Palma Inácio, o defensor da liberdade que gostava de voar

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José Luis Freitas e Rui Alves Palma Inácio, o defensor da liberdade que gostava de voar O revolucionário aviador No passado dia 14 de Julho faleceu Hermínio da Palma Inácio, um reconhecido opositor ao regime fascista, que combateu com mais palavras e menos violência gratuita. Um homem cheio de ideais, com decisão, e que com astúcia e engenho criou enormes rombos no controlo do regime. Natural da vila de Ferragudo, oriundo de uma família operários ferroviários, cresceu no concelho de Silves, viveu até os seus 87 anos. Jorge Sampaio atribuiu-lhe em 2000 a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade pelos feitos que preconizou em prol da liberdade. A sua carreira a combater o regime durou 27 longos anos, desde uma missão de sabotagem na base aérea de Sintra no Golpe dos Militares, em 10 de Abril de 1947 ao implantar da democracia, data em que Palma Inácio residia na prisão de Caxias. Durante esse período, esteve sempre na prisão, clandestinidade ou exílio. Pelo caminho sabotagens, assaltos e o fundar da LUAR (Liga de Unidade e Acção Revolucionária), que não teve sucesso como partido na pós-revolução. Devido ao seu papel num assalto a um banco na Figueira da Foz, onde apenas dinheiro foi levado sem qualquer baixa humana, levou dois dias a ser libertado depois de Marcello Caetano ter sido deposto. Havia a indecisão que se estaria preso por oposição política ou por crime de roubo. Palma Inácio sempre teve o gosto pela aviação, e durante um período de exílio os EUA, ganhou a vida como piloto. Ficaria na História por um feito revolucionário campo da aviação. Operação Vagô Em todo o mundo houve sempre actos revolucionários, alguns justificados outros não, alguns por meio da espada e outros pela caneta, uns pelos gritos e outros pelo diálogo, mas Palma Inácio engendrou algo totalmente inovador. Portugal sempre foi pioneiro na pirataria aérea. O primeiro desvio que há registo a nível mundial foi em Macau com um DC-3 a carregar valores a ser tomado por um assaltante, episódio que acabou em desastre. Palma Inácio planeou e liderou com sucesso perfeito no terreno, a Operação Vagô, levada a cabo a 10 de Novembro de 1961. Acompanhado de Camilo Mortágua, Amândio Silva, Maria Helena Vidal, João Martins e Francisco Vasconcelos, deslocou-se se a Marrocos para executar o ambicioso plano. Apesar de decorrerem rumores que havia perigo de desvio, o voo Casablanca-Lisboa, a ser efectuado com um Superconstellation Mouzinho de Albuquerque, descola de manhã com o célebre Cte Marcelino aos comandos. Este senhor foi um dos

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José Luis Freitas e Rui Alves

Palma Inácio, o defensor da liberdade que gostava de voar

O revolucionário aviador

No passado dia 14 de Julho faleceu Hermínio da Palma Inácio, um reconhecido opositor ao

regime fascista, que combateu com mais palavras e menos violência gratuita. Um homem

cheio de ideais, com decisão, e que com astúcia e engenho criou enormes rombos no controlo

do regime.

Natural da vila de Ferragudo, oriundo de uma família operários ferroviários, cresceu no

concelho de Silves, viveu até os seus 87 anos. Jorge Sampaio atribuiu-lhe em 2000 a Grã-Cruz

da Ordem da Liberdade pelos feitos que preconizou em prol da liberdade.

A sua carreira a combater o regime durou 27 longos anos, desde uma missão de sabotagem na

base aérea de Sintra no Golpe dos Militares, em 10 de Abril de 1947 ao implantar da

democracia, data em que Palma Inácio residia na prisão de Caxias. Durante esse período,

esteve sempre na prisão, clandestinidade ou exílio. Pelo caminho sabotagens, assaltos e o

fundar da LUAR (Liga de Unidade e Acção Revolucionária), que não teve sucesso como partido

na pós-revolução.

Devido ao seu papel num assalto a um banco na Figueira da Foz, onde apenas dinheiro foi

levado sem qualquer baixa humana, levou dois dias a ser libertado depois de Marcello Caetano

ter sido deposto. Havia a indecisão que se estaria preso por oposição política ou por crime de

roubo.

Palma Inácio sempre teve o gosto pela aviação, e durante um período de exílio os EUA, ganhou

a vida como piloto. Ficaria na História por um feito revolucionário campo da aviação.

Operação Vagô

Em todo o mundo houve sempre actos revolucionários, alguns justificados outros não, alguns

por meio da espada e outros pela caneta, uns pelos gritos e outros pelo diálogo, mas Palma

Inácio engendrou algo totalmente inovador.

Portugal sempre foi pioneiro na pirataria aérea. O primeiro desvio que há registo a nível

mundial foi em Macau com um DC-3 a carregar valores a ser tomado por um assaltante,

episódio que acabou em desastre.

Palma Inácio planeou e liderou com sucesso perfeito no terreno, a Operação Vagô, levada a

cabo a 10 de Novembro de 1961. Acompanhado de Camilo Mortágua, Amândio Silva, Maria

Helena Vidal, João Martins e Francisco Vasconcelos, deslocou-se se a Marrocos para executar o

ambicioso plano. Apesar de decorrerem rumores que havia perigo de desvio, o voo

Casablanca-Lisboa, a ser efectuado com um Superconstellation “ Mouzinho de Albuquerque”,

descola de manhã com o célebre Cte Marcelino aos comandos. Este senhor foi um dos

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primeiros pilotos da TAP, registando o feito de ter passado com um Boeing 707 debaixo do

tampo da ponte Salazar quando esta estava em construção.

Sobre território nacional o comando de Palma Inácio contacta a tripulação e assume a

liderança da viagem. Note-se que não se usou da força e nem os passageiros se aperceberam

de nada. Pouco antes de aterrar, já a sobrevoar Lisboa, pede uma passagem baixa por cima do

Marquês de Pombal, onde foram lançados cerca de 100 mil panfletos de propaganda por uma

porta do avião. A torre de controlo de Lisboa dá o alarme e o avião inverte a rota para o Norte

de África.

Os caças F-86 da Força Aérea, descolados da base de Monte Real, não conseguem interceptar

o avião antes que este abandone o espaço aéreo Português. Tinham ordens para abatê-lo, tal

como duas fragatas que o Cte Marcelino encontrou pelo caminho, sendo a única solução

segura o voo rasante á água entre os dois navios, que não dispararam para não infligirem

danos mútuos.

O destino final foi Argel onde os passageiros, tripulação e aeronave foram libertados para

regressar. O Cte Marcelino é que ainda passou por maus bocados às mãos da PIDE por se

desconfiar que tinha colaborado activamente no desvio. Tinha pedido para mudar o seu

calendário de modo a operar aquele voo em particular, motivado por um assunto do foro

amoroso que não podia revelar.

Há uns anos atrás um jornal organizou um reencontro entre o Cte. Marcelino e Palma Inácio,

onde puderam amigavelmente recordar este episódio que acabou bem.

História do avião que faz parte da História de Portugal e da Madeira

A Lockheed, a grande construtora de aeronaves, lançou o Constellation ainda durante a II

Guerra Mundial, um quadrimotor a pistão. A cauda tripla serviu como objectivo de mantê-lo

baixo de modo a caber nos hangares militares existentes mundos fora.

Tendo saído da linha de produção em 1943, foi o avião presidencial de Eisenhower, serviu em

muitos palcos, inclusive na histórica Ponte Aérea a Berlim Oeste. Foram construídas 856

unidades até que produção fechou em 1958, devido á rápida conquista de mercado por parte

dos jactos que os tornaram irremediavelmente obsoletos os modelos de hélice a pistão.

Em Portugal este belo pássaro de metal brilhou ao serviço da TAP. Esta operou seis Lockheed

L-1049G, entre 1955 e 1967. O primeiro voo comercial para o aeroporto da Madeira, na sua

inauguração a 8 de Julho de 1964, foi no CS-TLC “Gago Coutinho”.

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Crédito: "Carlos Fotógrafo - Funchal"

Hoje em dia restam recordações no espectacular museu da TAP. Em mostra está um cockpit,

motor e trem de aterragem de um destes pássaros. Junto ao aeroporto de Dabolim (Goa),

palco da Invasão um mês depois da Operação Vagô, encontra-se um dos poucos “airframes”

inteiros em exibição no mundo, no museu da Marinha Indiana.

Crédito: Sandra Silva

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Existe ainda um, e apenas um, destes belos pássaros de ferro autorizado a voar. Na Suíça a

“Super Constellation Flyers Association” restaurou este exemplar no qual os autores voaram,

em Junho:

Crédito: Rui Alves

Autoria: José Luis Freitas e Rui Alves

Referências

Abecasis, José Cruz, “Bordo de Ataque”, Coimbra Editora, 1985

Marcelino Cte J., Tamagnini R., "A vida que eu quis: TAP 264"

Revista Origens, Câmara Municipal de Santa Cruz, edição de Junho de 2009.

http://www.superconstellation.org/

www.superconstellation.ch

http://www.voaportugal.org/