Palavras chaves: Alfabetização, Letramento, SIGA, Inserir ... · Gestão Educacional (GED),...
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SISTEMA INTEGRADO DE GESTÃO DA APRENDIZAGEM: UMA
PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO EM MATO GROSSO
RESUMO
Este estudo de pesquisa de Mestrado em Educação busca analisar o pensar e o fazer docente de duas professoras alfabetizadoras do 1º Ciclo no processo de construção do conhecimento e a relação com o programa SIGA – Sistema Integrado de Gestão da Aprendizagem. Este constitui ferramenta de apoio aos professores alfabetizadores com o objetivo de acompanhar, diagnosticar e realizar intervenção pedagógica no processo ensino e aprendizagem. Foi proposto pela SEDUC-MT e implantado em 2010 em algumas escolas da rede estadual de ensino. Em 2011, ampliado para todas as escolas urbanas e do Campo que atendem ao primeiro Ciclo. Pressupõe a alfabetização e letramento enquanto processos indissociáveis, pois se espera que as crianças sejam alfabetizadas até os oito nos de idade apreendendo o sistema de escrita e suas diferentes formas de interpretar, de ler, de inserir-se no espaço sócio-cultural convivendo com as diversas manifestações de escrita e participando das práticas sociais que envolvem a língua escrita. Enfatizamos a Área de Conhecimento das Linguagens, tendo em vista os eixos estruturantes e o trabalho de desenvolvimento das capacidades próprias de cada eixo. Realizamos a pesquisa qualitativa, partindo do princípio que esta permite a inserção no ambiente para obtenção dos dados, por meio do contato direto com o objeto de estudo. Constatamos, a princípio, o trabalho com a Literatura Infantil mediando a produção de leitura e escrita, a compreensão e valorização da cultura escrita e o desenvolvimento da oralidade. As professoras têm dificuldades em trabalhar com a proposta por não terem clareza de seus pressupostos epistemológicos, necessitando de formação continuada que as auxiliem a compreenderem as concepções. No entanto, estão dispostas a refletirem sobre suas ações na intenção de melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita.
Palavras-chaves: Alfabetização, Letramento, SIGA, Inserir, Primeiro Ciclo
Maurecilde Lemes da Silva Santana
Mestranda em Educação – PPGE/UFMT/GEPLL Profa. Dra. Ana Arlinda de Oliveira
Professora do PPGE/UFMT/GEPLL
INTRODUÇÃO
O processo histórico da educação no Brasil apresenta uma trajetória de grandes e
significativas mudanças nas políticas públicas, assim como novos paradigmas que
ocorreram acerca dos sujeitos, da realidade social, das ações governamentais e das
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concepções e teorias pedagógicas. As transformações econômicas, políticas, culturais e
sociais que aconteceram fomentaram tomadas de decisões peculiares a cada tempo e
espaço, a fim de atender as demandas e interesses sociais, auxiliando na resolução de
problemas emergentes na sociedade.
Nóvoa (2009) corrobora que, na educação, os anos 70 foram marcados pela
racionalização do ensino, da pedagogia por objetivos, do esforço para prever, planificar,
controlar; os anos 80, pelas grandes reformas educativas, centradas na estrutura dos
sistemas escolares, principalmente na organização curricular; por conseguinte, nos anos
90 a atenção foi voltada para as organizações curriculares quanto ao seu funcionamento,
administração e gestão.
Essas transformações estabeleceram a busca de novas possibilidades para a
educação, novas propostas metodológicas e políticas públicas organizacionais que
atendessem as exigências naturais do contexto e da sua demanda. As instituições
escolares tiveram, e ainda têm, necessariamente, de assumir uma postura dinâmica,
democrática, constituída como espaço de construção do conhecimento e ressignificação
da práxis pedagógica.
Nessa perspectiva, o processo de alfabetização, enquanto “tecnologia da escrita”,
ou do sistema de escrita, ganhou outra dimensão, mais abrangente e contextualizada. A
partir de 1980, emergiu no Brasil o termo letramento e as discussões sobre o tema, na
busca de ampliar o conceito de alfabetização, não só como domínio da tecnologia do ler
e do escrever, mas também para o uso dessas habilidades em práticas sociais. O
contexto histórico aliado às invenções das máquinas e ao desenvolvimento da indústria
propiciou maior contato com a escrita, suscitando a “necessidade de reconhecer e
nomear práticas sociais de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que as
práticas do ler e do escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita”.
(SOARES, 2004, p. 6).
O letramento, alternativa de inclusão na sociedade da cultura da escrita,
considera o ser humano e suas diferentes formas de interpretar, ler, de inserir-se no
espaço sócio-cultural, convivendo com as diferentes manifestações de escrita e a
participação nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, constitui uma
necessidade da sociedade contemporânea.
O que é o Projeto SIGA
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A Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso – SEDUC, na tentativa de
melhorar a qualidade da educação no Estado, principalmente da alfabetização e do
letramento, uma das principais metas na atualidade, implantou em 2010, em caráter
experimental, o desenvolvimento do SIGA – Sistema Integrado de Gestão da
Aprendizagem. Apenas algumas escolas do Estado participaram dessa fase, definidas
por polos regionais acompanhados pelos CEFAPROS – Centro de Formação e
Atualização dos Profissionais da Educação Básica. Este órgão foi criado em 1998, com
a finalidade de desencadear a formação continuada, o uso de novas tecnologias no
processo ensino e aprendizagem, a inclusão digital e a diversidade para profissionais da
Educação Básica da Rede Pública Estadual de Ensino. Em 2011 o programa foi
ampliado para as escolas urbanas e do Campo que atendem o 1o Ciclo da Escola
Organizada por Ciclos de Formação Humana. A intenção da SEDUC e, ao mesmo
tempo, um grande desafio, é garantir a todos os alunos da escola pública o direito de
aprender, construindo e reconstruindo ideias de forma que sejam autores do seu
conhecimento, acompanhando e ampliando as possibilidades de inserção no mundo da
cultura letrada.
O Sistema Integrado de Gestão da Aprendizagem (SIGA) pertence ao módulo de
Gestão Educacional (GED), englobado no SIGEDUCA - Sistema Integrado de Gestão
Educacional, um sistema em ambiente Web que atende as demandas da Secretaria de
Estado de Educação viabilizando a gestão de processos realizados pela SEDUC. Foi
criado a partir de experiências anteriores como do Programa de Gerenciamento Circuito
Campeão do Instituto Ayrton Senna (2007), implantado e executado na rede de
educação no Estado de Mato Grosso para coletar informações referentes à
aprendizagem dos alunos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática no Campo
Gerencial e Pedagógico. Os fundamentos epistemológicos e os estudos sobre
alfabetização, leitura e escrita organizados pelo Ceale/FAE/UFMG têm grande
influência na elaboração e desenvolvimento da proposta.
O SIGA institui-se como ferramenta de apoio com o objetivo de acompanhar,
diagnosticar e realizar intervenção pedagógica no processo ensino e aprendizagem.
Desta forma, o professor deve possibilitar ao aluno a compreensão para realidade
cultural, social e política, a fim de que se torne capaz de participar do processo da
construção da sociedade e organizar suas experiências de vida e, dessa maneira,
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promover o desenvolvimento da capacidade de criticar a realidade onde vive e dela
participar ativamente, tendo consciência de seus atos.
Cabe ao professor atuar como mediador e promotor do processo pedagógico,
desenvolvendo ações que permitam que as dificuldades sejam superadas, ao passo que
tais propostas sejam avaliadas em seu potencial para solucionar os problemas existentes
no ambiente escolar.
DESENVOLVIMENTO
A organização por ciclos de formação humana é um dos grandes desafios do
sistema educativo. Durante muito tempo a educação, seus fundamentos e mecanismos
foram concebidos numa perspectiva excludente, cujo processo avaliativo, de caráter
quantitativo, mensurava, sobremaneira, o que o professor ensinava e o que
supostamente aluno aprendia em detrimento do processo como aconteceu a
aprendizagem, não atentando para o percurso de vida do aluno durante o qual ocorreram
mudanças em múltiplas dimensões.
O Estado de Mato Grosso, mediado pela SEDUC, organizou o sistema de
educação pública em ciclos de formação humana, considerando o sujeito como agente
principal desse contexto. Esta organização se preocupa com a humanização de sua
demanda e as características psicológica (cognitiva e afetiva), biológica e cultural do ser
humano.
Propõe uma escola inclusiva que nos leva a repensar a prática educativa e à
reflexões sobre as concepções que permeiam o processo de ensino e de aprendizagem,
trabalhando com um currículo voltado para a prática social que atenda as
especificidades na diversidade.
Os ciclos de formação humana se estruturam de acordo com os ciclos vitais do
desenvolvimento humano, agrupando-se no primeiro ciclo, crianças de 6 a 8 anos
(infância - foco na alfabetiza/letramento – pré-operatório); no segundo ciclo, crianças
de 9 a 11 anos (puberdade – conhecimentos gerais – realidade concreta); – terceiro
ciclo, de 12 a 14 anos (adolescência – conhecimentos gerais – abstrações); e no quarto
ciclo, de 15 a 17 anos (juventude – conhecimentos gerais – abstrações).
É necessário que se elabore um currículo a partir das especificidades de cada
ciclo, respeitando-se as características dos sujeitos e seus respectivos contextos. A
escola em ciclos deve contribuir para que a criança viva sua infância também no período
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de escolarização, possibilitando-lhe um ambiente de interlocução, de trocas, de
situações de ensino e de aprendizagem que comtemplem a dimensão lúdica inerente à
infância.
Nesse período, principalmente, conforme expresso nas Orientações Curriculares
para a Educação Básica do Estado de Mato Grosso, a ação do professor deve mediar o
desenvolvimento das capacidades, indicando, delimitando e atribuindo significados à
realidade, a partir das constantes interações entre os pares e com o conhecimento
articulado com o meio físico e social, introduzido, trabalhado, consolidado e retomado
nas práticas pedagógicas. Ainda de acordo com as OCs (2010, p. 3), capacidade
compreende o “conhecimento e a aplicação de estratégias e técnicas apropriadas,
relacionadas aos conteúdos aprendidos que o aluno busca, em suas experiências
anteriores, para analisar e resolver problemas”.
A proposta do SIGA apresenta pontos relevantes que precisam ser observados
como objetivos do processo pedagógico, estruturada em eixos e capacidades construídos
para o primeiro ciclo a partir das Orientações Curriculares. Considera-se fundamental
para o seu desenvolvimento efetivo o planejamento da prática pedagógica; o
envolvimento de todos os profissionais no acompanhamento; o reconhecimento da
necessidade do ambiente alfabetizador; a produção de textos e de leitura como parte da
rotina pedagógica na alfabetização; a construção do cantinho da leitura para que as
crianças tenham acesso a diferentes tipos de texto; o alcance de metas a serem atingidas
pelos números de livros lidos; execução de tarefas a serem feitas em casa enquanto
recurso importante para consolidar o processo de alfabetização; acompanhamento
criterioso da frequência dos alunos do 1º ciclo, como condição para o sucesso do
trabalho; o cumprimento dos dias letivos tendo a frequência do professor como fator
condicional para o sucesso no trabalho; participação do professor nas Reuniões de
Planejamento; acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem das turmas pelo
Coordenador Pedagógico.
Os eixos articuladores são sugeridos para cada Área de conhecimento. O
programa atende a Linguagem (especificamente Língua Portuguesa) e Ciências da
Natureza e Matemática (Matemática). Entretanto, ainda que a sistematização seja por
disciplinas e contemple apenas Língua Portuguesa e Matemática, a expectativa é que o
trabalho articulado envolva todas as Áreas de conhecimento.
Estes eixos envolvem a Compreensão e Valorização da Cultura Escrita,
Oralidade, Produção Escrita e Produção de Leitura, pensados considerando que as
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crianças, os pré-adolescentes e os adolescentes, possuem identidades constituídas por
valores e conhecimentos produzidos nos diferentes contextos de vivências e
experiências mediadas pela linguagem nas relações estabelecidas socioculturalmente.
Com a escrita cada vez mais presente na sociedade contemporânea “ler e
escrever com fluência e desenvoltura aparecem como condição de sobrevivência,
empregabilidade, inclusão e cidadania” (CARDOSO, 2008, p. 13). Nesse panorama,
existem pessoas alfabetizadas e não alfabetizadas, que precisam ser incluídas nessa
sociedade da qual são integrantes naturais, para compreensão e participação no
ambiente lecto-escrito, fazendo o uso social dos bens culturais dispostos na sociedade
grafocêntrica.
O ensino da língua deve prever o desenvolvimento de capacidades necessárias
às práticas de leitura e escrita, como também de fala e escuta compreensiva em
situações públicas de uso da língua. Batista (2005, p. 19), concebe língua como um
sistema de escrita que tem como centro a interação verbal, realizada por meio de textos
ou discursos falados ou escritos e que depende da interlocução ou ação linguística entre
sujeitos. Ferreiro (2001) expressa que,
a escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural, resultado do
esforço coletivo da humanidade. Como objeto cultural, a escrita tem diversas
funções sociais e tem meios concretos de existência (especialmente nas
concentrações urbanas). O escrito aparece, para a criança, como objeto com
propriedades específicas e como suportes de ações e intercâmbios sociais
(FERREIRO, 2001, p. 43).
A alfabetização ao longo dos anos foi tratada numa concepção de codificação e
decodificação, em que o processo de aprendizagem da leitura e escrita garantisse o
domínio das correspondências entre fonemas e grafemas. “Admitia-se que saber ler e
escrever e ter o hábito de leitura seriam atributos fundamentais para a participação no
tecido social” (Brito, 2004). Esse entendimento, assim como a sua aplicabilidade, não
mais atende a demanda da sociedade imersa num contexto com inúmeros e
diversificados materiais de leitura. Os sistemas de ensino e as escolas passaram a
reconhecer a insuficiência da concepção de alfabetização, ponderada como
aprendizagem mecânica de ler e escrever. Nesse sentido, além de aprender a ler e
escrever, a criança deve aprender a dominar as práticas sociais de leitura e de escrita.
Desde a década de 1980 o conceito de alfabetização vinha sendo ampliado com
as contribuições dos estudos da psicogênese da língua escrita, especialmente com o
trabalho de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. O aprendizado do sistema de escrita não
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se reduziria ao domínio de correspondências entre grafemas e fonemas, mas se
caracterizaria como um processo ativo em que a criança, desde seus primeiros contatos
com a escrita, construiria e reconstruiria hipóteses sobre a natureza e o funcionamento
da língua escrita, compreendida como um sistema de representação. O termo
alfabetização passou a instituir, além do processo de ensinar e aprender habilidades de
codificação e decodificação, o domínio dos conhecimentos que permitem o uso dessas
habilidades nas práticas sociais de leitura e escrita, denominando assim, a alfabetização
funcional. A partir deste enfoque Britto (2004) observa que
o fenômeno da cultura escrita – da sociedade da cultura escrita- tem uma
dimensão específica que vai além daquela em que situam os indivíduos. O
desenho urbano, as formas de interlocução no espaço público, as expressões
de cultura, os princípios e os constrangimentos morais, as leis, a organização
da indústria e do comércio, tudo isso é parte da sociedade da cultura escrita.
As próprias formas da língua falada, bem como os valores e as avaliações que
se fazem dos enunciados verbais estão referenciados nesse modo de produção
da cultura (BRITTO, 2004, p. 50).
Participar dessa sociedade vai além de decifrar letras e sons, mas de entender e
compreender a mensagem implícita ou explícita nos objetos de leitura. Inserir-se nesse
contexto e participar dele, pertencer a esse grupo como agente autônomo e capaz de
promover transformação na sociedade.
As mudanças no contexto sócio-político-cultural fomentaram a ampliação do
conceito de alfabetização e a necessidade de ferramentas possibilitadoras de
participação nas diversas situações de interação da sociedade em que os textos estejam
presentes. O conceito amplo de letramento trabalha os usos das práticas de leitura e
escrita no cotidiano, denominada por Soares (2004) como
o exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita, que implica várias
habilidades como capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes
objetivos – para informar ou informar-se, para interagir com os outros, para
imergir no imaginário, no estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir
ou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para
catarse...; habilidades de interpretar e produzir diferentes tipos de texto;
habilidades de orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou
de lançar mãos desses protocolos, ao escrever; atitudes de inserção efetiva ao
mundo da escrita, tendo interesse e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar
a escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos,
escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os
objetivos e o interlocutor (SOARES, 2004, p. 91).
A mesma autora define alfabetização como “processo de aquisição do sistema
convencional de uma escrita alfabética e ortográfica” (SOARES, 2004, 11), isto é, do
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conjunto de técnicas, procedimentos e habilidades necessárias para a prática de leitura e
de escrita.
A relação estabelecida por Soares corresponde à inserção no mundo da escrita
possibilitada pela aquisição de uma tecnologia (alfabetização) e pelo desenvolvimento
de competências (habilidades, conhecimentos, atitudes) de uso efetivo dessa tecnologia
em práticas que envolvem a língua escrita.
Quanto maior o contato e a manipulação de diferentes gêneros discursivos,
melhor será a participação na sociedade e a sensação de pertencimento, de inclusão.
Assim, Britto (2004, p. 50) assegura que “quando maior a participação do sujeito na
cultura escrita, maior serão entre outras coisas, a realização de leitura autônoma, a
convivência com domínios do raciocínio abstrato, a produção de textos para registro,
comunicação ou planejamento”. É indispensável considerar o sujeito da aprendizagem e
suas características peculiares. Crianças nesse período precisam ser estimuladas com
atividades e conteúdos significativos. A diversidade de gêneros do discurso precisa ser
pensada como trabalho vinculado a situações problematizadoras.
À escola, enquanto espaço de reaproximação dos materiais, cabe viabilizar o
acesso a outros tipos de textos, como por exemplo, aqueles materiais de leitura que o
aluno leva para a escola e que lhes conferem diferentes significados. Esse trabalho
precisa ser tomado como rotina de reflexão do sistema de escrita, observando-se os
princípios que constroem novas palavras e novos significados. Neste caso, o texto
literário contribui fundamentalmente no acesso às experiências de leitura.
A leitura e a literatura infantil devem fazer parte do cotidiano do contexto
escolar, assim como os diversos e diferentes gêneros textuais, pois a leitura é um
processo que permite compreender a escrita e outras formas de expressão. A criação de
ambientes e situações pedagógicas diferenciadas no interior ou fora da sala de aula
possibilita a ampliação contextualizada do universo discursivo, trazendo para o
cotidiano da Escola, novas formas de interação com a linguagem.
A Literatura Infantil é definida por Oliveira (2010, p. 15), como “uma produção
cultural voltada para o público infantil que tem uma diversidade substanciada de
gêneros literários para crianças de várias faixas etárias”. Em relação aos livros infantis,
Oliveira (2005, p.125) argumenta que “além de proporcionarem prazer, contribuem para
o enriquecimento intelectual das crianças. Sendo esse gênero objeto da cultura, a criança
tem um encontro significativo de sua história com o mundo imaginativo dela própria”.
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Movidas pela necessidade de compreender como o trabalho no primeiro ciclo –
processo de alfabetização e letramento está sendo realizado, enquanto professora
formadora do CEFAPRO de Cuiabá, cuja função é acompanhar e assessorar professores
alfabetizadores e professora da Universidade Federal de Mato Grosso, buscamos
analisar o pensar e o fazer de duas docentes no processo de alfabetização e letramento e
a relação com a proposta estabelecida no Sistema Integrado de Gestão da Aprendizagem
(SIGA) da Secretaria de Estado de Educação, em duas escolas de Mato Grosso.
Os pressupostos teórico-metodológicos que fundamentam o programa nos
levaram a refletir sobre algumas questões que nos permitissem entender como tem se
efetivado o desenvolvimento da proposta. Indagamos sobre que concepções de
alfabetização e letramento dão sustentação às práticas pedagógicas nas escolas
envolvidas? Como as professoras realizam o planejamento coletivo, uma vez que o
processo de alfabetização e letramento é proposto para os três anos do ciclo? No
segundo/terceiro ano de desenvolvimento do programa, ocorreram mudanças nas
perspectivas das professoras? A prática pedagógica contempla o trabalho com a
diversidade de gêneros do discurso? Que contribuições e implicações a sistematização
da proposta pedagógica oferece? A práxis, no âmbito do SIGA, considera a infância e a
utilização de gêneros literários? Como é realizado o trabalho com Literatura Infantil?
As atividades cotidianas contemplam a ludicidade, característica principal da criança? O
livro didático serve como instrumento de apoio ou de direcionamento do processo
pedagógico?
Para isso, nos inserimos no ambiente escolar para a coleta de dados e contatar
diretamente com o objeto de estudo e obter informações concretas da realidade, nos
valendo da pesquisa qualitativa. Procuramos observar as práticas docentes no contexto
da sala de aula; conhecer as formas de organização e elaboração do planejamento de
ensino; conhecer as formas de registros de acompanhamento das leituras realizadas
pelos alunos; observar se as metodologias aplicadas são na perspectiva da alfabetização
e do letramento enquanto processos/conceitos indissociáveis; diagnosticar os suportes, a
diversidade e as categorias de gêneros do discurso que se apresentam nos materiais
pedagógicos utilizados na sala de aula; reconhecer como as professoras têm mediado a
leitura literária; identificar problemáticas e contribuições do programa SIGA no trabalho
pedagógico, assim como perspectivas das professoras; perceber se a ludicidade constitui
fator integrante nas atividades pedagógicas diárias; reconhecer a empregabilidade do
livro didático no processo de alfabetização e letramento.
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RESULTADOS PRELIMINARES
Observamos, a princípio, que as professoras têm se dedicado ao
desenvolvimento da proposta na tentativa de inovar o fazer pedagógico e compreender
as concepções que a fundamentam, entendendo, portanto, que só se pode fazer bem
aquilo que se conhece. Como resultados preliminares constatamos que:
- Nas escolas pesquisadas as crianças apresentam diferentes níveis de
desenvolvimento da escrita, ressaltando que algumas do primeiro ano da escola A ainda
não conhecem letras do alfabeto.
- Observa-se na escola B a utilização de gêneros do discurso variados,
como histórias infantis, poemas, músicas, contos, filmes, cartas, bilhetes, quadrinhas,
cartazes.
- A professora e os alunos da escola B utilizam os mapas de
frequência/tarefa e de leitura, componentes do SIGA, nos registros das atividades
diárias, com frequência, enquanto na escola A, é a própria professora que registra as
informações num espaço de tempo mais longo. O mapa de frequência/tarefa, além de
suporte para registros das informações sobre os alunos, este tem caráter pedagógico, e
são as crianças que devem fazer os registros.
- O trabalho com Literatura Infantil é desenvolvido na escola B a partir de
leituras de livros e textos, Cantinho da Leitura, Pasta de Leitura, Caixa de Poesias, Roda
de Leitura, Contação de História, Análise técnica e interpretativa do livro (título, autor,
editora, ilustrador, assunto). Entretanto, na escola A, há duas vezes por semana o
momento da roda de leitura. Os livros são dispostos sobre a mesa da professora e cada
aluno pega um livro para ler. Não foram realizados registros de acompanhamento dos
livros lidos durante as observações das aulas.
- Ambas as professora relataram nas entrevistas que têm muitas dificuldades para
trabalharem de forma diferenciada na perspectiva de alfabetizar letrando. Ainda não
compreenderam muito bem a dinâmica do sistema e também as concepções
epistemológicas da proposta. Necessitam de formação continuada, de “boa formação”
que possibilite maior entendimento das concepções, que esclareça o que significa cada
capacidade proposta, entre outras angústias que assolam o cotidiano escolar.
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- O sistema (ambiente web) tem o campo das medidas adotadas, que se referem
às intervenções pedagógicas para alunos que apresentaram dificuldades no
desenvolvimento de determinadas capacidades trabalhadas na sala de aula. Essas
informações são inseridas no sistema e, no entanto, não há retorno que complemente
esse trabalho, que auxilie as professoras a superarem suas próprias dificuldades de
concepções.
- As professoras não utilizam a biblioteca das escolas com o espaço de leitura
além da sala de aula. Na escola B a sala é pequena e funciona mais como depósito de
materiais do que como espaço de construção de conhecimentos. Porém, o espaço da
biblioteca da escola A é amplo, arejado, mas segundo relato da professora, quando iam
para a biblioteca os horários se chocavam com outras turmas, o que causava certo
tumulto. Por esse motivo a professora decidiu permanecer na sala de aula.
CONCLUSÃO
As intervenções no âmbito educacional são imprescindíveis em contexto global
quanto local. Problemas, fragilidades aparecem constantemente e isso incomoda a
sociedade. O Estado deve desenvolver ações que promovam o bem-estar da sociedade e
o interesse público a fim de compreender o objeto de estudo e aplicá-lo na vida
cotidiana.
A proposição de políticas públicas e organizacionais que permitam a resolução
desses conflitos, além de muito bem elaboradas com ações e estratégias selecionadas,
precisam oferecer condições que primem pela qualidade de seu desenvolvimento, pois o
professor deve possibilitar ao aluno a compreensão para realidade cultural, social e
política.
Todavia, percebemos que as professoras sentem insegurança, angústia, ansiedade
em compreender ou em não compreender a proposta, ou melhor, especificamente o que
traduzem as capacidades como, por exemplo, “utiliza os objetos de escrita presentes no
contexto escolar” ou ainda, “compreende a função dos portadores/suportes textuais”.
Está explícita a necessidade formativa das professoras em relação aos conhecimentos
conceituais. Num ambiente de interlocução elas mediam o discurso, a aprendizagem, a
formação integral de seus alunos, possibilitando-lhes condições para o desenvolvimento da(s)
linguagem(s), de acordo com suas condições.
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Por trás dessa prática estão embutidos muitos fatores que não dependem
exclusivamente das professoras alfabetizadoras, uma vez que estas e seus alunos fazem
parte de um contexto mais amplo. O trabalho coletivo é imprescindível para que a
proposta dê certo e o mais importante é que as professoras, sujeitos desta pesquisa,
estão dispostas a refletir sobre o trabalho que realizam no projeto em busca de melhor
qualidade das práticas de leitura e escrita.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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