Para Camille, com uma flor de pedra - Bárbara Lia

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PARA CAMILLE, COM UMA FLOR DE PEDRA BÁRBARA LIA

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Poesias inspiradas na vida e obra de Camille Claudel. Apresentação da poeta - Kátia Torres Negrisoli. Ilustrações - Brenda Santos e Ane Fiúza.

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PARA CAMILLE,

COM UMA FLOR

DE PEDRA

BÁRBARA LIA

© 2013 Bárbara Lia

Diagramação: Bárbara Lia

Capa: Capa – Brenda Santos

http://oscaprichosdemaria.blogspot.com/

ilustrações: Rosa – Ane Fiúza

Esculturas Camille – fonte Google

Dados para Catalogação

Lia, Bárbara

Para Camille, com uma flor de pedra

Curitiba, PR

Literatura brasileira – Poesias.

ISBN:

® direitos reservados

Sempre amarei o tempo das cerejas

É desse tempo que no peito eu guardo Uma chaga aberta...

Camille Claudel

Para Camille, Com Uma Flor De Pedra

Em seu artesanal, delicadamente amarrado com

fita de cetim laranja, recebi "Para Camille, Com

Uma Flor De Pedra", esculpido pelos dedos

hábeis de Bárbara Lia, querida escritora

paranaense, das que honram o solo fértil e

abençoado, barro que enlameia de emoção,

quais as estátuas de Camille e Rodin.

A flor de pedra de Camille é branca, o solo

pisado é duro, marmóreo, esculpido em cinzel

de prata, em ágeis pinceladas no teclado

moderno, contemporizando com o rústico - liso

e firme das estátuas em tenro amor-paixão

dançando nos olhos vítreos e catalogados azuis

de Camille pela ótica não menos carmim de

Bárbara Lia.

Camille em francês, Bárbara em português.

Distintas línguas, mesma linguagem do amor,

da dor, da alma transfigurada em poesia. Assim

se apresenta nossa poeta maior: Com Uma Flor

de Pedra Para Camille e lia em seu rosto qual

performance de Rodin a copiar o sereno das

mãos feminis em seus arquétipos e ideais.

Na progressão da obra, Bárbara Lia narra o

sofrimento de Camille, uma obra com início,

meio e fim. Narrativa poética trágica. Uma

estética, uma arte revelando outra arte. A

dramaturgia. Um sentimento desvelando tantos

outros em pequenos textos ajeitados nas

poucas páginas, como perfume francês,

menores frascos, melhores fragrâncias e estas

são com notas florais, ornando mármores e

barros, gentilmente, trabalhados e talhados por

mãos de vontade de amor.

Passeando pelos jardins, Sakountala, Rua Notre-

Dame-des-Champs, L'Implorante, L'âge Mür

(não podem faltar rosas), Hamadryade I com

"guirlandas de nenúfares", Hamadryade II "rio

petrificado e Danaê alva no ateliê escuro", Le

Dieu envolé com todas as pedras talhadas

"ignorando o burburinho e voando na sombra"

levando almas até Nióbide blésse com o cio

insuportável dos felinos, os loucos acordam

suas almas sentidas e acenam à Latona, a Deusa

da noite clara, num clamor tardio, era tarde, o

líquido vermelho escorregadio levou o amor a

desaguar em cinzas nos jardins de Ville –

Èvrard, nada a fazer, os lençóis de seda se

evaporam e o olhar vazio se perde no vácuo

dos dias, esperando a Senhora da Noite, levar

com pugência seu parto, sua dor, o amor não

acabado e vilipendiado pelo egoísmo do

amante, que não tinha pés nem mãos, Camille

era suas mãos é pés, seu caminho, por isso

temia, por isso aniquilava. O horror da

superação foi maior, neste instante, mas o

verdadeiro se instala pela História e segue nas

letras dos poetas sinceros da arte do amor

esculpido em tenras folhas amarradas pelos

cetins, que a pedra imberbe não corta, respeita

e se encolhe. Pois pedras são areias escorrendo

pelas mãos, quanto mais seguras, mais

escorrem e não morrem, formam o uno

indivisível neste deserto de frio de vento forte

em ventre vazio.

Com Uma Flor de Pedra. Damos à Camille, neste

instante, toda flor e perfume, na maciez da

seda, novo amor, novo lume. Mulher solidária,

amante da arte, está frente ao tempo ido e

louvamos Camille, estorvamos espinhos,

acenamos às rosas e passeamos pelos jardins

de Ville-Évrard, calmamente, loucamente

amando e criando fantasias, através do amor

humano e real. Bárbara, só temos a agradecer,

por ter suscitado esta história, para que a

pudéssemos reviver, em outras esferas, outras

eras, com mais pudor, mais alvorecer, mais luz e

lume a aquecer os corações partidos, que se

agigantam fugindo dos redemoinhos do

egoísmo ancestral. Podemos passear pelos

cenários, podemos interagir e sentir podemos,

antes de tudo, partilhar.

Bárbara mergulhou nas ondas de Camille

(The Wave - 1897) e trouxe nas bordas das

marés textos rebordados, estranhamente

buscados no fundo d'alma.

Professora Kátia Torres Negrisoli – Adamantina

(SP)

Sakountala

Cinzel de prata esculpindo pés

Cada fagulha vermelha

um fio de cabelo do amor

Cinzel de prata treme

acende astros

de um azul escuro

em meu olhar algodão

Rodin!

Rodin!

Tantos pés teci

em mármore angustiado

-trilha de pés moldados-

esquerdo / direito

esquerdo / direito

esquerdo / direito

esquerdo / direito

Tantos pés

emprestei-te

para ter-te assim

ajoelhado

enlaçado

abismado

abandonado

Augusto espectro

de fogo

onde queima

a aurora

Sei!

Tudo isto

é mármore!

Mas, antes

foi carne

vermelho abandono

amor petrificado

Antes do fim

às margens

do Rio Loire

nossa carne carmim

foi mármore.

Rue Notre-Dame-des Champs

Rue Notre-Dame-des-Champs

Recordas?

Entre nós não foi apenas valsa

Como a que dancei com Debussy

E talhei em mármore.

Não foi espanto apenas

Como meu olhar azul na onda

- Fuji ao fundo -

Terna reverência à Hokusai.

Lampejos de esperança – nosso encontro -

Sem saber que em minha vaga

Ao tecer crianças prestes a um naufrágio

Reproduzia o meu destino trágico

Antes um plágio – roubar o barco de Hokusai,

não colocar-me ali.

Mas, com minhas mãos pequenas

Esculpo apenas o que pulsa

Cão criança mulher amado.

Amado!

Raptado pela rosa fendida

Rose, meu espinho

Tu, carinho que eu perdi

Entre as vagas e a maré de egos.

Rue Notre-Dame-des-Champs

Recordas?

A minha agonia que nem podia

Esperar o novo dia

Estar em tua porta

Deitar-me

Natureza morta

Para que me eternizasse

- Danaide -

Sem saber que meus dedos

Iam moldar meu alienado fim:

Rupturas e súplicas.

Espanto em rostos de Ninfas

Medusa, Castelãs, Crianças.

Rue Notre-Dame-des-Champs

Tua criança amorável eu era

Dezoito anos, olhos de céu no dia da criação

Lábios sensuais em flor. Comecei a esculpir

– Pés, pés, pés...

Sem saber que dentro

Da alma fera e feminina

Esculpia um coração de vidro

Sem imaginar que um dia

A onda mais alta e brilhante

Me soterraria – viva!

L’implorante

Antes:

Jardim de Madressilvas

Altas amuradas

Heras

Vento de Afrodite

Mel maduro - o amor

A fuga volátil

Do amante rosso

Calcinou as flores

Abelha afogada

No rancor doce

Cera negra

De abelha amarga

Mel escuro do adeus

Eternizado

Em pedra lacrimada.

L’âge mûr

E lá vem a Rosa fatídica

espectro no meu toucador

Rosa(s)sombra

fantasma na minha cama.

Rosas?

As do jardim são belas

definham com beleza

despetalam

perfumam

o luar fendido.

Tu, Rosa inodora

madura e obscura

leva em surdina

na madrugada escura

o augusto corpo

do homem meu.

O deus voou?

Que nada!

Foi raptado

por uma Rosa

descarnada...

...e nas suas pegadas

a flor humilhada

eterna suplicante

replicante

claudicante

Morta!

Milhões de anos

escorrerão pelas ampulhetas

todas as estrelas derretidas

o universo líquido

tudo aniquilado em água

corpos celestes planetas nebulosas

O Deus Desconhecido

Este que hora me ignora

verá no vácuo

azul-olhos-de-Camille:

O casal que escapa

Rosa cruel esconde sob capa

esquálida face inescrupulosa

E as mãos da suplicante

– dor da dor -

querendo alcançar o amor

que a Rosa horrorosa leva

sem pudor.

Hamadryade I

Poesia escrita com cinzel

Resquícios passados à pedra

a retirar das entranhas, risos

e guirlanda de nenúfares

Ninfa das árvores

tocada de abismo

a olhar o limiar trágico

acima dos lagos azulados

Hamadryade orgulhosa

retorna ao quarto escuro

brancas corujas no muro

no casarão da vida gloriosa

Crua beleza nua, Danaide

ouvindo as estrelas do Sena

um céu-verde claro sonoro

a levar a barca dos amantes...

...Trinta anos descolorem

rios

pedras

corujas. ..

Nunca os nenúfares!

Estes que rolam em cascatas

no castanho seda dos cabelos

e caem no lago do esquecimento

calcinando o ódio da menina

de Villeneuve-sur-Fére

Sepultada viva em Ville-Èvrard

sonha na cripta: o café do Brasil

cerejas embebidas em aguardente

um pacote de amor de mãe

um beijo da coruja ausente

Esculpe em astros abrasados

o ódio ao amante hostil

dorme congelada.

Destroços abraçados

à uma tola estrela senil

Hamadryade II

Ária de adeus

nos lábios do amante

Guirlanda de Nenúfares

em cascata

Quando chega ao chão

petrifica o rio

Ninfa das árvores recupera

o tempo do amor ardente

O corpo imberbe que esculpias

Danaê alva no ateliê escuro

Corujas na vidraça

enganando o dia.

Le Dieu envolé

Meu olhar aurora de Latona

torna céu tudo o que ele toca

- pedra, ônix, gesso, mármore –

Luto com pedras entre os dedos

Ignoro vozes, burburinho

Caio no abismo azulado

que de tudo me isola.

Augusta coroa da solidão

reflete-se na pedra dura

em amantes que não se fitam

a prever a degradante sina –

Alienada.

O Deus que voou levou com ele:

minha força

todas as flores

os nenúfares

dos meus cabelos

Fechada no casulo

da exclusão

murchou meu filho

no ventre

murchou meu quinhão de

glória

meu sorriso sensual de musa

Na sombra das asas

do deus que voa

uma menina que faz

da alma pedra

e de cada pedra – alma.

Nióbide blésse

À sombra da noite clara

Latona no meu encalço

Espectros da última primavera

O Rio Loire, um duplo do Aqueloou

Meu Monte Sípilo é Ville-Èvrard

Onde endureço carne e alma

Delírios brancos, visões:

Escunas leves com velas de vidro

E tombadilho de pétalas

Estilhaçam na roupa cinza

Ferem-me, beijam-me – qual o amor

Meu ódio espelha o trágico

Anseio que o mundo petrifique

Qual Zeus petrificou Tebas

Sonho com o anjo da restauração

Acordo. Nada se restaura

Tudo igual:

Cama dura de ferro

Urinol fétido, trincado

Três tâmaras secas

Dois gatos no cio a quebrar

O silêncio arredio da madrugada

Os loucos acordam com vislumbres de luz

- Átimo de lucidez.

Acenam lenços de seda à Latona fria

Choram um beija-flor e já no corredor

Vestem o olhar vazio.

Andam autômatos como rios mortos

Deságuam cinzas

No jardim de Ville-Èvrard.

Bárbara Lia - Poeta e escritora brasileira. Destaque

nos concursos: Prêmio Sesc de Literatura (2004 e

2005), Conc. de Poesias Helena Kolody ( 2006 e

2007), Conc. Nacional de Contos Newton Sampaio

(2009). Conc. de Contos Grotescos – Edgar Alan Poe

(2009) e PrêmioUfes Literatura (2009). Faz parte do

livro de ensaios O que é poesia? (Ed. Confraria do

Vento) organizada por Edson Cruz. Participou da

Antologia H2Horas (Cronópios/Dulcinéia Catadora) e

da Antologia O Melhor da Festa 3 - Festipoa/ed. Casa

Verde (2011). Publicou os livros de poesia: O sorriso

de Leonardo (Kafka - 2.004), O sal das rosas (Lumme

editor – 2.007), A última chuva (ME – MG – 2.007),

Tem um pássaro cantando dentro de mim (2011) e A

flor dentro da árvore (2011). Criou o projeto 21

gramas – livros artesanais. Publicou os Romances:

Solidão Calcinada (Sec. da Cultura / Imprensa Oficial

do Paraná - 2008) e Constelação de Ossos (ed.

Vidráguas – 2010)

[email protected]