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copyright © 2017 Sonia Sueli Berti-Pinto, Miriam Bauab Puzzo, organização

Todos os direitos autorais dos textos publicados neste livro estão reservados aos autores e foram cedidos para uso da Editora Terracota Ltda., exclusivamente para a publicação desta obra, cujo conteúdo dos textos é de inteira responsabilidade de seus autores.

Capa Sonia Sueli Berti-Pinto Diagramação Michel Guimarães Editor responsável Carlos Augusto Baptista de Andrade Conselho Editorial Ana Lúcia Tinoco Cabral (UNICSUL-Br) Anna Christina Bentes (UNICAMP-Br) Armando Jorge Lopes – Univ. Eduardo Mondlane – Moçambique Benjamim Corte-Real – Univ. Nacional de Timor-Leste – Timor-Leste Cláudia Maria de Vasconcellos (USP-Br) Guaraciaba Micheletti (UNICSUL/USP-Br) Maria da Graça Lisboa Castro Pinto (Univ. do Porto-Pt) Maria Joao Marçalo (Univ. de Évora-Pt) Maria Valiria Aderson de M. Vargas (USP e UNICSUL-Br) Moisés de Lemos Martins (Univ. do Minho – Portugal) Sueli Cristina Marquesi (PUC/SP e UNICSUL-Br) Regima Helena Pires Brito (Univ. Mackenzie) Vanda Maria da Silva Elias (PUC/SP-Br)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP

Roberta Amaral Sertório Gravina, CRB-8/9167

_____________________________________________________________________

C129 Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento –

Língua, Linguagens, Discurso e Ensino/ Sonia

Sueli Berti-Pinto e Miriam Bauab Puzzo (Org.).

– São Paulo: Terracota Editora, 2016.

251 p.

ISBN: 978-85-8380-066-9.

1. Linguística Aplicada 2. Discurso. Análise

do Discurso I. Berti-Pinto, Sonia Sueli II.

Puzzo, Miram Bauab.

CDD 410

CDU 81

_____________________________________________________________________

Todos os direitos desta edição reservados a Terracota Editora Avenida Lins de Vasconcelos, 1886 - CEP 01538-001 - São Paulo - SP - Tel. (11) 2645-0549 www.terracotaeditora.com.br

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ......................................................................................... 5

PARTE I - QUESTÕES DA LÍNGUA ................................................................ 9

EXPRESSÃO ORAL A PARTIR DA DÉCADA DE 1980: COLEÇÕES DIDÁTICAS - Maria Inês Batista Campos (USP); Alana Misael Santos (USP) ......................................................... 11

NO TOQUE DAS MATRACAS E DOS PANDEIRÕES: TRAÇOS IDENTITÁRIOS DO

NEGRO E DO ÍNDIO NAS TOADAS DO BUMBA MEU BOI SOTAQUE DA ILHA - Marcelo Nicomedes dos Reis Silva Filho (UFMA); Antônio Carlos Santana de Souza (UEMS) .................... 29

A CONTINUIDADE DA APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA POR IDOSOS:

UMA CONTINGÊNCIA DO SÉCULO XXI - Fábio Luiz Villani (FACCAMP) ......................... 45

A LÍNGUA E SUAS NUANCES: ESTUDO DAS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS NO

CONTEXTO DA MÚSICA ZALUZEJO - Rodrigo de Santana Silva (UNEMAT/Cáceres); Rodrigues de Souza Bortolozzo (UNEMAT); Giseli Veronêz da Silva - (UNEMAT/Cáceres) ........... 61

PARTE 2 - ESTUDOS SOBRE LINGUAGENS .................................................73

OS GÊNEROS DO DISCURSO DE NATUREZA IMAGÉTICA NO LIVRO DIDÁTICO: UMA

VISUALIDADE DIALÓGICA? - Alexandre Duarte Gomes (SECRETARIA MUNICIPAL DE

EDUCAÇÃO DE RECIFE E SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO); Dóris de Arruda

Carneiro da Cunha (UFPE) ......................................................................................... 75

LINGUAGEM POÉTICA NA CRÔNICA DE FABRÍCIO CARPINEJAR - Anagilda Siqueira Sobral Cordeiro (UNICSUL) ............................................................................................. 95

ANÁLISE DISCURSIVA DA CHARGE DA ‘GUERRA AO NARCOTRÁFICO EM FAVELAS

DO RIO DE JANEIRO A PARTIR DOS TONS VALORATIVOS ÉTICOS E ESTÉTICOS -

Samantha Henzel (UNICSUL); Sonia Sueli Berti-Pinto (UNICSUL) ......................................... 107

PARTE 3 - DISCURSO E IDENTIDADE ....................................................... 125

A (DES) CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NOS DISCURSOS DOS JOVENS DO MST:

DAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO AOS SILENCIAMENTOS - Ana Maria de Fátima Leme Tarini (IFPR/UNIOESTE) .............................................................................................. 127

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE IDOSOS: DISCURSOS CONTEMPORÂNEOS -

Cristiane Schmidt (PPGLetras-UNIOESTE/ NUPESDD-UEMS); Antônio Carlos Santana de Souza (PPGLetras-UEMS/UNIMAT/NUPESDD-UEMS) ................................................................. 145

PARTE 4 - ENSINO DE LÍNGUA, GÊNERO, LEITURA E ESCRITA ................ 159

O GÊNERO MIDIÁTICO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA, DISCURSO E ENSINO: UM

OLHAR PARA O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA - Alciene Carvalho da Silva (UNIFESP); Jéssica Máximo Garcia (UNIFESP); Sandro Luis da Silva (UNIFESP) ...................... 161

ESTUDO EXPLORATÓRIO DOS USOS DO ADVÉRBIO EM UM TEXTO DE LIVRO

DIDÁTICO: PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA - Fernanda Toledo de Souza Furlani (UNICSUL); Ana Lúcia Tinoco Cabral (UNICSUL/PUC) ....................... 175

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A POÉTICA DO MARACUJÁ: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A ESCRITA

CRIATIVA - Daniel Carvalho de Almeida (Rede Pública Municipal de São Paulo/FFLCH/USP) .. 191

MULTILETRAMENTOS NO ENSINO MÉDIO: ESTRATÉGIAS DE LEITURA DE TEXTO

LITERÁRIO EM DIÁLOGO DE LINGUAGENS - Marli Aparecida Bruno (UNITAU); Vera Lúcia Batalha de Siqueira Renda (UNITAU) .............................................................................. 215

GÊNEROS TEXTUAIS EM AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM - Solange Marques Avino (UNICSUL) ............................................................................................ 231

MINIBIOS ................................................................................................. 243

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APRESENTAÇÃO

Língua, linguagens, discurso e ensino: reflexões teórico-práticas

Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente

da comunicação verbal, ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que

sua consciência desperta e começa a operar. (...)

Os sujeitos não ‘adquirem’ sua língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o

primeiro despertar da consciência. (Bakhtin, 2006 p. 111).

A palavra penetra literalmente em todas relações entre indivíduos, nas relações de

colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas

relações de caráter político, etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de

fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios.

(BAKHTIN, 1997, p. 41)

Portanto, por trás de cada texto está o sistema da linguagem. A esse sistema

correspondem no texto tudo o que é repetido e reproduzido e tudo que pode ser

repetido e reproduzido, tudo o que pode ser dado fora de tal texto (o dado).

Concomitantemente, porém, cada texto (como enunciado) é algo individual, único e

singular, e nisso reside todo o seu sentido (a sua intenção em prol da qual ele foi

criado). É aquilo que nele tem relação com a verdade, com a bondade, com a beleza,

com a história. (BAKHTIN, 1998)

A presente edição dos Cadernos de Linguística: pesquisa em movimento, volume 7.1,

que tem por título Língua, linguagens, discurso e ensino: reflexões teórico-práticas apresenta

discussões de questões pertinentes ao campo da linguística. Esta edição está dividida em

quatro partes que abarcam as temáticas do título, sendo:

Na Parte 1 – Questões da Língua, constituída por artigos de especialistas que divulgam

suas pesquisas nas áreas mais significativas no campo dos estudos de língua, em que se

destacam quatro artigos.

O primeiro artigo desta parte de autoria de Alana Misael Santos e de Maria Inês Batista

Campos trata de questões do livro didático no texto Expressão oral a partir da década de

1980: coleções didáticas, discutindo a incorporação da linguagem oral, como estratégia de

atender ao novo aprendiz advindo de várias instâncias sociais.

O segundo, de Antônio Carlos Santana de Souza, Jeane Oliveira da Silva, Marcelo

Nicomedes dos Reis Silva Filho, No toque das matracas e dos pandeirões: traços identitários do

negro e do índio nas toadas do Bumba Meu Boi sotaque da Ilha, concentra-se na análise de

quatro toadas do BMB de Maracanã, sotaque de matraca: Veleiro Grande, Upaon Açu, Reis da

Encantaria, Maranhão meu tesouro, meu torrão, com vistas ao sotaque da ilha, um dos cinco

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sotaques originais de São Luís. Seu objetivo é descrever de que modo se representa a presença

do negro e do índio nas toadas que circulam no Maranhão.

No terceiro, A continuidade da aprendizagem de língua estrangeira por idosos: uma

contingência do século XXI, Fábio Luiz Villani apresenta um estudo sobre aspectos associados

ao envelhecimento e suas repercussões no que se refere às expectativas existentes sobre seu

papel na sociedade. Põe em evidência a necessidade de uma educação para idosos como modo

de respeito e do combate aos estereótipos na sociedade do século XXI.

A seguir, o quarto artigo dessa primeira parte A língua e suas nuances: estudo das

variações linguísticas no contexto da música Zaluzejo, os autores Rodrigues de Souza

Bortolozzo, Rodrigo de Santana Silva e Giseli Veronêz da Silva tratam da variação linguística

como forma de quebrar o preconceito existente no âmbito escolar. Para atingir esse fim,

selecionam a música “Zaluzejo” do grupo Teatro Mágico e a analisam na perspectiva teórica da

Sociolinguística.

Constituindo a Parte 2, Estudos sobre Linguagens, no que concerne a linguagens, três

autores apresentam análises de gêneros variados. No primeiro artigo, Alexandre Duarte

Gomes e Dóris de Arruda Carneiro da Cunha questionam a inserção e o tratamento dado aos

gêneros discursivos que introduzem a linguagem visual, na perspectiva dialógica da

linguagem em Os gêneros do discurso de natureza imagética no livro didático: uma

visualidade dialógica?

O segundo trata da linguagem poética na coletânea de crônicas selecionada por

Anagilda Siqueira Sobral Cordeiro que resulta de entrevistas que o escritor fez durante sua

viagem pelo Rio Grande do Sul e sua experiência de vida na cidade de Caxias do Sul que se

caracteriza pelo enredo e pela personagem retratada na crônica.

As autoras Samantha Henzel e Sonia Sueli Berti-Pinto discutem no artigo Análise

discursiva da charge da Guerra ao Narcotráfico em favelas do Rio de Janeiro, a partir dos tons

valorativos éticos e estéticos, a questão do humor numa perspectiva dos conceitos

bakhtinianos a respeito dos valores que se expressam em enunciados concretos de natureza

verbo-visual.

No âmbito da Parte 3, Discurso e Identidade, Ana Maria de Fátima Leme Tarini, no

artigo A (des) construção de identidades nos discursos dos jovens do MST: das condições de

produção aos silenciamentos, objetiva analisar as práticas discursivas que permeiam o

processo de autoidentificação do "ser" Sem Terra e os discursos que os jovens têm assumido

individual e coletivamente, ressaltando quais são as condições de produção e de

silenciamentos nesses discursos.

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No artigo A construção da identidade de idosos: discursos contemporâneos, Antônio

Carlos Santana de Souza e Cristiane Schmidt apresentam alguns discursos pertinentes à

construção identitária, especificamente à identidade social do idoso, como aquela associada às

perdas intrínsecas do processo do envelhecimento, além da ‘Terceira Idade’, na perspectiva da

educação permanente.

Nos estudos referentes à Parte 4, Ensino de Língua, Gênero, Leitura e Escrita, no que

tange ao ensino, os autores Alciene Carvalho da Silva, Jéssica Máximo Garcia e Sandro Luis da

Silva, no artigo O gênero midiático de divulgação científica, discurso e ensino: um olhar para o

livro didático de língua portuguesa, discutem a questão do gênero midiático de divulgação

científica em livro didático de língua portuguesa, evidenciando sua possível interface com o

discurso e ensino. Sugerem, especialmente, propostas de produção textual.

Em Estudo exploratório dos usos do advérbio em um texto de livro didático:

perspectivas para o ensino de língua portuguesa, Fernanda Toledo de Souza Furlani e Ana

Lúcia Tinoco Cabral tecem uma reflexão crítica sobre os usos estratégicos dos recursos da

língua, ao refletirem sobre a construção de sentidos do texto, a partir de uma classe

gramatical, cujo escopo vai além da simples especificação de circunstâncias, apontando

caminhos para uma reflexão mais aprofundada do papel do conceitos gramaticais na

constituição dos discursos e da importância do aprendizado da gramática como possibilidades

que a língua oferece para a realização dos propósitos de dizer e da leitura crítica.

A poética do maracujá: procedimentos metodológicos para a escrita criativa, Daniel

Carvalho de Almeida apresenta um trabalho prático com alunos de uma escola municipal com

o intuito de desenvolver o gosto pela leitura de obras literárias e a produção criativa, partindo

das experiências vitais dos jovens.

As autoras Marli Aparecida Bruno e Vera Lúcia Batalha de Siqueira Renda discutem no

artigo intitulado Multiletramentos no ensino médio: estratégias de leitura de texto literário

em diálogo de linguagens formas de motivar a leitura em sala de aula. Apresentam uma

experiência didática com o objetivo de tornar a leitura uma prática prazerosa e eficiente do

texto literário. Partem da construção de estratégias de leitura para o romance escolhido e

para os demais gêneros midiáticos e artísticos em diálogo.

Solange Marques Avino, no artigo Gêneros textuais em ambientes virtuais de

aprendizagem, procura refletir sobre a contribuição que esses gêneros trouxeram para a

educação em plataformas virtuais, a educação a distância (EAD). Por meio de pesquisa

bibliográfica, procura responder às seguintes indagações: quais são os gêneros textuais

criados com a Internet que são comuns na educação a distância e utilizados em ambientes

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virtuais de aprendizagem (AVAs)? E dentre eles, quais gêneros textuais são considerados de

fácil utilização a promover as interações professor-alunos e alunos-alunos.

Nesta edição, os autores contribuíram para profícuas discussões sobre Língua,

linguagens, discurso e ensino, analisando teoricamente os temas, bem como apresentando

reflexões teórico-práticas que visam contribuir para as ciências da linguagem e suas práticas.

Sonia Sueli Berti-Pinto Miriam Bauab Puzzo

Junho/2017

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PARTE I

QUESTÕES DA LÍNGUA

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EXPRESSÃO ORAL A PARTIR DA DÉCADA DE 1980:

COLEÇÕES DIDÁTICAS

Maria Inês Batista Campos1

Alana Misael Santos2

Introdução

O início deste trabalho de pesquisa se deu na Iniciação Científica entre os anos de 2015

e 2016 com o tema “A prática oral no livro didático: um percurso diacrônico”. A reflexão

linguístico-discursiva procurou investigar o ensino da expressão oral da língua portuguesa em

livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II da década de 1980 até o

início do século XXI. Este estudo fez parte do Grupo de Pesquisa “Língua Portuguesa no ensino

básico e superior: dos gêneros textuais/discursivos do livro didático, acadêmicos, jurídicos e

políticos às estratégias de textualidade da oralidade e da escrita”, integrado pela professora

Maria Inês Batista Campos, junto com docentes da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no Programa Nacional de Apoio

Acadêmico (Procad – Capes).

Neste artigo, o objetivo é discutir o processo de mudanças linguísticas implantadas,

particularmente, em duas coleções didáticas produzidas em épocas diferentes: Português Oral

e Escrito. Novas Lições (São Paulo: Editora Companhia Nacional),de Dino Preti, da década de

1980; e Português nos dias de hoje, de Carlos Emílio Faraco, Francisco Marto de Moura (São

Paulo: Editora Leya, da década de 2013. Para isso, foram analisadas e discutidas propostas de

expressão oral, investigando os percursos linguístico-discursivos do ensino da língua oral,

suas possibilidades de usos nas mais variadas situações de comunicação. O ponto de partida

da investigação ocorreu em três níveis: a) no eixo da oralidade nas coleções didáticas de

Português do ensino fundamental II3, b) na presença das teorias linguísticas nas atividades, c)

nas abordagens teórico-metodológicas que fundamentam as coleções do século XXI.

1 Profssora doutora, do Programa de Pós-Graduação Filologia e Língua Portuguesa e do Mestrado Profissional em Letras/PROFLETRAS da Universidade de São Paulo; [email protected] 2 Graduanda do Curso de Letras-Português/Espanhol da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP); bolsista de Iniciação Científica do PROCAD; [email protected] 3 Vale lembrar que essa designação é atual. Em 1971, houve a alteração da terminologia feita pela lei 5692 que antes chamava “ciclo ginasial” e foi substituída por “ensino de primeiro grau da 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries” em todas escolas a partir 1972.

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As transformações do ensino da modalidade oral no material didático

Os trabalhos de Magda Soares, centrados no delineamento da história do português na

escola, esclarecem que a disciplina “língua portuguesa” foi oficializada no fim do Império com

o propósito de ensinar “retórica, poética, gramática”, admitindo-se que “falar bem” era o

mesmo que falar correto e dirigia-se a grupos sociais economicamente privilegiados (SOARES:

2004, p. 164). Os principais materiais existentes para o estudo da língua eram as gramáticas e

coletâneas de autores consagrados e, aos poucos, o foco transferiu-se para a escrita.

Com o início da democratização da escola na década de 1950, o conteúdo da disciplina

começou a ser modificado, uma vez que os objetivos das instituições escolares se alteraram e

também as mudanças curriculares. A responsabilidade pela formulação de exercícios e

questões passou a ser do autor do livro didático. Os manuais didáticos, explica Soares,

“passam a incluir exercícios – de vocabulários, de intepretação, de redação, de gramática. Já

não se remete ao professor, como anteriormente, essa responsabilidade e essa tarefa, que os

próprios professores passam a esperar dele” (2004, p. 167). Nesse período, existia uma única

forma de bom uso da língua, prevista pela gramática prescritiva. A única variedade aceita era

a norma culta e o limite de investigação da gramática ainda estava no âmbito da frase. Os usos

admitidos eram aqueles consagrados pelos autores clássicos das coletâneas.

No entanto, na década de 1970, com o governo militar, a disciplina sofreu mudanças

intensas instauradas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 5692/71). Nas séries

iniciais do 1º grau, passou a se chamar “Comunicação e Expressão” e, nas séries finais,

“Comunicação em língua portuguesa”. A mudança também foi motivada pela substituição da

noção de língua como sistema por uma nova concepção – a de língua como comunicação –

decorrente da teoria da comunicação. O ensino da língua portuguesa começou então a se

transfigurar; o foco passou a ser o desenvolvimento do uso da língua.

Procurando descrever a língua em funcionamento, os professores foram movidos pelo

desejo de mudanças nos conteúdos e nas metodologias em função da heterogeneidade

linguística com que se deparavam quando a escola abriu suas portas para as camadas

populares. A variedade deixou de ser considerada uma degradação e o ensino do texto ganhou

espaço. Apareceram, pela primeira vez, nos manuais didáticos, “exercícios de

desenvolvimento da linguagem oral em seus usos cotidianos” (SOARES, 2004, p. 170).

Contudo, foi na segunda metade da década de 1980, momento em que o Brasil vivia o

período de redemocratização com a última eleição indireta em 1985, que a disciplina de

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português passou a ter efetivamente uma contribuição das ciências linguísticas. É necessário

reconhecer que:

[...] ao desenvolver estudos de descrição da língua portuguesa, tanto escrita quanto falada, [a linguística] tem trazido novas concepções de gramática do português, que se opõem à concepção prescritiva que vinha vigorando, e à concepção de que só da língua escrita se tem de conhecer a gramática [...]. A linguística textual tem trazido à disciplina português uma nova maneira de tratar o texto, o que tem significado uma nova maneira de tratar a oralidade e a escrita no ensino (SOARES: 2004, p. 172).

Na década de 1980, a disciplina retomou o nome “português”, e os estudos de

linguística foram inseridos nos cursos de formação de professores, o que foi um fator

significativo na promoção de mais inovações para o ensino. Desse momento em diante, as

teorias linguísticas ganharam espaço no ensino, de modo que os estudos atuais cada vez mais

contestam a superioridade da gramática prescritiva e da língua escrita.

A linguística textual, a semântica, a pragmática, a teoria da enunciação e a análise do

discurso foram, e continuam sendo, fundamentais para desenvolver um novo modo de

abordar a língua: vê-la não só como forma de comunicação, mas compreender seu uso

interacional no contexto sócio- histórico. É o início do período a que Soares chama de “a

língua como discurso”.

No final da década de 1990, tiveram início as avaliações pedagógicas dos manuais

didáticos com o Programa Nacional do Livro Didático em 1996, com editais dirigidos a autores

e editores com proposta de modificar as coleções didáticas a serem selecionados para a rede

pública. No século XXI, as novas coleções passaram a considerar os estudos linguísticos e

discursivos de modo interligados e o conhecimento gramatical começou a ser estudado com

outros fins.

Abordagens teórico-metodológicas em torno das atividades de expressão oral

O percurso para analisar as atividades de expressão oral, os gêneros orais presentes

nas duas coleções selecionadas, está fundamentado na linha enunciativo-discursiva,

especificamente no conceito de gêneros do discurso, a partir do ensaio inacabado escrito por

M. Bakhtin (2003). A fim de compreender também os conceitos de modalidade oral no Ensino

Fundamental II, articularemos os conceitos de gêneros orais e expressões orais segundo D.

Preti (2002), L. Fávero (2007), L. Teixeira (2012).

O linguista Dino Preti discute de forma pioneira a expressão “falante culto” como sendo

o usuário que conhece o maior número de variantes e sabe como empregá-las nas situações

convenientes (2002). A reflexão trata todas as variantes e expressões que compõem o

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repertório linguístico – inclusive as gírias – como válidas e considera que podem ser usadas

livremente, desde que estejam apropriadas para a situação comunicativa. Em uma dada

interação, os participantes esperam uma variante linguística adequada e, quando essa

expectativa é quebrada por um dos interlocutores, chama-se impropriamente de “erro”.

As duas modalidades linguísticas (escrita e oral) são relevantes para o uso da

linguagem e não caracterizam uma dicotomia, pelo contrário, são complementares. No que se

refere à oralidade, compete à escola “ensinar a fala”, o que não significa trabalhar a

capacidade de falar em geral, descontruindo a crença dos alunos de que a língua é homogênea

e única. É importante tornar acessível a eles a grande gama de variedades de usos da fala –

tanto as modalidades como os níveis de linguagem -, de modo a torná-los “poliglotas dentro

da sua própria língua” (BECHARA, 1985, apud FÁVERO, 2007, p. 12).

Preti (2002) nomeia a capacidade de identificar a variante apropriada à situação

interacional de competência comunicativa. Essa consiste não só nisso, mas também em saber

do que falar e como se comportar em cada situação. Bakhtin/Volochínov (2006, p.109)

defendem como alcançar o domínio linguístico considerando o aspecto social:

O ato de fala, ou mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo: não pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. A enunciação é de natureza social.

Refletindo na ampliação da competência comunicativa do aluno e procurando levá-lo

ao o domínio linguístico é que o ensino de português precisa colocar foco no seu trabalho. Na

língua materna, a aquisição do léxico e das estruturas gramaticais são necessárias para o

aprendizado e são adquiridas ao longo da vida por meio das interações e dos enunciados

vivenciados nas situações cotidianas e públicas. O aprendizado dos diferentes gêneros nas

várias esferas sociais que se estabelecem entre os interlocutores com os vários fatores sociais

exige um aprendizado que se realiza na escola. Como afirmam Bakhtin/Volochínov: “um

método eficaz e correto de ensino prático exige que a forma seja assimilada não no sistema

abstrato da língua, isto é, como uma forma sempre idêntica a si mesma, mas na estrutura

concreta da enunciação, como um signo flexível e variável” (2006, p. 95).

A perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin e o Círculo focaliza, especialmente, a

dimensão social de uso da língua, relaciona-se diretamente às escolhas linguísticas que

precisam ser feitas para compor um determinado enunciado. Dessa forma, os gêneros do

discurso são considerados formas relativamente estáveis que vão utilizar a língua de maneira

específica, já que por meio da interação pode-se identificar as diferentes situações de

comunicação.

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Pensando no conjunto do ensino da língua materna a partir da concepção dos gêneros

discursivos, as propostas de trabalho com a língua oral não têm uma única forma de ser

apresentada nas aulas de português, mas podem ser abordadas por meio dos gêneros orais

como, por exemplo, exposição, entrevista, debate, teatro, etc.

As atividades conversacionais têm objetivos diferentes dos textos escritos e, em

decorrência disso, o aluno precisa tomar conhecimento dos elementos relativos

exclusivamente à modalidade oral como um todo. Assim é importante que tenha atividades

linguísticas relativas a cada gênero - como as estruturas sintáticas, a seleção lexical, as

técnicas de interação etc. -, prezando pelo planejamento do gênero estudado, pela escuta

atenta, pela compreensão e pelas regras de convívio social.

Preti (2002) defende que tanto o aluno quanto o professor precisam conhecer os

recursos e as características da oralidade para que saibam usá-los a seu favor nas mais

diversas situações sociais em que estão inseridos. Alguns fatores constitutivos da oralidade

que podem ser identificados na fala são as repetições, as sobreposições de vozes, a alternância

das tomadas de turno, o replanejamento contínuo durante a execução do discurso e o uso de

sinais, como os gestos e, ainda há muitos outros. Todavia, deve-se ter cuidado para não se

voltar o ensino para os aspectos técnicos da fala, deixando as dimensões sociais e

interacionais social para segundo plano.

Refletindo quanto ao extenso leque dos possíveis gêneros orais a serem trabalhados na

escola, a semioticista Teixeira (2012) enfatiza o estudo com os gêneros formais, uma vez que

os jovens têm pouca familiaridade com eles. Merecem destaque a entrevista, a discussão em

grupo, a exposição, o relato de experiências, o teatro, a apresentação de seminário, o debate, a

negociação, o testemunho etc. –, por fazerem parte da esfera social. A autora ainda ressalta

que a prática da leitura, produção textual e o conhecimento gramatical são importantes no

desenvolvimento da língua escrita, mas para se atingir o domínio da linguagem também é

essencial a prática da expressão oral. Para ela, como a noção de gênero vem sendo inserida no

ensino há pouco tempo, o ideal é que se comece contemplando cada gênero em sua forma

genuína, sistematizando as características e padrões (que são possíveis sistematizar) de cada

um: entonação, formalidade, clareza de leitura, etc.

A autora afirma que mesmo quando os manuais trazem atividades voltadas à prática da

oralidade, tratam-na de uma forma lúdica e/ou não-sistematizada. As orientações costumam

ser superficiais, como “‘converse com seu colega’, ‘exponha sua opinião’, ‘discuta em grupo’”,

além de não apresentarem uma justificativa para a execução de tal atividade. A sistematização

permite ao aluno compreender a importância e as regras desse uso; sem ela, o uso gratuito da

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 16

oralidade não faz com que os alunos atinjam os resultados esperados. É fundamental explicar

ao aluno o que ele deve fazer e que objetivo deve alcançar para que a atividade atinja os fins

desejados.

Há algumas peculiaridades no uso da língua falada que necessitam ser explicitadas e

dadas as devidas recomendações para que o aluno saiba de que forma deve realizar a

atividade. Dentre uma infinidade de particularidades da execução da fala estão: estilo,

emprego de diferentes pessoas, presença/ausência de digressões, entonação, tom de voz,

abertura e fechamento de turnos, expressão de emoções, mímicas faciais, posturas,

gestualidade do corpo, pausas, hesitações, reformulações, retomadas, quebras, interrupções,

ritmo, pausas, duração da fala, temática, entre outros. Orientações quanto a esses detalhes

estão quase sempre ausentes dos manuais.

No artigo “Oralidade e gíria: como tratá-las no ensino” Preti sugere que a forma de se

abordar a oralidade em aula de português é “incentivar o aluno à pesquisa dos recursos da

oralidade, como, por exemplo, transformando textos de propaganda escrita com linguagem

culta em textos de natureza coloquial ou, vice-versa, em que se notem os problemas da

adequação da linguagem para melhor comunicar” (2002, p. 198). Também propõe que o aluno

seja exposto, nas aulas de português, a situações que reproduzam as mais diversas interações

reais e que o professor desenvolva atividades que recuperem cenas do cotidiano com

“gravação de entrevistas, (...) leitura em voz alta para a classe, narrativa de fatos, descrição de

cenas comuns (...)” (2002: p. 198).

As propostas defendidas por Fávero e outras (2007) vão ao encontro das anteriores,

mas para isso os professores precisam tratar das especificidades de cada uma das

modalidades. As linguistas creem que, colocando as duas modalidades em paralelo, pode-se

obter melhores resultados no aprimoramento de ambas. Em suas sugestões, as autoras

propõem que os professores trabalhem com a transcrição de textos falados, praticando a

identificação de seus aspectos principais, como tópicos e subtópicos – responsáveis, nos

textos escritos, pela divisão dos parágrafos – e as marcas de oralidade, bastante comuns em

crônicas e textos jornalísticos. Outra proposta é analisar textos literários escritos por

diferentes autores e ver como eles registram hesitações, gritos e momentos de silêncio. A

partir de transcrições de produções orais reais e espontâneas, é possível fazer um trabalho de

busca por características típicas da fala, discussão acerca das especificidades da transcrição

ou transposição de um áudio para a modalidade escrita. Comparar o grau de formalidade

entre produções orais e escritas também é uma possibilidade válida.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 17

Por outro lado, elas afirmam que suas propostas demandam uma reformulação em

todo o ensino da língua materna: na postura do professor – quanto à necessidade de

identificar e valorizar a diversidade de níveis de fala e escrita e variações da língua -, na

postura do aluno – quanto a uma participação ativa em aula, visando a construir sua

competência comunicativa – e, especialmente, nos livros didáticos. Em relação aos manuais,

seria necessário que houvesse uma maior preocupação com a inclusão do tema da oralidade,

assim como uma busca para conhecer mais profundamente do que ela se trata e quais suas

particularidades.

Em suma, a busca que se faz atualmente em relação ao ensino de língua materna é para

que a as aulas de português façam com que os alunos extrapolem as formas orais cotidianas e

construam um saber das formas orais mais institucionais e formais. As várias reflexões dos

linguistas motivam para um ensino da língua oral que não precisa ser substitutivo, trocando o

ensino de uma norma pelo de outra, ou de uma modalidade pela outra; mas que ele possa

incluir as duas, visto que cada variante e cada modalidade tem seu valor e sua importância.

Corroborando e recuperando as perspectivas dos teóricos citados neste artigo, a

avaliação realizada pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), órgão responsável do

Ministério da Educação para avaliação das coleções didáticas, desde 1997, determina o ensino

da oralidade como critério de avaliação. O Guia do PNLD anos finais do Ensino Fundamental

(2014) traz com traços gerais as seguintes orientações relativas ao trabalho com a oralidade:

A linguagem oral, que o aluno chega à escola dominando satisfatoriamente no que diz respeito a demandas de seu convívio social imediato, é o instrumento por meio do qual se efetivam tanto a interação professor-aluno quanto o processo de ensino-aprendizagem. Será com o apoio dessa experiência prévia que o aprendiz não só desvendará o funcionamento da língua escrita como estenderá o domínio da fala para novas situações e contextos, inclusive no que diz respeito a situações escolares, como as exposições orais e os seminários. Assim, caberá à coleção de Língua Portuguesa no que diz respeito a esse quesito: 1. recorrer à oralidade nas estratégias didáticas de abordagem da leitura e da produção de textos; 2. valorizar e efetivamente trabalhar a variação e a heterogeneidade linguísticas, situando nesse contexto sociolinguístico o ensino das normas urbanas de prestígio; 3. propiciar o desenvolvimento das capacidades e das formas discursivas relacionadas aos usos da linguagem oral próprios das situações formais e/ou públicas pertinentes ao nível de ensino em foco. (BRASIL: 2014, p. 19)

Em síntese, as competências e habilidades vinculadas aos usos escolares, formais e

públicos da linguagem oral podem ser desenvolvidas, a fim de que os alunos egressos

dominem a modalidade suficientemente para atender às demandas de uma vida cidadã. O

jovem precisa ser capaz de fazer uso adequado e eficiente da linguagem oral para quando lhe

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seja requerida a participação em situações orais públicas, especialmente, nos momentos em

que as normas urbanas de prestígio se fizerem necessárias.

Na seção a seguir, serão analisados, dois manuais escolares, escolhidos em função da

representatividade que ocuparam no período em que cada coleção circulou nas escolas. A

coleção Português Oral e Escrito: novas lições (1986), de Dino Preti representou um projeto

inovador quanto à inserção da oralidade em seu conteúdo. A coleção Português nos dias de

hoje (2012), de Faraco e Moura, aprovada no Guia de livros didáticos PNLD/2014 Língua

Portuguesa, apresenta forte ênfase no eixo da oralidade. Esta última razão também foi

responsável pela seleção do volume, o 7º ano, e que corresponde a da 6ª série da coleção da

década de 1980.

Em Português Oral e Escrito: novas lições. 6ª série (1986), as unidades didáticas

seguem uma sequência bastante sistematizada que se repete em todos os capítulos. Já em

Português nos dias de hoje (2013), os capítulos (chamados no próprio livro por “unidades”)

seguem uma sequência um pouco mais flexível, mas repetitiva em alguns pontos.

Figuras 1 e 2: Capas de Português Oral e Escrito. Novas Lições. 6ª série (1986) e

Português nos dias de hoje. 7º ano (2012)

Fonte: PRETI: São Paulo, Companhia Editora Nacional,

1986. Fonte: FARACO; MOURA: São Paulo, Leya, 2012.

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Português oral e escrito: novas lições, de Dino Preti

A coleção Português oral e escrito: novas lições4 publicada em 1986, pela Companhia

Editora Nacional, foi escrita por Preti (1930), linguista da Universidade de São Paulo. Vale

sublinhar que a editora apresentou na contracapa uma ampla biografia do autor, mostrando

que o professor antes de escrever obras didáticas já era um pesquisador renomado com

ampla pesquisa no campo da linguística, particularmente, da língua oral. Teve uma edição

anterior intitulada Português oral e escrito, publicada entre 1977 e 1979.

Na edição de 1986, o título da coleção anuncia a forma de entender a língua portuguesa

e o seu estudo (escrita e falada) que até aquele momento estava marcado somente pela

escrita. Essa visão estava ligada aos estudos sociolinguísticos desenvolvidos pelo professor no

grupo de pesquisa, relacionando a língua oral com o ensino. A organização dos volumes da

coleção está dividida em quatro unidades e cada uma é composta de três lições, no total doze

por livro.

Na seção “Outras atividades”, o autor apresenta exercícios de comunicação e expressão,

leitura orientada e criatividade e redação; na seção “Resumos gramaticais”, os tópicos de

sintaxe, ortografia, morfologia, Treinamento oral, Treinamento escrito. As atividades de

treinamento oral são extensas. Paralelo ao treinamento oral ocorre com o treinamento escrito.

Dentro dos exercícios, há boxes contendo notas gramaticais, dirigidas aos alunos com os

verbos no imperativo: observe, linguagem popular ou coloquial, anote. Preti também

contempla exercícios para que o aluno possa fazer uma relação desta com a linguagem culta.

Nas orientações para o professor apresentadas no “Livro do mestre”, há uma proposta

de treinamento para que aluno desenvolva habilidades de “ouvir, falar, ler e escrever a Língua

Portuguesa” (anexo, p. VI). Preti utilizou níveis de linguagem para associá-los às diversas

situações de comunicação, caminho aberto para uma nova concepção de gramática de uso em

detrimento de uma gramática tradicional, como era estabelecida nas décadas anteriores. Ao

introduzir conceitos da sociolinguística e das estruturas linguísticas do português

contemporâneo, o autor procurava integrar as linguagens oral e escrita ao ensino do

português. Dessa maneira, garantia também um tratamento linguístico da linguagem

coloquial, sem perder o foco no ensino da norma culta.

O volume da 6ª série está organizado em 4 unidades. Para esta análise, foi selecionado

o capítulo 9, parte integrante da Unidade III. Nesse capítulo, foram apresentados textos

literários dos seguintes autores: Érico Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade, José Lins do

Rego, Armando Nogueira, Fenando Sabino, Ribeiro Couto, Francisco Marins, Graciliano Ramos,

4 Os quatro volumes foram dirigidos para o primeiro grau, o que equivale hoje ao Ensino Fundamental II.

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Antônio Alcântara Machado, Orígenes Lessa. A abertura começa com o texto “Fim-de-semana”,

de Nestor de Holanda, e na página à esquerda há uma imagem de um carro viajando por uma

estrada, referência às idas para a casa de férias que o casal da narrativa fazia aos finais de

semana.

Quadro 1: 6ª série, estrutura do capítulo 9

UNIDADE III Capítulo 9

Texto: Nestor de Holanda, Fim-de-semana. (Retirado de Telhado de vidro. Rio de Janeiro: Cia Bras. de Divulgação do Livro, 1967.

SEÇÕES

O texto . O sentido das palavras . O sentido do texto (10 questões) Outras atividades . Exercícios de comunicação e expressão (3 atividades) . Leitura orientada (2 atividades) . Criatividade e redação (3 atividades) Resumos gramaticais . O predicado nominal. Os verbos de ligação. O predicativo do sujeito. . Treinamento oral (Leitura de orações com predicado verbal e nominal) . Trabalhos na lousa . Lição de casa

Fonte: Síntese elaborada pelas autoras

Nesse volume da 6ª série, as seções “Resumos Gramaticais” apresentam um número de

página equivalente às seções “O texto” e “Outras atividades”. O ensino da oralidade aparece

nas seções “Atividades de comunicação e expressão”, por meio de exercícios de leitura,

dramatizações, jograis, debates, gravações, entrevistas, exercícios mímicos, recortes e tantos

outros. Embora o autor considere essas atividades como um treinamento para que o aluno

adquira formas variadas e adequadas a situações de comunicação diferentes, são atividades

que procuram explorar a criatividade do aluno, deixando-o fazer suas próprias escolhas

linguísticas.

Na seção “Exercícios de Comunicação e Expressão” desse capítulo, há três atividades: a

primeira consiste na criação de uma propaganda de excursão turística. A orientação é para

que os alunos recortem e estudem as propagandas encontradas no “Suplemento de Turismo”,

publicado semanalmente nos jornais. Eles devem estudar os pontos turísticos e os roteiros

das excursões para criarem seu próprio programa de viagem. A partir da pesquisa realizada

em jornais impressos, o que só existia na década de 1908, os alunos eram levados a

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elaborarem um cartaz e “venderem” aos colegas a excursão que estavam anunciando. Nota-se

que a segunda parte da atividade expõe o aluno a uma situação que recupera tanto quanto

possíveis situações da comunicação oral da vida cotidiana. Vamos observar a composição

verbo-visual que há entre na página, articulando páginas de jornal (esfera de circulação) com

produção de texto oral e escrito:

Fonte: PRETI, 1986, p. 115.

No segundo exercício, o autor sugere que três alunos interpretem agentes que

trabalham em agências de turismo e que os demais interpretem seus possíveis clientes. Os

agentes farão a propaganda de seus respectivos pacotes. A atividade propõe um longo diálogo

entre cada dupla de agente e viajante, para depois o restante da sala julgue os melhores

trabalhos. No terceiro exercício, os alunos deverão recolher imagens de lugares ou pontos

turísticos e levar para a sala de aula, onde discursarão alguns minutos sobre o local

representado na imagem.

Na seção “Treinamento Oral”, a proposta é o aluno se expressar oralmente, mas o

objeto principal são quatro exercícios referentes a distinção entre predicado verbal e nominal,

verbos de ligação. Os exercícios visam ao treinamento da utilização de diferentes verbos de

ligação por meio do procedimento de substituição e à identificação de predicados como

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nominal ou verbal. A proposta é que sejam feitos oralmente, a partir da leitura em voz alta das

frases apresentadas. Abaixo, há um exemplo, do exercício proposto:

Fonte: PRETI, 1986, p. 118.

Português nos dias de hoje, de Faraco; Moura (2013)

A coleção Português nos dias de hoje (2013), da editora Leya, tem como autores de

Carlos Emílio Faraco e Francisco Marto de Moura. Está organizada em quatro volumes

indicados para as séries finais do Ensino Fundamental. O volume analisado, destinado ao 7º

ano, constitui-se por três projetos, desenvolvidos em 3 unidades, num total de 9 unidades.

Cada unidade apresenta de dois a três textos para que um determinado tema seja

trabalhado. As seções de cada unidade, no geral, se repetem na maior parte delas, mas não

seguem uma ordem tão rígida como no manual da década de 80. A seção à qual daremos

enfoque é a chamada “Linguagem Oral”, presente em oito das nove unidades (exceto na

quinta) do manual.

Como já foi anteriormente comentado, o manual em questão foi aprovado na avaliação

do PNLD/2014 e sua crítica consta no Guia de livros didáticos de Língua Portuguesa dos anos

finais do Ensino Fundamental (2014). Segundo o Guia5, a coleção faz bom proveito dos

gêneros orais para colocar a norma e o uso em confronto e trabalhar tópicos gramaticais. A

oralidade é abordada por meio da perspectiva dos gêneros discursivos e apesar da pouca

ênfase em variação linguística, há preocupação com aspectos formais, questões prosódicas e

fonéticas e orientação acerca dos diferentes registros. Embora o trabalho com a oralidade seja

5 A partir desse momento, chamaremos apenas por Guia o Guia do PNLD/2014.

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mais sucinto que com os demais eixos, o Guia julga que é suficiente para refletir sobre as

diferentes modalidades e os usos em diversas situações de comunicação.

No Manual do Professor, os autores destacam como objetivo a reflexão acerca dos

participantes da interlocução e da adequação do texto às condições de produção e à situação.

Explicam que trabalham com a ficcionalização de situações de comunicação real, sobretudo

por meio de jogos teatrais, encenações de diálogos, entrevistas, debates, leitura em voz alta,

seminários e exposição oral.

Para análise, foi selecionada a unidade 4 do Projeto 2, cujo nome é Clube de

Correspondências. Os temas de cada um dos projetos guiam a seleção dos gêneros que serão

trabalhados no decorrer das unidades. No quadro abaixo, podemos visualizar a estrutura de

tal unidade.

Quadro 2: Português nos dias de hoje (2013)

PROJETO 2

UNIDADE 4 - A carta pessoal e o e-mail

TEXTOS SEÇÕES

Vivina de Assis Viana e Ronald Claver, Ana e Pedro

- Para entender o texto - As palavras no contexto

Suilly de O. L. Morallis, Sem título (carta pessoal)

- Gramática textual

Sem título (e-mail) - Linguagem oral - Ortografia e pontuação - Reflexão sobre a língua - Prática de linguagem - Produção escrita - Para ir mais longe

Fonte: Português nos dias de hoje, 7º ano

Na seção Linguagem Oral, abordam-se os tópicos de “hesitação e reiterações”, subtítulo

da seção (“Análise da língua oral: marcadores de hesitação e reiterações”). Ainda que a

unidade tenha como foco as cartas pessoais e os e-mails, o gênero escolhido para esta seção

foi diferente. Os autores inserem um trecho de um programa de rádio sem identificação de dia

e hora para tratar de uma decupagem. Refere-se a um jargão utilizado no domínio midiático

cujo conceito está definido no início da seção para o aluno - de um trecho de um programa da

rádio CBN no qual o locutor faz um anúncio e, posteriormente, realiza uma entrevista com o

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arquiteto e cenógrafo José Carlos Serroni. O formato do texto é uma espécie de transcrição de

um trecho falado, que segue as técnicas formais da decupagem.

Após ser solicitada a leitura do texto pelo aluno, seguem quatro questões. Na primeira,

subdividida em três itens: localização de trechos em que o aluno faz a leitura de um roteiro

previamente preparado e trechos em que há fala espontânea; identificação dos “elementos

típicos da oralidade” presentes no trecho de fala espontânea e, resposta pessoal: “por que há

tantas pausas na língua oral?”. Os itens a e c permitem alguma reflexão sobre os

procedimentos da modalidade oral. No item b, a resposta esperada segundo o Manual do

Professor é que os alunos digam que “os elementos típicos da oralidade mais evidentes do

texto são as pausas e as hesitações”. Porém, no capítulo em questão, não foi esclarecido

anteriormente que pausas e hesitações são marcas de oralidade, nem foi explicado que o texto

apresentava essas marcas; e nem solicitado que o professor o explicasse. Após a primeira

questão, há enfim um quadro colorido com um trecho que reflete acerca da questão da

simultaneidade entre o planejamento e a execução da fala, esclarecendo que quando

produzimos um texto oral, inevitavelmente, hesitamos e retomamos alguns pensamentos. Na

segunda questão, o autor solicita que o aluno identifique as marcas de hesitação mais

frequentes na decupagem, esperando que ele responda “tô”, “eh”, “hum, hum”, “a gente”,

“não”, entre outras. Pensando que um aluno do sétimo ano pode não estar habituado com as

palavras “hesitação” e “reiteração” – como é utilizado no subtítulo do capítulo – e que, muito

provavelmente, não conheça o significado desse conceito para a linguística, é improvável que

ele identifique esses elementos como marcas de hesitação.

Segundo Marcuschi (2006), a hesitação é um “fenômeno linguístico típico da oralidade”

(p. 48) e um “fenômeno de processamento” (p. 49) e sua função é “ganhar mais tempo para o

planejamento/verbalização do texto” (p. 47). Assim, esse fenômeno pode ser considerado

uma falha na formulação do enunciado oral que acaba provocando rupturas na fala. Para o

teórico, manifesta-se de distintas formas como: silêncios prolongados, expressões hesitativas

e/ou alongamentos vocálicos (éh, hm, ahn, mm etc), repetições de itens formais ou inícios de

unidades sintáticas oracionais com algum problema que são, posteriormente, refeitos ou

retomados.

De acordo com essa conceituação, haveria muitas outras possibilidades de marcas de

hesitação no texto, como silêncios prolongados – representados graficamente por “/.../” -,

“ehh”, “que/ que”, “um /... uma” “na/ na/ na/ na”, “que vai/ que está”, “eh”, entre outros que

não estão sugeridos como resposta. Do mesmo modo, expressões como “tô”, “a gente” e “não”

não parecem caracterizar hesitação quando aparecem no texto lido.

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Voltando às questões, na terceira, é pedido que o aluno anote palavras e expressões

que se repetem no texto. O que se pode compreender dessa atividade é que o material

coletado se constitui também de marcas de hesitação, porém, o método não o deixa claro. Por

fim, a última atividade da seção Linguagem Oral é um jogo teatral onde os alunos deveriam

simular uma entrevista para o exercício da prática oral. Como não há um roteiro para as

perguntas e respostas, a recomendação é que os alunos escolhessem um assunto que os

interessem e que dominem, de modo que as perguntas e respostas sejam executadas da forma

mais espontânea possível. A atividade consiste então em que as duplas façam suas entrevistas

e, durante cada uma delas, todo o restante da sala preste atenção e anote as marcas de

hesitação que identificaram, checando se houve pausas, repetições e reiterações para que,

após todas as apresentações, as conclusões sejam discutidas em conjunto.

Observando as diferentes práticas empregadas no ensino da modalidade oral em livros

didáticos das décadas de 1980 e de 2010, podemos, cuidadosamente, sondar quais

abordagens se mantiveram e como se deu a mudança de algumas práticas em função das

novas estratégias de ensino. Sabendo que o manual Português Oral e Escrito. Novas Lições

(1986) fora um livro representativo e bastante inovador para o período, podemos notar

muitas perspectivas mais modernas que já se faziam presentes em suas abordagens.

Nesse livro, ao explorar seus exercícios, percebemos que já era uma preocupação

inserir as situações de comunicação e os níveis de linguagem ao ensino – como o próprio

autor declara no Manual do Professor -, porém esses conceitos vêm camuflados nas atividades

e até mesmo para o professor, como se fossem um conhecimento e uma nomenclatura um

pouco avançados para serem colocados num livro didático na época. Como o próprio Preti

(2002) sugere, alguns gêneros – como a reportagem, a compra e venda de um produto – já

eram dramatizados de modo que simulassem a imersão do aluno naquelas situações de

comunicação.

Todos esses aspectos se mantêm no livro didático de 2013, mas desta vez, são mais

explícitos, como se atualmente estivessem sendo aplicados ao ensino de forma mais segura. O

trabalho com os níveis de linguagem e com as abordagens por meio das situações de

comunicação, na década atual, são executados de um modo mais evidente, tanto para o

professor quanto para o aluno.

Mudam-se os tempos, mudam-se as abordagens. A diferença de foco entre os períodos

é a ausência de sistematização e de nomenclaturas mais técnicas. Em Português oral e escrito:

novas lições, os níveis de linguagem estão presentes, mas a norma culta ainda é,

explicitamente, o ponto principal, e os exercícios de “Treinamento Oral” também o estudo da

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gramática. Os gêneros do cotidiano são trabalhados nas atividades, mas os níveis de

linguagem não são formalmente diferenciados: estão presentes, mas ainda não são

caracterizados como possibilidades distintas adequadas para usos específicos.

Embora ainda não haja uma abordagem explícita por meio dos gêneros, para nenhuma

das duas modalidades, eles também já eram utilizados e trabalhados de uma forma mais

discreta. Nas atividades analisadas, há propostas de trabalhos com distintos gêneros: a

entrevista, a exposição oral em sala de aula, o resumo, o anúncio, entre outros. O que

diferencia esse tipo de tratamento do atual é que antes lhe era atribuído um caráter mais

lúdico e menos sistematizado.

Como o trabalho com os gêneros orais ainda não era aplicado de forma sistemática, não

havia orientações quanto às especificidades de cada gênero, como entonação, grau de

formalidade, estilo, tom de voz, postura, gestualidade, ritmo, pausas, citados por Teixeira

(2012) como especificidades que caracterizam cada gênero. Mas, por outro lado, o fato de não

haver tanto sistematização dava mais espaço a novas possibilidades e estimulava a

criatividade do aluno, além de que as tarefas eram formuladas de modo que exigissem

habilidades como escuta atenta, reflexão, descrição de situações, formas de persuasão, entre

outras.

Além das transformações políticas, sociais e culturais por que passamos nas últimas

décadas, a evolução das teorias linguísticas e de suas aplicações ao ensino foi fundamental

para fazer progredir as abordagens da língua pelo livro didático. Em Português nos dias de

hoje (2013), são propostas, ao longo de todos os capítulos, reflexões sobre as possibilidades

da língua e as adequações para cada situação de comunicação.

Se o manual apresenta alguns trabalhos com gêneros orais, a abordagem da expressão

oral por meio das situações de comunicação não se efetiva e acaba não se desenvolvendo um

trabalho com os gêneros orais. Em muitos momentos, são propostos trabalhos que

ficcionalizam situações de comunicação e se distanciam da realidade. Nesse sentido, o

método proposto por Português nos dias de hoje explora aspectos formais da oralidade,

detalhes que antigamente não eram acatados pelo ensino de língua materna, mas a forma de

apresentação para os alunos é com ilustrações que pouco convidam o estudante a se manter

na leitura e na discussão oral.

Considerações finais

Duas coleções didáticas produzidas em décadas diferentes mostram o quanto o ensino

com a oralidade exige uma base teórico-metodológica dos autores. Na coleção da década de

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1980, o trabalho com diferentes modalidades, registros e situações de comunicação tinha

claro encaminhamento teórico, o que permitiu manter uma proposta de produção oral e

escrita. A norma padrão ainda se manteve numa posição privilegiada, como herança da noção

de que falar bem e escrever bem. O aluno era orientado a produzir textos em níveis cultos da

língua portuguesa, ou seja, seguindo as normas urbanas de prestígio.

Assim, ainda que a gramática fosse priorizada, era colocada a serviço da comunicação e

expressão, e não mais tratada como regra absoluta de uma língua considerada um sistema. O

tratamento da oralidade transformou-se em objeto de ensino e se constituiu em um tipo de

linguagem, a “linguagem oral”, como foi identificado com clareza mesmo nos nomes das

seções.

A oralidade do livro didático analisado da década de 2012 estimula o aluno a participar

de atividades orais, embora o tratamento ainda careça de sistematizações.

Resumindo, a abordagem do eixo da oralidade pelos livros didáticos analisados ainda

precisa ser aperfeiçoada em função do que consideramos o tratamento eficiente para esse

tema, como está discutido nos documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares

Nacionais e o Guia do livro didático de Língua Portuguesa PNLD/2014. Embora a questão da

oralidade tenha sido inserida no ensino entre as décadas de 1960 e 1970 e esteja presente dos

currículos de português, há setores (como os vestibulares) tradicionais do ensino que ainda

supervalorizam os eixos da gramática e da escrita. Enquanto a relação de desvalorização da

linguagem oral e de supervalorização da modalidade escrita e do estudo da gramática se

mantiverem como um jogo de poder e de tensão das forças de quem manda mais, os manuais

didáticos não conseguirão equilibrar o espaço dado entre todos os eixos da língua.

Referências

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São Paulo: Contexto, 2003.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 29

NO TOQUE DAS MATRACAS E DOS PANDEIRÕES:

TRAÇOS IDENTITÁRIOS DO NEGRO E DO ÍNDIO NAS

TOADAS DO BUMBA MEU BOI SOTAQUE DA ILHA

Jeane Oliveira da Silva1 Marcelo Nicomedes dos Reis Silva Filho2

Antônio Carlos Santana de Souza3

Introdução

Sendo o Bumba Meu BOI- BMB4 um elemento tradicional no folclore brasileiro, no

Estado do Maranhão o folguedo representa uma das mais importantes manifestações de

cultura popular e articula uma série de elementos para se pensar, inclusive dentro do seu

espaço musical. A toada, inserida como suporte inegável à brincadeira se distingue como um

recurso que estabelece devoção e respeito à tradição de se brincar BMB, com uma variedade

de temas que recorrem à natureza, lua, amor, devoção aos santos e entidades, relatos da vida

cotidiana e sátira a cantadores de outros grupos é possível por meio da música vocal se chegar

à história de vários sotaques. Vale ressaltar que os grupos de Boi do Maranhão são divididos

em sotaques (estilos, formas e expressões). Entre os sotaques estão: Sotaque de Matraca,

Sotaque de Zabumba, Sotaque de Orquestra, Sotaque da Baixada, Sotaque de Costa-de-Mão.

Para iniciar essa discussão partiremos da premissa de que a toada aqui em foco é

dotada de valor e significado, contextualizada sobre influências que a conduzem como

elemento facilitador na compreensão de identidades negras no BMB, a problemática dessa

pesquisa insiste nos seguintes questionamentos: qual a relação do BMB com religiões afro-

brasileiras; como a toada relata a retórica identitária negra e indígena.

1 Graduanda do Curso de Licenciatura em Linguagens e Códigos pela Universidade Federal do Maranhão UFMA,

Campus São Bernardo e vinculada ao Grupo de Linguagens, Cultura e Identidades – GPLiCI da UFMA e-mail:

[email protected] 2 Professor do Curso de Licenciatura em Linguagens e Códigos da Universidade Federal do Maranhão -UFMA, Campus

São Bernardo, Doutorando em Letras – Linguagem e Sociedade pelo PPGL da Unioeste, Mestre em Educação pelo

PPGE da UCB e Pesquisador da Cátedra Unesco de Juventude, Educação e Sociedade –Universidade Católica de

Brasília –UCB e do Grupo de Linguagens, Cultura e Identidades – GPLiCI da UFMA [email protected] 3 Mestre e Doutor em Linguística. Docente do Programa de Mestrado em Letras da Universidade Estadual de Mato

Grosso do Sul. Campo Grande-MS/Brasil. E-mail: [email protected] 4Bumba meu boi ou boi-bumbá é uma dança do folclore popular brasileiro, com personagens humanos e animais

fantásticos, que gira em torno de uma lenda sobre a morte e ressurreição de um boi.

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O presente artigo se concentra na análise de quatro toadas5 do BMB de Maracanã,

sotaque de matraca: Veleiro Grande, Upaon Açu, Reis da Encantaria, Maranhão meu tesouro,

meu torrão, com vistas ao sotaque da ilha, um dos cinco sotaques originais de São Luís. A

pesquisa tem como objetivo geral descrever de que modo se representa a presença do negro e

do índio nas toadas do BMB, sotaque da ilha, com os objetivos específicos busca-se expor uma

compreensão sobre as ligações do BMB com religiões afro-brasileiras; apresentar

perspectivas teóricas sobre cultura e identidade. Nesse contexto, o embasamento teórico

deste artigo respalda-se nas teorias de Homi K. Bhabha (1998) Stuart Hall (1999) e Clifford

Geertz (2008), autores que pautam estudos na área de cultura e identidade, com uma

metodologia de análise bibliográfica descritiva qualitativa, favorece o alcance dos resultados.

Conceitualmente, esta pesquisa abre espaço para discussão sobre religiões de matriz

africana e suas ligações com o folguedo, amplia a possibilidade de um entendimento sobre

cultura e identidade, especialmente sobre a toada como expressão de relações étnicas dentro

do sotaque em questão. Em suma o Maranhão estado rico em diversidade dispõe de um

considerável número de expressões culturais populares e se torna panorama de importantes

discussões em torno da cultura popular.

As ligações do BMB com religiões afro-brasileiras

Os elementos aqui pautados para se estudar as relações do BMB, tornam-se um campo

importante para a pesquisa dado também a presença constante das dinâmicas religiosas em

rituais da brincadeira que ampliam o sentido, as práticas e os ideais que se apresentam em

formas de cultos e cerimônias ocorridas entre os bois de terreiro.

Parece assim que a religiosidade é um elemento de desenvolvimento harmonioso do

ser humano em razão da sensibilidade, isso confirma a presunção deste trabalho sobre a valia

dos cultos afro-brasileiros dentro do BMB. Como diz Sanches (2003) que diz:

[...] os aspectos religiosos presentes no bumba-boi não se restringem apenas a

sua relação com o catolicismo, imbricam símbolos, mitos e ritos de várias crenças e origens. O catolicismo ali se entrelaça a ―encantaria‖ dos terreiros

afro-maranhenses onde se cultuam orixás e voduns6 jêje/nagô, ―nobres,

5 As toadas são músicas criadas e cantadas pelos amos, cantadores ou mandadores dos grupos de Bumba meu boi

acompanhadas pelo coro formado pelos brincantes e, ocasionalmente, pela coordenação da sequência de composições apresentadas pelos outros amos/cantadores (IPHAN, 2011, p.68). 6 Vodus ou vudus (do gbe vodún, "espírito") são a designação genérica, no Brasil, das divindades do panteão jeje (ewe

e fon, falantes da língua gbe) que, nas Américas, foram parcialmente sincretizados com orixás iorubás e santos católicos.

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gentis‖, entidades brasileiras como caboclos índios e seres da mitologia

indígena como mãe d‘água, curupira e uma infinidade de outros (SANCHES,

2003, p.12. FERREIRA et al. 2014 p. 5)

Dessa forma, as religiões afro-brasileiras são um elemento singular na brincadeira do

BMB por enfocar o negro e seus costumes em sua totalidade, há uma consciência por parte

dos brincantes do pertencimento a determinados grupos, essa proximidade que estabelece

laços e uma relativa sintonia, se depara com significado e o sentido para tamanha devoção e

prestígio pela brincadeira onde santos e entidades são cultuadas e conciliam tradição com fé e

valores que são visivelmente preservados. Para exemplificar essa enunciação é relevante,

destacar a reverência aos santos católicos São João, São Marçal, e São Pedro e a entidades

espirituais cultuadas nos terreiros do Tambor de Mina7. Segundo Ferreti descreve:

É a manifestação religiosa afro-brasileira típica do Maranhão. Surgiu em São

Luís antes da escravidão, mas, há muito saiu da capital e foi levado para as

cidades litorâneas e do interior do estado, onde se integrou a tradições

religiosas locais. (FERRETI 2008, p. 02)

Todavia, essa reflexão em torno da religião mostra-se intencionada em manter o

sincretismo, característica própria da cultura nacional em especial nas festas populares, assim

torna-se um caminho pautado pela possibilidade do homem em estabelecer uma concepção

de mundo e de sociedade. Todavia, ao buscarmos elementos para compreender as marcas

religiosas no BMB oriundas dos Terreiros da Mina, aos quais são evocados santos, entidades,

voduns, orixás articulados ao ciclo de apresentações e em toadas entendemos que as religiões

afro-brasileiras trazem para o BMB a postura de reafirmar o significado da fé, do povo e

mundo e a fidelidade a essas representações religiosas intensificam signos, valores e

compartilham saberes dentro do folguedo. Sobre sincretismo Ferreti comenta:

[...] o sincretismo8, elemento essencial de todas as formas de religião, está

muito presente na religiosidade popular, nas procissões, nas comemorações

dos santos, nas diversas formas de promessas, nas festas populares em geral.

7 O tambor de Mina é uma manifestação ritual religiosa, trazida pelos negros africanos escravos para a Casa das Minas

no Maranhão, com características ao Candomblé da Bahia, e que consiste resumidamente numa dança em circular, onde os participantes, chamados de cavalos, médiuns, ou aparelhos recebem, conforme o toque da música, a entidade ou caboclo (MARQUES, 1996, p. 109). 8 Sincretismo é a absorção de um sistema de crenças por outro. Isto ocorreu, por exemplo, quando o cristianismo

absorveu e adaptou conceitos das religiões da Europa, moldando-os de acordo com os interesses da Igreja Católica numa tentativa de facilitar a propagação da religião cristã no continente europeu. Um exemplo é a festa cristã do Natal, originalmente uma festa pagã que celebrava o solstício de inverno e o nascimento anual do Deus Sol mas que a Igreja Católica transformou na atual celebração do nascimento de Jesus Cristo.

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Constatamos que o sincretismo constitui uma das características centrais das

festas religiosas populares. (FERRETI, 2007, p 4)

De um lado a cultura popular segue privilegiando as tradições regionais e relações de

grupos e suas histórias, no lado oposto a devoção evidencia o lado sensível dos que fazem a

brincadeira considerando propósitos a seres ali invocados como se estes mediassem o visível

ao oculto, dessa forma revela convicções e memórias. Nesse contexto o folguedo reconfigura

um mundo de possibilidades fazendo pensar que dele algo pode completar a razão essencial

de sua obra, pelas categorizações, vínculos, crenças e intenções entre o sagrado e o profano

ainda que não represente algo concreto.

Referindo-se à entidades da linha de cura ou pajelança9 do Tambor de Mina, podemos

indicar: Seu Antônio Luís seu Surrupira, Jurupiranga, Mestre Laurindo, Dom Sebastião, linha

das princesas, linha das águas, dos pássaros, dos peixes, etc. Muitas dessas divindades gostam

de brincar BMB portanto os bois de terreiro se configuram como um mecanismo de resgate e

valorizações de movimentos da cultura negra. Ainda na argumentação de Ferreti e suas

observações sobre os indivíduos míticos dos bois de Terreiro da Mina, o autor comenta que:

Entre as demais entidades cultuadas nos terreiros de Mina (excetuada a casa

das Minas jeje), destacam-se os que são chamados gentis ou gentilheiros ou

também fidalgos. São entidades nobres, reis, príncipes e princesas, que se

agrupam também em famílias. Entre eles podemos indicar: Dom Pedro

Angassu, Rainha Rosa, Rainha Dina, Rei da Turquia, Dom Manuel, Rei

Sebastião, Dom João, Barão de Guaré, Dom Luís Reis de França, Dom Henrique

Dom José Floriano, Rei da bandeira, Dom Miguel, Princesa Flora, Rainha

Madalena e muitos outros. Diversos deles vêm na Casa de Nagô como em

outros terreiros. (FERRETI. 2005, p. 6).

Eis porque o homem é culturalmente influenciado por simbologias presentes nas

diversas manifestações religiosas, ainda que esta não represente algo concreto mas baseia-se

na história e vivência de cada um, desse modo o indivíduo encontra numa perspectiva utópica

a razão da existência humana. As contribuições da religião afro-brasileira para o

9 “A afirmação da origem indígena da pajelança de terreiro se apoia principalmente: no conhecimento de uma

etimologia tupi para a palavra pajé; no uso tradicional pelos curadores e pajés de terreiro, em seus rituais, de maracá (instrumento musical usado por pajés indígenas), cigarros para produção de fumaça, usada nos atendimentos a clientes, e da técnica de extração de ´porcarias´ (espinhos, insetos etc.) do corpo dos clientes, para tirar feitiço - muitas vezes chupando uma parte do corpo do cliente, também usada por pajés indígenas, conforme descrição de METRAUX (1979)”. (In: FERRETTI, M. Cura e pajelança em terreiros do maranhão (Brasil, apresentado em 18/3/2008 no Curso de Aperfeiçoamento em Antropologia Médica – Università degli Studi di Milano Bicocca – Itália. Retoma texto apresentado em Mesa Redonda do VIII Encontro da ABANNE – São Luís, 1-4/7/2003 – intitulado: Tambor de curador e pajelança em terreiros maranhenses. Publicado em I Quaderni del CREAM, v.8, 2008. Disponível em: http://gurupi.ufma.br:8080/jspui/1/197)

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aprofundamento do estudo no BMB, por sua vez, revelam os impactos e os sentidos das

dinâmicas que BMB possui.

Da mesma forma o negro tem sido essencial sob uma perspectiva sociológica no

sentido de agregar costumes, práticas, identificações e referências permeadas às questões de

identidade e cultura por isso importa frisar que a história da etnia implica nos hábitos acerca

da sua visão de mundo, sendo que suas práticas constituem um imaginário místico, um legado.

Como escreve Eagleton “A cultura pode ser entendida como um conjunto de valores, crenças,

costumes e práticas que caracterizam o modo de vida de determinado grupo social”.

(EAGLTON 2005, apud COELHO e MESQUITA. 2013, p.27). Diante dessa conjuntura a

diversidade de determinados grupos sociais com imposição de valores, crenças e costumes

que reafirmam identidades.

Dentro da complexidade que envolve a cultura abordá-la nessa perspectiva implica

uma reflexão acerca da identidade, num enriquecimento das relações que permeiam os

princípios inerentes à cultura popular, especialmente na toada do sotaque da ilha (matraca) e

também pensar que a “Identidade cultural10 de um grupo só pode ser compreendida ao se

estudar suas relações com seus grupos vizinhos” (CUCHE. 1999, p.14).

A partir dessa perspectiva refletimos sobre os vínculos de identidade condicionados ao

tempo e espaço em que ocorrem no BMB e reproduzem um permanente diálogo entre

homem, mundo e sua história. Na brincadeira, há uma dimensão simbólica, identidades,

utopias, práticas, concepções de sujeitos e o prestígio aos santos católicos e entidades

cultuadas em Terreiros do Tambor de Mina, nesse espaço entrelaçado entre sagrado e

profano abriu-se um espaço à recriação do novo. Portanto a identidade cultural é estruturada

sobre um panorama de possibilidades e sem dúvida torna-se uma linguagem capaz de

estabelecer diálogos necessários à compreensão de hierarquias.

Cultura e Identidade: Perspectivas teóricas

A cultura como um elemento de criação, torna-se um espaço amplo de recriação de

identidades, podendo ser considerada uma mola propulsora de acesso à história. Diante da

sua complexidade o ser humano evolui e se integra, assim adquire novos sentidos e

significados em torno do seu mundo. Geertz descreve:

10

Identidade cultural é o sentimento de identidade de um grupo, cultura ou indivíduo, na medida em que este é influenciado pela cultura do grupo a que pertença.

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A cultura como algo que não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos

casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou

os. Processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles (os símbolos) podem

ser descritos de forma inteligível_ isto é, descritos com densidade. (GEERTZ

1978, p.24 apud TURRA NETO, 2004).

Considerando a visão do autor é necessário compreender a cultura pela sua essência,

desvendá-la no espaço onde se situa por não ser neutra, tampouco única, ela pode ser vista

como um encadeamento em série de práticas, heranças e costumes de determinado grupo

social. Visando nesse âmbito a noção de identidade cultural uma vez que uma complementa a

outra. Essas interrogações sociológicas que permeiam o contexto de identidade cultural na

toada do sotaque da ilha (matraca) vêm se firmando em ideologias fortemente pautadas pelo

hibridismo cultural em vista disso articulam significados e constroem singularidades na

música vocal.

Hall em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade nos oferece uma síntese

elucidativa sobre identidade cultural

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades

que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há

identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo

que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas (HALL. 1997,

p.13).

A teoria elaborada por pelo autor é importante para a análise das toadas selecionadas

por apresentar um conceito de identidade cultural a música do BMB, como será demonstrado

na análise de dados é evidente a relação entre sujeito afro indígena acerca do que dela se

escuta. A toada traz para o BMB um panorama de referenciais fixos entre um polo e outro,

assume posturas de grupos sociais negros e indígenas.

Tais etnias se afirmam constantemente na cultura popular e pode ser definida como

instrumento de reformulação de pensamento com relação ao meio em que se vive, onde o

indivíduo torna-se capaz de ampliar seu conhecimento e seu potencial criativo. Assim,

representa o mundo, o homem, a vida, pelas diversas formas que se manifesta.

Toada: Expressão de um canto como identidade étnica no sotaque de matraca (ilha)

Inserida no BMB como um importante elemento musical, legitimado com as

experiências vividas que cercam o mundo dos amos cantadores e dos brincantes do folguedo,

a toada adequa-se às características do BMB em diferentes fases das apresentações que segue:

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o guarnicê ou guarnecer quando o amo do boi reúne os grupos para os ensaios, o lá vai; que

avisa aos demais que os brincantes estão indo ao local de apresentação, o chegou; quando o

boi avisa os presentes de sua chegada. O traz o boi ou vai buscar para apresentá-lo no centro

da roda formada pelas outras personagens. A licença; que é a permissão para a apresentação

ao público, a próxima toada é o depoimento, quando são abordados temas diversos. A

saudação; para louvar o boi e ao dono da casa, o urrou; para celebrar o restabelecimento do

boi após o sacrifício, e a despedida11; quando se encerra a brincadeira. Cada etapa da

manifestação torna-se um portal entre o real e imaginário. Essa interação torna-se ainda mais

enriquecedora de maneira que a cada música entoada os brincantes adquiram mais

intimidade com a brincadeira.

Sabendo que a toada é um importante movimento na cultura popular que, necessita ser

problematizada para além dos propósitos pertinentes acerca da música, a fim de que se

compreenda sua dimensão social no sentido de colaborar na reflexão sobre identidades,

nestes termos que Ferreira et al se manifestam:

Os cânticos entoados no bumba meu boi são, portanto, importantes elementos para aferir-se em que medida o valor afro brasileiro se faz presente no contexto da cultura popular, possibilitando a construção de uma identidade étnica. (FERREIRA; SILVA FILHO; SILVA, et, al. 2011, p. 02)

Nesta perspectiva é possível compreender que a toada está associada com a noção de

identidade cultural por estabelecer um diálogo com etnias e simbolizar o respeito na medida

em que profere discursos. Diante desses conceitos é interessante observar as relações com as

religiões afro-brasileiras na toada Reis da Encantaria do Boi de Maracanã neste caso,

proponho uma reflexão acerca do sincretismo religioso ao expor elementos de matriz africana

e ameríndia em suas argumentações ligadas a crenças e reverências à seres da encantaria

maranhense, o cantador amplia esses eventos simbólicos. Considerando os dados ora

supracitados, seguem traduzidos e transcritos, de forma explícita, quatro toadas do BMB de

Maracanã.

Com o objetivo de sintetizar a análise dos traços identitários, a seleção das músicas

ocorreu com base na notoriedade que cada uma ocupa no cenário da cultura popular

maranhense. No exemplo 1 da sessão A, coloca-se a toada Reis da Encantaria e suas possíveis

11

Guarnecer no bumba meu boi maranhense significa reunir, preparar, arrumar o conjunto para dar início à brincadeira. Também é toda toada cantada no instante de arrumar o cordão para deslocar-se ou apresentar-se. Guarnicê é a forma como o termo é pronunciado pelos brincantes, (AZEVEDO NETO, Américo. Bumba meu Boi no Maranhão. São Luís: Alcântara,1983).

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relações étnicas. Sobre a análise do trecho é possível fazer as seguintes observações, de

acordo com a bibliografia analisada.

a) Toada Reis da Encantaria-BMB de Maracanã

Salve os terreiros; Que o pai Oxalá;

Turquia, Casa das Minas; E a Casa de Nagô;

Viva Deus; Viva as Rainhas;

E os Reis da Incantaria; Rei Badé; rei Verequete;

O Rei da Alexandria; Rei Guajá, Rei Surrupira,

Rei Dom Luís, Rei Dom João; Rei dos feiticeiros, dos Exus e Rei Leão;

Rei Oxóssi, Rei Xangô; Rei Camundá, Xapanã; E Barão Reide Guaré;

Proteja o Boi do Maracanã; Rei da Bandeira, o Rei da Maresia;

Rei de Itabaiana, Salve o Rei da Bahia.

E os Reis que eu não falei em verso, Falo no meu coração.

Salve o Rei dos Índios; Salve o Rei Sebastião.

A toada acima descrita expõe devoção, fé e ideologia ao sincretismo religioso. Ao

reverenciar Oxalá o cantador se refere ao Deus supremo detentor de poder masculino de

matriz africana, logo em seguida ao saudar Turquia, Casa das Minas e a casa de Nagô, ele

também se refere ao terreiro mais antigo do Maranhão (Casa das Minas) fundado na primeira

metade do século XIX e chefiado por mulheres, mistura elementos do branco e do índio,

dentro do tambor de mina, e destaca o culto aos encantados. A Casa de Nagô a matriz de todas

as casas de culto africano em São Luís.

Com a expressão Viva Deus o amo demonstra a devoção ao ser superior do catolicismo,

visto que, o cantador expõe o respeito e fé, adiciona-se a isso, a situação difícil em que se

encontravam os escravos por não poderem expressar a fé.

Ao adorar os Reis da encantaria Rei da Bandeira, o Rei da Maresia; Rei de Itabaiana

salve o Rei da Bahia. E os Reis que eu não falei em verso, falo no meu coração. Salve o Rei dos

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Índios; Salve o Rei Sebastião, o cantador nos direciona ao universo místico e lendário da

cultura popular maranhense. Tomando como parte o Rei da Bandeira, nos remete a lenda de

João da Mata, guerreiro que teria se encantado na Pedra de Itacolomi, nessa perspectiva de

suposição de pulsão, de existência ao outro, o cantador firma uma base para suas convicções

na essência do imaginário. De acordo com a cultura como explica Geertz (1978).

Um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas penetrantes e

duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de

conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com

tal aura de fatualidade, quais disposições e motivações parecem

singularmente realistas (GEERTZ, 1978, p 105 apud RANGEL 2011).

A argumentação do autor deixa claro que a religião não só amplia nossa visão a partir

do momento em que expressamos a nossa própria concepção do que é colocado a nossa

existência , aos quais nos levam a descobertas e soluções práticas no mundo. Através dela o

homem é capaz de reafirmar a sua existência. Abaixo seguimos com a análise da segunda

toada.

b) Toada II – Upaon Açu. BMB de Maracanã

Upaon Açu é São Luís presente

Tinha vinte e sete aldeias Hoje em alguns povoados moram os seus descendentes

Inhauma, Taim, Tendal, Mojó. Cumbique, Uarapirâ

Juçatuba, Iguain, Tajipuru. Araçagi, Miritiua, Turu e Maracanã.

Arapapaí, Mapaúra, Itapicuraìba. Tibirei, Mocajutuba, Itapera,

Pinandiba Parnauaçu e Maioba, Pindaí, Ubatuba e Vinhais.

Panaquatira e Igara As aldeias da Ilha foram dos Tupinambás

Juniparã era uma aldeia.

As relações interétnicas por referência social aparecem nesta toada em duas estrofes.

Na primeira Upaon Açu é São Luís presente Tinha vinte e sete aldeias. Na toada Upaon Açu o

cantador relata aspectos inerentes ao contexto histórico da região, hoje chamada de São Luís o

cantador narra na toada às vinte e sete aldeias que povoaram a ilha e nomearam bairros,

muito tiveram os nomes modificados outros mantém como nos versos seguintes: Araçagi,

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Miritiua, Turu e Maracanã.

Na segunda estrofe as Aldeias da Ilha foram dos Tupinambás Juniparã era uma aldeia,

o cantador deixa ainda mais claro a reverência a essa fusão social. Essa aldeia a qual se refere

foi a maior que já existiu em São Luís assim a toada Upaon Açu promove uma valorização ao

sujeito indígena, visto que a etnia em questão, contribui para as práticas sociais do Maranhão.

O amo compõe com base em seus laços, vivências, historicamente consolidadas à partir de

diversas linguagens. Vê-se o sentido de reciprocidade e de convivência interétnica que esses

elementos são capazes de promover, nesse contexto, o BMB como manifestação autêntica das

culturas.

Abaixo seguimos om análise da terceira toada de BMB de Maracanã

c) Veleiro grande- BMB de Maracanã- 2012-faixa 13

Eh Veleiro Grande

Cuidado com a pedra de Itacolomi

E touro negro anda sobre a maresia

Benzeiro Grande eu sempre canto pra ti

Morro branco de areia da praia do

De lá avistei a sereia da Baía de Cumã.

O posicionamento do cantor e compositor expõe o diálogo entre o misticismo, lendas e

tradição. No verso Itacolomi, touro negro, Benzeiro Grande, sereia da baía de Cumã há

características interétnicas, misticismo e o sentimento de pertença às religiões afro-

brasileiras. Ao entoar a palavra Itacolomi o cantador faz alusão a lenda que se refere à João da

Mata, fidalgo português, denominado Rei da Bandeira, que teria se encantado na pedra de

Itacolomi.

Para corroborar o universo místico na toada Veleiro Grande, outro elemento é

colocado, a expressão Touro Negro, outro elemento da Encantaria maranhense. Ainda nessa

estrofe ao saudar Benzeiro Grande e Sereia da Baía de Cumã faz uma espécie de fluxo

continuum ao sincretismo religioso que envolve o folguedo, pois alude aos cantos e louvação á

entidades religiosas de matriz africanas.

Ao expor elementos das etnias negra e indígena, o cantador faz uma criação poética e

enfática advinda da região. Há um diálogo entre a música do BMB de Maracanã e a Encantaria

maranhense. Essa junção de características étnicas resulta em identidades. Na próxima toada

novamente um jogo sonoro, mas agora o cantador acentua a sua afeição pelo estado onde vive,

como demonstramos na análise abaixo.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 39

d) Maranhão meu tesouro, meu torrão- BMB de Maracanã.

Maranhão, meu tesouro, meu torrão.

Fiz esta toada, pra ti Maranhão; Maranhão, meu tesouro, meu torrão.

Eu fiz esta toada, pra ti Maranhão. Terra do babaçu,

Que a natureza cultiva Esta palmeira nativa

É que me dá inspiração Na praia dos lençóis

Tem um touro encantado E o reinado

Do rei Sebastião

Sereia canta na proa Na mata o guriatã

Terra da pirunga doce E tem a gostosa pitombotã

E todo ano, a grande festa da Jussara. No mês de Outubro no Maracanã

No mês de Junho tem o bumba meu boi.

Que é festejado em louvor a São João O amo canta e balança o maracá

A matraca e pandeiro

É quem faz tremer o chão Esta herança foi deixada por nossos avós

Hoje cultivada por nós Pra compor

Tua história, Maranhão.

O sujeito cantor quis mostrar prestígio pela herança identitária, no verso Maranhão,

meu tesouro, meu torrão. Fiz esta toada, pra ti Maranhão, o cantador Humberto de Maracanã

apoia-se fundamentalmente nas características regionais que permitem por diferentes vias

expressar respeito e admiração pelo estado em que vive. Tem-se nessa toada exaltação à

natureza, às lendas místicas e imagens regionais, aos aspectos geográficos.

Na estrofe Terra do babaçu, Que a natureza cultiva Esta palmeira nativa É que me dá

inspiração, nesta perspectiva se insere o corpo social local. Como elemento determinante da

diversidade, pode-se dizer que o cantador assume a postura de levar o ouvinte a reconhecer a

dimensão cultural do estado.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 40

Em outra estrofe Na praia dos lençóis Tem um touro encantado E o Reinado do rei

Sebastião Sereia canta na proa Humberto de Maracanã conduz na letra uma parte do lendário

que envolve a cultura regional. A identidade cultural, nesse sentido, torna-se a música

pautada pelas influências no processo de miscigenação e que trouxe novos aspectos à sua

cultura, (re) formando identidades e se consagrando no sotaque da ilha.

Mais adiante no verso O amo canta e balança o maracá A matraca e o pandeiro É quem

faz tremer o chão Humberto de Maracanã ressalta as formas rítmicas do BMB partindo do

realce aos instrumentos de origem ameríndia, a matraca, o maracá e o pandeiro, que se fazem

presentes na maioria dos estilos de BMB e que claramente trazem um estímulo ao plano

musical da brincadeira, o cantador protagonista enfatiza suas influências musicais também, a

partir do momento que coloca o folguedo para além da estética, desse modo denota

referências a uma ancestralidade africana bem como indígena.

As toadas analisadas, embora todas pertençam ao grupo de BMB de Maracanã, sotaque

da ilha, possui em seus discursos, um propósito de relatar experiências, costumes, partilhas e

a expansão da cultura de um modo geral. Tornando a música do estilo aqui em questão

pautada pelas influências étnicas predominantes a cultura da região. No que diz respeito ao

sincretismo religioso herdado que resiste ao tempo e ao espaço e assegura ao BMB como um

elemento vivo e flexível e dinâmico.

Nessa perspectiva contrasta, com o sentimentalismo e subjetivismo da cultura popular,

que idealiza a fantasia como um evento vital, capaz de firmar um alicerce nas convicções do

brincante no folguedo. Nesse contexto, Hall nos diz “A identidade cultural estaria constituída,

por aqueles aspectos de nossas identidades que surgem de nossa pertença”. (HALL 1999, p.8

apud, OLIVEIRA e LIMA 2013 p. 7). Ou seja, nossas identidades são construídas quando

socializamos experiências provenientes dos diferentes modos de conhecimentos, ao construí-

la na coletividade.

Essa demonstração a valorização étnica dentro do produto vocal musical, mostra a

intenção desses sujeitos de despertar no ouvinte, elementos relativos à própria cultura da

região, seja pela referência ao contexto histórico social, seja pelo sentimento de pertença a

determinadas religiões, no caso, as religiões afro-brasileiras, ou até mesmo por suscitar

frequentemente o lendário místico que envolve o sotaque de matraca, assim nos é dada, uma

percepção da história que o cantador vivencia através da toada, que assim, colabora

simultaneamente numa lógica de identidade cultural.

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Há uma série de lógicas que substanciam as intenções nas composições dos amos ou

cantadores, neste sentido essas relações Inter étnicas compreendem uma construção social

cujo, a música torna-se um elemento enaltecedor desses processos coletivos. É precisamente

tais características que justificam a presente abordagem, dentro do universo cultural que é o

BMB sotaque de matraca. Mais do que cantar a toada relata histórias das etnias, constituindo

relações singulares, considerando as ricas possibilidades de diálogo.

Considerações finais

Nesta monografia discutimos os aspectos identitários do negro e do índio na toada do

sotaque da ilha, analisando o trabalho de grandes autores como Stuart Hall, Homi K. Bhabha

Clifford Geertz e Denys Cuche que se dedicam à construção da interface dos estudos culturais

A pesquisa se define como bibliográfica, no qual foram utilizadas análise de material escrito

por autores e pesquisadores da área. A análise dos dados de como a toada opera esse

cruzamento nos serve como mote para discutir as relações que se estabelecem entre o

sotaque em questão, bem como para refletirmos a respeito dos processos de mestiçagem e

como estes ocorrem na toada.

Há que se considerar que fatores historicamente consolidados colaboram para uma

conformidade de relações entre essas linguagens, uma vez que observamos frequentemente

que os amo ou cantadores, estabelecem uma relação de dominância das lógicas de uma

linguagem perante as etnias. Constatando o rico manancial de possibilidades indicadas nos

diferentes cruzamentos entre toada e etnia discutidos neste trabalho, que na área cultural

exibem o propósito de valorizar as memórias de indivíduos capazes de fecundar

entrecruzamentos artísticos densificados na memória da cultura popular da região. Como

argumenta.

Dessa forma, apresentamos a ideia sobre quão importante se faz o resgate e o

desenvolvimento de estudos que combina em cada elemento, formas distintivas de memórias,

uma vez que esta investigação potencialmente pode nos auxiliar a traçar fronteiras entre

ambas as linguagens, aqui por meio da música da cultura popular. Costurando a análise sobre

a audição das toadas, bem como as considerações as peculiaridades desta, percebemos no Boi

de Maracanã contribuições já direcionadas para essa perspectiva, uma vez que seu estilo parte

do ponto de vista de quem viveu e vive seus próprios processos de experiência artística e

tradicional. Nesse contexto, a metodologia, a toada é vista como meio de reavivar no sotaque

à aquisição de tradições e costumes, que podem resultar em formas singulares de se reafirmar

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valores de determinados grupos. Compreende-se que tudo é relatado nas toadas, faz parte da

cadeia simbólica do sujeito (sotaque da ilha) de sua leitura de mundo, e sua própria história,

de forma que façam sentido em suas construções, o que fica na música vocal do sotaque da

ilha tem a ver com a grade de significantes e significados que recortam sua formação, sendo

assim mais do que cantar, significa adentrar algumas histórias de vida pelo viés intercultural

em sua relação com a música, no eterno encontro entre o sotaque e etnias, Assim, mais do que

narrar um auto, a toada fabrica pedaços de uma história.

Nesse contexto, partindo do pressuposto de que essa é causa do sujeito afro- indígena,

pode se perceber que há identidade racial ligada ao objeto sonoro, quando se canta, parte-se

do texto da música, constituir relações singulares com o sujeito, assim a toada sem seus vários

textos e melodias dá vazão, atribui um sentido a um semblante, uma suposição à existência de

culturas que constituem o estilo. Dessa forma, pode e deve utilizar-se do sujeito afro-indígena

para erigir-se de maneira singular, com a contribuição daquilo que esses indivíduos trazem.

Em suma, considerando as ricas possibilidades de diálogo entre toada e o sotaque da ilha,

finalizamos esta monografia com a ideia de que os processos de mistura que envolve a toada

podem abrir efetivamente novos caminhos para a produção de música no sotaque em questão.

Portanto, o canto no sotaque da ilha torna-se uma forma direta de acesso a esses

sujeitos e sua história, por conseguinte, é um espaço facilitador e, culturalmente, permite que

haja a presença desses indivíduos. Este estudo demonstra que o canto no sotaque da ilha,

possibilita uma relação com esses sujeitos. Sendo assim, pensar na toada neste sotaque

remete a uma complexidade maior do que o simples modo de se cantar uma música, a qual

implica uma nova concepção do sujeito cantador-compositor e dos sujeitos que o influenciam.

Para tanto este estudo demonstra que a toada, no sotaque da ilha, possibilita uma relação

entre sujeito que formou o estilo e a música vocal, suas contribuições, costumes e ideais: uma

via que se abre a cultura de um modo geral através do canto.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 45

A CONTINUIDADE DA APRENDIZAGEM DE LÍNGUA

ESTRANGEIRA POR IDOSOS: UMA CONTINGÊNCIA DO

SÉCULO XXI

Fábio Luiz Villani1

Introdução

Quando se fala em aprendizagem uma série de mitos podem ser citados, que facilitam

ou dificultam o aprendizado: quanto mais jovem se é, mais fácil o aprendizado ocorre ou

quando se é mais velho, aprender é mais difícil.

Se essas afirmações são tidas como verdadeiras quando falamos em educação básica,

EJA (ensino de jovens e adultos - antigo supletivo) ou ensino superior, imagine se nos

referirmos a aprendizagem de idosos onde muitos, talvez, com um olhar incrédulo

perguntem: “velhos aprendendo na escola... para que um velho com mais de sessenta anos

desejaria voltar para a escola?”

Por mais assustadora que tal colocação pareça, ainda podemos encontrar, em pleno

século XXI, muitas pessoas que acreditam que o envelhecimento é sinônimo de recolhimento,

doenças, abandono ou saudosas lembranças de um passado longínquo.

Felizmente sabemos que essa é uma interpretação muito pessoal e que nem todos

pensam do mesmo modo ou encaram seu próprio envelhecimento da mesma maneira.

A velhice é um termo impreciso e sua realidade é difícil de perceber. Quando alguém se

torna velho? Aos 50, 60, 70 ou 80 anos? Nada é mais impreciso do que os parâmetros em que

se enquadra a velhice em termos de complexidade psicológica, fisiológica, cronológica ou

moral.

Seria adequado classificarmos a velhice ou a juventude de uma pessoa tomando como

parâmetro suas artérias, seu cérebro, sua facilidade, ou não, para se movimentar ou

quantidade de anos que já se viveu?

É possível estabelecer conceitos aceitos como absolutos em relação ao

1 Professor doutor e pós-doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Professor do curso de Formação Docente Universitária em nível lato sensu e em outros cursos de pós-graduação e da graduação da Faccamp - SP. Atualmente é Diretor de Escola efetivo da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. [email protected]

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envelhecimento?

Acreditamos que ser velho ou estar velho depende, unicamente, de uma tomada de

decisões pessoais diante de situações impostas pela vida cotidiana quando se está saudável.

Neste aspecto é possível transformar a velhice em juventude ou a juventude em velhice.

São esses os aspectos que desejamos discutir neste artigo que trata de aspectos ligados

às crenças existentes sobre a capacidade de idosos voltarem a comunidades de aprendizado

após um longo período afastados das salas de aula.

O motivo principal que nos levou a desenvolver este estudo é o fato de acreditarmos

que o aprendizado pode-se dar em qualquer fase da vida, independentemente do indivíduo

possuir seis ou sessenta anos de idade.

É o que passamos a discutir a seguir.

Mas, antes, apresentaremos a metodologia utilizada para a coleta dos dados dentre o

grupo observado e analisado, haja vista que o artigo surgiu diante da necessidade de se

elaborar um estudo mais aprofundado para o atendimento da necessidade de um professor de

inglês que atuava com alunos com mais de sessenta anos e com muita motivação para

aprender a língua alvo.

Metodologia de coleta de dados

A pesquisa que orienta esta pesquisa e artigo se concretizou pelo oferecimento de um

curso de língua inglesa para alunos com idade superior a 60 anos.

A metodologia de análise dos dados obtidos foi de caráter qualitativo e etnográfico e,

acima de tudo, com base nos elementos de análise da perspectiva fenomenológica estudada

por Van Manen (1990), na reflexão textual das experiências vividas, pois

As experiências vividas ganham significância hermenêutica quando nós (reflexivamente) damos pensamento a elas. Através de meditações, conversas, sonhos, inspirações e outros atos interpretativos nós atribuímos significados aos fenômenos da vida diária.

Neste aspecto, a visão de sujeito do autor dialoga com as concepções de sujeito social e

histórico de Vygotsky (1994) e de Bakhtin (1999), pois ambos os autores constroem uma

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compreensão do homem como um conjunto de relações sociais, influenciado pelo meio, e se

voltando a ele para transformá-lo.

Em sintonia com estes dois estudiosos, também utilizados nesta pesquisa, Van Manen

(1990) expressa sua preocupação com a consciência humana e com o significado do

fenômeno humano manifestados em seus pensamentos e, principalmente, em seu discurso,

seja oral ou escrito.

Para que os dados coletados pudessem ser analisados sob a perspectiva apontada

foram utilizados vários instrumentos de coleta para uma interpretação mais fiel das

informações apuradas, como: observações do professor por meio de diários reflexivos, ao

término de cada evento-aula; observações dos alunos, por meio de diários reflexivos, e

questionários realizados no decorrer de todo o curso; gravações de entrevistas com os alunos,

dentre outros.

Suas declarações e reflexões serão identificadas com as iniciais de seus nomes, data do

registro e forma de coleta de informação – por um dos instrumentos de coleta apontados

acima.

Os participantes desta pesquisa têm entre 60 e 79 anos de idade, com estórias de vida

muito ricas e predominantemente com baixa escolaridade.

A educação de idosos: é, realmente, necessária?

A ideia de que as pessoas jovens ainda têm muito que aprender antes de participar

ativamente da vida social é um tipo de estereótipo que atualmente, parece, estar caindo em

desuso.

A ideia de que as pessoas mais velhas já sabem tudo e o conhecimento que possuem é

suficiente para viverem bem ou que já desaprenderam muita coisa e, portanto, não são

capazes de aprender coisas novas e não podem mais participar da vida moderna é um

estereótipo que permanece inalterado até o momento.

A diferença entre estes dois estereótipos é bastante clara para todos nós: os jovens têm

ocupado um novo espaço na sociedade, enquanto os velhos continuam com aquela imagem,

construída socialmente, de que não servem mais para nada, pois nada aprendem e, portanto,

nada têm a contribuir. Que seu tempo produtivo já passou.

Neste quadro, muitos idosos isolam-se, distanciando-se dos elementos sociais e muitos

dos problemas relacionados à velhice derivam-se da marginalização e do preconceito.

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É nesse momento que a educação pode servir como um elemento muito útil para que o

idoso seja novamente trazido “à vida” e possa dela participar de modo sadio.

Os preconceitos e os estereótipos (do grego stereós = sólido, firme + typos = modelo,

símbolo, exemplar) são transmitidos de geração em geração, muitas vezes sem que se

perceba. São compartilhados com o grupo no qual o indivíduo está inserido.

Neste contexto é que um projeto de gerontologia educacional, entendida como a

educação com vistas a objetivos de resgate da identidade positiva do ser idoso, pode ser

bastante útil para que o idoso possa adquirir não só a autonomia desejada, mas também,

livrar-se de preconceitos e estereótipos a ele impostos, onde o velho é tratado ora como

bonzinho e generoso, ora como ranzinza, egoísta ou avarento.

De acordo com Ferrigno,

o preconceito ao “diferente” está presente em todos os meios e idades:

tendemos a ser intolerantes para com as diferenças e complacentes em

relação às desigualdades, ou seja, desenvolvemos atitudes discriminatórias a quem pertence a esta ou aquela raça, a quem tem alguma deficiência física, a

quem professa certa religião e a quem tem determinada idade...” (FERRIGNO

2003, p.133)

Os motivos que podem levar uma pessoa de meia idade em diante aos estudos são

muitos. Estas pessoas, geralmente, procuram voltar à escola para desenvolver-se, por prazer,

não ficar dentro de casa o dia todo, ter com quem trocar ideias, viver situações interessantes,

conviver com pessoas diferentes, vencer a solidão, combater a depressão, preencher um vazio,

melhorar sua convivência com filhos ou netos... prosseguir com seu processo contínuo de

aprendizado humano. Não importa, qualquer motivação é válida desde que a possibilidade de

realizar um anseio seja concretizada.

O importante é que o sujeito-idoso seja visto como um ser em crescimento, que

necessita apenas de estímulos externos para que idealize projetos de vida e que possa colocá-

los concretamente em sua vida.

A educação, antes compreendida como um evento apenas necessário na vida de

crianças e jovens adultos, cada vez mais, passa a ser também parte da rotina de muitas

pessoas teoricamente fora do período normal de aprendizagem.

Como salienta Haddad,

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a educação deve servir como instrumento para prolongar, até a terceira idade,

a intensa socialização que se dá na infância e adolescência... a educação torna-

se necessidade fundamental para que o velho possa viver bem numa

sociedade que o ameaça, não por dominá-lo econômica e politicamente, mas

por obrigá-lo, sob pena de condená-lo à solidão a uma permanente atualização

face “ as abruptas mudanças. (HADDAD 1986 p.92)

O envelhecimento, como visto, é um fenômeno que deve ser observado por vários

ângulos para que possa ser devidamente compreendido. Neste processo concorrem tanto

fatores biológicos como socioambientais. Neste paradigma, que se torna necessária a

educação durante a terceira idade. E por que não? Do mesmo modo que há um processo

educativo que prepara as crianças para a adolescência e depois para a vida adulta, a educação

também deve preparar o indivíduo para a terceira idade, haja vista que alguns reflexos na

entrada e permanência nesta fase da vida são tão bruscas e abruptas quanto a entrada da

criança na adolescência.

A educação continuada, que se inicia na infância e se prolonga por toda a existência do

ser humano, tem sido objeto de estudo e reflexões de vários educadores. Cemin (2002 p.9)

aponta que se uma pessoa tem o desejo de aprender, ela terá condições de fazê-lo,

independentemente de onde e quando isso ocorre. Para tanto, é necessária a confluência de

três fatores importantes: predisposição para o aprendizado, que o ambiente seja

adequadamente organizado e que haja alguém (um par mais competente) para auxiliar o

aprendiz no processo de aprender.

Neste aspecto, os centros de convivência ou escolas para a terceira idade deveriam ter

como objetivo atualizar os conhecimentos dos idosos visando sua participação no meio social,

pois, assim como a saída da infância para a adolescência, a passagem da vida adulta para a

terceira idade é um processo irreversível, com vantagens e desvantagens, em que a opção por

ser feliz ou não, nesta fase, cabe, na maioria das vezes, ao sujeito do processo.

Ferrigno (2003 p.86/87) afirma que o objetivo maior destes centros de encontro da

terceira-idade deveria ser o de propiciar ao indivíduo a redescoberta de interesses que, uma

vez assumidos, o reequilibrem socialmente e retardem as modificações da velhice. Ainda

segundo o mesmo educador, “... a atualização de informação facilita a integração social dos

velhos a um mundo de mudanças cada vez mais aceleradas...”.

De acordo com este parecer, Stucchi nos aponta que,

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 50

deve-se ressignificar o envelhecimento, diluindo o sentido da velhice como um

momento intrínseco de sabedoria proporcionada pela experiência, em favor

da ideia de que esse é um momento propício para o aprendizado de novas

coisas. A educação é ressaltada como necessária para que o indivíduo

aproveite as oportunidades criadas para a velhice na sociedade

contemporânea... ao dissociar a experiência dos anos vividos da sabedoria,

valorizam a ideia de que a educação deve ser uma atividade permanente na

vida dos indivíduos, e não somente algo que deve ser vivido somente em sua

fase inicial (STUCCHI 1998, p.44)

De acordo com pesquisas realizadas pela educadora Fogaça (2001 p.60), e por

constatações minhas, em atuação com os alunos dessa faixa etária, vemos que os alunos da

terceira idade têm prazer de vir à aula, o que não acontece com tanta clareza com os alunos

dos cursos regulares e dentro da faixa “aceitável” de escolarização. Após alguns meses de

participação desses idosos na escola, verifica-se, claramente, uma maior aceitação,

autovalorização e, de modo muito acentuado, o reconhecimento que vem dos outros, parentes

e amigos, em relação a estes alunos.

Uma questão principal é a forma como este processo educativo será projetado. É

ingênuo pensar em fórmulas inócuas que se dedicam a preencher um tempo livre destas

pessoas, com tentativas, às vezes constrangedoras, de infantilizar seus participantes. Se, como

tradicionalmente ouvimos, envelhecer é voltar a ser criança, seguramente não é neste sentido.

Como apontado por Cemin (2002 p.43), “... podemos sim, voltar ao passado, usando das

lembranças da infância e juventude, para refletir e analisar nossas trajetórias e recuperar o

direito de sonhar e ter desejo...”, mas é só.

Esta necessidade, muitas vezes, de infantilização pode ser encarada como uma forma

de reação ao envelhecimento. O corpo envelhece, mas a pessoa se recusa a acompanhar a

mudança. É comum vermos pessoas de 25 ou 40 anos que se vestem ou se comportam como

crianças. Segundo Schirrmacher (2004 p.15), a própria série de livros e filmes Harry Potter é

um indicador disso. Ele faz parte do fenômeno da negação do envelhecimento que existe hoje,

em virtude de fazer muito mais sucesso entre a população adulta do que necessariamente

entre as crianças, como aparentemente era o objetivo de sua autora.

A velhice e as reflexões acerca desse período da vida

Há uma série de traços estigmatizadores da velhice e que são evidenciados na

literatura, ligados a valores depreciativos como feiura, doença, desesperança, solidão, tristeza,

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pobreza etc.

Os programas humorísticos da televisão, meio de comunicação mais direto e

influenciador de nossa geração, sempre tratam com escárnio a questão da velhice ao lado das

questões relativas a orientação sexual, pobreza, consumo exagerado de álcool e outros temas

que deveriam servir para educar e não para criar e desenvolver estigmas e preconceitos.

Este é um dado importante, pois aspectos negativos relativos à velhice dependem

muito do grau de envolvimento destes idosos nos segmentos da sociedade. A parte negativa

da velhice é geralmente associada à sogra idosa que nada mais faz além de fazer fofocas e

atormentar a vida do genro, da idosa que não sai da igreja e que possui fantasias, às vezes

inconfessáveis, ou do velho malandro que corre atrás das garotas mais novas ou toma nosso

lugar na fila do banco.

Apesar de aparentemente ser linguagem comum nos discursos correntes que todos os

indivíduos possuem igualdade de direitos; diferenças nas formas de aceitação da população

idosa na sociedade costumam ser vistas com naturalidade.

De acordo com uma declaração de um dos participantes:

de um modo geral existe o preconceito de que pessoas com mais idade são

improdutivas ou incapazes. É bem verdade que temos mesmo este tipo de

característica, pois já estamos cansados, já fizemos muita coisa na vida e nem

sempre conseguimos fazer as mesmas coisas, no mesmo ritmo dos mais jovens

(BM, 29/08/13-DR).

Ao mesmo tempo em que as pessoas desta faixa etária ficam irritadas com os

comentários negativos das pessoas mais jovens, em relação às suas capacidades de

renovarem-se e aprenderem coisas novas, outros acabam tomando algumas observações, sem

fundamento, das pessoas com quem convivem como um tipo de “decreto” sobre suas

capacidades individuais.

acho difícil que vá conseguir aprender algo nesta fase da vida. Minha cabeça

não ajuda muito, pois esqueço com facilidade por causa da idade. Todo mundo

na minha idade esquece as coisas rapidamente, por isso não sei se vou

conseguir aprender alguma coisa (MZ 29/08/13-DR).

Ninguém gosta de ser tachado de absolutamente nada.

Oliveira (2004 p.19) aponta que há um grande sofrimento ético-político gerado pela

situação social de ser o indivíduo tratado como inferior e sem valor, impedindo-o de

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desenvolver seu potencial humano. Singer (2002 p.54), também aponta que esses tipos de

observação contribuem para criar um sentimento de desesperança entre os membros de

qualquer grupo desfavorecido, por pautarem-se na opinião alheia.

Um misto de perplexidade e tristeza pode ser percebido no relato da participante

abaixo. A mesma se vê com as mãos atadas para continuar atuando de forma útil na sociedade,

mas, ao mesmo tempo, ela, apesar das adversidades, luta constantemente para estar inserida

em atividades que lhe traga prazer e a faça se sentir útil de alguma forma. Segundo seu

depoimento:

ficar em casa vendo televisão me deprime. Quando fui dar baixa no meu Coren

(ela era enfermeira), me disseram que não podia mais atuar como enfermeira.

Não quero ser inútil. Se permitir, a sociedade vai me deixar de escanteio.

Queria ser voluntária, aplicar injeções, mas o Coren disse que não, não posso

mais. Os primeiros quinze dias que me aposentei me senti uma inútil, uma

mendiga que recebia uma aposentadoria mensal esperando um mal súbito e a

morte. Não mereço isso! Enquanto não estiver inválida vou continuar atuando na sociedade. Os mais jovens vão ter que me aguentar (CL 28/11/13 EN).

Retornar à escola representa, para o grupo de idosos estudados, uma oportunidade de

romper com as crenças vigentes e continuar a participar de grupos sociais diferentes dos que

eles já possuem em seu cotidiano. De acordo com participantes da pesquisa,

aprender algo é bom porque se eu não fizer alguma atividade vou ficar

pensando em coisas ruins, doenças ou fazendo fofoca. Coisa de gente velha,

sabe? Prefiro ocupar minha cabeça aprendendo uma língua nova, fazendo

coisas que os mais jovens fazem. É mais inteligente (BM 28/11/13 EN ).

Para os idosos, o impulso inicial ao se começar um novo projeto na comunidade onde

vivem representa sempre uma positiva oportunidade de colocar à prova sua criatividade. Nos

parece que viver criativamente significa, neste grupo, viver sem rotinas rígidas e imutáveis.

Significa viver com flexibilidade, inventando novas respostas para situações já consagradas da

vida moderna.

Segundo uma das participantes,

quem sabe aprendendo coisas diferentes poderei ser uma vovó diferente.

Quem sabe, por exemplo, aprendendo inglês, quando tiver netos, ensino para

eles. Não quero ser uma vovó que sabe tricotar e quer ensinar tricô para uma

neta que não vai querer aprender. Prefiro ser uma vovó que sabe inglês e que pode ensinar inglês para minha neta (IB 28/11/13 EN).

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Vemos, pela declaração acima, que o aprendizado é um importante veículo para o

desenvolvimento e transformação de identidades e que o papel das comunidades de

aprendizagem, onde esses educandos estão inseridos, é de extrema importância para a

constituição plena do ser idoso.

Muitos idosos, atualmente, enriquecem seu dia-a-dia com atividades que não permitem

que fiquem, o dia todo, assistindo televisão e pensando em doenças ou outras coisas ruins.

Segundo depoimentos,

atualmente as pessoas vivem mais. Dessa forma parece que, hoje, uma pessoa

de 50 ou 60 anos não aparenta ter esta idade. Antigamente uma pessoa dessa

idade já seria muito, mas muito, velha. Minha mãe nessa idade era uma

velhinha... minha avó então... (MZ 24/09/14-DR)

Conforme Freire, em seu conjunto de obras aqui tomadas como inspiração, o homem é

um ser de relações sociais e, portanto, está em constante movimento. O indivíduo constitui

seu mundo interno, na medida em que atua e transforma o seu mundo externo pra que melhor

se adapte a situações diversas, em um processo ininterrupto de definição do próprio ser.

Desta maneira, a identidade do idoso é um processo contínuo de construção no qual se leva

em conta as representações de como ele está atuando no mundo que o cerca.

É bastante comum encontrarmos idosos que enxergam nos amigos a possibilidade de

conviver de forma mais saudável e significativa, transferindo a eles questões emotivas e

sentimentais que deveriam estar dedicadas, tradicionalmente, aos seus familiares.

Segundo depoimento de uma das participantes da pesquisa, vemos que:

a convivência que tenho com minhas amigas me fez amadurecer, ter paciência

e principalmente me sentir menos solitária e valorizar e amar a vida ... o que

mais me chama a atenção é que elas estão sempre dispostas, sempre

amigáveis e alegres. Gostam de viajar, passear, cantar, dançar e comer... na

maioria das vezes encontro pessoas viúvas que sofreram no passado, mas isso

é passado (RA 12/04/14-DR)

Percebemos a importância da reunião dessas pessoas em grupos ligados por afinidades

de aprendizado pelo fato desses momentos serem extremamente propícios à integração, à

interação entre as pessoas. Muitas vezes, esses encontros suprem uma necessidade de

interação que estas pessoas desenvolveram durante todo um percurso de vida e que já não

possuem mais com tanta ênfase em suas relações familiares.

Esta é uma questão altamente significativa, pois na opinião da maioria dos

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gerontólogos – estudiosos do envelhecimento saudável tanto físico quanto emocional - é

psicologicamente e sociologicamente impossível viver os últimos vinte anos de vida em boas

condições físicas sem que se desempenhe alguma atividade útil.

Nesse aspecto, podemos nos reportar à teoria vigotskiana que prioriza as relações

entre os indivíduos e dos indivíduos com o mundo. O processo de desenvolvimento dos

indivíduos, para Vygotsky, é socialmente construído, ocorrendo em um contexto em meio a

interações sociais, entre indivíduos historicamente constituídos: o outro desempenha um

papel muito importante no processo de internalização, sendo esta interação a chave do

aprendizado. Nesta abordagem, enfatiza-se a interação entre desenvolvimento e

aprendizagem, aspectos que estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida do ser

humano.

Esta teoria é concretamente reforçada, neste estudo, pela declaração de uma das

participantes:

comecei a procurar algo para ocupar meu tempo. Quero aprender inglês

porque quando era mais jovem trabalhei no Japão durante 2 anos e se

soubesse inglês teria arrumado um emprego melhor...aqui na paróquia tem

cursos de tricô, crochê, pintura, mas eu não gosto. Vou ficar quieta fazendo

um trabalho sozinha. No inglês vou ter que falar o tempo todo com outras

pessoas. É mais interessante! Se aprender tricô, por exemplo, vou acabar

fazendo algo para alguém. Se aprender inglês vou fazer algo para mim (CL

28/11/13 EN).

Importante ressaltar que a participante acima vê com grande importância o fato de que

pode fazer algo para si mesma nesta fase da vida. É claro que uma melhor convivência com os

familiares é importante para cada um deles, mas fazer algo que seja importante para sua

realização pessoal também é relevante para esta participante, assim como para a maioria dos

demais, e isso pode ser observado em todas as suas declarações.

Ferrigno (2003 p.86/87) afirma que o grande trunfo de qualquer atividade que vise à

educação da população idosa é o de propiciar ao cidadão a redescoberta de interesses que,

uma vez assumidos, possam reequilibrá-lo socialmente, retardando as modificações físicas e

emocionais advindas da chegada da velhice.

Aprender para quê? Esta é sempre a pergunta que se ouve ou se faz quando nos

deparamos com pessoas que ainda possuem o desejo de aprender algo fora dos padrões

estabelecidos para eles.

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Este tipo de sentimento, que os outros possuem em relação ao aprendizado dos idosos,

está bastante explícito nas declarações dos participantes da pesquisa:

acham que não temos condições de aprender alguma coisa, principalmente se

estamos aposentados. Parece que todos acabam achando que emburrecemos

um pouco. Aprender para quê? Melhor ver televisão, não fazer nada para não

atrapalhar ou ser motorista dos netos (CL 29/08/13-DR).

Percebe-se, pelos comentários acima, que é muito forte, nas concepções destes

participantes, a ideia de que as pessoas que as rodeiam já as consideram completas, com um

dever já cumprido, sem a necessidade de experimentarem mais nada de novo em sua

existência.

Como ressaltado por estudiosos da área gerontológica, como Cemin (2002) e Ferrigno

(2003), o desejo de aprender cria nas pessoas as condições de fazê-lo, independentemente de

onde e quando isso ocorre. As únicas condições necessárias para que o sucesso seja alcançado

no processo de aprendizagem são a predisposição, a adequação do ambiente e a existência de

alguém que também esteja disposto e capacitado para desencadear ou gerenciar todo este

processo.

Pelo fato do homem ser uma criatura que se reconstrói e se forma a cada dia, a

educação é um elemento que permeia toda a existência de cada um de nós, pela busca

constante de ser mais. E como é capaz de fazer renovadamente esta reconstrução é pela

autorreflexão que o cidadão percebe-se como um ser sempre inacabado, em constante busca

e, por isso mesmo, em constante mudança.

Esta é a raiz da educação permanente.

Freire (1983) já dizia que a educação é uma resposta da finitude a infinitude.

Mesmo com a carga negativa que, muitas vezes, é projetada sobre os idosos que ainda

sentem as mesmas vontades e ambições que os mais jovens, percebemos, claramente que no

grupo estudado as pessoas sempre desejam viver mais e melhor. Esta percepção é claramente

expressa em seus diários reflexivos, “não tenho dificuldades para aprender coisas novas, pois

tenho, agora, mais tempo para refletir e raciocinar sobre meu aprendizado. “ (CL 29/08/13-

DR).

Realmente, as tarefas significativas e desenvolvidas por simples prazer são,

principalmente nesta faixa etária, decisivas para impor um ritmo mais acelerado e

permanente ao aprendizado.

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Lima (2000 p.92) já discutia o papel das emoções no desenvolvimento do indivíduo e

no seu processo de cognição. Isso significa que quanto maior o comprometimento do idoso em

atividades que lhe traga prazer em executar, melhor será sua atuação ao executar e resolver

problemas, o que o auxiliará de modo muito significativo a abstrair as informações recebidas

por mais tempo e transformá-las em conhecimento útil para seu dia a dia.

Segundo os participantes, “acho que voltar a estudar é resgatar minha autoestima, pois

vou voltar a treinar minha memória. Sei que será prazeroso. Me sinto nas aulas como uma

adolescente no auge”. (MZ 29/08/13-DR).

Este tipo de percepção dos idosos acerca dos benefícios que o aprendizado pode lhes

oferecer é o que denominamos, conforme Singer (2002 p.54), de ação afirmativa. Segundo

Singer, esta pode ser uma forma de reduzir as desigualdades permanentes. A ação afirmativa

é frequentemente usada no contexto educacional com a finalidade de se oferecer aos

educandos formas significativas para se obter (ou resgatar) poder e status na comunidade,

diminuindo as diferenças impostas pela sociedade.

Além de fatores ligados ao resgate da autoestima por meio da volta aos bancos

escolares, há sempre nas declarações dos idosos deste estudo, de modo muito acentuado, o

sentimento de estar novamente incluído na rotina familiar. Com o aprendizado de uma língua

“moderna”, há um sentimento, por parte dos idosos, que estão novamente fazendo parte de

uma sociedade atual, sendo o aprendizado de uma língua estrangeira, no caso da língua

inglesa, um passaporte para o “mundo dos vivos, modernos e atualizados”. Segundo uma

participante, “aprendendo uma outra língua poderei dialogar com meus filhos, pois todos

falam inglês. Poderei compreender letras de música, filmes etc.” (IB 29/08/13-DR).

Isso se deve pelo desenvolvimento do perfil transversal das aulas que atualmente,

preconizado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), se oferece aos educandos.

Neste paradigma de aula, as questões de alteridade são desenvolvidas pelo fato de que

diferentes campos do conhecimento podem ser explorados sob a ótica de questões sociais que

podem ser trabalhados de forma contínua e integradas, aumentando a bagagem cultural dos

alunos, além de se aprender uma nova língua, que é o desejo de cada um deles

voltar a estudar vai me fazer ficar mais disciplinada, pois volto a ter um

objetivo definido, uma meta a cumprir, me fazendo fugir das atividades

rotineiras e sem utilidade que tenho conseguido. Sempre fui uma mulher

moderna, estou novamente no páreo (RA 29/08/13-DR).

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Com a apresentação dos dados da pesquisa que originou este artigo, passo agora a

tecer minhas Considerações finais sobre o tema proposto.

Considerações finais

A princípio, o fator ensino-aprendizado da língua inglesa foi deixado em segundo

plano, pois o foco inicial principal do trabalho desenvolvido foi resgatar a confiança no

aprendizado e, principalmente, em si mesmo para que somente depois o processo de

aprendizado fosse desenvolvido.

Dentre os vários motivos que levaram esses alunos à sala de aula para aprender uma

língua estrangeira destaca-se a visão da linguagem como instrumento de inclusão. Seria

ingênuo imaginar que esses alunos frequentaram um curso de inglês para aprender apenas

para eles próprios. Eles procuraram aprender uma nova língua para que pudessem ser

incluídos na família e consequentemente na sociedade.

Claro que os alunos mais idosos possuem, em alguns casos, uma maior lentidão para se

aprender alguns conceitos ou regras, mas é claro, também, que alguns dos meus alunos

adolescentes também possuem a mesma dificuldade.

As atividades desenvolvidas com esse grupo de alunos mais idosos são semelhantes às

que eram utilizadas com os alunos que estavam no auge de sua juventude na universidade. As

abordagens para o ensino não foram mudadas radicalmente e o ritmo de exposição à língua

também não foi alterado.

Pelo contrário, foi possível perceber que, muitas vezes, a vivência e a cultura

acumuladas desses alunos mais idosos eram um auxiliar extremamente eficaz para que se

pudesse caminhar de modo mais acelerado nos objetivos de desenvolvimento linguístico e

cultural deles.

As palavras fundamentais são disponibilidade e interesse pelo aprendizado. E isso se

pode ter, ou não, em qualquer idade.

Os alunos deste estudo mostravam-se sempre bastante ansiosos em relação à sua

segurança, à sua saúde, às suas relações familiares.

Como levar o idoso de volta à escola e para fazer o quê, se torna a grande questão deste

século. Não é só uma questão de estimulá-lo a participar de festinhas sociais e dinâmicas, às

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vezes, infantilizadoras, mas dar um sentido social ao que se faz no ambiente escolar.

Fazer com que os idosos sintam-se seguros é importante para a aprendizagem, porque,

se o aluno não confia no ambiente escolar, como sendo protetor e gratificante, ele não se

sentirá à vontade e não aprenderá com eficiência, pois sempre se sentirá retraído para

participar das dinâmicas necessárias para seu aprendizado pelo medo de errar e sentir-se

exposto ao olhar crítico dos outros.

O idoso participante e socialmente comprometido com ações libertadoras da educação

começa a agir e pensar de um modo diferenciado e a exigir um tratamento à altura de suas

potencialidades e conhecimentos. O idoso, integrado socialmente em ações educativas

significativas, consegue enfrentar obstáculos que podem parecer intransponíveis, mas que,

para ele, simplesmente representam o exercício de sua cidadania.

Viver plenamente é um processo contínuo e não um estado de ser. Por este motivo é

que o viver de modo pleno deve ser encarado como um conjunto de atitudes e atividades que

levem o idoso a perceber que está vivendo este momento da existência da mesma maneira

que viveu sua infância ou fase adulta.

Viver de modo pleno em idades avançadas nada mais é do que participar ativamente e

sem diferenciações em qualquer situação ou segmento da sociedade. É ter seu direito à fala

garantido e mais do que isso: direito de ser ouvido com respeito e atenção. Neste aspecto, não

se espera que se criem novas formas de atuação no grupo social a que o idoso pertence, mas,

sim, o de facultar a ele a permanência de forma significativa no grupo a que sempre

pertenceu.

Viver de modo pleno, desta forma, é viver bem, sentir-se inserido e bem recebido em

todos os contextos aperfeiçoando suas habilidades sociais como uma das estratégias para se

atingir uma velhice bem sucedida, pois ao se sentirem felizes e realizados e, quanto mais

atuantes e integrados em seu meio social, menos ônus trarão para a família e para os serviços

de saúde.

Especificamente em relação ao contato com amigos da mesma faixa etária percebe-se

que é um fator bastante benéfico pelo fato de proporcionar a cada um dos componentes do

grupo a satisfação de verificar que outras pessoas possuem as mesmas aflições e desejos.

Observe que não me refiro a uma velhice saudável, mas a uma velhice plena que é

obtida apenas por meio da maturidade que é o reconhecimento pleno de si próprio, de suas

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limitações e possibilidades sabendo fazer bom uso de todos esses elementos. É somente assim

que a pessoa assume sua identidade e cuida de si de modo pleno e prazeroso.

No processo educativo, devem estar presentes a solidariedade, a festa e o prazer com

vistas a se conquistar liberdade para que se realizem escolhas coerentes. Os jogos educativos

devem valorizar os sentimentos e as emoções, utilizando regras e regulamentos sem se

subordinar a eles. Esta postura caracteriza a autonomia de decisão, que gera uma atuação

mais coerente em uma sociedade mais humanizada que repudia o discurso conformista de

papéis pré-estabelecidos e preconceituosos.

Para que isso ocorra, é necessário repensar o significado de se possuir uma vida plena

em termos de uma reforma intelectual, moral e ética, com amplas possibilidades de acesso e

inclusão com o direito de escolhermos aquilo em que queremos ser incluídos, reinventando as

formas de atuação na sociedade.

Como nesta fase da vida não há mais a exigência de certificados que possibilitem algum

tipo de escala no âmbito profissional, o idoso procura, novamente, estar em contato com o

aprendizado formal que a escola proporciona como forma de atuar concretamente em

comunidades de aprendizes apenas pelo prazer pessoal ou para sentir-se plenamente inserido

em sua comunidade, na maioria das vezes, familiar pelo que pôde ser observado.

Geralmente os idosos reúnem-se nestes grupos para ampliação de seu horizonte

cultural, para seu crescimento como pessoa, para uma melhor compreensão do mundo em

que vivem e de um conhecimento para obterem aceitação melhor de outros seres humanos,

com vistas a um convívio mais feliz. Visam também à obtenção de uma melhor qualidade de

vida num momento em que antes só havia motivos para descrença, depressão e ansiedade.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 61

A LÍNGUA E SUAS NUANCES: ESTUDO DAS VARIAÇÕES

LINGUÍSTICAS NO CONTEXTO DA MÚSICA ZALUZEJO

Rodrigo de Santana Silva1

Rodrigues de Souza Bortolozzo2

Giseli Veronêz da Silva3

Introdução

A educação escolar caracteriza-se na mediação didático-pedagógica que se estabelece

entre conhecimentos práticos e teóricos. Dessa forma, seus processos e conteúdos devem

adequar-se tanto à situação específica da escola, ao desenvolvimento do aluno e aos diferentes

saberes a que recorrem. A variação da língua ensinada nas escolas de todo o País (Brasil) é a

padrão, sendo estimada como referencial e dominadora sobre as demais variedades

existentes. Nesse contexto de âmbito escolar pode ser observado ao longo do tempo que a

variedade que o aluno traz para a escola, na maioria das vezes, é desconsiderada e excluída,

ou seja, o ensino-aprendizagem se pauta na tradição normativa de língua padrão, e o que

percebemos é que esse tipo de variedade elege apenas o que é certo e errado, não mostrando

ao aluno que não há uniformidade/igualdade mesmo entre os que falam uma mesma língua,

isto é, as variações linguísticas ocorrem e sempre ocorrerão. Não obstante, essas variações

não deveriam ser consideradas uma adversidade, mas, “uma qualidade constitutiva do

fenômeno linguístico” (ALKMIM, 2001, p. 33). Em consonância com o exposto acima, Neves

(2010) diz que:

[...] toda língua de uma comunidade apresenta um padrão natural, uma forma em si aglutinadora da heterogeneidade, da multiplicidade, da variação linguística naquele estado de língua. [...] e por via do caráter social da língua, a relação com a norma culta se encaminha para uma constante busca de qualificação, elevação e prestígio. (p. 33-34).

Da mesma forma que os humanos evoluem e se transformam com o passar do tempo, a

língua acompanha essa modificação e difere de acordo com os diversos contatos entre os

1 Mestre em Linguística. Professor de Língua Inglesa na Universidade do Estado de Mato Grosso. Doutorando em

Linguística pelo Programa de Pós-graduação em Linguística da UNEMAT/Cáceres. [email protected]. 2 Mestrando do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso

(UNEMAT). [email protected]. 3 Mestra em Linguística. Doutoranda em Linguística pelo Programa de Pós-graduação em Linguística da

UNEMAT/Cáceres. [email protected].

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seres pertencentes a determinadas comunidades. Assim, é considerada um objeto histórico,

sujeito a transformações/modificações, que se alteram no tempo e se diversificam no espaço,

quer dizer, ela é maleável e flexível. Dessa forma, sabe-se que o preconceito linguístico existe e

está na maioria das escolas de nosso País, aguçando uma exclusão social a quem faz uso.

O preconceito surge da ideia de que há uma única língua, correta, exata e homogênea.

Compreendemos a importância da existência de uma norma que normalize a escrita, a

converta em homogênea e defina todas as suas regras, porém, a mesma serve como

instrumento de exclusão social, pois ela não reconhece o sistema (língua) como uma unidade

viva e variável. Dessa forma, é passada como um meio de distinção social entre aqueles que

têm acesso à educação, e os quem não têm. Isso determina a todo momento o preconceito às

construções linguísticas que variam de acordo com as regiões de todo o país.

A respeito das normas cultas e literárias impostas pelos escritores e instituições

oficiais, por exemplo, Bagno argumenta que:

[...] se formos acreditar no mito da língua única, existem milhões de pessoas neste país que não têm acesso a essa língua, que é a norma literária, culta, empregada pelos escritores e jornalistas, pelas instituições oficiais, pelos órgãos do poder ─ são os sem-língua. (2003, p. 16).

Isso quer dizer então que as práticas linguísticas estão atreladas a diversos fatores,

destacando-se a questão da escolaridade, como apresentado acima. Essa língua homogênea,

pensada para atingir a toda a população brasileira, restringe-se aos cidadãos escolarizados

que, de certa forma, foram afetados pela ideologia preconceituosa impregnada na sociedade

de que quem usa a uma variação não-padrão fala ‘feio’ .

Essa reflexão é direcionada imediatamente ao espaço dedicado à formação do cidadão,

a escola. E é em relação a esse lugar que direcionamos o nosso olhar para a produção desta

pesquisa. Buscamos refletir sobre o modo como as múltiplas práticas de linguagem, as

variações linguísticas, estão atreladas a fatores principalmente de ordem cultural. Logo, se a

escola é o locus onde se educa, se prepara o cidadão para a vida, ela não pode desconsiderar a

língua que o aluno fala. Se ele fala uma variante, que é marcada culturalmente na comunidade

onde vive, diferente da norma-padrão e a escola oprime seu modo de falar, ela está

suprimindo também a sua cultura, a sua identidade. Para promover essa discussão, trazemos

à cena a música ‘Zaluzejo’ do grupo Teatro Mágico e analisamos a partir da teoria

Sociolinguística, com suporte em pesquisas realizadas por autores como Alkmim (2011),

Bagno (2003), Macedo-Karim (2012), Bortolozzo, Silva e Macedo-Karim (2014) e outros,

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como fatores de ordem cultural estão ligados às práticas de língua(gem) e como a escola lida

com a questão das variações linguísticas na contemporaneidade. Buscamos sobretudo, propor

uma discussão que traga para os educadores e pesquisadores da linguagem uma possibilidade

de pensar as práticas educacionais como integradoras das múltiplas diferenças e reconhecer

que cada indivíduo, inscrito em um lugar social diferente, carrega e deixa transparecer na

língua as marcas de sua natureza sociocultural.

Dessa maneira, abrimos a seguir uma breve contextualização teórica para embasar as

nossas discussões.

Sociolinguística: algumas considerações

A Sociolinguística é uma das subáreas da Linguística, surgiu na década de 60 e estuda a

língua em uso nas comunidades de fala, devolvendo a atenção para um tipo de estudo que

associa aspectos linguísticos e sociais. Esta ciência, se assim podemos dizer, faz-se presente

num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando sobretudo os

empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo. Tinha-se o objetivo

de desenvolver uma nova concepção dos estudos linguísticos e tinha como pretensão

investigar a “dimensão sócio histórica” (FRANÇA/BARROS, 2012, p.03) de fenômenos

linguísticos, quer dizer, de casos referentes à variação da língua, mudanças linguísticas na

interação entre língua e sociedade.

Desse ponto de vista teórico, temos que considerar o processo evolutivo pelo qual toda

língua passa, como por exemplo, a língua portuguesa, isto é, diacronicamente falando, a língua

portuguesa passou e ainda passa por diversas mudanças tanto no campo da oralidade como

na escrita, pois aquilo que se torna muito comum apenas na oralidade, hora ou outra torna-se

parte da norma padrão. Isso se dá por questões de multiculturalização, globalização, contato

com outras línguas e etc.

Alkmin diz, (2007) “a função da sociolinguística é o estudo da língua falada, observada

descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso”. Seu ponto de

partida é a comunidade linguística, um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que

compartilham um conjunto normas de normas com respeito aos usos linguísticos. Em outras

palavras, uma comunidade de fala caracteriza-se não pelo fato de se constituir por pessoas

que falam do mesmo modo, mas por indivíduos que se relacionam por meio de redes

comunicativas diversas, sendo orientados pelo mesmo comportamento verbal e conjunto de

regras. A sociolinguística toma a variação como seu objeto de estudo e a entende como um

princípio geral e universal. A variação pode ser analisada e descrita a partir das considerações

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de que ela somente ocorre por meio de fatores e relações estritamente sociais. Percebe-se,

então, que a variação linguística ocorre em todos os campos da linguagem: no lexical, no

sintático, no morfológico, no fonológico e no pragmático.

Dessa forma, interessa-nos voltar o olhar para a escola como o campo no qual essas

variações entram em conflito com um modelo de educação que toma a gramática como um

modelo único e que deve ser introjetado, mesmo que forçadamente, no aparato linguístico dos

alunos. Assim, torna-se imperioso verificar a forma como as questões das variações são

tratadas nos documentos oficiais que deliberam normas para a educação e, também, nos

livros didáticos que são as ferramentas que são utilizadas em sala de aula.

A variação linguística

A teoria da variação linguística ocasionou uma importante contribuição ao apresentar

uma percepção de língua em mudança e em variação, descontruindo a velha ideia de língua

homogênea preconizada pelo ensino gramatical.

As variações linguísticas acontecem na língua(gem) e podem ser compreendidas

através das variações históricas, regionais e sociais. Ela é comum desde os primórdios. A título

de exemplo, mesmo em um País com apenas um único idioma, a língua pode sofrer diversas

alterações feitas por seus falantes, pois, a linguagem não é um sistema fechado e imutável, ela

é feita de mudanças, de transformações.

Bagno (2007) afirma que:

[...] a grande maioria das pessoas acha muito mais confortável e tranquilizador pensar na língua como algo que já terminou de se construir, como uma ponte firme e sólida, por onde a gente pode andar sem medo de cair e de se afogar na correnteza vertiginosa que corre lá embaixo. Mas essa ponte não é feita de concreto, é feita de abstrato... O real estado da língua é o das águas de um rio, que nunca param de correr e de se agitar, que descem e sobem conforme o regime das chuvas, sujeitas a se precipitar por cachoeiras, a se estreitar entre montanhas e se alargar pelas planícies. (p. 36).

A esse entendimento, Bagno (2003) afirma que: [...] “a escola tenta impor sua norma

linguística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os 200 milhões de brasileiros,

independentemente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica,

de seu grau de escolarização”. (BAGNO, 2003, p. 15). O que se mostra é que a escola procura

sempre impor o monolinguismo, ou seja, impor a norma de língua culta, desprezando o

multilinguismo existente no português brasileiro, estabelecendo noções de ‘certo’ e ‘errado’, o

que na verdade não se pode fazer uma vez que “a língua é essencialmente heterogênea,

variante e mutante” (BAGNO, 2007, p. 130).

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A intenção é mostrar que a norma-padrão é importante no ensino de língua nas

escolas, mas esta não pode vir acompanhada de certo preconceito linguístico, não se pode

trazer para os alunos uma visão de que determinada variedade é ‘errada’ ou ‘feia’, ‘certa’ ou

‘bonita’. É necessário e indispensável que o professor/escola apresente aos seus alunos que na

língua portuguesa existem diferentes possibilidades de comunicação, e que cabe a ele

(locutor) saber escolher e empregar essas diferentes possibilidades ao contexto que mais

achar conveniente e adequado.

Compete ainda enfatizar a importância e a necessidade de saber que a língua sofre

variações a todo o momento, pois:

[...] a variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em Língua Portuguesa, está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. Embora no Brasil haja relativa unidade linguística e apenas uma língua nacional, notam-se diferenças pronúncias, de emprego de palavras, de morfologia e de construções sintáticas, as quais não somente identificam os falantes de comunidades linguísticas em diferentes regiões, como ainda se multiplicam em uma mesma comunidade de fala. [...] não existem, portanto, variedades fixas: em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes classes sócias. Mas ainda e uma sociedade como a brasileira, marcada por intensa movimentação de pessoas e intercâmbio cultural constante. (Brasil, 1998, p. 31).

Desse modo, para ensinar as variações que ocorrem na língua Portuguesa, precisa-se,

primeiramente, ensinar aos alunos, certamente, reconhecer a realidade da língua e buscar um

equilíbrio, isto é, através dos ensinamentos linguísticos sobre as transformações que ocorrem

na língua, os professores, precisam mostrar as ideologias que a língua carrega, para que o

aluno compreenda suas escolhas. Para o aluno, saber previamente sobre os conceitos

existentes na língua o ajudará a ampliar seu repertório linguístico, garantindo o acesso a

outras comunidades linguísticas, ou seja, a língua tem por finalidade estabelecer a

comunicação/interação. Ela não é algo fixo/parado, que aceita apenas uma possibilidade, mas

ao contrário, ela é flexível/maleável, adaptando-se a cada comunidade de modo diferenciado,

a questão é aceitar, admirar e respeitar o diferente.

Partindo desses olhares teóricos, destinamos, no tópico a seguir, o nosso olhar para a

música ‘Zaluzejo’, compreendendo, a partir dessa materialidade analítica, como a variação

linguística está atrelada às questões de natureza cultural e à maneira como isso é tratado no

ambiente escolar.

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Variedades da língua: o caso da música ‘Zaluzejo’

A música intitulada ‘Zaluzejo’4, composta por Fernando Anitelli e interpretada pelo

grupo musical ‘O Teatro mágico’, de uma forma cativante e produtiva, faz uma homenagem a

uma senhora que carrega na sua fala uma variante não-padrão do português brasileiro e,

dessa forma, é considerada uma poetisa por ter muito conhecimento e sabedoria popular.

Por uma questão metodológica, tendo em vista que a letra da música é um pouco

extensa, usaremos aqui apenas alguns recortes da letra, a fim de abstrairmos o máximo de

proveito em relação aos recursos que ela nos oferece.

Para tratar inicialmente de como surge a figura de uma mulher comum ser chamada de

poetisa5, trazemos a parte introdutória da letra, em que apenas com um pequeno fundo,

entoado por alguns instrumentos, surge a imagem de uma senhora pronunciando os seguintes

dizeres:

Ah eu tenho fé em Deus... né? Tudo que eu peço ele me ouci... né? Ai quan`o eu to com algum probrema eu digo: Meu Deus! me ajuda que eu to com esse probrema! Ai eu peço muito a Deus... ai eu fecho meus olhos... né? E Deus me ouci na hora que eu peço pra ele, né? Eu desejo ir embora um dia pra Recife não vou porque tenho medo de avião, de torro...de torroristo ai eu tenho medo né? Corra tudo bem... se Deus quiser...

Como trata-se de um conjunto de enunciados proferidos que estão situados na ordem

da oralidade, é possível perceber em alguns momentos, a utilização de formas linguísticas que

não se enquadram no que está estabelecido pela norma-padrão, tal como podemos observar

em quano, pobrema, ouci, torroristo. Assim, com essa introdução, é possível perceber que é

chamada a atenção de quem está ouvindo para a questão da simplicidade, ou seja, na fala de

uma senhora, está inscrita, primeiramente uma questão religiosa, pois ela diz que tem fé em

Deus e que um dia quer retornar a Recife, mas não o faz porque tem medo de avião.

Essa poetisa não é uma pessoa que apresenta um conhecimento da norma literária,

culta, empregada pelos escritores tal como apontado em Bagno (2003, p. 16), mas que traz

consigo as marcas de uma pessoa comum, que com seu modo de falar, às vezes passa por

despercebido aos olhos da sociedade, ou mesmo, é excluída por não fazer parte de uma elite

linguisticamente dominante.

4 Disponível em: <https://www.vagalume.com.br/o-teatro-magico/zaluzejo.html> Acesso em 15/02/2017

5 Todas as vezes em que utilizarmos o termo poetisa, estamos nos referindo ao eu-lírico da música e não ao

compositor.

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Em seguida, a música inicia-se com o seguinte refrão, que se repete por várias vezes

durante a música:

Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho, graxite, vrido, zaluzejo “eu sou uma pessoa muito divertida” Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho, graxite, vrido, zaluzejo “não sei falar direito” Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho, graxite, vrido, zaluzejo “não sei falar”

Essas palavras, ditas na música, são ditas no dia a dia em sua grande maioria por

pessoas que não possuem um certo grau de instrução escolar, mas qualquer indivíduo que fale

o português brasileiro, independente de onde se encontra consegue saber que se trata das

palavras psicológico, tábua, cera líquida, sucrilho, grafite, vidro, azulejo. Ainda, abaixo de cada

vez que é repetido o refrão, surge o não sei falar direito e não sei falar. Quando essa poetisa

chega a afirmar que não sabe falar direito, a reflexão que se faz é: Como ela tem essa

consciência de que não sabe falar direito? Quem disse que ela não sabe falar direito?

Esse fato ocorre na sociedade, principalmente, por causa da instituição do conceito de

certo e errado na língua. Quando alguém carrega consigo uma variante linguística

desprestigiada, automaticamente, ela tende a ser menos prestigiada também enquanto ser no

mundo. Porém, quando se atribui muito privilégio à norma padrão do português brasileiro, a

tendência é que as outras variedades da língua sejam desprezadas, com isso, acaba-se

deixando à margem a maior parte da população, pois a língua, na maioria das culturas, é um

fator de ascensão social, ou seja, quem usa o falar padrão, considerado ‘correto’, é considerado

detentor de uma cultura que é, de certa forma, prestigiada por alguns estudiosos da língua, no

caso, certos gramáticos. Em função disso, esses grupos que possuem um modo de falar

diferente do padrão são desprezados, pois são considerados não portadores de qualquer

“cultura significativa”, permanecendo, assim, socialmente marginalizados (BORTONI-

RICARDO, 2005).

Sendo a questão da cultura significativa ou insignificativa algo imposto pelo contexto

social, é importante pensar que o modo de falar que marca ou caracteriza uma pessoa, não é

algo que acontece aleatória e individualmente. Uma variante linguística é resultado da

evolução na língua, que ocorre influenciada por fatores de ordem cultural, histórica e social. E

quando falamos de cultura, tratamos da cultura popular, marcada pela variante não-padrão da

língua, que é apresentada na música ‘Zaluzejo’ no trecho a seguir:

(01) Tomar banho depois que passar roupa mata (02) Olhar no espelho depois que almoça entorta a boca

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[...] (03) Senhora descasada namorando firme pra poder casar de véu [...] (04) Acredito que errado é aquele que fala correto e não vive o que diz

Na cultura popular, aquela passada de geração em geração, existem certas situações

que estão marcadas na nossa constituição. Alguns consideram ainda como verdades absolutas,

outros, que por distanciamentos, talvez, dos costumes tradicionais de família, afirmam ser

mito. Fato é que essa conclusão só pode ser obtida a partir do contexto em que se insere cada

um. Podemos usar como exemplo dessa situação o que está exposto em (01), pois essa

afirmação apresentada na música faz parte de um conjunto de orientações que os pais

seguiam e transmitiam aos filhos. Hoje ela pode ser interpretada diferentemente e explicada

cientificamente. Por exemplo, o que pode acontecer nesse tipo de situação, quando se toma

banho após passar roupa, é uma nevralgia, ou seja, uma paralisia temporária no rosto,

causado pelo choque térmico. Da mesma forma acontece com (02) e em (03), pois tratam-se

de costumes ainda adotados por muitas pessoas, ou por influência/determinação religiosa ou

por viver em comunidades que adotem essa prática. Há um tempo era muito comum a

concepção de que apenas poderia casar de véu aquela moça que fosse virgem, ou seja, nunca

tivesse mantido uma relação sexual.

Assim, como podemos observar nos trechos apresentados acima, as práticas culturais

que marcam a vida dessa poetisa são elementos que para alguns já é passado, ou seja, não se

sustentam mais, porém essas marcas culturais observadas no comportamento da poetisa,

tendem a influenciar diretamente na forma como ela fala. Todos os elementos da música

apontam para essa perspectiva.

Além do mais, a música apresenta em (04) ainda uma outra percepção para nós

pesquisadores da área da linguagem. Viver o que diz é a frase que marca a personalidade

dessa poetisa, pois mesmo carregando na sua fala as marcas de uma variante linguística

desprestigiada na sociedade, ela considera que essa é a forma linguística que se enquadra no

seu perfil sociocultural. Isso vem de gerações anteriores e, se ela tentasse mudar a sua forma

de falar, usando a norma-padrão, certamente ela estaria falando correto, mas não estaria, de

forma alguma, vivendo aquilo que ela diz. Nessa perspectiva, quem fala variantes linguísticas,

que destoam da norma-padrão, também vivem plenamente a vida, sem nenhum tipo de

privação. Assim, há aqui uma crítica da poetisa em relação ao preconceito linguístico, pois

mesmo não dominando a norma-padrão, ela tem essa consciência e tece uma crítica em

relação às pessoas que vivem de aparências e não vivem, de fato, a vida.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 69

Diante disso, como olhar para essa situação e pensar na sala de aula como um espaço

que recebe pessoas oriundas de diversas realidades, com diversos modos de falar? Imagine

quantos poetas e quantas poetisas, como a apresentada nessa música, não existem dentro das

nossas escolas. Como lidar com essa realidade?

É de grande valia a prevenção dos alunos sobre o preconceito linguístico, porque ele

pode provocar uma série de julgamentos ideologicamente negativos que podem trazer muitos

problemas, embora sejam inverdades: “alguém fala errado porque pensa errado, porque age

errado, porque é errado... O outro lado da mesma moeda ideológica é fácil de imaginar: quem

fala certo, pensa certo, age certo, é certo...” (BAGNO, 2002, p. 74)

Nesse sentido, compreendemos que há a necessidade de ensinar a norma-padrão, pois

não fazer isso poderia impedir os alunos de a utilizarem. Nessa direção, é importante saber

que

Uma das tarefas do ensino de língua na escola seria, então, discutir os valores sociais atribuídos a cada variante linguística, enfatizando a carga de discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de que sua produção linguística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa (BAGNO, 2003, p. 150-151).

Assim, de acordo com Silva (2017) se, em um trabalho escrito, forem encontrados usos

linguísticos condenados pela gramática normativa, deve-se ter a honestidade e o bom-senso

de reconhecer que a norma-padrão tradicional oferece apenas uma das muitas possibilidades

de realização dos recursos existentes na língua, uma possibilidade que, além de única, é

também carregada de traços de obsolescência que provocam no falante nativo um

estranhamento quase semelhante ao provocado por um enunciado em língua estrangeira.

Bagno (2003) ensina que não podemos forçar os alunos a aceitar a norma-padrão

simplesmente por acharmos que ela é a melhor para o sucesso deles na sociedade. Por outro

lado, no entanto, temos a obrigação de demonstrar a eles as vantagens e desvantagens de se

utilizar umas e não outras regras gramaticais.

Dessa forma, conforme Silva (2002), “a grande rejeição de se falar de variação

linguística acontece em função da visão imposta pela gramática normativa que repudia

qualquer fenômeno ocorrido em torno da língua”. Por isso, o professor fica com

‘amedrontamento’ de trabalhar as variações linguísticas e acabam ficando ‘agarrados’ nas

gramáticas normativas, não ensinando ao aluno o conhecimento da linguagem na forma oral e

escrita da Língua Portuguesa.

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Dessa maneira, diversos professores não consideram o conhecimento linguístico dos

alunos que chegam à escola falando um português não padrão, quer dizer, os professores que

detém o papel de ensinar e explicar as variações da língua, na maioria das vezes, não dão a

importância necessária para o assunto. É importante que o educador entenda que o falante

nativo quando adentra na escola, ele já traz um saber linguístico que difere da norma culta,

mas que possibilita sua comunicação e interpretação no mundo em que vive.

Logo, desconsiderar a variedade linguística que o aluno tem em sua posse é, de certo

modo, uma forma de realçar e fortalecer o preconceito linguístico, pois o aluno se vê obrigado

a permutar a variedade com a qual ele se comunica socialmente por uma variedade

tradicionalmente manifestada pela elite, que foge do seu convívio social, isto é, o que deveria

ser acrescentado como ensino de uma nova variedade acaba por anular a variedade que o

aluno possui, quer dizer, o aluno não aprende as diversidades que podem encontrar na língua,

apenas aprende que o seu jeito de falar é errado. Defendemos e reforçamos a ideia de que as

aulas de ensino de Língua Portuguesa devem oportunizar de forma igualitária, em termos de

conteúdos e conhecimentos, uma aprendizagem harmônica com os princípios

sociolinguísticos.

Considerações finais

Nesse trabalho de pesquisa buscamos observar as variações linguísticas apresentadas

na música ‘Zaluzejo’, do grupo musical ‘O Teatro Mágico’ e propor uma reflexão à respeito de

como a escola, enquanto ambiente formador de cidadãos, lida com a questão dos diferentes

modos de falar, partindo do pressuposto de que toda variação linguística acontece movida por

fatores, principalmente, de ordem cultural.

Dessa forma, percebemos que toda a construção da música apresentada acima alerta

para o fato de que cada pessoa é influenciada diretamente pelo meio em que vive e isso é

marcado, principalmente, pelas práticas culturais e sociais das pessoas inscritas nessas

comunidades.

Portanto, cada aluno que chega à escola, traz consigo um leque de conteúdos culturais

que marcam a sua identidade, tanto enquanto cidadão quanto como falante pertencente a uma

determinada comunidade linguística. Para tratar esse aluno com igualdade frente aos outros,

não se deve fazer juízo de valor em relação à sua variedade linguística, mas sim, mostrar que

existe a norma-padrão, apenas uma outra forma de se falar e que ela está instituída como

padrão no Brasil. Mas isso não obriga ninguém a usar essa modalidade da língua em casa em

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uma conversa com os pais ou com amigos, por exemplo. Ela deve ser conhecida, mas não

imposta.

Sobre esse ponto de vista, Bortoni-Ricardo (2005) alerta para o fato de que:

No Brasil, ainda não se conferiu a devida atenção à influência da diversidade linguística no processo educacional. A ciência linguística vem, timidamente, apontando estratégias que visam aumentar a produtividade da educação e preservar os direitos do educando (p. 19).

A escola precisa ter ciência de que, conforme ressaltam Coan e Freitag (2010, p. 04),

“quando se diz que a Sociolinguística é o estudo da língua em seu contexto social, isso não

deve ser mal interpretado”, pois não se trata de impor a diversidade linguística no ambiente

escolar, mas procurarmos entender o “uso da língua, no sentido de verificar o que ela revela

sobre a estrutura linguística”, sobre o sujeito que carrega todos os multilinguismos e sobre

como ocorrem as relações entre a língua e seu funcionamento, pois, a Sociolinguística defende

que a língua e as variações são inseparáveis, isto é, as variações linguísticas são construtivas

da própria língua.

Referências

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BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

______. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola. Editorial, 2003

BORTOLOZZO, R. de S. SILVA, R. de S. MACEDO-KARIM, J. PCN’s e o livro didático: uma abordagem Sociolinguística. Revista de Estudos Acadêmicos de Letras, v. 7, n. 01, p. 21-28, 2014.

BORTONI-RICARDO S. M. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística & educação. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2005.

BRASIL. Secretaria de educação Fundamental – Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclo do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília, 1998.

COAN, M.; FREITAG, R. M. K. Sociolinguística variacionista: pressupostos teórico-metodológicos e propostas de ensino. Domínios de Linguagem: Revista Eletrônica de Linguística, Uberlândia, v. 04, n. 02, p. 01-22, 2º semestre 2010.

FRANÇA, Simone dos Santos. BARROS, Adriana Lúcia de Escobar chaves. A abordagem da variação linguística no livro didático “Português de olho no mundo do trabalho”. – Campo Grande: Web-revista SOCIODIALETO, vol.2, N°2, 2012.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 72

MACEDO-KARIM, Jocineide. A comunidade São Lourenço em Cáceres-MT: aspectos linguísticos e culturais / Jocineide Macedo Karim. -- Campinas, SP: [s.n.]. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, 2012.

NEVES, Maria Helena de Moura. A língua portuguesa em questão: uso, padrão e identidade linguística. UNESP – Araraquara, p. 1-13, 2010.

SILVA, M.B. da. A escola, a gramática e a norma. In: BAGNO, M.(org.). Linguística da Norma. São Paulo: Loyola, 2002.p. 253-265.

SILVA, J. P. da. O conceito de erro em Sociolinguística. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/abf/rabf/9/110.pdf> Acesso em 21/01/2017.

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PARTE 2

ESTUDOS SOBRE LINGUAGENS

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OS GÊNEROS DO DISCURSO DE NATUREZA IMAGÉTICA

NO LIVRO DIDÁTICO: UMA VISUALIDADE DIALÓGICA?

Alexandre Duarte Gomes1

Dóris de Arruda Carneiro da Cunha2

Introdução

O ano de 2017 será marcado, no plano educacional das escolas públicas, pela chegada

dos livros didáticos do Ensino Fundamental que foram selecionados pelo PNDL e escolhidos,

em 2016, por professores de todo o país. Isso é mais de que motivo para que discutamos como

os livros didáticos voltados para o ensino e aprendizagem do português elaboram seu

trabalho com a linguagem.

A importância de análise do livro didático como objeto desta e de outras pesquisas está

no fato de que, não obstante o grande avanço tecnológico e a consequente disponibilidade de

materiais didáticos digitais, tais livros ainda continuam sendo, nas escolas públicas de nosso

país, o material didático mais presente. Prova dessa presença enorme dá-se pelo crescente

número de sua aquisição e distribuição, segundo dados apresentados pelo PNDL.

Nosso olhar sobre o livro didático centrou-se nas atividades de leitura de textos visuais

e verbo-visuais da Coleção de Português do Projeto Teláris (BORGATTO, BERTIN &

MARCHEZI, 2015). Buscamos verificar como essa coleção aborda os princípios dialógicos que

determinam a linguagem na perspectiva da teoria dos gêneros de Bakhtin, uma vez que o

próprio livro, em seu Manual do Professor, deixa explícito que segue a concepção bakhtiniana

de gêneros do discurso. Ou seja, como, na abordagem dos textos visuais e verbo-visuais, dão-

se os mecanismos de construção de sentido na perspectiva dialógica?

A escolha que fizemos pelos textos de natureza visual ou vervo-visual está alicerçada

na percepção que a linguagem imagética tem sido, sistematicamente, preterida de maneira

sistemática à verbal na ambiência escolar, o que vai de encontro ao que, na realidade

extraescolar, processa-se, pois, cada vez mais, os textos do nosso cotidiano têm apresentado

uma semiose de natureza multimodal, quando não se desenvolvem, unicamente, no plano da

linguagem visual.

1 Atualmente é professor II - Secretaria Municipal de Educação de Recife e Secretaria Estadual de Educação. Tem

experiência na área de ensino, com ênfase em Português. [email protected] 2 É professora titular da Universidade Federal de Pernambuco (aposentada), professora da Universidade Católica de

Pernambuco e Pesquisadora do CNPq. [email protected]

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Posto isso, a busca e o virtual encontro de avanços na abordagem dessa linguagem em

um livro didático pode ser uma sinalização de que a prática pedagógica está indo na direção

de contemplar a reflexão sobre a linguagem pela qual se tenta, muitas vezes, “vender,

manipular, banalizar e reproduzir o pior que a sociedade tem a oferecer” (KLEIMAN, 2005, p.

50).

A Escola Linguística de Leningrado e a noção de gêneros do discurso de Bakhtin3

Abordar a obra de Bakhtin é inevitavelmente referir-se ao conjunto de pesquisadores

que, juntamente a ele, refletiu sobre as mais variadas questões do âmbito científico do início

do século XX na antiga URSS. Segundo Bota e Brockart (2007), esses pesquisadores russos

buscavam compreender o modo como se dão os processos de práticas verbais em relação ao

funcionamento da psique e da organização social. Faraco (2009), por sua vez, estabelece que

havia dois grandes projetos que eram objetivados pelos membros da Escola Linguística de

Leningrado, quais sejam: 1) o primeiro é representado por Bakhtin e tinha como finalidade

construir uma “prima philosophia”, que descontruiria o “teoreticismo, isto é, as objetivações

da historicidade vivida, obtidas pelos processos de abstração típicos da razão teórica” (p. 16);

2) e o segundo estaria sob a tutela de Volochínov e Medvedev e que seria preencher uma

lacuna existente nas formulações marxistas , isto é, forjar um aparato teórico para a “criação

ideológica, ou seja, para usar um termo mais corrente num certo vocabulário marxista, uma

teoria das manifestações da superestrutura” (p.16-17). Tal intersecção entre esses projetos

dos membros da ELL dá-se, especialmente, frente à abordagem sobre a linguagem, o que,

segundo Faraco (ibid), ocorre a partir de 1925/1926, quando a linguagem passa a ocupar a

centralidade das reflexões daqueles pensadores.

Decorrente da perspectiva similar, entre Bakhtin e Volochívov, do que seja a

linguagem, cujo elemento basilar, para ambos, é o enunciado concreto, temos, por

consequência, uma evidente convergência quanto ao conceito de gêneros do discurso. Assim o

é, porque os dois pensadores, fieis a seus princípios, analisaram formas concretas de

comunicação, o que os levaram a deparar-se e conceituar os modos padronizados de

interlocução.

3 A designação de Escola Linguística de Leningrado, cunhamos de Tylkowski (2010). Tal designação, acreditamos que

seja mais adequada que aquela que largamente se popularizou, Círculo de Bakhtin. Assim o é, porque, como nos aponta os estudiosos da realidade daquele conjunto de autores que se debruçaram sobre o estudo da filosofia, biologia, música, literatura, Bakhtin não ocupava um papel de liderança, o que a nomenclatura tradicionalmente utilizada de Círculo de Bakhtin faz crer.

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A gênese do pensamento de Volochínov acerca dos gêneros é possível que tenha sido

formulada a partir da influência de seu professor na Universidade Petrogrado, Jakubinskij.

Afinal, em Sobre a fala dialogal, Jakubinskij traça um estudo bastante profundo acerca dos

processos que envolvem o diálogo face a face, no qual dentro dos princípios traçados, há o da

apercepção, que é, segundo o autor, um dos fundamentos para a eficiente realização do

diálogo face a face. Tal princípio seria baseado no que, hodiernamente, é denominado

“conhecimento partilhado”. De fato, Jakubinskij postula que para um interlocutor ter um

entendimento de uma determinada situação comunicativa faz-se necessário que se recupere

suas experiências anteriores para dar sentido ao que ocorre no momento de percepção. Ora,

como nossas experiências têm similaridade, tendemos, em situações parecidas, termos

comportamentos enunciativos parecidos. Dessa forma, está posto o que o linguista russo vai

chamar de enunciados-clichês, situações-clichês e temas-clichês. E isso, como nos aponta

Ivanova, é um primeiro movimento do que, posteriormente, Volochínov designará de gêneros

verbais da vida cotidiana:

Tanto Jakubinskij quanto Volochínov apontam frequentemente a determinação pela situação da entonação, da escolha das palavras e da estrutura do enunciado. Ambos os linguistas relacionam a estereotipia dos enunciados à estabilidade das situações da vida cotidiana. Exceto que, na concepção de Volochínov, essa ideia é desenvolvida até a noção de gêneros verbais na vida cotidiana (2011, p. 258 – grifos da autora).

De fato, o passo adiante que Volochínov dá acerca dos gêneros textuais é possível

porque ele não se prende, meramente, a questões relativas ao diálogo face a face. O discípulo,

ao contrário de seu mestre Jakubinskji, tem como objeto de suas reflexões a linguagem como

um todo. Linguagem que, para ele, está atrelada, ontologicamente, a dimensões sociais,

políticas e culturais, das quais ela é resultante e, concomitantemente, é parte constitutiva.

Para Volochívov, a realidade linguística é uma resposta à realidade extra verbal. Ou seja, a

linguagem é um exercício ideológico, é sempre um diálogo, concordante ou discordante, entre

pontos de vista que abarcam todos os aspectos sociais. Daí, a questão do gênero desenvolver-

se nas e pelas tessituras sociais, conforme o trecho abaixo nos esclarece4:

(...) cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação socioideológica. A cada grupo de formas pertencentes ao mesmo gênero, isto é, a cada forma discurso social, corresponde um grupo de temas. Entre as formas de comunicação (por exemplo, relações entre

4 Não obstante a referência aponte, em Marxismo e filosofia da linguagem, para uma coautoria entre Bakhtin e

Volochínov, é uma questão específica da edição que utilizamos, uma vez que não é mais passível de grandes discussões a autoria, unicamente, de Volochívov do supracitado livro.

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colaboradores num contexto puramente técnico), a forma de enunciação (“respostas curtas” na “linguagem de negócios”) e enfim o tema, existe uma unidade orgânica que nada poderia destruir. Eis por que a classificação das formas de enunciação deve apoiar-se sobre uma classificação das formas da comunicação verbal (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010, p. 44- grifos do autor).

Bakhtin, assim como Volochínov, conceitua a linguagem como algo que é indissociável

das questões sociais5. A linguagem é, para ele, resultante do ponto de vista de onde se enuncia.

Ou seja, cada falante desenvolve seus processos enunciativos a partir de sua realidade social.

Assim, um mesmo objeto da realidade concreta vai gerar uma visão, um posicionamento

axiológico diferente a depender da posição socioideológica em que o indivíduo enuncia. E é

decorrente desse “jogo” de posicionamentos que se dá, segundo Machado, o princípio

constitutivo da linguagem: “Dialogismo entendido, sobretudo, como visão de mundo

construída com a linguagem através dos sistemas de signos” (2007, p. 196 – grifos da autora).

Ou seja, o dialogismo é a adoção, como parte de um discurso individual de um discurso de

outrem - quer para referendá-lo, quer para refutá-lo. E é disso que a vida se constrói, da

relação entre discursos, uma vez que não é possível se apreender a realidade tal como ela é,

isto é, “o mundo só adquire sentido para nós, seres humanos, quando semioticizado”

(FARACO, 2009, p. 49).

E dentro do plano de elaboração de nossos pontos de vista acerca do mundo, por

intermédio dos discursos que realizamos, que está o uso de formas de enunciação

padronizadas, as quais têm como finalidade a obtenção de maior grau de compreensão. Ou em

palavras do próprio Bakhtin:

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais ou escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no conjunto de enunciado e são igualmente

5 Segundo Faraco (2009), embora haja tanto em Bakhtin quanto em Volochínov uma abordagem da linguagem numa

perspectiva social, há uma diferença lapidar entre o modo como eles abordam a questão social. Bakhtin, ao contrário de Volochínov, não faz um vínculo explícito entre a noção de vozes sociais e classes sociais/lutas de classe. Bakhtin, também, não estabelece um horizonte de superação dos conflitos sociais, os jogos de poder, o que Volochínov aponta como possibilidade, sem, no entanto, deixar evidente como se daria a linguagem em uma sociedade sem classes sociais.

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determinados pela especificidade de um campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais demonstram gêneros do discurso (BAKHTIN, 2016, p. 11-12 – grifos do autor).

A noção de gêneros do discurso de bakhtiniana está em consonância ao que,

anteriormente, apontamos como sendo, para Bakhtin, o elemento basilar da linguagem, o

enunciado concreto. De fato, a partir desse recorte epistemológico e do que a ele se

correlaciona, podemos determinar as noções pelas quais a perspectiva dialógica estabelece

como processo constitutivo de qualquer de enunciação e que tomaremos, neste trabalho,

como categorias de análise:

1- compreensão responsiva: o fato de que não há passividade frente ao que é dito, ou seja,

todo indivíduo, inescapavelmente, está destinado a se posicionar axiologicamente às

práticas sociais que ele está envolvido e, por conseguinte, aos discursos que

constituem tais práticas;

2- organização composicional do gênero: modo pelo qual um determinado gênero se

organiza, isto é, a maneira pela qual se dá a diferenciação entre um gênero e outro.

Segundo Cunha (2002), a construção composicional de um texto dá-se, na escrita, por

intermédio dos elementos paratextuais e a estrutura visual. No caso específico do

nosso objeto de pesquisa, textos visuais e verbo-visuais, adotaremos como elementos

definidores da organização composicional do gênero a relação entre a representação

imagética da realidade e os aspectos materiais que realizam essa representação.

3- autoria: relação entre intenção discursiva do falante e suas escolhas, que estão

submetidas aos limites estabelecidos pela esfera de comunicação discursiva, bem como

pelas condições de produção/recepção e pelo gênero discursivo (Cf. GRILLO, 2012);

4- condições de produção/recepção: a produção e a recepção de qualquer forma de

comunicação está submetida a dois níveis de articulação: a) “um nível mais amplo, que

compreende o plano socioeconômico-político”; b) e um nível mais restrito ”que

compreende cada esfera de utilização da língua ou a situação imediata da comunicação

verbal” (GRILLO; CARDOSO, 2003).

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A teoria bakhtiniana e a análise com enunciados visuais e verbo-visuais

Pode causar estranhamento naqueles que não acompanham mais detidamente a

evolução do uso dos princípios bakhtinianos, o fato de nós buscarmos em textos não verbais

os elementos constitutivos do dialogismo. Contudo, nada há de ineditismo nessa abordagem

que fazemos, pois como nos esclarece Brait (2013), Alla Efimova e Lev Manovich têm um

trabalho voltado para a relação entre dialogismo e visualidade, bem como Deborah J. Haynes.

Aqui, no Brasil, dentre outros, podemos citar a própria Brait como um exemplo de estudiosos

que têm se dedicado a analisar textos verbo-visuais a partir dos princípios bakhtinianos.

Todos esses autores têm na própria obra de Bakhtin, assim como na de Volochínov, a

base para exercer a abordagem das relações dialógicas nos textos de natureza não verbal, pois

os trechos abaixo assim indicam essa possibilidade:

Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010, p.36)

O texto é a realidade imediata (realidade do pensamento e das vivências), a única fonte de onde podem provir essas disciplinas e esse pensamento. Onde não há texto não há objeto de pesquisa e pensamento. O texto “subentendido”. Se concebe o texto no sentido amplo como qualquer conjunto coerente de signos, a ciência das artes (a musicologia, a teoria e a história das artes plásticas) opera com textos (obras de arte). São pensamentos sobre pensamentos, vivências das vivências, palavras sobre palavras, textos sobre textos (BAKHTIN, 2016, p. 71-72).

Ou seja, não há o que se opor com o trabalho que seja efetivado no âmbito das

linguagens não verbais. Afinal de contas, o princípio dialógico é um exercício que se alicerça

nas relações entre a realidade extra verbal e a linguagem, numa prática de refração e reflexão

(Cf. FARACO, 2009). E isso está na natureza de toda prática comunicativa.

Em Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica, Brait estabelece que o

trabalho com o visual deve atender as seguintes noções:

(...) a teoria bakhtiniana da linguagem é uma teoria do discurso, que trabalha com enunciados situados, sempre em tensão, necessariamente tomaremos as relações dialógicas como uma categoria fundante, juntamente com as demais que foram levantadas por Efimova, Manovich e Haynes como fundamentais

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para análise do verbal, do visual e, consequentemente, do verbo-visual, objeto desta reflexão6 (BRAIT, 2013, p. 51).

Por sua vez, Grillo (2012), além de também fazer referência ao fato de que ao longo da

obra da Escola de Leningrado haver várias citações a linguagens não verbais, delineia os

fundamentos para a análise de textos verbo-visuais. Tais fundamentos, segundo a autora,

fazem-se necessário para que haja uma abordagem dos enunciados concretos de natureza

verbo-visuais. Ou seja, as noções de dialogismo, de estética e autoria. Esses fundamentos,

segundo a autora, são basilares para delimitação do objeto em questão, os textos verbo-

visuais.

Em nossa análise, tomamos os seguintes princípios como categorias de análise das

atividades de leitura da coleção: organização composicional do gênero, compreensão

responsiva, condições de produção/recepção e autoria. A opção que fizemos está baseada no

fato de que não estamos analisando o texto visual e/ou verbo-visual em si, mas, sim, o

tratamento didático que esse texto teve. Acreditamos que essas quatro categorias são

lapidares para que uma abordagem de leitura assuma um viés de inacabamento que deve ter,

isto é, que possa haver o encontro das vozes do leitor, do autor e do texto, ou seja, que sejam

efetivas as relações dialógicas no processo de leitura.

O grafocentrismo pedagógico VS a multimodalidade cotidiana

Não há como negar que estamos vivendo num mundo marcadamente imagético. Isso

não é coisa que se tenha efetivado apenas com o advento e popularização da Internet. De fato,

muito antes disso, já havia a presença marcante de formas imagéticas no cotidiano das

grandes massas, as quais se expressavam por via das fotografias, bem como das imagens

televisivas e fílmicas.

A escola, no entanto, sempre relegou essas linguagens a um papel secundário. Daí que

já na década de setenta Dondis ([1973] 2007) chamava a atenção para o descuido pedagógico 6 Brait refere-se ao trabalho de Efimova e Manovich, Russsian Essays on Visual Cultura (apud BRAIT, 2013), no qual os

autores estabelecem como princípio de realização do trabalho com o visual, na perspectiva bakhtiniana, o fato de Bakhtin, em O autor e o herói da atividade estética, fazer referência aos conceitos de excedente de visão, imagem externa, exterioridade, vivenciamento das fronteiras externas do homem, imagem externa da ação, corpo exterior, o todo espacial da personagem e do seu mundo (a teoria do “horizonte” e do “ambiente”). Quanto a Haynes, através da teoria da criatividade articulada, busca demonstrar que Bakhtin, por intermédio dos conceitos de responsabilidade, alteridade, inconclusibilidade, exterioridade, esfera, dentre outros, possibilita a interpretação da atividade estética “como uma esfera na qual o cognitivo-teórico e ético-prático estão articulados, mas cada um enfocando a realidade diferentemente, tratando a arte como a dimensão estética da vida” (BRAIT, 2013, p. 48).

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com as imagens. Não havia, à época, segundo o autor, qualquer sistematização com o trabalho

com as imagens no ambiente pedagógico. A assistematização ainda continua décadas após,

segundo relato de Kress e van Leeuwen (1996). Esses autores dizem que não há qualquer

intuito de se dotar os alunos da competência com o trabalho com as imagens, uma vez que,

após a aquisição da escrita pelos educandos, o plano imagético assume um “secundarismo”

notório, que se expressa pela presença das imagens apenas como ilustração a textos verbais

ou através de mapas e gráficos, os quais não recebem qualquer atenção. Nessa mesma

perspectiva está Santaella (2012) que diz que a escola utiliza as imagens como um mero

exercício de visualização, e não de verdadeira leitura.

A presença de propostas de leitura de textos multimodais em livros didáticos, bem

como as recomendações que existem para o trabalho com as linguagens multissemióticas em

documentos oficiais, nem sempre aponta para um trabalho coerente com esses textos. Por

exemplo, a Base Curricular Comum do Governo do Estado de Pernambuco (BCC-PE) expressa

que o trabalha com a língua deve ser numa perspectiva discursiva e que de gênero textual

deve ser o alicerce de desenvolvimento do ensino e aprendizagem da língua materna. No

entanto, faz recomendações que indicam uma incoerência teórica:

(...) utilizem diferentes recursos visuais e gráficos (imagens, fotos, figuras, e outros sinais, com diferentes tipos, tamanhos, cores e formatos das letras) sejam diversificados quanto à sua forma de apresentação gráfica (tabelas, gráficos, mapas e outros similares) (2008, p.77).

Numa perspectiva de fato vinculada à teoria dos gêneros, um mapa, uma foto, uma

tabela e um gráfico são tomados como um gênero, e não como um “recurso visual ou gráfico”.

Também incoerente parece ser a indicação que o mesmo BBC-PE estabelece:

(...) traga algum tipo de ilustração ou algum recurso gráfico, caso se trate de textos mais longos, de forma a amenizar o esforço da leitura, principalmente quando se destinam às séries iniciais do Ensino Fundamental (2008, p. 77).

Defendemos que a finalidade das imagens não seja servir de “amenizar o esforço” de

leitura, mas, sim, de concomitantemente com o plano verbal da linguagem, construir, nos

textos verbo-visuais, um determinado efeito de sentido.

A escola, assim, tem sido um ambiente de prática da leitura e produção da linguagem

verbal. Linguagem verbal que passou, em seu processo de ensino e aprendizagem, por uma

substancial transformação desde que as teorias de abordagem da língua na perspectiva

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discursiva impuseram-se de forma hegemônica na realidade teórico-acadêmica e, por

consequência, passaram a ser elemento balizador para a formação de professores, bem como

se tornaram parâmetro para a aprovação dos livros didáticos pelo PNDL (Cf. BUNZEN, 2006).

Contudo, a efetiva consolidação dessa transformação deu-se, no Brasil, apenas com a

elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997.

Não obstante avanços sejam percebidos quanto ao uso dos princípios discursivos na

prática pedagógica de língua portuguesa, há problemas relevantes no uso dessa perspectiva

de linguagem no processo de ensino e aprendizagem (Cf. SUASSUANA, 2009; MARCUSCHI,

2006). Um dos mais relevantes é apontado por Geraldi (2009)7:

(...) para que a mercadoria se tornasse palatável ao sistema, foi preciso esquecer a estabilidade relativa dos gêneros; o entrecruzamento genérico, a correlação genética com as atividades sociais e sua distinção entre gêneros primários e gêneros secundários deixa de ser processual para se tornar ontológica. Os gêneros passam a ser ‘entes’ e não processos disponíveis para a atividade discursiva que se realiza no interior das esferas de atividades humanas. Assim, desbastado de toda sua originalidade, o estudo bakhtiniano, mantida a referência à linguística da enunciação, se prestou a um deslocamento no ensino que vai das tentativas de centração na aprendizagem através das práticas, para objetos definidos previamente, seriáveis, unificados e exigíveis em avaliações nacionais. Agora se ensina um gênero no qual o aluno pode se exercitar. O movimento vai do ensino à organização didática da aprendizagem. Não é preciso partir do capital cultural: dispõe-se da segurança do capital escolar. Voltamos a ter uma mercadoria, um capital escolar vendável e consumível. Retornamos ao passado sob o manto do recente, do novo, do atual (GERALDI, 2009, p. 71-80).

Geraldi mostra-nos algo que rebate no que tem persistido ser o mais profundo

paradigma na dinâmica escolar, o que seja: o papel de reprodução, isto é, o aluno como

replicador da realidade, e não de instaurador de uma realidade. E isso é possível, sim, que

esteja ocorrendo com a noção de gêneros do discurso.

Enfim, a realidade escolar está em antagônica situação: de transformação e de

manutenção. Transformação: no tocante ao uso de um modo de ensino baseado nas formas

discursiva da linguagem verbal; e manutenção, pois se centra, prioritariamente, nessa busca e

relega a um papel secundário as outras formas de linguagens. Raiz da provável resistência da

7 Não desmerecemos o que nos indica Mendonça (2006) e alguns outros pesquisadores, que, muitas vezes, os gêneros

são usados para fazer análise linguística. Defendemos que isso não é “engano” teórico-pedagógico, é mera opção pela

manutenção do exercício pedagógico da normatização da prática do ensino e aprendizagem do português.

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escola pela inserção do plano imagético é a natureza das formas de multiletramentos, como

nos indica Rojo:

“(...) o conceito de multiletramentos – é bom enfatizar – aponta para dois tipos específicos e importantes de multiplicidade presentes em nossas sociedades, principalmente urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica (2012, p. 13 – grifos da autora).

Ou seja, a inserção das imagens que constituem os textos multimodais seria uma forma

de introduzir ideologias que, muitas vezes, são antagônicas àquelas que a escola,

tradicionalmente, trabalha. Dessa forma, a manutenção do grafocentrismo pode ser uma

maneira que a escola encontrou de refutar as mundivisões que lhe são “estranhas”.

A coleção de português do Projeto Teláris: o uso dos gêneros visuais e verbo- visuais

A visão geral que o PNDL-2017 apresenta da Coleção de Português do Projeto Teláris é

a seguinte:

A obra fundamenta-se no sociointeracionismo e compõe-se de unidades didáticas organizadas em torno de um gênero textual. A coletânea é ampla e diversificada, apresenta textos de diferentes gêneros, autores e domínios discursivos, incluindo textos multimodais e da tradição oral. Diversas capacidades de leitura são exploradas, como as da compreensão global e da produção de inferências (SEF/MEC, 2017, p. 37).

Tal avaliação promovida PNLD é mais ampla que a realizamos, pois detivemo-nos,

apenas, na seção Outras linguagens, na qual há forte presença de textos visuais e verbo-

visuais. Mas para se conseguir ter uma visão geral da organização dos livros que compõem a

coleção, temos o quadro abaixo.

Quadro 1 - Estrutura dos livros da Coleção do Projeto Teláris - Português.

Introdução 4 Unidades Em cada Unidade há: .Ponto de partida .Capítulos (dois) .Sugestões – indicação de leituras, filmes, músicas, etc. .Ponto de chegada – fechamento da Unidade .O que estudamos na Unidade (atividades sobre os gêneros e sobre a língua) .Produção de texto final Unidade Suplementar

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Projeto de leitura Fonte: Manual do Professor da Coleção Teláris - Português (2015).

Os capítulos, por sua vez, são estruturados da seguinte maneira:

Quadro 2 – seções dos capítulos da Coleção do Projeto Teláris – Português.

Seções

Abertura

Leitura(as) principal (ais)

Interpretação de Texto . Compreensão

. Construção do texto

. Linguagem do texto

. Hora de organizar o que estudamos

Prática de oralidade

Ampliação de leitura: . Outras linguagens

. Conexões: entre textos, entre conhecimentos

Língua: usos e reflexão: . Estudos linguísticos e gramaticais

. Hora de organizar o que estudamos

Produção de texto

Outro(s) texto(s) do mesmo gênero

Autoavaliação

Ponto de chegada

Fonte: Manual do Professor da Coleção Teláris - Português (2015).

E como a própria avaliação do PNLD evidencia, a Coleção Teláris trabalha numa

perspectiva enunciativa. Essa perspectiva tem forte fundamento na teoria enunciativa de

Bakhtin8. E para melhor demonstrar, ao professor, como se processa a paradigma bakhtiniano

acerca dos gêneros, na secção Princípios Teóricos e Metodológicos do referido Manual

(p.361), há a seguinte figura:

8 “Segundo Bakhtin (Estética da Criação Verbal, op. cit), a quantidade de gêneros é quase infinita. São textos verbais –

falados ou escritos – que circulam nas várias esferas sociais em que os seres humanos se relacionam: trabalho, família, escola... São socialmente motivados pelas necessidades intenções (fazer rir, emocionar, convencer...) dos sujeitos que se comunicam; inserem-se em contextos sócio-históricos determinados e em situações comunicativas específicas. A cada circunstância, a cada interação particularizada, a cada público a que o texto é destinado, a cada mudança de veículo/suporte, se alteram as configurações de linguagem. Consequentemente o gênero é alterado” (BORGATTO, BETIN & MARCHEZI, 2015, p.334).

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Figura 1 – Modo de constituição dos gêneros do discurso apresentado no Manual do Professor.

Fonte: Manual do Professor da Coleção Teláris (2015).

A partir dessa configuração, as autoras do livro traçam todos os eixos de ensino e

aprendizagem da coleção. Nossa proposta, assim, na análise que fizemos é reconhecer como,

nas atividades de leitura, especificamente nos gêneros verbo-visuais e visuais, a coleção

utiliza a base teórica apresentada.

Da seção Outras linguagens, analisamos 33 propostas de leitura, que estão

configuradas de acordo com o que apresentado na tabela abaixo9:

Quadro 3 - Gêneros analisados nas propostas de leitura da seção Outras linguagens10.

Pintura: 6 propostas Xilogravura: 1 proposta

História em quadrinhos: 3 propostas Mapa e Ilustração (comparação): 1

proposta

Ilustração; 2 propostas Tirinha: 1 proposta

Foto: 4 propostas Propaganda/Publicidade: 4 proposta

Publicidade e pintura (comparação): 1

propostas

Ilustração e foto(comparação): 1

proposta

9 Nas atividades que há a referência a dois gêneros, na tabela acima, é porque a coleção propõe uma leitura comparativa

entre gêneros. 10

Das 33 propostas de leitura, três não trazem qualquer atividade de compreensão textual.

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Infográfico: 1 proposta Poemas concretos: 1 proposta

Artes plásticas: 1 Gráfico: 1 proposta

Foto e arquitetura (comparação): 1

proposta

Pintura, escultura e cinema

(comparação): 1 proposta

Charge: 1 proposta Cartum: 2 propostas

Fonte: Coleção do Projeto Teláris – Português (2015).

As propostas de leitura elencadas na tabela acima trazem algumas questões

importantes para nossa reflexão. Primeiramente, todo texto que passa pelo processo de

didatização, verbal ou não, traz uma relativa perda de seu “sentido natural”, mas a

problemática hiperdimensiona-se quando se trata de textos de natureza imagética, uma vez

que, por exemplo, a textura de uma pintura jamais poderá ser reproduzida em sua inteireza

num material impresso. Ou seja, o cuidado quanto ao processo de didatização no tocante às

imagens deve ser redobrado. Afinal, o descuido pode resultar em uma proposta inadequada,

tal como a que a coleção em analise realizou, quando colocou uma foto de uma imagem

retirada de um filme para ser lida. De fato, as imagens em movimento trabalham com outras

perspectivas que a imagem estática não contempla. Fato problematizador, também, foi certas

propostas de leitura estar totalmente descontextualizadas, o que não permitiam um efetivo

procedimento de leitura. Por exemplo, a proposta de leitura que envolvia a xilogravura era

reprodução de uma capa de livro de literatura de cordel, que só poderia ter seu sentido

compreendido para quem tivesse lido o livro, o que os alunos não fizeram. Como, então,

realizar a efetividade da capa? O gráfico e o infográfico são outros exemplos de

descontextualização. Eles não acompanhavam nenhum texto verbal, o que é natural que

ocorra com os gráficos e os infográficos. Outro fator bastante relevante nas propostas de

leitura era que determinados “textos motivadores” orientavam completamente a construção

de sentido do leitor frente aos textos que iam servir de proposta de leitura.

As atividades de leitura: uma busca pelo dialogismo

Após analisar as 33 propostas de leitura que havia na coleção, podemos encontrar

os seguintes dados quanto à presença das categorias de composição do gênero, autoria,

compreensão responsiva e condições de produção/recepção:

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Gráfico 1 - Percentual das categorias de análise nas 33 atividades de propostas de leitura de textos visuais e

verbo-visuais.

Fonte: elaborado a partir dos dados da pesquisa.

O gráfico acima demonstra que a categoria mais presente, nas 33 atividades analisadas,

é a organização composicional do gênero, o que, de alguma forma, já trabalhávamos com a

hipótese de que isso ocorresse, pois, a prática escolar, de um modo geral, tende a tornar a

prática do ensino e aprendizagem um exercício de reprodução de “realidades”. A Coleção, no

entanto, foge daquilo que Geraldi (2009) denomina de “gramaticalização do gênero”, ou seja,

que a escola busca normatizar a organização composicional do gênero, destituindo o caráter

de relativa estabilidade que Bakhtin deu ao conceito de gêneros do discurso. De fato, na

maioria das atividades que contemplavam a organização composicional do gênero, não havia,

na coleção, uma proposta de imposição de normas acerca dos elementos composicionais do

gênero. Esse aspecto foi trabalhado, principalmente, no sentido de fazer o educando construir

o conhecimento acerca de uma possibilidade de construção do gênero que estava sendo

trabalhado na atividade de leitura.

A autoria foi trabalhada muito atrelada aos elementos composicionais do gênero, o que

é natural que tenha ocorrido dessa forma, uma vez que é dentro dos parâmetros da

construção dos elementos composicionais que há a possibilidade de que o autor estabeleça

mais firmemente suas marcas de autoria, sobretudo quando esse texto é de natureza

imagética. E isso, sem sombra de dúvida, fica mais explícito nas atividades em que havia como

proposta de leitura textos de natureza artística, pois tais textos propiciam mais liberdade do

autor frente aos elementos composicionais do gênero.

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%

COMPOSIÇÃO DE GÊNERO

AUTORIA

CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO/RECEPÇÃO

COMPREENSÃO RESPONSIVA

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 89

Para melhor entendimento da relação que foi estabelecida entre elementos

composicionais e autoria, sem que houvesse qualquer imposição da construção de sentido ao

aluno-leitor, temos a atividade abaixo.

Figura 2 - Proposta de leitura de um texto verbo-visual da Coleção Teláris.

4. Nas imagens do anúncio, a cor branca predomina.

a) Qual é a provável razão do destaque dado a essa cor?

b) Que estratégia destaca a embalagem do produto, que também é branca?

c) Por que, provavelmente, foi escolhida a cor lilás para os textos?

5. Nesse anúncio, os recursos visuais servem de argumentos para convencer o

leitor sobre as qualidades do produto e provocar nele o desejo de compra. Na

linguagem verbal, não foram empregados verbos no imperativo, como compre,

use, leve. O destaque é dado às características do produto. Quais são elas?

6. Em sua opinião, a imagem e os argumentos desse anúncio são capazes de chamar a atenção do leitor e de convertê-lo sobre as qualidades do produto? Justifique.

Questões da Coleção do Projeto Teláris – Português (2015, v. 8º ano, p.177).

Quanto a questões relativas às condições de produção/recepção, havia uma maior

presença dessa categoria nas atividades que faziam comparação entre textos. De fato, eles

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 90

contextualizaram nessas circunstâncias as condições de produção/recepção, sobretudo na

dimensão da situação imediata da produção/recepção do texto. Tendo sido poucas as

propostas que traziam a situação sociocultural e política que envolviam o texto.

A compreensão responsiva, basilar para uma leitura que esteja forjada na relação

autor-leitor-texto, foi trabalhada nas atividades de leitura muito menos do que esperávamos.

Esse fato ocorreu, especialmente, nas atividades do livro do 6º ano, nas quais havia perguntas

que abordavam as partes explícitas dos textos visuais e/ou verbo-visuais. Mas não apenas

nesse volume deu-se isso: em várias outras propostas de leitura das outras séries, também, foi

possível constatar que havia muitas atividades que não trabalhavam com questões

inferenciais, o que estreita a possibilidade que o aluno-leitor faça uma leitura autônoma do

texto.

Para exemplificar uma proposta de leitura que orientava a construção de sentido que o

aluno-leitor faria destacamos a atividade abaixo, que desde os dados biográficos que traz, já

aponta firmemente a construção de sentido que deve ser realizada frente ao texto.

Figura 3 – Proposta de leitura da Coleção Teláris.

1.Observe a pintura e converse sobre os pontos a seguir com seus colegas:

. Que elementos da pintura remetem a um relato situado no tempo e no espaço:

quem, o quê, onde e quando algo aparece.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 91

. De que modo as cores são usadas na tela de Heitor dos Prazeres: qual é a cor

predominante e que efeito esse uso produz (tristeza/alegria,

passividade/atividade).

. De que maneira as figuras humanas foram dispostas na tela e que impressão elas

passam: estão paradas, em movimento, isoladas ou em interação umas com as

outras, olham para onde... Que efeitos esse desenho produz.

2 Leia a legenda da imagem. Pelo que você observou da pintura na

atividade anterior, você acha que o título desse quadro é adequado ao que ele

representa. Explique.

Questões da Coleção do Projeto Teláris – Português (2015, v. 6º ano, 192-193).

Considerações finais

Nesta nossa pesquisa, tomamos quatro noções bakhtinianas para analisar o modo

como o supracitado livro didático elabora suas atividades de leitura de textos visuais e verbo-

visuais, quais sejam: organização composicional do gênero, autoria, condições de

produção/recepção e compreensão responsiva.

Defendemos que um conjunto de atividades de leitura que não mescle essas quatro

noções não pode ser enquadrado num trabalho que contemple a perspectiva bakhtiniana. De

fato, poder-se-ia, sob a forma de um pseudotrabalho com a teoria enunciativa de Bakhtin,

sendo encoberto mais um exercício de espontaneísmo pelo qual tem sido marcado o trabalho,

no ambiente escolar, com a linguagem a visual e verbo-visual.

A conclusão que tivemos da coleção que analisamos foi relativamente satisfatória, uma

vez que, mesmo que em questões que envolviam elementos composicionais do gênero, não

havia um processo de gramaticalização do gênero, ou seja, não observamos aquilo que Geraldi

(2009) aponta como um processo de “normatização” no trabalho com os gêneros, o que

sempre ocorre quando da desconsideração da relativa estabilidade que todo gênero possui. As

marcas de autoria, que, frequentemente, estão em convergência com os elementos

composicionais, não traziam, em sua grande maioria, um viés de imposição da

intencionalidade do autor em detrimento da relação entre autor-leitor-texto. As questões que

envolviam as condições de produção/recepção, embora sendo contempladas em menos da

metade das atividades, foram trabalhadas em que questões que eram fundamentais para uma

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efetiva construção de sentido por parte do aluno-leitor. A compreensão responsiva, sem

dúvida, foi a categoria que foi mais inadequadamente trabalhada, o que é justificado pelo

grande número de questões que traziam perguntas que privilegiavam a identificação de

elementos explícitos do texto. As questões inferências eram poucas e as que solicitavam uma

participação ativa do aluno-leitor, também – o que representa certo o rompimento com o

exercício de leitor ativo.

Enfim, frente a essas observações, podemos afirmar que há um processo de relativa

adequação, na Coleção do Projeto Teláris, no trabalho com as imagens numa perspectiva

bakhtiniana. Esperamos que isso represente uma sinalização que os textos visuais, bem como

os verbo-visuais, possam, paulatinamente, ocupar a importância, na sala de aula, que eles já

apresentam na realidade extraescolar.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 95

LINGUAGEM POÉTICA NA CRÔNICA DE FABRÍCIO

CARPINEJAR

Anagilda Siqueira Sobral Cordeiro1

Introdução

A obra “Beleza interior: uma viagem poética pelo Rio Grande do Sul” (2012), de

Fabrício Carpinejar, apresenta crônicas produzidas a partir de entrevistas que o escritor fez

durante sua viagem, de um ano realizada pelo Rio Grande do Sul, e sua experiência de vida, já

que nasceu no referido estado, na cidade de Caxias do Sul. Cada um desses textos apresenta

em sua estrutura a cidade que lhe forneceu o enredo e o título, caracterizando o personagem

que será apresentado pela crônica.

Uma dessas crônicas é intitulada “Vida de gringo”, na qual é importante ressaltar que,

de acordo com o dialeto proveniente da cidade de Caxias do Sul, local de inspiração para a

crônica em questão, o termo “gringo” se refere apenas aos italianos que migraram para a

região Sul do Brasil. Quando os gaúchos querem se referir a pessoas, advindas de outros

países, utilizam a palavra estrangeiro.

Crônica em análise

Caxias do Sul

Vida de gringo

O gringo é um estado de espírito espalhafatoso, evidenciado pelo senso de humor,

princípios morais fortes e aspereza.

Não age, reage, já sai discursando no cumprimento. Sempre está se explicando. Não

pergunta se vai chover, faz chover. Fala com os gestos, as mãos prolongam as cordas vocais.

Tem razão quando não tem razão. O que interessa é ser ouvido.

Como graceja o livreiro Arcangelo Zorzi Neto, o Maneco, 54 anos, a última palavra

sempre é do marido: "Sim, senhora!"

1 Aluna matriculada no Programa de Pós-graduação - Mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul

e-mail – [email protected]

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 96

O gringo gosta tanto de si que suas manias escapam das críticas e assumem o aspecto

simpático de eufemismos: não é gritão, é passional; não é fofoqueiro, é preocupado.

É preciso comer muito, colocar religião no tempero, preferir macarrão colorido e

molho ao sugo, ser ciumento, provocar quem ama, gritar palavrão quando o dicionário não

basta - explica Terezinha Onzi Sperafico, 70.

Gringo não fica sozinho, está eternamente recrutando parentes. Abusa de cores fortes:

verde, vermelho, laranja. Alterna as tintas das paredes para mostrar que a morada nunca é

igual, mas variada por dentro. Também não joga nada fora. Adora colecionar cacareco. A

residência terá um quartinho, para conservar objetos e móveis antigos. Segue à risca o

mandamento de "guardar, pois pode precisar um dia".

Seu sotaque é uma assinatura no vento. Troca o "ão" do final das palavras pelo "on":

Manson, monton, avion, television. E os dois erres por um somente, numa simplicidade

infantil: Caroça, gara, sera, churasco.

O gringo criou uma coreografia peculiar nos passeios pelo centro da cidade. Famílias

andam engatadas pelos braços nas ruas Júlio de Castilhos, Sinimbu e Os 18 do Forte. Como se

fosse um arrastão, um cabo de força. Tomam a lateral da calçada.

- É uma forma de se proteger e de estar próximo dos ouvidos para falar bem ou mal dos

outros - ri Renata Paim Bossardi, 26.

As esquinas funcionam como uma seção de achados e perdidos. A tática é parar numa

delas quando um familiar some nas andanças pelas lojas. O trio de baianas, formado pela mãe

Eliana Debon, 54, e suas filhas gêmeas Thaís e Thaína, 24, adotou o hábito.

- Quando a gente extravia, esperamos na esquina, é um caixa 24 horas de pessoas -

afirma Thaís.

Em Caxias, a base é a família, a identidade é o trabalho.

Numa conversa, a pergunta "Em que você trabalha?" vem em primeiro lugar. A segunda

questão refere-se à família: "Já casou? Tem filhos?". Descobrir o nome é de menos, inclusive

porque gringo tem apelido.

- Não ter família é ateísmo. Até hoje há a prática de interromper qualquer tarefa para

almoçar em casa – pontua o escritor Paulo Ribeiro, 50, professor da UCS.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 97

A refeição é farta, em grandes porções. Não é somente nas galeterias que ocorre um

rodízio faraônico, mas pela rede inteira de restaurantes. Talvez seja o único ponto

gastronômico do mundo em que o bauru é um bufê.

- A gente almoça pensando na janta – descreve a artista plástica Mara de Carli Santos,

56.

A preocupação com o emprego se deve às grandes indústrias da região, o segundo

maior polo industrial metal-mecânico do país. “É incrível, enfrentaremos engarrafamento às

5h, com o pessoal indo para a fábrica”, avisa Ribeiro.

Para ser mesmo gringo, um pré-requisito inadiável é contar com uma nona. Vó recebe a

promoção ao completar oito décadas.

Ilha Facchin Mantesso, 84 anos, atingiu o estágio. Viúva, vive cercada dos mimos de

seus dois filhos e dois netos, que se enraizaram no bairro Panazzolo de propósito, para vigiá-

la. “Não tem como fazer segredo em família de gringo, as coisas são às claras”.

Deitada no sofá ou secando a louça, ela não se descola da elegância. Sente-se viva em

movimento, cuidando da ordem doméstica. Diz que gringo não pede desculpa, agradece a

Deus. “Graças ao bom Pai, não fiz maldade, a não ser afogar gambá”, brinca.

Uma das catequistas pioneiras de Caxias do Sul, contadora de histórias e quatro

gerações, não reclama da falta de infância e dos sacrifícios na roça e no plantio de uvas. De

imigrantes de pés descalços e uma vontade férrea de repetir a Itália do outro lado do oceano.

- Ser gringo é carregar enxada que nem louco: saco vazio não permanece de pé –

confessa com a convicção de quem tem a alma extraordinariamente cheia.

A crônica em questão

Como propõe Martins (2012, p.41), o estudo estilístico visa à expressividade da língua

em uso, seja em sua forma falada ou escrita. Por isso, a análise busca reconhecer as

manifestações de emoções e julgamentos de valor que provocam reações afetivas em seus

interlocutores, e esses traços podem ser identificados na linguagem utilizada pelo escritor no

texto em estudo.

Na crônica "Vida de gringo", o narrador expõe as visões que seus entrevistados têm a

partir de percepções particulares acerca de um tema relacionado ao cotidiano, nesse caso, as

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 98

características e o modo de viver de migrantes italianos. A partir da representação desses

valores, verifica-se como marca do estilo de Carpinejar, o uso da linguagem poética de forma a

transmitir ao leitor sentimentos e sensações provenientes de sua narrativa.

Conforme aborda Micheletti (1997, p.154), "a linguagem poética objetiva nossas

necessidades estéticas, menos concretas e menos delimitadas", o que provoca a interação

emotiva entre o texto e o interlocutor. Valores afetivos são apresentados, por meio de

recursos estilísticos, de forma a convidar o leitor a compartilhar o modo de dizer do produtor

do texto. Assim, as vivências de mundo dos migrantes italianos são narradas e descritas na

crônica, a fim de aproximar o interlocutor da temática do texto.

Para analisar o uso dessa linguagem poética, na prosa de Carpinejar, será explorado o

recurso de repetição de léxico e de estruturas sintáticas que ocorre ao longo da enunciação do

autor. O uso da repetição recorrente exige cuidados quando aplicada em gêneros cuja

característica é a linguagem prosaica, como é o caso da crônica.

A repetição, segundo Micheletti (1997), diferencia-se no uso da linguagem em cada

uma das esferas:

Entre a prosa e a poesia o que altera é o grau, enfim a quantidade de recorrência e o modo de seu uso, a sua distribuição. Na prosa escrita, a repetição constrói os nexos requeridos pelas necessidades do pensamento racional. Constitui-se num dos fatores básicos de coesão e coerência, por estabelecer elos entre as partes do discurso. (p.155)

A autora ressalta, ainda, que o emprego da repetição na prosa deve ser comedido e

rígido, tendo em vista a intenção do produtor e a relação que esse recurso estabelecerá com o

interlocutor. Já que o uso em menor quantidade poderá resultar na falta de compreensão do

texto, e sua aplicação exagerada provocará o desinteresse do leitor (MICHELETTI, 1997, p.

155).

Quanto à poesia, a repetição é um recurso estilístico que não necessita de

comedimento, pois seu uso colabora com a construção da mensagem de forma a construir um

estilo que proporcionará brevidade e subjetividade à enunciação.

A repetição desenvolvida por Carpinejar, na crônica em análise, apresenta-se em sua

proposta mais poética, por conseguinte, é possível identificar a subjetividade e brevidade na

narração. Essa linguagem é construída em prosa e tem o objetivo de remeter às lembranças de

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personagens reais que se tornam protagonistas da história, e até mesmo do narrador, mesmo

sem declarar-se diretamente.

O recurso da repetição da palavra dá-se por meio da descrição do personagem "gringo"

feita pelo autor, desde o título "Vida de gringo", pois, a partir desse, identifica-se que a crônica

abordará essa comunidade como protagonista do enredo, até o final de sua narrativa. O

narrador apresenta ao interlocutor o "gringo", baseando-se em características que ratificam a

simplicidade e singularidade dos italianos que residem na cidade onde se ambienta a crônica.

A palavra “gringo” é utilizada repetidamente no início de alguns parágrafos do texto,

ora o termo é utilizado para reforçar uma característica descrita anteriormente, ora para

apresentar uma nova, acerca do personagem protagonista, como em:

O gringo criou uma coreografia peculiar nos passeios pelo centro da cidade.

(CARPINEJAR, 2012, p. 14).

O recorrente uso da palavra intensifica a descrição do protagonista, posto que os

depoimentos colhidos na cidade são utilizados para reforçar que não se trata de qualquer

gringo, mas daquele que é típico de uma cultura que acompanhou a construção do município.

Em alguns momentos do discurso, o autor, também, remete-se ao “gringo” no meio de

períodos,

Para ser mesmo gringo, um pré-requisito inadiável é contar com uma nona.

(CARPINEJAR, 2012, p. 15).

Nesse caso, confirma-se que o gringo, ao qual se refere o narrador, é visto como um

grupo, dessa forma, para que o munícipe possa fazer parte dessa comunidade é necessário ter

algumas características imprescindíveis, assim será visto como um “gringo” legítimo.

A repetição do termo gringo ocorre, também, por meio do uso de elipses, logo, por

diversas vezes identifica-se que o autor deixa subtendido que as características discorridas

nos períodos se referem ao protagonista “gringo”, presença que se faz permanente.

Como aborda Martins (2012), a elipse é um recurso da linguagem que propõe

brevidade ao discurso, pois os elementos podem ser entendidos a partir de processos mentais

que remetam ao referente em questão, pois

A frase elíptica escapa da estrutura da frase lógica, explícita, sendo que os elementos omitidos podem ser recuperáveis no contexto ou supridos pelo

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raciocínio, pela suposição, com base no confronto com a estrutura frásica normal e também no sentido geral do enunciado. (p. 189).

Essas elipses servem à função emotiva, “as que mais interessam à estilística concebida

como estudo da linguagem afetiva.” (MARTINS, 2012, p.187), já que se verifica que o narrador

utiliza seus sentimentos e emoções para descrever o modo de ver os costumes e cultura dos

migrantes italianos.

Conforme Martins (2012, p.189) explica, o uso de elipses pode ser um recurso que

atribui movimento afetivo ao texto, como em

Seu sotaque é uma assinatura no vento. Troca o "ão" do final das palavras pelo "on":

Manson, monton, avion, television. E os dois erres por um somente, numa simplicidade

infantil: Caroça, gara, sera, churasco. (CARPINEJAR, 2012, p. 14).

Assim, Carpinejar recorre à elipse para apresentar seu ponto de vista, ao mesmo

tempo, que propõe a representação de seu personagem de forma mais afetuosa.

A elipse verbal, tipo mais frequente na crônica em estudo, ocorre quando há a omissão

de elementos auxiliar ou lexical (MARTINS, 2012, p.189), no texto analisado, são verificadas

recorrências de elipses verbais da palavra “gringo”.

Não age, reage, já sai discursando no cumprimento. Sempre está se explicando.

(CARPINEJAR, 2012, p. 13)

Entende-se que o sujeito dos verbos agir, reagir, discursar e explicar é o “gringo”,

considerando que essa relação é estabelecida a partir do parágrafo que antecede o trecho em

questão:

O gringo é um estado de espírito espalhafatoso, evidenciado pelo senso de humor,

princípios morais fortes e aspereza. (CARPINEJAR, 2012, p. 13).

Esse recurso é recorrente na crônica em estudo, pois o escritor atribui à linguagem

poética um estilo que explora a subjetividade do "gringo". Assim, propõe a enunciação com

marcas de afeto para que haja o encadeamento das ideias, de forma que o protagonista seja

relacionado a emoções inerentes à cultura que o originou.

O uso da elipse, com frequência, também pode ser reconhecido com efeito de

correlação. Tendo em vista, que a omissão do elemento, "gringo", estabelece relação de

dependência semântica entre períodos, a complementaridade entre as frases acontece a partir

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da ratificação feita pelo narrador, sempre que argumenta sobre uma característica de seu

protagonista, como ocorre em:

Gringo não fica sozinho, está eternamente recrutando parentes. Abusa de cores fortes:

verde, vermelho, laranja. Alterna as tintas das paredes para mostrar que a morada nunca é

igual, mas variada por dentro. Também não joga nada fora. (CARPINEJAR, 2012, p. 14).

No trecho em questão, identifica-se a omissão do termo “gringo” a partir da 2ª frase, o

que, segundo Martins (2012, p.189), é um artifício característico para a constituição de

discursos flexíveis e variados. Além de apresentar como o "gringo" é visto pelo narrador,

baseando-se em características que remetem ao modo de vida de seu protagonista e à forma

como esse acredita que deva ser o seu entorno.

A repetição na crônica de Carpinejar não se restringe ao de léxico, além desse, outro

recurso que corrobora com a construção da linguagem poética do autor é a repetição de

estruturas sintáticas. Essas se apresentam, na maioria das vezes, estruturadas em frases

entrecortadas, que de acordo com Garcia (2010),

O leitor apreende prontamente o enunciado de cada unidade nas pausas que se intercalam. Se não há a necessidade de mostrar a coesão íntima entre as ideias, suas relações de mútua dependência, esse tipo de construção se torna bastante expressivo. Por isso é que se ajusta satisfatoriamente às narrações e descrições, em que o autor focaliza de maneira sumária as fases de uma cena ou incidente ou os elementos de um quadro. (p. 127)

É possível identificar esse aspecto no trecho:

Numa conversa, a pergunta "Em que você trabalha?" vem em primeiro lugar. A segunda

questão refere-se à família: "Já casou? Tem filhos?". Descobrir o nome é de menos, inclusive

porque gringo tem apelido. (CARPINEJAR, 2012, p. 14).

A relação entre os períodos no parágrafo se dá pela sequência da descrição feita pelo

narrador, na qual ele retrata quais são as preocupações do “gringo” na cidade de Caxias do Sul.

Essa construção se dá de maneira hierarquizada, o que pode ser verificado a partir da relação

estabelecida entre as frases entrecortadas. A expressividade da linguagem do narrador é

identificada a partir da colocação das perguntas feitas pelos moradores, tendo início naquela

que é considerada a mais importante para a cultura retratada.

As frases entrecortadas, utilizadas pelo narrador, são estruturadas com extensão

semelhante, o que é classificado como similicadência por Garcia (2010, p. 42). Esse recurso

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estilístico vai ao encontro da proposta da linguagem poética, pois proporciona maior

relevância ao pensamento de seu produtor, como em

- É preciso comer muito, colocar religião no tempero, preferir macarrão colorido e

molho ao sugo, ser ciumento, provocar quem ama, gritar palavrão quando o dicionário não

basta - explica Terezinha Onzi Sperafico, 70. (CARPINEJAR, 2012, p. 13)

Os períodos que compõem o parágrafo destacado assemelham-se quanto ao número de

palavras utilizadas, assim, suas extensões se aproximam. Os cinco primeiros períodos

apresentam entre três e quatro palavras em seu segmento, o último período é o que difere um

pouco, pois se utiliza de sete palavras em sua composição, mas é possível verificar que os

períodos descrevem o que a entrevistada aponta como a forma de agir do “gringo”, e a

representação dessa emoção pode ser identificada pelo tamanho das frases, curtas e fortes.

Além de estruturar a enunciação a partir de frases curtas, o autor também faz uso da

elipse oracional para propor mais movimento ao texto:

Famílias andam engatadas pelos braços nas ruas Júlio de Castilhos, Sinimbu e Os 18 do

Forte. Como se fosse um arrastão, um cabo de força. Tomam a lateral da calçada.

(CARPINEJAR, 2012, p. 14).

Nesse caso, há a elipse oracional no período “Como se fosse um arrastão, um cabo de

força”, pois se refere ao período anterior que descreve como as famílias andam pela cidade,

enquanto no último período “Tomam a lateral da calçada”, identifica-se a elipse verbal

relacionada ao "gringo", já que cita a "família" do mesmo. Ao analisar os períodos, verifica-se

que, apesar de não utilizar conectivos, as frases estabelecem uma inter-relação. Como aborda

Garcia (2010)

a correlação é uma construção sintática de duas partes relacionadas entre si de tal modo que a enunciação da primeira prepara a enunciação da segunda. (p. 42),

portanto é possível reconhecer na crônica “Vida gringo” a recorrência desse recurso por seu

produtor, de forma a representar uma linguagem mais afetiva e com brevidade.

Essa estrutura de frases curtas e fortes se constrói a partir do uso de paralelismo

recorrente. O narrador procura descrever o protagonista, “gringo”, de forma a ressaltar suas

características físicas e psicológicas:

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O gringo gosta tanto de si que suas manias escapam das críticas e assumem o aspecto

simpático de eufemismos: não é gritão, é passional; não é fofoqueiro, é preocupado.

(CARPINEJAR, 2012, p. 13).

Com o objetivo de descrever as manias do “gringo”, o narrador utiliza-se, novamente,

da elipse verbal da palavra "gringo" e de predicados nominais, construídos a partir da elipse +

verbo de ligação (é) + predicativos do sujeito, verifica-se esse uso nos quatro últimos

períodos do trecho. Tendo em vista o que dispõe Garcia (2010) sobre paralelismo,

é justo presumir que quaisquer elementos da frase - sejam orações sejam termos dela -, coordenadas entre si, devam - em princípio pelo menos - apresentar estrutura gramatical idêntica, pois - como, aliás, ensina a gramática de Chomsky - não se podem coordenar frases que não comportem constituintes do mesmo tipo. Em outras palavras: as ideias similares devem corresponder à forma verbal similar. Isso é o que costumamos chamar de paralelismo ou simetria de construção." (p. 53).

Logo, identifica-se simetria na construção enunciativa de Carpinejar, pois o autor

desenvolve estruturas sintáticas simples e recorrentes para descrever o protagonista da sua

crônica. Baseando-se em estruturas que utilizam “[...] ordem direta, usual ou habitual, que

consiste em enunciar, no rosto da oração, o sujeito, depois o verbo e, em seguida, os seus

complementos[...]” (BECHARA, 2009, p. 582).

O autor revela o seu ponto de vista e dos seus entrevistados no tempo corrente ao seu

texto, já que o tempo verbal predominante no discurso é o presente, esse recurso propõe

maior aproximação com o interlocutor, pois faz com que o aproxime do tempo das ações

narradas.

Segundo Micheletti, (2011, p. 19)

O enfoque proposto considera que o texto só existe a partir do ato de enunciação, processo que se concretiza no enunciado e que põe em locução duas subjetividades, a do escritor, representado pelo seu preposto, o autor, e o virtual leitor.

Assim, Carpinejar recorre ao tempo verbal presente para apresentar ao seu "virtual

leitor" o personagem "gringo", propondo uma aproximação que resultará na construção do

protagonista, juntamente com o narrador.

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Esse recurso temporal é utilizado, também, nos discursos diretos que representam os

depoimentos de moradores da cidade de Caxias do Sul. Dessa forma, o discurso do narrador é

permeado pelas falas dos personagens, com o objetivo de enfatizar quem é o "gringo".

Conforme aborda Micheletti (2008),

A figura do narrador como espelho do real enunciador (o escritor) transforma-se nesse organizador da narrativa, permitindo que outros discursos - citados - declaradamente se juntem ao seu para compor o mundo narrado. A investigação dos sentidos que se instauram nesses textos passa pela análise do encadeamento das vozes nos enunciados que correspondem ao produto concreto de que se dispõe, marcas do sistema linguístico, encontradas nas várias camadas de que se compõe o discurso. (p.44).

Considerações finais

A partir dessa análise, pode-se concluir que o desenvolvimento da repetição na

crônica “Vida de gringo”, de Fabrício Carpinejar, aproxima a linguagem prosaica à poética,

devido ao fato de o autor ter nascido na cidade de Caxias do Sul, local de caracterização do

protagonista de sua crônica.

Esse fato influencia, diretamente, em sua narrativa, pois a afetividade e a brevidade,

características do texto, mesclam o eu (autor) e o narrador. Sobre isso, Micheletti (2011, p.

19) ressalta a mistura que há entre o narrador e o personagem, considerando que o eu traz

seus valores e crenças. Tendo como base esse traço, verifica-se que Carpinejar se dispõe das

falas dos munícipes para reforçar seus comentários, sempre positivos, sobre o "gringo", já que

ele traz em sua origem características apresentadas pela comunidade descrita.

Constata-se que a linguagem poética ocorre porque o autor projeta em seu texto os

sentimentos e sensações que compõem o protagonista na sua crônica, o “gringo”, que não

pode ser identificado como um simples cidadão da região Sul do país, mas como aquele que

trouxe sua cultura e características para a nova morada.

Referências

CARPINEJAR, F. Beleza interior - Uma viagem poética pelo Rio Grande do Sul. Porto Alegre:

Arquipélago Editorial, 2012.

BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 27.

ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 105

MARTINS, N. S. Introdução à Estilística: a expressividade na Língua Portuguesa. 4. ed.

(revista). São Paulo: Edusp, 2008.

MICHELETTI, G. Repetição e significado poético (o desdobramento como fator constitutivo na

poesia de F. Gullar). Filologia e Linguística Portuguesa, São Paulo: nº 01, p. 151 – 164, 1997.

______. (org.) Enunciação e Gêneros Discursivos. São Paulo: Cortez, 2008.

______. (org.) Enunciação e estilo: práticas de análise estilístico-discursivas. São Paulo:

Terracota, 2011.

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ANÁLISE DISCURSIVA DA CHARGE DA ‘GUERRA AO

NARCOTRÁFICO EM FAVELAS DO RIO DE JANEIRO A

PARTIR DOS TONS VALORATIVOS ÉTICOS E ESTÉTICOS

Samantha Henzel1

Sonia Sueli Berti-Pinto2

Introdução

O presente artigo tem o objetivo de analisar o contexto sócio histórico por meio do

gênero discursivo “charge”, pautando-se nos pressupostos teóricos de Bakhtin. Serão

investigados por meio do discurso verbo-visual, elementos políticos, sociais, religiosos e

econômicos, descrevendo e interpretando as formas linguísticas marcadas neste gênero

discursivo. O nosso interesse é buscar saber o que está subjacente às charges; qual é a crítica

veiculada; o que pretende o autor e quais informações essas manifestações pretendem

transmitir ao leitor, além de identificar a relação desse gênero com outros textos.

A escolha do gênero jornalístico “charge” deu-se por ser um gênero que se origina por

meio de outros diálogos, sempre abre margem para diferentes interpretações, insinuações ou

subentendidos. Para entender as relações dialógicas que os implícitos estabelecem,

buscaremos entender qual a intenção do autor ao estabelecer essas relações com outros

textos publicados na mídia, por exemplo; em jornais impressos, revistas, internet e nos

noticiários da TV.

Características da charge

Bakhtin define os gêneros por meio das características básicas próprias de cada um, e

seguindo sua linha de pensamento, serão considerados os três aspectos estabelecidos pelo

filósofo: um gênero é definido pelo conteúdo temático, estilo verbal e construção

composicional.

1 Samantha, nome jornalístico adotado pela aluna Jurema Henzel, graduada em Jornalismo e mestranda em Linguística

pela Universidade Cruzeiro do Sul, Fotógrafa formada pela Academia Brasileira de Artes e colaboradora da revista National Geographic Brasil. [email protected] 2 Profa. Dra. Sonia Sueli Berti-Pinto, pesquisadora do Programa de Mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro

do Sul – UNICSUL; Assinava antes como Sonia Sueli Berti-Santos. [email protected]

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A charge apresenta um dinamismo por possibilitar a abordagem de assuntos variados

que giram principalmente em torno de assuntos relacionados à política e à sociedade, e quase

sempre traz alguma crítica social. Seu conceito temático pode ser muito abrangente, não

precisando ser exatamente sobre problemas atuais, há muitas charges atemporais que são

produzidas, inclusive propositalmente, pois caso tais problemas sociais não tenham sido

solucionados antes, a charge poderá retornar como reforço crítico, servindo de parâmetro

para uma solução, ou não, dos problemas ilustrados.

A charge não precisa, necessariamente, apresentar uma linguagem verbal multimodal,

e esse fato não a descaracteriza como gênero charge. Para Bakhtin (1997:282), o discurso

verbal contido na charge quase sempre se enquadra dentro dos gêneros secundários de forma

mais minuciosa, pois aparecem em circunstâncias comunicacionais culturais mais complexas,

utilizando-se de ironia, sendo necessários conhecimentos mais apurados para compreendê-la,

e isso se dá por meio do conhecimento prévio que o interlocutor precisa ter de mundo, sobre

isso Bakhtin argumenta:

Todo híbrido estilístico intencional é, em certa medida, dialogizado. Isto

significa que as linguagens, que nele se cruzam, estão relacionadas umas com

as outras, como réplicas de um diálogo; trata-se de uma luta entre linguagens

e entre estilos de linguagem (Bakhtin, 1990, p. 390).

Com vieses geralmente políticos, econômicos e sociais, a charge, desempenha papel

social uma vez que traz recortes das principais notícias já veiculadas na mídia, por meio de

recursos linguísticos, lexicais, gramaticais e fraseológicos variados, além de caricaturas,

imagens metafóricas que levam à ironia, à sátira.

Ainda no que diz respeito à estrutura composicional da charge, o último aspecto é que

se trata de um gênero curto, geralmente se apresenta em forma de quadrado, com ilustrações

coloridas ou em preto e branco, e como dito anteriormente, nem sempre traz linguagem

verbal, e com isso, normalmente trabalha com caricaturas de pessoas públicas ou famosas

para, assim, facilitar a identificação da mensagem contida na charge. Segundo Bakhtin:

“[...] cada gênero textual tem um propósito bastante claro que o determina e

lhe dá uma esfera de circulação” “...todos os gêneros tem uma forma e uma

função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá

basicamente pela função e não pela forma”. (MARCUSCHI, 2008, p.150)

Geralmente a charge é uma sátira a um acontecimento atual do cotidiano, quase

sempre é composta por um quadro e dificilmente conta uma história e seu propósito é atacar,

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como explica sua etimologia de origem francesa. A charge tem a função social de atacar e

criticar situações do cotidiano social e político de uma sociedade, e essa crítica é intimamente

influenciada pelo contexto sócio histórico e pelo período de tempo/espaço vigentes. Mas,

compreender a mensagem contida em uma charge nem sempre é uma tarefa fácil e simples, o

interlocutor deve ter conhecimento de mundo compatível com o conhecimento do autor da

charge, a fim de se estabelecer a interlocução, ou seja, para que seja possível uma construção

de sentidos de acordo com o contexto da charge.

Quando somente a linguagem visual não é suficiente para transmitir a informação ao

interlocutor, entra a linguagem verbal, sendo essa uma prática bastante comum.

Frequentemente, as charges são apresentadas em um único quadro, raramente são utilizados

mais de um.

Pressupostos Teóricos

O Círculo de Bakhtin consiste em um grupo de estudiosos, dentre eles, Mikhail Bakhtin

(1895-1975), e as reuniões entre os pensadores eram realizadas com objetivo de refletir e

debater ideias sobre arte e cultura, e o período de maior produção do círculo foi entre 1920 e

1930. Este grupo de estudiosos enxergava a linguagem como um constante processo de

interação mediado pelo diálogo, muito além de ser apenas um sistema autônomo, sendo esta a

razão pela qual a enunciação concreta carrega consigo visões de mundo, juízos de valores,

opiniões que constroem o significado da palavra.

Bakhtin e o Círculo de estudiosos propõem uma constituição dialógica da linguagem.

Para Bakhtin (1999), toda palavra tem duas faces, ela provém de alguém que se dirige a

alguém, constituindo dessa forma um resultado da interação do locutor e interlocutor.

O enunciado é produzido por um sujeito que se coloca como o responsável pelo que

diz. Esse locutor assume e apresenta uma atitude em relação àquilo que diz e em relação

àquele que ouve.

Para tornar ainda mais claro, trataremos da noção de “atitude responsiva ativa”, uma

das características dialógicas da linguagem que consiste em locutor (que fala ou escreve) e

interlocutor (que lê ou escuta) de um determinado discurso assumir uma posição ativa e

responsiva ao concordar ou discordar do enunciado. Bakhtin (1997) diz:

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“[…] o ouvinte que recebe e compreende a significação (linguística) de um

discurso adota, simultaneamente, para com este discurso, uma atitude

responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa,

adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em

elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão

desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo

locutor. A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre

acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa

atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de

uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor.

(BAKTHIN 1997:290)

Para que o interlocutor (ouvinte) possa apresentar uma atitude responsiva ativa, é

necessário que compreenda a charge, assim sendo, é imprescindível um conhecimento prévio

de mundo e interação com outros enunciados para que a leitura se torne concreta no diálogo.

O meio social influência de maneira determinante a relação dialógica verbal e não-

verbal na construção de sentidos dos enunciados entre locutor e interlocutor. As escolhas

lexicais que formularão a mensagem de quem enuncia, precisam ser feitas de maneira que

possam ser compreendidas pelo destinatário.

Para Bakhtin, a palavra sempre está relacionada com o que já foi dito e com o que

ainda será dito, fator esse que apresenta outra característica do dialogismo, a relação entre os

enunciados,

Segundo Bakhtin (1993) o enunciado que surge em um determinado momento sócio

histórico abre inúmeras possibilidades de novas vertentes dialógicas existentes, pois os

enunciados estão entrelaçados com os fios de uma rede maior. Ultrapassa o nível unicamente

gramatical, linguístico. O nível discursivo apoia-se sobre a gramática da língua, mas nele é

importante levar em conta principalmente os interlocutores e sua realidade social. Bakhtin

diz:

A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico

ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos

àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à

vida. (BAKHTIN, 1929, p. 95)

Não existe limitação ou redução dos sentidos no dialogismo e paralelamente existem as

ressonâncias de outros enunciados independente se já sido ditos ou não. E todo esse processo

do diálogo depende de muitos fatores, entre eles: o conhecimento prévio do assunto, a posição

política de locutor e interlocutor, vivência, experiência, cultura entre outros, as diferentes

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interpretações e os mais variados efeitos de sentido dependerão do modo como cada gênero é

trabalhado. A compreensão do interlocutor dar-se-á por meio de todo o conhecimento de

mundo do leitor influencia na compreensão do enunciado, conforme discorre Berti-Santos,

quando diz:

O ato de ler é sempre complexo, pois depende de uma memória discursiva que é ao mesmo tempo coletiva e individual. Está sujeito à capacidade de entendimento da arquitetônica do ato ético e do estabelecimento de seus valores estéticos e desses imbricados verbal ou verbo-visualmente no enunciado (BERTI-SANTOS, 2012, p. 141).

Assim sendo, todo o resultado da construção de sentido fica intimamente ligado com

todo o conjunto de saberes que o leitor carrega dentro de si.

Arquitetônica, tons valorativos, atos éticos e estéticos

Os elementos linguísticos, unidades da língua, quando em uso em um enunciado

concreto, transformam-se em unidades discursivas e são carregados de tons valorativos, que

correspondem a tudo que está relacionado ao juízo de valor, aos valores éticos e estéticos que

os signos ideológicos carregam, representando os valores sócio ideológicos da sociedade e de

seu tempo.

Por esses elementos verbo-visuais expressamos os valores que julgamos corretos, que

influenciam em nossas decisões e orientam nossa vida, determinando o que pensamos acerca

do que é considerado certo ou errado. Mas, na busca de relações mais justas, por mais sábio e

ponderado, o homem sempre ficará refém de sua época, vivenciando as coordenadas traçadas

pela moral, pelos costumes, pelos valores, pelas leis de seu tempo. A percepção fica

implicitamente ligada às malhas do discurso do período sócio-histórico-cultural a que

pertence.

Sobre ética, aqui entendemos como sendo um conjunto de atos do indivíduo no

convívio com a humanidade. É a filosofia que tem como objetivo investigar os princípios do

comportamento humano, buscando firmar normas, valores e consciência presentes em

qualquer realidade social, independente de tempo ou espaço. É o ato de alteridade perante o

outro, preza pelo ser humano enquanto essência e não aparência.

Para Bakhtin, a ética implica na responsabilidade do discurso, cada enunciado é

carregado de valores que evidenciam a alteridade do sujeito, e as escolhas de palavras,

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imagens na formação dos enunciados deixam transparecer a alteridade do sujeito, pois as

escolhas, que são posicionamentos estéticos, carregam os valores éticos do meio em que o

sujeito se insere e de seu tempo. Assim, toda escolha (estética) de materialidade discursiva

implica em valores e evidenciam posicionamentos do sujeito (ética). Estética e ética

imbricam-se na constituição de sentidos do enunciado e do sujeito.

A estética, conforme aponta Bakhtin, está ligada aos valores sociais, pessoais,

ideológicos, culturais dos signos dentro das sociedades, carregados de valores éticos.

Segundo Bakhtin (2011 p. 23), “[...] as ações de contemplação que decorrem do

excedente de visão externa e interna do outro indivíduo, também são ações puramente

estéticas”. Segue afirmando que “toda obra, seja ela verbal ou visual, é carregada de valores,

elementos éticos e estéticos. A estética está implicitamente ligada às questões de juízo de

valor”.

Esses enunciados são constituídos de uma materialidade, de uma arquitetônica, aqui

entendida como conjunto de elementos que formam um gênero discursivo, para tratarmos do

assunto é importante primeiro compreender as distinções entre forma composicional e

arquitetônica. Sobre isso Bakhtin diz que “os discursos e objetos estéticos são compostos por

três elementos: conteúdo, forma e material. A forma deve ser entendida como condicionada a

um determinado conteúdo, às especificidades do material e aos meios de sua elaboração”

(Bakhtin, 2003, p. 178).

Sobre os elementos verbais, a língua, a forma, o modo de dizer estabelecem

significância ao conteúdo. O modo arquitetônico refere-se à superfície discursiva, a

organização do conteúdo, expresso por material verbal, trata da concepção estética do objeto

como um todo. Em relação à forma composicional, é o método específico de organização do

objeto estético, a materialidade do texto.

Possível análise da linguagem verbo-visual da charge e imbricações

A charge escolhida chamou-nos a atenção, pois apresenta características muito

marcantes, especialmente pela mensagem que transmite, devido ao seu contexto social. O

nível de violência apresentado na imagem traz um cenário muito semelhante à realidade

vivida nos países em guerra declarada, podendo ser facilmente confundida com os atuais

conflitos que ocorrem na Síria. A ilustração retrata um tema muito atual do contexto político

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social do Brasil. Para reforçar a análise das charges, trouxemos reportagens que foram

publicadas no momento sócio histórico que a charge foi produzida. Essas manchetes

jornalísticas disseminadas pelos meios de comunicação na mesma época da difusão das

charges, que se entrelaçam e dialogam entre si e com a charge embasam esta análise. Outros

elementos que serão investigados tratam da linguagem verbal e não verbal da charge, e o

conhecimento prévio para cada época que o leitor deve possuir que o permita compreendê-la

para que possa apresentar uma atitude responsiva. Somando-se a isso, foram sugeridas

possíveis interpretações para cada contexto, uma vez que o gênero está sujeito a diferentes

construções de sentidos.

Figura 1 – Caixa Preta Revela

Fonte: www.cicero.art.com.br, acessado 15 de fevereiro de 2017

Esta charge de Cícero Lopes foi copiada do site do cartunista por meio do endereço

acima citado, e publicada em 28 de outubro de 2009. Ao criar a charge, o autor-criador

imprime muito de si, porém, esforça-se para que sua identidade interfira o mínimo possível,

sobre isso Berti-Santos diz:

Ao criar o enunciado, o autor-criador procede as escolhas, estabelece a forma composicional de seu objeto estético e por meio de atos éticos e estéticos cria um afastamento do enunciado e se posiciona axiologicamente. Pela arquitetônica deixa explicito seu posicionamento frente a discursos sociais e históricos. (BERTI-SANTOS, 2012, p.161)

Neste período sócio histórico podemos trazer à luz da discussão inúmeras questões

ligadas à política, economia e cultura, podemos observá-las, também, por meio de elementos

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da linguística fortemente marcados que definem situações sociais, como os tons valorativos e

atos éticos e estéticos. Para desenvolvermos essa análise, vamos abordar primeiramente os

aspectos visuais, constituindo o possível significado das cores e o modo como tudo está

disposto na charge e como se dá o contexto do conteúdo. O céu azul com poucas nuvens

brancas demonstra um dia ensolarado, típicos de cidades do sudeste do país. O conjunto de

casebres de tom amarronzado espalhados por toda a charge, conotam que o cenário em

questão remete ao das favelas do Rio de Janeiro.

Os inúmeros disparos de arma de fogo espalham projéteis em direção de uma aeronave

também de cor azul nos fazem cogitar tratar-se de um helicóptero das polícias por trazer os

mesmos tons da bandeira do Estado do Rio de Janeiro, embora não fique claro que se trata

exatamente de uma aeronave de combate da polícia, o contexto apresenta elementos

familiares que nos permite acreditar que se trata da capital carioca, famosa também pela

violência e guerra entre policiais e traficantes. Sobre o fato de os tiros terem sido disparados

contra um helicóptero, podemos afirmar que o aparato bélico do tráfico é de alto poder

destrutivo, e disso pode-se inferir a facilidade de aquisição de armas de grosso calibre,

evidenciado pelas chamas que saem da cauda do helicóptero demonstrando que a máquina foi

atingida e que a queda é iminente. As poucas nuvens brancas podem ser interpretadas como

a paz que nunca chega para as comunidades cariocas, como também representam o dia claro

em que, em plena luz do dia, os tiroteios acontecem, evidenciando a falta de controle das

autoridades no combate ao crime.

Partimos, então, para os elementos verbais. As onomatopeias que representam o som

dos disparos, seis ao todo, formam, na verdade, a sigla PAC que se refere ao Programa de

Aceleração do Crescimento, do Governo Federal, cuja gestão vigente na época da publicação

era do Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva (ex-presidente do Partido dos

Trabalhadores –PT), em seu segundo mandato. O PAC3 foi fundado no ano 2007, no final da

primeira gestão do governo Lula (2003-2007), e tem como filosofia “a retomada do

planejamento e execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e

energética, visando um desenvolvimento acelerado e sustentável” (PAC)

A palavra “crescimento” no contexto da sigla significa o começo de uma nova era

econômica, promete melhora de serviços básicos como saúde, segurança, moradia, educação,

e, consequentemente, expansão do mercado de trabalho, devido à retomada dessas obras.

Segundo informações contidas no site do programa, teve grande importância durante crise 3Disponível em PAC: https://goo.gl/pVLs6K / acessado em 02 de março de 2017

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financeira mundial. De acordo com o site do Governo Federal, o Estado do Rio de Janeiro foi

contemplado com mil e setenta empreendimentos direcionados ao Estado, seguindo filtros de

pesquisa em que as opções selecionadas foram infraestrutura e logística, e, posteriormente, a

subcategoria “defesa”, com o status da obra “concluído”, não apresentou resultado de obras ou

projetos.

No que se refere ao enunciado no balão de diálogo, como é conhecido na charge, na

fala, que julgamos ser do piloto, pois vem do lado esquerdo da aeronave, lado ocupado por

este, podemos ler o seguinte enunciado: “Fomos atingidos! Repito! A política nos atingiu”. Fica

claro que há mais de uma pessoa a bordo do helicóptero, uma vez que o verbo encontra-se

flexionado na primeira pessoa do plural, referindo-se ao próprio piloto e a uma possível

tripulação, ou remete à população do Rio de Janeiro, ou ainda, de modo mais genérico, ao povo

brasileiro, já que a política afeta a todos. A passagem em que o piloto informa terem sido

atingidos pela política refere-se ao fato de a polícia, no período em que a charge foi publicada,

não ter permissão para atuar contra a criminalidade no Complexo do Alemão, devido às obras

do PAC.

No blog de Reinaldo Azevedo, publicado no dia 24 de outubro de 2009, podemos

constatar as seguintes informações a respeito da mensagem verbo-visual que transmite a

charge: a crítica dá-se em referência aos métodos implantados como meio de evitar atrasos

nas obras do PAC, no Complexo do Alemão, que englobavam habitação, saneamento e a

construção de um teleférico que serviria como meio de transporte para a população local e

uma tentativa de atrair turistas para a região, cujas obras tiveram início em março de 2008,

por iniciativa dos governos Federal e Estadual. Segundo o Caderno de Negócios da Revista

Época4, o país estava em um período econômico de bonança. Mas a realidade atual é muito

diferente do discurso proferido pela então presidente Dilma Rousseff, no dia 07 de julho de

2011, data da inauguração do teleférico, publicado pelo site G15: “O teleférico será visto por

todos com olhos da boa inveja”. As obras do PAC direcionadas ao Complexo do Alemão, bem

como as favelas da Rocinha e Manguinhos, são alvos da investigação contra a empreiteira

Odebrecht, por superfaturamento. Ainda, segundo a revista Época, as unidades de habitação

apresentam problemas estruturais como vazamento, infiltrações, rachaduras e retorno de

esgoto para dentro das casas, devido a problemas na tubulação.

4Disponível em Época: https://goo.gl/VrFlsn / Acessado em 15 de março de 2017

5Disponível em G1: https://goo.gl/DlzxKu - Acessado em 15 de março de 2017

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 116

A revista Veja6 na versão digital notícia, em 05 de julho de 2011, a inauguração do

teleférico do Alemão marcada para dois dias depois, mas com quatro meses de atraso, apesar

do portal R77 noticiar logo no começo do lead que a inauguração não seria adiada, constando

o mês de março como primeira data anunciada. E informa, também, que as obras ficaram

paralisadas por uma semana devido a operações policiais em novembro do ano anterior. As

obras se tornaram um verdadeiro ‘elefante branco’, de acordo o portal de notícias UOL8, de 05

de julho de 2015, o teleférico do Alemão, principal obra do PAC no morro, e tratado como

ícone do Projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) fracassa para o turismo e para o

transporte. Em outra matéria, também do UOL, de 21 de dezembro de 2016, o teleférico teria

encerrado suas atividades em setembro de 2015 a contar pela data da última matéria em

dezembro de 2016, por conta da crise.

Notícias em jornais dão conta de que nesse período sócio histórico, desde o início da

implantação do programa, a polícia recebeu ordens de não realizar ações de combate ao

tráfico para não interferir no andamento das obras, deixando a população da comunidade

vulnerável às atividades de facções criminosas, pois muitos bandidos estariam se refugiando

no conjunto de favelas do Alemão e estocando armas, conforme matéria no Jornal Extra9, onde

também foi publicada uma entrevista de uma deputada federal, Marina Maggessi, em que

acusou o Governo Estadual de fazer vista grossa à crescente presença de criminosos no

morro: “A polícia não entra no Complexo do Alemão por causa das obras do PAC. Está todo

mundo evitando tiroteio para não parar as obras do PAC. A bandidagem toda está indo para

lá.” Perguntada sobre como tinha conhecimento sobre tais informações, Maggessi declarou

que antes de ser deputada, é policial, com isso, recebe informações internas das corporações.

Mas como pudemos constatar, a medida adotada, segundo a deputada Maggessi, pela

Secretaria de Segurança Pública, não foi eficiente no que diz respeito ao cumprimento da data

de entrega da obra e, sequencialmente, de inauguração do teleférico. Vidas foram inutilmente

postas em risco.

A brecha deixada pelo poder público e a pausa na repressão ao crime, teria facilitado a

um dos líderes do Comando Vermelho, que chefiava bocas-de-fumo nos Complexos da Penha e

do Alemão (ZN), Fabiano Atanázio da Silva, o FB, arregimentar novos integrantes para a

facção com o objetivo de invadir o Morro dos Macacos na região de Vila Isabel, também Zona

6Disponível em Veja: https://goo.gl/C6h710 - Acessado em 15 de março de 2017

7Disponível em R7: https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/entrega-do-teleferico-no-complexo-do-alemao-

nao-sera-adiada-20101206.html / Acessado em 15 de março de 2017 8Disponível em Uol: https://cMMcps – Acessado em 14 de março de 2017

9Disponível e Extra: https://goo.gl/KNtrBf - Acessado em: 14 de março de 2017

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 117

Norte do Rio de Janeiro, e entrar em conflito para dar apoio a outros membros do Comando

Vermelho(CV), que dominavam o Morro do São João, vizinho do Morro dos Macacos,

dominado pela facção rival, Amigos dos Amigos (ADA), liderada por Jorge Araújo Vieira, o

Bebezão. O confronto entre CV e ADA nos morros do Macaco e do São João eram frequentes, e

tomavam o noticiário pelo grau de violência e abuso. Em matéria no portal Terra10, em 17 de

outubro de 2009, relatos contam que durante esse confronto, um helicóptero da Polícia

Militar foi abatido, enquanto monitorava um protesto na entrada de uma das favelas do Morro

dos Macacos, quatro policiais estavam abordo. O piloto conseguiu fazer um pouso forçado,

porém, ao impactar o solo, dois policiais ficaram presos na ferragem e a aeronave explodiu em

seguida, carbonizando os corpos. Os outros dois ficaram gravemente feridos e foram

encaminhados para o hospital.

Além dos policiais, ainda segundo o Terra, outras quatro pessoas morreram desde o

início daquela madrugada no tiroteio entre as narcofacções. Por conta dos confrontos que

iniciaram por volta da 1h da madrugada, pela manhã, moradores das favelas dos morros do

São João e Macacos, fizeram protestos queimando pneus e outros objetos, além de tentarem

invadir uma delegacia com o objetivo de linchar presos de uma facção rival ao morro. Vidros

foram quebrados.

O governo estadual, assim como o federal, durante a década de 2000, criaram

programas voltados para a tentativa de mudar a realidade social e econômica do país, se

eficientes ou não, isso só ficaria claro com o decorrer dos anos. No que tange as questões de

violência e meios para melhoria da segurança pública do Rio de Janeiro, direcionamos nossa

atenção ao Governo Estadual, a fim de saber quais intervenções estavam sendo realizadas

com o objetivo de evitar mais cenas como a da charge, e descobrimos que no ano anterior ao

da publicação, a Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, investia em um plano

para a retomada do controle da cidade das mãos de narcotraficantes. Com isso, em 2008, teve

início a implantação do programa Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), com princípios de

Polícia de Proximidade, um conceito, segundo informações contidas no site, vai além da

polícia comunitária. O programa engloba parcerias entre os governos municipal, estadual e

federal, com apoio da sociedade civil.

Intitulada “Operação Choque de Paz”, a implantação das UPP’s têm apoio das polícias

Civil, Militar, Rodoviária, Federal e Forças Armadas, e é constituída de três etapas. Na primeira

fase, a comunidade em questão é tomada por tropas policiais cuja estratégia é acompanhada 10

Disponível em Terra: https://goo.gl/Qo7ozK - Acessado em 14 de março de 2017

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 118

por oficiais do alto comando das polícias e pelo secretário de segurança, essa fase operacional

é considerada a mais delicada, pois é quando pode haver conflito entre profissionais da

segurança pública e narcotraficantes, além de se estender por tempo indeterminado.

Concluída essa fase, dá-se início a seguinte, constituída pela implantação da sede

administrativa e operacional.

Ao todo, atualmente há 38 unidades de UPP instaladas no município do Rio de Janeiro,

sendo uma na Baixada Fluminense. Segundo matéria do site de notícias UOL11, dessas, vinte e

quatro são contêineres, e isso por si só já pode comprometer a eficiência do programa,

considerando as altas temperaturas da cidade carioca, e falta de aparelhos de ar condicionado

ou a manutenção dos que existem, dificultam ainda mais a permanência dos militares dentro

das unidades, porém, estas razões estão longe de serem as mais graves, a facilidade desses

espaços serem perfurados por tiros de fuzis, deixando os soldados de polícia pacificadora,

como são conhecidos os militares que ficam baseados nas UPPs, vulneráveis.

O programa é apresentado como um dos mais importantes programas de Segurança

Pública realizado no Brasil, inclusive teve repercussão internacional, sobretudo em 2010, ano

seguinte ao da publicação da referida charge, com a cobertura jornalística da tomada da Vila

Cruzeiro, pela polícia, a operação durou cerca de 40 horas, sendo que nesse período a

participação das Forças Armadas (FFAA) estava no auge de seu apoio ao programa. Como

podemos conferir no site do jornal Zero Hora12, do Rio Grande do Sul. Há muitos anos o

combate às drogas no Rio de Janeiro ganhou status de guerra, e especialmente durante a

operação no Complexo da Penha, onde se localiza a favela da Vila Cruzeiro, a ocupação tomou

o noticiário internacional, segundo o portal do jornal O Dia13, a operação foi assunto nos

jornais americanos The New York Times, na rede de televisão CNN, no jornal argentino Clarin,

no britânico BBC-Uk, nos franceses Libération e Le Monde

Seguindo com a análise verbal, tratamos agora do título da charge, “A caixa preta

revela”, a frase em si refere-se, de fato, à caixa preta, que na verdade é laranja. Um objeto que

grava e armazena dados sobre o funcionamento da aeronave, as conversas da tripulação, e

serve também para detectar problemas e verificar suas causas durante o trajeto, desde a

decolagem até a aterrissagem, além de servir de controlador da manutenção da máquina.

11

Disponível em UOL: https://goo.gl/23gOZo- acessado em: 13 de maço de 2017 12

Disponível em Zero Hora: https://goo.gl/mv2cEU- acessado em: 13 de março de 2017 13

Disponível em O Dia: https://goo.gl/zJYaIR- Acessodo em 13 de março de 2017

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 119

O emprego do verbo revelar mostra a dimensão ética e estética da unidade discursiva,

empregada no enunciado concreto que é a charge e a importância desse dispositivo e,

analogamente, remete-nos à própria função da charge que, assim como a caixa preta, revela,

escancara, expõe publicamente uma crítica ao contexto a que está ligada. A caixa preta é a

chave para desvendar falhas e apontar culpados, assim como a charge, expõe problemas

sérios que podem eliminar vidas. A caixa preta revela o problema e, consequente, o erro, seja

humano ou técnico. A charge assume exatamente este objetivo, como ato ético, pois aponta as

falhas que os governos estadual e federal vêm continuamente causando, e, assim como a falha

técnica ou humana causada na aeronave, as falhas administrativas também causam mortes.

O leitor só compreenderá o enunciado da charge e apresentará uma atitude responsiva

se acompanhar o noticiário e tiver o mínimo de conhecimento sócio-histórico-cultural,

político e até mesmo geográfico e histórico, e uma base sobre o que ocorre nas favelas da

grande Rio, em termos de segurança pública. Contrário a isso, o interlocutor pode, em um

primeiro contato com a charge, apresentar uma atitude responsiva completamente

indiferente sobre a intensidade dos fatos, apresentando apenas uma reação superficial com o

contexto, porque a charge por si só apresenta uma arquitetônica assustadora, sendo até

mesmo inconcebível para muitas pessoas que estão alheias à rotina da cidade carioca.

No que se refere ao enunciado no balão de diálogo, como é conhecido na charge, pela

fala, que julgamos ser do piloto, pois vem do lado esquerdo da aeronave, lado ocupado pelo

piloto, podemos ler o seguinte enunciado: “Fomos atingidos! Repito! A política nos atingiu”.

Esse enunciado pode sugerir que há mais de uma pessoa abordo do helicóptero, uma vez que

o enunciado se refere à tripulação no plural. O piloto informa que foi atingido pela política, o

termo como unidade discursiva, plena de valores éticos e estéticos, cujo tom valorativo

remete à crítica em relação à burocracia, à ausência do Estado, que embora tenha implantado

um novo programa de segurança pública, este mostrou-se, com o passar dos anos, ineficiente

e considerado por muitos, um fracasso, como podemos conferir em matéria do portal Terra14,

de 12 de outubro de 2016, que apresenta “os fatores que levaram ao fracasso das UPP’s”,

relacionando essa realidade ao abandono de cargo por parte do secretário de segurança

pública, José Mariano Beltrame, e a incógnita que se transformou o programa apresentado

como promessa para acabar com a violência crônica na grande Rio. A saída do secretário

ocorreu após o episódio de um intenso tiroteio ocorrido nas ruas em Copacabana, na Zona Sul,

14

Disponível em Terra: https://goo.gl/sdnwDv- Acessado em 21 de fevereiro de 2017

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 120

área considerada nobre. Um homem que foi atingido por um tiro de fuzil, e despencou de uma

encosta.

O Estado de S. Paulo15, de 06 de julho de 2016, atribui o fracasso das UPP’s à falta de

recursos do Estado como causa, e notícia que esse fracasso se torna evidente devido à

“disseminação de arrastões e assaltos avulsos nas ruas do Rio”. Os problemas estruturais

juntaram-se ao treinamento rápido dos milhares de novos policiais militares que foram

“jogados” em comunidades dominadas por traficantes fortemente armados, resultando a uma

série de ataques às unidades implantadas nessas favelas.

Algumas manchetes da época:

a) Traficantes derrubam helicóptero da PM no Rio; dois policiais morrem16.

b) Infográfico mostra a guerra do tráfico no Rio de Janeiro17

c) PM diz que 24 pessoas morreram na Guerra do tráfico no Rio18

Essas são algumas das notícias veiculadas na internet sobre a guerra contra o

narcotráfico no Rio de Janeiro. Para que o leitor possa estabelecer sentido pela imbricação dos

enunciados verbo-visuais da charge, é necessário estabelecer relações dialógicas com os

discursos políticos militares, sociais, econômicos e até mesmo internacionais, desse modo,

esse leitor deverá ter noções de assuntos inseridos nessa cronotopia para compreender os

valores éticos e estéticos desse ato ético que é a charge. Dentre as muitas questões que podem

ser trazidas para a constituição de sentidos do enunciado, podemos citar alguns exemplos de

imbricações dialógicas, como:

a) Que a aquisição de armamento e equipamentos bélicos de última geração é uma

prática comum do poder paralelo, superando muitas vezes a qualidade e quantidade

do aparato utilizado pela polícia.

b) Que a guerra entre polícia e narcotraficantes é uma realidade que se estende desde a

década de 1970 e atualmente ganhou proporções gigantescas.

c) Que desde o ano de 2008, o Governo Estadual deu início a um projeto de pacificação

das favelas cariocas com a Implantação de Unidades de Polícia Pacificadora, e, desde

então, a guerra civil no Rio adquiriu novas nuances, tornando-se, inclusive, assunto

internacional.

15

Disponível em O Estado de S. Paulo: https://goo.gl/lvQITD - Acessado em 21 de fevereiro de 2017 16

Disponível em: https://noticias.terra.com.br/ 17 de outubro de 2009 17

Disponível em: http://noticias.r7com.br/ 19 de outubro de 2009 18

Disponível em: https://zerohora.com.br / 20 de outubro de 2009

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 121

Como já apontado acima, a imagem apresenta um helicóptero sendo atingido por

inúmeros disparos de fuzis, representados por onomatopeias e desenhos de projéteis vindos

das comunidades abaixo, atingindo a parte de trás da aeronave que começa a cair. De dentro

da cabine um piloto grita via rádio comunicador que a tripulação foi atingida pela política.

Deixando a entender que por questões políticas a coisas chegaram ao ponto da máxima

violência, semelhante ao que ocorre em países em guerra declarada. A imagem não deixa claro

que tipo de aeronave estaria sobrevoando as comunidades, se uma aeronave da polícia do

Estado, ou algum taxi aéreo em rota errada. Também não há exatamente uma identificação

verbal ou visual que identifique os aglomerados de barracos pertencerem a comunidades

carioca, essas evidências ficam implícitas por meio do que se tem de conhecimento sobre a

realidade do Rio de Janeiro e pelo contexto sócio histórico do período em que a charge circula.

A linguagem verbal complementa a visual, especificando prováveis efeitos de sentido

a) O povo não aguenta mais a constante guerra

b) Há muitos conflitos armados no Rio de Janeiro

c) Facções ocuparam e dominaram definitivamente a cidade carioca.

d) O Estado terá muito trabalho para retomar o controle da cidade do Rio de Janeiro

e) A população moradora das comunidades fica encurralada entre traficantes e

policiais.

f) O poderio bélico do poder paralelo é poderoso o suficiente para abater aeronaves.

Considerações finais

A produção de sentidos depende do conhecimento de mundo e da bagagem sócio

histórica e cultural dos sujeitos envolvidos no entendimento do enunciado ao ler/ouvir um

enunciado, independentemente do gênero discursivo. Para Bakhtin, toda compreensão ativa

exige uma atitude responsiva que se intensifica durante a leitura do gênero “charge” por se

tratar de um gênero secundário que exige do leitor conhecimentos prévios para que este

possa desempenhar essa atitude responsiva, independente de concordar ou discordar da

crítica apresentada por ela. Essa compreensão seja de crítica econômica política ou social,

permite que o interlocutor desperte um olhar para a realidade a qual pertence dentro da

sociedade em que está inserido. Ao compreender a mensagem transmitida pela charge, uma

nova opinião se forma a partir daí, um novo sentido é construído.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 122

Todo o processo de construção da charge, seja pelo conteúdo temático, estilo verbal ou

a construção composicional, situam o leitor em um determinado período sócio histórico e

cultural, e permitem ao interlocutor perceber que os discursos sociais, políticos e culturais se

entrelaçam formando uma teia de fios discursivos.

Por se tratar de um gênero discursivo que aborda de questões sociais do nosso

cotidiano de maneira humorada e irônica, as charges vão muito além de simples ilustrações

que refletem criatividade e opiniões políticas, econômicas e culturais de quem as cria. São,

acima de tudo, fonte de informação. A charge desperta a curiosidade do leitor e o mantém

atualizado, informado de maneira descontraída e divertida, baseando-se em notícias

divulgadas pela esfera jornalística. Entretanto, não é um enunciado apenas divertido, mas

complexo e pleno de imbricações dialógicas, facultadas pelas relações traçadas entre as

linguagens verbais e visuais, pelos valores éticos e estéticos desses signos ideológicos

utilizados pelos sujeitos tanto para compor a charge, quanto para estabelecer relações de

sentido com elas.

Por meio de elementos verbo-visuais, as charges cumprem papel importante para a

disseminação de informação, a interação entre leitor e enunciado acontece de maneira

relativamente rápida, desde que o interlocutor tenha conhecimento prévio de mundo que

possibilite uma compreensão dos discursos relacionados no enunciado concreto.

Aparentemente, um enunciado de rápida compreensão, por vezes considerada apenas como

texto divertido, sua leitura envolve uma complexa rede de relações dialógicas, noções de

valores éticos e estéticos de uma dada sociedade em um dado tempo. Ao estabelecer relações

de sentido com a leitura da charge, o leitor ideologicamente responde aos discursos da

sociedade em que se insere. Por sua materialidade verbo-visual, caricaturista das pessoas e

situações, está repleta de sentidos de humor, ironia e críticas à sociedade onde circula. Por seu

caráter humorístico e, aparentemente, leve, permite uma interação prazerosa com os sujeitos,

mas ao mesmo tempo, para os que conseguem estabelecer as imbricações discursivas, muito

séria e reflexiva.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. [tradução feita a partir do francês por Maria

Emsantina Galvão G. Pereira revisão da tradução Marina Appenzellerl]. São Paulo Martins

Fontes, 1997.— (Coleção Ensino Superior)

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 123

______. O problema do texto (1959-1961). In.: Estética da criação verbal. Trad.Maria Ermantina

Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992:327-358

______. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método

sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira; com a

colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e CarlosHenrique D. Chagas Cruz. ed. São Paulo: Hucitec,

1999. 196p. Bakhtin. São Paulo, Parábola Editorial, 2009.

MARCUSCHI, Luis Antonio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:

Parábola Editorial, 2008.

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http://noticias.r7.com/cidades/noticias/acompanhe-a-guerra-do-trafico-no-rio-de-janeiro-

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PARTE 3

DISCURSO E IDENTIDADE

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 127

A (DES) CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NOS

DISCURSOS DOS JOVENS DO MST: DAS CONDIÇÕES DE

PRODUÇÃO AOS SILENCIAMENTOS1

Ana Maria de Fátima Leme Tarini2

Introdução

Desde o período de colonização, a disputa por terra sempre esteve em foco no Brasil. A

luta pela terra meio que se confunde com a luta pela vida, essencialmente, para os indígenas,

quilombolas e pequenos agricultores. É uma questão que não cessa de advir. O Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem sido um dos movimentos sociais que mais

contribuiu, nas últimas décadas, para que o assunto da exploração da grande propriedade

privada (monopólios, agronegócio, etc.) não ficasse silenciado3.

Nas últimas décadas do século XX e início do XXI, as questões identitárias, também,

foram amplamente discutidas em várias ciências, essencialmente, nos estudos de linguagem e

sociedade. Incitada por estas duas questões, realizou-se uma pesquisa durante os estudos do

Mestrado em Linguagem e Sociedade, em 2006 e 2007, pela Universidade Estadual do Oeste

do Paraná, visando entender a constituição de identidades dentro do MST.

O estudo de caso tinha por objetivo compreender a dinâmica do processo de

construção de identidade(s) por meio de discursos. O estudo foi realizado em uma escola

técnica vinculada ao MST e buscava-se compreender como as identidades dos jovens têm sido

construídas na convivência dentro da escola; como se identificavam; a partir de quê

construíam sua identificação; por quem é construída e para quê. Portanto, objetivava-se

analisar as práticas discursivas que permeiam o processo de autoidentificação do "ser" Sem

Terra e os discursos que os jovens têm assumido individual e coletivamente, ressaltando

quais são as condições de produção e de silenciamentos nestes discursos.

1 Este artigo é parte de uma dissertação de Mestrado em Letras, com área de concentração em Linguagem e

Sociedade, realizada sob a orientação da professora Eliane Cardoso Brenneisen, publicada em 2008, com o título: As

condições de produção dos discursos de identidade: um estudo sobre os jovens militantes do MST.

2 Docente no Instituto Federal do Paraná (IFPR), campus Pinhais e Doutoranda no Programa de Pós-graduação pela

Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus Cascavel. E-mail: [email protected] 3 Nesse assentamento já fora realizado um estudo anterior, porém com objetivo diverso do apresentado aqui. Sobre

este primeiro estudo consulte-se BRENNEISEN (2002).

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 128

Para tanto, neste trabalho, tentou-se entrelaçar dois eixos teóricos de análise: estudos

socioculturais sobre identidade e teoria da análise de discurso de linha francesa (AD) para

tratar da produção discursiva. No que se refere ao viés sociocultural da produção de

identidade, recorre-se aos estudos de Hall (2005); Castells (1999); Berger e Luckmann

(1994); no que concerne ao conceito de discurso, destacam-se autores como: Orlandi (2005;

2006) e Foucault (2006), os quais consideram discurso como um processo de construção

social, constituído nas relações de interação entre interlocutores. De forma que, os discursos

constituem sujeitos e são constituídos pelos sujeitos nas relações de linguagem, o que significa

dizer que “são processos de identificação do sujeito, de argumentação, de subjetivação, de

construção da realidade.” (ORLANDI, 2005, p. 21).

Os dados para a análise foram gerados num assentamento, na região oeste Paraná, em

São Miguel do Iguaçu. Os sujeitos da pesquisa4 eram estudantes que participavam, em 2006 e

2007, do Curso Técnico em Agroecologia, os quais foram entrevistados em duas ocasiões: por

meio de uma entrevista coletiva e entrevistas individuais. Os jovens entrevistados são

assentados ou acampados, encontravam-se na faixa etária de 18 a 24 anos e estudavam nesta

escola, mas pertenciam a outras localidades do Paraná, Mato Grosso e do Paraguai. Vinte e

nove estudantes5 participaram da entrevista coletiva. Para as entrevistas individuais, foram

selecionados dez jovens, dentre aqueles que se dispuseram a colaborar. Devido à restrição da

extensão do artigo, serão abordadas somente algumas questões das entrevistas individuais e

uma da coletiva. Visando preservar suas identidades, na transcrição os sujeitos, foram

apresentados como jovens e com nomes fictícios, mas idade real (a que tinham na época). São

eles: Fabrício (20), Manoel (18), Fernandez (24), Fernando (23), Jonas (22), Lucas (18),

Leonardo (21), Laerte (20), Kássia (22), Luana (20).

Para uma melhor compreensão a respeito das condições de produção dos discursos de

identidades dos jovens selecionados neste estudo de caso, esse artigo encontra-se dividido em

três sessões. A primeira intitulada “Identidade e discurso: aspectos teórico-analíticos” procura

apresentar, em linhas gerais, a fundamentação teórica que subsidia os eixos de análise

identidade e discurso; a segunda intitulada “Condições de produção e práticas discursivas”,

analisa os discursos de militância e a recorrência nas entrevistas; finalmente, a última seção

trata dos “Silenciamentos e interdições nos discursos”.

4 A opção por sujeitos da pesquisa demonstra a abordagem social de caráter qualitativo que se pretende.

5 Houve uma entrevista coletiva que foi acompanhada de uma liderança do MST, ocupante do cargo de coordenador

pedagógico do curso e entrevistas individuais, nestas, talvez por serem dez, não houve acompanhamento.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 129

Identidade e discurso: aspectos teórico-analíticos

Hall (2005) assinala que a partir da segunda metade do século XX, com a aceleração do

processo de globalização econômica, social e cultural, o sujeito entra numa condição de

socialização “pós-moderna”, integra-se e interage com outras sociedades, culturas e

“mundos”, enfim, defronta-se com identidades múltiplas, tornando-se fragmentado. Segundo o

autor, é “esse processo que produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo

uma identidade fixa, essencial ou permanente” (op. cit., p. 12). Há, nesta perspectiva, uma

dissolução da noção de sujeito (identificado por um “eu”).

Hall (1987) concebe ainda a identidade do sujeito pós-moderno como uma “celebração

móvel”, pois este sujeito assume diferentes identidades em diferentes situações às quais é

exposto. Isto demonstra que a identidade possui mais mobilidade que a concepção de

construção identitária na socialização primária e secundária apresentada por Berger e

Luckmann (1994). No entanto, ambos os posicionamentos podem ser considerados

complementares, visto que concebem a construção de identidades por meio da socialização e

do processo de interação social.

Sob perspectiva semelhante (não igual), Foucault (2002) concebe a identidade como a

composição de “vários ‘eus’, em simultâneo, a várias posições-sujeitos” (FOUCAULT, 2002, p.

56-57). Para o autor não existe, então, estabilidade, estaticidade ou unicidade no sujeito.

Haveria, sim, posições a serem consideradas no processo de identificação. Neste sentido,

Castells (1999) sugere que as identidades são mais significativas que os “papéis sociais” ou

“conjunto de papéis” assumidos, visto que são compostas por um processo de subjetivação do

sujeito. Para tal, “[...] identidades são fontes mais importantes de significado do que papéis,

por causa do processo de autoconstrução e individuação que envolvem. [...] pode-se dizer que

identidades organizam significados, enquanto papéis organizam funções”(CASTELLS, 1999, p.

23). Assim, afirma-se que os papéis estão relacionados à função social do sujeito em

determinados momentos, já a afirmação de uma identidade é uma afirmação política.

Enunciar-se, portanto, é identificar-se em nível social, cultural e político; é “mostrar-se ao

outro”.

Ao se refletir sobre as práticas de significação na construção identitária e pressupondo

questões como “quem sou eu?”, entende-se que o sentido de nossa existência é produzido

cotidianamente e o que sou hoje, não fui ontem e, provavelmente não serei amanhã. Do ontem

para o hoje o sujeito pode se transformar nas/pelas interpelações que sofre. A identificação de

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uma pessoa é mutante, fluida. Então, o quem sou é influenciado por identidades locais e

globais; interpelações ideológicas que amanhã constituirão outros lugares de sujeito, posição-

sujeito que possibilite se construir através da linguagem. Na globalização6 a ideia de

pertencimento entra em colapso, gera uma crise contemporânea, e confronta-se com a

tentativa de homogeneização cultural do mercado global, gerando o distanciamento da

identidade da comunidade e da cultura local; paradoxalmente, isso pode fortalecer e

reafirmar algumas identidades nacionais e locais (cf. WOODWARD, 2005).

Se “a identidade é um fenômeno que deriva da dialética entre o indivíduo e a

sociedade” (BERGER; LUCKMANN, 1994, p. 230) e vivemos em uma sociedade constituída por

experiências globais, pode-se conjeturar que tanto “as posições” ocupadas pelo sujeito, quanto

os papéis assumidos na aquisição da identidade são adjacentes a outros movimentos sociais

transnacionais. Sendo assim, a identidade do MST tem caráter global, uma vez que este tem

ligações com organizações presentes em outras partes do mundo, como a Via Campesina7.

Todavia, as sociedades nascem de histórias constituídas por indivíduos, sendo assim, tanto

Berger & Luckmann (1994), quanto Hall (2005) acreditam que uma identidade coletiva é o

resultado de identidades individuais. Então, o MST, ao reviver histórias de luta constrói

identidades no imaginário dos sujeitos participantes, como se fossem o constructo de uma

nação. Isso exige do quadro de lideranças a necessidade de enfatizar e reforçar a “força” da

militância, por meio da mística8, revivendo a luta e as dificuldades enfrentadas pelos Sem

Terra, com apresentações culturais e celebrações em comemoração ou luto por algum fato

marcante da história de luta. Conforme Foucault (2005b), não existe sociedade onde não haja

discursos que a narrem, que a contem e recontem, revivendo, por meio de rituais, as

circunstâncias históricas de construção; um passado mitopoeticamente construído para os

jovens que dele não participaram.

6 Entende-se a globalização como um processo de intercâmbio econômico, político e cultural mundial que se iniciou a

partir da década de 1960, com a expansão dos sistemas de comunicação. “A globalização não é, portanto um processo

singular, mas um conjunto complexo de processos. E estes operam de uma maneira contraditória ou antagônica”

(GIDDENS, 2000, p. 23).

7 Além do MST, outros movimentos sociais do campo compõem a Via campesina como: Movimento dos Pequenos

Agricultores (MPA), Movimento dos Agricultores Atingidos por barragens (MAB), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Pastoral da Juventude Rural (PJR). 8 Para o MST: “A palavra mística é adjetivo de mistério [...] Na linguagem comum usa-se a palavra mistério para

concluir uma reflexão que esgotou as capacidades da razão e não consegue mais produzir luz. Ou então para indicar

intenções ou realidades escondidas ao comum dos mortais [...]. A pessoa é levada a experimentar através de

celebrações, cânticos, danças, dramatizações e realização de gestos rituais uma revelação ou uma iluminação

conservada por um grupo determinado e fechado” (MST, 1998, p. 23, 24).

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 131

Em se tratando de discurso, nas leituras que se faz de Foucault (2005b; 2006), é

possível compreender que este caracteriza um conjunto de enunciados, criados a partir de

regras comuns de funcionamento linguístico, histórico, cultural, regulador e normatizador dos

mecanismos de produção discursiva; um conjunto de enunciados pode ser designado como

discurso quando está apoiado na mesma formação discursiva. No entanto, neste trabalho

apropria-se do conceito de discursos dos estudos de Orlandi (2005), para a qual discurso é

um “lugar específico em que se pode apreender o modo como a língua se materializa na

ideologia e como esta se manifesta em seus efeitos na própria língua” (op. cit., p. 96); é um

espaço de materialização ideológica da língua.

Sob esse aspecto, pensar uma teoria do discurso é também pensar uma teoria da

instância da enunciação. “Esta instância de subjetividade enunciativa possui duas faces: por

um lado, ela constitui o sujeito de seu discurso, por outro, ela assujeita” (MAINGUENEAU,

1997, p. 33). Nota-se que o enunciador é submetido às regras da enunciação, mas é também

legitimado e autorizado nesta instância. Vale dizer que o discurso dos jovens Sem Terra não é

dissociável de seus lugares de enunciação; estão autorizados e legitimados para articular seus

discursos devido às posições que ocupam na condição de integrantes em formação militante

no MST, porém estão sujeitos a regras condicionantes do mecanismo de produção discursiva.

Assim, tudo pode ser dito dependendo das condições do dizer, dependendo das relações de

poder, do posicionamento e da sujeição que envolve os sujeitos do discurso.

O jogo discursivo dos sentidos de verdade estabelece padrões, fronteiras e limites;

facetas do poder atuando contra a erupção da desordem do discurso. Sendo que, um discurso

para ter a adesão de outros, deve ser reconhecido por estes como verdade, caso contrário ao

invés de admiti-lo e incorporá-lo, expulsa-se, exclui-se o simulacro do outro. Por tal

perspectiva, Foucault (2006) assevera que se deve questionar a vontade de verdade; restituir

o discurso como um acontecimento e suspender a soberania do significante, para que se

perceba o poder que subjaz à interdição dos enunciados e à profunda logofobia da

proliferação discursiva. O poder atua na repressão, na interdição, na exclusão e se mantém

produzindo e reproduzindo o saber; “o que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito

é simplesmente que ele não pesa só com uma força que diz não, mas que de fato ele permeia,

produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso” (FOUCAULT, 2005a, p. 08). O

poder não se apresenta simplesmente na negação e na proibição, apresenta-se,

principalmente, na coerção e no controle.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 132

Para analisar a produção discursiva dos jovens Sem Terra, três conceitos tornam-se

essenciais: condições de produção, práticas discursivas e silenciamentos. Para Orlandi (2006),

“o conceito básico para a AD é o de condições de produção. Essas condições de produção

caracterizam o discurso, o constituem e como tal são objeto da análise.”(op. cit., p. 110). A

autora entende por condições de produção a relação entre sujeitos, situação e memória. Neste

sentido, a circunstância de produção do discurso “[...] é o contexto imediato. E se as

considerarmos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio

histórico, ideológico.” (ORLANDI, 2005, p. 30).

Quanto ao de práticas discursivas, entende-se como “um conjunto de regras anônimas,

históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiam, em uma dada época e

para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de

exercício da função enunciativa” (FOUCAULT, 2005b, p. 133). Com relação aos silenciamentos

e as interdições assevera-se que são componentes discursivos, integram as formações

ideológicas dos discursos. “Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se

pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de

qualquer coisa ” (FOUCAULT, 2005b, p. 09).

Dentro de dadas condições, os jovens “selecionaram” os dizeres, identificaram-se em

seus discursos. O que foi dito e o que foi silenciado está subentendido pelo dito, complementa

o explícito. “Entre o dizer e o não dizer desenrola-se todo um espaço de interpretação no qual

o sujeito se move” (ORLANDI, 2005, p. 85). Desta forma, o silêncio tem um significado para a

análise do discurso e para analisá-lo parte-se do que foi dito, das condições de produção do

dizer e da relação com a memória. Observa-se “só o não dito relevante para aquela situação

significativa” (op. cit., p. 83), o que foi silenciado nas respostas das questões da entrevista, foi

silenciado pela enunciação das próprias respostas ou por longas pausas. Estas colocações

reiteram a importância a ser dada ao não-dito, linguagem talvez mais importante do que o que

está posto em relevo.

Condições de produção e práticas discursivas

Pensando no processo de identificação dos sujeitos – retornando ao que foi dito na

sessão anterior – reitera-se as palavras de Pêcheux (1988), em Semântica e discurso: uma

crítica à afirmação do óbvio, ao afirmar que os processos de imposição/dissimulação

constituem o sujeito, assujeitado, mas dissimulado pela ilusão de autonomia de si e de sua

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identidade. Por este viés, procura-se compreender a subjetivação da juventude integrante do

MST no processo de objetivação de identidade, na qual os jovens, ao se identificarem - “Nós

somos militantes do MST” - revelaram seu pertencimento por meio de um pronome pessoal

(nós), da preposição (do) e da afirmação de uma verdade necessária (somos militantes). Mas

no grupo de 29 pessoas, por ocasião da entrevista coletiva, três se reconheceram na condição

de militantes, os outros se mantiveram em silêncio - embora todos estivessem se preparando

para assumir tal função. Tomar a palavra, como se sabe, é sempre um ato social que denota

identidade e, desta forma, ao enunciar algo, a pessoa se identifica. Por outro lado, observa-se

que, coletivamente não há negação da posição militante, há apenas a não declaração de tal

posição, a opção pelo silêncio.

Tomando por base tal compreensão, é interessante notar a tomada de posição nas

entrevistas individuais, pois os enunciados produzidos nestes eventos são reveladores de

identidades. Para se compreender quem são estes sujeitos e como se identificam, perguntou-

se na entrevista individual: Quem é você e quantos anos você tem? A esta questão,

responderam:

1. Meu nome é Luana, tenho 20 anos.

2. Eu vou dizer que sou do Movimento Sem Terra, meu nome é Fabrício, sou acampado

no município de Santa Teresa do Oeste, na antiga fazenda Singenta, agora

acampamento Terra Livre. Sou educando do curso técnico em agroecologia, sou

militante do Movimento Sem Terra e minha idade é 20 anos.

3. Meu nome é Manoel, tenho 18 anos

4. Sou Fernandez, sou paraguaio, tenho 24 anos e soy do... União de organização

el...Movimiento Campesino Paraguaio (MCP).viii

5. Bom...eu sou o Fernando, completei 23 anos e... sou militante do Movimento

6. Meu nome é Jonas, tenho 22 anos

7. Lucas, tenho 18 anos.

8. Leonardo

9. Sou Laerte, tenho 20 anos

10. Kássia.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 134

Somente três dos dez jovens entrevistados disseram ser militantes, os demais se

identificaram com seus próprios nomes, não fazendo menção ao MST ou a luta, o que

demonstra qual é a identidade que se sobressai individualmente.

Considerando o contexto (sujeito, situação e memória), deve-se observar que os

sujeitos estavam em formação militante; encontravam-se em luta contínua pela reforma

agrária e por condições de produção agrícola. Sendo assim, a militância é uma categoria

temática recorrente e, devido a essa repetição constante nos textos e nas falas, fez-se

necessário o entendimento do que é ser militante. Nas entrevistas, percebeu-se que esta

categoria está ligada, essencialmente, a questão do pertencimento, o que se evidenciou na

ocasião da entrevista coletiva, quando se indagou: O que é ser militante? A pergunta provocou

um silêncio, não se sabe se isso ocorreu por ausência de sentimento de militância, ou tensão

por conta da presença de um membro da coordenação. O diálogo na entrevista coletiva9

seguiu assim:

Jovem: É você estar preparado para enfrentar tudo, conforme as necessidades do Movimento, a qualquer momento, porque a gente tá se preparando para isso, pra qualquer necessidade que o Movimento exigir, a qualquer momento, porque a gente tá se preparando, é como educador, como professor, você também tem que se preparar, nós também, então, se o Movimento precisa de um técnico, um educador, tem que tá preparado pra isso.

(pausa)

E. E vocês?

Jovem: Formulando a resposta… (risos)

(pausa)

Jovem: Uma das principais coisas é ter pertença pela causa porque acho que esse é um principal valor que tem quando é pertencente ao Movimento, pelas causas que todos lutam, [...]na pertença, de ser MST, ser militante[...] Acho que o militante sente isso, quem é militante de verdade, que sente pertencente a luta, a luta de classe, do Movimento, independente de qualquer Movimento que seja. Porque movimento é de direita, é de esquerda, acho que ser militante é se sentir parte mesmo, se sentir construtor e construído por isso.

(pausa)

Jovem: Primeiro é ter consciência de classe e ter capacidade de intervir na realidade do dia a dia, se indignar, perceber injustiça, praticar os valores humanistas, principalmente, se for contra o capitalismo, e um dos principais, de intervir na realidade do dia a dia. Essa é a tarefa do militante.

E. Mais alguma coisa?

9 Nas entrevistas coletivas: Jovens (fala dos jovens); E (fala do entrevistador); pausa (pausas longas).

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 135

Jovem: Pra mim é..., ser militante do Movimento Sem Terra é preencher aquele buraco que eu havia falado no começo, que tem dentro de cada indivíduo. Preencher com um ideal novo, com um objetivo novo, uma sociedade de esperança. Você tá sempre na luta, você tá... você tem um ideal de vida, diferente que o capitalismo impõe para você. Você criar seu próprio personalismo, você ser diferente.

Estes discursos, pela forma com que são expostos - em bloco, na íntegra - captam a

exteriorização do sentimento de militância. E, conforme é possível observar, as principais

características que identificam um militante, segundo suas interpretações, são o sentimento

de pertença; convicção para assumir a função que o MST determinar; defesa do Movimento;

capacidade de intervenção na realidade; desejo de uma sociedade diferente da capitalista;

entendimento dos princípios do Movimento, como um todo.

Sobre a interpretação, de acordo com a AD, é importante ressaltar que “esta é uma

marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o traço da relação da língua com a exterioridade:

não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia. Ideologia e inconsciente estão

materialmente ligados” (ORLANDI, 2005, p. 47). Então, quando fala em “militante de verdade”,

o jovem apela para um tipo de sujeito que seria o verdadeiro militante e faz pressupor a

existência do militante de “mentira”, ou de sujeitos que não assumem a identidade militante;

sujeitos que não dão a vida pela causa social. A respeito da expressão “militante de verdade”,

conforme argumenta Orlandi (2005), tem uma estreita relação com a exterioridade da língua,

com as condições do dizer. No que se refere a este aspecto, informações colhidas com um

integrante esclarecem que dias antes da data da entrevista, dois alunos haviam abandonado o

curso para trabalhar em empresas da região, fato que, para alguns, pareceu traição, atitude de

quem não era “militante de verdade”.

Além desta necessidade de dedicação à causa e ao MST, é importante notar outros

aspectos, os quais, no imaginário dos jovens, denotam uma identidade militante. Um dos

jovens, comentando a questão, afirmou que ser militante é “preencher um buraco”, ter um

“ideal de vida”. Para o rapaz, integrante do MST há apenas de quatro anos (na época), a

militância tinha um caráter de resgate da vida e dos ideais; porque antes este vivia migrando

com a família de cidade em cidade, buscando trabalho para sobreviver, sem perspectivas de

futuro. No decorrer da entrevista individual, o mesmo jovem em questão, relatou que se

alcoolizava com frequência; não estudava, estava desacreditado, sem objetivos na vida, mas

que agora a luta junto ao MST trouxera esperança. Ser militante, para ele, é quase uma

devoção religiosa; além de representar a esperança, supõe a chance para ser alguém que

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possa transformar o mundo, conforme ele mesmo destacou, ao responder à questão: O que é

ser militante para você?

Eu pra mim, eu.... represento uma esperança, uma esperança para humanidade até

mesmo, é um grãozinho de areia sendo criada para renovar a sociedade. Muita gente acha que

isso é mais uma esperança. Eu também acho, mas é a esperança do mundo novo. Eu

represento a esperança de um mundo novo. Não só eu, mas todos aqui estão pensando numa

nova sociedade, num mundo diferente, mais justo. Então...eu represento a esperança.

(Fabrício)

Neste jogo de produção discursiva sobre os significados da militância, o sujeito não

percebe, segundo Mariani (1998), que seu discurso é resultante da concepção de mundo

cristalizada em sua memória e concretizada em/pelas suas práticas discursivas. Mais do que a

(re)memorização de um discurso já cristalizado sobre o papel da juventude enquanto

esperança de transformação social e de profundas mudanças político-econômicas. Fabrício

profere um discurso religioso, de quem se acredita capaz de conduzir a humanidade a uma

“terra prometida”, um mundo novo cheio de esperança, como fez Moisés. Em seu discurso

bíblico, retoma o caráter profético e salvacionista da luta pela terra presente nos discursos da

CPT, e dos integrantes da base do MST, desde a constituição do Movimento, uma vez que este

teve origem no interior da CPT (MARTINS, 2004, p. 152).

Para Leonardo ser militante representa “fazer parte de um Movimento”, ser parte de

algo, criar raízes, ter uma identidade reconhecida dentro e fora deste espaço, pelo seu olhar e

pelo olhar do outro. Ele contou que: “não parava em lugar nenhum. Foi o único lugar, única

coisa que me veio na ideia de eu fazer esse curso pra que eu parasse num lugar”. Leonardo

abandonou a casa dos pais e foi trabalhar para garantir sua sobrevivência, quando era menor

de idade. Por isso, morou em diferentes cidades, trabalhou de boia-fria, carpindo, colhendo,

dirigindo trator, etc. Agora espera ter sua própria terra, criar vínculos no MST.

Já a evidência do sentido da militância, no discurso de Manoel, deixa perceber uma

diferente interpelação ideológica:

O que representa pra mim? (Pensa alto) Ah...representa bastante coisa. Aqui o

militante do MST... eu não digo que vou ser militante [...]Mas aqui que você segue uma

formação pro resto da tua vida né. Aqui tu tem uma formação de sociedade (Manoel)

Os jovens, na entrevista coletiva, produziram enunciados semelhantes a respeito da

militância. Embasados nos estudos de Maingueneau (1997), argumenta-se que os discursos

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dos jovens exibiram uma mesma formação ideológica pertencente a uma “comunidade

discursiva”. Mas Manoel não entende da mesma forma. Destaca-se que ele é o único a refletir

sobre as possibilidades de vir a ser militante. Além de ser o único a morar fora de

assentamento/acampamento, é um dos mais novos no MST. Sublinha-se, também, que este

ainda está indeciso sobre a militância; entra em contato com diferentes identidades e

concepções de mundo; crê na possibilidade de ter escolhas.

O MST tem garantido presença em diferentes partidos políticos, ONGS, associações e

universidades de vários países e, juntamente com outros movimentos sociais, têm

estabelecido uma rede global de informações e troca de experiências anticapitalistas. Cita-se

como exemplo um dos jovens, integrante do Movimento Campesino Paraguaio (MCP),

estudante de agroecologia, para ilustrar a desterritorialização das lutas sociais. Nota-se que na

formação dos jovens, para viver em “uma” sociedade, como ressaltou Manoel, tenta-se fixar no

imaginário uma identidade essencial, plena e completa, a identidade do militante Sem Terra.

Entretanto, Fernandez10 avista desigualdades em outras partes do globo e conclui que há um

contexto de luta local (a luta do MST) e global (a luta dos campesinos de outros países); exibe

uma compreensão mais ampla:

Militante é ser internacionalista. Principalmente é eso. Tem que ter esse pensamento

não somente de tu território, de tu país. A queston és global. Tu tem que olhar para outros

países, o que está acontecendo. É o sistema de dominação.[...]Tem que pensar no resto de

todos os países que tem no mundo também e a partir daí, a transformação seria possível.

(Fernandez)

Amparados pelos estudos da AD, explicitados por Orlandi (2005), pondera-se que as

condições de produção dos discursos de Fernandez não são as mesmas que a dos colegas,

ainda que compartilhe do mesmo contexto imediato (assentamento, aulas do curso de

agroecologia). Isto por que o contexto amplo contém aspectos que coadunam as

circunstâncias sócio-históricas e ideológicas da formação discursiva deste sujeito, cuja

experiência, em outros movimentos, reflete-se na forma de pensar a identidade militante e de

como é concebida a reforma agrária. Ao se pensar em condições de produção dos discursos,

salienta-se que o MST teve sua gênese na luta por reforma agrária, mas com o tempo ampliou

sua pauta de reivindicações e dedicou-se a formar militantes capazes de lutar por mudanças

sociais mais profundas que a reforma agrária.

10

Fernandez fala “portunhol”, não houve intervenção, tradução ou correção nas falas de nenhum deles.

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Silenciamentos e interdições nos discursos

Foucault (2005b; 2006), demonstrou em suas análises o “temor da sociedade” com

relação à proliferação discursiva; logofobia que a levou a constituir sistemas de controle que

seleciona, rejeita e exclui discursos. Os discursos são, portanto, regulamentados e regulados

por uma ordem. Essa ordem inclui práticas de interdição de discursos (entendendo as

exclusões e desistências dos alunos, que eram mais de 70 no início do curso e somente 29

permaneceram) e os silenciamentos dos que ficaram no curso. A esse respeito, isto é, às

formas do silêncio em discursos, Orlandi (1993; 2005) afirma que há categorizações de

silêncio: o silêncio fundante e a política do silêncio (o silenciamento). Atenta-se para a

segunda categorização, pois ao dizer o que não sabe o sujeito não diz o que sabe. É nesta

perspectiva que se encaminha a análise dos silenciamentos e interdições.

Para entender os silenciamentos, examinou-se primeiramente a fala de uma jovem, que

disse: Muitos por questão financeira, outros por coisas mesmo que deixaram de fazer, né...

porque no curso tem normas e muitas normas eles não seguiam (Luana). A jovem cita: 1. a

questão financeira; 2. declara que o curso tem normas e que muitas não foram seguidas.

Todavia, parafraseando Orlandi (1993), pode-se afirmar que há silêncio nas palavras da

jovem; que as palavras são atravessadas de silêncio, produzem silêncio, um silêncio que fala

por elas. Luana silencia ao não falar da distribuição da carga horária das aulas que exige a

permanência do aluno na escola durante meses; silencia quanto às dificuldades de

aprendizagem e a razão das normas não serem seguidas; diz apenas que alguns deixaram de

fazer “coisas”.

Enquanto isso, dois deles: Manoel e Fernandez culpam o sistema capitalista pelo

controle da consciência e dos modos de vida da juventude. Já Fernando enfatiza que a redução

do número de participantes do curso deu-se por causa das etapas, da impossibilidade de

trabalhar para ganhar o próprio dinheiro; argumenta acerca das dificuldades das pessoas em

permanecerem num local em que a vivência é coletiva e que ele não estava acostumado a

viver daquela forma em seu município: “Mas lá tudo era individual, aqui tudo é coletivo”. Fala

da mudança de contexto, da vida que tinha antes e da falta de liberdade para sair. Além disso,

sobre a disciplina, esclarece: “as pessoas sentam com a gente para discutir”; porém Fernando

silencia quanto aos fatores que levam à expulsão.

A dificuldade financeira, abordada por Fernando, demonstra os percalços para se

corresponder a um currículo integral, dividido em etapas de dedicação exclusiva. Além desse

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período de aulas, o MST exige que nos intervalos entre etapas sejam feitos trabalhos nos

acampamentos e assentamentos de origem de cada estudante, isto significa que não são férias,

mas sim um tempo de trabalho na “comunidade” aplicando a teoria à prática diária da

agricultura e da pecuária.

Diante da insuficiência de informações concretas, indagou-se mais sobre o destino

destas pessoas: Mas elas saíram do curso ou do Movimento? Ao que Jonas responde entre as

várias pausas: “Isso que é o... a dúvida que a gente tem, né”. Então, silenciou para não dizer

que este era um dilema e que ele não tinha certeza sobre o destino delas. Demonstrou não

haver estatística de quantos saíram do curso e quantos do MST: É porque muitas pessoas sai

do curso e sai do Movimento, porque essa etapa saiu uma pessoa do curso e do Movimento.

Foi trabalhar de empregada. Trabalha até um tempo de empregada, depois de um tanto tem

que abandonar e fica servindo, como falava Marx, exército de reserva. (Jonas)

Leonardo e Laerte relatam que muitos foram expulsos por problemas indisciplinares,

mas não disseram quais problemas. Esclareceram que costumam ser avisados que “tal pessoa

está indo embora”, apenas isso, sem explicações.

Em se tratando de disciplina, Foucault (2004a) aponta, em seus estudos, para a

utilização exaustiva do corpo e diz que a ociosidade é vista como um erro moral, uma

desonestidade econômica. E para se disciplinar, o corpo humano entra numa maquinaria de

poder que o molda, enquadra e formata, criando, assim, “corpos dóceis”. Para o autor, as

instituições controlam os horários, as atitudes e os corpos. Por sua vez, corpos disciplinados

silenciam com relação à saída dos colegas do curso denotando uma política do silêncio. Tanto

que na entrevista afirmaram não saber o que acontecera ao certo com os jovens que não estão

participando mais do curso.

Há silenciamentos, o silêncio local e um silêncio constitutivo. O silêncio local é sugerido

pela censura do assunto dos dissidentes ou, pelo menos, o assunto não é considerado

relevante ao ponto de ser discutido, principalmente - o que pode ser o caso destes jovens - se

estiverem vivendo melhor. Já o silêncio constitutivo subsidia o esquecimento. A análise

relaciona este tipo de esquecimento ao recorte em que os jovens dizem não saber o que

aconteceu com os ex-colegas; o que significa dizer “não importa o que aconteceu”, já que estes

não pertencem mais ao grupo, não compartilham do mesmo ideal. Não falar dos desistentes

faz pressupor um silêncio, uma interdição, que visa a esquecer, apagar. O processo de

exclusão interdita, separa ou rejeita os sujeitos; nesta circunstância o silenciamento leva à

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“morte do sujeito”. A condição de morte do sujeito e de nascimento do militante disciplinado.

Presencia-se tal condição na resposta à questão: Quais são seus planos para o futuro?

[...] se o Movimento, por exemplo, achar que eu devo fazer um curso em medicina, ou

achar que eu devo trabalhar no acampamento o resto da minha vida, eu vou cumprir.

(Fabrício)

[...] depende da necessidade, né, da tua base. Vou ter que trabalhar pra lá, né. Porque

nós somos a família... O MST decide. (Manoel)

[...] eu penso em sempre contribuir dentro da organização [...] (Jonas)

Há silenciamento de planos futuros (e apagamento de planos individuais) quando se

expressa a obrigação da dedicação eterna, como no caso de ter que “trabalhar no

acampamento o resto da vida” ou “vou ter que trabalhar lá”. Manoel reconhece seu

assujeitamento dizendo “o MST decide”, ou seja, não sou eu que decido, eu estou assujeitado

(silenciado), não existe “EU”. E Jonas está à disposição do Movimento, deseja “sempre

contribuir”. Observa-se nestas falas expressões que demonstram imposição: vou ter, devo

fazer, devo trabalhar. E hiperbolismos como: “sempre”, “o resto da minha vida”, para indicar

continuidade.

Não obstante, salienta-se que isto não ocorreu apenas com as palavras, mas também

com as ações. A disciplina controla as ações por meio de horários rígidos estabelecidos pelo

MST, nas aulas em tempo integral, reuniões constantes e cronograma de atividades semanais

são importantes para ajustar sujeitos à disciplina. Um outro mecanismo usado para o controle

é o caderno de reflexão, cujo objetivo é ser um material de relatos diários dos sentimentos e

atitudes. O caderno é um material para registros pessoais, somente a coordenação pedagógica

do curso tem acesso a ele para a leitura semanal; a equipe, quando necessário, tece

considerações a respeito das anotações. Os trechos relatados abaixo são fragmentos de um

dos dias registrados:

Foi um dia muito reflexivo sobre as atitudes de militante e o comportamento

disciplinar [...] Ser militante não é só palavra é ser construtor, e não um mero construtor. E

para ser construtor nós temos que olhar as atitudes, o comportamento [...] (Jovem)11

11

Este jovem não está entre os dez da entrevista individual, portanto não foi dado nome fictício a ele, todavia como seu “caderno de reflexões”, ao ser examinado, observou-se que continha anotações pertinentes, optou-se por apreciá-las.

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[...] nesta reunião todos souberam uma notícia muito mal e triste porque há chance de

um companheiro ser desvinculado do curso. Então, por isso temos que dar o máximo de nós

em todas as atividades do curso. (Manoel)

Com um olhar mais atento, é possível ver que os três discursos tratam do mesmo tema:

a dificuldade de agir e se comportar como um militante, o desafio de ser um Jovem Sem Terra.

Um olhar que precisa ir buscar no cenário em que se estava inserido, em suas anotações,

compreender a opção pela linguagem figurada: “chance”, “desvinculado do curso”, “ser

militante é ser construtor”. Para entendimento do que se disse, indagou-se aos jovens qual era

o objetivo do caderno de reflexão, qual sua funcionalidade. Eles informaram:

Na verdade, reflito muito poco, as reflexões que fiz no começo foi mal interpretado,

então criei um trauma, às vezes só conto o que fiz no dia a dia (Laerte)

Aqui a reflexão é diária[...]. Se o que tu tá fazendo tá ajudando o coletivo, se não tá

ajudando[...] É uma reflexão consigo mesmo[...] Tavez tu escreva uma palavra lá que vai ajudá

e eles interpretam de outra forma. (Manoel)

Ambos demonstraram preocupação com o que se pode ou não dizer, pois “eles” (era a

coordenação pedagógica do curso) interpretam de outra forma, ou a reflexão é “mal

interpretada”. São eles que leem os cadernos, por isso não foi relatado que um colega seria

expulso, ou excluído do curso, e sim “desvinculado”. Há, também, a preocupação da

construção da coletividade; o sujeito deve sentir-se como “construtor de uma ideia de

sociedade”, construtor da identidade Sem Terra.

Considerações finais

Finalizando a análise a respeito das condições de produção dos discursos de

identidade, vale ressaltar que na busca da compreensão do processo de construção de

identidade dos jovens Sem Terra, considerou-se na pesquisa a identidade construída na

dialética entre indivíduo e sociedade, numa relação conflituosa entre identidades que se

assumem e identidades as quais o MST, ou melhor, as lideranças do MST, desejam que sejam

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assumidas pelos jovens12, entendimento que foi possibilitado pelo trabalho com a

materialidade linguística.

Os dados mostram que os jovens estudantes/militantes, ao assumirem uma identidade,

parecem ter incorporado a necessidade (ou obrigação) de identificar-se como Sem Terra,

independentemente, de suas convivências com outros “mundos” e culturas com as quais se

identificam. Entretanto, as relações sociais com os familiares, vizinhos, amigos reais e virtuais,

enfim, todas as relações contribuem para a sua formação identitária e estabelecem um

conflito com identidade militante do MST que está se constituindo na formação do curso de

agroecologia.

Diante dessas constatações, julga-se que não há como se constituir sujeitos com uma

identidade essencial, cuja única influência no processo de construção venha de um

movimento social, mesmo sendo um grupo tão expressivo quanto o MST. Além disso, o

próprio MST teve uma origem marcada e influenciada por diferentes discursos, tanto

religiosos como os da teologia da libertação e da Comissão Pastoral da Terra; quanto os

discursos políticos de partidos de esquerda. O processo de constituição de identidades

militantes não apaga construções identitárias anteriores, talvez as adapte ou insira a

militância em sujeitos que buscavam outras formações sociais.

Esses aspectos demonstram a necessidade de se realizar mais pesquisas a respeito dos

discursos de identidade no MST. Neste estudo, optou-se pelos estudos socioculturais sobre

identidade e pela análise dos discursos. O campo continua aberto para que a temática aqui

abordada seja investigada e as análises aprofundadas por meio de outras metodologias.

Referências

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Paulo: Martins Fontes, 1990.

______. O que é um autor? Lisboa: Ed. Passagens, 4 ed., 2002.

12

A dissonância entre os discursos das lideranças do MST e agricultores participantes do Movimento, também constatada no estudo de doutorado da professora Suzi Lagazzi-Rodrigues, foi apresentada na tese: A discussão do sujeito no movimento do discurso. 1998.

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A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE IDOSOS:

DISCURSOS CONTEMPORÂNEOS

Cristiane Schmidt1

Antônio Carlos Santana de Souza2

Introdução

A expectativa de vida das pessoas vem se acentuando gradualmente, de maneira que as

pessoas estão atingindo uma longevidade bem avançada, que alcança proporções com alta

visibilidade. Esse fenômeno está associado, inicialmente, à diminuição do índice de natalidade

e à redução da mortalidade infantil e, ao mesmo tempo, tem relacão com a melhoria das

condições socioeconômicas de vida e com os avanços recorrentes da medicina e da tecnologia,

contribuindo no nível e no ritmo do envelhecimento populacional CAMARANO, 2006; LEHR,

1999).

São comumente expressões que traduzem esse cenário, tais como ‘o Brasil está se

tornando um país de velhos’ ou ainda ‘estamos vivendo num mundo que está ficando grisalho’

(LEHR, 1999). Essa transformação demográfica representa um desafio para a família, a

sociedade, as instituições, as ciências, assim como para o próprio idoso e para cada pessoa.

Acerca da temática do envelhecimento humano e de suas implicações para a sociedade

e para a família, destacamos as obras clássicas de Simone de Beauvoir, A Velhice, no ano de

1970 e Memória & Sociedade: Lembrança dos Velhos, de Ecléa Bosi, em 1979. Essas

pesquisadoras já vinham tecendo múltiplas questões conceituais sobre a velhice e o papel dos

idosos, bem como alertando sobre a importância desses sujeitos, enquanto protagonistas de

histórias de vida.

Nesse sentido, ao longo do texto pretendemos apresentar alguns discursos pertinentes

à construção identitária, especificamente à identidade social do idoso, como aquela associada

às perdas intrínsecas do processo do envelhecimento, além da ‘Terceira Idade’, na perspectiva

da educação permanente.

1 Doutora em Letras pelo PPGLetras-UNIOESTE; Mestre em Educação pela UFRGS; Licenciada em Letras

Português/Alemão pela UNISINOS; Professora Colaboradora UNIOESTE/PR. Membro NUPESDD-UEMS. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Letras pela UFRGS; Mestre em Semiótica e Linguística Geral pela FFLCH-USP; Licenciado em Letras

Português pela FFLCH-USP; Professor Adjunto no Bacharelado em Letras da UEMS/Campo Grande. Docente Permanente do PPGLetras-UEMS. Docente Colaborador no PPGLinguística-UNEMAT/Cáceres. Docente Colaborador PPGLetras-UNEMAT-Sinop. Membro NUPESDD-UEMS. E-mail: [email protected]

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Foco na(s) identidade(s): discursos em construção

O que se entende por construir a identidade? De forma intensa discute-se acerca da

constituição e do conceito de identidade. Especificamente, a constituição da identidade vem

ocupando destaque dentre diversos pesquisadores nos estudos linguísticos, sobretudo no

campo da Linguística Aplicada (LA), como em Moita Lopes (2011), Reis (2011), Bohn, (2005)

e Signorini, (2002); assim como nos Estudos Culturais Hall (2003) e Silva (2000). Entretanto,

tal noção implica, comumente, numa definição complexa, considerando seu caráter flexível e

dinâmico.

De maneira geral, no que se refere ao aspecto identitário, Bohn (2005) enfatiza que

todos os sujeitos, mesmo antes do nascimento, são ‘identificados’ pelos demais, atribuindo-

lhes uma identidade de gênero, etnia, classe social – o que concerne uma importância à

temática da constituição identitária no âmbito familiar e social. O autor destaca que a

identidade o ‘eu’ por ser sempre relacional, é feito daquilo que ‘o(s) outro(s)’ não é, ou seja, a

identidade está em constante relação com o outro e, entende-se que seja marcada pela

diferença/alteridade (BOHN, 2005).

Para Hall (2003), a identidade se forma, ao longo do tempo, mediada por processos

inconscientes, sendo que permanece sempre incompleta, estando sempre em construção. A

identidade não se caracteriza com algo inato e fixo, mas está sujeito a mudanças e pode ser

reposicionada. Essa definição entende a constituição identitária como em constante fluxo,

prestando-se a reformulações e manipulações. Em outras palavras: trata-se do entendimento

da identidade, enquanto uma construção social e histórica, sempre em processo, inacabada,

multifacetada, fragmentada e híbrida.

Nesse sentido, os estudos Hall (2003) demonstram que a identidade na atualidade se

forma, ao longo do tempo, mediada por processos inconscientes, sendo que permanece

sempre incompleta, estando sempre em construção. Logo, ela não se caracteriza com algo fixo,

mas está em constante fluxo, prestando-se a reformulações e manipulações.

Avançando na definição, Silva (2000) apresenta a identidade e sua interdependência

com a diferença, sendo ela resultante de práticas e criações linguísticas e socioculturais. Ou

seja, a afirmação da identidade e da diferença implicam necessariamente as operações de

incluir e excluir. A identidade parece ser uma positividade, como exemplo “Sou velha” –

característica que remete aquilo que eu sou. Em oposição à identidade, a diferença é aquilo

que o outro é: “Ela é jovem”. Dessa forma, a identidade e a diferença estão em relação de

estreita dependência.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 147

A afirmação “Sou idoso” esconde uma leitura “Não sou jovem ou criança”, “Não sou

adulto”, que são expressões negativas de identidade, de diferenças. Dizer o que somos

significa também dizer o que não somos. São pressupostos de mundo e valores culturais

implícitos nos enunciados carregados de significação.

Em relação a isso, Brandão salienta que:

O diferente é o outro, e o reconhecimento da diferença é a consciência da alteridade: a descoberta do sentimento que se arma dos símbolos da cultura para dizer que nem tudo é o que eu sou e nem todos são como eu sou. Homem e mulher, branco e negro, senhor e servo, civilizado e índio [...] O outro é um diferente e por isso atrai e atemoriza (BRANDÃO, 1998, p. 7).

No entendimento de Galindo (2004), a identidade pressupõe uma concepção do sujeito

humano como portador da capacidade de simbolizar, de representar, de criar e compartilhar

significados em relação aos objetos com os quais convive. A autora afirma que a identificação

é aspecto precursor da construção da identidade “por sugerir um vínculo ou atração, por

parte do indivíduo, para algum objeto que esteja lá onde ele deseja estar” (GALINDO, 2004, p.

15).

Dessa forma, o reconhecimento e a identificação configuram-se como essenciais para

se definir a identidade, visto que se voltam para o outro como modelo, na tentativa da busca

da formação do ideal. Ou seja, a identidade pessoal refere-se ao modo de tratar o outro e de se

posicionar a seu respeito, destacando características que marcam o sujeito como único e

distinto. Conforme Scharfstein (2006, p. 1289) “a identidade se constrói na interação entre o

eu e a sociedade, de forma indissociável. Portanto, trata-se de uma influência em uma via de

mão dupla, na qual a sociedade é um produto humano, assim como o indivíduo é um produto

social”.

Conforme expomos, a identidade pessoal, de uma parte, refere-se ao modo de tratar o

outro e de se posicionar a seu respeito, destacando características que marcam o sujeito como

único e distinto. Conforme Ferrigno (2006, p. 12):

A identidade pessoal nos é dada antes mesmo de nascermos, por meio das normas da cultura, consubstanciadas mais concretamente em expectativas, desejos e fantasias de nossos pais e demais familiares quanto ao nosso comportamento e nossas realizações. Nossa identidade social vai se dando por intermédio dos vínculos que vamos estabelecendo, ao longo da vida, com grupos sociais de diversas naturezas, como grupos étnicos, religiosos, estudantis, profissionais, de militância política, etc.

Além da identidade pessoal, destacamos ainda a identidade social decorrente da

interação apoiada em categorias sociais e agrupamentos de gerações, salientando aspectos

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comuns com posições sociais semelhantes. Trata-se de uma representação relativa à posição

no mundo social e, portanto, está intimamente vinculada às questões de pertencimento. A

identidade social constitui-se mediante os diversos vínculos que os sujeitos estabelecem ao

longo de suas vidas com os grupos sociais de diversas naturezas, tais como os grupos étnicos,

religiosos, estudantis, profissionais, de militância política.

Para Ferrigno (2006, p.12) “nossa identidade social vai se dando por intermédio dos

vínculos que vamos estabelecendo, ao longo da vida, com grupos sociais de diversas

naturezas, como grupos étnicos, religiosos, estudantis, profissionais, de militância política,

etc”. A identidade é, dessa forma, marcada pela diferença diante da convivência de diversas

pessoas e culturas em um mesmo espaço geográfico.

Mas a identidade social não diz respeito unicamente aos indivíduos. Todo grupo é

dotado de uma identidade que corresponde a sua definição social, definição que permite

situá-lo no conjunto social. A identidade social é, ao mesmo tempo, inclusão e exclusão: ela

identifica o grupo e o distingue de outros grupos.

Para Gusmão (2003, p. 15-6, grifo do autor):

Os sujeitos sociais sejam estes crianças, adultos, ou velhos, descobrem-se em meio a tais relações, como sujeitos iguais ou diversos de outros sujeitos; descobrem-se como um “EU” e como um “OUTRO”, cuja existência e realidade desafiam a compreensão estabelecida de mundo, com seus valores, suas crenças e sua ordem dominante. [...] todos se perguntam sobre quem são e como é o mundo onde estão e se encontram. No entanto, à pergunta que se fazem, já não tem por certa a resposta: afinal, quem é o outro que me obriga a olhar minha imagem no espelho e a me perguntar quem sou?

Fixar uma determinada identidade como norma é uma das formas privilegiadas da

hierarquização das identidades e diferenças. Hall (2003) explica que dar uma norma a

determinada identidade implica em considerá-la positiva, sendo que as demais identidades,

em confronto com a mesma, terão um caráter negativo.

Outro aspecto pertinente à identidade consiste na sua conexão com as relações de

poder. Conforme Foucault, as identidades são construídas a partir da forma como são

inscritas nas relações discursivas de poder. Ao passo que o poder constrói identidades sociais

através de discursos que legitimam regimes de verdade, a resistência também é constituída

pelo poder (FOUCAULT, 1981).

Dentro da tipologia da identidade, destacamos também, a identidade cultural - a que

tem como fundamento a origem, as raízes, aquilo que define o sujeito de maneira autêntica, ao

mesmo tempo, caracteriza-se como aquela que configura o sujeito contemporâneo marcado

pelo hibridismo.

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Em toda parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas, mas que estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que retiram recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada vez mais comuns no mundo globalizado (HALL, 2003, p. 88).

Na contemporaneidade, conviver com diferentes estruturas linguísticas e a diversidade

cultural tem-se configurado numa tendência dentre os mais jovens, assim como dentre as

pessoas de idades mais avançadas. A propagação dos meios tecnológicos, em especial, do

universo virtual, tem contribuído na configuração desse sujeito.

A construção da identidade social do idoso na contemporaneidade

Em se tratando do segmento social – o idoso- atualmente é inquestionável o aumento

do número de pessoas nessa etapa da vida, de acordo com os indicadores nacionais e

internacionais. Segundo dados do Censo Demográfico realizado pelo IBGE no ano de 2010, em

termos percentuais, a proporção de idosos na população subiu de 3,9% desde 1999 para 5,1%

em 2009.

Em compensação, no mesmo período, o número de crianças e adolescentes reduziu de

40,1% para 32,8%, estreitando o topo da pirâmide etária brasileira. Esses dados reafirmam o

aumento da longevidade do ser humano, fenômeno que vem se intensificando desde os anos

de 1990, assim adquirindo maior visibilidade no contexto brasileiro, nos diversos espaços,

dentre esses no âmbito das pesquisas. Nas palavras de Ferrigno (2003, p. 71): “O aumento da

longevidade do ser humano é um fato histórico, inédito e planetário. Em praticamente todas

as partes do mundo verifica-se um significativo envelhecimento das populações”.

Conforme Beauvoir (1990), a concepção de velhice, enquanto uma construção social,

está intrinsecamente ligada à dialética do biológico e do cultural, sendo vital considerar essa

relação para a compreensão de sua totalidade. Da mesma forma, para Bosi (1994) a sociedade

industrial é maléfica para a velhice.

Neri destaca que “a velhice é um conceito historicamente construído que se integra

ativamente à dinâmica das atitudes e dos valores culturais da sociedade. A marca social da

velhice é estar em oposição à juventude” (NERI, 2006, p. 1317). Nesse sentido, a sociedade

atual, ao cultuar os valores da produtividade, da inovação, da juventude e do consumo,

produziu uma imagem negativa e estigmatizante da velhice e do envelhecimento, associada,

frequentemente, a algo ultrapassado, sem serventia e caracterizado com um processo

contínuo de perdas físicas, psíquicas e sociais, culminando com a morte.

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Ao mesmo tempo, a velhice se constitui numa experiência heterogênea, o que implica

em constatar a existência de diferentes formas de se vivenciar o envelhecimento humano

(CAMARANO, 2006; DEBERT, SIMÕES, 2006).

Considerando esse segmento populacional enquanto uma construção social, é

fundamental considerar que “a velhice não poderia ser compreendida senão em sua

totalidade; ela não é somente um fato biológico, mas também um fato cultural” (BEAUVOIR

1990, p. 20).

Corroborando com essa discussão, Both (2005) nos alerta para o fato de que a

concepção da visibilidade social das pessoas mais velhas, enquanto sujeitos, ou precisamente

uma identidade/categoria social detentora de desejos, necessidades, direitos e deveres, de

papéis sociais e de status, que implica uma modificação na organização institucional, está

ainda em processo formativo.

Nesse sentido, a sociedade atual, ao cultuar os valores da produtividade, da inovação,

da juventude e do consumo, produz uma imagem negativa do idoso, associada, geralmente a

algo ultrapassado, descartável, sem serventia e caracterizada com um processo contínuo de

perdas físicas, psíquicas e sociais.

Reiteramos que a velhice, enquanto grupo etário está em constante processo de

reconhecimento e estabelecimento de relações com o “outro” que lhes serve de mediador.

Considerando que, na sociedade contemporânea e de cultura ocidental, muitas vezes, aqueles

considerados os “outros”, são destituídos de direitos individuais e sociais, devido a suas

diferenças. São considerados marginais – velhos - aos quais não damos direito à fala e com os

quais não queremos aprender. Ou melhor: o velho já não é mais – adulto, capaz, produtivo

(Gusmão, 2003).

No momento em que fazemos menção ao grupo de idade, necessariamente implicamos

adequação a uma norma e, portanto, procuramos não fugir aos modelos sociais instituídos.

Para Magro (2003, p. 35):

Pertencemos a um grupo etário, somos marcados socialmente, e isso delimita as nossas possibilidades de expressão e de sociabilidade. Na cultura ocidental contemporânea, pode-se dizer que quando crianças devemos brincar, quando adolescentes devemos experimentar, quando adultos trabalhar e produzir, e quando velhos devemos nos aposentar.

Assim, visando não estarmos presos a uma idade ou a um grupo etário, vislumbramos

alguns atos transgressivos que se traduzem como uma possibilidade de entrar em contato

com o diferente, o estranho, ou o(s) outro(s). Ao passo em que lançamos um olhar mais

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flexível em relação aos comportamentos sociais prescritos dos grupos etários e de suas

formas de estar no mundo, podemos visualizar a possibilidade do confronto com o diferente.

Acerca dessa problemática Debert reconhece as diferentes velhices na sociedade

contemporânea:

A velhice nas sociedades contemporâneas é uma experiência heterogênea. As diferenças de classe, etnias e gênero dão ao envelhecimento uma dimensão tão especial que dificilmente se poderia pensar na velhice como um momento em que as distinções que marcam as experiências individuais e coletivas em outras faixas etárias seriam apagadas (DEBERT, 1992, p. 15).

Cabem, no entanto, algumas indagações a respeito da construção da identidade social

do idoso numa sociedade marcada pelos valores mencionados: Como reparar a destruição

sistemática que os homens sofrem desde o nascimento, na sociedade da competição e do

lucro? Ou ainda: ”Como deveria ser uma sociedade para que, na velhice, o homem permaneça

um homem?” (BOSI, 1994, p. 80-1).

Ocorre, então, muitas vezes, uma resposta defensiva do ser humano: recusa-se a se

identificar como velho, uma vez que o medo da velhice está associado à decadência física, à

doença, à dependência, à improdutividade, bem como à proximidade da morte. A velhice,

assim como a morte, não habita no inconsciente do ser humano, mas são estranhos e sempre

pertencentes ao outro.

Conforme PY:

Na velhice, o ser humano prossegue envelhecendo no processo de transformações sociais a que todo ser vivo está determinado. Como sujeito, ele se constitui na relação identificatória com o outro e essas transformações têm a ver com a possibilidade de ser reconhecido na sua diferença, em que se há lugar para um juízo de valor, esse é o da valorização da singularidade do ser humano (PY, 2004, p. 127).

Em contrapartida, além da identidade social do idoso marcado pelo estigma do feio,

improdutivo e sem valia, destacamos a possibilidade do sujeito envelhecer com qualidade de

vida. Nessa perspectiva, Barros nos orienta:

[...] uma nova proposta de envelhecer e que podem estar sintetizadas no termo terceira idade, classificado socialmente como mais livre dos constrangimentos negativos da morte e da decadência humana. [...] Neste contexto, a representação da velhice negativa é substituída por uma imagem positiva no discurso de especialistas em envelhecimento na área médica, psicológica e na gerontologia, e hoje, na sociedade como um todo (BARROS, 2004, p.48-9, grifo do autor).

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Educação Permanente: possibilidade de reconstrução identitária social do idoso?

Até quando o ser humano deve educar-se? A resposta para essa inquietação advém dos

fins educativos, pois que, se a finalidade educativa estiver centrada no processo de

humanização, da formação integral do sujeito, bem como na integração e transformação

social, implicará, por conseguinte, num processo educativo permanente.

O contexto atual, marcado pela necessidade de renovação constante dos

conhecimentos e das competências - conhecida como a sociedade do conhecimento – justifica

uma educação permanente, isto é, uma educação que se prolonga durante toda a duração da

vida. Paradigma esse que pode ser estendido numa concepção de uma educação entre as

gerações, mediado pela relação de cooperação e de reciprocidade.

Conforme Palma e Cachioni (2006) a educação permanente se traduz numa tarefa,

num direito, assim como é um dever ao longo da vida. Sempre existe a possibilidade,

independente da idade cronológica ou da época, de se almejar uma educação que não se

conclui, visto que o ser humano é um projeto inacabado.

A educação permanente traduz-se como sendo uma necessidade de renovação cultural

e, acima de tudo, uma exigência nova, da autonomia dos sujeitos de uma sociedade em

constante transformação e atualização.

O conceito de educação permanente se estende a todos os aspectos do fato educativo: engloba a tudo e o todo é maior que a soma das partes. A educação permanente não é um sistema nem um setor educativo, mas um princípio no qual se fundamenta a organização global de um sistema. A elaboração de cada uma das partes desse sistema é um exercício equivalente à duração da vida (PALMA; CHACHIONI, 2006, p. 1104).

Uma das premissas do projeto de educação para toda a vida centra-se, portanto, na

necessidade de a pessoa sempre aprender. Isso corresponde, conforme a perspectiva

ontológica do ser humano, à existência humana que surge com a esperança de um

desenvolvimento contínuo, ao longo de toda a vida, pois que o homem é um projeto

inacabado.

Pautado no relatório de Delors (1999), sob o título Educação – Um Tesouro a

Descobrir, a educação é uma construção contínua da pessoa humana, para toda a sua vida e

deve ser um instrumento de conscientização do ser humano e do meio, assim como auxiliá-lo

a desempenhar o papel social que lhe cabe no mundo do trabalho e na comunidade.

Nesse mesmo texto, constam os pilares da educação para o século XXI, quais são:

aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser, princípios que se

aplicam na educação, tanto na esfera formal e não formal, como na informal. No mundo atual,

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aprender a conviver, traduz-se num importantíssimo aprendizado, visto que desenvolve a

percepção de interdependência dos indivíduos, auxilia a administrar conflitos, a participar de

projetos comuns e a ter prazer no esforço comum.

Nessa perspectiva, insere-se o princípio da interatividade, no sentido bidirecional na

comunicação do saber e do aprender, pois que o processo educativo envolve a interação com

outros indivíduos e a interferência direta ou indireta deles. Trata-se de propor diálogos,

interação comunicativa e a participação dos sujeitos envolvidos no processo educativo.

Ao mesmo tempo, o contexto atual, marcado pela necessidade de renovação constante

dos conhecimentos e das competências - conhecida como a sociedade do conhecimento –

justifica a educação permanente. Segundo Palma e Cachioni (2006) “é uma exigência nova, de

autonomia dinâmica dos indivíduos numa sociedade em constante transformação. (...) as

pessoas adultas e idosas precisam recorrer, constantemente, aos seus conhecimentos e

capacidades de discernimento para poderem orientar-se, pensar e agir” (PALMA; CACHIONI,

2006, p. 1102). É preciso que se aprenda de forma constante, na interação e mediação com os

outros e cumulativamente.

A importância de um processo educacional continuado, segundo Oliveira (1999),

inscreve-se no inacabamento do sujeito, visto que, diferentemente de outras espécies, o ser

humano nasce prematuro física e psiquicamente, implicando num constante processo de

construção, de aprendizagem, até seu último suspiro. “A educação tem caráter permanente. A

educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado” (FREIRE,

1983, p. 28).

Face às exigências da sociedade que se impõe, fazem-se necessárias respostas de cunho

familiar, social e institucional que correspondam às necessidades de atualização constante de

conhecimentos e competências para pessoas mais velhas, a fim de que possam acompanhar as

transformações políticas, econômicas e culturais de uma sociedade cada vez mais complexa,

com novas linguagens e tecnologias.

No entanto, numa época em que o conhecimento se transforma dentro da mesma

geração, o que o idoso pode ensinar para a criança? Diante da transitoriedade e efemeridade

humana, qual é o sentido da vida e da história de pessoas com idades avançadas? Como, numa

época em que o conhecimento se transforma dentro da mesma geração, o idoso poderá

ensinar para o jovem?

Reconhecemos que se estamos diante de um fenômeno novo na história da

humanidade: pela primeira vez, geralmente as pessoas mais novas têm mais conhecimento do

que os adultos e os mais velhos. Toda a tecnologia contemporânea, a produtividade, os valores

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dominantes estão associados à juventude. Os velhos possuem outro tipo de conhecimento.

É o que bem enfatiza Medeiros (2004, p. 188): “Os netos ‘sabem’ mais do que os avós.

Nas famílias, o lugar dos mais velhos, que sabiam mais “das coisas da vida”, foi sendo ocupado

pelos mais jovens, que dominam o manejo de aparelhos e computadores com extrema

destreza”.

Na atualidade, fala-se muito na transitoriedade dos discursos provisórios, na

multiplicidade de informações, na efemeridade humana e há uma finitude quase absoluta. A

sociedade vai descartando tudo e sugere que tudo é redundante. Aprende-se que nada mais é

consistente, válido. “Uma das características do estilo de vida atual é a velocidade dos eventos

e a fragilidade dos relacionamentos. Vive-se correndo, há uma sensação permanente de

transitoriedade”. (Medeiros, 2004, p.187).

É essencial oportunizar situações que traduzam a experiência acumulada ao longo da

vida dos idosos, como também momentos para manifestação de suas preocupações ou

expectativas. A partir do momento em que se oportuniza, no contexto familiar, bem como em

outros espaços de convívio entre gerações, o confronto das ideias, o diálogo, existe a

possibilidade do reconhecimento. O idoso passa a perceber que tem importância e que está

sendo ouvido, seja no contexto familiar ou social.

No que tange especificamente na educação para com esse segmento social, entendemos

que deva ser crítica e contextualizada, como forma de eliminar as desigualdades e produzir

compreensão do que significa ser velho na sociedade. Essa prática pedagógica deve permitir

que o sujeito idoso entenda o que o limita e o condiciona, a fim de viver novas experiências e

crescer, além de entender melhor o seu entorno. Trata-se de promover o desenvolvimento de

novas habilidades e de novos horizontes (PALMA; CACHIONI, 2006).

Conforme Doll (2004), o mundo atual vem demonstrando a tendência de maior

interação e integração entre as diferentes ciências, característica que se aplica, de

sobremaneira, em relação à gerontologia e que não deve ter uma conotação negativa. A

gerontologia vem apresentando vínculos com em outras áreas de saber, e mesmo os

profissionais e estudiosos que buscam o esclarecimento em pesquisas estão assentados em

áreas que mais proximamente dizem respeito ao envelhecimento.

A diversidade de estudos e de interesses, a abordagem multidisciplinar e

interdiciplinar não inibe o desenvolvimento da ciência do envelhecimento, ao contrário,

legitima a compreensão de um novo (BOTH, 2005). “E, dessa forma, fazendo analogia à

heterogeneidade do processo de envelhecimento e das pessoas idosas, cujo bem-estar deve

ser a razão maior de toda e qualquer pesquisa gerontológica” (DOLL, 2004, p.100).

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Entendemos que toda prática pedagógica deva oportunizar o desenvolvimento integral

da pessoa, permitindo sua integração na sociedade, com vistas a uma participação proativa. A

educação em sua totalidade vem ao encontro com a luta pela desmarginalização da pessoa

mais velha e, por conseguinte, sua inclusão social e seu empoderamento, seja em âmbito

familiar, institucional e social.

Nesse sentido, a inclusão social apoia-se num apelo à tolerância e ao respeito para com

a diversidade e a diferença, como a etária. A posição social e pedagogicamente recomendada

vai ao encontro dessa perspectiva, considerando vários benefícios. Dentre esses, o aumento

da autoestima dos sujeitos excluídos, o auxílio na construção de uma sociedade mais solidária,

aceitação dos outros e o desenvolvimento do apoio mútuo.

A diversidade, no âmbito educativo, requer uma aprendizagem contínua, na qual todos

aprendem a compartilhar novos significados e novos comportamentos de relações entre as

pessoas. Trata-se de uma nova maneira de educar que parte do respeito à diversidade como

valor e que se mostra como novo paradigma, desafiando os profissionais da educação, a

comunidade escolar e a sociedade democrática.

Ao mesmo tempo, ter a oportunidade de exercitar e de se desenvolver continuamente,

além de inserir-se em espaços destinados a pessoas de outras faixas etárias, expressa-se

enquanto uma possibilidade para a reconstrução da identidade social da pessoa idosa. Assim,

reafirmamos a importância de as pessoas mais velhas terem uma educação permanente, com

ações educacionais e políticas voltadas para o encontro de novas e constantes

(re)significações para suas vidas.

Considerações finais

A percepção do sujeito e de sua identidade pessoal e social decorrente da experiência

em relação à diversidade de modos de significar o mundo e do convívio com pessoas de idades

distintas, promove uma relação mais crítica com a realidade, assim como forma sujeitos mais

tolerantes e flexíveis.

Essa tolerância se faz necessária, de modo particular, em se tratando do idoso, no

sentido de mudar a postura marcada pela sua desvalorização e marginalização. Visando-se

uma velhice digna, bem sucedida e vivenciada em sua plenitude, é fundamental a sua inserção

em contextos sociais e culturalmente valorizados.

Contextos esses que propiciem a liberdade de expressão e o resgate da experiência de

vida do idoso. São, por conseguinte, as salas de aula, os grupos de convivência e os projetos de

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terceira idade, criando oportunidades para que as pessoas idosas possam socializar seus

sentimentos, uma tarefa vital no processo de educação com esse segmento populacional.

Destacamos que a luta pela cidadania do idoso no Brasil tem se constituído em objeto

de discussões e investigações, porém, muito ainda está por fazer. Dessa forma, cabe à

educação para a velhice, a aceitação da idade, como também um recurso para a reconstrução

da identidade social do idoso, no âmbito familiar e social.

Os projetos de cunho institucional voltados para esse segmento social qualificam-se

como uma forma significativa e efetiva de inclusão da população idosa, enquanto projeto de

uma educação permanente, mesmo em idades bastante avançadas. Ao mesmo tempo, essas

ações representam modo de educar o olhar de todas as pessoas mais jovens para que passem

a considerar o envelhecimento e a finitude da vida como algo natural da existência humana.

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PARTE 4

ENSINO DE LÍNGUA, GÊNERO,

LEITURA E ESCRITA

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O GÊNERO MIDIÁTICO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA,

DISCURSO E ENSINO: UM OLHAR PARA O LIVRO

DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Alciene Carvalho da Silva1

Jéssica Máximo Garcia2

Sandro Luis da Silva3

Introdução

Este artigo objetiva a apresentação de algumas considerações sobre a presença de

gênero midiático de divulgação científica em livro didático de língua portuguesa,

evidenciando sua possível interface com o discurso e ensino, em especial, em propostas de

produção textual. A base teórica de que se vale esse estudo pauta-se, sobretudo, nos estudos

do discurso de Maingueneau (2013), e Baltar (2009) no que se refere ao letramento midiático

e em Bunzen (2009), Buzen e Rojo (2005) e Batista e Galvão (2009) no tocante ao livro

didático. Pela análise que realizamos, é possível considerar que a a inserção do gênero

midiático de divulgação científica em livro didático de língua portuguesa traz aspectos de

inovação, na tentativa de aproximar a escola da realidade do aluno, mas ainda está preso às

questões estruturalistas, sem priorizar as questões linguístico-discursivas que podem

despertar o senso crítico do autor, seja para a leitura, seja para a produção textual.

Introdução

As aulas de Língua Portuguesa no cenário brasileiro têm cada vez mais aberto espaço

para um currículo centrado nas práticas sociais de linguagem e suas heterogeneidades.

Seguindo as orientações curriculares oficiais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN,

1998), trata-se de considerar as práticas sociais nas quais estejam inseridos para: “conhecer a

linguagem própria desse meio, analisar criticamente os conteúdos, identificando valores e

conotações que veiculam, fortalecer a capacidade crítica e produzir interagindo com os

meios. ” (BRASIL, 1998, p. 32). 1 Mestranda em Letras, Estudos Linguísticos, no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de

São Paulo. e-mail: [email protected] 2 Mestranda em Letras, Estudos Linguísticos, no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de

São Paulo. Bolsista CNPq. e-mail: [email protected] 3 Professor Adjunto de Língua Portuguesa no Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo e do

Programa de Pós-Graduação em Letras na mesma Universidade. e-mail: [email protected]

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Diante de uma nova configuração dos novos perfis dos alunos, dos professores e das

demandas sociais presentes e futuras em geral, constitui-se um ensino de Língua Portuguesa

mais preocupado com a realidade prática, que enfatiza, principalmente, gêneros que circulam

na comunicação de massa e nas mídias.

E, nesse sentido, há uma tendência de inserir nos livros didáticos gêneros que possam

se aproximar da realidade do aluno, na tentativa de tornar o processo de ensino-

aprendizagem mais significativo. O livro didático, ainda que apresente uma série de

problemas, os quais não se constituem como objeto de discussão neste artigo, ainda é um

importante aliado do professor na sala de aula. Trata-se de um gênero discursivo que

possibilita grande interação na sala de aula, auxilia nas atividades de leitura e produção

textual e, quando bem utilizado pelo professor, torna-se um aliado em todo esse processo.

Desta forma, textos de diferentes gêneros são selecionados, adaptados e didatizados

para elaboração de diferentes atividades de leitura, escritura, oralidade e análise linguística

presentes nos livros didáticos, tendo em vista, principalmente, as prescrições oficiais de um

lado e os estudos sobre os gêneros do discurso de outro.

Objetivamos, neste artigo, uma reflexão sobre a atividade de produção textual trazida

em um livro didático de língua portuguesa, a partir do trabalho com o gênero textual

midiático artigo de divulgação científica e sua importância no processo de ensino-

aprendizagem, considerando os aspectos linguístico-discursivos.

Para atingir o objetivo proposto, dividimos o artigo em duas grandes partes. Na

primeira, apresentamos, brevemente, algumas considerações sobre o livro didático e o

gênero discursivo midiático de divulgação científica no processo de ensino-aprendizagem. Na

segunda, trazemos a análise linguístico-discursiva de atividades de produção textual

apresentadas em um livro didático, a fim de evidenciar em que medida elas colaboram para a

formação de um sujeito de discurso e o desenvolvimento da competência escritora do aluno.

Evidentemente que, tendo em vista o limite do artigo e a complexidade do assunto,

não temos a pretensão de trazer soluções definitivas para o que propomos, mas evidenciar

algumas reflexões sobre como a inserção do gênero midiático em sala de aula pode contribuir

para a formação de um aluno crítico.

O gênero discursivo no processo de ensino-aprendizagem

Ao nos referirmos ao gênero de discurso, podemos recorrer várias correntes

teóricas, tendo em vista que o assunto ganha uma dimensão cada vez maior relevância,

sobretudo quando se trata do processo de ensino-aprendizagem.

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Na década de noventa do século XX, quando foram lançados os PCN (1998), já

havia essa preocupação. O documento oficial afirma que

O ensino de Língua Portuguesa tem sido, desde os anos 70, o centro da discussão acerca da necessidade de melhorar a qualidade de ensino no país. O eixo dessa discussão no ensino fundamental centra-se, principalmente, no domínio da leitura e da escrita pelos alunos, responsável pelo fracasso escolar que se expressa com clareza nos dois funis em que se concentram a maior parte da repetência (…) (BRASIL, 1998, p. 17)

E, nessa tomada de consciência da necessidade de mudar a concepção do ensino de

língua portuguesa, passou-se a considerar o gênero como objeto de ensino, segundo o mesmo

documento oficial.

Pensar, assim, o gênero, é pensar a linguagem. Bakhtin ([1953] 2003) evidencia que a

linguagem pode ser considerada como um contínuo processo de interação mediado pelo

diálogo. O autor parte do princípio de que os enunciados - unidades de comunicação –

manifestam as condições particulares de cada esfera social da atividade humana – familiar,

religiosa, política, literária etc. – e constituem os gêneros do discurso, “tipos relativamente

estáveis de enunciado” (p. 280). Considerando-se que os domínios da atividade humana se

diversificam no decorrer do tempo, os gêneros são considerados flexíveis e sucetíveis de

mudança, além de serem reconhecidos em um determinado momento sócio-histórico.

Os gêneros são transformados em objetos de ensino, e o professor como mediador e

orientador do trabalho, na maioria das vezes, apoiado nas orientações dos livros didáticos,

procura aproximar cada vez mais os alunos das situações situadas e específicas de

comunicação.

Por essa razão, o trabalho pedagógico voltado aos gêneros midiáticos4, permite ao

autor do livro didático e/ou ao professor de língua materna o desenvolvimento de atividades

que envolvam os diferentes eixos de ensino. Além disso, autores como Kleiman (1995, 2005),

Soares (1998, 2003), Street (1984, 2003), Hamilton (2002), entre outros, defendem que a

escola, assim como a família, exerce papel fundamental na vida dos alunos, pelo fato de

evidenciar aos estudantes cotidianamente práticas sociais de linguagem que circulam nas

várias esferas da sociedade.

Segundo esses autores, essas práticas letradas estão presentes na relação de poder nas

diversas camadas da população. Dessa forma, a escola deve proporcionar condições a seus

4 Assim como Baltar (2010), entendemos os gêneros midiáticos como atividades significativas de linguagem que

abrangem as mídias que circulam na sociedade, como programas radiofônicos, notícias jornalísticas, textos de divulgação científica, entre outros, “adaptados criativamente pela circunstância única da produção no contexto escolar” (p.182)

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alunos de desenvolvimento crítico, tornando-se protagonistas da sociedade em que vivem.

Considerada a maior agência de letramento da sociedade atual, é na escola que crianças e

jovens permanecem por um período de tempo significativo de suas vidas. Entretanto,

segundo Baltar (2010):

A mídia (tevê, rádio, jornal impresso, portais de comunicação na internet, blogs etc.) “concorre” cotidianamente com a escola, família, igreja entre outras instâncias sociais, para a formação individual e social (psicológico-cognitiva e sociodiscursiva) dos sujeitos, enquanto instância social produtora e reprodutora de discursos. (BALTAR, 2010, p.180)

Nesse sentido, Citelli (2000), Consani (2012) e Barbosa (2005) refletem que quando a

instituição escolar insere a mídia na escola está investindo na construção do saber, do

pensamento crítico, do prazer de conhecer e criar, portanto, trata-se de uma metodologia

inserida na missão educativa das escolas, não só para utilização, mas principalmente como

instrumento que promove problematizações que envolvem o uso da mídia.

Os textos de divulgação científica, quando abordados em sala de aula, geralmente estão

associados aos livros didáticos. A utilização desse gênero midiático possibilita aos alunos a

reflexão sobre debates que ocorrem em relação a temas pertencentes a ciência e tecnologia,

por exemplo.

A divulgação científica tem por finalidade permitir que a população alcance estes

conhecimentos científicos e tecnológicos que permeiam a sociedade, através de uma

linguagem mais acessível. Desta forma, Authier (1998) caracteriza o texto de divulgação

científica sendo “uma atividade de disseminação, em direção ao exterior, de conhecimentos

científicos já produzidos e em circulação no interior de uma comunidade mais restrita.” (p.

107). Nesta mesma perspectiva, Orlandi (2001) considera a divulgação do discurso científico

como uma transferência de uma linguagem especializada para uma linguagem não

especializada, ou ainda segundo Loureiro (2003), a divulgação científica está “voltada à

circulação de informação em ciência e tecnologia para o público em geral” (p. 90). Em outras

palavras, o texto de divulgação científica é um artigo, pesquisa, relatório etc., reescrito de

forma que pessoas distantes desse universo da linguagem científica possam obter

determinados conhecimentos científicos das mais diversas áreas.

Defender este gênero midiático em sala de aula é levar em consideração algumas das

vantagens em sua utilização, como proporcionar ao aluno uma aproximação ao discurso

científico, uma integração ao mundo que amplia a visão de ciência e cultura, entre outras.

Posto isto, com as novas demandas do ensino e o desenvolvimento da sociedade, os autores de

Livros Didáticos trazem em suas obras uma maior diversidade de gêneros midiáticos, como os

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de divulgação científica, que podem aparecer acompanhados de imagens, infográficos, mapas

etc.

Deste modo, surge a necessidade de compreendermos por que e como textos de

divulgação científica foram escolhidos e adaptados, por exemplo, nas atividades de práticas de

escrita nos Livros Didáticos de Língua Portuguesa, visando refletir se as atividades capacitam

os alunos a se posicionarem criticamente sobre os diversos temas científicos que permeiam a

sociedade com vistas à “questões sociais, econômicas e ambientais associadas ao

desenvolvimento científico e tecnológico. ” (ALBAGLI,1996, p. 397), levando em consideração

que uma grande parcela de alunos possuem o Livro Didático como um dos poucos recursos de

acesso à leitura e informação.

O discurso e o livro didático: confluências

O processo de ensino-aprendizagem realiza-se a partir da interação entre os sujeitos,

criando espaços de significação, de configuração discursiva. Ele se caracteriza como dialético,

dialógico e ideológico5, sendo construído por meio de ações discursivas.

Conceituar o discurso é uma tarefa bastante difícil. Várias são as linhas de

pensamentos que procuram trazer um conceito para o termo. Para Maingueneau (2013, p.

58), “a noção de ‘discurso’ é muito utilizada por ser o sintoma de uma modificação em nossa

maneira de conceber a linguagem”. Para o autor, o discurso é uma organização situada para

além da frase, é orientado e é uma forma de ação, o que implica ser ele interativo.

Como forma de ação, o sujeito do discurso é capaz de agir sobre o mundo, assim como

de se representar na sociedade. O discurso é uma prática de linguagem, um modo de ação, um

lugar no qual um texto encontra outros textos de seu contexto, o que remete à importância

dos contextos sócio-históricos.

A linguagem, dentro desse processo, leva professor e aluno a atribuir significados às

práticas discursivas realizadas no contexto escolar, o que implica a compreensão do próprio

enunciado produzido na comunicação.

É preciso pensar o discurso pedagógico como um lugar de interação, em que o discurso

se constrói no diálogo entre as diferentes vozes, criando um espaço de significação para os

sujeitos – professor e aluno – que estabelecem uma relação de interlocução (uns) com os

outros.

5 A ideia do dialético, dialógico e ideológico vem do fato de conceber a sala de aula como um espaço discursivo

democrático em que ocorre um embate de vozes, caracterizando os aspectos da polifonia.

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O discurso não se trata apenas de uma transmissão de informação, uma vez que coloca

em funcionamento sujeitos e sentidos. Por meio do discurso, é possível perceber o

posicionamento do enunciador.

E, dentro da esfera discursivo pedagógica, vários são os gêneros que se manifestam.

Dentre eles, o livro didático. De acordo com Batista (2009, p. 41), o livro didático seria “aquele

livro ou impresso empregado pela escola, para o desenvolvimento de um processo de ensino

ou de formação”. Mas é, também, a imagem digital presa a uma tela de computador, o livro

digital, por exemplo.

Sem entrar na discussão sobre o conceito de livro didático, dada a complexidade, nós o

consideramos como um gênero do discurso híbrido e intercalado (Bunzen e Rojo, 2005), uma

vez que traz em seu interior outros gêneros, dialogando com outras vozes e outros estilos, o

que caracteriza um aspecto multimodal.

O livro didático, gênero discursivo multifacetado (Buzen, 2010), desempenha um papel

importante no processo de ensino e aprendizagem, pois ele é uma das principais fontes de

produção, transmissão e apropriação de conhecimentos, sobretudo por aqueles cuja

circulação fica a depender da escola.

Batista e Rojo (2005) realizaram um estudo da arte das pesquisas sobre o livro

didático no Brasil entre 1975 e 2003 e chegaram a conclusões de que corroboram com a

discussão que realizamos neste artigo. De forma geral, as pesquisas sobre o livro didático

apresentam um aspecto mais sincrônico do que diacrônico, ou seja, concentram-se mais na

análise de conteúdos e metodologias de ensino; elas não se atêm aos aspectos sócio-históricos

para compreensão desse objeto de investigação. Revelou-se justamente que o Programa

Nacional do Livro Didático – PNLD – passou a considerar o livro didático como um objeto de

investigação a partir da produção, circulação e consumo, considerando a avaliação do

Ministério da Educação.

Assim, há um movimento em tentar compreender o LDP em várias dimensões e

complexidade. Não é mais possível não considerar que há um envolvimento da autoria no

processo de elaboração do LDP, assim como de agentes envolvidos na produção e

distribuição, que interferem (in)diretamente no conteúdo a ser trabalhado. É preciso, então,

compreender o livro didático sob o ponto de vista de um projeto didático autorial (Rojo,

2005) e do hibridismo de outros gêneros que circulam na escola nos séculos XIX e XX

(manuais de Retórica, Gramáticas e Antologias).

Há todo um projeto didático autoral que se revela pela construção marcada por

intercalações, interdiscursividade e intertextualidade do texto didático, o que envolve, sem

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dúvida, estilo. Essa questão nos leva a compreender o livro didático como um gênero

discursivo híbrido que se forma a partir do discurso científico, didático e cotidiano. O livro

didático é mais do que um suporte de textos, mas uma construção discursiva do ambiente

escolar, em interação com outros discursos. Trata-se, assim, de um enunciado que está

intrinsecamente relacionado às esferas de produção e circulação e que, desta situação

histórica de produção, retira seus temas, formas de composição e estilo. (BAKTHIN, [1953],

2003).

Ao discutir o papel do LDP para a construção das práticas sociais, para a construção da

imagem da língua, por exemplo, o linguista pode buscar elementos teórico-metodológicos que

permitam melhor descrever os modos de inserção e funcionamento dos materiais escolares

escritos no campo sóciocultural e político. Para isso, é preciso considerar o LDP como um

objeto multifacetado, como afirmamos, o que implica a construção de um processo

metodológico processual, ou seja, “por ações orientadas mais por um plano que por um

programa fixo pré-montado, por ações orientadas e gradativamente reordenadas em função

dos meios, interesses e obstáculos em jogo”. (SIGNORINI, 1998, p. 103).

O gênero midiático de divulgação científica no livro didático: uma breve análise

Para este artigo, selecionamos a coleção de livros didáticos de Língua Portuguesa do

Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano), aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático

(PNLD) 2014, ainda em uso na escola em 2016. É a coleção Português linguagens, dos autores

William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães. Analisamos as propostas de atividades

de ensino-aprendizagem de produção textual, cujo enfoque é o gênero divulgação científica.

Na coleção analisada, o gênero divulgação científica aparece no 8º ano, na seção

“Produção de texto”, especificamente na unidade quatro, nos capítulos um e dois. Para este

trabalho nos detemos na análise da proposta de ensino-aprendizagem de produção textual

apresentada no capítulo um.

O gênero divulgação científica é apresentado ao aluno na proposta que visa à produção

textual. No entanto, para atingir esse objetivo, é importante que se faça a leitura do texto, a

fim de levar os alunos não só ao primeiro contato com o gênero, como também possibilitar

uma possível discussão sobre o tema trazido no gênero.

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Figura 1

Livro didático de Língua Portuguesa: Português Linguagens, 2012, p. 194.

O texto de divulgação científica apresentado no LDP foi escrito por um médico, circulou

na internet. É possível observar que o enunciador usa alguns termos específicos da ciência e

possui uma linguagem acessível para um público bem diversificado. Nesse sentido, atinge o

público-alvo, ou seja, alunos do 8º ano do Ensino Fundamental II, no caso do livro didático que

constitui o corpus deste artigo.

É abordada a temática da obesidade. O texto expõe a ação dos hormônios no controle

do apetite e seus possíveis efeitos no corpo humano., considerando que há uma taxa

significativa de crianças e jovens que estão acima do peso. O LDP aborda uma temática bem

interessante, cujo tema é atual e merece reflexões na sala de aula.

Adotar nas propostas de ensino-aprendizagem o gênero divulgação científica pode ser

uma oportunidade para a escola trazer informações da ciência para a sala de aula, abordando

assuntos que contribuam para a formação dos sujeitos críticos, sujeitos de discurso. Mas, ao

trazer essa linguagem para o contexto escolar, o professor precisa ter clareza de que o

objetivo não é formar especialistas no assunto, mas sujeitos críticos e capazes de

compreender esse discurso, posicionando-se, colocando seu ponto de vista, valendo-se de

argumentos que possam persuadir seus enunciatários.

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A proposta de produção textual efetivamente aparece na subseção “Agora é a sua vez”.

Nela, solicita-se que o aluno desenvolva um texto de divulgação científica, cuja temática é a

obesidade, como podemos observar na figura 2 a seguir.

Figura 2

Livro didático de Língua Portuguesa: Português Linguagens, 2012,p.197.

O discurso apresentado na proposta de produção textual induz o aluno a repetir o

discurso apresentado e validado por ele. Não há incentivo quanto à pesquisa, pois as

informações importantes para a produção do texto já estão sendo expostas na proposta. No

entanto, o professor pode motivar os alunos a pesquisarem outros texto e perceber o discurso

trazido nesses novos textos, levando-os a refletir sobre os pontos em que esses discursos se

aproximam e se distanciam.

Infelizmente, a atividade do livro didático não propõe momentos para reflexão sobre o

uso da língua e da linguagem. A temática foi “sugerida”, estabeleceram-se os possíveis

destinatários (os alunos do 6º ao 9º ano), embora a proposta cogite a possibilidade de o aluno

pesquisar sobre o assunto em revistas, livros e jornais. As informações importantes para o

aluno desenvolver o texto vieram por meio de outros textos apresentados na proposta.

O discurso apresentado nesse enunciado se coloca de modo autoritário, pois determina

quem são os possíveis interlocutores do aluno; não é dada a ele oportunidade de escolhas.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 170

Outro ponto, não menos importante, é a concepção de professor e de aluno que

permeia esse discurso. Não são vistos como sujeitos, mas como instrumentos executores de

tarefas. Ele se coloca como um discurso detentor de um saber e de um conhecimento superior

ao do professor e do aluno e que deve ser apreendido por ambos.

O texto de divulgação científica, quando escrito por especialistas no assunto

geralmente, tende a possuir as características de artigo, mas quanto escrito por jornalistas

pode aparecer no formato de notícia, reportagem, dentre outros gêneros.

O LDP apresenta inicialmente o artigo de divulgação científica e depois traz um painel

de textos com informações do universo científico. Mas o aluno não é orientado a notar as

diferenças existentes no formado e na linguagem desses diversos gêneros. Não há uma

preocupação da atividade proposta pelo livro didático de mostrar ao aluno a variação de

estrutura de acordo com o gênero, ainda que trate do mesmo assunto. Desse modo, aspectos

importantes tanto do gênero como para a construção do conhecimento não foram explorados

na atividade proposta.

Como podemos observar no enunciado da atividade, o qual orienta o aluno a

desenvolver a produção textual, demonstra preocupação quanto a necessidade do aluno

dominar a estrutura do gênero: introdução, desenvolvimento e conclusão, embora afirme que

o roteiro é uma sugestão.

Assim, o livro didático inova ao contemplar nas suas propostas de ensino-

aprendizagem o gênero divulgação científica, mas, no que tange as propostas de produção

textual, ainda está muito próxima da redação tradicional, em que a partir de um tema dado o

aluno precisa estruturar o texto.

Nesse sentido, a ideia não é incentivar o aluno a pesquisa nem desenvolver as

habilidades da escrita, mas serve apenas para a escola desenvolver a temática proposta pelo

LDP e cumprir tarefas escolares.

No processo de ensino-aprendizagem, ao propor uma atividade de produção textual, os

objetivos precisam estar bem definidos. Na atividade proposta poderia considerar a

possibilidade de o aluno pesquisar sobre outro assunto, em vários meios/suportes, buscar

compreender a intertextualidade/interdiscursividade do gênero, os aspectos multimodais que

a maioria desses textos de divulgação científica possuem, são pontos importantes que não

podem deixar de ser abordados no processo de ensino-aprendizagem.

No final da proposta de produção textual o aluno é “informado” da possibilidade de

divulgar o texto em um outro meio, que não o mural da classe. Na perspectiva dialógica da

linguagem para elaborar um texto, o enunciador precisa ter o quer dizer, para quem dizer,

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como dizer, qual suporte colocará em circulação, qual o gênero que melhor atenda aos

objetivos propostos.

Nesse sentido, essa sugestão no final da proposta se torna equivocada, uma vez que o

texto produzido para circular em um jornal impresso possui uma linguagem diferente de um

texto produzido para publicação em uma revista especializada no assunto. Portanto, para que

produza efeitos de sentido, a linguagem empregada na produção do texto precisa está

adequada ao perfil do leitor.

A revisão é uma etapa do processo de construção do texto muito importante, pois leva

o aluno a leitor do seu próprio texto. A reescrita do texto é uma importante prática para

aqueles que almejam dominar a modalidade escrita da língua, pois permite ao aprendiz

compreender o próprio processo de construção do texto. Constitui-se em uma atividade que

permite ao aluno fazer correções, checar as características estruturais do gênero, verificar se a

linguagem utilizada está de acordo com o perfil do leitor e com as exigências do gênero

discursivo, dentre outros aspectos.

A proposta de produção textual apresenta um boxe, que funciona como uma lista de

critérios que devem ser utilizados pelo aluno para conferir o texto. Vale destacar que o

processo de produção textual envolve aspectos cognitivos, conhecimento enciclopédico do

sujeito, processos inferências, escolha de estratégias linguístico-discursiva que melhor

atendam aos objetivos propostos.

Figura 3

Livro didático de Língua Portuguesa: Português Linguagens, 2012,p.197.

No último parágrafo do boxe é solicitado ao aluno verificar se “a estrutura do texto em

parágrafos está bem feita, se a linguagem apresenta terminologia científica acessível”.

Novamente a questão da estrutura textual é reforçada na proposta de atividade. Dominar a

estrutura do gênero é interessante, mas não pode ser o centro de produção textual.

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Como afirmamos anteriormente, trazer para as propostas de ensino-aprendizagem o

texto de divulgação científica é interessante, mas o objetivo não pode ser formar especialistas

no assunto, mas sujeitos críticos, que consigam articular os mecanismos linguístico-

discursivos, capazes de demonstrar o domínio do gênero discursivo pelo autor, no caso, o

aluno. O importante é que o aluno tenha consciência da necessidade de organizar as partes do

texto, que devem ser coesas, uma vez que dela depende o todo.

Nesse sentido, para que essas atividades sejam significativas para os sujeitos

envolvidos no processo educativo, faz-se necessária a mediação do professor, organizando os

conteúdos, as sequências das atividades e a metodologia de ensino, exercendo a função de

mediador nessa prática de (re)escrita de texto.

Considerações finais

Durante o processo de ensino-aprendizagem, vários são os gêneros trabalhados em

sala de aula, os quais estão presentes no livro didático, gênero que procura dialogar com

situações mais próximas da realidade do aluno. Nessas atividades, exigem-se do aluno o

conhecimento e a articulação de vários recursos linguísticos que visam à ampliação de sua

competência comunicativa.

Apresentamos a análise de propostas de atividades de produção textual de uma

coleção de livro didático aprovada pelo PNLD de 2014 e, por meio dessa análise, foi possível

perceber que há uma preocupação do livro didático trazer atividades com gêneros discursivos

que se aproximam da realidade do aluno. No entanto, como demonstramos, ainda existe uma

preocupação muito grande com a forma, ficando o conteúdo e um posicionamento crítico em

segundo plano.

Evidentemente que, se fizermos uma comparação entre esta coleção e algumas

apresentadas há alguns anos, é perceptível a transformação no enfoque dado ao ensino de

língua portuguesa, a preocupação que demonstram em evidenciar a necessidade de o aluno

articular as diferentes linguagens que constituem determinados gêneros.

Inserir gêneros discursivos midiáticos em proposta de produção textual de livro

didático, em especial aqueles de divulgação científica, é um salto qualitativo muito

importante. No entanto, não se pode apenas introduzir esses gêneros preocupados com a

estrutura que eles apresentam; precisam se tornar objetos de ensino de língua, a fim de

despertar no aluno um olhar crítico para as questões temáticas e estruturais que eles

apresentam; observar que os gêneros discursivos necessitam dessa articulação forma e

conteúdo para que se tornem um todo significativo.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 173

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ESTUDO EXPLORATÓRIO DOS USOS DO ADVÉRBIO EM

UM TEXTO DE LIVRO DIDÁTICO: PERSPECTIVAS PARA O

ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Fernanda Toledo de Souza Furlani1

Ana Lúcia Tinoco Cabral2

Introdução

Os profissionais da área da linguagem sabem que a gramática de uma língua constitui

“o próprio sistema de regras da língua em funcionamento” Neves (2003, p. 40); em

consequência, parece óbvia a importância do trabalho com gramática em sala de aula.

Devemos considerar, no entanto, que o ensino de gramática deve levar em conta o

funcionamento da língua, na forma como a utilizamos na vida. Desse ponto de vista,

assumimos com Travaglia (2011, p. 40), que, “é preciso questionar a dicotomia posta quando

se diz ‘aspectos gramaticais e textuais da fala/escrita’, pois dizer assim faz pensar que o que é

textual não é gramatical e que o que é gramatical não é textual.”

De fato, o ensino da língua Materna tem por objetivo desenvolver a competência

comunicativa do aluno, ou seja, torná-lo capaz de comunicar-se adequadamente nas mais

diversas situações que a vida em sociedade lhe impuser. Tal trabalho implica proporcionar-

lhe a possibilidade de conhecer, reconhecer e empregar os mais variados recursos da língua,

observando tanto as limitações impostas pelas regras gerais e normativas, como as diversas

possibilidades que os diferentes contextos de uso propiciam em termos de construção de

sentidos (Cabral, 2016), levando em conta elementos que interferem no contexto de dada

situação de comunicação.

O ensino da gramática, desse ponto de vista, deve acontecer integrado às demais

atividades do ensino linguístico, entre elas a leitura e a escrita. Nessas atividades assim

encaradas, o aluno desenvolve atividades que lhe permitem refletir sobre o funcionamento da

língua e apropriar-se de seus recursos, operando por meio dela, compreendendo e

produzindo textos conforme seus objetivos sócio-comunicativos. Assim, leva-se o aluno à

1 Mestranda em Linguística pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL), e-mail: [email protected]

2 Professora Titular da Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL), e-mail: [email protected]

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 176

compreensão do verdadeiro papel da gramática dentro da língua, que é o de contribuir para a

construção dos sentidos do texto.

Entre os conteúdos gramaticais contemplados no ensino fundamental, o advérbio

costuma ser um dos mais negligenciados, talvez por seu caráter acessório, ligado à função

sintática de “termo acessório da oração”. Há que se considerar, no entanto, as infinitas

nuances de sentido que o emprego de um advérbio pode trazer para um texto e as

possibilidades de leitura que ele amplia (cf.Cabral, 2011). Nosso interesse volta-se assim para

o emprego do advérbio em textos de livros didáticos e o ensino de gramática no Ensino

Fundamental.

É importante lembrar que os livros didáticos constituem um grande apoio para o

trabalho do professor na sua atuação diária. Além oferecer os conteúdos programáticos, eles

são fonte de muitos textos para leitura. Relativamente ao ensino dos conteúdos gramaticais,

no entanto, observa-se que, de forma frequente, os fenômenos gramaticais são muitas vezes

abordados isoladamente, sem o estabelecimento de relações com a leitura e a escrita, mesmo

quando o livro didático retira exemplos dos textos que a unidade contém. Com base nessa

constatação, e tendo como foco o emprego do advérbio, o presente trabalho tem por objetivo

apresentar a análise de um texto motivador presente em um livro didático procurando

evidenciar o emprego do advérbio e sua função na construção dos sentidos do texto a fim de

indicar possibilidades de exploração desse conteúdo pelo professor.

A fim de cumprir nosso objetivo, este trabalho divide-se em três partes: na primeira,

para contextualizar a importância do advérbio no ensino de Língua Portuguesa, abordamos o

ensino de gramática no contexto do ensino de Língua Portuguesa, tal como postulam os PCN;

na segunda, apresentamos o advérbio do ponto de vista das gramáticas normativa e descritiva

e na visão pragmática; na terceira, trazemos a análise do texto inicial motivador da unidade

que contempla o advérbio em um livro didático, procurando traçar, com base nelas, algumas

reflexões em torno das possibilidades de exploração desse conteúdo gramatical de forma mais

ampla no Ensino Fundamental; finalmente, na conclusão, expomos nossa reflexão final.

O papel da língua, concepções de gramática e ensino de Língua Portuguesa

O objetivo principal do ensino da Língua Portuguesa é tornar o estudante apto a

empregar a língua de forma adequada nas diversas situações de interação social, de forma

estratégica. Estratégico quer dizer de acordo com seus objetivos comunicativos, operando

escolhas de acordo com o seu querer dizer (Cabral, 2016). Nesse contexto, é papel da escola

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proporcionar oportunidade aos estudantes, situações nas quais eles possam conhecer as

diferentes possibilidades de uso da língua, para que saibam utilizá-la de modo significativo

nas diferentes esferas de atividades humanas.

Conforme preconizam os PCN (Brasil, 1998a) ser capaz de comunicar-se de forma

eficiente diz respeito à leitura compreensiva e crítica, à produção escrita e oral, e também à

análise e compreensão da estrutura e funcionamento da língua. Essas ações, segundo o

documento, devem estar presentes no ensino de Língua Portuguesa e, para tanto, é essencial

que o professor planeje situações nas quais sejam recriadas, em sala de aula, diferentes

formas de comunicação que levem em consideração outros contextos que não apenas o

escolar. Entre essas situações, devem incluir-se a leitura de textos variados, procurando

observar os sentidos das escolhas operadas pelos produtores, visando à compreensão das

intenções de dizer, o que faz parte da formação do leitor crítico.

Compreende-se assim que os objetos do ensino de Língua Portuguesa evidenciam a

importância do desenvolvimento das capacidades comunicativas. Entre os objetivos

estabelecidos pelos PCN, destacamos dois que, a nosso ver, mantêm estreita relação com a

gramática da língua:

[...] a escola deverá organizar um conjunto de atividades que,

progressivamente, possibilite ao aluno: (...)

sabendo como proceder para ter acesso, compreender e fazer uso de informações contidas nos textos, reconstruindo o modo pelo qual se organizam em sistemas coerentes;

(...) usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de análise

linguística para expandir sua capacidade de monitoração das possibilidades de uso da linguagem, ampliando a capacidade de análise crítica. (BRASIL, 1998, p. 32-33)

Corroboram com o que preconizam os PCN os ensinamentos de Travaglia (2004), para

quem o ensino de Língua Portuguesa tem como objetivo desenvolver a competência

comunicativa dos usuários (falante, leitor, escritor/ ouvinte), isto é, a capacidade que o falante

tem de empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação. A

competência comunicativa, segundo o autor, implica duas outras competências: a gramatical

ou linguística e a textual.

A competência gramatical ou linguística é a capacidade que todo usuário da língua tem

de gerar sequências linguísticas gramaticais, reconhecíveis como próprias da língua em

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questão. A competência textual, por sua vez, é a capacidade de, em situações de interação

comunicativa, produzir e compreender textos vistos como bem formados, valendo-se de

capacidade transformativa e a capacidade qualitativa. Temos claro que, embora as línguas

naturais, em geral, organizem-se a partir das regras de um sistema (regras fonológicas,

sintáticas, lexicais), os usos podem apontar sentidos para além das regras puras. Esses

sentidos podem ser identificados e compreendidos, inclusive a partir da compreensão das

regras.

Além disso, tais regras podem ser identificadas e observadas nos diferentes textos

produzidos em determinada língua, uma vez que é por meio deles que o homem organiza seu

discurso e o mundo que o cerca; é a partir dos sentidos que os indivíduos articulam seu

conhecimento, e não apenas com base em padrões gramaticais. Tal reflexão nos permite

concluir, com os PCN (1988), que o ensino de língua deve incorporar o ensino gramatical aos

processos de leitura e escrita.

Na mesma direção, Azeredo (2007) vê a língua como uma instituição social, isto é, o

indivíduo a adquire, de maneira natural. Por meio dela, o indivíduo passa a conhecer o mundo

e a compreender a realidade e suas implicações nas relações sociais, estabelecendo efeitos de

sentido. O autor ressalta que a linguagem deve ser vista como um processo de interação. No

mesmo sentido, Travaglia (2009, p.23) postula que “a linguagem é, pois, um lugar de

interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre

interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e

ideológico.” Podemos assim compreender a importância de se compreenderem os efeitos de

sentido que cada elemento da língua assume no texto, é essa compreensão que permitirá ao

estudantes exercer sua atividade sócio-interativa.

Também os PCN entendem que o uso da língua, deve ser encarado como “ação

interativa interindividual orientada por uma finalidade específica; um processo de

interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma

sociedade, nos distintos momentos da sua história” (BRASIL, 1998, p. 23-24). De fato, por

meio da língua, atribuímos sentido ao mundo, temos acesso à informação, partilhamos e/ou

construímos visões de mundo, defendemos pontos de vista, expressamos emoções,

influenciamos o outro e somos influenciados, muitas vezes alterando a forma como o outro e

nós vemos a realidade e as sociedades e provocando re (ações).Conceber a língua como

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espaço de construção de sentidos implica a criação de situações que favoreçam o seu uso

efetivo e a utilização de textos passíveis de reflexão nas práticas de ensino.

A concepção de linguagem direciona o professor em seu fazer pedagógico; no ensino da

gramática, o professor traz consigo a concepção de linguagem em que acredita; essa

concepção norteia o conceito de gramática e o sentido que o conhecimento gramatical

assume. A gramática pode ser compreendida como um conjunto de regras a serem seguidas e,

para aqueles que a compreendem dessa forma, basta conhecer as regras e normas impostas

para falar e escrever bem, conforme a norma culta. Sem dúvida, conforme lembra Travaglia

(2009), gramática é um manual de regras de bom uso da língua para aqueles que querem se

expressar corretamente. O estudioso lembra, no entanto, que a visão normativa da gramática

preocupa-se com as regras, ou “leis ”que regulam o bom uso da língua, considerando “erros”

as outras possibilidades existentes nas variedades da língua. O autor lembra que essa é visão

que está mais próxima dos professores da Educação Básica, devido à definição, em geral, que

se adota nos livros didáticos e nas gramáticas pedagógicas.

Para além da norma, há os usos da língua em uso e a sua descrição é feita pelos estudos

de Gramática Descritiva, com o objetivo de registrar e descrever a forma e o funcionamento da

língua. Segundo Travaglia (2009), os estudos descritivos são fruto de análise com base em

determinadas teorias e métodos. Observam-se, para uma determinada variedade da língua,

em uma abordagem sincrônica, as unidades e categorias linguísticas existentes, os tipos de

construções possíveis e a função desses elementos, o modo e as condições de usos deles. Os

estudos descritivos não têm objetivo normativo.

É preciso também considerar que os falante de uma língua possuem dela um

conhecimento de seu funcionamento independente da norma e da descrição teórica. Podemos

assim, dizer que temos todos uma Gramática Internalizada, de domínio dos falantes, que,

possuem conhecimentos da língua com base no uso e tal conhecimento os torna capazes de

produzir enunciados compreensíveis e reconhecidos pelos seus interlocutores como

pertencentes a determinada língua. Vale lembrar, com Antunes (2003, p.85-86) que

Quando alguém é capaz de falar uma língua, é então capaz de usar,

apropriadamente, as regras (fonológicas, morfológicas, sintáticas e

semânticas) dessa língua (além, é claro, de outras de natureza pragmática) na produção de textos interpretáveis e relevantes. Aprender uma língua é,

portanto, adquirir, entre outras coisas, o conhecimento das regras da

formação dos enunciados dessa língua. Quer dizer, não existe falante sem

conhecimento de gramática.

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Este é um saber que, conforme Luft (2004, p.34), existe graças à convivência linguística

que o falante adquire em uma comunidade. Desse ponto de vista, de acordo com o que ensina

Travaglia (2009, p. 29), “não há erro linguístico nessa concepção de gramática, mas sim o uso

inapropriado de interação de situações comunicativas por não atender as normas sociais de

uso da língua”.

Vale lembrar, no entanto, que os falantes em geral não têm consciência desse saber,

utilizando-o de maneira espontânea. Atividades de reflexão sobre as possibilidades de uso dos

fenômenos linguísticos podem fornecer elementos para os estudantes compreenderem de

forma mais eficaz os sentidos dos textos em suas atividades de leitura na escola e fora dela e

também fazerem suas escolhas de forma mais conscientes na hora de produzir seus

enunciados.

O advérbio: as gramáticas tradicionais e a visão pragmática

As gramáticas tradicionais (Bechara, 2015; Cunha e Cintra, 2001),em geral, definem o

advérbio como uma palavra invariável, que tem função de modificador, podendo modificar

um verbo, um adjetivo, ou um advérbio acrescentando-lhes uma circunstância. Cunha & Cintra

(2001) e Bechara (2015) acrescentam que outros advérbios modificam a oração inteira.

Na mesma direção, mas de forma ampliada é a observação de Vilela (1999, p.239): “os

advérbios não modificam apenas os verbos, mas também adjectivos e mesmo outros

advérbios e frases totais.” O autor complementa

“Uma boa parte dos advérbios - como também a maior parte dos adverbiais e

as chamadas modais -, ao contrário do que acontece com as demais categorias

gramaticais, são palavras que se podem deslocar com certa liberdade na

frase”. (VILELA, 1999, p. 239)

Cunha e Cintra (2001, p.541) dedicam um capítulo ao estudo dos advérbios, definindo-

os como “fundamentalmente, um modificador do verbo”. Os dois gramáticos apresentam uma

lista das diversas espécies de advérbios, conforme a circunstância que eles evocam: afirmação,

dúvida, intensidade, lugar, modo, negação, tempo (CUNHA e CINTRA, 2001, p.543).

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O ensino gramatical na escola costuma limitar o tratamento do advérbio à classificação

exposta no parágrafo anterior, dando especial atenção aos advérbios circunstanciais de tempo

e de espaço, sobretudo nas séries em que se prioriza a leitura de textos narrativos. Sem

dúvida, os advérbios circunstanciais cumprem importante papel na organização e na

construção dos sentidos das narrativas, mas o escopo do advérbio é muito mais amplo que o

mero estabelecimento de tempo e lugar.

A respeito da diversidade de funções que cumpre o advérbio, vale destacar o que

afirmam Cunha e Cintra (2001):

Sob a denominação de ADVÉRBIOS reúnem-se, tradicionalmente, numa classe

heterogênea, palavras de natureza nominal e pronominal com distribuição e

funções às vezes muito diversas. Por esta razão, nota-se entre os linguísticos

modernos uma tendência de reexaminar o conceito de advérbio, limitando-o

seja do ponto de vista funcional, seja do ponto de vista semântico. (CUNHA e

CINTRA, 2001, p.542)

Cunha e Cintra (2001) salientam ainda que “alguns advérbios aparecem não raro,

modificando toda a oração”. Nesse mesmo sentido, Vilela (1999, p. 241), ensina que:

Na classificação dos advérbios devemos distinguir o que se nos apresenta

como categorialmente ‘advérbios’ – isto é, advérbio como categoria gramatical

– e ‘advérbio’ como categoria funcional: a função que determinada expressão

ou sequência desempenhada na frase, no enunciado ou mesmo no texto.

O autor complementa que a subclassificação dos advérbios como a categoria

gramatical, refere-se a critérios quase exclusivamente semânticos. A esse respeito, Castilho

(2010) observa que é necessário ter prudência no momento de conceituar o advérbio com

características gerais, justamente por sua flexibilidade funcional. O autor enfatiza que muitas

palavras são identificadas como advérbios, porém não exercem essa função, porque não

possuem essa propriedade intrínseca dos advérbios, que é modificar o verbo, o adjetivo ou

outro advérbio.

De fato, o advérbio denota um grupo muito diferente de palavras, que apresentam

funções distintas, o que a torna uma categoria bastante heterogênea, o que leva Vilela (1999,

p.241) afirma que o “ ‘advérbio’ é sobre todos os pontos de vista muito heterogêneo mesmo

sob o ponto de vista meramente categorial, Assim, podemos dizer que na classe advérbios há

nomes [...], há pronomes [...], há operadores [...]”.

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Neves (2011) propõe o estudo da gramática voltada para a língua como atividade

interativa, em contexto de uso, com papel na organização discursivo-textual. Propõe duas

formas de se observar o advérbio: do ponto de vista morfológico (palavra invariável), e do

ponto de vista sintático ou relacional (palavras relacionadas ao verbo, ao adjetivo ou a outro

advérbio). Também com uma visão crítica em relação à abordagem tradicional, Dubois et al.

(2014, p.24) asseveram que “a categoria tradicional do advérbio agrupa, na verdade, espécies

de palavras que nada têm em comum além da invariabilidade.”

Com base nos ensinamentos desses autores, podemos afirmar que seguir apenas o que

ensinam as gramáticas limita o ensino de Língua Portuguesa, pois conhecer a gramática do

Português significa ser capaz de interagir nas diversas situações de comunicação, usando de

forma adequada as diferentes possibilidades que as variedades da língua nos oferecem.

Devemos considerar que a construção dos sentidos no uso não se dá apenas com base

nos significados prototípicos das palavras previstos pelas gramáticas, mas também pela forma

como elas são usadas pelos falantes em contextos interacionais concretos. Por isso, não basta

ao estudante adquirir somente os conhecimentos sobre estrutura da língua; eles são

insuficientes para garantir uma interação. É importante incluir no estudo do funcionamento a

língua os usos pragmáticos, ou seja, o estudo de como os falantes usam a língua para interagir

em situações concretas da sua vivência, ou como eles usam as possiblidades da língua para

construir seus textos, como afirma Cabral (2016), realizar seu querer dizer.

Acreditamos, com esses autores, que os trabalhos de ensino que envolvem os

conhecimentos linguísticos devem abordar os fatores fundamentais para a construção textual

e consequentemente, para a comunicação, contemplando os recursos (estruturais,

linguísticos, estilísticos e funcionais) que atuam como instrumentos necessários à construção

do sentido. Ao dominar o uso desses recursos, o indivíduo estará apto a ampliar sua

capacidade linguística de forma a pluralizá-la, com isso, poderá empregá-los em situações

reais de comunicação. Ao ter a possibilidade de adquirir conhecimentos linguísticos por meio

de uma abordagem pragmática, que leva em conta o uso,

[...] o falante da língua será capaz de se colocar muito melhor na relação com

os outros, com a sociedade e a cultura em que vive tanto no que diz respeito à

possibilidade de estabelecer os significados, os efeitos de sentido que os outros estão lhe propondo em interações diversas. [...] (TRAVAGLIA, 2003, p.

18)

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Considerando o uso da língua como uma atividade que envolve as diversas funções em

dada situação de interação, conforme as intenções daqueles que a utilizam, cabe explorar

algumas funções que o advérbio assume para além de marcar o tempo e o espaço ou indicar

uma maneira como as coisas acontecem.

A esse respeito, vale observar a classificação de Neves (2011) para os advérbios

modificadores, que, segundo a autora, incluem os advérbios de modo e os intensificadores. Os

advérbios de modo, por exemplo, não apenas apontam a maneira como realizamos

determinada ação. Conforme ensina Neves (2011, p.236), os “advérbios de modo (ou

qualificadores) qualificam uma ação, um processo ou um estado expressos num verbo ou num

adjetivo.” (grifos da autora). Ao qualificar uma ação, podemos, assim, por meio do advérbio,

avaliá-la, indicando uma tomada de posição (Cabral, 2011a).

Com respeito aos intensificadores, ou advérbios de intensidade, como classifica a

gramática tradicional (Bechara, 2015; Cunha e Cintra, 2001). Neves (2011) também ensina

que os intensificadores, como o próprio nome diz, intensificam o conteúdo de um verbo, de

um adjetivo ou de um advérbio. Já os advérbios atenuadores graduam “para menos”. Vale

lembrar, no entanto, que ao cumprir o papel de intensificar ou atenuar o sentido contido em

um verbo, adjetivo ou advérbio que acompanham, indicam uma tomada de posição do locutor

e, em consequência, cumprem um papel argumentativo importante (Cabral, 2011). Por isso é

que, para Ilari et al. (1996, p119), “Os intensificadores se comportam em relação à ordem de

modo muito semelhante aos advérbios qualitativos”.

Conforme destaca Cabral (2011, p.112), “Os advérbios constituem uma classe de

palavras que têm também a propriedade de marcar o grau de adesão do locutor ao conteúdo

do enunciado. Por isso, eles funcionam também como modalizadores.”. A autora lembra que

os modalizadores marcam uma tomada de posição do locutor frente ao conteúdo de seu

enunciado, o que leva a autora a afirmar que eles “são muito úteis nas interações verbais, seja

na linguagem oral, seja na escrita.” (CABRAL, 2011, p.112). De fato, eles são uteis pelo seu

papel argumentativo.

De acordo com Koch (2011, p.133), são modalizadores os elementos que estão

“diretamente ligados ao evento de produção do enunciado e que funcionam como indicadores

das intenções, sentimentos e atitudes do locutor com relação ao seu discurso.” Segundo

Dubois et al. (2014), modalização, na problemática da Enunciação, define a marca do sujeito

em seu enunciado, isto é, é o elemento que permite avaliar o grau de adesão do locutor a seu

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enunciado. Kerbrat-Orecchioni ([1980],1997) também postula que a modalização restringe-se

aos processos significantes que manifestam o grau de adesão (forte ou fraca/ incerteza/

rejeição) do sujeito de enunciação aos conteúdos enunciados. Conforme Cabral (2011a), o

termo modalização, por expressar a aproximação ou o distanciamento do locutor ao conteúdo

de seu enunciado, atesta o grau de adesão do sujeito àquilo que afirma, avaliando em termos

de probabilidade / possibilidade e certeza.

As possibilidades de construção de sentidos que o advérbio traz para um texto, por

meio que extrapolam meras circunstâncias em torno de determinado fato, nos conduz a

verificar como esses valores aparecem em textos utilizados em livros didáticos, procurando

igualmente refletir sobre como eles podem ser explorados pelo professor.

Análise exploratória dos advérbios em um texto de livro didático: reflexões para o ensino de

Língua Portuguesa

Selecionamos para a presente análise exploratória o texto de abertura de unidade que

contempla o conteúdo gramatical advérbio em um livro didático do 6o ano do Ensino

Fundamental II que figura na plataforma do PNLD de 2014 e encontra-se entre os mais

distribuídos no território nacional. A seleção levou em conta, também, o fato de o livro

contemplar o conteúdo em uma unidade de ensino pelo menos. Assim, o texto em análise

encontra-se na unidade do livro “Português Ensino Fundamental II – Projeto Teláris, Editora

Ática”.

Os organizadores temporais e espaciais cumprem a importante função de situar o leitor

relativamente ao tempo e ao espaço em que as ações acontecem, respondendo a quando e

onde decorrem ou decorrerão os fatos expostos em determinado texto (Neves, 2011). Essas

duas funções do advérbio são normalmente as mais exploradas nos livros didáticos, o que se

compreende inclusive pela sua importância para os textos narrativos, para os quais as noções

de tempo e espaço são fundamentais (SPARANO et al, 2012).

Devemos considerar, no entanto, que, para além de indicações de tempo e espaço, essas

informações permitem elaborar inferências importantes para a construção dos sentidos do

texto que, se exploradas pelo professor, podem auxiliar a formar leitores mais críticos. Apenas

para tomar um exemplo, o segundo parágrafo do texto expõe:

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(1) Assim como no Brasil, o país africano é uma ex-colônia de Portugal. Na época da

escravatura, muitos guineenses foram levados à força para o Brasil para trabalhar

como escravos. Hoje trabalham duro na construção do país, que é independente desde

1973 e está classificado como o sexto mais pobre do mundo. (grifos nossos)

Os marcadores temporais, usados em conjunto no parágrafo, expõem a relação entre o

passado e o presente. É possível, por inferência, recorrendo a conhecimentos históricos,

estabelecer uma relação entre o passado e o presente relativamente aos habitantes da Guiné

Bissau. No passado, seu povo foi escravizado (Na época da escravatura), atualmente (Hoje)

trabalha duro. É também possível estabelecer uma relação entre a situação de sofrimento do

povo e a condição de colônia do país (o país africano é uma ex-colônia de Portugal), situação

que se alterou recentemente (desde 1973). O professor pode, por exemplo, comparar datas,

lembrando que a independência do Brasil se deu em (1822), ou seja, quase cento e cinquenta

anos separam as independências dos dois países, o que pode ser uma justificativa para que a

Guiné seja, conforme o texto, o sexto país mais pobre do mundo. Assim, o elemento

gramatical que constitui o marcador temporal assume um papel fundamental na construção

dos sentidos do texto.

(2) Assim como no Brasil, o país africano é uma ex-colônia de Portugal. Na época da

escravatura, muitos guineenses foram levados à força para o Brasil para trabalhar como

escravos. (...)

É grande a lista de dificuldade de Guiné-Bissau: faltam escolas e material escolar, água

encanada e luz elétrica nas casas. (...)

Já as crianças têm energia de sobra. Nas ruas de terra batida de Bissau, capital do país,

brincam de “cerca-cerca”, como a pega-pega é conhecido. (...)

Os brinquedos são inventados com peças que encontram aqui e ali. (...)

Na brincadeira “surumba-surumba”, as crianças riscam um círculo no chão de terra com

um galho de árvore. (...) (grifos nossos)

Os vários excertos extraídos do texto nos permitem observar os elementos

circunstanciais de espaço. Podemos afirmar que, para além de simplesmente situar os fatos

no espaço, eles permitem ao leitor construir uma imagem da realidade em que vive a

população na Guiné. No passado, muitos guineenses foram levados à força para longe de seu

país (para o Brasil), onde forma escravizados. Atualmente a situação do povo guineense é de

extrema pobreza, e as informações relativas aos lugares onde os fatos acontecem nos

permitem extrair essa informação, também por inferência. O texto mostra que a educação é

precária e faltam saneamento básico e eletricidade (faltam escolas e material escolar, água

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encanada e luz elétrica nas casas), falta pavimentação (Nas ruas de terra batida de Bissau, no

chão de terra) e as crianças não têm acesso a brinquedos industrializados (Os brinquedos são

inventados com peças que encontram aqui e ali). O conjunto de advérbios “aqui e ali” indica

as crianças guineenses recolhem objetos que encontram nas ruas para transformá-los em

brinquedos. Podemos afirmar, assim, que os elementos gramaticais que marcam o espaço,

expressões adverbiais de lugar, permitem inferir o grau de pobreza da população.

Cabe ressaltar ainda um excerto no qual os elementos adverbiais de lugar cumprem

importante papel na construção dos sentidos. Trata-se da explicação de uma brincadeira

usual das crianças guineenses, o “surumba-surumba”:

(3) Na brincadeira “surumba-surumba”, as crianças riscam um círculo no chão de terra

com um galho de árvore. Vários participantes ficam dentro da área marcada e um fica fora,

correndo ao redor do círculo. As crianças de dentro tentam pegar a que está fora, mas sem

sair do círculo. Quando quem está dentro pega quem está fora, as duas crianças trocam de

lugar – e tudo recomeça. (grifos nossos)

É importante destacar a importância dos marcadores de lugar para as sequências

instrucionais. Embora o parágrafo não tenha por objetivo indicar os procedimentos para a

realização da brincadeira, ele apresenta os procedimentos da brincadeira com base na

movimentação dos participantes, ou seja, no lugar que eles ocupam. O professor pode

inclusive sugerir a seus alunos que eles façam a brincadeira em classe, explorando os

elementos adverbiais de lugar, buscando a comparação entre os lugares possíveis para as

crianças guineenses e os lugares possíveis para as crianças brasileiras. O ensino gramatical

toma, dessa forma, uma amplitude maior.

Os advérbios de modo são normalmente ensinados como sendo aqueles que indicam

uma circunstância de “como” as coisas acontecem. O estudo teórico nos indica, no entanto,

que eles podem ter um caráter avaliativo e modalizador na medida em que, ao indicar o modo,

podem expressar uma avaliação do locutor frente ao conteúdo enunciado. Esse conteúdo pode

ser avaliado positivamente/negativamente, verdadeiro/não verdadeiro.

(4) Na época da escravatura, muitos guineenses foram levados à força para o Brasil para

trabalhar como escravos. Hoje trabalham duro na construção do país, que é independente

desde 1973 e está classificado como o sexto mais pobre do mundo.

(...)Sem energia, ninguém assiste à TV, usa computador ou tem aparelho de som. Internet é

para poucos. (grifos nossos)

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A locução adverbial para especificar o modo como muitos guineenses foram trazidos

para o Brasil (à força), além de indicar efetivamente a forma como o fato aconteceu, traz um

juízo de valor relativamente ao fato para o qual a expressão adverbial especifica a

circunstância. À força atribui um valor negativo à ação de “ser levado” expressa pelo verbo.

Acrescente-se o emprego da passiva, que reforça o caráter não voluntário da ação. Os

guineenses não foram para o Brasil, ao contrário, foram levados à força, o que expressa uma

avaliação de que o foi um ato de agressividade contra os africanos.

Cabe destacar que os trabalhos que os guineenses foram desenvolver no Brasil era do

modo da escravidão (como escravos), o que implica um trabalho pesado, não remunerado e,

muitas vezes, sujeito a maus tratos. O texto expõe ainda o modo como os guineenses

trabalham atualmente (duro). O adjetivo com função adverbial traz uma avaliação para o

trabalho dos guineenses, mostrando que eles ainda sofrem com o trabalho.

Outra locução adverbial de modo, e de exclusão simultaneamente, sem energia, além de

indicar de que maneira os fatos acontecem, traz uma informação fundamental e de caráter

qualificador e avaliativo: sem energia implica consequências drásticas para a população

guineense que, em consequência, não tem acesso a TV, a computador, a aparelhos de som. E a

Internet é para poucos. Essas informações, dependentes da circunstância específica que as

ocasiona (sem energia), indicam a falta de acesso à informação do povo e permitem refletir a

respeito de sua exclusão em vários sentidos.

Considerações finais

As breves análises apresentadas neste estudo nos permitiram observar como os

advérbios constituem uma classe gramatical cujo escopo vai além da simples especificação de

circunstâncias. Pudemos verificar como as expressões adverbias, em um texto dirigido a

estudantes/ adolescentes e apresentado em um livro didático, para além de simplesmente

apresentar circunstâncias para os fatos denotados (tempo, lugar, modo), permitem refletir

sobre a construção de sentidos do texto e indicam caminhos para uma reflexão mais

aprofundada do papel do conceitos gramaticais na constituição dos discursos e da

importância do aprendizado da gramática para como possibilidades que a língua oferece para

a realização dos propósitos de dizer e da leitura crítica.

Acreditamos que o trabalho do professor deve ir além da mera apresentação dos

fenômenos, ele precisa incluir a reflexão crítica sobre os usos estratégicos dos recursos da

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língua buscando igualmente uma reflexão que possibilite ao aluno desenvolver habilidades

que lhe permitam assumir uma atitude crítica frente aos textos com que se depara no mundo.

Referências

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros

curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental - Língua Portuguesa.

Brasília: MEC/SEF, 1998.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros

curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental - Língua Portuguesa.

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TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática: ensino plural. São Paulo: Cortez, 2011.

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Cortez, 2009.

VILELA, Mário. Gramática da Língua Portuguesa. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1999.

Anexo

Dia a dia em Bissau

Apesar das dificuldades em casa e na escola, guineenses brincam

de “cerca –cerca”(pega-pega) e “malha”(amarelinha)

Mirella Domenich Colaboração para a Folha, de Bissau

Futebol é o esporte preferido da maioria das crianças. O português é a língua ensinada

na escola e a garotada se diverte muito com pega-pega e amarelinha. Sabe de onde estamos

falando? A resposta correta é Guiné –Bissau.

Assim como no Brasil, o país africano é uma ex-colônia de Portugal. Na época da

escravatura, muitos guineenses foram levados à força para o Brasil para trabalhar como

escravos. Hoje trabalham duro na construção do país, que é independente desde 1973 e está

classificado como o sexto mais pobre do mundo.

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É grande a lista de dificuldade de Guiné-Bissau: faltam escolas e material escolar, água

encanada e luz elétrica nas casas. Sem energia, ninguém assiste à TV, usa computador ou tem

aparelho de som. Internet é para poucos.

Já as crianças têm energia de sobra. Nas ruas de terra batida de Bissau, capital do país,

brincam de “cerca-cerca”, como a pega-pega é conhecido. Também jogam “malha”

(amarelinha) e brincam de “surumba-surumba”.

Os brinquedos são inventados com peças que encontram aqui e ali. Meninos se

divertem empurrando pneus e criam carrinhos com qualquer roda.

Na brincadeira “surumba-surumba”, as crianças riscam um círculo no chão de terra

com um galho de árvore. Vários participantes ficam dentro da área marcada e um fica fora,

correndo ao redor do círculo. As crianças de dentro tentam pegar a que está fora, mas sem

sair do círculo. Quando quem está dentro pega quem está fora, as duas crianças trocam de

lugar – e tudo recomeça.

DOMENICH, Mirella. Infância em Guiné-Bissau. Folha de São Paulo, 14 de maio 2011. Folhinha. In:

BORGATO, Ana Trinconi; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera. Projeto Teláris: Português 1 ed. São Paulo: Ática,

2012, p. 165.

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A POÉTICA DO MARACUJÁ: PROCEDIMENTOS

METODOLÓGICOS PARA A ESCRITA CRIATIVA

Daniel Carvalho de Almeida1

Introdução

Um trabalho que se volta à educação estética pode desempenhar uma função

reparadora de danos psíquicos e sociais na vida de alunos. Nesse sentido, o texto literário não

deve ser visto apenas como uma “ponte” para alcançar objetivos específicos, isto é, não

devemos limitá-lo a exercícios de interpretação de texto ou resumi-lo a simulados de

vestibular. Para que a experiência estética seja privilegiada nas aulas de língua portuguesa,

precisamos conceber o texto literário não como “pretexto” para algo, mas como um espaço

para expressão e elaboração subjetiva.

Diante disso, apresentamos a Poética do Maracujá2, uma sequência de atividades

aplicada no projeto Arte e Intervenção Social, realizado entre 2013 e 2016 nas aulas do

contraturno na E.M.E.F. Prof. Aurélio Arrobas Martins, localizada em Itaquera, região Leste da

cidade de São Paulo. Este artigo apresenta, portanto, procedimentos metodológicos para a

escrita poética, privilegiando as dimensões individual e coletiva da arte, bem como a formação

do indivíduo.

No que se refere ao projeto Arte e Intervenção Social, trata-se de uma ação educativa

que buscou atender às relações multiculturais, considerando a realidade social e as vivências

de estudantes. A proposta foi propiciar caminhos para que os eles enfrentassem alguns

problemas próprios da periferia de Itaquera e buscassem formas de intervir socialmente por

meio de suas produções artísticas. As ações de linguagem dos alunos-poetas foram

construídas pelas palavras, já que seus poemas serviram para afirmação da história, da

cultura e da identidade deles. Destaca-se, dentre as realizações do projeto, a publicação de

duas coletâneas de poemas escritos pelos alunos-poetas. O primeiro livro é intitulado Entre

versos controversos e, o segundo, Entre versos controversos: o canto de Itaquera. Grande parte

dos textos publicados nessas obras foram compostos a partir da sequência de atividades

1 Possui graduação em Letras pela Universidade São Marcos, especialização em Língua Portuguesa pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo e Mestrado em Letras pela Universidade São Paulo. Atualmente é professor na

Rede Pública Municipal de São Paulo. [email protected] 2 A Poética do Maracujá, assim como outras sequências de atividades poéticas, foram descritas na Dissertação de

Mestrado Poesia de resistência na escola pública: compromisso ético e formação de identidade, apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Rede Nacional da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), sob orientação da Profa. Dra. Maria Inês Batista Campos.

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Poética do Maracujá. Levando em conta que o desenvolvimento da escrita não se realiza em

condições de imposição de regras construídas artificialmente, o que permitiu os jovens

autores a escreverem foi o fato de se reconhecerem como poetas que tinham algo a dizer.

Quando os alunos-poetas escreviam, construíam um sentido ideológico em seus discursos,

dando sentido à vida deles. Havendo sentido, eles passaram a ter o que dizer e, tendo o que

dizer, começaram a escrever, de modo a produzir cultura em sua região.

A principal característica do projeto Arte e Intervenção Social foi a formação de um

grupo em que a leitura e, principalmente, a escrita literária implicassem a possibilidade de

“reinventar-se a si”, fazendo da literatura um espaço de reconstrução das identidades das

pessoas ali envolvidas. Da mesma forma que o trabalho desenvolvido nos encontros e espaços

de leitura pesquisados por Petit (2009 e 2013) possui caráter estético, cultural, educativo e

político, as ações desenvolvidas no projeto também privilegiaram esses quatro eixos. Tanto

que as atividades que desenvolvemos para a composição dos dois volumes de Entre versos

controversos (sendo a Poética do Maracujá uma delas), envolvem a reflexão sobre si e sobre

os outros no que se refere à expressão de pensamentos e desejos em (para a) sociedade.

O trabalho com textos literários pode ser visto como uma luta social, na medida em que

o acesso à cultura, ao conhecimento e à informação constitui um direito negado para

determinadas comunidades. Michèle Petit (2009, p. 32) revela que, para os mediadores

culturais dos países do Sul, “os recursos culturais, de linguagem, narrativos e poéticos são tão

vitais quanto a água”, afirmação que dialoga com o que Antonio Candido escreveu em “O

direito à literatura”. Segundo o autor, a literatura é um poderoso meio de instrução e

educação e, por conta disso, é importante que se trabalhe literatura nas escolas, uma vez que

ela nos permite enriquecer nossa percepção e visão de mundo, podendo assumir um papel

significativo na formação do indivíduo e na humanização, que se refere ao processo que nos

torna mais sensíveis e abertos para a natureza, para a sociedade e para o semelhante.

Defendemos projetos voltados à educação estética nas escolas, sobretudo nas

localizadas em bairros mais carentes, devido aos contextos de crises nos quais as periferias

estão inseridas. Segundo Petit (2009, p. 28), muitas das crises que afetam os povos da

América Latina são resultados “de uma exploração econômica selvagem, de processos de

segregação prolongados, de uma dominação feroz, ou de uma territorialização de pobreza”.

Tais aspectos podem ocasionar um grande ferimento na existência de determinada sociedade,

afetando sua identidade e autoestima. Além de reparações jurídicas e políticas necessárias, a

resistência da cultura é uma forma de garantir voz a essa sociedade num capítulo futuro.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 193

Esse fenômeno ocorre com as periferias de grandes cidades, como é o caso do bairro de

Itaquera. Sendo assim, um trabalho que envolve a escrita criativa pode resultar num meio de

resistir à adversidade. Com as atividades voltadas à poesia, realizadas no projeto Arte e

Intervenção Social, trabalhamos questões concernentes à autoestima do bairro de Itaquera e à

importância da valorização de uma cultura local e periférica. Consequentemente, houve

também um trabalho com a autoestima dos alunos-poetas a partir da relação com a própria

autoestima da região, pois eles encontraram, no espaço da literatura, possibilidade de

expressão e de elaboração dessas questões referentes aos “contextos de crises” próprios da

periferia em que residem. Ao lado de uma elevação de autoestima da região, do bairro, da

escola, há um “eu” que pode, ao se expressar literariamente, afirmar-se como sujeito, pois a

literatura é um espaço de elaboração subjetiva. Trata-se, portanto, da construção do espaço

estético que implica a construção e reconstrução de si mesmo.

Essa elaboração da identidade, que se entrelaça com a elaboração de resistências, é

algo muito significativo para jovens que vivem em bairros marginalizados. A literatura pode

auxiliar a superar determinados processos de exclusão social, a imaginar diferentes

possibilidades, a sonhar e a (re)construir-se. Compreender como se dá a contribuição de uma

vivência estética em contextos críticos nos permitirá entender como os poemas dos alunos-

poetas possuem uma voz de resistência frente às adversidades inerentes ao contexto em que

vivem. A escrita criativa, quando trabalhada a partir dessas perspectivas, pode estar associada

com a recomposição da imagem (individual e coletiva) e com a reparação daquilo que afeta,

de forma negativa, as representações de um “eu” e de um “nós”.

Para que a arte proporcionasse esse efeito nos alunos-poetas de Itaquera, o projeto

privilegiou três dimensões da literatura, que são análogas aos três aspectos da leitura literária

apontados por Petit (2013, p. 66-67): (i) a literatura como recurso para dar sentido à

experiência dos alunos-poetas; (ii) a escrita criativa como auxílio para encontrar forças em

uma situação adversa; (iii) a leitura e a escrita literária como abertura para o outro. Contudo,

é preciso alertar que não tivemos o intuito de valermo-nos da poesia como meio para atingir

determinados fins, até porque as dimensões elencadas aqui foram resultados de um trabalho

em que a poesia era o começo, meio e fim. Evidentemente, trabalhamos diversos assuntos a

partir da leitura de poemas, entretanto, precisamos alertar para o cuidado que devemos ter

com o peso que se põe sobre a arte, evitando que se coloque uma responsabilidade sobre a

estética que não faz parte de sua natureza, “trata-se quase sempre não da educação estética

como um objetivo em si mas apenas como meio para atingir resultados pedagógicos estranhos

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à estética” (VIGOTSKI, 2010, p. 324). A estética, quando a serviço da moral, do social, do

desenvolvimento cognitivo, ou ainda do sentimento do agradável e do prazer, “exerce uma

influência devastadora sobre a própria possibilidade da percepção artística e da relação

estética com o objeto”, fazendo com que uma obra de arte, sob essa concepção pedagógica da

estética, perca “qualquer valor autônomo”, tornando-se uma “espécie de ilustração”, além de

correr o risco de transmitir uma “falsa concepção da realidade como também a excluir

inteiramente os momentos puramente estéticos do ensino” (VIGOTSKI, 2010, p. 328 e 330).

Assim, nossa intenção foi fazer com que os alunos não somente lessem ou

reproduzissem, mas pudessem também escrever, com autoria, reconhecendo-se sujeitos

históricos que narram suas próprias histórias. Nosso objetivo foi fazê-los poetas (ou melhor,

fazê-los reconhecer que já eram poetas), introduzindo, dessa forma, a educação estética na

própria vida deles. Para Vigotski (2010, p. 352), esse diálogo entre arte e a vida é a tarefa mais

importante da educação estética, pois

a arte transfigura a realidade não só nas construções da fantasia, mas também na elaboração real dos objetos e situações. A cada vestiário, a conversa e a leitura, a maneira de andar, tudo isso pode servir igualmente como o mais nobre material para a elaboração estética (...) O esforço artístico deve impregnar cada movimento, cada palavra, cada sorriso da criança. É de Potiebniá a bela afirmação de que, assim como a eletricidade não existe só onde existe a tempestade, a poesia também não existe só onde há grandes criações da arte, mas em toda parte onde soa a palavra do homem. E é essa poesia de “cada instante” que constitui quase que a tarefa mais importante da educação estética.

Foi essa poesia de “cada instante” que permitiu a efetivação do projeto, uma vez que

nosso propósito era ajudá-los a desenvolver um olhar poético para (e na) vida. Em razão

disso, decidimos apresentar a sequência Poética do Maracujá, pois defendemos que atividades

que seguem as perspectivas apresentadas aqui auxiliam no desenvolvimento desse olhar

diferenciado, próprio da poesia.

Desse modo, descrevemos, detalhadamente, como foi cada momento da aplicação

dessa sequência de atividades proposta para os alunos-poetas do Arte e Intervenção Social.

Em seguida, analisamos dois poemas compostos após as atividades realizadas, a fim de

identificar os possíveis resultados do processo de criação e compreender como um trabalho

voltado para o gênero poema pode auxiliar no desenvolvimento da sensibilidade, na

construção de identidade e na elaboração da subjetividade, privilegiando, assim, a experiência

estética de cada aluno.

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Poética do Maracujá: uma proposta de atividades para a escrita criativa

A Poética do Maracujá é uma sequência de atividades que parte da canção

“Passionflower”, do músico e compositor inglês Jon Gomm. O objetivo da proposta é fazer o

aluno compor utilizando o recurso de construção de imagens no poema.

O primeiro exercício de reflexão proposto se vale de uma música, para que as atividades

seguintes se mostrassem mais interessantes aos alunos-poetas, sobretudo a aqueles que ainda

não possuíam uma relação mais íntima com a poesia. Somente depois de analisarmos a

música, passamos para textos literários. Assim, as referências artísticas, usadas nessa

sequência de atividades, são:

A Poética do Maracujá tem como base o trabalho artístico de Jon Gomm, pois seu estilo

e virtuosismo representam uma grande ruptura com a forma convencional de se tocar um

instrumento. Sua performance contribui para a criação de um clima bastante peculiar em suas

canções, como se transportasse seu público para outro universo. Escolhemos trabalhar com a

partir de “Passionflower” por conta dessas características que, em geral, impressionam os

ouvintes, tanto que alguns alunos-poetas, após as atividades, viram em Jon Gomm, não apenas

uma referência musical, como também uma referência no que se refere à composição artística.

Demonstrar aos alunos-poetas como “despertar” sensações em um texto literário foi

outro motivo que nos levou a optar pelo trabalho de Jon Gomm, pois, no que concerne ao

feeling3, é um dos artistas mais respeitados atualmente. Precisávamos, portanto, de um

3 A palavra feeling, entre músicos, serve para designar sentimentos e sensações provocados no ouvinte por conta de

elementos (ou da combinação de elementos) harmônicos, melódicos e rítmicos.

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músico cujo trabalho fosse muito bem desenvolvimento no conceito de feeling, a fim de que

pudéssemos fazer uma analogia entre elementos musicais e recursos linguísticos e mostrar

como, tanto na música, como na literatura, é possível provocar sentimentos e sensações.

A sequência de atividades Poética do Maracujá possui a duração de, aproximadamente,

dez horas/aula e foi organizada em cinco momentos.

Momento 1: a Arte e o “sentir tudo de todas as maneiras”

Nesse primeiro momento, o objetivo foi levar os alunos-poetas a perceberem a relação

entre uma música e as sensações causadas por ela. Escolhemos, como ponto de partida, o clipe

da música “Telepathy”4, composta por Jon Gomm, por possuir uma sonoridade incomum e

pelo fato de que, ao ouvir a obra desse músico pela primeira vez, é natural sentirmos certo

“estranhamento”, o que foi relacionado com a leitura de um texto literário posteriormente.

Sobre a sonoridade peculiar de Jon Gomm, ela ocorre pela sua maneira diferente de

tocar e cantar. Seu estilo, chamado por alguns de freestyle, tem como característica explorar

todos os sons de seu violão, inclusive o da própria madeira, causando, assim, sons percussivos

junto com a harmonia e melodia, o que nos dá a impressão de que há outros instrumentos

sendo tocados ao mesmo tempo. No que concerne à sua voz, pedais são conectados ao

microfone para causar determinados efeitos como, por exemplo, eco, delay e até segunda voz.

Esses elementos musicais são muito marcados em “Telepathy” e são muito diferentes

daqueles que causam uma sonoridade pop. O o músico usa uma afinação alternada5 e, durante

a canção, Jon Gomm ainda “desafina” e “afina” o instrumento para chegar a determinados tons

e produzir um efeito semelhante ao bend.6

Após assistirmos ao vídeo, reunimo-nos em um círculo para uma primeira conversa em

torno das impressões sobre a música. Os acordes menores e as dissonâncias deixam-na com

um clima down; por conta disso, as respostas dos alunos-poetas foram muito semelhantes nas

duas aulas que fizemos. Os sentimentos levantados por eles foram tristeza, raiva, desespero e

solidão. As justificativas para as respostas também foram parecidas, disseram-nos que

sentiram um som triste, “pesado” e agressivo.

4 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=J9b29phQz_I>. Acesso em: 02 abril 2015.

5 Isto é, as cordas de seu violão não são afinadas segundo o padrão de afinação E-B-G-D-A-E.

6 Trata-se de uma técnica utilizada na qual a corda do instrumento é levantada ou abaixada para chegar ao som de

outra nota.

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Momento 2: a Poética do Maracujá

Após o diálogo com os alunos-poetas em torno de “Telepathy”, apresentamos outro

vídeo, referente à música “Passionflower”, também do artista Jon Gomm.

Mesmo usando os mesmos recursos musicais de “Telepathy”, “Passionflower” traz uma

sonoridade diferente. A presença de acordes maiores, uma estrutura mais padronizada e todo

o clima que ela proporciona nos permitem sentir algo mais alegre ao ouvi-la. A proposta foi,

mais uma vez, conversar sobre os sentimentos que os alunos-poetas experimentaram durante

a projeção do vídeo. Suas respostas, tanto na primeira aula, quanto na segunda, contavam com

as palavras alegria, força e, principalmente, esperança. Assim, o diálogo se baseou nas

diferenças das nossas próprias reações ao ouvir as duas músicas de Jon Gomm.

A partir deste momento, realizamos duas perguntas fundamentais para continuidade

de nossa reflexão: 1) O que diferencia Jon Gomm de outros músicos? 2) Se uma música tem a

capacidade de causar determinado sentimento, um texto literário também pode despertar em

nós alguma sensação?

Essas perguntas serviram como “ponte” para se trabalhar a letra de “Passionflower”:

Passionflower Born in your tiny prison cell A million times smaller than you are One single drop, and you're risen up Afraid of the dark You cracked up through the pavement In super, super slow emotion Your back is gently breaking You reach for the light We can see everything We can hear everything We can see everything When we get here, everything Weakness is not your weakness You are what you grow into You're not what you were Disponível em: <https://www.letras.mus.br/jon-gomm/passion-flower/>. Acesso em 02 abril 2015.

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Nessa sequência de atividade, não tivemos como propósito trabalhar a tradução da

música, apenas conversamos sobre o que levou Jon Gomm a escrevê-la7. O artista, em uma de

suas turnês, levou uma muda de flor-de-maracujá para ser plantada em sua residência,

situada em Leeds, norte da Inglaterra. O músico possuía um pequeno jardim no qual havia

poucas flores, uma vez que a região é muito fria e raras as vezes do ano conta com radiação

solar. No entanto, em um dia específico de muito sol, a flor-de-maracujá desabrochou e

“contagiou” as outras flores ali plantadas. Jon Gomm revela que, neste dia, seu jardim ficou

colorido, florido e tomou todo o quintal. Sendo assim, a mensagem que o músico quis criar

com a canção “Passionflower” foi: se uma flor consegue crescer dentro de um ambiente

cinzento e frio, por que nós, humanos, não podemos fazer o mesmo?8

Observamos que os alunos-poetas captaram a mensagem de superação que a música

traz, mesmo sem traduzi-la. Por conta disso, discutimos sobre quais recursos podem ser

usados em uma música a fim de causar determinadas emoções. Tratamos, então, de elementos

rítmicos, harmônicos e melódicos que ajudam na intenção do músico. Em seguida,

questionamos sobre a composição da letra de Jon Gomm, fazendo perguntas tais como: “se o

músico não comparasse o crescimento da flor-de-maracujá com a esperança e fosse mais

‘claro’, não usasse uma linguagem figurada, sua composição teria uma letra tão rica e bonita

da mesma forma?

A pergunta feita serviu para explicarmos que, assim como a música se vale de

determinados elementos para causar sensações, um texto literário também usa de estratégias

linguísticas, como, por exemplo, o uso das figuras de linguagem, tais como a metáfora, para

atingir o propósito de causar determinadas impressões. A fim de sermos mais didáticos,

classificamos para os alunos-poetas alguns recursos literários apenas como “construção de

imagens”, isto é, quando usamos uma imagem para descrever um sentimento ou para

representar uma emoção.

Momento 3: a construção de imagens no poema

7 Optamos por não traduzir a letra de Jon Gomm, pois acreditamos que essa atitude poderia interferir nas sensações

que os alunos-poetas tiveram ao assistir o vídeo. Acreditamos que escolher uma música em outro idioma cooperou, nesse sentido, para melhor fluidez da atividade, já que nosso principal objetivo não foi realizar um estudo da letra, mas “sentir” a música. 8 Jon Gomm relatou essa história no dia 03 de abril de 2014, quando ministrou um workshop em São Paulo, na Escola

de Música & Tecnologia. Antes de apresentar “Passionflower”, ele decidiu explicá-la com receio de que o público estranhasse, a começar pelo título “Maracujá”, o sentido dela após a tradução para língua portuguesa. Uma breve explicação sobre a letra da canção pode ser encontrada na descrição do clip publicado no YouTube, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nY7GnAq6Znw>. Acesso em: 21 jul. 2015.

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Após conversamos bastante sobre a Arte e sua capacidade de causar sensações, demos

algumas orientações para que os alunos-poetas começassem a escrever seus próximos textos,

valorizando o sentido figurado. Explicamos a eles a importância da imagem como um

rendimento básico na linguagem do poema. Trata-se de um conceito muito presente que ajuda

a remeter, traduzir ou expressar, em outras palavras, um sentimento, uma sensação ou aquilo

que o poeta quer dizer com o texto. Essa imagem pode ser um objeto, um cenário ou até

mesmo uma situação. A partir dessa reflexão, trabalhamos somente textos literários, com o

intuito de mostrar aos alunos-poetas como um poema pode levar o leitor a sentir sensações

auditivas, visuais, olfativas, gustativas e táteis por meio da construção de imagens. Usamos,

inicialmente, dois poemas do maranhense Ferreira Gullar:

Pintura Eu sei que se tocasse com a mão aquele canto do quadro onde um amarelo arde me queimaria nele ou teria manchado para sempre de delírio a ponta dos dedos. (GULLAR, 2004, p. 353) Uma voz Sua voz quando ela canta me lembra um pássaro mas não um pássaro cantando: lembra um pássaro voando (GULLAR, 2013, p. 51)

Comentamos com os alunos que a construção “amarelo vivo” é diferente de “amarelo

arde”, pois esta remete a uma imagem tátil. Explicamos também que o poema “Pintura”

mistura imagens concretas (“canto do quadro”) com imagens abstratas (“manchado para

sempre de delírio / a ponta dos dedos”), como se o delírio fosse algo palpável. Com relação ao

poema “Sua voz”, mostramos aos alunos que a pessoa cantando é representada pela imagem

de um pássaro que voa e que este tipo de construção abre a possibilidade de diferentes

leituras. Tal voz descrita pelo sujeito estético pode, por exemplo, possuir a leveza de um

pássaro ou representar a liberdade de um voo.

Além dos poemas de Ferreira Gullar, outros três foram estudados:

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a) o poema “Profundamente”, de Manuel Bandeira (2013, p. 122-123), a fim de mostrar aos

alunos-poetas como o autor usou um cenário e uma situação para tratar da morte, da saudade

e da velhice.

Profundamente Quando ontem adormeci Na noite de São João Havia alegria e rumor Estrondos de bombas luzes de Bengala Vozes, cantigas e risos Ao pé das fogueiras acesas. No meio da noite despertei Não ouvi mais vozes nem risos Apenas balões Passavam, errantes Silenciosamente Apenas de vez em quando O ruído de um bonde Cortava o silêncio Como um túnel. Onde estavam os que há pouco Dançavam Cantavam E riam Ao pé das fogueiras acesas? — Estavam todos dormindo Estavam todos deitados Dormindo Profundamente. *

Quando eu tinha seis anos Não pude ver o fim da festa de São João Porque adormeci Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo Minha avó Meu avô Totônio Rodrigues Tomásia Rosa Onde estão todos eles? — Estão todos dormindo Estão todos deitados Dormindo Profundamente.

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b) O poema “Alemanha loura e pálida”, de Bertolt Brecht (2014, p. 15-16), uma vez que o texto

possui imagens muito fortes, que descrevem o cenário da Primeira Guerra Mundial, bem como

o seu sentimento de desgosto em relação ao caos em que vivia.

Alemanha, loura e pálida Alemanha, loura e pálida De nuvens selvagens e fronte suave! Que aconteceu em teus céus silenciosos? Agora és o lixo da Europa. Abutres sobre ti! Bestas rasgam teu corpo bom Os moribundos te emporcalham com suas fezes E a sua água Molha teus campos. Campos! Como eram suaves teus rios Agora envenenados de anilina lilá. Com os dentes as crianças Arrancam teus cereais Famintas! Mas a colheita flutua na Água que fede! Alemanha, loura e pálida, Terra de São Nunca! Cheia de Bem-Aventurados! Cheia de mortos! Nunca mais, nunca mais Baterá teu coração Apodrecido, que vendeste Conservado em salmoura Em troca De bandeiras. Terra de lixo, monte de tristeza! Vergonha sufoca a lembrança E nos jovens que Não arruinaste Desperta a América!

c) O poema “A morte a cavalo”, de Carlos Drummond de Andrade (2014, vol II, p. 260-261).

Por meio dele, conversamos sobre (i) repetição, que sugere a rapidez com que a morte chega;

(ii) aliteração, que remete ao som do galope de cavalos; e (iii) personificação, pois, no poema,

a morte recebe características humanas ao chegar cavalgando, laçar e levar as pessoas de

forma violenta.

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A morte a cavalo A cavalo de galope a cavalo de galope a cavalo de galope lá vem a morte chegando. A cavalo de galope a cavalo de galope a morte numa laçada vai levando meus amigos. A cavalo de galope depois de levar meus pais a morte sem prazo ou norte vai levando meus irmãos. A morte sem avisar a cavalo de galope sem dar tempo de escondê-los vai levando meus amores. A morte desembestada com quatro patas de ferro a cavalo de galope foi levando minha vida. A morte de tão depressa nem repara no que fez. A cavalo de galope a cavalo de galope me deixou sobrante e oco.

Momento 4: construindo a própria imagem

O quarto momento da sequência foi destinado ao exercício de composição. Pedimos

aos alunos que escrevessem um poema utilizando o recurso de imagens poéticas e que

contasse com, pelo menos, uma destas características: 1) Apresentação do “eu”, sendo um “eu”

real ou inventado, isto é, um eu-lírico fictício, criado pelos alunos-poetas; 2) Uma descrição

sobre a região em que cada um reside.

Revisamos algumas sensações (táteis, auditivas, visuais, etc.) que uma imagem pode

evocar e solicitamos que todos considerassem os recursos linguísticos estudados antes da

escrita. A fim de que eles se apropriassem dessa forma de compor, lemos a primeira estrofe do

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poema “Afinal”9, de Álvaro de Campos10; em seguida, realizamos uma cuidadosa explicação

em torno do Sensacionismo de Fernando Pessoa, que consiste, basicamente, nas sensações do

sujeito estético, bem como das pessoas e coisas que o rodeiam.

Para finalizar, trabalhamos com um texto de Murilo Mendes, poeta cuja imagem

precedia à mensagem em sua obra:

Começo de biografia Eu sou o pássaro diurno e noturno, O pássaro misto de carne e lenda, Encarregado de levar o alimento da poesia, da música Aos habitantes da estrada, do arranha-céu, da nuvem. Eu sou o pássaro feito homem, que vive no meio de vós. Eu vos forneço o alimento da catástrofe, o ritmo puro. Trago comigo a semente de Deus... e a visão do dilúvio.

(MENDES, 2002, p. 52)

Depois da leitura, conversamos sobre o que eles “viam” no texto, que imagens eles

conseguiam “enxergar”. Mostramos a eles que tais imagens representam e reinventam o

sujeito estético. Combinamos o prazo de uma semana para que cada aluno-poeta construísse

seu texto.

Momento 5: quando os poetas se reúnem

Sentamos em um círculo, cada aluno-poeta teve seu texto exibido por meio de um

projeto multimídia, a fim de que os outros acompanhassem a leitura. Em seguida, todos

poderiam comentar o poema, para que o autor do poema pudesse perceber qual foi a

receptividade de seu escrito, bem como as reações e sensações que os colegas tiveram a partir

dele11. Todos venceram a timidez, leram seus textos e adotaram o papel de verdadeiros

9 “Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir./ Sentir tudo de todas as maneiras./ Sentir tudo excessivamente,/ Porque

todas as coisas são, em verdade, excessivas/ E toda a realidade é um excesso, uma violência,/ Uma alucinação extraordinariamente nítida/ Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,/ O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas/ Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.”. In: Os poemas completos de Álvaro de Campos. Disponível em: <https://www.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/08/Poemas-Completo-de-%C3%81lvaro-de-Campos.pdf>. Acesso em: 10 junho 2015. 10

Heterônimo de Fernando Pessoa 11

No projeto Arte e Intervenção Social, havia um combinado entre todos os membros: não tratar o professor orientador como “professor”, e sim como mais um integrante da equipe, a fim de que os alunos imaginassem que tais encontros fossem reuniões de poetas membros de um possível “Círculo Literário de Itaquera”, assim como Dostoiévski e seus contemporâneos faziam com o Círculo Petrashevsky. A brincadeira, além de aproximar a relação

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“críticos” após a recitação dos colegas. Eles buscavam decifrar as imagens e os sentidos do

texto, bem como fazer sugestões para a melhora dos poemas.

Os alunos-poetas que apresentavam dificuldades em escrever poemas perceberam a

diferença entre seus primeiros escritos (geralmente muito claros, sem imagens ou figuras de

linguagem) e os novos textos, que exibiam mais maturidade, reflexão e eram ricos no que

concerne a uma linguagem poética. A partir dos encontros em que trabalhamos a sequência

Poética do Maracujá, os poemas compostos por eles já possuíam aquela voz que é própria da

poesia, a voz que “diz sem dizer”.

Análise das imagens poéticas

Para percebermos os possíveis resultados da aplicação da sequência Poética do

Maracujá, analisamos o poema “Canto de Caaguaçu”, escrito por Lourraine Barbosa, e “Os

detentos”, escrito por Beatriz Brasileiro. Ambos os textos foram compostos a partir da

sequência de atividades apresentada neste trabalho e publicados no segundo livro dos alunos-

poetas, a saber, Entre versos controversos: o canto de Itaquera.

Decidimos não submeter os dois poemas a uma análise tradicional de conteúdo e

forma, pois não queremos correr o risco de restringi-los à uma análise fria e objetiva de

características técnicas de um texto, tampouco decifrar sentidos partindo da delicada

pergunta “o que o autor quis dizer?”. Se para Petit (2013, p. 60), “o essencial da experiência

pessoal da leitura não pode ser transcrito em uma ficha”, a experiência pessoal (como

também coletiva) que cada aluno-poeta do projeto Arte e Intervenção Social teve com a

escrita criativa não pode ser emoldurada numa análise formal.

Priorizamos, portanto, o nível do significado em vez da camada “aparente”, pois,

tratando-se de poemas “livre”, não-convencionais, nosso recurso é a articulação da linguagem

poética, por conta da ausência de métrica, rimas, pausas obrigatórias, divisão de estrofes,

entre outras coisas próprias de poemas escritos segundo uma versificação mais tradicional,

nos quais os elementos materiais chamam, logo de início, a atenção do analista e contribuem

para o significado final; a superfície de textos nessas características são mais fáceis para o

levantamento dos recursos usados. No entanto, mesmo não havendo os recursos

professor e aluno, deu credibilidade ao trabalho do aluno-poeta e permitiu, a ele mesmo, considerar seus textos como uma forma de arte. Em atividades assim, é importante que o professor assumindo o papel de poeta e também realize os exercícios propostos e apresente seus textos, a fim de que os alunos possam, de igual modo, criticá-los e analisá-los.

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convencionais de formalização, os códigos estão presentes nos textos de Lourraine Barbosa e

Beatriz Brasileiro, revelando e portando sentidos.

Escolhemos o “Canto de Caaguaçu” e “Os detentos”, uma vez que as alunas-poetas

trazem uma reflexão acerca do bairro em que residem a partir de duas imagens centrais:

“pássaros” e “muros”.

Canto de Caaguaçu

Os muros separam as aves que piam em baixo tom

daquelas que gorjeiam felizes. Seu canto precisava ser ouvido

e pediram a elas para aumentarem o som.

Faz frio e as asas das aves congelam impedindo-as de voar para fora do lado inaudível do muro. Elas cobiçam o fogo que crepita e aquece as asas daquelas outras aves cujo canto ecoa e todos podem ouvir.

Fonte: Entre versos controversos: o canto de Itaquera, 2015, p. 29.

Em sua primeira versão, o título do poema era “O canto surdo”, contudo, após

estudarmos com Lourraine Barbosa a história de Itaquera, a autora preferiu mudar para

“Canto de Caaguaçu”, a fim de fazer referência à antiga fazenda cujo loteamento foi importante

para a formação do bairro de Itaquera e que hoje compreende a região do SESC-Itaquera e do

Parque do Carmo, locais que compõem o entorno escolar.

É possível extrair significados nesse poema passando pela percepção de sua estrutura,

uma vez que ela se (co)relaciona com o plano semântico. A forma do poema contribui para a

interpretação da mensagem e ainda evidencia a metáfora dos muros. Composto por duas

estrofes, uma com quatro versos e outra com cinco, o texto apresenta traços materiais que, a

partir de sua disposição na página, reproduzem a imagem de um muro. O fato de a primeira

parte estar alinhada à direita e a segunda à esquerda nos faz enxergar uma divisão entre as

duas estrofes, como se algo, um muro, pudesse separá-las na página. Cada estrofe é,

consequente, a representação de um lugar, físico e real, isto é, assim como existe uma linha

que separa as duas partes do poema, há um “muro” que segrega a Zona Leste de regiões

consideradas “nobres”.

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O “enredo” do poema trata-se da história de aves que residem de um lado do muro e

cujo canto é “inaudível”. Comparadas com aves “que gorjeiam felizes”, as aves “que piam em

baixo tom” sentem desejo de ser iguais àquelas que cantam alto e, por conta disso, buscam

voar para o lado do muro em que elas estão. O clima é diferente em cada parte do muro: do

lado das aves que podem voar, há calor; do outro lado, o frio é capaz de congelar as asas das

aves que se esforçam para cantar e voar.

A divisão existente entre a periferia de São Paulo e as regiões de prestígio social é

representada pela imagem do muro. O canto daquelas aves que todos podem ouvir remete à

valorização dessas regiões, enquanto as outras aves simbolizam a “voz” daqueles que estão à

margem da sociedade por viverem na periferia, voz que não é ouvida pela sociedade,

sobretudo pela mídia. Para que essas vozes fossem reconhecidas, ao menos ouvidas, elas

precisariam passar para o outro lado; contudo, essa única opção que lhes sobra é perdida,

uma vez que suas asas são congeladas, o que remete à própria queda dessas aves. Há, ainda,

uma pressão para que essas aves consigam cantar de modo que possam ser ouvidas (“e

pediram a elas para aumentarem o som” – verso 4). Nesse sentido, a palavra “canto” no título

simboliza tanto a voz da periferia, como o lado/lugar em que a região está situada.

O frio que congela as asas das aves faz referência a segunda parte do poema “Sobre a

esterilidade”, de Bertolt Brecht (2014, p. 141): “O galho que quebra é xingado de podre, / mas

não havia neve sobre ele?”. O frio em “Canto do Caaguaçu” tem a mesma função da neve

responsável por quebrar o galho que Brecht descreve; assim, as palavras “frio” e “neve”

representam os problemas sociais que impedem o crescimento do galho e o voo das aves.

Ao mesmo tempo que esse poema pode ser visto como uma forma de resistir à

exclusão de uma população periférica (já que faz uma crítica ao preconceito regional), ele

apresenta a tensão de um caos interior, pois exprime a frustração de quem é cobrado a atingir

determinados padrões. Além de “piar em baixo tom” (ato que revela abatimento e

desesperança), esse ser não se sente feliz e é levado a crer que somente estando do outro lado

é possível alcançar a felicidade. O texto ainda nos permite refletir (e questionar) sobre o

conceito de “mérito”, uma vez que há a tentativa de voo desse indivíduo, mas algo (o frio,

compreendido no poema como problemas sociais) o impede de seguir adiante e ocupar outros

espaços a não ser aquele em que nasceu.

“Canto de Caaguaçu”, a partir dessa possibilidade de leitura, problematiza a questão de

que, assim como o frio, algo externo às aves, é a causa do congelamento das aves, questões de

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caráter social são responsáveis pela formação do indivíduo. Para reforçar tal perspectiva,

Lourraine Barbosa opera com a imagem do “fogo”. Não se trata de uma habilidade especial

que faz com que as aves do outro lado possam voar, é o fogo, “que crepita e aquece” suas asas,

que lhes permite continuar nos ares.

O mais doloroso e comovente no poema não nos parece o fato de existir o problema da

exclusão social, mas o fato de isso não ser percebido. Embora haja a queda dos pássaros que,

tentando voar, são congelados pelo frio, a atenção (portanto, a valorização) é dada somente às

outras aves, pois ainda é a voz destas que recebe destaque (“cujo canto ecoa e todos podem

ouvir” – verso 9). A segunda parte do poema evidencia a indiferença no que se refere aos

problemas particulares da periferia, uma vez que nem a morte (queda) de seus habitantes

(pássaros) é notada.

Beatriz Brasileiro também trata da segregação regional e social em “Os detentos”

partindo da imagem dos muros:

Os detentos

Houve assassinato. As lágrimas de sangue Caem sorrateiramente. As vozes sufocadas Agora se libertam Anunciando a ausência do sol.

As grades São apenas as janelas Que vetam a luz das estrelas. Existem duas paredes Compostas de tijolos opacos Que, um dia, Desmoronaram sobre os ossos frágeis De um alguém Que mora num deserto espelhado.

De um lado, O detento que tinha Dentro de si As órbitas planetares organizadas. Do outro, O detento que tinha Apenas as constelações Ocultadas pela sujeira Que, sem pedir licença, Abriram a porta da sociedade.

Ela, já familiarizada, Nos deu um “salve”

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E se acomodou Nos olhos De quem a sente mesmo sem enxergar.

Ó Pátria Amada! Tu és Realmente gentil?

Fonte: Entre versos controversos: o canto de Itaquera, 2015, p. 38-39.

Composto por trinta e três versos distribuídos em seis estrofes, “Os detentos” não

apresenta regularidade em sua estrutura ou métrica. Rico em imagens que explodem em

significados, todos os versos são construídos a fim de narrar um acontecimento: o

soterramento de alguém devido ao desmoronamento de duas paredes.

Alguns elementos do poema de Beatriz Brasileiro permitem um diálogo interessante

com “Canto de Caaguaçu”, de Lourraine Barbosa, como podemos ver no quadro a seguir:

Trechos de “Os detentos” Interdiscursividade com “Canto de Caaguaçu”

“Houve assassinato” e “lágrimas de sangue” que “caem sorrateiramente”

Correspondência à queda das aves que piam em baixo tom

“A ausência de sol” anunciadas pelas vozes sufocadas

“Grades/janelas” que “vetam a luz das estrelas”

Referência ao frio que congela as asas dos pássaros em um dos lados do muro

“Duas paredes compostas de tijolos opacos”

Representação do muro

“Os detentos” Relação com as aves, que também representam

duas populações distintas

No primeiro verso, Beatriz Brasileiro não trata de uma morte física, mas de uma morte

de diversas vozes representadas por um dos detentos. Somente após o assassinato, ou seja,

após essas vozes serem sufocadas, elas se libertam e são capazes de denunciar a ausência de

sol, pressupondo que é no momento de maior adversidade que tais vozes encontram forças

para superação de seus problemas. É interessante observar que, antes do assassinato, havia

uma forma de prisão, manifesta na palavra “grades”, que são “janelas” que não permitem o

detento ter contato com “a luz das estrelas”. Nesse sentido, a morte no poema é o começo de

uma nova vida.

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Observando as semelhanças e dessemelhanças entre “Os detentos” e “Canto de

Caaguaçu”, podemos perceber como o desdobramento das imagens criadas pelas autoras,

ainda que sejam distintas, enriquecem a problematização. No poema de Lourraine Barbosa, a

queda (morte) das aves assume um caráter negativo; entretanto, no poema de Beatriz

Brasileiro, mesmo mantendo esse aspecto negativo, a morte é apresentada como

possibilidade de redenção. Assim, o evento morte é ou uma espécie de término ou

oportunidade de superação. Isso não significa que os textos sejam excludentes, mas que

oferecem aberturas interpretativas.

Beatriz Brasileiro criou dois personagens que apresentam diferenças devido ao lado da

parede/muro que ocupam. Um deles possui “as órbitas planetares organizadas”. O fato de

haver órbitas planetares dentro desse detento retrata que ele é o centro de algo, que algo gira

em torno dele. Esse personagem, portanto, representa regiões de maior prestígio social, uma

vez que diversas ações giram em torno delas, enquanto bairros desfavorecidos são colocados

à margem. O verso 19 nos lembra da atenção “que gira” em torno de lugares tais como o

Parque Ibirapuera (Zona Sul), bem como do esquecimento que muitas vezes recai sobre o

Parque do Carmo (Zona Leste), por exemplo, mesmo este sendo o segundo maior parque

urbano da cidade de São Paulo. A questão territorial é decisiva na diferença de valorização (e

de investimento) desses dois lugares. Ter os planetas organizados também remete a ideia de

melhor infraestrutura e recursos em um dos lados das paredes no poema.

Já o outro personagem possui ossos frágeis, reside atrás de grades que o impedem de

ver o sol e é soterrado pela queda das paredes que, consequentemente, causa a sujeira

responsável por ocultar suas constelações. Se do outro lado há um “astro” em torno do qual as

órbitas dos planetas são organizadas, do lado do detento de ossos frágeis, há “ausência de sol”,

isto é, há falta de recursos, infraestrutura, oportunidades, ou quaisquer outros elementos que

permitem a organização da sua vida dentro desses universos desiguais.

Percebemos que ambos os personagens são detentos, no entanto, apenas sobre um

deles o muro desaba, evidenciando que o “brilho” de cada um está intrinsecamente ligado ao

contexto em que vive. Enquanto um possui o ambiente organizado sem precisar de muitos

esforços, o outro precisa se reerguer dos escombros e superar a sujeira que o sufoca, a fim de

receber a atenção – o “salve” – da sociedade. O mais duro na realidade desses detentos é que o

mais frágil deles é quem mais precisa lutar para que suas constelações não tenham o brilho

ofuscados por questões que lhe são externas.

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Beatriz, de modo brilhantemente irônico, encerra seu texto com a pergunta retórica: “Ó

Pátria Amada!/ Tu és/ Realmente gentil?”. Se entendermos a palavra “gentil” como “nobre” ou

“de linhagem nobre”, talvez a Pátria seja mesmo gentil, já que são os “bem-nascidos” que

conseguem “brilhar” dentro dela. Por outro lado, é possível dizer que a Pátria não é gentil se

voltarmos ao latim gens, que originou a palavra “gentil”, termo que designava o conjunto

daqueles que possuíam origem comum, trazendo o conceito de “povo”, “nação”, “clã”. Nesse

sentido, não vemos no poema essa origem comum, e sim os nobres gentis de um lado e, de

outro, os marginalizados gentios, que são tratados, muitas vezes, como sujeitos não-

civilizados, o que nos lembra ainda a forma com que eram tratados os povos estrangeiros

pelos romanos ou como eram vistos os “gentios” (pagãos) na cultura judaico-cristã.

Nesse universo de gentis e gentios, vemos a graça e a elegância de um nobre detento de

orbitas planetares organizadas, mas não vemos nenhuma ação nobre ou distinta, pois, assim

como há ausência de sol, há ausência de gentileza, já que um dos detentos permanece sozinho

e sem ajuda, seja no momento do assassinato ou de sua libertação. Dessa forma, a autora nos

leva a refletir quantos assassinatos ainda serão precisos para que haja superações dos

conflitos, além de trazer à tona a questão: será justo que os que menos possuem

oportunidades sejam os que mais sofrem com o desmoronamento de muros?

Considerações finais

Em oficinas de escrita criativa, diferentes estratégias são feitas para a construção de

textos poéticos. São comuns atividades que exercitam a rima, a métrica, a combinação de sons

(aliteração, assonância, sibilância, paronomásia), assim como são frequentes exercícios tais

como: escrever usando somente substantivos, escrever versos nos quais todas as palavras

tenham o mesmo fonema inicial, criar frases curtas usando oxímoros, entre outros. Em nosso

projeto, durante a formação de criação literária dos alunos-poetas, que corresponde ao

período em que realizamos atividades como a Poética do Maracujá, focamos a composição de

imagens em poemas. Foi exercitando a escrita criativa a partir dessa estratégia que surgiu a

maior parte dos poemas publicados nas obras dos alunos-poetas. Em razão disso, as

coletâneas Entre versos controversos são repletas de diferentes imagens poéticas que

traduzem um sentimento, uma crítica ou uma situação. Nesse sentido, interpretar a maioria

dos poemas dos alunos-poetas é realizar a leitura das imagens que eles criaram.

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Os dois poemas analisados neste trabalho carregam duas imagens fortes que trazem

uma crítica social e expressam os sentimentos das alunas. São elas: muros e pássaros. Os

muros representam a segregação social que existe em relação à periferia de Itaquera e os

pássaros simbolizam os jovens que buscam “voar além” dos muros, das diferenças e dos

preconceitos. Franz Kafka (2011, p. 191) escreveu que "uma gaiola saiu à procura de um

pássaro". O que as alunas-poetas expressam em seus textos é que, mesmo com os “olhares

frios” que procuram “engaiolá-los” na sociedade, os “pássaros de Itaquera” podem voar bem

alto e cantar a sua poesia.

Defendemos que pensar em aulas cujo foco esteja na experiência estética dos alunos e

respeitar a natureza de textos literários – em vez de usá-los apenas como pretexto para

exercícios de língua – pode ser uma forma de educar para a sensibilidade e de proporcionar

meios para que os alunos expressam, literariamente, resistência ao caos interior e à exclusão

social. Assim como os depoimentos recolhidos por Petit (2009, p. 34) evidenciam como

pessoas utilizaram textos literários para “desviar sensivelmente o curso de suas vidas e

pensar as suas relações com o mundo”, o contato com o caráter simbólico da literatura fez

com que os jovens do Arte e Intervenção Social, que passam por situações adversas, pudessem

interpretar o mundo de um modo diferente.

Tais conceitos concernentes às possibilidades da arte encontram grande eco na

explicação feita por Vigotski (2010, p. 343) sobre os efeitos da vivência estética. Para o

psicólogo soviético, “toda vivência poética parece acumular energia para futuras ações, dá a

essas ações um novo sentido e leva a ver o mundo com novos olhos”. Nessa perspectiva, a

escrita criativa possibilita a elaboração de um espaço subjetivo no qual os alunos podem

refletir sobre si mesmos, mudando suas relações com a sociedade em que vivem. Isso pode ser

explicado de duas formas: uma porque a construção de uma identidade, tendo a contribuição

da leitura de textos literários, introduz o leitor no mundo de forma diferente (PETIT, 2013, p.

55); outra porque “a vivência estética cria uma atitude muito sensível para atos posteriores e,

evidentemente, nunca passa sem deixar vestígios para o nosso comportamento” (VIGOTSKI,

2010, p. 342). Surge daí nossa tentativa de elaborar atividades que privilegiam a vivência

estética entre jovens estudantes.

Referências

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MULTILETRAMENTOS NO ENSINO MÉDIO: ESTRATÉGIAS

DE LEITURA DE TEXTO LITERÁRIO EM DIÁLOGO DE

LINGUAGENS

Marli Aparecida Bruno1

Vera Lúcia Batalha de Siqueira Renda2

Introdução

A leitura e a escrita são desafios das escolas, embora cada uma apresente sua

especificidade, por isso se faz necessário estimulá-las, possibilitando a (re)descoberta do

prazer de ler, a utilização da escrita em contextos sociais e a inserção cada vez mais ampla do

aluno no mundo letrado. Um dos grandes desafios em se ensinar a Língua Portuguesa está na

necessidade de despertar no aluno o interesse pela leitura, seja dos gêneros textuais que

circulam no cotidiano do aluno, seja dos gêneros literários com os quais ele tem contato no

ambiente escolar. De acordo com Paulino e Cosson (2009), os últimos testes nacionais e

internacionais no Brasil mostram que a proficiência de leitura dos estudantes brasileiros

encontra-se muito abaixo do esperado se comparada ao quanto o país se desenvolveu

economicamente. Segundo Martins (1991), a leitura é uma experiência individual sem

demarcações de limites, que não depende somente da decifração de sinais gráficos, mas de

todo o contexto ligado à experiência de vida de cada ser, para que ele possa relacionar seus

conhecimentos prévios com o texto e, assim, construir sentidos. Para tanto, é essencial

desenvolver as competências de leitura, assegurando reais oportunidades de construção de

conhecimentos e aprendizagens que valorizem o ler como um processo de colaboração para a

formação do cidadão em formação.

Soares (2002, p. 145) apresenta letramento como: “o estado ou condição de indivíduos

ou de grupos sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais de

leitura e de escrita, participam competentemente de eventos de letramento”. Para promover

os eventos de letramento, o trabalho com gêneros textuais no ensino de Língua Portuguesa

deve estar pautado no desenvolvimento de aprendizagem do aluno em competências e

1 Mestra em Linguística Aplicada, da Unitau - Universidade de Taubaté (2016); Pós - Graduação em Língua Portuguesa

pela Universidade de Campinas - Unicamp (2013), graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São José do Rio Pardo (1991). É professora efetiva de Língua Portuguesa da Escola Estadual Professor Bernardino Querido desde 1993. [email protected] 2 Doutora em Letras (Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa) pela Universidade de São Paulo. É

professora assistente doutora da Universidade de Taubaté, na graduação/Letras, em cursos Lato senso da área e no Mestrado em Linguística Aplicada. Assessora técnica junto a Pró-reitorias de Graduação e de Pós-graduação da Universidade de Taubaté/UNITAU. [email protected]

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habilidades de leitura e compreensão dos diferentes gêneros textuais que circulam nas

diversas esferas comunicativas. O aluno adquire a habilidade de interagir por meio de textos,

nas diversas situações de produção e recepção em que esses textos circulam. É no ambiente

escolar que esses diferentes gêneros são apresentados e explorados com os alunos nas

diversas situações de produção/recepção em que circulam. Dentre eles, destacam-se os

gêneros literários com os quais a maioria dos alunos passa a ter mais contato quando chega à

escola – esta ainda a realidade brasileira.

O desenvolvimento de competências e habilidades de leitura e compreensão dos

gêneros literários é denominado letramento literário. Para Paulino e Cosson (2009),

letramento literário é visto como um processo de apropriação da literatura enquanto

construção literária de sentidos a qual implica um processo de transformação e não apenas

uma habilidade, ou seja, ler e compreender o texto literário requisita a leitura intuitiva e

perspicaz, aquela que aguça os sentidos. Ela habilita para a leitura de um universo mais

amplo, onde todas as áreas do conhecimento podem ser contempladas. Diante desses desafios

apontados pelo autor, percebe-se a necessidade de repensar as estratégias e práticas de

leituras desenvolvidas em sala de aula. Dentre elas, está o trabalho com a leitura do gênero

literário, que é uma tarefa complexa, pois demanda conhecimento para que o professor auxilie

o aluno a desenvolver habilidades mais sensíveis e complexas.

Candido (1995) aponta que a Literatura desenvolve em nós a sensibilidade, tornando-

nos mais compreensivos, reflexivos, críticos e abertos para novos olhares e possibilidades

diante da nossa condição humana. Para o autor, a leitura literária permite-nos refletir sobre o

mundo em nossa volta, abrindo nossos horizontes, ampliando os conhecimentos,

possibilitando novas perspectivas. Por isso, a pesquisa aborda o tema Multiletramentos no

Ensino Médio e propõe estratégias de leitura de texto literário em diálogo de linguagens.

O objetivo geral desta pesquisa foi de possibilitar e vivenciar com os alunos do Ensino

Médio uma prática prazerosa, efetiva e eficiente de leitura do texto literário, mediante a

construção de estratégias de leitura para o romance escolhido e para os demais gêneros

midiáticos e artísticos em diálogo.

Os objetivos específicos foram: 1º) aproximar o texto literário ao universo do aluno e

assim despertar e estimular o prazer pela leitura; 2º) levar o aluno a atribuir significados,

apropriando-se da leitura de diversas linguagens e construir práticas de multiletramentos;

3º) possibilitar a leitura do texto literário e seu diálogo com outros textos de linguagens

midiáticas e artísticas, como, por exemplo: obras literárias adaptadas em filmes e suas

possíveis releituras em transposições da linguagem literária para a linguagem da pintura.

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Sobre multiletramento, Rojo (2009) afirma que, na sociedade atual, já não basta mais a

leitura do texto verbal escrito – é preciso relacioná-lo com um conjunto de signos de outras

modalidades de linguagem (imagem estática, imagem em movimento, música, fala) que o

cercam, ou intercalam. A proposta de releitura de texto literário também pode estar associada

a outras modalidades de linguagens apontadas por Rojo, e é o caminho escolhido neste

trabalho.

A pesquisa permitiu a realização de uma reflexão e aprendizado acerca da temática,

possibilitando a aquisição de conhecimentos, os quais foram postos em prática em sala de

aula visando tornar os momentos de leitura mais prazerosos para os alunos e também

eficazes.

Os pressupostos teóricos em que a pesquisa se baseia são multidisciplinares, a saber:

Letramento – Soares (2006), Kleiman (1995), Koch (2005); Humanização pela literatura -

Candido (1995); Letramento Literário –Paulino e Cosson (2009); Multiletramento – Cereja

(2005), Rojo (2009); A cultura midiática – Martin-Barbero (2004), Costa (2013), Baccega

(2009); A Linguagem Cinematográfica - Costa (2013), Bergala (2008); A linguagem da

pintura - Buoro (2002).

Como instrumento de pesquisa foi desenvolvida uma pesquisa-ação, sendo os sujeitos

da pesquisa alunos de uma 3ª série do Ensino Médio. A coleta de dados se deu através de

questionários aplicados aos alunos em nove fases distintas das aulas e das atividades

desenvolvidas com leitura, audiovisuais e pintura. Os questionários serviram como base para

observação sistemática e acompanhamento dos alunos frente às atividades de leitura e

possíveis redirecionamentos que foram realizados sobre a obra literária A hora da estrela, de

Clarice Lispector, em diálogo de linguagens – detalhadas mais à frente.

Antes de iniciar a leitura do romance em sala de aula, foram abordados os seguintes

aspectos: o contexto histórico da 3ª fase do modernismo no qual o romance se insere; a vida e

obra de Clarice Lispector; os elementos estruturantes da narrativa. Durante a leitura do

romance foram abordados os seguintes aspectos: os recursos linguísticos como a

metalinguagem, a metáfora e a hipérbole presentes no romance; a singularidade da linguagem

de Clarice Lispector; questões objetivas e subjetivas sobre as percepções e impressões dos

alunos mediante a leitura do romance.

Foi trabalhada a linguagem cinematográfica como preparação para os alunos

assistirem ao filme de Suzana Amaral, uma adaptação da obra. Ao final da leitura e análise do

diálogo entre as obras, foi proposto aos alunos, como produção final, um trabalho de pintura

em tela da releitura da obra literária em questão, acerca das principais passagens da narrativa

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com as quais mais se emocionaram. Essas produções compuseram a exposição “Releitura de

obra literária” como espaço no qual os alunos puderam socializar suas experiências de

leitores e produtores de sentidos.

Metodologia

Para o desenvolvimento deste trabalho foi realizada, inicialmente, uma pesquisa

bibliográfica, com o intuito de analisar e verificar a importância que a leitura e a prática

escrita exercem na vida do ser humano e principalmente do jovem, tendo como foco principal

os gêneros literários. Em primeiro lugar, estudou-se a importância da linguagem em situações

de uso cotidiano, bem como da literatura, vendo nesta última o poder humanizador e de

encaminhar à reflexão e à criticidade. Focalizou-se também o ensino de leitura mediante as

estratégias de leitura que se pode ensinar aos alunos, bem como o diálogo entre diferentes

linguagens, no caso literatura, cinema e pintura.

Para Thiollent (2005), “uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa-ação quando

houver realmente uma ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob

observação”. A pesquisa-ação foi desenvolvida com atividades de leitura programadas,

visando investigar o que os alunos sabiam, para atuar na sua Zona de Desenvolvimento

Proximal (Vigotsky,1984). Trata-se da distância entre o nível de desenvolvimento real,

determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e a gama de possibilidades,

determinado através de resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em

colaboração com outro companheiro.

Os sujeitos da pesquisa foram 16 alunos da 3ª série A do Ensino Médio, com média de

idade entre 16 e 17 anos. Todos participaram no processo de pesquisa-ação de acordo com os

termos de consentimento e assentimento assinados pelos pais.

Os alunos já faziam parte do quadro escolar desde a 1ª série do Ensino Médio,

apresentando rendimento satisfatório. No entanto, no que diz respeito às aulas de leitura, são

alunos que só leem quando estão no ambiente escolar, ou seja, não têm o hábito regular de

leitura. Para análise de dados, houve a necessidade de aplicar critérios de seleção. O primeiro

foi de verificação, ou seja, dos 32 alunos que participaram do projeto de pesquisa, 24 alunos

participaram assiduamente de todas as etapas desde a avaliação diagnóstica até a produção

final de pintura em tela. No entanto, apenas 16 apresentaram respostas completas e

justificadas de todos os questionários aplicados em sala, contribuindo para um corpus

consistente e análise de dados coerente e real.

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No desenvolvimento da pesquisa, foram elaborados previamente 9 questionários que

foram sendo aplicados de acordo com o avanço das seguintes etapas: leitura, exibição do

filme, produção da releitura em pintura e análise de toda experiência vivenciada como segue:

1) início do projeto ; 2) após assistirem à entrevista da autora; 3) conhecimentos prévios dos

aluno; 4) questões iniciais sobre a narrativa; 5) questionamentos críticos sobre a narrativa; 6)

aspectos linguísticos da narrativa; 7) experiência de leitura dos aluno; 8) questões referentes

ao filme; 9) questões sobre a experiência que os alunos tiveram com a pintura e exposição.

Esses questionários também foram utilizados como base para a observação e registro

sistemático da pesquisadora e para o acompanhamento do desempenho dos sujeitos frente às

atividades que foram realizadas, a partir da vivência de leitura do texto literário.

Para começar, com o objetivo de apresentar a autora aos alunos, foi exibida a

entrevista de Clarice Lispector concedida em 1977 ao repórter Júlio Lerner, da TV Cultura.

Para ativação dos conhecimentos prévios dos alunos, na sequência foi apresentada a capa do

livro em slide, a qual os alunos observaram e responderam ao questionário 3.

Antes de iniciar a leitura da obra em sala de aula, outros aspectos foram abordados

como a revisão dos elementos estruturantes da narrativa quanto a narrador, espaço, tempo,

personagens, clímax, sequência linear da narrativa, dentre outros. Outros recursos

linguísticos também foram retomados, como a metalinguagem, a metáfora e a hipérbole

presentes no romance.

Após a definição desses elementos, iniciou-se a leitura da obra utilizando como recurso

a sala de multimídia. O texto do livro foi transposto para slides pela pesquisadora, pois havia

poucos exemplares disponíveis na biblioteca da escola. A leitura se desdobrou em dezesseis

horas-aula, ou seja, durante cinco semanas seguidas, ao passo que os questionamentos eram

divididos por etapa, à medida que a leitura da narrativa avançava. A leitura foi pausada e

intercalada de acordo com os questionamentos e as curiosidades levantadas pelos alunos.

Cada aula iniciava com a retomada da leitura já realizada para que os alunos se localizassem

no texto; as páginas avançavam, sempre finalizando com a socialização da leitura; e alguns

questionamentos críticos foram levantados pela pesquisadora e produzidos de forma oral.

Outros questionamentos se deram durante o procedimento de leitura quanto à análise

subjetiva, quanto às ações das personagens principais e alguns aspectos linguísticos da

narrativa. No processo final de leitura, os questionamentos se deram sobre as percepções dos

alunos durante a experiência.

O próximo passo foi trabalhar a especificidade da linguagem cinematográfica, mediante

a apreciação dos diferentes recursos empregados, preparando os alunos para assistirem à

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versão cinematográfica do romance em questão, em adaptação de Suzana Amaral, de 1985.

Passaram a entender as adaptações feitas neste, a partir de exclusões, transformações da

obra-base, o que levou à caracterização da transposição de linguagem.

Cada atividade foi devida e previamente orientada, com o estabelecimento de objetivos

de leitura tanto da obra literária como da cinematográfica, para que os alunos apreciassem os

pontos principais elencados.

A discussão, conduzida pela pesquisadora, expunha a compreensão, a observação oral

dos alunos e suas percepções de análises da obra, realizando apontamentos de diálogos entre

a linguagem do texto literário e a linguagem cinematográfica que se cruzaram. Esse

procedimento ampliou o conhecimento específico e de mundo dos alunos e despertou o senso

crítico para os problemas sociais presentes na obra.

Ao final da leitura e da análise do diálogo entre as obras literária e cinematográfica, a

pesquisadora, já previamente em articulação com a professora de Artes que orientaria a nova

etapa, propôs aos alunos, como produção final, um trabalho de pintura em tela da releitura da

obra literária em questão, a partir de um trecho escolhido. Os estudantes se empenharam na

atividade, que se configurou bastante produtiva.

A finalização da pesquisa-ação se deu com a exposição dos quadros no ambiente

escolar, com convite extensivo aos familiares, ocasião em que os alunos puderam explicar aos

visitantes e aos colegas, suas experiências com as suas produções artísticas de

multiletramento.

Todo esse procedimento metodológico possibilitou a coleta de material suficiente para

análise e discussão dos dados que serão apresentados a seguir.

Resultados e Discussão

A análise de dados foi feita por categorização que, de acordo com Bardin (1977, p.

117), “refere-se a uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto,

por diferenciação e, seguidamente por reagrupamento segundo o gênero (analogia) com os

critérios previamente definidos.” Nesse caso a análise de dados apresentada tem como

categorização o agrupamento por similaridade, ou seja, ao analisar as questões respondidas

pelos alunos, as respostas foram agrupadas de acordo com o que havia em comum. Para

Bardin (1977, p. 118), “classificar elementos em categorias, impõe a investigação do que cada

um deles tem em comum com os outros e o que vai permitir o seu agrupamento, é a parte

comum existente entre eles.”

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 221

No entanto, houve momentos em que as questões subjetivas não foram similares e,

nesses casos, foram apresentadas as respostas individuais, inclusive algumas apresentam

justificativas estritamente pessoais. Portanto, houve também a análise qualitativa e discussão

dos dados, que para Bardin (1977, p.21) “é a presença ou ausência de uma dada característica

de conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem

que é tomado em consideração.

Neste artigo serão apresentadas as sínteses das análises dos dados, deixando-se de

transpor as respostas dadas pelos alunos aos questionários.

Ao analisar o questionário sobre a entrevista com a autora, confirmou-se que a maioria

dos alunos percebeu a visão particular que a autora traz sobre a felicidade porque considera

que apenas a criança é capaz de ser feliz. Também perceberam algumas respostas

contraditórias nas quais a autora se diz feliz, mas traz consigo a tristeza estampada no rosto.

Essas impressões vão ao encontro da afirmação de Bosi (2004), de que a obra de Clarice

Lispector encaixa-se entre as qualificadas como intimistas e, mais especificamente, na ficção

supra-pessoal. Isso porque durante a entrevista, ao falar da personagem principal Macabéa, a

Clarice acaba falando de si mesma, mostrando que há uma identificação entre ela e a

personagem principal do romance.

Na análise das questões sobre o conhecimento prévio, 11 alunos confirmaram em suas

respostas as hipóteses e conhecimentos prévios que tiveram anteriormente sobre a capa do

livro, na qual a personagem é apresentada como alguém triste, pessimista e deprimida.

Ao iniciar a leitura, o que impressionou a pesquisadora foi a aceitação dos alunos

quanto à lentidão da narrativa. Por terem hábitos imediatistas e impacientes, a preocupação

foi que houvesse alguma rejeição por parte dos alunos, o que não ocorreu pois aconteceu o

fascínio deles com relação a alguns recursos linguísticos, como metáforas, hipérboles e

metalinguagem utilizados pelo narrador, ao apresentar Macabéa. Essa foi a porta de entrada

para a análise da obra.

Para tanto, os questionamentos quanto às impressões desses recursos linguísticos

tiveram como resultado as respostas de 14 alunos sobre terem experiências significativas e

positivas com relação à leitura do texto literário, embora 2 alunos tivessem experiências

negativas pois apresentaram como algo triste e ruim.

Divididos em duas críticas fundamentais que a obra apresenta, os alunos souberam

identificá-las com facilidade. À medida que a leitura avançava e os momentos de socialização

foram acontecendo, criavam-se condições para que os alunos construíssem suas percepções e

desenvolvessem o senso crítico. Nesse momento da leitura o universo literário cruza com a

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realidade pela qual os alunos passam a ser capazes de desenvolver a construção dialógica de

sentidos, ou seja, desenvolverem o olhar sobre o outro que também compõe seu entorno

social. Para Bakhtin (2011), a relação dialógica vai além da interação verbal entre os sujeitos,

pois há as relações de persuasão e de interpretação que envolvem sistemas de valores dos

sujeitos, os quais contribuem para a construção dialógica de sentidos.

Indo ao encontro desses desenvolvimentos críticos e dessa construção dialógica de

sentidos apresentados pelos alunos, retoma-se Candido (1995) que apresenta a literatura

como fator indispensável à humanização, pois confirma no homem a sua humanidade,

inclusive porque atua no subconsciente e no inconsciente; assim, a literatura tem sido um

instrumento poderoso de instrução e educação.

Quanto ao serem questionados sobre suas experiências de leitores, os alunos

revelaram-se através do choro de alguns, revolta de outros para com a decisão da autora em

matar a personagem, indiferença e indignação por parte de outros.

De acordo com as respostas, esses sentimentos são revelados e compreendidos de

forma mais leve. Tocados e sensibilizados com o texto, observa-se, que a estratégia de leitura

atingiu seu objetivo maior: despertar o interesse do aluno pela leitura do texto literário em

questão. Além disso, ao apresentar e justificar suas experiências de leitores, percebe-se que há

ampliação de visão de mundo e sensibilização nos termos empregados como: emocionante,

ótima, chocante, interessante, ruim, triste.

Na sequência, a análise é sobre o filme, e teve como respostas a constatação que se deu

durante a exibição: a maioria dos alunos mostrou-se perplexa com relação à escolha que

Suzana Amaral fez dos artistas para representarem Macabéa, Olímpico e Glória. Confirma-se a

indignação com as 13 respostas negativas dos alunos, pois a descrição das personagens na

narrativa fez com que eles imaginassem Macabéa mais feia, Olímpico, mais bonito e elegante e

Glória, mais bonita e atraente. O interessante dessa constatação é o processo de imaginação e

a expectativa que se cria através da leitura, como os outros 3 alunos que disseram ver os

personagens exatamente como imaginaram no livro.

Considera-se que os alunos compreenderam a opção da cineasta e os recursos que cada

arte possui, pois 5 alunos mencionaram as cenas como suficientes para narrar os fatos e nos

apresentar a personagem, diferente do livro no qual a presença do narrador foi essencial. Os

outros 11 apontaram que, se houvesse o narrador no filme, seria negativo, pois tornaria o

filme desinteressante, cansativo, longo.

Foi fundamental a intervenção da professora-pesquisadora nesse processo, pois no

início houve uma certa prevenção de alguns alunos com relação à produção dos anos 80 e pelo

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filme ser brasileiro, ou seja, nada convencional ou comercial. Embora seja uma produção de

1985, com poucos recursos cinematográficos e digitais, a que estão habituados, o filme

prendeu a atenção dos alunos telespectadores, que se mostraram sensibilizados. As

discussões geradas sobre o filme foram em torno das críticas sociais abordadas nas diversas

situações vividas pelas personagens. Questionou-se, a partir das críticas sociais elencadas, a

possibilidade de verossimilhança com o intuito de aproximar a arte ao universo do aluno.

Além de apresentar o cinema como arte e explorar seus recursos específicos em sala de

aula, Bergala (2008, p. 62) afirma que é preciso atrelar a aprendizagem ao desejo e ao prazer,

isso porque “pode-se obrigar alguém a aprender, mas não se pode obrigá-lo a ser tocado”. Por

diversas vezes houve a necessidade de retomar algumas cenas com as quais se sentiram mais

impactados.

Após as questões sobre o filme, iniciou-se a proposta de realizar a releitura da obra em

tela e para essa etapa do desenvolvimento da pesquisa-ação foi proposto pela professora-

pesquisadora um trabalho interdisciplinar envolvendo a disciplina de Arte e Língua

Portuguesa. Sobre o conceito de interdisciplinaridade, Ramos (2001, p. 271) afirma que: "A

Interdisciplinaridade mantém a identidade das diferentes disciplinas, mas busca o

estabelecimento de uma intercomunicação e uma cooperação, provocando intercâmbios reais,

enriquecimento e modificações mútuas." A importância do trabalho interdisciplinar se deu

com as técnicas de pintura em tela trabalhadas pela professora de arte ao longo de quatro

aulas. Isso porque, de acordo com Buoro (2002), o ensino de arte requer formação e

informação específicas que são de ordem estrutural. A construção de objeto de arte requer um

leitor sensível e capaz de apreender significativamente os sentidos manifestos tanto no

mundo quanto no objeto de arte.

Observou-se que 4 alunos não apresentaram dificuldades em realizar a produção

porque são quatro alunos que disseram anteriormente ter experiência com a pintura. Para os

outros as dificuldades foram variadas, entre elas destaca-se a escolha da cena que seria

pintada. O processo de releitura não é simples, pois exige a tradução da significação do objeto;

conforme afirma Buoro (2002), releitura é entendida como a tradução da significação do

objeto como fundamento para uma nova construção, buscando-se nessa ação de re-

significação do mesmo objeto para re-ler, aprofundar significados, re-semantizando-os.

No entanto, os alunos se mostraram empenhados e as pinturas foram tomando formas

concretas em tela. As próximas questões foram referentes às escolhas que fizeram dos

fragmentos do romance para a releitura. Percebeu-se que em todas as respostas as escolhas se

deram a partir dos momentos da narrativa que despertou sentimentos diversos: indignação,

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emoção, impacto, comoção e perplexidade. Mostraram-se sensibilizados, pois através das

produções dos quadros os alunos puderam expor seus sentimentos com relação à obra

literária. Foi o momento em que o diálogo entre as linguagens se cruzou e se fundiu,

produzindo um outro objeto de arte. Os objetos artísticos produzidos pelos alunos retrataram

os sentimentos despertos nos diversos momentos da leitura da narrativa literária.

A esse tipo de leitura, Rojo (2009) refere-se como letramento multissemiótico, que

propicia a leitura e a produção de textos em diversas linguagens e semioses, tais como: verbal

oral e escrita, musical, imagética, corporal e movimento. Essas múltiplas linguagens e as

capacidades de leitura e produção por elas exigidas são constitutivas dos textos

contemporâneos – daí a importância, na contemporaneidade, dos multiletramentos.

Essas produções compuseram a exposição “Releitura do romance A hora da estrela”.

Durante a exposição, que aconteceu no ambiente escolar, os alunos puderam socializar suas

experiências de leitores, espectadores e produtores de arte. Na oportunidade, observou-se a

participação, a satisfação e o envolvimento dos alunos em serem autores de trabalhos

artísticos.

Ao final do percurso, da análise e discussão de dados dos questionários, avalia-se que a

experiência do trabalho com várias linguagens proporcionou aos alunos o conhecimento das

especificidades de cada uma e do diálogo entre elas.

Além disso, foi alcançada a expectativa de despertar e estimular o interesse pela

leitura e aproximar o aluno ao texto literário. A partir dessa aproximação, o aluno passou a

construir significados, apropriou-se da leitura de diversas linguagens e produziu práticas de

multiletramento, que, de acordo com Rojo (2009), refere-se ao letramento multissemiótico

que propicia a leitura e a produção de textos em diversas linguagens e semioses, como já dito

anteriormente.

Considerações finais

Considera-se que o objetivo geral proposto neste trabalho foi alcançado, pois a

professora pesquisadora encaminhou o conhecimento teórico para a vivência de uma prática

inovadora em sala de aula que motivasse os alunos para a leitura do texto literário, ao mesmo

tempo que construísse habilidades de leitura dos objetos de múltiplas linguagens da

contemporaneidade.

Em relação ao primeiro objetivo, que foi de aproximar o texto literário ao universo do

aluno e, assim, despertar e estimular o prazer pela leitura, o resultado foi satisfatório. Ao

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avaliar o primeiro questionário percebeu-se que apenas 31% dos alunos afirmaram gostar de

ler textos literários como drama e romance e logo na sequência 94% deles afirmaram que a

leitura representava aquisição de conhecimento e informação. Isso significa que, antes de

iniciar as estratégias de leitura, a maioria deles não tinha o hábito de ler e não atrelava a

leitura do texto literário como algo prazeroso. Com o desenvolvimento das estratégias de

leitura esta percepção foi se modificando.

As estratégias prévias de leitura através da leitura da capa e a entrevista da autora

foram imprescindíveis para envolver os alunos e aproximá-los do texto literário, conforme os

dados revelaram. A expectativa que se criou foi de que a leitura seria interessante, traria

experiências e seria ótima. A partir dessa aproximação, os alunos passaram a se interessar

pela leitura que foi avançando por capítulos numa sequência de horas-aula. Nos

questionamentos que ocorreram durante a leitura, as respostas foram surpreendentes; os

dados apontam que houve resultado positivo quanto ao segundo objetivo proposto: levar o

aluno a atribuir significados, apropriando-se da leitura de diversas linguagens e construir

práticas de multiletramentos. Os alunos demonstraram seus valores, suas identidades e

passaram a construir significados, despertaram o senso crítico mediante as críticas sociais

presentes no romance e atribuíram sentido ao texto literário. Suas experiências foram

descritas como interessantes, chocantes, ótimas e surpreendentes. Além disso, souberam

identificar, que há fortes críticas sociais que focalizam preconceito, desigualdade social,

exploração no mundo do trabalho, situações de miséria.

O terceiro objetivo abrange e complementa os outros dois já mencionados: possibilitar

a leitura do texto literário e seu diálogo com outros textos de linguagens midiáticas e

artísticas, como, por exemplo: obras literárias adaptadas em filmes e suas possíveis releituras

em transposições da linguagem literária para a linguagem da pintura. Ao se propor a exibição

do filme adaptado da obra, também se analisou que os alunos compreenderam o diálogo

estabelecido entre a obra literária e o filme e a especificidade que cada linguagem artística

representa. Em suas respostas, puderam expor as frustrações diante das cenas não exibidas e

presentes apenas na narrativa. A partir daí, compreenderam o significado da palavra

adaptação.

Para Morin (2001), são o romance e o filme que põem à mostra as relações do ser

humano com o outro, com a sociedade, com o mundo. Para o autor, mesmo sendo, por

exemplo, um romance do século XIX, e o filme do XX, ambos nos transportam para dentro das

guerras e da paz. O autor afirma também que o milagre de um grande romance, como de um

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grande filme, é revelar a universalidade da condição humana, ao mergulhar na singularidade

de destinos individuais – e isso ocorreu com os estudantes.

Os alunos reconheceram que Macabéa, a protagonista, está carregada de

representações reais de pessoas da sociedade como: os imigrantes nordestinos que sofrem

preconceito nos grandes centros urbanos, pessoas submissas que sofrem maus tratos físicos e

verbais e a mão de obra barata e explorada numa sociedade capitalista. Tanto no final da

leitura quanto no final do filme houve comoção - os alunos se mostraram completamente

envolvidos com as narrativas - sentiram-se indignados com a morte de Macabéa, pois

queriam um final feliz para ela.

Para a professora pesquisadora foi um dos momentos mais intensos e de grande

emoção que os alunos vivenciaram ao longo das estratégias de leitura, pois se mostraram

tocados pelo romance, tanto na leitura quanto na adaptação. A professora pesquisadora

através das estratégias de leitura, mediou esse processo de sensibilização, prazer e cognição.

O momento da produção em tela também tornou-se significativo, pois foi um trabalho

interdisciplinar no qual puderam se cruzar as diversas linguagens. Os fragmentos escolhidos

para serem reproduzidos em tela se deram pela própria sensibilidade do aluno em relação à

leitura da obra. De acordo com Buoro (2002), a pintura é considerada a cor construtora de

formas, que reflete visões de mundo do ponto de vista de um enunciador. O ponto de vista de

cada aluno ao retratar a morte de Macabéa, seus encontros com Olímpico, sua visita à

cartomante, o ambiente em que vivia foram retratados e expressos para sensibilizar o outro.

Esse resultado revela que houve a educação do olhar, que é observar o que está ao seu redor

com compreensão e criticidade.

Durante a exposição “Releitura do romance A hora da estrela”, que aconteceu no

ambiente escolar, os alunos tiveram a oportunidade de socializar suas produções artísticas

com os colegas e convidados. A exposição dos quadros foi identificada pelos fragmentos do

romance escolhidos pelos alunos. Foram momentos de interação e partilha. Eles se sentiram

felizes, emocionados, motivados e explicaram com detalhes e propriedade a cada pergunta

que surgia dos visitantes. Sentiram-se sujeitos autônomos na construção de seus próprios

conhecimentos e nas suas produções artísticas. Para Citelli (2004), a escola deve ser o espaço

de trabalho onde ocorre a passagem do lugar-comum para o conhecimento elaborado, num

movimento que visa fazer da matéria empírica conceito. Desse modo, ensina o sujeito a

reconhecer-se no processo de transformação.

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Assim, os alunos apropriaram-se da leitura de diversas linguagens e despertaram o seu

interesse e prazer pela leitura e releitura do texto literário, vivenciando práticas de

multiletramento.

Após o desenvolvimento bem sucedido dessas estratégias de leitura, pode-se

questionar sobre os motivos que levam os alunos do Ensino Médio a terem dificuldades e

interesse pela prática de leitura nas aulas de Língua Portuguesa. A resposta está em Rojo

(2009) que na sociedade atual, já não basta mais a leitura do texto verbal-escrito – é preciso

relacioná-lo com um conjunto de signos de outras modalidades de linguagem (imagem

estática, imagem em movimento, música, fala) que o cercam ou intercalam.

Conclui-se que o desenvolvimento das estratégias de leitura foi relevante para a

mudança de visão que os alunos tinham da leitura do texto literário. A visão negativa

construída pelos alunos sobre a experiência de leitura do texto literário como algo

desinteressante, passou a ser uma visão positiva na qual eles destacaram como sendo uma

experiência de leitura: ótima, emocionante, chocante, interessante e surpreendente.

Espera-se, finalmente, que essas estratégias de leitura contribuam e tragam aos

professores de Língua Portuguesa um exemplo de construção e de conquista, um caminho

para um trabalho docente mais produtivo, que demonstrou ser possível levar o aluno a ler,

com prazer, o texto literário e seu diálogo com as outras linguagens midiáticas e artísticas.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 231

GÊNEROS TEXTUAIS EM AMBIENTES VIRTUAIS DE

APRENDIZAGEM

INTERAÇÕES PROFESSOR-ALUNO E ALUNO-ALUNO EM AMBIENTES VIRTUAIS DE

APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Solange Marques Avino1

Introdução

As novas tecnologias proporcionaram a humanidade novas formas de interação. Para

Leffa (2001), a sociedade globalizada atual faz com que os homens, como participantes na

sociedade de seu tempo, interajam uns com os outros, independentemente de sua localização,

que seja no mesmo país ou em outros lugares do mundo. Mas para que isso ocorra, é preciso

adquirir conhecimentos e maneiras mais rápidas e mais precisas de se comunicar. Cada vez

mais o predomínio da voz e gestos de comunicação vem dando lugar à Internet e suas

ferramentas de interação, como por exemplo a mensagem instantânea (WhatsApp), a

mensagem de texto de redes sociais (Messenger) e mensagens textos de telefones celulares.

Ainda, no campo profissional, podemos fazer uso de vídeo conferências e conferências através

de ligações telefônicas (conference calls). No tocante à educação, muito se progrediu para que

o conhecimento pudesse atingir os seres humanos em lugares diversos: regiões distantes na

mesma cidade, no mesmo país ou em lugares diferentes no mundo. Todas essas

possibilidades, que descartam a interação presencial entre as partes, vão ao encontro do que

hoje a sociedade moderna precisa: economia de tempo, uma vez que, no que diz respeito às

interações sociais, muitas vezes famílias se separam por morar em lugares distantes, amigos

mudam para outros países e outras situações que impossibilitam o contato no dia a dia, quer

pelas longas horas na jornada de trabalho, quer pelo deslocamento moroso e trânsito intenso.

Quando pensamos em educação, essas limitações tornam difícil para que uma pessoa faça

cursos de especialização em sua área de atuação profissional, ou faça uma graduação em áreas

de interesse. Se a comunicação já havia se tornado mais eficiente com as ferramentas acima

mencionadas, as novas plataformas virtuais de aprendizagem se tornaram um alento na

realidade caótica dos tempos modernos. Estamos falando de educação a distância (distant

education). Dentro da gama de possibilidade que a educação a distância oferece, uma

ferramenta em particular vem sendo utilizada por várias instituições de ensino, o ambiente

1 Aluna do Programa de Mestrado em Linguística Aplicada da Universidade UNICSUL, sob orientação da Profª Dra. Ana

Elvira Luciano Gebara. E.mail [email protected].

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 232

virtual de aprendizagem (AVA). A partir dele, as interações professor-aluno e aluno-aluno se

tornaram mais rápidas, e efetivas.

Se levarmos em consideração que qualquer tipo de troca comunicativa se dá através de

gêneros e esses através de textos, escritos e falados (MARCUSCHI, 1999), acreditamos ser

importante definirmos gêneros textuais criados a partir da rede mundial, Internet, como

forma de situar a nossa pesquisa. Depois disso, pretendemos refletir sobre a contribuição que

esses gêneros trouxeram para a educação em plataformas virtuais, a educação a distância

(EAD). Através de pesquisa bibliográfica, procuraremos com este trabalho responder às

seguintes indagações: quais são os gêneros textuais criados com a Internet que são comuns na

educação a distância e utilizados em ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs)? E dentre

eles, quais gêneros textuais são considerados de fácil utilização a promover as interações

professor-alunos e alunos-alunos? Trabalharemos com os conceitos de Marcuschi, em vários

de seus estudos e ao longo de vários anos, além dele, Leffa (2001) e Moran (2005), entre

outros que farão parte do nosso eixo de fundamentação teórica.

Fundamentação teórica

Gêneros textuais de acordo com o autor com o qual baseamos a nossa pesquisa,

Marcuschi (2010, p. 19) são “entidades sociodiscursivas e formas de ação social

incontornáveis de qualquer situação comunicativa”. Para ele, toda forma de expressão

comunicativa do ser humano, dentro da sociedade a qual pertence, levando-se em

consideração contextos social e histórico, ocorre na forma de gêneros. Por pertencerem a um

determinado tempo histórico e ir ao encontro das necessidades da comunidade em qual se

inserem, eles podem desaparecer ou novos gêneros podem ser criados.

Sendo assim, ao pensarmos na transformação tecnológica que a sociedade moderna vem

passando desde o advento da rede mundial, internet, podemos entender como a criação de

novos gêneros textuais ligados a tecnologia são importantes para a comunicação, oral e

escrita. Para Marcuschi:

Se tomarmos o gênero como texto concreto, situado histórica e socialmente, culturalmente sensível, recorrente, “relativamente estável” do ponto de vista estilístico e composicional, segundo a visão bakhtiniana, servindo como instrumento comunicativo com propósitos específicos como forma de ação social, é fácil perceber que um novo meio tecnológico, na medida em que interfere nessas condições, deve também interferir na natureza do gênero produzido. (MARCUSCHI, 2010, p. 20).

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 233

A rede mundial, Internet, fez surgir novas maneiras de se considerar o texto, antes

apenas visto no papel. Uma delas ocorre em ambiente virtual, e não se dá através de interação

com textos escritos, mas no meio visual e auditivo. Em um ambiente virtual, é possível criar

novos sentidos com ferramentas multimodais, que usam palavras, imagens e sons, dentro de

um mesmo espaço.

Marcuschi afirma a esse respeito:

Tal como observa Bolter (1991), a introdução da escrita conduziu a uma cultura letrada nos ambientes em que a escrita floresceu. Tudo indica que hoje, de igual modo, a introdução da escrita eletrônica, pela sua importância, está conduzindo a uma cultura eletrônica, como uma nova economia da escrita. Basta observar a quantidade de expressões surgidas nos últimos tempos com o prefixo “e”. Pode-se resumir esse aspecto numa expressão que está se tornando usual para designar o fenômeno, isto é, “letramento digital”. Segundo Yates (2000:233), com as novas tecnologias digitais, vem-se dando uma espécie de “radicalização do uso da escrita” e nossa sociedade parece tornar-se “textualizada”. (MARCUSCHI, 2010, p.17).

Porém, é importante mencionar que todo o desenvolvimento que acompanhamos com

a internet, nem sempre significa que novos gêneros textuais são criados ao longo do tempo,

alguns deles possuem um caráter de “renovação”, advindos de um gênero já conhecido.

Podemos entender isso se pensarmos que até algumas décadas atrás, a carta era o meio de

trocar mensagens com pessoas que estivessem localizadas em lugares distantes ou remotos.

Hoje, praticamente não há uma pessoa que envie uma carta a um amigo, a maneira mais

rápida, econômica e certa de se chegar ao destino são os e-mails. Marcuschi (2004) formula:

Como os gêneros são históricos e muitas vezes estão ligados às tecnologias, elas permitem que surjam novidades nesse campo, mas são novidades com algum gosto do conhecido. Observem-se as respectivas tecnologias e alguns de seus gêneros: telegrama; telefonema; entrevista televisiva; entrevista radiofônica; roteiro cinematográfico e muitos outros que foram surgindo com tecnologias específicas. Neste sentido é claro que a tecnologia da computação, por oferecer uma nova perspectiva de uso da escrita num meio eletrônico muito maleável, traz mais possibilidades de inovação. (MARCUSCHI, 2004, p 5).

A título de exemplificação, abaixo apresentamos uma tabela criada pelo autor:

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 234

GÊNEROS TEXTUAIS EMERGENTES NA MÍDIA VIRTUAL SUAS CONTRAPARTES EM GÊNEROS PRÉ-EXISTENTES

Gêneros emergentes Gêneros já existentes

1 E-mail Carta pessoal // bilhete // correio

2 Bate-papo virtual em aberto Conversações (em grupos abertos?)

3. Bate papo virtual reservado Conversações duais (casuais)

4 Bate-papo ICQ (agendado) Encontros pessoais (agendados?)

5 Bate-papo virtual em salas privadas Conversações (fechadas?)

6 Entrevista com convidado Entrevista com pessoa convidada

7 Aula virtual Aulas presenciais

8 Bate-papo educacional (Aula participativa e interativa???)

9 Vídeo conferência Reunião de grupo/ conferência / debate

10 Lista de discussão Circulares/ séries de circulares (???)

11 Endereço eletrônico Endereço postal

Fonte: Gêneros Textuais Emergentes no Contexto da Tecnologia Digital (MARCUSCHI, 2004, p 15)

O que o autor coloca como incontestável é que todos os gêneros ligados à rede mundial,

internet, baseiam-se na escrita. Como ela mudou com as novas tecnologias, e o que ela

agregou à sociedade moderna, analisada por uma perspectiva histórica, também tem a ver

com o foco de nossa pesquisa, as novas formas de se ver a educação, em plataformas virtuais.

Os avanços tecnológicos não trouxeram apenas essa nova forma de se encarar a prática

escrita. A internet também possibilitou novas formas de se ver o ensino. Uma delas é

conhecida como Educação a Distância (Ead), que permite que qualquer pessoa, que tenha

algum tipo de interface digital, como um computador, um tablet ou mesmo um smartphone,

ter aulas em salas de aulas virtuais, interagindo com um professor (de forma síncrona ou

assíncrona) e com seus colegas de curso. Santos (2010), em artigo, diz:

Cada vez mais sujeitos e grupos-sujeito, empresas, organizações, enfim, espaços multirreferenciais de aprendizagem vêm lançando mão desse conceito e promovendo a difusão cultural de suas ideias, potencializando a democratização da informação, da comunicação e da aprendizagem entre indivíduos geograficamente dispersos seja como elemento potencializador da educação presencial e ou da educação a distância (SANTOS, 2010 p. 6).

Para Moran, Educação a distância pode ser definida como:

[...] processo de ensino-aprendizagem, mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente. É ensino/aprendizagem onde professores e alunos não estão normalmente

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 235

juntos, fisicamente, mas podem estar conectados, interligados por tecnologias, principalmente as telemáticas, como a Internet. Mas também podem ser utilizados o correio, o rádio, a televisão, o vídeo, o CD-ROM, o telefone, o fax e tecnologias semelhantes (MORAN, 2008, p. 1).

Na EaD, as ferramentas tecnológicas desenvolvidas auxiliam no processo de ensino-

aprendizagem, tornando possível a interação entre professor e aluno e entre alunos, que até

então se dava de forma presencial, como nos moldes que as sociedades letradas sempre

adotaram. Entendermos essa nova forma de educar como resultado de um avanço tecnológico

de grandes proporções alcançado pelo homem. A EaD pode ser considerada uma maneira de

inclusão geográfica e social, uma vez que qualquer pessoa, em praticamente qualquer lugar do

mundo, pode ter acesso a esse tipo de educação.

O caráter não presencial desse tipo de aprendizagem, onde os autores envolvidos no

processo de ensino e aprendizagem não compartilham um mesmo espaço físico, é apenas uma

das características inerentes à EaD. Keegan (1996), aponta outras:

- A influência de uma organização educacional, tanto na planificação e preparação dos materiais, como no estabelecimento de serviços de apoio ao aluno (esta característica distingue-a do auto estudo e das tutorias individuais);

- O uso de meios tecnológicos como – materiais impressos, áudio, vídeo e computador – para unir professor e alunos e distribuir os conteúdos do curso;

- O estabelecimento de uma comunicação bidirecional.

(KEEGAN, 1996, p. 50).

Entre as várias possibilidades de ensino à distância, como aulas por e-mail ou chats

educacionais, há também, e cada vez mais utilizados os ambientes virtuais de aprendizagem

(AVAs).

Segundo Ribeiro; Mendonça; Mendonça (2007 p.4), os AVAs:

[...] fornecem aos participantes, ferramentas a serem utilizadas durante um curso, para facilitar o compartilhamento de materiais de estudo, manter discussões, coletar e revisar tarefas, registrar notas, promover a interação entre outras funcionalidades. Eles contribuem para o melhor aproveitamento da educação e aprendizagem na EAD, pois oferece diversos recursos para a realização das aulas e interações entre professores e alunos (RIBEIRO; MENDONÇA; MENDONÇA 2007 p.4).

Os AVAs são plataformas educacionais via internet utilizados por várias instituições de

ensino e empresas privadas que permitem não somente o desenvolvimento de uma disciplina

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ou curso em ambiente online, mas através de seus inúmeros recursos, a interação entre

alunos e entre professor e alunos. Essas plataformas auxiliam no encurtamento de distância

entre os participantes, imprimindo ao que antes era considerado uma educação solitária, a

possibilidade de interação. É muito importante propiciar aos alunos nesses ambientes canais

de comunicação com os seus professores e com seus pares, uma vez que o contato presencial,

que sempre foi sincrônico, não mais existir. Sendo assim, fez-se necessário o desenvolvimento

de interfaces de comunicação que suprissem essa prática que remota de tempos antigos: a

educação presencial, dentro de sala de aula e com contato constante do professor auxiliando

os alunos. Na plataforma virtual existem dois tipos de contato: o síncrono, que ocorre em

tempo real, como videoconferences e chats, e o assíncrono, que não ocorre em tempo real,

fóruns de discussão, por exemplo. Neste último, no que diz respeito ao contato com o

professor, o aluno posta suas perguntas e o professor as responde tão logo as visualize e possa

fazê-lo. O material didático é disponibilizado para o aluno em links como “Material de “Aulas”,

as instruções são fornecidas e alimentadas periodicamente, com publicações feitas pelo

professor, com o cronograma de atividades elaborado no início do semestre letivo e os fóruns

de contatos utilizados como canais de feedback. Já o contato entre alunos, esse também é feito

através de fóruns. Além das possibilidades de interação, os AVAs trazem a característica

multimodal tão importante para a nova era digital: nesses ambientes podem ser encontrados

vários recursos importantes para o ensino-aprendizado, como vídeos, áudios, figuras e outros

recursos, temos então o hipertexto que em ambientes virtuais trazem para seus usuários a

multimodalidade em diversas formas de interação e aprendizagem, que é construída através

de todo o acervo e recursos disponibilizados ao aluno. Marcuschi e Xavier (2010) afirmam:

O texto hipermodal, ao relacionar dentro de uma estrutura hipertextual unidades de informação de natureza diversa (texto verbal, som, imagem), gera uma nova realidade comunicativa que ultrapassa as possibilidades interpretativas dos gêneros multimodais tradicionais. (...). (MARCUSCHI E XAVIER, 2010 p. 180).

Na próxima seção, analisaremos dois ambientes virtuais de aprendizagem, quanto aos

gêneros textuais utilizados para a interação professor-alunos. Para iniciar, faremos uma breve

definição dos dois ambientes.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 237

Ferramentas de Interação Professor-Aluno e Aluno-Aluno dentro de Ambientes Virtuais de

Aprendizagem (Ava) – Teleduc e Moodle

O TelEduc e o Moodle são ambientes virtuais de aprendizagem desenvolvidos para a

educação a distância, e com enfoque pedagógico, baseado em contextualização de

conhecimento de forma construída, em que o aluno aprende através da colaboração e

compartilhamento do conhecimento. O aluno pode explorar o conteúdo continuamente ao

longo do curso, e o professor-tutor disponibiliza esse material em forma de arquivo ou em

páginas de hipertexto.

Acreditamos ser importante mencionar que todas essas novas tecnologias e criações

vindas delas, como os AVAs abaixo, continuam fazendo uso da escrita, e suas múltiplas formas

de expressão, para as interações humanas. Vemos nisso um exemplo de como os gêneros

textuais, como colocado anteriormente, são parte integrantes de qualquer sociedade, em

qualquer momento histórico.

Ambiente Virtual de Aprendizagem Modular Object Oriented Distance Learning (Moodle)

O Moodle agrega várias tecnologias encontras na Web, que possibilitam a comunicação,

disponibilização de materiais e administração do curso. O material e as informações são

dispostos em vários links, de fácil acesso, sendo possível a interação síncrona e assíncrona

entre seus participantes. Ele foi desenvolvido pelo australiano Martin Dougiamas em 1999,

formado em Ciências da Computação com Mestrado e Doutorado em Educação focalizados na

área de conhecimento sobre a natureza da aprendizagem e colaboração.

Ribeiro e Mendonça (2007) definem o Moodle como:

O AVA Modular Object Oriented Distance Learning (Moodle) é uma plataforma, Open Source, ou seja, pode ser instalado, utilizado, modificado e mesmo distribuído. Seu desenvolvimento objetiva o gerenciamento de aprendizado e de trabalho colaborativo em ambiente virtual, permitindo a criação e administração de cursos on-line, grupos de trabalho e comunidades de aprendizagem. (RIBEIRO E MENDONÇA, 2007, p.5).

Encontram-se nesse ambiente quatro tipos de usuários: o administrador (administra o

ambiente), o professor autor (responsável pelo funcionamento dos cursos), o professor-tutor

(responsável pelo acompanhamento dos alunos, resposta às questões, inserção de material e

correção de atividades) e o aluno (o aprendiz). No tocante à interação entre professor-aluno,

a Plataforma Moodle possui grande interatividade (MOODLE DOCS, 2010), como os fóruns,

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chats, wikis e glossários. Para discussões assincrônicas, ela oferece os fóruns, com perguntas e

respostas, discussões únicas ou gerais. Ao traçarmos um paralelo entre gêneros emergentes e

de onde eles se originam, constatamos que os fóruns se originam das cartas e bilhetes, uma

vez que as pessoas escrevem a sua mensagem, no caso perguntas, e esperam pelas respostas

também escritas, que não são sincrônicas. Já os chats, que possibilitam uma interação

sincrônica, têm sua origem em conversas ao telefone. Neste caso, podemos dizer que esse

gênero possui um caráter híbrido: apesar da interação se dar por escrito, a oralidade se faz

presente, no caráter muitas vezes informal da maneira como os integrantes escrevem as suas

mensagens, como se os participantes estivessem conversando pessoalmente, as

webconferences, também muito comuns em plataformas AVAs, têm a sua contrapartida em

dois gêneros: a conversa ao telefone e as aulas presenciais uma vez que os seus usuários

podem escolher usar esses dois recursos ou apenas conversar. O mesmo recurso que os chats

possuem de se escrever as perguntas ou as mensagens, as videoconferences também

oferecem, ou seja, também nesse gênero é possível ver a oralidade e escrita juntas, uma vez

que as dúvidas dos alunos e as respostas do professor pode ser dada oralmente ou através de

mensagens escritas. Muitas vezes a opção adotada é a utilização da câmera e microfones, e

algumas vezes apenas a interação escrita. Quanto aos trabalhos desenvolvidos pelos alunos, o

professor pode classificá-los e comentá-los, e com os wikis, as construções de textos tornam-

se possíveis. Podemos dizer que esse gênero, wiki, é oriundo do gênero artigo de jornal ou

revista: o que o aluno produz é salvo em um arquivo e depois anexado ao sistema.

Dependendo do objetivo, também pode ser compartilhado, assim como acontece com artigos

em geral, na esfera jornalística.

No que diz respeito à interação professor-aluno, os fóruns, como o Fale com o

Professor, são comuns e muito usados. Eles possibilitam ao aluno resolver problemas de

sistema e conteúdo através de perguntas postadas na plataforma. Por ser um tipo de

comunicação assíncrona, em geral o professor-tutor tem até 48 horas para responde-las.

Outra forma de interação são as videoconferências agendadas. Ao professor é dada a

possibilidade de agendar encontros com todas as suas turmas online, se assim o quiser, em

horário pré-determinado. Essa interação é síncrona, ou seja, em tempo real, e funciona como

uma sala de aula, só que virtual: os alunos podem ver e ouvir o professor e escrever suas

perguntas (como um chat). Após a sessão, a gravação é feita e disponibilizada na plataforma

depois de algumas horas, permitindo que os alunos que não participaram tenho acesso ao seu

conteúdo. Essas duas formas de comunicação são bem comuns a esse tipo de ambiente. Já

para a interação aluno-aluno, é disponibilizado fóruns, como Interação de Grupos (onde os

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 239

alunos após constituir grupos de trabalho podem trocar arquivos e realizar as suas tarefas), e

outros como Apresentação Individual (onde os alunos interagem entre si para a formação de

grupos de trabalho). Passemos agora para o nosso segundo exemplo: TelEduc.

Ambiente Virtual de Aprendizagem TelEduc

Essa plataforma começou a ser desenvolvida em 1997, e tem como origem uma

proposta de dissertação de mestrado do Instituto de Computação da Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP). Pesquisadores do Instituto de Computação da Unicamp e do Núcleo de

Informática Aplicada à Educação (NIED) o desenvolveram. Pela sua idealização, todas as suas

ferramentas foram projetadas e aperfeiçoadas para atender às necessidades de seus usuários.

Ele é utilizado por universidades públicas e privadas, além de empresas, uma vez que essa

ferramenta possibilita a qualificação de seus usuários pela simplicidade no seu manuseio e

seus recursos, tão abrangentes quanto o Moodle. Seus usuários são: o administrador

(administra o ambiente), o formador (produz as atividades que serão disponibilizadas nas

aulas), o coordenador (responsável pelo curso criado pelo administrador) e os alunos

(usuários finais). Os elementos centrais que o caracterizam são agendas, avaliações, grupos,

material de apoio, perguntas frequentes, além das ferramentas de comunicação que

possibilitam a comunicação síncrona e assíncrona entre os participantes de um curso: bate-

papo, correio, diário de bordo, fórum de discussão, mural, perfil e portfólio.

O gênero textual bate-papo, assim como os chats, são formas de interação escrita com

características de conversa ao telefone, novamente a oralidade se faz presente em um gênero

textual virtual. O correio e o mural, que se assemelham aos e-mails, também podem ser

considerados formas de comunicação híbridas: apesar de escritas, a oralidade está presente

na informalidade com que as mensagens são elaboradas. O diário de bordo e portfólio, como

as wikis são gêneros textuais oriundos de reportagens de jornal ou artigos de revistas: a

construção de ideias se dá de forma gradativa, e há a possibilidade da produção ser lida por

outros integrantes dessa comunidade virtual. Os recursos que são comuns aos formadores e

alunos são: estrutura e dinâmica do curso, agenda, avaliação, atividades, material de apoio,

leituras, perguntas frequentes, mural, fóruns e discussões e bate-papo. O que se torna claro

com as características acima, que os gêneros textuais neste ambiente virtual de aprendizado

são os mesmos que os descritos em 3.1 Moodle, apenas os nomes diferem.

Para Gomes e Gomes (2004), os cursos criados nesse ambiente possuem as seguintes

características:

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 240

Um curso criado no ambiente TelEduc é elaborado em torno de um conjunto de atividades sugeridas pelo professor, denominado “formador”. O ambiente fornece aos alunos um conjunto de ferramentas, nas quais é disponibilizado um conjunto de informações relacionadas à temática do curso. Além disso, o ambiente fornece recursos de comunicação que visam possibilitar o acompanhamento do processo de aprendizagem do aluno, permitindo um contato constante entre os participantes. (GOMES; GOMES, 2004, p. 90).

No que diz respeito a interação professor-alunos, TelEdu possui vários recursos, de

caráter síncrono e assíncrono, com características semelhantes às apresentadas no subitem

3.1 acima. São eles: discussões online: promovem a discussão de temas específicos; fórum:

discussão assíncrona realizada por meio da ferramenta Fórum de Discussões; seminários

virtuais: assemelha-se ao fórum, mas nesse caso um ou dois grupos ficam responsáveis por

propor as questões a serem discutidas, conduzir as discussões do fórum, fazer uma análise e

avaliar a participação dos colegas e bate-papo: nessa modalidade, os participantes podem

interagir sincronicamente sobre assuntos pertinentes ao curso.

De forma semelhante ao que foi descrito no subitem anterior, os gêneros encontrados

nesta plataforma virtual também possuem contrapartida em gêneros já existentes: fóruns e

discussão online fazem uso da escrita, mas possuem uma oralidade na forma de interação, na

maneira como os alunos interagem e interagem com o professor. Os seminários virtuais, que

podem ser descritos como aulas virtuais, uma vez que há um assunto, explicação e interação

aluno-aluno e aluno- professor, originam-se das aulas presenciais e possuem em sua essência

o hibridismo da linguagem escrita, com os trabalhos desenvolvidos e a oralidade, uma vez que

a linguagem não possui a formalidade comum em trabalhos dessa natureza que se encontra

em aulas presenciais,

Pudemos constatar que os gêneros textuais em ambos AVAs são oriundos de gêneros já

existentes, e em vários casos, em graus variados, possuem caráter hibrido, o que reitera que a

escrita e a oralidade juntas tornaram-se comum na educação dentro dessa nova proposta de

ensino e aprendizagem: ambientes online.

Considerações finais

Procuramos com este artigo analisar a visão de Marcuschi (1999, 2004 e 2010), sobre

os novos gêneros textuais, que têm sua origem na rede mundial, internet. Constatamos que

esses gêneros textuais possuem semelhanças com vários gêneros pré-existentes, muito

utilizados pelo homem, em vários períodos históricos de sua existência (página 3). Com este

trabalho, constamos que a importância da escrita para a comunicação segue inalterada:

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 241

mesmo com as novas mídias e plataformas, o texto e suas formas múltiplas de ocorrência

ainda representam a maneira com a qual o homem interage.

A rede social também possibilitou o surgimento de novas formas de aquisição de

conhecimento, como a educação a distância, que faz uso de alguns dos novos gêneros textuais

oriundos dessa nova era digital, como e-mails educacionais (interação com número limitado

de alunos tanto no formato e-mail ou de arquivos textuais), aula-chat (interações síncronas

com finalidade educacional) ou videoconferência interativa (que proporciona aos usuários se

verem e interagirem virtualmente em tempo real). Essa prática depende de recursos

tecnológicos como uma boa conexão e um computador que possua memória e recursos

razoáveis, mas é inegável os benefícios que ela representa: hoje há muitas instituições

educacionais e empresas privadas que fazem uso da EAD. No tocante aos ambientes virtuais

de aprendizagem (AVAs), os mesmos gêneros são encontrados. As plataformas analisadas

neste trabalho, Telduc e Moodle, possuem recursos avançados que capacitam os seus

usuários a interagir de maneira plena, sem limitações. Essas informações levantadas

contribuíram para que pudéssemos responder os nossos questionamentos: os gêneros

textuais encontrados na educação a distância e em ambientes virtuais são alguns dos

emergentes nessa nova era tecnológica pela qual o homem passa: chats educacionais, aulas

online, fóruns específicos, videoconferências, enfim, há uma gama de possibilidades de

interação e de usufruto dessas ferramentas para a aquisição de conhecimento, que faz com

que, o que antes era considerado um aprendizado solitário, hoje aproxima-se cada vez mais

das aulas presenciais em espaços físicos, tão comumente utilizados ao longo da trajetória

humana. De forma gradativa, vemos que a educação online e sias ramificações, conseguem

suprir as necessidades humanas, uma vez que a tecnologia avança tornando os equipamentos

mais acessíveis e mais modernos, com alcance ainda maior. Acreditamos que essa realidade

irá tornar-se muito próxima do modelo ideal de ensino aprendizagem, por possibilitar ao

homem acessar um curso ou um treinamento de qualquer lugar e a seu tempo próprio. Os

gêneros textuais que vieram na esteira desse desenvolvimento são cada vez mais utilizados. O

ser humano, em toda a sua complexidade, sempre se vê às voltas com a sua evolução: essa é

mais uma delas. E com ela, entendemos que a escrita, há muito tempo criada, não parece estar

destinada ao ostracismo: só se modifica e evolui.

Com a finalidade a que nos propusemos, acreditamos que esta pesquisa foi válida e

trouxe um pouco mais de informações sobre a importância dos gêneros textuais, aqui

chamados de emergentes, em contextos educacionais e nos ambientes virtuais de

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 242

aprendizagem, além de demonstrar, como outras pesquisas possíveis de serem encontradas

em sites de busca, que esses novos modelos de aquisição de conhecimento agregam muito a

sociedade, uma vez que produzem a inclusão geográfica e social, e possibilitam o a realização

de planos pessoas e profissionais.

Referências

GOMES, A. V.; GOMES, A. S. Uma abordagem Centrada no Usuário para Ferramentas de

Suporte a Atividades Docentes em Ambientes de Educação a Distância. In: GCETE’2005, 2005,

Santos. Anais do GCETE’2005. Santos, 2005.

KEEGAN, Desmond. Foundations of distance education. Psychology Press, 1996.

LEFFA, Vilson. J. A linguística aplicada e seu compromisso com a sociedade. Trabalho

apresentado no VI Congresso Brasileiro de Linguística Aplicada. Belo Horizonte: UFMG, 7-11

de outubro de 2001. Disponível em

http://www.leffa.pro.br/textos/trabalhos/la_sociedade.pdf

MARCUSCHI, L. A. Linearização, cognição e referência: o desafio do hipertexto. In: Línguas e

Instrumentos Lingüísticos. n. 3 Campinas: Editora Pontes, 1999.

______. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In MARCUSCHI, L. A. &

XAVIER, A. C. (Orgs.) Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2004.

______; XAVIER, A. C. Hipertexto e gêneros digitais. São Paulo: Cortez, 2004.

______ . Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P., MACHADO, A. R.,

M.BEZERRA, M. A. (Orgs.). Gêneros textuais e ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2010.

MORAN, J. M. A educação superior a distância no Brasil. [online]. Disponível na URL:

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______. J. M. O que é educação a distância. [online]. Disponível na URL:

<http://www.eca.usp.br/prof/moran/dist.htm>. 2008, p. 1. Acesso em 13 abril de 2016.

RIBEIRO, E. N., MENDONÇA, G. A., MENDONÇA, A. F. A importância dos ambientes virtuais de

aprendizagem na busca de novos domínios da EAD. In: Congresso da Associação Brasileira de

Educação a Distância, Goiás. Disponível em:

http://www.abed.org.br/congresso2007/tc/4162007104526am. pdf. 2007. Acesso em 9 de

maio de 2016.

SANTOS, E. Educação online para além da EAD: um fenômeno da cibercultura. In: SILVA, M.,

PESCE, L.; ZUIN, A. Educação Online: cenário, formação e questões didático metodológicas. Rio

de Janeiro: Wak, 2010.

TELEDUC – Educação a distância. Disponível em: <http://teleduc.nied.unicamp.br/teleduc/>.

Acesso em 9 de maio de 2016.

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 243

MINIBIOS

Alana Misael Santos - Graduanda do Curso de Letras-Português/Espanhol da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP); bolsista de

Iniciação Científica do PROCAD. E-mail: [email protected]

Alciene Carvalho Silva - Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Letras com ênfase em

Estudos Linguísticos, na linha de pesquisa Linguagem em Novos Contextos, na Universidade

Federal de São Paulo (EFLCH-UNIFESP). Possui graduação em Letras com habilitação em

Português (bacharelado/licenciatura), pela mesma instituição. E-mail:

[email protected]

Alexandre Duarte Gomes - Atualmente é professor II – Secretaria Municipal de Educação de

Recife e Secretaria Estadual de Educação. Tem experiência na área de ensino, com ênfase em

Português. E-mail: [email protected]

Ana Lúcia Tinoco Cabral - Possui graduação em Língua e Literatura Portuguesas pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (1980), mestrado em Língua Portuguesa pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (2000) e doutorado em Língua Portuguesa pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (2005). Realizou pesquisa de pós-doutoramento na École

des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em Paris, França. Atualmente é pesquisadora

colaboradora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pesquisadora e professora do

mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul. Foi professora de redação jurídica

na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e na Faculdade Autônoma de

Direito de São Paulo (FADISP). Tem experiência na área de Linguística com ênfase em leitura

e escrita. O quadro teórico que dá suporte às suas pesquisas insere-se área da Linguística

Textual; dedica-se principalmente aos seguintes temas: linguagem argumentativa, interação

verbal escrita, linguagem jurídica, polidez linguística e uso da linguagem em práticas

educativas a distância. E-mail: [email protected]

Ana Maria de Fátima Leme Tarini - Doutoranda do curso de pós-graduação em Letras,

UNIOESTE (campus de Cascavel), turma 2014-2018. Possui Mestrado em Letras - Linguagem

e Sociedade pela UNIOESTE (2007) e Graduação em Letras Português/inglês também pela

UNIOESTE (1996). Atuou como professora do quadro próprio do magistério - Núcleo Regional

de Educação / Foz do Iguaçu até abril/2015. Atualmente é docente EBTT do Instituto Federal

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 244

do Paraná (IFPR), campus Pinhais. Tem experiência na área de Letras (Linguística Aplicada e

Análise de Discurso) com os seguintes temas: formação de professores, identidade(s),

matrimônio, representação social, discursos do MST, discurso feminino. Atualmente pesquisa

discursos a respeito da violência sexual. E-mail: [email protected]

Anagilda Siqueira Sobral Cordeiro - Licenciatura Plena em Letras com habilitação em Língua

Portuguesa e Inglesa pelo Centro Universitário Fundação Santo André em 2003. Pós-graduação lato-

sensu em Docência no Ensino Superior pelo SENAC - Santo André. Atua na área de docência desde

2000 nos ensinos fundamental II, médio e educação de jovens e adultos em instituições públicas e na

rede escolar SESI-SP. Desde 2013, exerce a função de Analista Técnico Educacional na rede de ensino

SESI-SP. e-mail – [email protected]

Antônio Carlos Santana de Souza - Pós-Doutor em Linguística pela UNEMAT (2016). Doutor

em Letras pela UFGRS (2015). Mestrado em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade

de São Paulo (2000). Possui graduação - Bacharelado e Licenciatura em Letras

(Português/Hebraico e Respectivas Literaturas) pela Universidade de São Paulo (1998).

Atualmente é pesquisador do GELA do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia,

Letras e Ciências Humanas - USP e do Alma Linguae: Variação e Contatos de Línguas

Minoritárias do Instituto de Letras da UFRGS. Professor Adjunto da Universidade Estadual de

Mato Grosso do Sul. Docente Permanente do Programa de Pós-graduação (Mestrado

Acadêmico em Letras e PROFLETRAS) da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

(UEMS). Docente Colaborador no Programa de Pós-graduação em Linguística da

UNEMAT/Cáceres. Docente Colaborador Programa de Pós-graduação em Letras da UNEMAT-

Sinop. Líder do Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguístico, Dialetológicos e Discursivos do

CNPq (NUPESDD-UEMS) e do Laboratório Sociolinguístico de Línguas Não-Indo-europeias e

Multilinguismo do CNPq (LALIMU). Avaliador de Cursos do INEP/MEC. É o Editor-chefe da

Web- Revista SOCIODIALETO (ISSN 2178-1486, www.sociodialeto.com.br, Qualis B2) desde

2010. Membro do Conselho Editorial da Web-Revista DISCURSIVIDADE Estudos Linguísticos

(QUALIS). Membro da Comissão Editorial da Revista transdisciplinar de Letras, Educação e

Cultura da UNIGRAN - InterLetras (QUALIS). Experiência na área de Linguística, com ênfase

em Sociolinguística e Dialetologia, atuando principalmente nos seguintes temas: português

falado; contatos linguísticos; linguística geral e diversidade sócio-cultural.E-mail:

[email protected]

Cristiane Schmidt - Doutora em Letras pela UNIOESTE (2016). Mestre em Educação pela

UFRGS (2008). Graduação em Licenciatura em Letras Português / Alemão pela UNISINOS

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 245

(1996). Tem experiência na área de Letras, Língua Portuguesa; Língua Alemã e Educação

Gerontológica. Membro do Grupo de Pesquisa Linguagem, Cultura e Ensino, do Programa de

Pós-Graduação em Letras/ UNIOESTE; do Grupo de Pesquisa e Estudos Sociolinguístico e

Dialetológico-UEMS/CG; e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Formação de

Professores/GEPEFOP/UNIOESTE. Desenvolve pesquisa sobre livro didático no ensino de

línguas. E-mail: [email protected]

Daniel Carvalho de Almeida - Possui graduação em Letras pela Universidade São Marcos,

especialização em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e

Mestrado em Letras pela Universidade São Paulo. Atualmente é professor na Rede Pública

Municipal de São Paulo. E-mail: [email protected]

Dóris de Arruda Carneiro da Cunha - É professora titular da Universidade Federal de

Pernambuco (aposentada), professora da Universidade Católica de Pernambuco e

Pesquisadora do CNPq, atuando nos Programas de Pós-Graduação das duas universidades.

Possui licenciatura em Letras (português e francês) pela Universidade Federal de

Pernambuco (1983), DEA en Linguistique - Université de Paris V (Rene Descartes) (1986),

doutorado em Ciências da Linguagem - Université Paris Descartes (1990), e pós-doutorado na

Université de Paris III - Sorbonne Nouvelle e na PUC-SP (2009-2010). Fez estágio de

desenvolvimento de projeto de pesquisa supervisionado por Frédéric François (2014), da

Université Paris Descarte (Paris V). Tem experiência na área de Linguística, com ênfase na

Teoria Dialógica do Discurso, pesquisando e orientando dissertações e teses nos seguintes

temas: teoria dialógica, discurso da mídia, ponto de vista, discurso reportado e tradução,

gênero discursivo, questões relacionadas ao ensino de língua portuguesa. É coordenadora da

equipe da UFPE, no projeto Representação do Discurso Outro e discursividade escrita: estudo

comparativo em francês, espanhol e português brasileiro, em cooperação com a Université

Sorbonne-Nouvelle, Paris 3, no Programa Capes-Cofecub; coordenadora do GT da ANPOLL

Estudos Bakhtinianos (biênio 2014-2016); coordenadora do projeto Escola de Altos Estudos

da Capes O plano linguageiro do dizer com Jacqueline Authier-Revuz (2015); líder do

GP/CNPQ/UFPE Núcleo de Estudos Dialógicos e Discursivos, membro/pesquisador do

GP/CNPq/PUC-SP Linguagem, Identidade e Memória

http://www.linguagemememoria.com.br/home.php). Faz parte também do Ci-Dit, Groupe

international et interdisciplinaire de recherche sur le discours rapporté (www.ci-dit.com),

que reúne especialistas sobre a circulação dos discursos. É autora do livro? Discours rapporté

et circulation de la parole?, publicado pela Editora Peeters e Louvain-la-Neuve e de artigos e

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 246

capítulos de livros publicados em periódicos, anais de congressos e livros nacionais e

internacionais. Foi coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE (2002-

2003), Diretora de Pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPE (2003-

2008) membro da Comissão de estudo das bolsas de mestrado e doutorado no país do CNPq

(2003-2006); membro da Comissão de Consultores Científicos da área de Letras e Linguística

da CAPES para avaliação dos Programas de PG nos triênios 2004-2006 e 2007-2009; e para

avaliação de novos cursos 2004-2008. E-mail: [email protected]

Fábio Luiz Villani - Possui graduação em Letras pela Universidade Cidade de São Paulo (1985),

Pedagogia (1988), Mestrado (2003), Doutorado (2007) e Pós Doutorado (2010) em

Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo. Pesquisador da área de ensino aprendizagem de língua inglesa (idosos, jovens e

crianças) e das crenças dos professores da educação básica na rede pública de São Paulo. Atua

como professor do curso de Formação Docente Universitária em nível lato sensu e em outros

cursos de pós graduação da Faccamp - SP. Na mesma Instituição universitária é professor da

graduação nos cursos de logística, recursos humanos, letras, pedagogia, direito, manutenção

de aeronaves e engenharias ministrando aulas de língua portuguesa, língua inglesa, literaturas

e formação de docentes. Atuou como consultor da Comissão Própria de Avaliação Interna

(CPA) da Unicsul em São Paulo e da FACCAMP de Campo Limpo Paulista. Foi professor efetivo

da Rede Pública Estadual de Ensino de 1986 a 2008 tendo atuado como Professor de língua

inglesa, Coordenador Pedagógico, Supervisor de ensino e Formador de

Professores/Coordenadores da Diretoria de Ensino Leste 01 da capital de São Paulo.

Atualmente é Diretor de Escola efetivo da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo em

escola de ensino fundamental (ciclos 1 e 2) e já atuou como formador de professores da

SMESP, tendo sido o responsável pela implantação do ensino de língua inglesa no ensino

fundamental 01 no ano de 2012 na cidade de São Paulo. Atuou como tutor em EAD da FGV-SP

de um grupo de supervisores escolares da rede pública estadual de São Paulo. Tem

experiência na área de Linguística, com ênfase em Linguística Aplicada, atuando

principalmente nas seguintes áreas: formação de professores de língua inglesa e portuguesa,

formação geral de educadores e formação de professores de língua estrangeiras. Como

professor tem atuado da educação infantil ao ensino universitário. É autor de artigos

científicos, livros didáticos e palestrante das áreas supra citadas. É parecerista da Revista

WEA da Faccamp e de artigos de qualificação de mestrado e doutorado da PUC de São Paulo.

E-mail: [email protected]

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 247

Giseli Veronêz da Silva - Possui graduação em Letras pela Universidade do Estado de Mato

Grosso - UNEMAT e mestrado no Programa de Pós graduação em Linguística da Universidade

do Estado de Mato Grosso - UNEMAT. E-mail: [email protected]

Jeane Oliveira da Silva - Possui graduação em Linguagens e Códigos pela Universidade Federal

do Maranhão (2015). Atualmente é pesquisadora do grupo de Pesquisa Linguagens, Cultura e

Identidades - GPlici da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, integra o NUPESDD -

Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos da Universidade

Estadual do Mato Grosso do Sul-UEMS. Foi Professora de canto na Escola Raimundo Poincaré

de Sousa( 2013)- São Bernardo-MA, Tem experiência na área de Língua portuguesa, como

pesquisadora/bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID.

Pesquisadora/ bolsista do Projeto Música e filosofia: Diálogos interdisciplinares. Atuando

principalmente nos seguintes temas: educação, cultura, música, linguística. E-mail:

[email protected]

Jéssica Máximo Garcia - graduada em Letras Português/Espanhol pela Unifesp. Atualmente é

bolsista CAPES/CNPq no Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de

São Paulo, onde desenvolve pesquisa sobre livro didático e gêneros discursivos midiáticos.

Email: [email protected]

Marcelo Nicomedes dos Reis Silva Filho - Doutorando no programa de pós-graduação em

Letras - Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste, é

Mestre pelo programa de pós-graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília -

UCB, Especialista em Informática na Educação pela Universidade Federal do Maranhão -

UFMA, Especialista em Metodologia do Ensino de Língua Inglesa pela Faculdade Atenas

Maranhense - FAMA e é Graduado em Letras Pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA.

Foi pesquisador da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura -

UNESCO no período de 2012 a 2014, é segundo líder do grupo de Pesquisa de Linguagens,

Cultura e Identidades - GPLICI da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, integra o

NUPESDD - Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos da

Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul-UEMS e o CEPAD - O Centro de Pesquisa em

Análise do Discurso da mesma Universidade. Professor Assistente da Universidade Federal do

Maranhão - UFMA - Campus São Bernardo, foi professor na Secretaria municipal de Educação

de São Luís - SEMED e da Secretaria de Estado da Educação do Maranhão SEDUC por onze

anos. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Línguas Estrangeiras Modernas,

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 248

atuando principalmente nos seguintes temas: aprendizagem, educação, Língua inglesa,

Bumba-meu-boi e Inclusão. E-mail: [email protected]

Maria Inês Batista Campos - Professora, pesquisadora e orientadora do Programa de Pós-

Graduação em Filologia e Língua Portuguesa e do Mestrado Profissional em Letras

(Profletras) do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia,

Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Integrante dos Grupos de Pesquisa

GEDUSP (Grupo de estudos do discurso da USP) e Linguagem, Identidade e Memória

(CNPq/PUCSP). Participa do projetos de cooperação acadêmica interinstitucional PROCAD

(USP/UFRN/UNISINOS) e Dinter. Editora responsável da Linha d'Água, revista do PPG

Filologia e Língua Portuguesa. Foi coordenadora do Mestrado Profissional em Letras

(Profletras)/USP (2013-2015); vice-coordenadora do Programa de Licenciaturas

Internacionais/ PLI-França, entre Universidade Paris IV e USP (2012-2014); coordenadora da

Comissão de Licenciatura de Letras (CoC Licenciatura/ Letras), no período 2009-2012; vice-

coordenadora do GT da ANPOLL Estudos Bakhtinianos (2010-2014). Fez Pós-Doutorado na

Université Paris 8 com apoio da Fapesp (2015) sob a supervisão da Professora Dra. Marilia

Amorim. Em 2014, fez pós-doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul sob a

supervisão da Professora Dra. Ana Zandwais. No período de 2007 a 2009 fez pós-doutorado

na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob a supervisão da Professora Dra. Beth

Brait. Experiência na área de Linguística e ensino de língua portuguesa na área de Linguística

Aplicada e Estudos do Português, com ênfase na teoria bakhtiniana e em manuais didáticos de

língua portuguesa para o Ensino Fundamental II e Médio. Autora de obra didática de

português para o ensino médio. Atua com os temas: teoria bakhtiniana, gêneros do discurso,

autoria, estilo, discurso literário, linguagem de texto verbo-visual, estudos de produção de

dissertação e argumentação em manuais escolares de língua portuguesa. E-mail:

[email protected]

Marli Aparecida Bruno - Mestra em Linguística Aplicada, da Unitau - Universidade de Taubaté

(2016), tendo como orientadora a Profa. Dra. Vera Lúcia Batalha de Siqueira Renda,

desenvolveu como tema de pesquisa: MULTILETRAMENTOS NO ENSINO MÉDIO: Estratégias

de leitura de texto literário em diálogo de linguagens, com os objetivos de possibilitar e

vivenciar com os alunos do Ensino Médio uma prática prazerosa, efetiva e eficiente de leitura

do texto literário e contribuir para a atuação do professor de Língua Portuguesa na sala de

aula. Possui Pós - Graduação em Língua Portuguesa pela Universidade de Campinas - Unicamp

(2013), graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São José do Rio

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 249

Pardo (1991). É professora efetiva de Língua Portuguesa da Escola Estadual Professor

Bernardino Querido desde 1993 e atuou como Supervisora Bolsista do Subprojeto de Letras

do PIBID - Programa Institucional de Iniciação à Docência pela Universidade de Taubaté

(UNITAU) de 2010 a 2013. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua

Portuguesa, atuando principalmente no seguinte tema: leitura, ensino e práticas

pedagógicas. E-mail: [email protected]

Rodrigo de Santana Silva - Professor de Língua Inglesa na Universidade do Estado de Mato

Grosso. Possui graduação em Licenciatura plena em Letras pela Universidade do Estado de

Mato Grosso (UNEMAT). Mestre em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em

Linguística da UNEMAT. Doutorando em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em

Linguística da UNEMAT. Atua no Grupo de pesquisa Linguagem tecnologia e

contemporaneidade em Linguística Aplicada, com foco de estudos na Teoria dos Sistemas

Adaptativos Complexos. E-mail: [email protected]

Rodrigues de Souza Bortolozzo - Possui graduação em Letras - Português e Inglês pela

Universidade do Estado de Mato Grosso (2015). Tem experiência na área de Linguística, com

ênfase em Linguística, atuando principalmente nos seguintes temas: Sociolinguística,

significação, Parâmetros Curriculares Nacionais, Variação e Mudança e livro didático.

Mestrando na área de Linguística pela Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT) –

2016. E-mail: [email protected]

Samantha Henzel - Graduada em Jornalismo pela Universidade Cruzeiro do Sul (2014),

mestranda em Linguística também pela Universidade Cruzeiro do Sul pós-graduanda em

Gestão de Educação a Distância pela Faculdade Campo Limpo Paulista. Iniciou sua carreira no

jornal O Diário de S. Paulo, passou por alguns veículos de comunicação do Rio de Janeiro, pela

agência FramePhoto de São Paulo, colaboradora da revista National Geographic desde 2012.

E-mail: [email protected]

Sandro Luis da Silva - professor adjunto de língua portuguesa no Departamento de Letras da

Universidade Federal de São Paulo. Professor e Coordenador do Programa de Pós-Graduação

em Letras na mesma Universidade. Email: [email protected]

Solange Marques Avino - Possui graduação em Letras - Inglês pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, pós-graduação em ensino e aprendizagem do inglês para terceiro grau

pela UNISA - Universidade Santo Amaro e pós graduação em português pela Universidade

Gama Filho. Trabalha como professora universitária na Universidade Anhembi Morumbi,

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 250

junto a Escola de Ciências Humanas e Sociais, ministrando a disciplina de Inglês instrumental

para os cursos de Administração, Marketing, Relações Internacionais, Comércio Internacional,

Turismo e Hospitalidade, do nível básico ao avançado. Elabora e ministra treinamento para

executivos de empresas multinacionais e cursos específicos para exames de proficiência na

língua inglesa. Cursa o terceiro semestre de Pós Graduação, Mestrado em Linguística, na

Universidade Cruzeiro do Sul, em fase de produção do relatório de qualificação. E-mail:

[email protected]

Sonia Sueli Berti-Pinto - Graduada em Letras pelo Centro Universitário FIEO (1999), mestrado

em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo (2002) e doutorado em

semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo (2005). Em 2008, concluiu o

Pós-Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem sob a supervisão da Profª Drª

Elisabeth Brait, na PUC-SP, desenvolvendo o projeto de pesquisa "Memória discursiva em

práticas de leitura para alunos de graduação". Atualmente, é pesquisadora e professora do

corpo permanente do Programa de Mestrado em Linguística na Universidade do Cruzeiro do

Sul (UNICSUL). Ministra no mestrado as disciplinas: Memória, Letramento e Formação do

Leitor Crítico, Letramento Acadêmico e Prática Docente e na Graduação Leitura e Produção de

textos e Linguagens em Comunicação no curso de Comunicação Social da Cruzeiro do Sul. É

pesquisadora e uma das fundadoras do GT Estudos Bakhtinianos, da ANPOLL. Avaliadora

Institucional e de Curso, responsável por avaliação de cursos da área de Letras e Comunicação

Social, presencial e em EAD, do INEP/MEC. Tem experiência na área de Linguística com ênfase

em Análise Dialógica do Discurso, Estudos da Linguagem e Educação, atuando principalmente

nos seguintes temas: análise do discurso, gênero do discurso, análise dialógica do discurso, a

linguagem verbo-visual, crônicas, charges, leitura, hipermídias, hiperdiscursividade na EaD,

discursos jornalísticos e publicitários, formação docente, leitura, desenvolvimento humano. E-

mail: [email protected]

Vera Lúcia Batalha de Siqueira Renda - Possui graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia

Ciências e Letras de Taubaté, Especialização em Língua Portuguesa pela Universidade de

Taubaté e doutorado em Letras (Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa)

pela Universidade de São Paulo. É professora assistente doutora da Universidade de Taubaté,

na graduação/Letras, em cursos Lato sensu da área e no Mestrado em Linguística Aplicada,

atuando também na formação continuada de professores das redes pública e privada. Atua

principalmente nos seguintes temas: formação de leitores e letramento literário e

multiletramentos - Educação Infantil e Ensino Básico -, mediação em leitura e escrita no

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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 251

âmbito de textos lúdicos e estéticos. Trabalha em assessoria técnica junto a Pró-reitorias de

Graduação e de Pós-graduação da Universidade de Taubaté/UNITAU. Desenvolveu trabalhos

nos projetos CAPES de formação docente: PRODOCÊNCIA, LIFE e OBSERVATÓRIO DA

EDUCAÇÃO, respectivamente, como coordenadora da área de Língua Materna, coordenadora

adjunta e integrante. Atua no PIBID/Letras-Português, desde 2010, como subcoordenadora de

área. É Diretora editorial da Editora da Universidade de Taubaté/EdUnitau e membro do

conselho editorial das revistas Caminhos em Linguística Aplicada e Revista de Extensão da

Universidade de Taubaté. Foi Coordenadora do Mestrado em Linguística Aplicada da

Universidade de Taubaté-UNITAU, SP, de setembro/2012 a abril/2015. E-mail:

[email protected]