Palavras Aladas e outras Crônicas

14
CONFISSÕES PAIXÃO INADEQUADA DE NADA RECEITA PARA NÃO PENSAR PONTO DE FUGA CONFISSÕES SOBRE O CHORO A MULHER QUE PASSA UMA FÁBULA SEM QUALQUER MORAL SOBRE O CHORO COM QUE FÉ EU VOU DE NADA PALAVRAS ALADAS E OUTRAS CRÔNICAS SOBRE O CHORO FILOSOFIA DE ESTRADA PONTO DE FUGA GOSTANDO DE TUDO DE NADA NINGUÉM QUER SER NORMAL O MÁRMORE DAS PALAVRAS MAX FRANCO CONFISSÕES O NOME DELE ERA ACRÍSIO A MULHER QUE PASSA PONTO DE FUGA DE NADA QUEM INVENTOU O HOMEM CONFISSÕES QUESTÃO DE ESTÉTICA DE NADA QUESTÃO DE PLANEJAMENTO A MULHER QUE PASSA SOBRE O CHORO SR. DEMÔNIO, QUAL É MESMO SUA GRAÇA? TODO MUNDO TEM SEU DIA DE COVARDE AS CRIATURAS DA NOITE AS PALAVRAS SÃO LINDAS

description

Livro de Crônicas do autor Max Franco

Transcript of Palavras Aladas e outras Crônicas

1

MA

X F

RA

NC

O

CONFISSÕES PAIXÃO INADEQUADADE NADA RECEITA PARA NÃO PENSAR

PONTO DE FUGA CONFISSÕESSOBRE O CHORO A MULHER QUE PASSA

UMA FÁBULA SEM QUALQUER MORALSOBRE O CHORO COM QUE FÉ EU VOU

DE NADA PALAVRAS ALADAS E OUTRAS CRÔNICAS

SOBRE O CHORO FILOSOFIA DE ESTRADAPONTO DE FUGA GOSTANDO DE TUDO

DE NADA NINGUÉM QUER SER NORMALO MÁRMORE DAS PALAVRAS MAX FRANCOCONFISSÕES O NOME DELE ERA ACRÍSIOA MULHER QUE PASSA PONTO DE FUGA

DE NADA QUEM INVENTOU O HOMEMCONFISSÕES QUESTÃO DE ESTÉTICA

DE NADA QUESTÃO DE PLANEJAMENTOA MULHER QUE PASSA SOBRE O CHORO

SR. DEMÔNIO, QUAL É MESMO SUA GRAÇA? TODO MUNDO TEM SEU DIA DE COVARDE

AS CRIATURAS DA NOITE AS PALAVRAS SÃO LINDAS

2

MA

X F

RA

NC

O

2011

PALAVRASALADASE OUTRAS CRÔNICAS

MAX FRANCO

3

MA

X F

RA

NC

O

PAIXÃO INADEQUADA

“Em que espelho ficou perdida a minha face?”

Cecília Meireles

4

MA

X F

RA

NC

O

Tudo começou aos quatorze anos. Época oportuna para começarmos a desenvolver diversos hábitos, dos menos aos mais questionáveis. Este, em particular, seria inaceitável lá na Parangaba. Os companheiros de pelada no Campo Real, lá na Vila Betânia, tirariam o meu couro e o espichariam para secar ao sol ao menos se desconfiassem que eu fazia uso de tal... coisa.

Mas, a verdade era que eu o fazia mesmo. Sempre escondido – é claro.Na maioria das vezes no quarto, enquanto ouvia – no último volume – os primeiros hits do U2 ou do The Cure. Outras vezes, para variar um pouco, eu escapava de casa e ia fazer uso dele debaixo de alguma árvore, nas proximidades da lagoa da Maraponga, portando meu novo vício debaixo da blusa. Ninguém poderia ver. Ninguém entenderia.

Hoje posso admitir: Quem me iniciou no costume foi o Manuel.

Não foi no primeiro contato que as solicitações do Manuel me convenceram. De início, devo dizer,

5

MA

X F

RA

NC

O

achei-o até esquisito. Mas, mesmo considerando-o uma pessoa de tristeza contagiante, eu me via cada vez mais enredado nas suas tramas. Não sei se o conceito de proibido e o medo de ser descoberto me desestimulavam ou se me motivavam ainda mais. Mas como o luxo das certezas é um patrimônio da juventude, sucede ao jovem ser afeito à rebeldia. Oposição. Adrenalina. Emoção. Era tudo isso que o Manuel me inspirava e eu estava adorando. Até que...

Até que meu pai descobriu. Ele achou socado debaixo do colchão e ficou estarrecido. Não julguem o velho, por favor! Meu pai tinha se evadido do sertão brabo para se tornar marinheiro em tenra idade. Sua única leitura na vida inteira foram aqueles livrinhos de bolso de faroeste. Agora está explicado o motivo de me chamar Max Roger, não é? Mas poderia ser até pior. Que tal Burt Lancaster, Steve MacQueen ou Kirk Douglas?

Mas quando interpelado, não me fiz de rogado e assumi para o meu pai os meus atos. Com olhar altivo e maxilar trincado, admiti que gostava do Manuel

6

MA

X F

RA

NC

O

sim. Por sinal, naquela altura, não só do Manuel, mas também do Fernando, do Carlos e de Florbela. Sim, claro, Florbela. Como não amar Florbela?!

Pessoa, Drummond e Espanca chegaram depois de Bandeira e por causa de Bandeira. O velho tinha o poder de me comover. Até hoje. Porque Manuel Bandeira se realizava na sua poesia. Lá, ele podia correr descalço na areia quente. Podia chupar picolé com febre. Podia sair no sereno. Lá, o tísico se libertava das limitações do seu corpo debilitado por anos de uma doença que o extirpou dos brinquedos da juventude. A poesia era a sua vitamina. O seu espinafre.

Como ele dizia:E como farei ginásticaAndarei de bicicletaMontarei em burro braboSubirei no pau de seboTomarei banhos de mar!E quando estiver cansadoDeito na beira do rio (…)

7

MA

X F

RA

NC

O

Tudo que ele sempre quisera fazer e não pudera.

Eu o entendia porque também queria fazer tantas coisas – e ainda quero – que não podia – e ainda não posso. Descobri Bandeira logo no primeiro semestre de faculdade. Lia-o dentro do ônibus. Como eu chegava a pegar dez ônibus por dia, o Manuel me fazia muita companhia.

Imaginem como era visto pelos demais passageiros aquele garoto que recitava poesia para si mesmo num coletivo lotado (às vezes de pé, às vezes emocionado). Ocorre-me hoje que devo ter escapado por pouco de não me terem largado no Hospital Psiquiátrico Mira Y Lopez, que ficava no trajeto.

Hoje leio menos poesia. Sei lá o motivo. Talvez porque não ande mais de ônibus. Talvez porque não acredite mais na Pasárgada. Talvez porque pior do que querer escapar para Pasárgada é ter sido exilado de lá. Queria que o Manuel me levasse embora de novo pra Pasárgada. Lá, ao menos, eu seria amigo do rei.

8

MA

X F

RA

NC

O

Afinal, se existe uma coisa rara neste mundo ego-individualista é amigo.Ainda mais rei.

9

MA

X F

RA

NC

O

QUESTÃO DE ESTÉTICA

“O belo é tão útil quanto o útil” Victor Hugo

10

MA

X F

RA

NC

O

O fato tinha a ver com determinada moça, a qual, por motivo de discrição, batizarei de Nanda. Era uma loirinha formosinha que, ultimamente, estava merecendo a intensa dedicação de um bom amigo. Numa conversa casual, ela enumerara os predicados que um homem forçosamente deveria ter para conquistar a sua atenção. Foi com certa perplexidade fatalista que ele a ouviu professar – dogmática – que nunca olharia duas vezes para um rapaz que estivesse lendo um livro.

Antes de tudo, caro leitor, não tome conclusões precipitadas! Compreendamos o rapaz: ele estava vivendo aquele processo pelo qual todos nós um dia já passamos, de enrabichamento essencial, quando tudo aquilo, mesmo a maior barbaridade que o objeto do seu afeto diga, temos o triste hábito de considerar sagaz, bonito e conveniente. Quem não cometeu esse pecado que providencie suas pedras e mãos à obra. Força no braço!

A questão é que o meu amigo é um leitor inveterado. Aquele tipo que gosta de ler até bula de remédio e que torce por uma fila para ter

11

MA

X F

RA

NC

O

mais tempo para dar continuidade ao livro que traz sempre a tiracolo. Aquele tipo que lê até no sinal de trânsito. Rato de livraria, seu sonho de paraíso se resumiria a uma improvável imagem de várias prateleiras repletas de clássicos e com a Angelina Jolie, de lingerie branca, como atendente. Porque, afinal, nem só de livros se deve usufruir a eternidade.

Mas por ironia do destino, na hora em que ele a conheceu não portava nenhum. Tinha três no carro. Se ela soubesse, teria fugido na hora. E se desconfiasse que um deles era do Saramago, quem sabe, até agredisse o rapaz com requintes de crueldade.Nanda não gosta de homens que leem, mas não a julgue severamente. Há bem mais gente que lhe acompanha nessa opinião peculiar!

Li em algum lugar... Mas não foi, obviamente, em livro algum, posso assegurar, deve ter sido em alguma revista daquelas que ficam à disposição em salas de espera de consultórios. Mas continuando: Li em algum lugar que fizeram uma pesquisa, sei lá onde, deve ter sido na Inglaterra – afinal todas

12

MA

X F

RA

NC

O

essas pesquisas esdrúxulas são realizadas na Inglaterra ou nos Estados Unidos – que, de dez tipos de homens, o menos atraente às mulheres é o de perfil intelectual. Ponto para a nossa Nanda, que deve ser de ascendência britânica!

E, pelos resultados da pesquisa, quem foi o primeiro lugar em charme e atração? Se você acha que é do tipo mamãe-me-adota do Justin Timberlake ou do naipe vim-para-arrasar do Daniel 007 Craig, você está redondamente enganado! A tal da pesquisa detectou que o tipo mais atraente é, veja só, o engraçado.

Eu não sei se concordo, mas, por via das dúvidas, comprei alguns livros de piadas e, para evitar mal-entendido, os leio em casa, escondido.

Já outro amigo meu, feio que nem apresentador de programa policial de TV, comprou uma BMW e, pelo que sei, anda distribuindo senhas por aí para as suas pretendentes que, por mera coincidência, passaram a assediá-lo de modo contumaz. Se a pesquisa estiver correta, um dos mais inovadores acessórios de uma BMW é o de

13

MA

X F

RA

NC

O

transformar qualquer homem, automaticamente, num verdadeiro Jerry Lewis ou Rowan Atkinson, ambos, de fato, comprovadamente dotados de irresistível sex appeal.

Portanto, se você quiser arrumar ou manter namorada e não for um palhaço completo ou não tiver uma BMW na garagem, não deveria, nunquinha, continuar a leitura destes ou de outros textos. Mas, não se preocupe que ainda há escapatória para a sua indesejada solteirice. Olhe para os lados e veja se alguém já percebeu que você está entretido nesse – enfeiante – utensílio. Se houver, rápido, atire-o para o lado com uma cara convincente de absoluto nojo. Já se não existir vivalma, tente não emitir um suspiro de modo tão audível, e compre uma daquelas revistas que trata de carros sofisticados ou de boa forma física. Agora, você vai precisar agir com certa pressa, mas sem perder a naturalidade. Prenda a respiração e, dis-si-mu-la-da-men-te, coloque o livro entre as páginas do periódico. Pronto: agora você está salvo e com a sua boa imagem definitivamente garantida.

14

MA

X F

RA

NC

OFO

TO:

JARB

AS O

LIVE

IRA

Max Franco é escritor, consultor de turismo e orientador pedagógico.

“E, claro, não produzo letras. As letras já existem. Elas apenas vazam. É como um açude sangrando. Elas não cabem mais dentro e escapam por cima das paredes, das comportas da alma.”

Mais que um livro, Palavras Aladas e outras crônicas é uma série de confissões bem-humoradas construídas com filosofias cotidianas e pensamentos fortuitos. O leitor se identifica da primeira à última história. Da receita para não pensar ao ladrão de livros, dono de um bom coração, o conjunto de textos faz rir. E até gargalhar, ao imaginar o protagonista puxar um livro para impressionar a linda mulher ao seu lado e acabar se frustrando ao percebê-la lendo em alemão. Mas também emociona com a descoberta da poesia, narrada como quem conquista o amor. Uma prova de que a vida se transforma em palavras, crônicas.

9 788562 10706 1