejuízo para ele(a) ou
para a pesquisadora. As informações relacionadas neste estudo são para fins de estudos,
trabalhos acadêmicos e publicações.
Se você tiver alguma observação quanto a algum procedimento adotado na
pesquisa (entrevistas, fotografias e propostas de dinâmicas), favor especificar neste
termo. Caso contrário, favor assinar sem observações.
Desde já agradecemos por colaborarem com nosso trabalho e nos colocamos a
disposição para maiores esclarecimentos.
Lorena de Oliveira (graduanda)
Anelise Monteiro do Nascimento (orientadora)
Rio de Janeiro, ______ de ______de _______
Eu, ______________________________________, RG nº_____________________,
responsável legal por __________________________________________,declaro ter
sido informado e concordo com sua participação no projeto de pesquisa acima descrito.
43
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
CONSENTIMENTO DAS CRIANÇAS PARA REALIZAÇÃO DE PESQUISA
Queridas crianças,
Estou aqui junto de vocês porque estou interessada em aprender mais sobre as
crianças; como vocês vivem, o que fazem, o que pensam, do que brincam, o que vocês
aprendem e como vocês interagem com o mundo. Assim, depois de ter lhes explicado um
pouco sobre o que pretende essa pesquisa e vocês aceitaram que eu a realizasse junto de
vocês.
Para mostrar que vocês concordaram em participar comigo dessa pesquisa é
importante que cada um escreva nessa cartinha o seu nome. Mesmo que vocês tenham
colocado o nome na cartinha, não quer dizer que sejam obrigados a participar.
Quero agradecer por me receberem com tanto carinho e por me deixarem realizar
esse trabalho com vocês.
Um abraço,
Lorena de Oliveira Jardim Chaves
Rio de Janeiro, ______ de _________ de 2019.
_______________________________________________________
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
AUTORIZAÇÃO DE IMAGEM E SOM
Eu, ____________________________________________________ responsável
pelo(a) participante ___________________________________________ autorizo a
publicação de fotografias de meu filho em possível publicação em forma de livro, artigo
e/ ou apresentações em congressos da área da Educação.
Rio de Janeiro, ______ de _________________ de _____________ .
Assinatura:____________________________________________________
Carteira de Identidade/ CPF______________________________________
Endereço:_____________________________________________________