8/9/2019 Paraso proibido

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Paraso proibido

Andreia Fanzeres

19.08.2006 OECO

Para conhecer Aventureiro preciso levar o nome desta praia de Ilha Grande, no Rio deJaneiro, ao p da letra. Ou voc passa horas num barquinho em mar aberto, ou atravessauma das montanhas mais ngremes de toda ilha. Mas se ao pisar naquela praia voc decidirficar por l alguns dias, vai ser enquadrado em outra categoria de visitante: aventureiro-fora-da-lei.

Est proibido acampar na praia desde a interdio policial realizada no carnaval deste ano ,decorrente dos impactos ambientais causados pela superlotao de turistas. Segundo asautoridades locais, os campings s vo poder voltar a funcionar sob regras ainda a seremcriadas e quando terminar um processo que corre dentro da Feema, fundao ambiental do

Rio, que pretende excluir a Praia de Aventureiro da Reserva Biolgica Estadual da Praia doSul algo que demora, apesar dos pedidos de tramitao prioritria dentro do rgo. Apresso aumentou depois que cerca de 80 moradores da praia de Aventureiro acionaram oMinistrio Pblico em maro e cobraram das autoridades ambientais uma soluo para oseu problema de subsistncia, pois faziam do turismo sua fonte principal de renda.

A reserva biolgica foi criada em 1981 e por lei ningum pode morar dentro deste tipo deunidade de conservao, mas os habitantes da praia nunca receberam indenizao nemforam removidos. Naquela poca o Brizola administrava o Rio. E em funo de umapoltica extremamente voltada para o social, nunca conseguimos retirar as pessoas doAventureiro, lamenta a biloga Norma Crud Maciel, chefe da Rebio e funcionria daFundao Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema) desde 1975. Jamaisconseguimos um poltico para nos apoiar, diz.

Depois de tanto tempo, os moradores acabaram adaptando seu estilo de vida presenacada vez mais significativa do turismo. Antes, no funcionavam na praia bares erestaurantes com alvar da prefeitura de Angra dos Reis, nem havia gente que pagava IPTUao municpio imposto que passou a ser cobrado em 1988. Os moradores recebemservios da prefeitura, como uma escola, coleta de lixo, alm de manter uma merendeira eum agente de sade no Aventureiro, justifica Elisabeth Brito, secretria municipal de meioambiente.

Por temer a desafetao da praia e o que ela pode vir a se tornar fora da Rebio e ao alcanceda especulao imobiliria, os moradores se organizaram. Conseguiram o apoio de umgrupo de pesquisadores que em julho assinou um manifesto pedindo para que Aventureiroseja transformada em uma Reserva de Desenvolvimento Sustentvel (RDS).

Controvrsia

Uma vez retirada da reserva, a praia do Aventureiro vai automaticamente fazer parte darea de Proteo Ambiental (APA) dos Tamoios, sobreposta pela reserva biolgica. Norma

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Maciel acredita que essa seja a melhor opo. A rea vai se transformarem Vila do Aventureiro e as pessoas vo poder continuar do jeito queesto, diz a biloga. Ela explica que como a gerente da rea tambm aprpria Feema, se eles respeitarem as restries de moradias previstas noplano diretor (que ainda no foi feito), no haver risco algum de expulso

dos moradores por presses imobilirias. Eles s vo sair se quiserem vender suas terraspara algum magnata. Mesmo assim, caber Feema no licenciar nada que desrespeite oplano diretor, informa a chefe da reserva biolgica.

Mas isso no basta para quem acompanha os diversos casos de empreendimentos luxuososque tm ameaado Ilha Grande. A ilha tem enormes problemas fundirios. Volta e meiaaparece um empresrio se dizendo dono de alguma praia, com documentos grilados. Jexistem diversas delas privatizadas. Se isso acontecer em Aventureiro, vai ser difcilreverter, considera Alexandre Guilherme de Oliveira e Silva, membro do Comit deDefesa da Ilha Grande (Codig).

Os pesquisadores que assinaram o manifesto concordam. Por isso formalizaram a propostada RDS. Segundo o documento, a categoria ideal porque vai servir de zona deamortecimento para segurar a presso sobre a reserva, alm de permitir turismo, pesquisacientifica e educao ambiental. Norma Maciel v desvantagens nessa idia, que vaiimplicar em mais sobreposio de unidades de conservao na Ilha Grande, sendo que elasnunca foram implementadas. Eu estou farta de ver figuras no papel, umas por cima dasoutras. Vai ser mais um papel, com outro plano de manejo, outro diretor, e vai precisar deoutros recursos, diz.

A prefeitura de Angra dos Reis a nica que no acredita no risco de especulaoimobiliria. Ainda estamos fazendo estudos, mas a prefeitura quer uma unidade deconservao que permita a permanncia das pessoas que j esto l e no comprometa arenda nem o meio ambiente, resume Elisabeth Brito.

Soluo cuidadosa

A coexistncia da populao local com os turistas naquela regio ser uma tarefa delicada.Segundo estimativas do rgo, em pocas de carnaval e fim de ano, Aventureiro chegava areceber entres trs e quatro mil pessoas, quando avaliaes preliminares indicam que apraia suporta, no mximo, 800 visitantes. A ocupao excessiva, ainda que temporria,provocava graves problemas de falta dgua, lnguas negras decorrentes do lanamento doesgoto no mar e desmatamento para abertura de novas reas para camping. Inclusive noentorno do posto da Feema, sem que nenhum funcionrio do rgo impedisse a prtica.

Essas so agresses inadmissveis em um lugar como Aventureiro. Trata-se de umapequena enseada virada para o mar aberto, na extremidade sul da ilha. Sua geografia adeixa literalmente de frente para as duas praias menos visitadas e mais selvagens de todaregio: as praias do Sul e do Leste. Em uma de suas extremidades, onde o mar calmo, no preciso nem mscara de mergulho para apreciar os peixinhos coloridos. O cais deatracao fica justamente ali, j que ao longo dos apenas 600 metros de areia deAventureiro as ondas costumam atrair tambm surfistas. Um local digno de apreciao.

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As praias do Leste e do Sul so consideradas umas das reas de restingasmais preservadas do Brasil. Segundo Norma Maciel, entre essas duaspraias desgua no mar o rio Capivari, que abastece duas lagoas intocadas.Aquilo l um man, uma beno, diz. As lagoas so perfeitas. As

tainhas entram naquela regio de rio e mangue, reproduzem-se e crescem. a Rebio quefornece grande parte desses peixes encontrados na Baa de Sepetiba hoje, conta.

So cerca de sete quilmetros de areias contnuas, com ondas to lmpidas quanto violentas.Apesar de ser reserva biolgica e de haver mais uma barreira natural contra a passagem deturistas o Costo do Demo (foto ao lado) os fiscais da Feema baseados na praia deAventureiro no impediam a entrada de visitantes nas praias da reserva. Elas, alis, so rotaobrigatria de quem vai Ilha Grande com objetivo de dar a volta completa na regioinsular, ainda que a prtica seja proibida ali.

A Feema diz que, agora isso mudou. Depois do escndalo dos acampamentos e daocupao ilegal na Ilha Grande, a entidade dispensou os trabalhos do funcionrio quemantinha no posto do Aventureiro e colocou em seu lugar a esposa do presidente daassociao dos moradores, Daise Benevides. Ela passou a ocupar um cargo de confianadentro da Feema depois de ter apresentado projetos ambientais para minimizar os impactosda presena humana na praia e garantir aos moradores alternativas de renda que nodependam tanto do turismo, como cultivos marinhos.

Os novos caiaras

Mas os moradores insistem que dependem do turismo, o que no os descaracteriza comocaiaras. Os estudiosos que assinaram o manifesto defendem a presena dessas pessoas hpelo menos quatro geraes em Aventureiro. Dizem que eles tm prticas locais depertencimento, como o enterro do cordo umbilical dos recm nascidos nos terrenos. Almdisso, a populao local adquiriu conhecimento emprico do ambiente no que se refere flora, fauna, clima e regime de mars. Com base em estudos em Aventureiro, ospesquisadores constataram ainda que a populao conserva um padro tradicional deorganizao do trabalho, baseado na diviso sexual das tarefas. A explorao do turismo foiconjugada manuteno do trabalho familiar, prtica das roas e pesca.

Algumas pessoas dizem que a pesca deixou de ser importante economicamente na regioporque o Parque Estadual Marinho do Aventureiro, criado em 1990, impediu a prticanaquela zona costeira. Algo que Norma Maciel, que tambm administra o parque, negaveementemente. O nosso parque foi criado com o vis bsico de que seria permitido seuuso pelos caiaras, afirma a biloga. Mas as queixas so de que, em vez deles, companhiasde pesca industrial adotam o arrasto para capturar os peixes na rea protegida. fcilreclamar, mas nunca nenhum morador do Aventureiro me telefonou para denunciar oarrasto. Eles no colaboram com a fiscalizao. Se eles ajudassem, seria melhor paratodos, diz Norma.

De acordo com relatos de quem vive na regio, com o fim do turismo, no existe mais umaatividade principal sob a qual os moradores de Aventureiro baseiam sua subsistncia.

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Alguns continuam pescando, outros tm residncia em Angra dos Reis epassam a semana sobrevivendo de fretamento de barcos, ou de outro tipode ocupao no continente. A prefeitura de Angra afirma estar fazendo umlevantamento scio-econmico daquela comunidade para descobrir comoeles vivem hoje e como era antes da proibio dos acampamentos. Eles

cobravam pouco pelo camping, no d para sobreviver do que eles ganhavam nos feriadesdurante o ano inteiro. S depois de sabermos isso poderemos discutir uma alternativa derenda e preservao do ambiente para eles, explica Elisabeth Brito.

No meio dessa indefinio, se voc to somente um turista bem intencionado, vido porconhecer as belezas de Ilha Grande, informe-se nos sites IlhaGrande.com ouIlhaGrande.com.br sobre os locais onde h campings, pousadas e casas para alugar emsituao legalizada. Se fizer isso, no precisa se assustar com as enormes placas no cais deAngra dos Reis (foto ao lado) que informam ser ilegal acampar na Ilha Grande. ElisabethBrito, secretria de meio ambiente, garante que os estabelecimentos regularizados estoidentificados com placas informativas.

Mas para chegar em Aventureiro preciso entrar em contato com moradores que tenhambarcos e combinar um dia e uma hora. No h transporte regular. O preo da travessia variaentre 20 e 25 reais. Mas se voc optar pela aventura, lembre-se que o passeio vai ter que sercurto porque dormir por l continua proibido.