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12 CRETÁCEO (BARREMIANO) Durante a rutura do paleocontinente Gondwa- na, houve a formação de extensa calha extensio- nal, a depressão afro-brasileira que ia do sul do es- tado da Bahia ao sul do estado do Ceará. No está- gio sinrifte, a Bacia Tucano-Recôncavo evoluiu, as- sim como as bacias intracratônicas do nordeste ti- veram origem – sistema de riftes eocretácicos, so- frendo rápida subsidência no Neocomiano (Ponte & Ponte Filho, 1996). Na sinéclise do Parnaíba que foi classificada por Figueiredo & Raja Gabaglia (1986) como poligenéti- ca, o extenso vulcanismo denominado Mosquito (transição do Triássico para o Jurássico) prenunciou as fases trafogênicas. Góes (1995) e Góes & Coim- bra (1996) definiram a Bacia de Alpercatas como antéclise, composta por rochas provenientes de vulcanismo e as pertencentes às formações Corda e Pastos Bons, demarcadas pelo elemento estrutu- ral de Xambioá, de orientação leste-oeste. Um mesmo ciclo evolutivo de formação da Mar- gem Continental do Brasil correlaciona a Bacia de Tucano-Recôncavo, as bacias marginais e as pe- quenas bacias de interior (Szatmari et al, 1987 e Ponte & Ponte Filho, 1996), pois são decorrentes da progressiva fragmentação do bloco afro-brasileiro, e dos esforços sofridos pelo deslocamento do con- tinente para oeste, na medida que o pólo de rota- ção horária da América do Sul migrava, no Eocretá- ceo. Os primeiros fósseis encontrados na Formação Pastos Bons foram datados no Jurássico. Eram pei- xes de características primitivas do gênero Lepido- tes. Pela datação palinológica de Lima & Campos (1980) a idade foi referida ao Andar local Buracica equivalente ao Barremiano. Pela corrrelação entre eventos geológicos e bio- lógicos, é verificado que a nível global, a deriva pro- piciou abertura de novas passagens para uma fau- na de peixes. Formada por grupos de característi- cas arcaicas é derivada do Jurássico marinho do Hemisfério Norte. A formação de novas bacias e ambientes lacustres de idade neocomiana é um evento geológico regional que propiciou a expan- são da fauna de peixes. Na seqüência de lagos, a Bacia Recôncavo-Tu- cano abrigou uma maior variedade de representan- tes da ictiofauna. Entre estes gêneros, os Lepidotes (Semionotidae) são os mais numerosos, e se distri- buíram não só pela Bacia do Recôncavo-Tucano como em pequenas bacias do interior e na Bacia do Parnaíba (Alpargatas). Estas ocorrências e as de conchostráceos são eventos biológicos relaciona- Paleontologia das Bacias do Parnaíba, Grajaú e São Luís – 98 –

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CRETÁCEO (BARREMIANO)

Durante a rutura do paleocontinente Gondwa-na, houve a formação de extensa calha extensio-nal, a depressão afro-brasileira que ia do sul do es-tado da Bahia ao sul do estado do Ceará. No está-gio sinrifte, a Bacia Tucano-Recôncavo evoluiu, as-sim como as bacias intracratônicas do nordeste ti-veram origem – sistema de riftes eocretácicos, so-frendo rápida subsidência no Neocomiano (Ponte& Ponte Filho, 1996).

Na sinéclise do Parnaíba que foi classificada porFigueiredo & Raja Gabaglia (1986) como poligenéti-ca, o extenso vulcanismo denominado Mosquito(transição do Triássico para o Jurássico) prenunciouas fases trafogênicas. Góes (1995) e Góes & Coim-bra (1996) definiram a Bacia de Alpercatas comoantéclise, composta por rochas provenientes devulcanismo e as pertencentes às formações Cordae Pastos Bons, demarcadas pelo elemento estrutu-ral de Xambioá, de orientação leste-oeste.

Um mesmo ciclo evolutivo de formação da Mar-gem Continental do Brasil correlaciona a Bacia deTucano-Recôncavo, as bacias marginais e as pe-quenas bacias de interior (Szatmari et al, 1987 ePonte & Ponte Filho, 1996), pois são decorrentes daprogressiva fragmentação do bloco afro-brasileiro,e dos esforços sofridos pelo deslocamento do con-

tinente para oeste, na medida que o pólo de rota-ção horária da América do Sul migrava, no Eocretá-ceo.

Os primeiros fósseis encontrados na FormaçãoPastos Bons foram datados no Jurássico. Eram pei-xes de características primitivas do gênero Lepido-tes. Pela datação palinológica de Lima & Campos(1980) a idade foi referida ao Andar local Buracicaequivalente ao Barremiano.

Pela corrrelação entre eventos geológicos e bio-lógicos, é verificado que a nível global, a deriva pro-piciou abertura de novas passagens para uma fau-na de peixes. Formada por grupos de característi-cas arcaicas é derivada do Jurássico marinho doHemisfério Norte. A formação de novas bacias eambientes lacustres de idade neocomiana é umevento geológico regional que propiciou a expan-são da fauna de peixes.

Na seqüência de lagos, a Bacia Recôncavo-Tu-cano abrigou uma maior variedade de representan-tes da ictiofauna. Entre estes gêneros, os Lepidotes(Semionotidae) são os mais numerosos, e se distri-buíram não só pela Bacia do Recôncavo-Tucanocomo em pequenas bacias do interior e na Bacia doParnaíba (Alpargatas). Estas ocorrências e as deconchostráceos são eventos biológicos relaciona-

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dos ao evento geológico global de abertura doAtlântico, e ao evento regional de estabelecimentode conexões entre bacias a partir do Cretáceo(Carvalho & Santos, 1994).

Como evento biológico evolutivo houve a rápi-da mudança de flora. A coluna bioestratigráficafoi elaborada por pesquisas em palinologia e os-tracodes de água doce, recebendo denomina-ções locais do Jurássico Superior e CretáceoInferior. Iniciada para o desenvolvimento da im-portante Bacia Tucano-Recôncavo, pela Petro-brás foi estendida para correlação entre as de-mais bacias.

Os peixes que encontraram refúgio em lagos in-teriores, entretanto não acompanharam os proces-sos evolutivos, mantendo caracteres conservado-res. Lepidotes, considerado anteriormente comogênero restrito ao Jurássico, ocorre na Bacia deSão Luís-Grajaú até ao Cenomaniano (Carvalho &Silva, 1992)

Patterson (1973) observou a manutenção de ca-racteres primitivos em peixes que permaneceramem águas interiores, ao longo do tempo geológico.Foi um dos iniciadores da aplicação de nova classi-ficação sistemática, que demonstra que perma-nência de caracteres primitivos retira o conteúdocronoestratigráfico destes fósseis.

A idade eocretácea adotada é a do Mapa Geoló-gico do Brasil – escala 1: 2.500.000 (Schobbenhauset al., 1981 e 1984). É baseada na datação palinoló-gica de Lima & Campos (1980) referida ao Andar lo-cal Buracica equivalente ao Barremiano.

12.1 Formação Pastos Bons

A Formação Pastos Bons corresponde a um ciclode sedimentação de bacias do interior que com-preende a seqüência de lagos da margem leste(Asmus, 1984), de idade eocretácea. Neste ambi-ente ocorrem os peixes Semionotidae referidos aLepidotes piauhyensis e exemplares das famíliasMacrosemiidae e Pleuropholidae.

12.1.1 Histórico

Lisboa (1914) utilizou a denominação camadasPastos Bons para designar folhelhos e arenitos es-verdeados e marrons-avermelhados que ocorremnas proximidades da cidade de mesmo nome, noMaranhão.

A unidade foi mapeada pela PETROBRAS, comintegração de dados de Aguiar (1969) e Mesner &Wooldridge (1964), reavaliação de Góes et al.

(1990) e Góes & Feijó (1994). Foi também mapeadapela CPRM em trabalho de Lima & Leite (1978), Lei-tes et al. (1994).

Os peixes fósseis foram descritos por Roxo &Loefgren (1936), Santos (1945, 1953 e 1974a),Schaeffer (1947) e Brito & Gallo (2002) e osconchostráceos estudados por Beurlen (1954),Mendes (1960) e Pinto & Purper (1974).

12.1.2 Área de Ocorrência

Os sedimentos pertencentes a esta formaçãoapresentam áreas de exposição relativamente ex-tensas, na região centro-oeste, abrangendo o valedo rio Itapecuru e afluentes, no estado do Mara-nhão. A deposição no estado do Piauí se apresen-ta em áreas descontínuas a leste até a cidade deFloriano. Segundo Góes & Feijó (1994), sua espes-sura máxima é de 77 metros.

12.1.3 Geocronologia e Idade

Segundo Santos (1974a) a fauna de peixes indi-caria idade jurássica. Porém, tanto o Lepidotescomo os gêneros de conchostráceos a ele associa-dos, presentes nesta formação, só ocorrem no Bra-sil a partir do Neocomiano, nas bacias do Recônca-vo, Tucano e Jatobá, e outras pequenas bacias in-teriores.

Pelo estudo palinológico no folhelho Muzinho,Lima & Campos (1980) atribuíram à formação a ida-de eocretácea (Andar Buracica equivalente ao Bar-remiano), adotada no Mapa Geológico do Brasil –escala 1:2.500.000 (Schobbenhaus et al., 1981 e1984).

12.1.4 Sedimentação

Os sedimentos da Formação Pastos Bons repre-sentam o início da primeira seqüência deposicionaldo Cretáceo, após um longo período sem deposi-ção, no Triássico e Jurássico.

A deposição foi ao longo da Estrutura de Xam-bioá, que no Mesozóico se comportou como umbaixo deposicional (Hasui et al., 1991). Extrava-sam seus limites e recobrem discordantemente asformações paleozóicas Poti, Piauí, Pedra de Fogo eMotuca.

Lima & Leite (1978) consideram que a sedimen-tação se deu em paleodepressões, entre altos to-pográficos produzidos pelas camadas de derra-me basáltico. A sedimentação é iniciada por con-glomerados, seguidos de arenitos esverdeados,

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argilosos com granulação fina a média, alternan-do-se com arenitos creme e esbranquiçados emlaminação paralela, que por vezes intercalam cal-cários. Acima ocorrem mudstones arenosos, are-nitos róseos a avermelhados, com estratificaçãocruzada, localmente com folhelhos escuros fossilí-feros.

Entre Floriano e Monsenhor Gil, as ocorrênciasde lamitos da Formação Pastos Bons estão emcontato discordante sobre a Formação Piauí. Oconglomerado basal é constituído de fragmentosde sílex e oncólitos (provenientes da FormaçãoPedra de Fogo). Para o topo apresenta arenitos fi-nos com alternância de laminação plano-paralela,laminação ondulada e laminações onduladas ca-valgantes (Figura 12.1). São interpretadas comopequenas frentes deltaicas entrando em corposaquosos.

Os níveis fossilíferos são localizados em folhe-lhos cinza-escuros, pretos e esverdeados, lamina-dos e calcíferos. Afloram na região de Pastos Bons,a nordeste de Floriano. São interpretados como se-dimentação lacustre.

Leites et al. (1994) descrevem, na serra dasAlpercatas, a ocorrência de arenitos finos argi-losos, com estratificação cruzada de grande por-te, e estratificação plano-paralela. São interpreta-dos como sedimentação de dunas e interdunaseólicas.

Os ambientes da Formação Pastos Bons são in-terpretados como lacustres com contribuição fluvial,com dunas eólicas, indicativos de clima semi-árido aárido de um sistema desértico.

12.1.5 Fósseis

12.1.5.1 Microfósseis

Lima & Campos (1980) estudaram os níveis fos-silíferos de natureza pelítica que afloram na regiãode Floriano, Piauí, nas cercanias da fazenda Muzi-nho. No estudo palinológico de uma assembléiapobre e mal preservada foram reconhecidas umaespécie de esporo e doze de pólens.

Nos palinomorfos há dominância de grãos depólens rimulados, abundância de formas monocol-padas, e presença regular de formas inaperturadase dissacadas. As espécies estratigraficamente im-portantes são Dicheiropollis etruscus, Exesipolleni-tes tumulus e Vitreisporites pallidus. Foi atribuída aidade Buracica.

12.1.5.2 Fauna

Os peixes fósseis da formação foram descritos,considerando-os de idade jurássica. Nos folhelhosda fazenda Muzinho, em Floriano, Piauí, os mais no-táveis fósseis são peixes Lepidotes piauhyensis re-presentados por exemplares completos, e partesdo corpo e crânio (Figura 12.2). Outros exemplaressão referidos às famílias Semionotidae, Macrosemi-idae e Pleuropholidae (Roxo & Loefgren, 1936; San-tos, 1945,1953, 1974a; Schaeffer, 1947; Brito & Gal-lo, 2002).

Segundo Santos (1974a) esta fauna seria de ida-de jurássica, pelas características primitivas dospeixes e pela ausência de teleósteos que no final

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Figura 12.1 – Formação Pastos Bons. Seqüência de pelitos sobrepostos a conglomerados basais, capeandoarenitos com estratificação cruzada da Formação Piauí. Localidade: Rodovia BR-343, km 564, próximo à cidade

de Floriano, Piauí.

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4cm

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4cm

0

1 e 2 Lepidotes piauhyensis Roxo & Loefgren, 1936Localidade: Fazenda Muzinho, 16km a nordeste de Floriano, Piauí.Coleção: 1 DGM 292-P

2 DGM 297-P (holótipo)

Figura 12.2 – Peixes da Formação Pastos Bons.

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do Jurássico já se encontravam definidos. Entre-tanto, após o trabalho de sistemática de Patterson(1973) houve uma profunda alteração no sistemade classificação dos peixes, assim como na hierar-quia dos caracteres primitivos e derivados. OsPleuropholidae que ocorrem na Formação PastosBons são atualmente incluídos entre os teleósteos.Brito & Gallo (2002) descreveram Gondwanapleu-ropholis longimaxillaris.

Lepidotes, considerado anteriormente comogênero restrito ao Jurássico, ocorre nas bacias deGrajaú e São Luís, até ao Cenomaniano (Carvalho& Silva, 1992).

Os seguintes conchostráceos foram identifica-dos associados à ictiofauna: Palaeolimnadiopsispauloi, Echinesteria semigibosa, Liostheria floria-nensis, Lioestheria sp., Pseudestheria sp. 1, Pseu-destheria sp. 2 e Asmussia (?) sp. A. (Beurlen,1954; Mendes, 1960; Cardoso, 1962).

Pinto & Purper (1974) identificaram além de ou-tros gêneros, espécimes de Macrolimnadiopsis (Fi-gura 12.3), que estavam associados à ictiofauna dafazenda Muzinho. Admitiram a possibilidade daidade no Eocretáceo, pois os conchostráceosocorrem nas bacias do Nordeste a partir do Neo-comiano.

12.2 Formação Corda

É uma sedimentação característica de ambientedesértico e fluvial de alta energia, onde a preserva-ção de fósseis foi um evento muito raro.

12.2.1 Histórico

A definição estratigráfica da Formação Corda foiapresentada por Aguiar (1969), que consideroucomo pertencentes a ela, os arenitos cor creme, ró-seos a cinza-arroxeados, com estratificação cruza-da, sobrepostos concordantemente à FormaçãoPastos Bons, e discordantemente aos basaltos daFormação Mosquito.

Este critério foi utilizado em Lima & Leite (1978),Schobbenhaus et al. (1981 e 1984), Souza et al.(1990), Leites et al. (1994), Rodrigues et al. (1994ae 1994b). Os raros fósseis que ocorrem são as pe-gadas registradas por Leonardi (1980) e conchos-tráceos identificados em Lima & Leite (1978).

12.2.2 Área de Ocorrência

Os sedimentos da Formação Corda afloram naparte central da bacia, na borda oeste, próximo à foz

do rio Araguaia e a leste, até próximo à margem es-querda do rio Parnaíba. Lima & Leite (1978) observa-ram que a unidade apresenta pequenas áreas deocorrência locais e descontínuas, que preencheramdepressões originadas por erosão do basalto.

12.2.3 Geocronologia e Idade

A ocorrência do conchostráceo Macrolimna-diopsis foi registrada por Lima & Leite (1978) naFormação Corda. Neste trabalho, as formaçõesPastos Bons e Corda foram consideradas de mes-ma idade, pois o gênero de conchostráceos ocorreem ambas as formações. Como a datação dos se-dimentos da Formação Pastos Bons, feita posterior-mente, indicou a idade Buracica (Lima & Campos,1980), a Formação Corda também foi consideradade idade eocretácea no Mapa Geológico do Brasil– escala 1:2.500.000 (Schobbenhaus et al., 1981 e1984).

12.2.4 Sedimentação

Os sedimentos formam associações representa-das por arenitos finos a médios, de cor creme, comgrãos de quartzo arredondados, foscos, bem sele-cionados, bimodais, e eventuais níveis de seixos fa-cetados (ventifactos). As principais estruturas sedi-mentares são os pacotes com estratificação cruza-da acanalada, de grande porte e fluxo de grãos,que intercalam camadas com estratificações pla-no-paralelas. São interpretados como depósitos dedunas eólicas e de regiões de interdunas (Figura12.4).

Associações pelíticas ocorrem em menor pro-porção e são constituídas por seqüências de areni-tos finos e pelitos arroxeados, com laminação para-lela passando a laminação cruzada cavalgante(climbing ripples). São interpretados como gera-dos por correntes de turbidez, em ambiente lacus-tre. Nos níveis pelíticos ocorrem os raros fósseis.

São de um sistema continental desértico com du-nas eólicas de grande porte, com formação de le-ques aluviais e pequenos lagos. O clima seriaquente e semi-árido.

A unidade Corda, a oeste, recobre discordante-mente os basaltos da Formação Mosquito e tam-bém as unidades do Paleozóico: formações Motu-ca, Pedra de Fogo, Piauí, Poti e a Formação Longáem Canto do Buriti. O contato com a Formação Pas-tos Bons, é concordante e gradacional, formadopor arenitos finos de laminações cruzadas e para-lelas.

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Cretáceo (Barremiano)

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1 Macrolimnadiopsis pauloi Beurlen, 1954Coleção: MP-UFRGS M-33.

2 Lioestheria sp.

Coleção: MP-UFRGS M-39.

3 Pseudestheria sp. 1Coleção: MP-UFRGS M-40.

4 Pseudestheria sp. 2Coleção: MP-UFRGS M-41.

5 Asmussia ? sp.

Coleção: MP-UFRGS M-42.

Todos os exemplares são da localidade Fazenda Muzinho,16km a nordeste de Floriano, Piauí.

Figura 12.3 – Conchostráceos da Formação Pastos Bons (Pinto & Pupper, 1974).

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Paleontologia das Bacias do Parnaíba, Grajaú e São Luís

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3 Desenho esquemático das trilhas dos saurópodes.Margem esquerda do rio Tocantins.

São Domingos, Itaguatins, Tocantins (Leonardi, 1994).

Figura 12.4 – Formação Corda.

2 Pegadas de saurópodes.Margem esquerda do rio Tocantins.

São Domingos, Itaguatins, Tocantins (Leonardi, 1994).

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1 Afloramento de arenitos com estratificações cruzadas da Formação Corda.Margem direita do rio Itapecuru, na confluência do rio Codozinho, Codó, Maranhão.

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Nos contatos discordantes com as formaçõesMosquito e Motuca observados a oeste, os sedi-mentos basais são constituídos de arenito conglo-merático, com seixos de basalto, arenitos e argili-tos. São clastos desorganizados com matriz areno-pelítica, como depósitos de fluxo de detritos (debrisflow). Para cima passam a arenitos médios a finos,marrom-escuro, localmente arroxeados, estratifica-ção cuzada plano-paralela e cruzada acanalada.São interpretados como depósitos de correntes ourios entrelaçados – braided (Lima & Leite, 1978; Lei-tes et al., 1994; Rodrigues et al., 1994a e 1994b;Souza et al., 1994).

12.2.5 Fósseis

Lima & Leite (1978) registraram a ocorrência defósseis em níveis pelíticos lacustrinos. São con-chostráceos dos gêneros Lioestheria e Macrolim-nadiopsis, além dos ostracodes Candona. Macro-limnadiopsis ocorre na Formação Pastos Bons ena Formação Aliança, Neocomiano da Bacia doRecôncavo (Pinto & Purper, 1974).

Icnofósseis foram citados por Barbosa et al.(1966).

Pegadas de répteis referidas a saurópodos fo-ram descritas por Leonardi (1980, 1994) em cama-das de arenito situadas à margem do rio Tocantins,em Itaguatins, no estado do Tocantins. Formam umconjunto de sete pistas identificadas pelo autorcom a sigla ITSD (Figuras 12.4.2 e 12.4.3). O autorrelaciona, com dúvida, na Formação Corda outrosicnofósseis, representados por pegadas e perfura-ções de invertebrados.

12.3 Paleogeografia

Os sedimentos das formações Pastos Bons eCorda preenchem as depressões alinhadas na di-reção leste-oeste. São de um ciclo continental, e aoaumento do nível das águas interiores correspon-dem os ambientes lacustres, nas áreas de baixaenergia, que propiciaram a excepcional conserva-ção dos Lepidotes nos folhelhos da fazenda Muzi-nho. Nos níveis de elevação máxima, foram estabe-lecidas as expansões dos peixes e dos conchostrá-ceos.

Na Formação Corda, as áreas de alta energia es-tavam situadas a oeste, com os arenitos grosseirosde ciclos de leques aluviais, e a leste as regiões dedunas com os arenitos eólicos e escassos lutitos delagos interdunas.

12.4 Eventos Biológicos

As ocorrências de conchostráceos e peixes sãoeventos biológicos relacionados a um evento geo-lógico global, a abertura da Margem Atlântica Sul.

Nas bacias Tucano-Recôncavo-Jatobá estão re-presentados os sedimentos correspondentes àabertura e início da evolução tectônica da MargemContinental Atlântica. Na seqüência rifte, iniciadano Neocomiano, os representantes do gênero Lepi-dotes são os peixes mais freqüentes. Viveram nogrande lago que ocupou a depressão afro-brasilei-ra. Da mesma forma, estes peixes estiveram pre-sentes nas pequenas bacias de Iguatu e Barro(Ceará) e Rio do Peixe (Paraíba), como é verificadopor escamas e fragmentos (Carvalho & Santos,1994). A correlação entre a formação dos grabense os esforços de rotação do bloco sul-americano,combinam com as datações de Neocomiano, en-contradas nestas bacias.

Os ciclos de baixos deposicionais favoráveis aambientes lacustres abrigando a fauna de peixes ede conchostráceos, podem ser datados no cicloeocretáceo, após o início da fase rifte da margemleste. São incompatíveis com a datação jurássica,justificada por características arcaicas dos Semio-notidae. Esta argumentação só permanece nas ba-cias do Grajaú e São Luís, enquanto nas outras ba-cias citadas, a idade cretácea é aceita. Na verda-de, o grupo existente no Jurássico marinho do He-misfério Norte, expandiu para o sul, ocupando osbiótopos que surgiram pela progressiva aberturado Atlântico.

As pistas de dinossauros citadas na FormaçãoCorda revelam um evento biológico relacionadocom o trânsito dos animais em ambiente terrestre.

12.5 Tafonomia

As escamas de Lepidotes são de grande durabi-lidade, pois são ósseas e recobertas por espessacamada de ganoína. O gênero é reconhecido porescamas isoladas, quando sofreram deslocamentono substrato e transporte antes do soterramento.Alguns exemplares incompletos indicam desloca-mento no substrato, mas sem transporte. Ambos osprocessos são de ressedimentação.

Dois exemplares grandes e completos (DGM292-P e 297-P) indicam que a produção biogênicafoi depositada no substrato, sem deslocamento etransporte, com preservação por acumulação. Sãoentidades conservadas autóctones, que estavamin situ.

Cretáceo (Barremiano)

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Quanto aos conchostráceos, que têm uma con-cha delicada, de pouca durabilidade, as valvas seapresentam articuladas e levemente danificadas.Indicam que não sofreram deslocamento e trans-porte antes do enterramento, isto é, foram preser-vadas por acumulação.

As pistas dos dinossauros indicam preservaçãopor acumulação e com processo tafonômico in situ.

12.6 Paleoecologia/Ecossistemas

As antigas populações que existiram nesta áreatinham modos de vida aquático e terrestre. Nas po-pulações aquáticas, os conchostráceos são indica-dores de habitat de água doce, pois viveram emcorpos aquosos permanentes ou efêmeros. Em ge-ral, eram bentônicos, da epifauna, micrófagos, quese nutriam de material em suspensão. A carapaçabivalve quitinosa é muito delicada, em geral comestrias que são marcas de crescimento.

Os peixes Lepidotes eram de vida nectônica,apresentam uma morfologia especial, com uma re-sistente armadura de ossos e escamas reforçadospor ganoína, o que era uma eficiente defesa contrapredadores. Pela sua construção hidrodinâmicadeveriam ser peixes lentos, apreciando as águasrasas e calmas dos novos biótopos conquistados.A pequena boca com dentes pequenos, de cúspi-des achatadas, indicam uma nutrição de inverte-brados da epifauna bentônica, ou outras fontes dis-poníveis como vegetação de fundo nos lagos ra-sos. São considerados primitivos, de característi-cas jurássicas, quando viveram no HemisférioNorte, durante a expansão do mar de Tétis.

A entrada destes peixes em ambientes continen-tais e protegidos, possibilitou que sua existência per-sistisse até o Neocretáceo, e na Bacia de São Luís,escamas estão registradas no Cenomaniano (Carva-lho & Silva, 1992).

Os ecossistemas eram lacustres e desérticos (Fi-gura 12.5). As marcas de comportamento ou icno-

fósseis, dos representantes terrestres são de dinos-sauros saurópodos, que teriam nutrição herbívora.

12.7 Paleobiogeografia

As famílias e gêneros de peixes e de conchostrá-ceos estão relacionados com os ocorrentes na Pro-víncia Paleobiogeográfica do Tétis, do HemisférioNorte. No Nordeste brasileiro, a história biogeográfi-ca é iniciada no Cretáceo (Neocomiano/AptianoInferior), com o megassistema fluviolacustrino situa-do a leste, que se originou com a partição do blocoafro-brasileiro.

As ocorrências são registradas na FormaçãoCandeias, nas bacias do Recôncavo-Tucano-Jato-bá, nas bacias do interior, na Bacia do Parnaíba eem bacias da costa oeste da África.

12.8 Paleoclima

Pela interpretação dos ambientes de sedimenta-ção, os climas são considerados quentes e áridos,com sistemas desérticos. Porém, deveria haver al-ternância com estações úmidas, que possibilitavao aumento do nível de base e o povoamento doscorpos de água, pelas biotas de peixes e pequenosconchostráceos.

12.9 Deriva

No Neocomiano, a região da Bacia do Grajaúpermanecia no interior do Supercontinente deGondwana, estendendo-se pela região da atualBacia de Barreirinhas, que retém em subsuperfícierestos de suas formações.

Góes et al. (1990) consideraram que as forma-ções Pastos Bons e Corda estavam associadas coma distensão e magmatismo da abertura do Atlântico.Esta associação era com a abertura do rifte da Mar-gem Leste, que deu origem a pequenos grabens emzonas do embasamento (Szatmari et al., 1987).

Paleontologia das Bacias do Parnaíba, Grajaú e São Luís

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Page 10: Paleontologia das Bacias do Parnaíba, Grajaú e São Luís · 12.1.2 Área de Ocorrência Os sedimentos pertencentes a esta formação apresentam áreas de exposição relativamente

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