Paloma Klisys - Plurifesto Interrogações

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Labirintite por Paloma Klis(y)s Plurifesto interrogações Para sujeitos (in)determinados Sínteses para os impacientes, nem todos são afeitos a entranhas. O óbvio precisa ser dito. Discorro partindo da dificuldade de rompermos com as mazelas seculares que nos assolam, frutos dos podres poderes das capitanias das consequências hereditárias que até hoje contaminam o solo (in)fértil do imaginário colonizado. Qualquer que seja a concepção de luta, a luta é plural e se dá em múltiplas esferas que se interrelacionam em variados graus de interdependência. Complexidade máxima. Não é preciso ser cientista social para constatar que o país é gerido por governantes cujos discursos e ações estão impregnados por valores que deterioram possibilidades de desenvolvimento de um projeto civilizatório que contemple de fato – desde a satisfação de necessidades básicas quanto a plena fruição de habilidades e potenciais que – queremos crer – seriam capazes de nos levar a construir contextos favoráveis ao exercício de liberdades individuais que culminem na real experimentação de direitos sociais que atualmente nos são sistematicamente sonegados embora citados em nossa Constituição e/ou em acordos e tratados internacionais. Como já havia constatado Focault, as populações pertem aos governos quando o princípio da governabilidade deveria ser exatamente o contrário. Urge o desejo de ocupação das ruas, espaços públicos, equipamentos sociais e culturais. A avidez coletiva pelo direito à expressão é legítima. Cogito que os movimentos das multidões podem vir a efetivamente promover transvalorizações nas configurações sociais, políticas, culturais e econômicas bem como conquistar/sensibilizar a parcela da populaçao cristalizada em suas posturas reacionárias [por pavor de vir a perder privilégios] se as mais variadas demandas e pautas passem a ser apresentadas e exigidas não apenas através de pressão informal e aparentemente desorganizada em atos nas ruas mas também através de mecanismos legais disponíveis como o Estatuto das Cidades, Plano Diretor e Orçamento Paricipativo, Estatuto da Criança e do Adolescente, ações populares via Ministério Público, audiências públicas, assembléias etc. O que quero dizer é que a presença das pessoas nas ruas pode ser um modo de pressionar o andamento de propostas e/ou exigências apresentadas via instrumentos legais e constitucionais. Ou seja,fazer com que a presença nas ruas seja mais um artifício para corroborar reivindicações feitas inclusive mas não apenas pelas tortuosas e muitas vezes inacessíveis vias democráticas.

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Artigo da escritora Paloma Klisys para a Revista Labirinto Literário n35

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Labirintite por Paloma Klis(y)s

Plurifesto interrogações Para suje itos ( in )determ inados

Sínteses  para  os  impacientes,  nem  todos  são  afeitos  a  entranhas.  O  óbvio  precisa  ser  dito.  Discorro  partindo  da  dificuldade  de  rompermos  com  as  mazelas  seculares  que  nos  assolam,  frutos  dos    podres  poderes  das  capitanias  das  consequências  hereditárias  que  até  hoje  contaminam  o  solo  (in)fértil  do  imaginário  colonizado.  Qualquer  que  seja  a  concepção  de  luta,  a  luta  é  plural  e  se  dá  em  múltiplas  esferas  que  se  inter-­‐relacionam  em  variados  graus  de  interdependência.  Complexidade  máxima.    

Não  é  preciso  ser  cientista  social  para  constatar  que  o  país  é  gerido  por  governantes  cujos  discursos  e  ações  estão  impregnados  por  valores  que  deterioram  possibilidades  de  desenvolvimento  de  um  projeto  civilizatório  que  contemple  de  fato  –  desde  a  satisfação  de  necessidades  básicas  quanto  a  plena  fruição  de  habilidades  e  potenciais  que  –  queremos  crer  –    seriam  capazes  de  nos  levar  a  construir  contextos  favoráveis  ao  exercício  de  liberdades  individuais  que  culminem  na  real  experimentação  de  direitos  sociais  que  atualmente  nos  são  sistematicamente  sonegados  embora  citados  em  nossa  Constituição  e/ou  em  acordos  e  tratados    internacionais.  Como  já  havia  constatado  Focault,  as  populações  pertem  aos  governos  quando  o  princípio  da  governabilidade  deveria  ser  exatamente  o  contrário.  

Urge  o  desejo  de  ocupação  das  ruas,  espaços  públicos,  equipamentos  sociais  e  culturais.  A  avidez  coletiva  pelo  direito  à  expressão  é  legítima.  Cogito  que  os  movimentos  das  multidões  podem  vir  a  efetivamente  promover  transvalorizações  nas  configurações  sociais,  políticas,  culturais  e  econômicas  bem  como  conquistar/sensibilizar  a  parcela  da  populaçao  cristalizada  em  suas  posturas  reacionárias  [por  pavor  de  vir  a  perder  privilégios]  se  as  mais  variadas  demandas  e  pautas  passem  a  ser  apresentadas  e  exigidas  não  apenas  através  de  pressão  informal  e  aparentemente  desorganizada  em  atos  nas  ruas  mas  também  através  de  mecanismos  legais  disponíveis  como  o  Estatuto  das  Cidades,  Plano  Diretor  e  Orçamento  Paricipativo,  Estatuto  da  Criança  e  do  Adolescente,  ações  populares  via  Ministério  Público,  audiências  públicas,  assembléias  etc.    

O  que  quero  dizer  é  que  a  presença  das  pessoas  nas  ruas  pode  ser  um  modo  de  pressionar  o  andamento  de  propostas  e/ou  exigências  apresentadas  via  instrumentos  legais  e  constitucionais.  Ou  seja,fazer  com  que  a  presença  nas  ruas  seja  mais  um  artifício  para  corroborar  reivindicações  feitas  inclusive  mas  não  apenas  pelas  tortuosas  e  muitas  vezes  inacessíveis  vias  democráticas.  

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Já  que  os  representantes  que  não  nos  representam  se  valem  de  decretos,  projetos  de  lei,  emendas  (in)constitucionais  e  etc’s  burocráticas  para  nos  manter  sob  custódia  do  atual  estado  de  coisas,  por  que  não  utilizarmos  mecanismos  semelhantes  e  cobrarmos  nas  ruas  encaminhamentos  práticos  através  do  que  chamam  exercício  da  cidadania?    

Se  não  somos  respeitados  como  cidadadãos,  será  que  teriamos  chance  de  ser  respeitados  como  consumidores?  Será  o  título  de  consumidor/contribuinte  um  papel  a  ser  desempenhado  para  subverter  a  relação  de  opressão  dentro  do  jogo  capitalista?  Nesse  caso,  como  organizar  boicotes  para  testar  o  poder  coletivo  de  fazer  agonizar  a  neo-­‐cadeia  alimentar  determinada  pelos  tentáculos  das  transnacionais  que  dominam  desde  o  manejo  das  materias-­‐primas  até  a  distribuição  e  venda  dos  produtos  finais?  

Com  a  intensa  sequência  de  manifestações  que  aconteceram  no  Brasil  em  2013  e  continuarão  a  ocorrer  em  2014,  talvez  estejamos  mais  próximos  de  romper  com  o  hábito  arraigado  de  delegarmos  a  responsabilidade  sempre  a  uma  instância  superior  e  inacessível  e  condená-­‐los,  condenar  “ELES”,  sujeitos  indeterminados  e  onipresentes  pela  nossas  desgraças  como  nação.  O  desafio  da  descoberta  e  identificação  do  pró-­‐comum  está  posto  e  através  destas  cartografias  vamos  logrando  pequenos  progressos  na  construção  de  múltiplas  identidades  que  compõem  “NÓS”,  um  “nós”  plural,  heterogêneo.    

Ruídos  recorrentes  -­‐política  compreendida  essencialmente  como  política  partidária  quando  na  realidade  o  tempo  todo  estamos  a  ser  politicos  em  cada  uma  de  nossas  falas  e  gestos.  Conceito  de  Cultura  pasteurizado  a  ponto  da  palavra  Cultura  ser  banalizada  e  utilizada  como  sinônimo  de  manifestações  artísticas  que,  por  sua  vez,  são  vendidas  como  maquiagem  e  também  placebos  para  suposta  cura  de  vulnerabilidades  de  todas  as  ordens  e  pesadelos  sociais.    Infelizmente  os  Programas  de  Cultura  do  MinC  estão  para  os  jovens  infratores  em  potencial  assim  como  as  Igrejas  Evangélicas  estão  para  a  redenção  dos  sobreviventes  do  sistema  carcerário.    

Sobre  a  construção  de  máquinas  de  guerra  -­‐  como  a  transa  translinguagens  pode  construir  ferramentas  políticas  para  ações  estéticas  e  ações  estéticas  para  desconstruções  políticas  ?  Outra  coisa  ainda  são  as  intervenções  e  intersecções  na  subjetividade  para  as  quais  não  existem  indicadores  nem  rudimentares,  nem  tão  sofisticados  quanto  os  indicadores  utilizados  com  precisão  quase  cirúrgica  a  serviço  da  manipulação  de  desejos  em  massa  e  estratégias  de  marketing.    

Desafio  -­‐  Intervir  no  sistema  perceptual  de  analfabetos  funcionais,  tanto  os  com  baixa  escolaridade  quando  pelos  formatados  por  universidades  públicas  e/ou  particulares  (algumas  com  catracas  na  entrada)  e  que  adestram  corpos  e  mentes  a  exercerem  fidelidade  extremista  toda  e  qualquer  cobrança  impressa  em  códigos  de  barra  e/ou  nos  manuais  invisíveis  de  manutenção  dos  preconceitos  e  esteriótipos  vigentes.    

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Como  afirmar  singularidades  e  fortalecer  o  convívio  com  as  diferenças,  com  todas  as  engrenagens  armadas  para  corroborar  a  ordem  de  serviço  de  homogeinização  geral,  irrestrita  e  absoluta  dos  modos  de  pensar,  sentir  e  apreendermos  o  que  se  passa  no  mundo  ?  Como  instituir  o  direito  à  diferença  de  maneira  a  também  promover  a  convivência  pacífica  com  a  diversidade?    

Qual  é  o  desempenho  que  se  espera  das  performances  na  perspectiva  dos  performers  levando  em  consideração  que  talvez  o  público  nada  espere?    

Como  potencializar  ações  dos  coletivos  não  institucionalizados  de  arte  para  além  das  super_ego_trip’s  e  sem  ter  como  foco  a  operação  de  acrescimo  de  status  via  pagamento  de  caches  pelo  Sesc  ou  seleção  em  editais  ?  

Como  os  membros  e/ou  outsiders  da  dita  “classe  artística”,  em  seus  distintos  ofícios  pode  se  unir  em  torno  da  invenção  de  políticas  públicas  que  tornem  real,  mesmo  que  a  médio-­‐longo  prazo  a  possibilidade  de  se  dedicarem  a  processos  criativos  que  tenham  seu  tempo  de  duração  determinado  pela  pesquisa/criação  e  não  pelo  calendário  fiscal  das  empresas  que  eventualmente  os  patrocinam  em  troca  de  imagens-­‐maquiagens  de  responsabilidade  social  e  abatimento  de  imposto  de  renda?    

Como  os  movimentos  sociais  e  através  de  quais  ferramentas,  podem  unir  forças  em  prol  de  ações  articuladas  para  que  demandas  como  reforma  agrária,  direito  à  moradia,  à  alimentação,  à  saúde,  à  educação,  legalização  da  cannabis,  do  aborto,  do  casamento  gay,  desmilitarização  da  polícia,etc’s?  

Como  movimentos  sociais,  sociedade  civil  organizada  e  coletivos  que  trabalham  com  linguagens  artísticas  podem  mutuamente  amplificar  suas  vozes  e  somar/  canalizar  forças  em  torno  de  objetivos  comuns?  Antes,  o  que  temos  em  comum,  apesar  de  nossas  diferenças?  

Conhecimentos  sem  áreas,  escanteios,  nem  fronteiras.  Tranz_FRONT's.  Tranz_platôs_  transbordamentos  Todo  ato  é  político.  Todo  acontecimento  contemporâneo  é  áudio-­‐visual.  O  tato  [não]  é  um  sentido  obsoleto.  Meta  o  físico  na  carne  do  gesto.  Câmbio