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Há anos que as actuações dos Beatles seguiam um ritu-al muito próprio: subiam ao palco, o público explodia num berreiro ensurdecedor e, lá em cima, a banda nada ouvia do que tocava, lá em baixo, o público julgava ouvir sem ouvir as canções que conhecia tão bem. No Budokan, o tempera-mento japonês e a forte pre-sença policial, destacada para manter o bom comportamen-to da audiência, fez cair a más-cara. Os gritos só chegavam no final das músicas e os Beatles perceberam que a banda que, anos antes, num bairro de Hamburgo ou no Cavern em Liverpool, se transformara em máquina rock’n’roll era então, em concerto (em estúdio, o processo ia exactamente em sentido contrário), uma som-bra do que tinha sido.Três dias depois da chegada às Filipinas, seria editado em Inglaterra “Revolver”, disco fundamental da discogra-fia dos Fab Four e um dos 14 que, no próximo dia 9 de Set-embro, será alvo de reedição remasterizada - são contem-plados os 12 álbuns de estú-dio britânicos, acrescidos da edição americana de “Magical Mistery Tour” e da colecção de singles “Past Masters”. Para os coleccionadores perfeccioni-stas, haverá uma outra caixa, que reunirá todo aquele ma-terial nas misturas em mono originais.Regressemos a Manila. É manhã e John, Paul, George e Ringo são acordados por fortes pancadas na porta do quarto. Alguns funcionários do hotel dizem-lhes que se despachem, que se vistam: Imelda Marcos, primeira-dama na ditadura de Ferdinando Marcos, espera-os para uma recepção no Palácio Presidencial. O histerismo da

solicitação não os impressiona. “Estamos no nosso dia de folga e não vamos a nenhuma recep-ção”, responde McCartney.Pouco depois, ao ligar a tele-visão, os Beatles assistem em directo à sua ausência. Crian-ças a chorar, Imelda queixan-do-se da afronta. Nesse mes-mo dia, dão dois concertos no estádio de futebol local para mais de oitenta mil. Na manhã seguinte, todos os traços da Beatlemania desapareciam. Até conseguirem abandonar as Filipinas, seriam tratados como inimigos públicos, não como estrelas pop idolatradas.Geoffrey Giuliano, em “Beatles - a História Secreta” (Ulisseia, 2008), descreve a convulsão das últimas horas em Manila:

Beatles, agora a cores

“A comitiva seguiu para a sala de embarque [...]. Os soldados começaram a maltratar a ban-da, batendo-lhes com as espin-gardas, empurrando-os contra as paredes [...]. Os passageiros que esperavam outros voos assobiaram-nos e cuspiram-lhes em cima. De um momento para o outro, começaram a ser desferidos murros, lançando a confusão total. No meio de toda a violência, um brutal

golpe atirou Ringo ao chão, que teve de rastejar para a alfândega enquanto era espancado uma e outra vez.”Alguns meses e nova polémi-ca depois, atiçada pela famo-sa tirada de John Lennon.

“Os Beatles são mais pop-ulares do que Jesus”.

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Bea T

lesSe, até “Rubber Soul”, os Beatles tinham ca-

nalizado os intensos anos de formação em Hamburgo, onde tocavam diariamente, ali-mentados a álcool e anfetaminas, para uma pop imediata, melodicamente perfeita e de batida denunciando o cabedal rock’n’roll do passado, a partir do momento em que abandonam concertos e digressões, se fe-cham em estúdio e se abrem ao mundo para além da Beatlemania, começam a construir-se, definitivamente, como a mais importante força criativa da música popular urbana do século XX. No final de 1966, ent-

revistado pelo “International Times”, o jor-nal “underground” que ajudara a financiar, Paul McCartney afirmava: “Agora já não ex-istem grandes ídolos. Olhas para as pessoas objectivamente. Perdes aquela coisa de fã. Neste momento, somos cada vez mais influ-enciados por nós próprios, por aquilo que sabemos que podemos fazer.” Esta busca da originalidade pode ter afastado McCartney do fã que fora, num cinema em Liverpool, do Elvis que via em tela, mas despertou de-cisivamente uma imensa curiosidade pelas expressões artísticas que o rodeavam.

“Todas as cores em oito anos”