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PARA UM DISTINÇÃO ENTRE RADICAL E PREFIXO será não-composto um composto ou um derivado? 1 Pâmella Alves Pereira Universidade Federal de Minas Gerais (UFRJ). Av. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha - Belo Horizonte – MG – CEP 31270-901 Resumo. Este trabalho propõe uma distinção entre os processos de derivação prefixal e composicão, seguindo a proposta teórica de Matthews (1991). Para isso foram analisadas as formas contra , mal e não em exemplos como CONTRA- REVOLUÇÃO, MALFERIDO e NÃO-ALINHADO. Em termos morfológicos, tais elementos foram classificados como radicais, e suas respectivas formacões como compostas, e não derivadas. Palavras-chave. radical; prefixo; composição; derivação Abstract. This work proposes a distinction between the processes of prefixal derivation and compounding, following Matthews`(1991) theoretical proposal. For that, the elements contra , mal and não were analysed in examples as CONTRA-REVOLUÇÃO, MALFERIDO and NÃO-ALINHADO. In morphological terms, the elements contra , mal and não were classified as word, and CONTRA-REVOLUÇÃO, MALFERIDO and NÃO-ALINHADO were analysed as compounds. Keywords. word; prefix; compounding; derivation 1. Introdução Este artigo retoma uma questão controversa no estudo da morfologia, no âmbito da estrutura e da formação de palavras: a distinção entre derivação prefixal e composição. Busca-se diferenciar formações prefixais de formações compostas, uma vez que ambas levam em conta a noção de um radical que é modificado, embora por processos morfológicos distintos. Objetiva-se, portanto, compreender o uso dos termos radical e 83 ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (1): 83-92, jan.-abr. 2008

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PARA UM DISTINÇÃO ENTRE RADICAL E PREFIXOserá não-composto um composto ou um derivado?1

Pâmella Alves Pereira

Universidade Federal de Minas Gerais (UFRJ). Av. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha - Belo Horizonte – MG – CEP 31270-901

Resumo. Este trabalho propõe uma distinção entre os processos de derivação

prefixal e composicão, seguindo a proposta teórica de Matthews (1991). Para

isso foram analisadas as formas contra, mal e não em exemplos como CONTRA-

REVOLUÇÃO, MALFERIDO e NÃO-ALINHADO. Em termos morfológicos, tais elementos

foram classificados como radicais, e suas respectivas formacões como

compostas, e não derivadas.

Palavras-chave. radical; prefixo; composição; derivação

Abstract. This work proposes a distinction between the processes of prefixal

derivation and compounding, following Matthews`(1991) theoretical proposal.

For that, the elements contra, mal and não were analysed in examples as

CONTRA-REVOLUÇÃO, MALFERIDO and NÃO-ALINHADO. In morphological terms, the

elements contra, mal and não were classified as word, and CONTRA-REVOLUÇÃO,

MALFERIDO and NÃO-ALINHADO were analysed as compounds.

Keywords. word; prefix; compounding; derivation

1. Introdução

Este artigo retoma uma questão controversa no estudo da morfologia, no âmbito

da estrutura e da formação de palavras: a distinção entre derivação prefixal e composição.

Busca-se diferenciar formações prefixais de formações compostas, uma vez que ambas

levam em conta a noção de um radical que é modificado, embora por processos

morfológicos distintos. Objetiva-se, portanto, compreender o uso dos termos radical e

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prefixo na morfologia baseada em lexemas (Matthews, 1991) e caracterizar composição

face à derivação nessa proposta teórica.

Os dados para a discussão do tema são formações portuguesas que entrem contra,

mal e não em exemplos como CONTRA-REVOLUÇÃO, MAL-AMADO e NÃO-ALINHADO. Trata-se de

formações que se apresentam na literatura ora como compostas, ora como derivadas por

prefixo, como aponta Alves (1993:383).

Este estudo centra-se na noção de negação apresentada por J. Payne (1985), T.

Payne (1997) e Aronoff & Fuhrhop (2002), que ressaltam a idéia de que, na morfologia

derivacional, a negação é representada a partir de elementos que carregam a noção de

contrário, como em MAL-ARRUMADO, e a idéia de contraditório, como nos exemplos MAL-

ENGRAÇADO e NÃO-FICÇÃO, que apresentam uma relação de exclusão entre ENGRAÇADO e MAL-

ENGRAÇADO, FICÇÃO e NÃO-FICÇÃO.

Como este trabalho considera a análise de palavras na língua que possuam as

formas iniciais contra, mal e não, e não está voltado para índices de freqüëncia com que

elas ocorrem em textos, o corpus foi elaborado a partir da coleta de dados do dicionário,

que apresenta exemplos suficientes para a análise pretendida.

2. A estrutura interna do lexema

Estudar a diferença entre um composto e uma formação prefixal pressupõe lidar

com questões que dizem respeito à estrutura interna da palavra. Dentre as propostas, aqui

se toma a de Matthews (1974;1991) para a caracterização da estrutura do lexema.

Matthews (1991:24-36) propõe três noções diferentes para o termo palavra:

forma de palavra, lexema e palavra propriamente dita. A primeira (ou sentido 1, na sua

exposição) está relacionada à idéia de uma palavra descrita em termos de unidades

fonológicas. Nesse sentido as formas tenho e tinha, por exemplo, são duas formas de

palavras, porque cada uma reúne conjuntos diferentes de fonemas, e nenhuma das duas é

classificada como Verbo ou qualquer outra classe e tampouco tem significado. O sentido

2, denominado lexema e grafado em caixa-alta, diz respeito a uma noção abstrata de

palavra. Assim, tenho e tinha são formas do mesmo lexema TER. E para o terceiro sentido,

Matthews reserva o termo palavra, que leva em conta o nível gramatical, ou primeira

articulação. Cada forma do lexema TER (tenho, tinha, terá, teremos etc.) é uma forma de

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palavra distinta, mas também é uma palavra gramatical distinta: diferem entre si em

Número/Pessoa, Tempo/Modo.

Em termos de sua estrutura, um lexema pode ser simples ou complexo. Simples,

conforme define Matthews (1991:37), é aquele cuja estrutura não pode ser analisada em

mais elementos morfológicos. É complexo na medida em que pode ser analisado em mais

de um elemento morfológico. A composição e a formação de palavras por prefixos

pertencem, segundo o autor, respectivamente, a uma área da morfologia que diz respeito

às relações entre um lexema complexo (COUVE-FLOR; TERCEIRO-MUNDISTA) e dois ou mais

lexemas simples (COUVE + FLOR) ou mais simples (TERCEIRO + MUNDISTA); e à relação entre

um lexema complexo (INFELIZ; INFELICIDADE) e um lexema simples (FELIZ) ou mais simples

(INFELIZ).

Raiz, como define Matthews (1991:64), “é a forma que subjaz, no mínimo, um

paradigma ou um paradigma parcial, e é, ela mesma, morfologicamente simples”. Nesse

sentido, a raiz coraj- está presente em formas como corajosa e corajosas com o

acréscimo do formativo lexical –oso e dos formativos flexionais -a e -s. Uma forma como

corajoso está na base do paradigma desse adjetivo que, por si só, é complexo, na medida

em que podemos fragmentá-lo em duas outras formas menores: coraj- e –oso. Por esse

motivo, trata-se não de uma raiz, mas de um radical. O radical é também uma forma que

serve como base para um paradigma ou parte de um paradigma e, diferentemente da raiz,

pode ser dividido em formas menores. Assim corajoso associa-se à raiz coraj-, que

também pode ser um radical. E corajosamente associa-se ao radical corajoso.

Nesse sentido, composição e derivação apresentam-se como dois modos possíveis

de formalizar a relação entre o que se considera um conceito básico e um conceito

secundário do radical (Sapir, 1921:67). No entanto, a questão da prefixação é complexa,

pois não é consenso entre gramáticos e lingüístas a distinçào entre esse processo e a

composição.

3. A controvérsia da prefixação

A derivação pode ocorrer por prefixação ou por sufixação. No entanto nem todos

partilham a mesma opinião no que se refere à classificação de palavras formadas com

acréscimo de prefixos. Em Monteiro (1987:127-8) encontra-se uma lista de gramáticos e

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lingüistas que incluem a prefixação no mecanismo da derivação (cerca de 60% dos

autores consultados), e outra lista com os que consideram formações prefixais como um

processo de composição.

Os prefixos, no português, não apresentam a função de relacionar a palavra ao

restante da frase (não indicam as marcas flexionais) e modificam o sentido do radical a

que se adjungem, o que torna a prefixação um processo de criação de novos vocábulos

semelhante à composição. O que diferencia a composição da prefixação é o fato de a

primeira apresentar a união de elementos radicais, e de a segunda estruturar-se a partir de

um afixo mais um radical.

No português, no entanto, o afixo, ou seja, o formativo lexical, pode se apresentar

como forma presa ou como forma livre (Bloomfield, 1926:21). Assim, para caracterizar o

método formal em CONTRA-REVOLUÇÃO, MALFERIDO e NÃO-ALINHDO é preciso determinar se as

formas contra, mal e não podem ser classificadas como afixos ou são estritamente

radicais.

4. Análise

4.1 Critério fonológico

Tendo em vista as características prosódicas, em especial a questão do acento, das

formações do tipo prefixo + radical e radical + radical, encontra-se uma semelhança

que impossibilita o uso desse critério fonológico para a distinção entre esses dois tipos de

formação. Palavras como MALFERIDO, NÃO-ALINHADO e CONTRA-REVOLUÇÃO além do acento

primário, apresentam também um acento secundário. Trata-se de uma característica

presente em formações tipicamente compostas, como COUVE-FLOR, GUARDA-CHUVA e TERÇA-

FEIRA.

Em contrapartida, em formações classificadas como prefixais, tais como INFELIZ,

AMORAL, DESLEAL, os prefixos in-, a- e des- apresentam-se como verdadeiras formas átonas

antepostas à esquerda do radical e funcionado como uma sílaba pretônica. É possivel

encontrar, porém, uma formaçào composta como PLANALTO, que se assemelha, em termos

acentuais, a uma palavra prefixal como DESFEITO. Ou, ainda, uma palavra claramente

formada por prefixo, como ANTIINFLAMATÓRIO, que apresenta um acento principal na sílaba

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-tó- e um acento secundário na sílaba inicial an-, e em nada difere de um composto como

GUARDA-CHUVA.

A pauta acentual de palavras formadas pela anteposiçào de contra, mal e não é,

portanto, insuficiente para se afirmar se tais elementos são radicais ou prefixos.

4.2 Critério semântico

Ao se considerar aspectos semânticos, verifica-se que tanto a prefixação como a

composição são processos de formação de palavras que têm, primordialmente, uma

função semântica, e não sintática. São processos que preenchem, em primeira análise,

necessidades semânticas de nomeação, e não utilizam o sentido de uma palavra já

existente em outra classe gramatical, como ocorre na derivação sufixal. Embora uma

formação com prefixo possa mudar a classe gramatical do vocábulo, este não é um fato

comum e nem a função primeira das formações prefixais.

4.3 Critério morfológico

Foram encontradas em Ferreira (1986) 99 palavras antecedidas pelo elemento

contra com este carregando a idéia negativa de oposição ou contradição, conforme

propõem J. Payne (1985), T. Payne (1997) e Aronoff e Fuhrhop (2002), como CONTRA-

ATAQUE, CONTRA-REVOLUÇÃO, CONTRADIZER.

Góes (1938:44), Alves (1992:107) e Cunha & Cintra (2001:85) estão entre os

autores que analisam o contra como prefixo que exprime, entre outros sentidos, a idéia de

oposição. Trata-se de uma forma que se antepõe a bases substantivas (CONTRA-PLANO),

adjetivas (CONTRANATURAL) e verbais (CONTRA-ARGUMENTAR).

Na proposta de Câmara Jr. (1977) e Pereira (1940), embora o contra também seja

classificado como prefixo, as formações com tal elemento são tidas como formações

compostas. Segundo a definição de Câmara Jr. para prefixo, este é uma variante presa das

preposições e, portanto, um prefixo quando presente em compostos como CONTRADIZER,

CONTRA-REVOLUÇÃO e CONTRA-ATAQUE.

Basílio (1974:93), por seu turno, embora também considere composição uma

formação como CONTRAPOR, e não uma derivação prefixal, não analisa o elemento contra,

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nesse caso, como prefixo, mas como radical. Segundo a autora, um composto caracteriza-

se por apresentar dois núcleos. O núcleo é o elemento central básico de uma construção

morfológica e contrário a ele estão os elementos periféricos. Dessa forma, em uma

palavra como RACIONALIZAÇÃO, racionaliza- será o núcleo e –ção a periferia; e na palavra

RACIONAL, racion- será o núcleo e –al a periferia. O núcleo mínimo, portanto, será também

a raiz. Ao definir raiz, Basílio apresenta que “Em geral, a raiz é definida como parte da

palavra que contém o significado lexical ou o significado principal da palavra” (Basílio,

1974:89). Nesse sentido, a autora afirma que, em uma formação como CONTRAPOR, o

contra poderia ser considerado não-raiz, já que, como preposição, teria um significado

gramatical. Mas, comparando formas como CONTRÁRIO e OPOSTO, a autora afirma não haver

motivo para considerar a existência de raiz na segunda, e não considerar a existência de

raiz na primeira.

Então, segundo Basílio (1974:93-4), se o elemento contra é uma forma livre na

língua e pode ocorrer como raiz em construções como CONTRÁRIO, ele deve ser considerado

membro de um composto, e não um prefixo.

Da mesma forma o elemento mal em MAL-AMADO, MALCHEIROSO, MAL-FELIZ pode ser

classificado como radical, e não como prefixo, ao se considerar que se trata, também, de

uma forma livre que ocorre como raiz em MALÉFICO e MALÍCIA, por exemplo.

No dicionário pesquisado, encontram-se 53 palavras iniciadas pela forma mal, e

esta carregando uma idéia negativa. O elemento mal é classificado por Pereira (1940 :

194) como prefixo que traz a idéia de mau êxito. O gramático cita, entre outros exemplos,

as palavras MALTRATAR, MALFAZER, MALQUISTO, MALDIZER. Nesses exemplos, o mal é anteposto

aos lexemas TRATAR, FAZER, QUISTO e DIZER e não estabelece uma relação de oposição ou

contradição com tais palavras, mas apenas acrescenta uma informação que especifica seus

significados. Assim, MALTRATAR não é o oposto de TRATAR, mas é o mesmo que tratar mal.

MALDIZER não é o contrário de DIZER, mas blasfemar. Por esse motivo tais palavras não

foram incluídas na análise.

Ao se considerar, no entanto, os exemplos que compõem o corpus deste trabalho,

como MAL-AMADO, MALFELIZ, verifica-se que a relação de sentido entre o elemento mal e a

palavra a que ele se adjunge é diferente, uma vez que se pode afirmar que o mal apresenta

a idéia negativa de contrário em MAL-AMADO e de contraditório em MALFELIZ. Verifica-se,

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nesses casos, que a posição do elemento mal é fixa, isto é, as inversões amado mal, infeliz

mal não são aceitas.

O que torna complexa a classificação de tais formações com mal é,

principalmente, o fato desta palavra ser classificada, no dicionário, ora como substantivo,

ora como advérbio, ou seja, trata-se de um lexema, segundo Matthews (1991). Nesse

sentido, a forma de palavra males refere-se ao lexema simples MAL, que pode se estruturar

como lexema complexo: MALÉFICO, MALINIDADE. Já as formações MALCONFIAR, MALCHEIROSO

estruturam-se a partir de um lexema simples (MAL) mais um outro lexema que pode ser

simples (CONFIAR) ou complexo (CHEIROSO).

Quanto ao elemento não, considerando os dados retirados de Ferreira (1986) e que

compõem o corpus deste trabalho, as formações com a anteposição do não a um radical

são em menor número, apresentando 31 ocorrências. Segundo Alves (1992;1993), essas

formações compreendem o paradigma dos prefixos negativos do português, ao negar o

sentido expresso por uma base adjetiva (NÃO-VERBAL, NÃO-ILUMINADO) ou substantiva (NÃO-

AGRESSÃO). Para a autora, trata-se de uma forma que deve ser analisada como prefixo

derivacional porque constitui um morfema fixo e recorrente, já consolidado na língua

como elemento de formação de palavra. Assim, o não tem o mesmo valor de elementos

como des-, dis- e in- em exemplos como DESLEAL, DISSEMELHANTE e INCULTO.

No entanto, no “Dicionário de affixos e desinências”, de Góes (1938:135), o não é

definido como um “elemento vernáculo de composição”. Ao se considerar, também, que

Cunha & Cintra (2001 : 106-7) apresentam entre as classes gramaticais dos elementos de

um composto advérbio + adjetivo e advérbio + verbo, pode-se, então, incluir formações

como NÃO-ESSENCIAL e NÃO-LINEAR entre as formações compostas.

Tendo em vista, porém, essa informação dada pelos gramáticos, uma palavra

como NÃO-VIOLÊNCIA, formada por um advérbio mais um substantivo não seria classificada

como palavra composta. Além da dúvida quanto ao status gramatical do elemento não,

surge, a partir de um exemplo como esse, outra questão: se não é característica do

advérbio, no Português, fazer referência a substantivo, como se explicam formações

como NÃO-AGRESSÃO e NÃO-VIOLÊNCIA? Essa é uma questão para ser tratada futuramente.

Por enquanto, independente da classe gramatical das palavras a que o elemento

não se agrega, será considerada, apenas, a noção de que há uma relação entre lexemas, a

mesma relação existente em uma composição, conforme Matthews (1991). A palavra NÃO-

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COMPOSTO, por exemplo, é tida, aqui, como um lexema complexo que se relaciona a dois

lexemas mais simples, NÃO e COMPOSTO. Nesse sentido, o não, assim como os elementos

mal e contra, é classificado, por enquanto, como radical, e não como prefixo, e as

formações com tais elementos (CONTRA-ATAQUE, MALCONTENTE, NÃO-ENGAJADO) são analisadas

como formaçòes compostas, e não derivações prefixais.

5. Conclusão

Um prefixo é semelhante ao radical quando se considera o significado lexical que

ambos apresentam. A diferença entre um e outro fica evidente no momento em que se têm

formações como PRÉ-HISTÓRICO, INFELIZ, DESFEITO, em que os prefixos são facilmente

identificados como as formas presas pré-, in- e des-, e os radicais são a parte lexical de

cada vocábulo, aqui, expandidos pelos prefixos. Essa diferença, no entanto, anula-se

quando o termo anteposto não é uma forma presa, mas uma palavra livre na língua, como

contra, mal e não.

Das análises feitas, podem-se estabelecer as seguintes conclusões:

Em se tratando da pauta acentual entre as formações com contra, mal e não,

comparadas às formações indubitavelmente prefixais (DESFAZER, INFELIZ, ANTI-ATAQUE, PRÉ-

VESTIBULAR) e, ainda, às formaçòes compostas (GUARDA-CHUVA, PLANALTO), verificou-se que

esse critério fonológico não é suficiente para se classificar as formações como CONTRA-

ATAQUE, MAL-AMADO e NÃO-VERBAL como prefixais ou compostas.

O critério semântico também não é suficente, uma vez que os elementos contra,

mal e não, classificados seja como radicais, seja como prefixos, apresentam uma função

semântica de nomeação.

Morfologicamente, as formaçòes em análise foram tidas como palavras

compostas. Segundo Matthews (1991), uma composição estrutura-se a partir da junção de

um lexema a outro lexema. Assim, considerando contra, mal e não como lexemas

simples, formas livres com entrada no dicionário, as formações CONTRA-REVOLUÇÃO, MAL-

AMADO e NÃO-VERBAL estrutram-se a partir da junção de dois lexemas, ou seja, são

formações compostas, e não derivações prefixais.

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Nota

1 Este trabalho é uma parte da dissertação de mestrado de Pereira (2006).

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