Palavras na ponta dos dedos

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INSTITUTO POLITÉCNICO DE BEJA ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO CURSO: Mestrado em Educação Pré-escolar e Ensino do 1ºciclo UNIDADE CURRICULAR: Educação Inclusiva SURDEZ “ Palavras nas pontas dos dedos” Docente: Maria Teresa Santos Trabalho realizado por: Marta Serrano nº13043 Beja,2013

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trabalho sobre a surdez

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INSTITUTO POLITÉCNICO DE BEJA

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

CURSO: Mestrado em Educação Pré-escolar e Ensino do 1ºciclo

UNIDADE CURRICULAR: Educação Inclusiva

SURDEZ “ Palavras nas pontas dos dedos”

Docente:

Maria Teresa Santos

Trabalho realizado por:

Marta Serrano nº13043

Beja,2013

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Índice

Introdução ........................................................................ Erro! Marcador não definido.

1. A Surdez – “Dos primordios até à atualidade” ........ Erro! Marcador não definido.

1.1. Oralismo…………………………………………………………………….….7

1.2. Gestualismo ........................................................................................................ 8

1.3 Bilinguismo………………………………………………………………..…….10

2. Conceito de surdez .................................................................................................. 11

2.1. Será verdade ou é apenas um mito? ................................................................. 13

2.2 Caracteristicas e identificação do problema ........ Erro! Marcador não definido.

3.Legislação e educação dos alunos surdos…………………………………………….17

Conclusão ........................................................................................................................ 20

Bibliografia/Webgrafia ................................................................................................... 21

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Introdução

A forma como a sociedade olha para as pessoas portadoras de deficiência tem vindo a

sofrer significativas alterações. Atualmente a pessoa portadora de deficiência, é tratada

como qualquer cidadão, usufruindo assim de plenos direitos e deveres tal como os

restantes. Dessa forma é necessário serem criados recursos capazes de fazer com que o

cidadão portador de deficiência se possa sentir integrado na sociedade que o rodeia e

nela ser educado. Em 1994, foi elaborada a Declaração de Salamanca. Esta centra-se

fundamentalmente na evolução dos princípios e das práticas de educação de crianças

com necessidades educativas especiais. É baseado nessa mesma declaração que surge o

conceito de Escola Inclusiva, uma escola que tem como principal objetivo proporcionar

o mesmo tipo de oportunidades a todas as crianças. Dessa forma cabe as escolas

adequarem a pedagogia utilizada, centrando a mesma na criança, sendo assim capaz de

ir de encontro às necessidades de cada um. Com a Declaração de Salamanca (1994),

também o conceito de NEE é alargado a todas as crianças que, em algum momento,

tenham problemas na escolaridade:”…a expressão “necessidades educativas especiais”

refere-se a todas as crianças e jovens cujas carências se relacionam com deficiências

ou dificuldades escolares. Muitas crianças apresentam dificuldades escolares e,

consequentemente têm necessidades educativas especiais, em determinado momento da

sua escolaridade”. (p. 6) Presentemente a escola é confrontada com diversos tipos de

problemas educativos, entre eles o défice de audição ou a surdez. O conceito de surdez

não é unanime assim como nem todos os autores consideram os surdos como pessoas

portadoras de deficiência. É sobre essa problemática que o meu trabalho se irá debruçar,

tendo como objetivo abordar o conceito de surdez, expor um pouco da história da

surdez e ainda fazer referência à legislação e a educação dos surdos.

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1- A surdez- “Dos primórdios até a atualidade”

O termo que era utilizado antigamente para denominar uma pessoa com deficiência ao

nível da audição era Surdo-mudo, termo que atribuía assim uma deficiência ao nível do

aparelho fonador visto que o individuo não conseguia comunicar verbalmente.

Desde os tempos antigos, a surdez sempre foi considerada uma doença que

impossibilitava o individuo de se tornar um cidadão capaz, um cidadão responsável,

devido a sua dificuldade em comunicar. Esta visão assemelha-se, segundo Ferreira

(2006) às teorias de Platão e Aristóteles (século IV a.C.), que defendiam que os surdos

não eram indivíduos capazes de ser educados, admitindo também que, por não serem

dotados da capacidade de comunicar também não usufruíam da capacidade de

raciocinar. Segundo Skiliar (1998), na idade moderna, surge uma nova abordagem sobre

o que é a surdez e sobre o sujeito portador de tal deficiência, uma nova visão que surgiu

após alguns estudos sobre a temática.

No início do século XVI, diversos pedagogos se predispuseram a trabalhar com surdos e

foi a partir daí que se começou a admitir que o surdo era capaz de aprender através de

procedimentos pedagógicos, surgindo assim diversos resultados consoante as práticas

pedagógicas utilizadas.

O objetivo da educação dos surdos era então, desenvolver o seu pensamento, adquirir

conhecimentos e poder comunicar com o mundo ouvinte. Foi também nesta altura que

se registaram os primeiros resultados de sucesso em cidadãos surdos. Giralamo Cardano

(1501-1576) foi o primeiro a declarar que o surdo era um individuo dotado da

capacidade de pensar, compreender, estabelecer relações entre as coisas e fazer

representações de objetos. As suas declarações baseavam-se num método de

aprendizagem, o qual consistia na associação de imagens para representar a realidade,

constituindo, assim, um sistema lógico que viabilizava construções coerentes e indicava

a existência de uma mente racional capaz de analisar ideias e elaborar conceitos a partir

das mesmas (Carvalho,2007).

A verdadeira educação dos surdos a nível mundial dá-se início a partir do trabalho

desenvolvido por Pedro Ponce de Leon (1520 – 1584), monge beneditino espanhol. O

seu trabalho serviu como ponto de referência para outros educadores de surdos. Este

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desenvolveu um novo método educacional que englobava datilologia, escrita e

oralização. Entretanto é publicado o primeiro manual de educação dos surdos. Segundo

Carvalho (2007) o médico John Bulwer foi o primeiro inglês a incrementar um método,

essencialmente à base de gestos, direcionado à comunicação de surdos e mudos,

contudo as obras que publicou não surtiram grande influência junto da comunidade

surda. No entanto na opinião de Ferreira (2006) foi John Wallis o primeiro a reconhecer

a conveniência dos signos gestuais do surdo, na aprendizagem da língua oral. Durante o

século XVIII, em França, o abade francês Charles Michel de L´Épée dá início à

instrução formal de crianças surdas, na primeira escola pública, fundada em 1755, mais

tarde (em 1971) é fundado o Instituto Nacional de Surdos e Mudos em Paris. L´Epée

apesar de usar o método oral baseava também o seu trabalho na utilização de gestos,

num sistema que incorporava a língua falada e gestos, criando assim o sistema “Sinais

Metódicos”, sendo o principal objetivo deste método a aproximação à língua francesa.

Para L´Épée a língua gestual tinha como objetivo principal da sua conceção tornar-se a

língua natural dos surdos e um meio de desenvolver o pensamento e a comunicação dos

mesmos. É também nesta altura que é atribuído aos surdos o estatuto de “humanos” pois

é reconhecida a existência da sua própria língua. A educação dos surdos tomou grandes

proporções em diversos países, contudo, segundo Carvalho (2007) entre a segunda

metade do século XVIII e meados do seculo XIX, a educação dos surdos sofreu um

período de grandes rivalidades entre quem defendia os métodos oralistas e quem

defendia os métodos baseados na Língua Gestual, métodos que atualmente são

conhecidos como Oralismo e Gestualismo. Esta rivalidade tinha como base pontos de

vista diferentes, os que defendia o método oralista exigiam que os surdos se

reabilitassem, que superassem o problema da surdez e que falassem, comportando-se

como se não fossem surdos, por outro lado os gestualistas, eram capazes de perceber a

dificuldade dos surdos perante a língua oral, e viram que os surdos desenvolviam uma

linguagem que embora diferente da oral, era eficaz para a sua comunicação e que lhes

proporcionava novas oportunidades de adquirir conhecimento. Em 1880, acontece o

segundo Congresso Mundial sobre a educação de surdos, ficando o mesmo como um

marco nessa área, pois reprimiu a utilização da Língua Gestual, deixando sair assim

vitorioso o método oral. A partir dessa altura o Oralismo foi assumido como referencia

e as práticas educacionais ligadas ao método foram amplamente desenvolvidas e

divulgadas. Após o Oralismo tomar as rédeas da educação dos surdos, segundo Campos,

(Campos. Mª. José Guerra, 2005.” Perscutar e escutar a surdez”) durante quase um

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século o povo surdo sofreu um enorme desgaste da sua autoimagem e dessa forma foi

perdendo as memórias das suas referências históricas e culturais.

A partir do século XX a educação e o ensino dos surdos caminhou lado a lado com o

conceito de surdez, segundo Coutinho. Foi nesta época que o descontentamento com o

Oralismo e as pesquisas efetuadas acerca das línguas gestuais deram origem a novas

propostas educacionais em relação à educação das pessoas surdas, tendo aparecido nos

anos 70 a “comunicação total”, que através da mesma era possível utilizar o gesto

espontâneo, a leitura labial, a língua gestual, a fala, a datilografia, a leitura, a escrita

entre outros métodos capazes de fornecer a entrada ou a mudança de modelos

linguísticos aos estudantes surdos. Sendo este método o que vigora até aos nossos

tempos.

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1.1- Oralismo

O oralismo foi o método com maior relevância antes da língua gestual, servindo como

referencial, desenvolvendo-se assim as práticas a ele ligadas. Este método defendia que

era o mais eficaz para ensinar os surdos, baseando-se na linguagem oral. Os alunos

surdos eram ensinados a falar por meio de técnicas oralistas fundamentadas na visão

clínico-terapêutica. O trabalho pedagógico que o método envolvia destinava-se mais ao

ensino da fala do que dos restantes conteúdos curriculares.

A utilização deste método visava à integração da criança surda na comunidade ouvinte,

enfatizando a língua oral do país, o seu objetivo era fazer a reabilitação da criança surda

em direção à normalidade. Nessa altura negava-se a surdez e enfatizava a aquisição da

fala. Contudo, mesmo tendo sido um dos métodos mais relevantes acabou por não haver

uma realização satisfatória nesta abordagem do oralismo.

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1.2- Gestualismo

O Gestualismo foi a filosofia que presidiu a primeira verdadeira escola para surdos, em

1956 em Paris. O Gestualismo foi o nome atribuído ao método de ensino da língua dos

surdos, este método baseava-se nos gestos manuais, que se vieram a tornar a base da

atual língua gestual (Stokoe, 1960). Ao estudar a Língua Gestual Americana (ASL),

Stokoe deparou-se com uma estrutura semelhante às línguas orais, referindo que tal

como as palavras eram formadas por uma combinação de sons (fonemas), recorrendo à

combinação de um número restrito de unidades mínimas na dimensão gestual se podiam

produzir um grande número de unidades com significado – Gestos. Ainda com base na

sua pesquisa, o autor concluiu que o gesto podia ser decomposto em três parâmetros

básicos: o lugar no espaço onde as mãos se movem, a configuração da (s) mão (s) e o

seu movimento ao realizar o gesto, sendo estes os parâmetros que distinguem os gestos

entre si. Os estudos realizados por Stokoe e posteriormente por outros autores revelaram

que as línguas gestuais eram verdadeiras línguas, pois preenchiam todos os requisitos

que a linguística colocava às línguas orais. Contudo surgiram outros estudos que

revelaram uma outra visão, estudos que afirmavam que a língua gestual apresenta a sua

própria fonologia, morfologia, sintaxe e semântica, permitindo assim uma enorme

riqueza expressiva aos seus utentes, e também uma língua possuidora das suas próprias

variações dialetais socioprofissionais e culturais. Esses estudos despertaram a

comunidade surda para o fato de para além de serem utilizadores da língua gestual

pouco ou nada conhecerem acerca da mesma, levando assim a uma nova

consciencialização relativamente à própria língua.

Em Portugal, a língua gestual permaneceu desconhecida e até proibida de ser utilizada

nas escolas de crianças com deficiências auditivas, tanto pelos docentes como pelas

famílias das mesmas, embora a mesma fosse utilizada pela maioria da comunidade

adulta surda do país. Em 1970, foi então feito o primeiro estudo acerca da língua gestual

em Portugal, prosseguindo então com investigações que tinham como objetivo

aprofundar e divulgar a gramática da língua gestual portuguesa. Foi baseando-se nesses

estudos que alguns autores referiram que a língua gestual era expressa principalmente

através da configuração, posição e movimento das mãos, mas também a expressão

facial, a postura e o movimento da cabeça e do corpo se revelam de enorme importância

para as funções gramaticais e linguísticas da língua gestual.

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A sintaxe da língua gestual não é igual à sintaxe da língua oral, pois enquanto a língua

oral faz seguir de forma sucessiva os conceitos, na língua gestual vários conceitos

podem ser emitidos em simultâneo, o que demonstra a riqueza e rapidez da informação.

O fato da língua gestual ser icónica gerou algumas controvérsias entre autores, pois

alguns afirmavam que a língua gestual era uma série de gestos pantomímicos, concretos

e icónicos, incapazes de funcionar como uma língua. Atualmente, vários autores

reconhecem as línguas gestuais como sistemas estruturados e abstratos, encontrando-se

ao mesmo nível da linguagem verbal, e que tal como esta permitem o desenvolvimento

cognitivo e o pensamento abstrato (Marschark, 1993; Delgado Martins,1997).

Dessa forma podemos concluir que a língua gestual, sendo arbitrária, convencional e

coletiva (embora de uso mais restrito) tal como a língua oral, possui estatuto de língua.

Sendo a língua gestual o meio de comunicação mais próximo e natural dos surdos, a sua

integração na sociedade dos ouvintes não passa pela aprendizagem “artificial” de uma

linguagem que lhes é imposta – a língua dos ouvintes (Lane,1998).

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1.3-Bil inguismo

O bilinguismo surge na década de 90, não só como uma reação normal aos modelos

educacionais precedentes, mas também como a expressão de uma nova visão sobre a

surdez, os surdos, a comunicação e a língua gestual. Esta nova abordagem enaltece a

língua gestual como meio de desenvolvimento do surdo nas diversas áreas do

conhecimento, baseando-se no direito que o surdo possui no acesso à educação através

da sua língua natural. Segundo os autores Harmers e Blanc (2000), o autor Bloomfield

(1935) descreveu bilinguismo como sendo “o controlo nativo de duas línguas”

conferindo ao indivíduo a capacidade de falar duas línguas de forma correta. Para além

desta definição, também o autor Macnamara (1967) atribui uma outra definição ao

conceito de bilinguismo, definindo o mesmo como “indivíduo bilingue é alguém que

possui competência mínima em uma das quatro habilidades linguísticas (falar, ouvir,

ler e escrever) em uma língua diferente da sua língua nativa”, conferindo assim uma

outra perspetiva contrária à de bilingues perfeitos.

Alguns autores referem que o bilinguismo é um fenómeno multidimensional, e que atua

em seis dimensões diferentes nomeadamente a competência relativa; a organização

cognitiva; a idade de aquisição; a presença ou não de indivíduos que dominem a

segunda língua no ambiente em questão; estatuto das duas línguas envolvidas e

identidade cultural. A partir destas seis dimensões surgem novas categorias de

bilinguismo, consoante a dimensão na qual se baseiam.

O objetivo principal da educação bilingue, segundo Lacerda (1998), é que a criança

surda possa ter um desenvolvimento cognitivo-linguístico idêntico à criança ouvinte,

alargando também as relações com os seus pares, através do acesso às duas línguas: a

língua gestual e a língua portuguesa.

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2- Conceito de surdez

O conceito de surdez, como qualquer outro conceito, sofreu mudanças ao longo

dos tempos. Este conceito depende também do ponto de vista em que o mesmo é

abordado.

Do ponto de vista médico a surdez pode ser classificada como deficiência

auditiva ou hipoacusia, e pode ser caracterizada dependendo do nível atribuído.

A surdez tendo em conta o grau de perda auditiva, pode ser:

Leve, e neste caso não tem efeitos significativos no desenvolvimento da

criança, sendo necessário a vigilância para que não evolua;

Moderada, e neste caso já pode interferir no desenvolvimento da

linguagem, não chegando a impedir o individuo de falar;

Severa, chegado este nível a perda auditiva já interfere no

desenvolvimento da fala e da linguagem, contudo se recorrer ao uso do

aparelho auditivo, este pode contribuir para esse desenvolvimento;

Profunda, neste caso não existe intervenção, e a fala e a linguagem

dificilmente poderão ocorrer.

Do ponto de vista cultural, a surdez é descrita como diferença linguística e identidade

cultural, sendo a mesma compartilhada entre indivíduos surdos. A surdez é o modelo da

cultura surda, sendo a base na qual se constrói a estrutura e a forma da mesma, cujo

principal elemento de difusão é a língua gestual, a língua natural dos surdos, assim sem

surdez não existia cultura surda.

Do ponto de vista educacional, o conceito de surdez faz referência à incapacidade da

criança aprender a falar naturalmente, por via auditiva e também à incapacidade da

criança surda seguir um percurso académico dito “ normal”.

Apesar dos diferentes pontos de vista, segundo Wrigley: “Contrários ao modo como

muitos definem surdez – isto é, como um impedimento auditivo – pessoas surdas

definem-se em termos culturais e linguísticos. “ (Wrigley 1996,p. 13)

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Ainda quanto ao conceito de surdez, Coutinho identifica três períodos distintos:

O primeiro período, que se situou entre o início do seculo XX até aos anos 50,

foi designado de período psicométrico, e durante o mesmo a surdez é encarada

como uma anormalidade. É nesta época que se desenvolvem testes

psicométricos e se dá grande importância ao Coeficiente de inteligência QI).

O segundo período, situado entre os anos 60 e 70, ficou designado como o

período clinico, considerando a surdez como uma patologia de origem

fisiológica.

O terceiro período, designado por interacionista (anos 70/80), no qual a surdez

foi vista como um défice provocado pela falta de interação social dos surdos.

Para o autor, estas três conceções de surdez apresentam como denominador

comum o facto de defenderem que, com tecnologia adequada, os surdos podem

vir a ouvir. Tendo por base esta premissa, os métodos educativos aplicados aos

surdos foram, basicamente, oralistas.

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2.1- Será verdade ou é apenas um mito?

Muitas vezes criamos ideias erróneas acerca do que nos é desconhecido, tomando como

certas essas ideias muitas vezes antecipadas. Para desmistificar um pouco essas ideias é

necessário analisar alguns desses mitos criados em torno da pessoa surda ou da surdez,

visto que as mesmas por vezes apresentam um peso significativo na relação das pessoas

ouvintes com as pessoas portadoras dessa deficiência.

Todo o surdo é mudo?

Não, a pessoa surda na maior parte dos casos apresenta os órgãos fono-articulatórios

perfeitos logo apresenta todo o potencial para desenvolvimento da fala.

Não é porque é surdo que se torna automaticamente mudo. A mudez genuína é

extremamente rara e geralmente decorre de lesões cerebrais.

A pessoa surda é uma pessoa sem linguagem?

Não, a linguagem está na natureza da pessoa. A pessoa surda tem linguagem, apenas é

uma linguagem diferente, uma linguagem que lhe é própria e que lhe serve pra

comunicar.

O surdo é desconfiado?

A desconfiança da pessoa surda pode surgir a partir da falta de clareza com que o

interlocutor se exprime, pois se este não for claro e não esclarecer a pessoa acerca do

que se esta a passar à sua volta, é muito difícil para a pessoa surda estar confiante.

As crianças surdas com problemas na fala (ou que não falam) são intelectualmente

menos desenvolvidas que as crianças ouvintes?

A criança surda ou portadora de deficiência auditiva não é obrigatoriamente uma

criança com problemas ao nível do desenvolvimento intelectual, dessa forma é

perentório que não se confunda o domínio da linguagem oral com o domínio do

pensamento.

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A comunicação gestual entre surdos não é uma língua?

A comunicação gestual estabelecida entre os surdos apresenta todas as propriedades de

uma língua, tanto a nível fonológico, como morfológico, sintático, semântico, recursivo,

e estilístico logo possui todas as características exigidas ao status de língua.

Todos os surdos fazem facilmente a leitura labial?

A leitura labial não é uma técnica fácil, é algo que tem de ser aprendido. A pessoa que

estiver a falar tem de ser clara e não pode exagerar na forma como se expressa, pois só

assim a pessoa surda conseguirá proceder à leitura labial.

A criança surda apresenta um comportamento agressivo?

A forma como a criança surda se tem de expressar a partir de gestos, pode parecer que

esta se encontra em desacordo, aborrecido ou zangado, mas essa ilação é errada pois o

que acontece na verdade é que a língua tem de ser expressa rápida e fisicamente. Isto

não quer dizer que a criança seja mais agressiva, outras crianças utilizam palavrões cuja

agressividade pode ser idêntica ou superior.

“Para que é que eu lhe falo se ela não me ouve?” (mãe de criança surda)

A criança necessita sempre de viver rodeado de um clima de comunicação, tanto oral

como não oral, que seja o mais natural e feliz possível.

A criança surda que usa aparelho auditivo ouve tão bem como qualquer pessoa

ouvinte?

O uso de aparelho auditivo não quer dizer que a criança portadora de deficiência ao

nível da audição passe a ouvir perfeitamente aquando da sua utilização. Este aparelho

pode ajudar a melhorar a qualidade do que se ouve mas não é cem porcento eficaz.

A comunicação gestual é universal?

Como língua que é, não possui universalidade. Cada país tem a sua, podendo haver

gestos idênticos. No entanto existe uma língua gestual universal (“ gestuno”), tal como

existe uma língua oral universal (“esperanto”).

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2.2- Características e identificação do problema

Nem sempre a perda de audição é detetada facilmente, pois uma perda auditiva média,

intermitente ou que afete só algumas frequências especificas pode passar despercebida e

só se tornar mais evidente quando a criança começa a apresentar dificuldades na

linguagem. Por isso deve se ter em atenção, caso surja quaisquer indícios de

dificuldades que podem ser a causa de problemas de aprendizagem, de falta de atenção

ou até de problemas comportamentais. Uma criança com nível de audição alterado, pode

apresentar algumas alterações a nível comportamental. É motivo de alerta caso a

criança:

Adormeça com alguma frequência durante o dia;

Pareça desatenta e preguiçosa;

Aparente estar tensa ou muito ansiosa;

Esteja calada e quieta em situações não habituais;

Pareça ouvir melhor em certos dias e noutros não.

Ao nível da linguagem oral a criança também pode apresentar algumas características.

Entre elas:

Dificuldade em compreender instruções orais;

Discurso pouco claro para o nível etário onde se encontra;

Utilização de palavras soltas em vez de frases completas;

Formação incorreta de frases;

Organiza as ideias para se exprimir de forma lenta;

Dificuldade em soletrar palavras som por som;

Dificuldade em associar as letras impressas aos respetivos sons;

Dificuldade em discriminar e aprender os sons das vogais breves;

Dificuldade na aprendizagem da divisão silábica e acentuação de palavras;

Dificuldade em aprender conceitos abstratos;

Há que ter em conta alguns sinais de alerta, sinais, esses, que podem preceder uma

surdez entre eles: estar mais suscetível ao ruído, apresentar fatiga auditiva, ter com

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frequência otites agudas e perda precoce de acuidade aos sons agudos. Estes sinais nem

sequer são fáceis de detetar, mesmo em contexto familiar, antes da idade escolar. Dessa

forma cabe ao educador/professor estar atento ao comportamento das crianças e alertar

os pais caso seja necessário a criança ser observada pelo médico.

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3- Legislação e educação dos alunos surdos

Ao longo dos anos, durante a história da educação dos surdos muitas decisões foram

tomadas e revistas com o intuito de melhorar os métodos escolhidos para o

desenvolvimento da mesma. Em Portugal, os alunos com necessidades educativas

especiais não estavam inseridos no sistema regular de ensino, situação que se alterou

uns anos antes da década de 70. Foi nessa altura que foram criadas equipas de ensino

especial integrado com vista a promover a integração familiar, social e escolar das

crianças e jovens portadores de deficiência. Durante essa época as crianças com NEE

eram inseridas em classes especiais ou escolas especiais, contudo com a publicação da

Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), em 1986, a conceção da escola sofreu

profundas alterações, deixando de ser vista como uma instituição voltada para os alunos

com capacidades, passando a valorizar as diferenças de cada um, como instituição

integradora, passando a ser objetivo da mesma promover novas formas de “assegurar

às crianças com necessidades educativas especificas, devidas a designadamente as

deficiências físicas e mentais, condições adequadas ao seu desenvolvimento e pleno

aproveitamento das suas capacidades”( art.º7º). Devido a essa mudança deu-se a

criação das Equipas de Educação Especial (EEE), que tinham como uma das principais

funções, assegurar os serviços de educação especial ao nível das diferentes zonas

geográficas, em praticamente todo o sistema de educação e ensino não superior. Com a

publicação do normativo Decreto-Lei nº319/91, de 23 de agosto, algumas das lacunas

sentidas pelos serviços de educação especial, foram melhoradas, pois o descrito no

normativo veio proporcionar às escolas um suporte legal, que lhes facilitou a

organização e funcionamento, no que diz respeito aos alunos com NEE. Este normativo

incitou uma alteração na estrutura das escolas, no que diz respeito às práticas educativas

relativas aos alunos com NEE, estabelecendo intervenções educativas centradas na

individualização, sustentada nos planos educativos individualizados (PEI) e programas

educativos (PE), promover o direito a uma educação gratuita, igual e de qualidade para

esses mesmos alunos e promover a integração das crianças com NEE em ambientes

educacionais regulares, conferindo a escola a responsabilidade de dar as respostas

adequadas para fazer face a essa integração. O Decreto-Lei 319/91 veio também

consagrar a ideia de que as crianças com NEE devem frequentar as valências sociais e

comunitárias mais próximas do normal para as pessoas da sua idade e meio envolvente

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e também veio introduzir o conceito de “necessidades educativas especiais”, baseado

em critérios pedagógicos.

Apesar de tentar seguir o que tinha sido decretado por lei, ainda ocorria muito nas

escolas o fato de conferir ao professor de apoio uma responsabilidade maior pela

criança com NEE, sendo a responsabilidade do professor da turma um pouco diminuta.

Dessa forma, a educação especial constituía-se como um subsistema dentro do sistema

do ensino regular, dando origem ao isolamento total dos alunos com NEE em termos

académicos e em termos sociais uma integração muito precária, como nos refere Correia

(2003). Dessa forma as práticas de integração começaram a ser contestadas, dando

origem a um novo conceito, o da inclusão. Assim Portugal aderiu aos princípios

enunciados na Declaração de Salamanca, na qual surge o Despacho-conjunto n.º105/97,

que vem instituir a Escola Inclusiva e regulamentar o funcionamento dos apoios

educativos, promovendo também plena articulação entre os vários agentes educativos

(órgãos de gestão e coordenação da escola, docentes da turma, alunos, docente de apoio

educativo, assistentes operacionais na área da educação, famílias, equipas de

coordenação dos apoios educativos e outras estruturas e serviços da comunidade), bem

como a responsabilização da escola pelos processos a desenvolver, mediante uma

postura inclusiva e de sucesso educativo. Este normativo promove também a vinculação

dos professores de educação especial a uma determinada escola, definindo funções

específicas não apenas em relação ao aluno com NEE, mas também face ao

estabelecimento de ensino, aos docentes e aos funcionários auxiliares. Ao analisar o

despacho-conjunto nº105/97 podemos verificar que várias das seções do mesmo estão

direcionadas efetivamente para a filosofia da inclusão e também é possível verificar no

mesmo que um dos objetivos principais refere-se a “contribuir para a igualdade de

oportunidades de sucesso educativo para todas as crianças e jovens” (ponto 2, alínea

a). Se com o Despacho-conjunto n.º 105/97 o conceito de inclusão e de escola inclusiva

começa a ser implementado nas escolas portuguesas, esta orientação vai solidificar com

a publicação dos normativos Despacho n.º7520/98, Despacho Conjunto n.º891/99,

Decreto-lei n.º 6/2001, Decreto-lei n.º 74/2004, Portaria n.º 550-A/2004, Portaria n.º

550-D/2004, Portaria n.º 550-E/2004, Despacho Normativo n.º 1/2005 e Decreto-Lei n.º

3/2008.

No Decreto-Lei nº3/2008 vem revogar o Decreto-Lei 319/91, referindo que a

“educação inclusiva visa a equidade educativa, sendo que por esta se entende a

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garantia de igualdade, quer no acesso quer nos resultados”, sendo neste contexto que o

decreto-lei acima mencionado reconhece os encarregados de educação de alunos surdos

o direito de optar pela educação bilingue, sendo à LGP reconhecido o estatuto de língua

materna (L1 ou LM) e ao Português o de Língua segunda (L2), referindo que “ a

educação das crianças e jovens surdos deve ser feita em ambientes bilingues que

possibilitem o domínio da LGP, o domínio do português escrito e eventualmente,

falado, competindo à escola contribuir para o crescimento linguístico dos alunos

surdos, apara a adequação do processo de acesso ao currículo e para a inclusão

escolar e social”( artigo nº23 do Decreto-Lei nº3/2008). É também preconizado neste

documento a criação de uma rede nacional de escolas de referência, de modo a facilitar

a concentração de meios humanos e materiais capazes de propiciar uma resposta

educativa de qualidade a estes alunos. A resposta educativa prevê: flexibilidade, com

caracter individual e dinâmico; avaliação sistemática do processo de ensino-

aprendizagem do aluno; participação da família; formação de turmas de surdos do pré-

escolar até ao ensino secundário, participando em atividades desenvolvidas pela escola

com os alunos ouvintes; introdução de áreas curriculares especifica (língua gestual

portuguesa (L1) e o português segunda língua (L2), do pré-escolar ao ensino secundário,

e uma língua estrangeira escrita do 3º ciclo do ensino básico ao ensino secundário. Está

também presente neste documento que as escolas de referencia para a educação bilingue

devem contemplar os seguintes técnicos: docentes (surdos e ouvintes em todos os níveis

de educação e ensino) de educação especial especializados em surdez, com competência

em LGP e formação e experiencia no ensino bilingue destes alunos; docentes surdos de

LGP; interpretes de LGP e terapeutas da fala. Depois de analisar todo o Decreto-Lei,

podemos concluir que o mesmo aponta os objetivos da educação especial para “ a

inclusão educativa e social, o acesso e o sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade

emocional, bem como a promoção da igualdade de oportunidades, a preparação para o

prosseguimento de estudos ou para uma adequada preparação para a vida pós- escolar

ou profissional” (Decreto-Lei 3/2008, de 7 de janeiro), podemos ainda concluir que “a

educação das crianças com necessidades educativas especiais é uma tarefa

compartilhada entre pais e profissionais” e que “ os pais ou encarregados de educação

têm o direito e o dever de participar ativamente, exercendo o seu poder paternal nos

termos da lei, em tudo o que se relacione com a educação especial a prestar ao seu

filho”.

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Conclusão

A surdez é sem dúvida uma problemática que tem suscitado ao longo dos

tempos, bastante interesse por parte de vários investigadores. Porém, o conceito de

surdez era visto de formas diferentes dependendo da visão de quem o expunha.

Atualmente, na nossa sociedade é “visível” a existência de mitos e ideias erróneas

acerca desta problemática, o que pode fazer com que por vezes as pessoas surdas sejam

mal interpretadas, ou então, a problemática não seja detetada logo desde cedo, sendo

preciso estar atento a todos os sinais. Sendo necessário também desmistificar essas

ideias que por vezes levam a conclusões erradas. Então, é necessário que os

profissionais de educação conheçam as características que estão subjacentes à surdez

para assim, de forma simples procederem à sua identificação.

É de extrema importância, cada vez mais cedo, a identificação dos alunos

surdos, pois estes representam um grupo de risco que possui necessidades educativas

especiais, para que dessa forma estes se integrem em escolas regulares para se

desenvolverem na sua plenitude, estando assim preparados futuramente para seguir os

estudos ou para a vida profissional. No que toca a intervenção educativa, é de realçar

que todos os intervenientes na ação educativa possuem um papel muito importante na

integração dos alunos surdos. Desta forma, a cooperação da escola com a família vai

proporcionar a esses alunos condições facilitadoras de igualdade de oportunidades.

Concluindo, considero que é importante que todos os profissionais de educação

tenham conhecimento da problemática da surdez para que a sua intervenção educativa

seja sempre a mais adequada. É fundamental que os professores sejam críticos e

reflexivos e que apostem em formações para estarem em constante atualização de forma

a poder proporcionar um ensino mais eficaz. Assim, cabe-nos a nós, futuros

profissionais de educação, fazer a diferença, uma vez que temos um papel ativo e de

grande importância na educação dos alunos.

Page 21: Palavras na ponta dos dedos

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Bibliografia

COUTINHO, Amândio e AMARAL, Maria Augusta. “O método escondido com

o mestre de fora - Uma contribuição para o estudo do método de Jacob

Rodrigues Pereira”.

SKLIAR, Carlos. “ A surdez: um olhar sobre as diferenças”.

BATISTA, José Afonso (2008). “Os surdos na escola. A exclusão pela

inclusão”.

COUTINHO, Amândio e AMARAL, Maria Augusta. “Inovação, teoria e prática

no ensino bilingue de crianças surdas”.

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das Necessidades Educativas Especiais. Conferência Mundial Sobre

Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade. Salamanca: UNESCO.

CORREIA, Luís de Miranda (1999). “Alunos com Necessidades Educativas

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http://portal.doc.ua.pt/baes/Decreto-lei319de23agosto91.pdf

Lei 46/86, de 14 de outubro –Lei de Bases do Sistema Educativo disponível em

http://www.gave.min-edu.pt/np3/31.html

Lei 1/97, de 20 de setembro disponível em pdf em

http://dre.pt/pdf1s/1997/09/218A00/51305196.pdf

Decreto-Lei 3/2008 publicado a 7 de janeiro disponível em pdf em

http://dre.pt/pdf1s/2008/01/00400/0015400164.pdf

Decreto-Lei 6/2001 de 18 de janeiro disponível em pdf em

http://www.gave.min-

edu.pt/np3content/?newsId=31&fileName=decreto_lei_6_2001.pdf

Despacho nº7158/2011 disponível em pdf em

http://dre.pt/pdf2sdip/2011/05/091000000/2037620376.pdf