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SISTEMA INTEGRADO DE GESTÃO DA APRENDIZAGEM: UMA PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO EM MATO GROSSO RESUMO Este estudo de pesquisa de Mestrado em Educação busca analisar o pensar e o fazer docente de duas professoras alfabetizadoras do 1º Ciclo no processo de construção do conhecimento e a relação com o programa SIGA Sistema Integrado de Gestão da Aprendizagem. Este constitui ferramenta de apoio aos professores alfabetizadores com o objetivo de acompanhar, diagnosticar e realizar intervenção pedagógica no processo ensino e aprendizagem. Foi proposto pela SEDUC-MT e implantado em 2010 em algumas escolas da rede estadual de ensino. Em 2011, ampliado para todas as escolas urbanas e do Campo que atendem ao primeiro Ciclo. Pressupõe a alfabetização e letramento enquanto processos indissociáveis, pois se espera que as crianças sejam alfabetizadas até os oito nos de idade apreendendo o sistema de escrita e suas diferentes formas de interpretar, de ler, de inserir-se no espaço sócio-cultural convivendo com as diversas manifestações de escrita e participando das práticas sociais que envolvem a língua escrita. Enfatizamos a Área de Conhecimento das Linguagens, tendo em vista os eixos estruturantes e o trabalho de desenvolvimento das capacidades próprias de cada eixo. Realizamos a pesquisa qualitativa, partindo do princípio que esta permite a inserção no ambiente para obtenção dos dados, por meio do contato direto com o objeto de estudo. Constatamos, a princípio, o trabalho com a Literatura Infantil mediando a produção de leitura e escrita, a compreensão e valorização da cultura escrita e o desenvolvimento da oralidade. As professoras têm dificuldades em trabalhar com a proposta por não terem clareza de seus pressupostos epistemológicos, necessitando de formação continuada que as auxiliem a compreenderem as concepções. No entanto, estão dispostas a refletirem sobre suas ações na intenção de melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita. Palavras-chaves: Alfabetização, Letramento, SIGA, Inserir, Primeiro Ciclo Maurecilde Lemes da Silva Santana Mestranda em Educação – PPGE/UFMT/GEPLL Profa. Dra. Ana Arlinda de Oliveira Professora do PPGE/UFMT/GEPLL INTRODUÇÃO O processo histórico da educação no Brasil apresenta uma trajetória de grandes e significativas mudanças nas políticas públicas, assim como novos paradigmas que ocorreram acerca dos sujeitos, da realidade social, das ações governamentais e das XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002528

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SISTEMA INTEGRADO DE GESTÃO DA APRENDIZAGEM: UMA

PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO EM MATO GROSSO

RESUMO

Este estudo de pesquisa de Mestrado em Educação busca analisar o pensar e o fazer docente de duas professoras alfabetizadoras do 1º Ciclo no processo de construção do conhecimento e a relação com o programa SIGA – Sistema Integrado de Gestão da Aprendizagem. Este constitui ferramenta de apoio aos professores alfabetizadores com o objetivo de acompanhar, diagnosticar e realizar intervenção pedagógica no processo ensino e aprendizagem. Foi proposto pela SEDUC-MT e implantado em 2010 em algumas escolas da rede estadual de ensino. Em 2011, ampliado para todas as escolas urbanas e do Campo que atendem ao primeiro Ciclo. Pressupõe a alfabetização e letramento enquanto processos indissociáveis, pois se espera que as crianças sejam alfabetizadas até os oito nos de idade apreendendo o sistema de escrita e suas diferentes formas de interpretar, de ler, de inserir-se no espaço sócio-cultural convivendo com as diversas manifestações de escrita e participando das práticas sociais que envolvem a língua escrita. Enfatizamos a Área de Conhecimento das Linguagens, tendo em vista os eixos estruturantes e o trabalho de desenvolvimento das capacidades próprias de cada eixo. Realizamos a pesquisa qualitativa, partindo do princípio que esta permite a inserção no ambiente para obtenção dos dados, por meio do contato direto com o objeto de estudo. Constatamos, a princípio, o trabalho com a Literatura Infantil mediando a produção de leitura e escrita, a compreensão e valorização da cultura escrita e o desenvolvimento da oralidade. As professoras têm dificuldades em trabalhar com a proposta por não terem clareza de seus pressupostos epistemológicos, necessitando de formação continuada que as auxiliem a compreenderem as concepções. No entanto, estão dispostas a refletirem sobre suas ações na intenção de melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita.

Palavras-chaves: Alfabetização, Letramento, SIGA, Inserir, Primeiro Ciclo

Maurecilde Lemes da Silva Santana

Mestranda em Educação – PPGE/UFMT/GEPLL Profa. Dra. Ana Arlinda de Oliveira

Professora do PPGE/UFMT/GEPLL

INTRODUÇÃO

O processo histórico da educação no Brasil apresenta uma trajetória de grandes e

significativas mudanças nas políticas públicas, assim como novos paradigmas que

ocorreram acerca dos sujeitos, da realidade social, das ações governamentais e das

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concepções e teorias pedagógicas. As transformações econômicas, políticas, culturais e

sociais que aconteceram fomentaram tomadas de decisões peculiares a cada tempo e

espaço, a fim de atender as demandas e interesses sociais, auxiliando na resolução de

problemas emergentes na sociedade.

Nóvoa (2009) corrobora que, na educação, os anos 70 foram marcados pela

racionalização do ensino, da pedagogia por objetivos, do esforço para prever, planificar,

controlar; os anos 80, pelas grandes reformas educativas, centradas na estrutura dos

sistemas escolares, principalmente na organização curricular; por conseguinte, nos anos

90 a atenção foi voltada para as organizações curriculares quanto ao seu funcionamento,

administração e gestão.

Essas transformações estabeleceram a busca de novas possibilidades para a

educação, novas propostas metodológicas e políticas públicas organizacionais que

atendessem as exigências naturais do contexto e da sua demanda. As instituições

escolares tiveram, e ainda têm, necessariamente, de assumir uma postura dinâmica,

democrática, constituída como espaço de construção do conhecimento e ressignificação

da práxis pedagógica.

Nessa perspectiva, o processo de alfabetização, enquanto “tecnologia da escrita”,

ou do sistema de escrita, ganhou outra dimensão, mais abrangente e contextualizada. A

partir de 1980, emergiu no Brasil o termo letramento e as discussões sobre o tema, na

busca de ampliar o conceito de alfabetização, não só como domínio da tecnologia do ler

e do escrever, mas também para o uso dessas habilidades em práticas sociais. O

contexto histórico aliado às invenções das máquinas e ao desenvolvimento da indústria

propiciou maior contato com a escrita, suscitando a “necessidade de reconhecer e

nomear práticas sociais de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que as

práticas do ler e do escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita”.

(SOARES, 2004, p. 6).

O letramento, alternativa de inclusão na sociedade da cultura da escrita,

considera o ser humano e suas diferentes formas de interpretar, ler, de inserir-se no

espaço sócio-cultural, convivendo com as diferentes manifestações de escrita e a

participação nas práticas sociais que envolvem a língua escrita, constitui uma

necessidade da sociedade contemporânea.

O que é o Projeto SIGA

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A Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso – SEDUC, na tentativa de

melhorar a qualidade da educação no Estado, principalmente da alfabetização e do

letramento, uma das principais metas na atualidade, implantou em 2010, em caráter

experimental, o desenvolvimento do SIGA – Sistema Integrado de Gestão da

Aprendizagem. Apenas algumas escolas do Estado participaram dessa fase, definidas

por polos regionais acompanhados pelos CEFAPROS – Centro de Formação e

Atualização dos Profissionais da Educação Básica. Este órgão foi criado em 1998, com

a finalidade de desencadear a formação continuada, o uso de novas tecnologias no

processo ensino e aprendizagem, a inclusão digital e a diversidade para profissionais da

Educação Básica da Rede Pública Estadual de Ensino. Em 2011 o programa foi

ampliado para as escolas urbanas e do Campo que atendem o 1o Ciclo da Escola

Organizada por Ciclos de Formação Humana. A intenção da SEDUC e, ao mesmo

tempo, um grande desafio, é garantir a todos os alunos da escola pública o direito de

aprender, construindo e reconstruindo ideias de forma que sejam autores do seu

conhecimento, acompanhando e ampliando as possibilidades de inserção no mundo da

cultura letrada.

O Sistema Integrado de Gestão da Aprendizagem (SIGA) pertence ao módulo de

Gestão Educacional (GED), englobado no SIGEDUCA - Sistema Integrado de Gestão

Educacional, um sistema em ambiente Web que atende as demandas da Secretaria de

Estado de Educação viabilizando a gestão de processos realizados pela SEDUC. Foi

criado a partir de experiências anteriores como do Programa de Gerenciamento Circuito

Campeão do Instituto Ayrton Senna (2007), implantado e executado na rede de

educação no Estado de Mato Grosso para coletar informações referentes à

aprendizagem dos alunos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática no Campo

Gerencial e Pedagógico. Os fundamentos epistemológicos e os estudos sobre

alfabetização, leitura e escrita organizados pelo Ceale/FAE/UFMG têm grande

influência na elaboração e desenvolvimento da proposta.

O SIGA institui-se como ferramenta de apoio com o objetivo de acompanhar,

diagnosticar e realizar intervenção pedagógica no processo ensino e aprendizagem.

Desta forma, o professor deve possibilitar ao aluno a compreensão para realidade

cultural, social e política, a fim de que se torne capaz de participar do processo da

construção da sociedade e organizar suas experiências de vida e, dessa maneira,

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promover o desenvolvimento da capacidade de criticar a realidade onde vive e dela

participar ativamente, tendo consciência de seus atos.

Cabe ao professor atuar como mediador e promotor do processo pedagógico,

desenvolvendo ações que permitam que as dificuldades sejam superadas, ao passo que

tais propostas sejam avaliadas em seu potencial para solucionar os problemas existentes

no ambiente escolar.

DESENVOLVIMENTO

A organização por ciclos de formação humana é um dos grandes desafios do

sistema educativo. Durante muito tempo a educação, seus fundamentos e mecanismos

foram concebidos numa perspectiva excludente, cujo processo avaliativo, de caráter

quantitativo, mensurava, sobremaneira, o que o professor ensinava e o que

supostamente aluno aprendia em detrimento do processo como aconteceu a

aprendizagem, não atentando para o percurso de vida do aluno durante o qual ocorreram

mudanças em múltiplas dimensões.

O Estado de Mato Grosso, mediado pela SEDUC, organizou o sistema de

educação pública em ciclos de formação humana, considerando o sujeito como agente

principal desse contexto. Esta organização se preocupa com a humanização de sua

demanda e as características psicológica (cognitiva e afetiva), biológica e cultural do ser

humano.

Propõe uma escola inclusiva que nos leva a repensar a prática educativa e à

reflexões sobre as concepções que permeiam o processo de ensino e de aprendizagem,

trabalhando com um currículo voltado para a prática social que atenda as

especificidades na diversidade.

Os ciclos de formação humana se estruturam de acordo com os ciclos vitais do

desenvolvimento humano, agrupando-se no primeiro ciclo, crianças de 6 a 8 anos

(infância - foco na alfabetiza/letramento – pré-operatório); no segundo ciclo, crianças

de 9 a 11 anos (puberdade – conhecimentos gerais – realidade concreta); – terceiro

ciclo, de 12 a 14 anos (adolescência – conhecimentos gerais – abstrações); e no quarto

ciclo, de 15 a 17 anos (juventude – conhecimentos gerais – abstrações).

É necessário que se elabore um currículo a partir das especificidades de cada

ciclo, respeitando-se as características dos sujeitos e seus respectivos contextos. A

escola em ciclos deve contribuir para que a criança viva sua infância também no período

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de escolarização, possibilitando-lhe um ambiente de interlocução, de trocas, de

situações de ensino e de aprendizagem que comtemplem a dimensão lúdica inerente à

infância.

Nesse período, principalmente, conforme expresso nas Orientações Curriculares

para a Educação Básica do Estado de Mato Grosso, a ação do professor deve mediar o

desenvolvimento das capacidades, indicando, delimitando e atribuindo significados à

realidade, a partir das constantes interações entre os pares e com o conhecimento

articulado com o meio físico e social, introduzido, trabalhado, consolidado e retomado

nas práticas pedagógicas. Ainda de acordo com as OCs (2010, p. 3), capacidade

compreende o “conhecimento e a aplicação de estratégias e técnicas apropriadas,

relacionadas aos conteúdos aprendidos que o aluno busca, em suas experiências

anteriores, para analisar e resolver problemas”.

A proposta do SIGA apresenta pontos relevantes que precisam ser observados

como objetivos do processo pedagógico, estruturada em eixos e capacidades construídos

para o primeiro ciclo a partir das Orientações Curriculares. Considera-se fundamental

para o seu desenvolvimento efetivo o planejamento da prática pedagógica; o

envolvimento de todos os profissionais no acompanhamento; o reconhecimento da

necessidade do ambiente alfabetizador; a produção de textos e de leitura como parte da

rotina pedagógica na alfabetização; a construção do cantinho da leitura para que as

crianças tenham acesso a diferentes tipos de texto; o alcance de metas a serem atingidas

pelos números de livros lidos; execução de tarefas a serem feitas em casa enquanto

recurso importante para consolidar o processo de alfabetização; acompanhamento

criterioso da frequência dos alunos do 1º ciclo, como condição para o sucesso do

trabalho; o cumprimento dos dias letivos tendo a frequência do professor como fator

condicional para o sucesso no trabalho; participação do professor nas Reuniões de

Planejamento; acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem das turmas pelo

Coordenador Pedagógico.

Os eixos articuladores são sugeridos para cada Área de conhecimento. O

programa atende a Linguagem (especificamente Língua Portuguesa) e Ciências da

Natureza e Matemática (Matemática). Entretanto, ainda que a sistematização seja por

disciplinas e contemple apenas Língua Portuguesa e Matemática, a expectativa é que o

trabalho articulado envolva todas as Áreas de conhecimento.

Estes eixos envolvem a Compreensão e Valorização da Cultura Escrita,

Oralidade, Produção Escrita e Produção de Leitura, pensados considerando que as

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crianças, os pré-adolescentes e os adolescentes, possuem identidades constituídas por

valores e conhecimentos produzidos nos diferentes contextos de vivências e

experiências mediadas pela linguagem nas relações estabelecidas socioculturalmente.

Com a escrita cada vez mais presente na sociedade contemporânea “ler e

escrever com fluência e desenvoltura aparecem como condição de sobrevivência,

empregabilidade, inclusão e cidadania” (CARDOSO, 2008, p. 13). Nesse panorama,

existem pessoas alfabetizadas e não alfabetizadas, que precisam ser incluídas nessa

sociedade da qual são integrantes naturais, para compreensão e participação no

ambiente lecto-escrito, fazendo o uso social dos bens culturais dispostos na sociedade

grafocêntrica.

O ensino da língua deve prever o desenvolvimento de capacidades necessárias

às práticas de leitura e escrita, como também de fala e escuta compreensiva em

situações públicas de uso da língua. Batista (2005, p. 19), concebe língua como um

sistema de escrita que tem como centro a interação verbal, realizada por meio de textos

ou discursos falados ou escritos e que depende da interlocução ou ação linguística entre

sujeitos. Ferreiro (2001) expressa que,

a escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural, resultado do

esforço coletivo da humanidade. Como objeto cultural, a escrita tem diversas

funções sociais e tem meios concretos de existência (especialmente nas

concentrações urbanas). O escrito aparece, para a criança, como objeto com

propriedades específicas e como suportes de ações e intercâmbios sociais

(FERREIRO, 2001, p. 43).

A alfabetização ao longo dos anos foi tratada numa concepção de codificação e

decodificação, em que o processo de aprendizagem da leitura e escrita garantisse o

domínio das correspondências entre fonemas e grafemas. “Admitia-se que saber ler e

escrever e ter o hábito de leitura seriam atributos fundamentais para a participação no

tecido social” (Brito, 2004). Esse entendimento, assim como a sua aplicabilidade, não

mais atende a demanda da sociedade imersa num contexto com inúmeros e

diversificados materiais de leitura. Os sistemas de ensino e as escolas passaram a

reconhecer a insuficiência da concepção de alfabetização, ponderada como

aprendizagem mecânica de ler e escrever. Nesse sentido, além de aprender a ler e

escrever, a criança deve aprender a dominar as práticas sociais de leitura e de escrita.

Desde a década de 1980 o conceito de alfabetização vinha sendo ampliado com

as contribuições dos estudos da psicogênese da língua escrita, especialmente com o

trabalho de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. O aprendizado do sistema de escrita não

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se reduziria ao domínio de correspondências entre grafemas e fonemas, mas se

caracterizaria como um processo ativo em que a criança, desde seus primeiros contatos

com a escrita, construiria e reconstruiria hipóteses sobre a natureza e o funcionamento

da língua escrita, compreendida como um sistema de representação. O termo

alfabetização passou a instituir, além do processo de ensinar e aprender habilidades de

codificação e decodificação, o domínio dos conhecimentos que permitem o uso dessas

habilidades nas práticas sociais de leitura e escrita, denominando assim, a alfabetização

funcional. A partir deste enfoque Britto (2004) observa que

o fenômeno da cultura escrita – da sociedade da cultura escrita- tem uma

dimensão específica que vai além daquela em que situam os indivíduos. O

desenho urbano, as formas de interlocução no espaço público, as expressões

de cultura, os princípios e os constrangimentos morais, as leis, a organização

da indústria e do comércio, tudo isso é parte da sociedade da cultura escrita.

As próprias formas da língua falada, bem como os valores e as avaliações que

se fazem dos enunciados verbais estão referenciados nesse modo de produção

da cultura (BRITTO, 2004, p. 50).

Participar dessa sociedade vai além de decifrar letras e sons, mas de entender e

compreender a mensagem implícita ou explícita nos objetos de leitura. Inserir-se nesse

contexto e participar dele, pertencer a esse grupo como agente autônomo e capaz de

promover transformação na sociedade.

As mudanças no contexto sócio-político-cultural fomentaram a ampliação do

conceito de alfabetização e a necessidade de ferramentas possibilitadoras de

participação nas diversas situações de interação da sociedade em que os textos estejam

presentes. O conceito amplo de letramento trabalha os usos das práticas de leitura e

escrita no cotidiano, denominada por Soares (2004) como

o exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita, que implica várias

habilidades como capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes

objetivos – para informar ou informar-se, para interagir com os outros, para

imergir no imaginário, no estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir

ou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio à memória, para

catarse...; habilidades de interpretar e produzir diferentes tipos de texto;

habilidades de orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou

de lançar mãos desses protocolos, ao escrever; atitudes de inserção efetiva ao

mundo da escrita, tendo interesse e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar

a escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos,

escrevendo ou lendo de forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os

objetivos e o interlocutor (SOARES, 2004, p. 91).

A mesma autora define alfabetização como “processo de aquisição do sistema

convencional de uma escrita alfabética e ortográfica” (SOARES, 2004, 11), isto é, do

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conjunto de técnicas, procedimentos e habilidades necessárias para a prática de leitura e

de escrita.

A relação estabelecida por Soares corresponde à inserção no mundo da escrita

possibilitada pela aquisição de uma tecnologia (alfabetização) e pelo desenvolvimento

de competências (habilidades, conhecimentos, atitudes) de uso efetivo dessa tecnologia

em práticas que envolvem a língua escrita.

Quanto maior o contato e a manipulação de diferentes gêneros discursivos,

melhor será a participação na sociedade e a sensação de pertencimento, de inclusão.

Assim, Britto (2004, p. 50) assegura que “quando maior a participação do sujeito na

cultura escrita, maior serão entre outras coisas, a realização de leitura autônoma, a

convivência com domínios do raciocínio abstrato, a produção de textos para registro,

comunicação ou planejamento”. É indispensável considerar o sujeito da aprendizagem e

suas características peculiares. Crianças nesse período precisam ser estimuladas com

atividades e conteúdos significativos. A diversidade de gêneros do discurso precisa ser

pensada como trabalho vinculado a situações problematizadoras.

À escola, enquanto espaço de reaproximação dos materiais, cabe viabilizar o

acesso a outros tipos de textos, como por exemplo, aqueles materiais de leitura que o

aluno leva para a escola e que lhes conferem diferentes significados. Esse trabalho

precisa ser tomado como rotina de reflexão do sistema de escrita, observando-se os

princípios que constroem novas palavras e novos significados. Neste caso, o texto

literário contribui fundamentalmente no acesso às experiências de leitura.

A leitura e a literatura infantil devem fazer parte do cotidiano do contexto

escolar, assim como os diversos e diferentes gêneros textuais, pois a leitura é um

processo que permite compreender a escrita e outras formas de expressão. A criação de

ambientes e situações pedagógicas diferenciadas no interior ou fora da sala de aula

possibilita a ampliação contextualizada do universo discursivo, trazendo para o

cotidiano da Escola, novas formas de interação com a linguagem.

A Literatura Infantil é definida por Oliveira (2010, p. 15), como “uma produção

cultural voltada para o público infantil que tem uma diversidade substanciada de

gêneros literários para crianças de várias faixas etárias”. Em relação aos livros infantis,

Oliveira (2005, p.125) argumenta que “além de proporcionarem prazer, contribuem para

o enriquecimento intelectual das crianças. Sendo esse gênero objeto da cultura, a criança

tem um encontro significativo de sua história com o mundo imaginativo dela própria”.

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Movidas pela necessidade de compreender como o trabalho no primeiro ciclo –

processo de alfabetização e letramento está sendo realizado, enquanto professora

formadora do CEFAPRO de Cuiabá, cuja função é acompanhar e assessorar professores

alfabetizadores e professora da Universidade Federal de Mato Grosso, buscamos

analisar o pensar e o fazer de duas docentes no processo de alfabetização e letramento e

a relação com a proposta estabelecida no Sistema Integrado de Gestão da Aprendizagem

(SIGA) da Secretaria de Estado de Educação, em duas escolas de Mato Grosso.

Os pressupostos teórico-metodológicos que fundamentam o programa nos

levaram a refletir sobre algumas questões que nos permitissem entender como tem se

efetivado o desenvolvimento da proposta. Indagamos sobre que concepções de

alfabetização e letramento dão sustentação às práticas pedagógicas nas escolas

envolvidas? Como as professoras realizam o planejamento coletivo, uma vez que o

processo de alfabetização e letramento é proposto para os três anos do ciclo? No

segundo/terceiro ano de desenvolvimento do programa, ocorreram mudanças nas

perspectivas das professoras? A prática pedagógica contempla o trabalho com a

diversidade de gêneros do discurso? Que contribuições e implicações a sistematização

da proposta pedagógica oferece? A práxis, no âmbito do SIGA, considera a infância e a

utilização de gêneros literários? Como é realizado o trabalho com Literatura Infantil?

As atividades cotidianas contemplam a ludicidade, característica principal da criança? O

livro didático serve como instrumento de apoio ou de direcionamento do processo

pedagógico?

Para isso, nos inserimos no ambiente escolar para a coleta de dados e contatar

diretamente com o objeto de estudo e obter informações concretas da realidade, nos

valendo da pesquisa qualitativa. Procuramos observar as práticas docentes no contexto

da sala de aula; conhecer as formas de organização e elaboração do planejamento de

ensino; conhecer as formas de registros de acompanhamento das leituras realizadas

pelos alunos; observar se as metodologias aplicadas são na perspectiva da alfabetização

e do letramento enquanto processos/conceitos indissociáveis; diagnosticar os suportes, a

diversidade e as categorias de gêneros do discurso que se apresentam nos materiais

pedagógicos utilizados na sala de aula; reconhecer como as professoras têm mediado a

leitura literária; identificar problemáticas e contribuições do programa SIGA no trabalho

pedagógico, assim como perspectivas das professoras; perceber se a ludicidade constitui

fator integrante nas atividades pedagógicas diárias; reconhecer a empregabilidade do

livro didático no processo de alfabetização e letramento.

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RESULTADOS PRELIMINARES

Observamos, a princípio, que as professoras têm se dedicado ao

desenvolvimento da proposta na tentativa de inovar o fazer pedagógico e compreender

as concepções que a fundamentam, entendendo, portanto, que só se pode fazer bem

aquilo que se conhece. Como resultados preliminares constatamos que:

- Nas escolas pesquisadas as crianças apresentam diferentes níveis de

desenvolvimento da escrita, ressaltando que algumas do primeiro ano da escola A ainda

não conhecem letras do alfabeto.

- Observa-se na escola B a utilização de gêneros do discurso variados,

como histórias infantis, poemas, músicas, contos, filmes, cartas, bilhetes, quadrinhas,

cartazes.

- A professora e os alunos da escola B utilizam os mapas de

frequência/tarefa e de leitura, componentes do SIGA, nos registros das atividades

diárias, com frequência, enquanto na escola A, é a própria professora que registra as

informações num espaço de tempo mais longo. O mapa de frequência/tarefa, além de

suporte para registros das informações sobre os alunos, este tem caráter pedagógico, e

são as crianças que devem fazer os registros.

- O trabalho com Literatura Infantil é desenvolvido na escola B a partir de

leituras de livros e textos, Cantinho da Leitura, Pasta de Leitura, Caixa de Poesias, Roda

de Leitura, Contação de História, Análise técnica e interpretativa do livro (título, autor,

editora, ilustrador, assunto). Entretanto, na escola A, há duas vezes por semana o

momento da roda de leitura. Os livros são dispostos sobre a mesa da professora e cada

aluno pega um livro para ler. Não foram realizados registros de acompanhamento dos

livros lidos durante as observações das aulas.

- Ambas as professora relataram nas entrevistas que têm muitas dificuldades para

trabalharem de forma diferenciada na perspectiva de alfabetizar letrando. Ainda não

compreenderam muito bem a dinâmica do sistema e também as concepções

epistemológicas da proposta. Necessitam de formação continuada, de “boa formação”

que possibilite maior entendimento das concepções, que esclareça o que significa cada

capacidade proposta, entre outras angústias que assolam o cotidiano escolar.

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- O sistema (ambiente web) tem o campo das medidas adotadas, que se referem

às intervenções pedagógicas para alunos que apresentaram dificuldades no

desenvolvimento de determinadas capacidades trabalhadas na sala de aula. Essas

informações são inseridas no sistema e, no entanto, não há retorno que complemente

esse trabalho, que auxilie as professoras a superarem suas próprias dificuldades de

concepções.

- As professoras não utilizam a biblioteca das escolas com o espaço de leitura

além da sala de aula. Na escola B a sala é pequena e funciona mais como depósito de

materiais do que como espaço de construção de conhecimentos. Porém, o espaço da

biblioteca da escola A é amplo, arejado, mas segundo relato da professora, quando iam

para a biblioteca os horários se chocavam com outras turmas, o que causava certo

tumulto. Por esse motivo a professora decidiu permanecer na sala de aula.

CONCLUSÃO

As intervenções no âmbito educacional são imprescindíveis em contexto global

quanto local. Problemas, fragilidades aparecem constantemente e isso incomoda a

sociedade. O Estado deve desenvolver ações que promovam o bem-estar da sociedade e

o interesse público a fim de compreender o objeto de estudo e aplicá-lo na vida

cotidiana.

A proposição de políticas públicas e organizacionais que permitam a resolução

desses conflitos, além de muito bem elaboradas com ações e estratégias selecionadas,

precisam oferecer condições que primem pela qualidade de seu desenvolvimento, pois o

professor deve possibilitar ao aluno a compreensão para realidade cultural, social e

política.

Todavia, percebemos que as professoras sentem insegurança, angústia, ansiedade

em compreender ou em não compreender a proposta, ou melhor, especificamente o que

traduzem as capacidades como, por exemplo, “utiliza os objetos de escrita presentes no

contexto escolar” ou ainda, “compreende a função dos portadores/suportes textuais”.

Está explícita a necessidade formativa das professoras em relação aos conhecimentos

conceituais. Num ambiente de interlocução elas mediam o discurso, a aprendizagem, a

formação integral de seus alunos, possibilitando-lhes condições para o desenvolvimento da(s)

linguagem(s), de acordo com suas condições.

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Por trás dessa prática estão embutidos muitos fatores que não dependem

exclusivamente das professoras alfabetizadoras, uma vez que estas e seus alunos fazem

parte de um contexto mais amplo. O trabalho coletivo é imprescindível para que a

proposta dê certo e o mais importante é que as professoras, sujeitos desta pesquisa,

estão dispostas a refletir sobre o trabalho que realizam no projeto em busca de melhor

qualidade das práticas de leitura e escrita.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Gomes Batista et al. Belo Horizonte: Ceale/Fae/UFMG, 2005.

BRITTO, Luiz Percival Leme. Sociedade de cultura escrita, alfabetismo e participação.

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