Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada...
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Parcerias Público-Privadas e Justiça
Uma análise comparada de diferentes experiências
Consultor
Pedro Guedes Campos
Mestre em Economia
Director Científico
Boaventura de Sousa Santos
Conceição Gomes (coord.)
Fátima Sousa
Diana Fernandes
José Reis
Catarina Trincão
Paula Fernando
Carla Soares
OBSERVATÓRIO PERMANENTE DA JUSTIÇA PORTUGUESA CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS
FACULDADE DE ECONOMIA UNIVERS IDADE DE COIMBRA
OUTUBRO 2007
Índice
I
Índice
Glossário de termos e abreviaturas
Introdução Geral _____________________________________________________ 1
Capítulo I
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
Sumário Executivo ____________________________________________________ 7
Introdução __________________________________________________________ 9
1. O Conceito de Parceria Público-Privada _________________________________ 9
2. Características Principais____________________________________________ 13
3. Parcerias, Privatização, Externalização_________________________________ 19
4. As Tipologias Principais de Parcerias Público-Privadas ____________________ 20
5. Génese e Evolução das Parcerias Público-Privadas_______________________ 26
5.1. O Protagonismo Privado: da Antiguidade ao Século XX______________ 26
5. 2. O Estado Centralizador e o Ressurgimento Privado nos Anos 70 do Século XX_____________________________________________________ 29
5.3. A Private Finance Initiative Britânica _____________________________ 31
5.4. As Parcerias Público-Privadas na Europa Continental _______________ 34
6. Motivações da Nova Vaga de Parcerias Público-Privadas __________________ 37
7. A Organização das Parcerias Público-Privadas __________________________ 41
7. 1. A Organização no Âmbito Político-Institucional ____________________ 41
7. 2. O Procedimento ____________________________________________ 44
7. 3. A Estrutura Empresarial: Special Purpose Vehicle__________________ 48
7. 4. A Situação Portuguesa_______________________________________ 49
8. Áreas Sectoriais Mais Relevantes _____________________________________ 51
8. 1. Transportes________________________________________________ 55
8. 2. Água e Saneamento _________________________________________ 56
8. 3. Saúde ____________________________________________________ 57
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
II
8. 4. Educação __________________________________________________58
8. 5. Justiça ____________________________________________________59
9. O Debate Público: Breve Abordagem ___________________________________59
9. 1. O Debate Político ____________________________________________59
9. 2. O Debate Económico _________________________________________63
9. 3. O Debate em Torno das Questões Organizacionais _________________68
9. 4. Sucessos, Falhanços, Limites __________________________________73
Capítulo II
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
Sumário Executivo____________________________________________________77
Introdução __________________________________________________________79
1. A razão das parcerias público-privadas__________________________________81
2. Definição legal de parcerias público-privadas e âmbito de aplicação ___________82
3. Repartição de responsabilidades e partilha do risco________________________83
4. Pressupostos das parcerias público-privadas _____________________________84
5. Processo de avaliação prévia das parcerias público-privadas ________________85
5. 1. Preparação e estudo _________________________________________86
5. 2. Lançamento da parceria_______________________________________87
5. 3. Comissão de avaliação das propostas____________________________88
5. 4. Adjudicação ________________________________________________89
6. Fiscalização e acompanhamento das parcerias público-privadas _____________90
7. A contratação de consultores _________________________________________94
8. Resolução de litígios ________________________________________________95
9. Regimes específicos de parcerias público-privadas no sector da saúde ________96
10. Apreciação crítica: o enquadramento legal e a prática _____________________97
10. 1. O Relatório do Tribunal de Contas______________________________98
10. 2. Outras opiniões ___________________________________________103
Índice
III
Capítulo III
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
Sumário Executivo __________________________________________________ 109
Introdução ________________________________________________________ 111
1. As orientações da União Europeia____________________________________ 112
2. As recomendações da União Europeia ________________________________ 138
3. Estudos e opiniões________________________________________________ 145
Capítulo IV
Análise da experiência comparada
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
Sumário Executivo __________________________________________________ 153
Introdução ________________________________________________________ 155
1. Das Ryrie Rules à Private Finance Initiative (PFI)________________________ 156
2. A configuração institucional da PFI ___________________________________ 162
3. O enquadramento legal ____________________________________________ 163
4. Os contratos de PFI/PPPs __________________________________________ 165
5. O processo de negociação de um contrato de PFI _______________________ 167
5. 1. A partilha do risco__________________________________________ 168
6. As áreas de intervenção de PFI/PPPs no Reino Unido____________________ 169
6. 1. Os vários sectores _________________________________________ 169
6. 2. Projectos de PFI/PPPs na área da justiça _______________________ 172
6. 2. 1. PFI/PPPs nos tribunais _________________________________ 172
7. As PFI/PPPs no Reino Unido: um breve balanço ________________________ 185
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
IV
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
Sumário Executivo___________________________________________________189
Introdução _________________________________________________________191
1. O enquadramento legal _____________________________________________194
1. 1. The Transport (Railway Infrastructure) Act 2001 ___________________194
1. 2. The State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act, 2002 _________________________________________________________195
1. 3. The National Development Finance Agency Act 2002 e The National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007 __________________196
2. As modalidades de parceria público-privada_____________________________197
3. O processo de adjudicação de uma PPP _______________________________199
4. O financiamento nas parcerias público-privadas__________________________204
5. Estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de PPP ___________204
5. 1. Estruturas centrais de fiscalização e controlo de PPPs______________205
5. 1. 1. A Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional (National
Development Finance Agency – NDFA)___________________________206
5. 1. 2. A Unidade Central de PPP (The Central PPP Unit) ____________207
5. 2. Unidades de PPP no âmbito de Departamentos Governamentais _____209
6. As áreas de intervenção das PPPs____________________________________209
6. 1. Áreas de intervenção geral____________________________________209
6. 2. As PPPs no sector da justiça __________________________________211
6. 2. 1. Tribunais (entidade responsável – Courts Service) ____________211
6. 2. 2. Estabelecimentos Prisionais (entidade responsável: Prison
Service/Department of Justice, Equality and Law reform) _____________213
7. As parcerias público-privadas em avaliação _____________________________215
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
Sumário Executivo___________________________________________________219
Introdução _________________________________________________________221
1. Enquadramento legal: principais linhas orientadoras ______________________225
2. Estruturas de apoio, fiscalização e controlo _____________________________228
3. O processo de adjudicação __________________________________________229
4. Áreas de intervenção de parcerias público-privadas_______________________234
4. 1. Nos vários sectores _________________________________________234
4. 2. As parcerias público-privadas no sector da justiça _________________236
Índice
V
4. 2. 1. Estado de Vitória______________________________________ 236
4. 2. 2. Austrália do Sul _______________________________________ 239
4. 2. 3. Austrália Oeste _______________________________________ 240
4. 2. 4. Nova Gales do Sul ____________________________________ 241
5. A avaliação do recurso às parcerias público-privadas_____________________ 242
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
Sumário Executivo __________________________________________________ 245
Introdução ________________________________________________________ 247
1. O enquadramento legal e institucional dos contratos de parceria ____________ 250
2. As estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de parceria público-privado ________________________________________________ 255
2. 1. A Missão de Apoio à realização de contratos de parceria (Mission d’Appui à la Réalisation de Contrats de Partenariat - MAPPP) ___________ 255
2. 2. O Instituto de Gestão Delegada (Institut de la Gestion Déléguée)_____ 256
2. 3. A Agence de Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la Justice (AMOTMJ) ___________________________________________________ 257
3. O processo de adjudicação de um contrato de parceria ___________________ 258
4. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas _____________________ 265
4. 1. Áreas de intervenção em geral________________________________ 265
4. 2. As parcerias público-privadas no sector da justiça_________________ 266
4. 2. 1. Os projectos em curso na área da justiça___________________ 267
4. 2. 2. Os projectos futuros ___________________________________ 272
5. O balanço das parcerias público-privadas em França_____________________ 274
A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas
Sumário Executivo __________________________________________________ 277
Introdução ________________________________________________________ 279
1. Enquadramento legal dos contratos de parceria público-privadas ___________ 279
2. A estrutura de apoio de parceria público-privada na região flamenga: o Centro de Conhecimento flamengo de PPP__________________________ 283
3. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas _____________________ 283
3. 1. As parcerias público-privadas nos diferentes sectores______________ 283
3. 2. As parcerias público privadas no sector da justiça_________________ 287
4. O balanço das parcerias público-privadas______________________________ 287
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
VI
A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas
Sumário Executivo___________________________________________________289
Introdução _________________________________________________________291
1. O enquadramento legal das parcerias público-privadas ____________________291
2. As estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de parceria público-privada_________________________________________________295
3. O processo de adjudicação da concessão de obras públicas________________297
4. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas______________________300
4. 1. Áreas de intervenção em geral_________________________________300
4. 2. As parcerias público-privadas na área da justiça___________________302
5. O balanço dos recurso às parcerias público-privadas______________________302
Capítulo V
Conclusões e Recomendações
I. Conclusões_______________________________________________________305
II. Algumas Recomendações___________________________________________337
Anexos
Anexo 1 - As PPPs no sector da justiça (Reino Unido, República da Irlanda, Austrália, França, Bélgica e Espanha) _______________________________345
Anexo 2 - As PPPs no sector da justiça em outros países da Europa ___________353
Referências Bibliográficas _____________________________________________355
Índice
VII
Índice de gráficos e figuras
Capítulo I
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
Gráfico I.1 Valor de capital das PPPs por continente, 2000 e 2003 _____________ 34
Capítulo IV
Análise da experiência comparada
Gráfico IV. 1 Número e valor dos projectos PFI por ano (1992-2005)___________ 161
Gráfico IV. 2 Investimento em serviços públicos, Reino Unido (1990-2006)______ 161
Gráfico IV. 3 Contratos de PFI nas diversas áreas por valor de capital (até 2005)_ 170
Gráfico IV. 4 Projectos de PFI por região e valor___________________________ 172
Figura IV. 1 PPP Procurement Steps within the Capital Appraisal Guidelines framework ____________________________________________________ 200
Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante a uma infra-estrutura social________________________________________________________ 226
Figura IV. 3 Os projectos de PPPs da responsabilidade da AMOTMJ __________ 269
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
VIII
Índice de quadros
Capítulo I
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
Quadro I.1 Categorias de PPP segundo o FMI ______________________________22
Quadro I.2 Tipologia de parcerias público-privadas __________________________24
Quadro I.3 Desenvolvimento institucional das PPPs na Europa_________________41
Quadro I.4 Etapas principais de um contrato PPP___________________________45
Quadro I.5 Transferência de risco nas concessões rodoviárias em Portugal ______51
Quadro I.6 PPPs fora da Europa por país, sector e situação, 2005______________52
Quadro I.7 PPPs na Europa por país, sector e situação, 2005 _________________54
Capítulo IV
Análise da experiência comparada
Quadro IV. 1 Os maiores contratos de PFI (1987-2006)______________________171
Quadro IV. 2 Investimento previsto em PPPs para o período 2004-2008_________210
Quadro IV. 3 PPPs na Austrália por sector e região, Julho de 2007_____________235
Quadro IV. 4 Exemplo de uma matriz de riscos ____________________________261
Glossário de termos e abreviaturas
Glossário de termos e abreviaturas
Agence de Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la Justice
(AMOTMJ) - organismo público, sob a tutela do Ministério da Justiça
francês, cuja principal missão é a de construir, renovar e restaurar
os tribunais e os estabelecimentos prisionais franceses.
Australian Loan Council – Conselho Ministerial da Commonwealth que
coordena o sector da dívida pública, integrado pelo Ministro das
Finanças australiano (que exerce as funções de presidente) e pelos
ministros das finanças das regiões e territórios.
Autorisation d’occupation temporaire du domaine public (AOT) – autorização
de ocupação temporária do domínio público; tal como no BEA, o
ocupante é o proprietário e responsável da obra, mas em
contrapartida e diferentemente do BEA, a AOT permite a celebração
pelo seu titular de contratos de leasing sobre a construção e
instalações, objecto do contrato.
Bail emphythéotique hospitalier (BEH) – contrato de arrendamento hospitalar;
contrato através do qual uma entidade pública celebra um contrato
com uma entidade privada para a construção ou renovação, e
manutenção de hospitais públicos.
Baux emphytéotiques administratifs (BEA) – contratos de arrendamento
administrativos; contratos administrativos inspirados no direito rural
que possibilitam o financiamento de equipamentos públicos por uma
entidade privada.
Briefing on Public Private Partnerships for the Committe of Public Accounts –
relatório de avaliação dos projectos-piloto de PPPs lançados em
1999, datado de 2004, publicado pela Unidade Central de PPP da
República da Irlanda.
Build Operate Transfer (BOT) – forma típica de concessão, segundo a qual o
privado assume a concepção, financiamento, construção e
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
exploração, transferindo o controlo para o Estado ao fim de um
prazo estipulado.
Build Own Operate (BOO) – modalidade de parceria concessão, segundo a
qual o privado assume a concepção, financiamento, construção e
exploração, mantendo o privado a propriedade do bem no final do
contrato.
Build-develop-operate (BDO) - modalidade de concessão, segundo a qual o
privado assume a construção, desenvolvimento e exploração,
mantendo o privado a propriedade do bem no final do contrato.
Build-lease-operate-transfer (BLOT) – variante de BOT, segundo a qual o
sector privado concebe, constrói e explora um activo; transfere-o
para o Estado ao fim de um determinado período.
Build-own-operate-transfer (BOOT) - variante de BOT, segundo a qual o sector
privado concebe, constrói e explora um activo; transfere-o para o
Estado ao fim de um determinado período.
Build-rent-own-transfer (BROT) – variante de BOT, segundo a qual o sector
privado concebe, constrói e explora um activo; transfere-o para o
Estado ao fim de um determinado período. Parceiro privado pode
em seguida alugar ou fazer leasing do activo ao governo.
Build-transfer-operate (BTO) – variante de BOT, segundo a qual o Estado é
proprietário logo após a construção; privado faz leasing da
infraestrutura.
Bundling – concentração no parceiro privado do grosso das etapas de
produção de um serviço, normalmente desde a concepção até à
exploração.
Buy-build-operate (BBO) – modalidade de concessão para activos existentes,
segundo a qual o privado assume a construção, renovação e
exploração, mantendo o privado a propriedade do bem no final do
contrato.
Buy-build-operate (BBO) – modalidade de parceria público-privada, segundo a
qual o sector privado compra um activo existente, renova-o,
Glossário de termos e abreviaturas
moderniza-o e passa a explorá-lo, sem obrigação de transferir a
propriedade para o governo.
Cabinet Sub-Committee on Infrastructure and Public-Private Partnership –
comité governamental irlandês com competência na área da criação
de infra-estruturas e de contratos de PPP, presidido pelo Primeiro-
Ministro e dele fazem parte o Vice-Primeiro Ministro, o Ministro das
Finanças, o Attorney General (Procurador-Geral da República) e
vários Ministros.
Central PPP Unit – unidade constituída no Departamento de Finanças da
República da Irlanda com competência para conduzir e coordenar a
implementação de parcerias público-privadas.
Centre de Connaissance flamand de PPP – entidade especializada da região
flamenga (Bélgica) em coordenar e tornar coerente a política a
desenvolver na área das PPPs.
Centre of Expertise for PPP Procurement – órgão da NDFA que tem função
principal coordenar os processos de adjudicação de projectos de
alguns departamentos estatais irlandeses.
Centre d´Expertise Français pour l´Observation des Partenariats Public-Privé
(CEFO-ppp) – tem por missão estabelecer “ficheiros PPP”, dos
quais constarão as características essenciais de um contrato de
parceria ou de um contrato semelhante do ponto de vista jurídico,
económico e financeiro.
Comité Interministériel d’aménagement et de compétitivité des territoires
(CIACT) – Comité Interministerial de ordenamento e de
competitividade dos territórios.
Concessão – contrato através do qual o Estado compra um serviço, a
disponibilidade de um certo produto por um certo tempo e qualidade,
especificados no contrato; enquanto o privado assume todas as
etapas da produção desse serviço, permanecendo como sujeitos
autónomos; o concessionário é frequentemente um consórcio criado
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
especificamente para a concessão, que reúne as competências
específicas de cada membro adequadas às diversas etapas.
Concessão sem transferência – privado é proprietário e responsável por um
serviço permanentemente, o Estado é seu cliente e regulador.
Concession de travaux publics – contratos pelos quais se atribui a um
parceiro denominado concessionário o direito de explorar mediante
o pagamento de um preço, os serviços ou a obra que este se
compromete a executar.
Construction and engineering sectors (CIF) – representantes dos sectores da
construção civil irlandês.
Contrat d’autorisation d’occupation temporaire du domaine public et de bail
(Location avec option d’achat - AOT-LOA) – contrato de autorização
de ocupação temporária do domínio do Estado e de arrendamento
(Locação com opção de compra), idêntico ao AOT, mas tem
acrescido a opção de compra por parte do Estado.
Contrato de Parceria (CP) – contrato global e de longa duração, cujo objectivo
consiste em confiar ao parceiro privado o financiamento, a
construção e manutenção dos investimentos materiais ou imateriais
necessários para o exercício de funções públicas, em troca de uma
remuneração por parte da entidade pública.
Contratos de parceria assimiláveis (CPA) – categorias de instrumentos
jurídicos criados para contornar os limites das figuras contratuais
então existentes (mercados públicos e delegações de serviço
público).
Courts Service – órgão governamental competente para administrar e gerir os
tribunais na República da Irlanda.
Délégations de service public – contratos através dos quais uma entidade
pública confia e delega a gestão e exploração de um serviço público
da sua responsabilidade a uma outra entidade pública ou privada,
Glossário de termos e abreviaturas
cuja remuneração depende directamente do resultado dos serviços
prestados.
Department for Constitutional Affairs (DCA) - departamento governamental de
administração da justiça do Reino Unido.
Design and Construct (D&C) – forma tradicional de contratação pública.
Design Build Finance (DBF) – variante de DBFO, segundo a qual o privado
transfere propriedade para o Estado logo após a construção.
Design Build Finance Operate (DBFO) – versão britânica do esquema BOT.
As prerrogativas de proprietário privado são mais limitadas, não
pode, por exemplo, cobrar portagens.
Design Build Finance Operate Manage (DBFOM) – variante de DBFO,
segundo a qual o privado assume a concepção, financiamento,
construção, exploração e gestão.
Design Build Operate (DBO) – modalidade de concessão, segundo a qual o
Estado é financiador, em vez do privado.
Design-construct-manage-finance (DCMF) – modalidade de concessão,
segundo a qual o privado assume a concepção, financiamento,
construção e exploração.
Economic and Social Infrastructure Operational Programme – um dos cinco
Programas Operacionais elaborados no âmbito do Plano de
Desenvolvimento Nacional da República da Irlanda e do
Enquadramento de Apoio Comunitário.
Externalização – fenómeno através do qual o Estado transfere para privados
tarefas antes internas, normalmente acessórias e pouco complexas.
Financier-led model – modelo de PPP de liderança financeira, iniciado na
Austrália, no qual os bancos organizam e concentram a propriedade
da sociedade-veículo da PPP (SPV), ao contrário do modelo
dominante, em que bancos, empresas de construção e outros
intervenientes dividem a propriedade.
ForoPPP – associação espanhola constituída por sociedades privadas
interessadas na promoção da colaboração entre as várias
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
administrações públicas espanholas e o sector privado para o
desenvolvimento de projectos de infra-estruturas públicas no âmbito
das PPPs.
Framework for PPP in Ireland – documento elaborado pelo Departamento de
Finanças no qual é delineado o escopo, princípios estruturantes e
objectivos do programa de introdução de parcerias público-privadas
na República da Irlanda.
HM Treasury – Ministério das Finanças do Reino Unido.
Institut de la Gestion Déléguée – fundação francesa sem fins lucrativos que
agrupa uma pluralidade de actores relacionados com as PPPs,
nomeadamente empresas, representantes do Estado,
consumidores, peritos, operadores e instituições financeiras. Tem
por missão promover o melhoramento da qualidade e performance
dos serviços públicos, em especial quando a sua gestão é delegada.
Elabora estudos, pesquisas e apresenta propostas sobre a gestão
dos serviços públicos.
InterDepartmental Group on PPPs (IDG) – grupo da Unidade Central de PPPs
irlandesa, constituído por representantes de todos os sectores da
administração pública. O seu papel centra-se na identificação das
questões mais relevantes que se colocam nos processos de
parcerias público-privadas, na recolha e avaliação das diferentes
experiências e na identificação das melhores práticas no sector.
Joint venture – consiste numa sociedade mista público-privada para fins de
benefício público; Estado e privado são um único sujeito, logo as
responsabilidades (riscos, receitas, custos) são efectivamente
partilhadas entre público e privado, não simplesmente transferidas.
Lease Renovate Operate Transfer (LROT) – variante de BOT para renovação
de infra-estruturas existentes.
Lease-develop-operate (LDO) – modalidade de concessão, segundo a qual o
sector privado faz leasing de um activo público existente; renova-o,
Glossário de termos e abreviaturas
moderniza-o, expande-o, e passa a explorá-lo, sem obrigação de
transferir a propriedade para o governo.
LOPJ – Lei de Orientação e Programação para a Justiça francesa.
LOPSI – Lei de Orientação e de Programação para a Segurança Interna
francesa.
Marchés d’entreprise de travaux publics (METP) – contratos cujo objecto
visava atribuir, a longo prazo, a um contraente único a construção e
exploração de uma obra contra o pagamento em prestações de uma
remuneração pela entidade pública.
Marchés publics – contratos através dos quais uma entidade pública adquire,
de forma imediata, bens ou serviços necessários para o exercício
das suas funções, através do pagamento de um preço determinado.
Missão de Apoio à Realização dos contratos de parceria (MAPPP) –
organismo criado em Outubro de 2004, em França, tem como
principais funções a assistência e o aconselhamento dos órgãos da
Administração Pública ao longo das diferentes etapas dos contratos
de parceria.
National Audit Office (NAO) – órgão central de auditoria pública do Reino
Unido, com competência de auditoria dos processos de adjudicação,
de avaliação do value for money e do tratamento contabilístico dos
projectos.
National Development Finance Agency (NDFA) – centro especializado irlandês
de aconselhamento financeiro para todas as entidades públicas
envolvidas em grandes projectos de infra-estruturas, quer por meio
de parcerias público-privadas, quer através de formas contratuais
ditas tradicionais.
National PPP Forum – órgão australiano constituído por representantes do
governo central e dos governos regionais, com o objectivo de
harmonizar as diversas experiências regionais, sistematizar o
enquadramento jurídico e organizativo e criar um verdadeiro
mercado nacional de PPPs.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
Office of Government Commerce do HM Treasury (OGC) – departamento
britânico específico, criado em 2000, com a missão de supervisionar
e assessorar os procedimentos de contratação pública, tendo um
departamento dedicado à PFI.
Partnerships for Health (PfH) – unidades sectoriais específicas.
Partnerships for Schools (PfS) – unidades sectoriais específicas.
Partnerships UK (PUK) – (veio substituir a TPFT) criada em 2000, no Reino
Unido, constitui uma inovação no quadro da PFI, ao configurar-se a
si própria como uma joint-venture entre o HM Treasury e o sector
privado.
Partnerships Victoria – agência governamental do estado de Vitória,
responsável pelo enquadramento de projectos relativos a infra-
estruturas públicas mediante parcerias público-privadas.
Partnerships Victoria Practitioners' Guide (Guia de Boas Práticas da
Partnerships Victoria) – guia de boas práticas na contratação de
PPPs emitido pela Partnerships Victoria.
PFI Operational Taskforce – entidade inserida na PUK que se articulará com o
OGC, a 4 Ps, com os departamentos sectoriais e com o sector
privado e terá como função principal a assessoria dos parceiros, a
avaliação de projectos e a sistematização contratual.
PPP – parceria público-privada.
PPP Units – Unidades de PPP.
Prison Service – órgão governamental competente para administrar e gerir as
prisões na República da Irlanda.
Private Finance Initiative (PFI) - primeiro programa político sistemático de
PPPs, introduzida em 1992 pelo governo de John Major e
prosseguida em 1997 pelo New Labour de Tony Blair. Os contratos
PFI cabem na categoria de concessões, mas desenvolveram
especificidades suficientes para merecerem uma subcategoria à
parte.
Glossário de termos e abreviaturas
Private Finance Panel (PFP) – painel independente de consultores criado em
1993 no Reino Unido cuja principal função era assessorar os
agentes públicos e privados.
Project Review Group (PRG) – grupo de avaliação de projectos britânicos a
nível local, composto por um painel de peritos seleccionados com
base nos seus conhecimentos de PFI.
Public Accounts Committee – Comissão Parlamentar britânica que acompanha
os relatórios produzidos pelo NÃO e os aprofunda, realizando
relatórios autónomos, numa perspectiva de avaliação política.
Public Private Partnership Programme (4Ps) – criado em 1996, no Reino
Unido, com o objectivo de prestar apoio à administração local;
programa equivalente ao PFP, mas cujo âmbito de actuação era
junto da administração local.
Public Sector Benchmark (PSB) – indicador monetário utilizado na Irlanda com
a estimativa do custo total, rendimentos e risco, fornecendo-se,
assim, às entidades privadas que se candidatam aos projectos quais
os custos, lucros e riscos que estarão em causa naquele contrato de
PPP.
Public Sector Comparator (PSC) – teste realizado no Reino Unido, aquando
da aprovação do projecto, que consiste em calcular os custos de
todo o projecto, quer recorrendo a PFI/PPPs, quer seguindo o
modelo de financiamento tido como tradicional, outorgando-se
valores ao risco que o sector público mantém em ambos.
Public/Private Informal Advisory Group on PPPs – grupo da Unidade Central
de PPPs irlandesa, constituído por representantes de várias
entidades públicas, das entidades patronais (representatives of the
employers organisations – IBEC), the Trade Union Congress – Irish
Congress of Trade Unions (ICTU), e representantes dos sectores da
construção civil (the construction and engineering sectors – CIF). É
dirigido pelo Departamento de Finanças, sendo chefiado pelo
Presidente da Unidade Central de PPP (Head of the Central PPP
Unit). Trata-se de um fórum privilegiado de auscultação e de
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
discussão de todos os assuntos relacionados com parcerias público-
privadas, promovendo o desenvolvimento de políticas nesta matéria.
Representatives of the employers organisations (IBEC) – representantes das
entidades patronais irlandesas.
Ryrie Rules – Report of National Economic Development Council Working
Party on Nationalised Industries do Reino Unido, guia dirigido a
todos os ministérios, que orientava a delegação de actividades
públicas por via da contratação; estabeleceram os critérios para o
financiamento privado no sector público, impondo duas condições
principais para a celebração de tais contratos: os projectos deveriam
assegurar Value for Money e transferir risco para o sector privado.
Sociedad Estatal de Infraestruturas del Transporte Terrestre (SEITT) –
agência estadual para promover e incentivar as PPPs no sector das
estradas e dos caminhos-de-ferro em Espanha.
Special Purpose Vehicles (SPV) – consórcio de empresas – construtoras,
bancos, assessoras, empresas de serviços acessórios – organizado
especificamente para o projecto em questão; a SPV é constituída
com capital inicial (equity) e dinheiro proveniente de endividamento
bancário (senior debt), com os quais financiará as tarefas
necessárias para pôr em funcionamento o serviço que lhe foi
atribuído; para tal, estabelece contratos separados de construção,
gestão etc. com as empresas suas constituintes, especializadas na
tarefa; são criadas com a única função de gestão do projecto.
Standard Commercial Principles (Princípios Contratuais Standard) – conjunto
de princípio básicos que devem estar na base e orientar todos os
contratos de PPP, desenvolvidos e publicados pelo governo do
estado de Vitória com o objectivo de servir de guia orientador para a
prossecução da política de PPP da Partnerships Victoria.
Standardisation of PFI Contracts – guias elaborados pelo OGC com o
objectivo de conhecer os vários riscos e problemas de um projecto
Glossário de termos e abreviaturas
standard de PFI e de reduzir o tempo e os custos da fase de
negociação dos projectos.
Taskforce Policy Team – entidade britânica integrante da TPFT, com a tarefa
de definir os princípios fundamentais e as normas que devem
orientar a PFI.
Taskforce Projects Team – entidade britânica integrante da TPFT que tinha
como objectivo avaliar e certificar a viabilidade comercial do
projecto, assegurar a selecção de propostas de alta qualidade,
evitar gastos desnecessários e maximizar as oportunidades para a
realização de bons contratos.
Trade Union Congress – Irish Congress of Trade Unions (ICTU) – congresso
de representantes sindicais irlandeses.
Treasury Private Finance Taskforce – grupo de trabalho, criado em 1997, no
Reino Unido, sobre financiamento privado, composto por peritos dos
sectores público e privado, que centralizava todas as actividades
relacionadas com PFI.
Value for Money - numa acepção lata, refer-se à possibilidade de realização
de objectivos que não seriam possíveis com cada actor agindo
isoladamente. É o que se pode chamar de vantagem colaborativa ou
comparativa. Pretende-se recrutar a competência específica de
cada actor, público ou privado, para juntar os melhores recursos
materiais e humanos possíveis. Numa acepção estrita, a mais
frequente, prende-se com a possibilidade de o Estado poupar e do
privado lucrar; seria uma forma de prestar serviços públicos com
poupança para o contribuinte e lucro para o investidor.
Vente en état futur d’achèvement (VEFA): contrato de compra e venda
imediata de um imóvel ainda não construído sob a condição de o
vendedor o construir e transferir a respectiva propriedade para o
Estado numa data posterior à data de finalização da obra.
Wrap-around addition (WAA) – modalidade de parceria público-privada,
segundo a qual o sector privado compra ou faz leasing de um activo
público existente; renova-o, moderniza-o, expande-o, e passa a
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
explorá-lo, sem obrigação de transferir a propriedade para o
governo.
Introdução Geral
1
Introdução Geral
Se é certo que parte importante das infra-estuturas dos Estados
modernos foi erigida segundo formas que hoje seriam classificadas de
parcerias público-privadas (PPPs), é face ao Estado centralizador que as
PPPs se irão diferenciar a partir dos anos 70 do século XX, consolidar na
transição para os anos 80, e expandir nos anos 90 por todo o mundo. Com as
crises económicas da década de 70, conceitos de monetarismo, supply-side
economics, economia neoclássica recuperam terreno político sob uma forma
que viria a ser conhecida como neoliberalismo, anunciada pela chegada ao
poder dos governos de Margaret Tatcher em Inglaterra e Ronald Reagan nos
EUA. O Estado passara de solução a problema na esfera pública, era
associado a monopólios, ineficiência, burocracia, impossibilidade de escolha,
e a um sem número de outros males. A prioridade era, pois, reduzi-lo. As
privatizações, começando pelo sector produtivo mercantil público, tornam-se o
imperativo categórico de uma era marcada por outros termos como rigor fiscal,
comércio livre, câmbio livre, desregulação, descentralização política,
externalização. Numa fase inicial dos anos 80, privatizações e PPPs
confundem-se, ou antes, o entusiasmo em torno das privatizações ofusca as
parcerias. As PPPs existem, sobretudo, como políticas de desenvolvimento
local. As iniciativas são pontuais, ad-hoc. A privatização tem a hegemonia
simbólica. Será preciso esperar até ao início dos anos 90 para que uma
inovação britânica, a Private Finance Initiative (PFI), coloque, na Europa, as
parcerias na ordem do dia.
De facto, a Private Finance Initiative foi o primeiro programa político
sistemático de parcerias público-privadas. Foi introduzida em 1992 pelo
Governo de John Major, após algumas experiências satisfatórias nas obras
públicas e prosseguida em 1997 pelo New Labour de Tony Blair. Provocou
uma alteração relevante da lógica e expectativas em torno dos serviços
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
2
públicos, que passaram a recorrer sistematicamente ao sector privado para o
seu financiamento, concepção, construção, manutenção e gestão.
As PPPs na Europa Continental têm tido um desenvolvimento mais lento
e mais heterogéneo do que no Reino Unido. Mais lento devido,
nomeadamente, a uma tradição política distinta da anglo-saxónica, que
acentua a divisão de papéis Estado-mercado. A tradição continental de Direito
Público tem sido considerada obstáculo às PPPs. Mais heterogéneo,
inevitavelmente, devido à diversidade nacional. No panorama geral da Europa
Continental, sobressaem certas regularidades regionais. Os países
mediterrânicos enveredaram mais cedo pelas PPPs, por via de concessões
rodoviárias – Espanha desde há décadas, Portugal desde finais dos anos 90
do século passado. Os países germânicos e escandinavos surgem como
países relativamente avessos a elas. A França assume-se como um meio
termo, bastião do Estado centralizador por um lado, pioneira das concessões
por outro. A Holanda é destacada, por vezes, pelas suas experiências
pioneiras, mas no cômputo geral apresenta uma situação análoga à
germânica e escandinava.
Portugal é visto por alguns como o país que mais entusiasticamente
adoptou as PPPs de modelo britânico. As concessões rodoviárias têm
dominado as PPPs. Ao nosso país é, ainda, referenciada uma outra questão:
passou, em escassos anos, de uma para catorze concessões rodoviárias, ao
mesmo tempo que o então Instituto de Estradas de Portugal diminuía os seus
quadros técnicos. Esta circunstância terá gerado uma transferência dos
melhores quadros para o sector privado, que, para alguns, afectará a longo
prazo a capacidade estatal de defender o interesse público na avaliação de
concessões futuras e na regulação das actuais. É, ainda, de salientar o caso
das PPPs na saúde em Portugal. Em 2002, o Governo anunciou um programa
para a construção de 10 hospitais em regime PPP. À época, apenas o Reino
Unido tinha experiência consolidada. As poucas experiências nos outros
países passavam por projectos-piloto restritos. Portugal pretendia lançar dez
projectos de uma vez e incluir neles, não só as infra-estruturas, como os
serviços clínicos, algo sem precedente na Europa. Contudo, nenhum dos
Introdução Geral
3
projectos foi ainda fechado, e os primeiros concursos acabaram cancelados. O
Governo actual estará a reavaliar o programa.
Em suma, as PPPs devem o seu protagonismo recente à tendência geral
de enfraquecimento (para uns) ou emagrecimento (para outros) do Estado nas
últimas três décadas, que tem sido associada ao neoliberalismo. A
necessidade política de manter serviços públicos, cujo desaparecimento seria
impopular, aliada à dificuldade de os sustentar como outrora, levam os
governos a recorrer a um sector privado novamente pujante, desejoso de
novas áreas de investimento, dotado de capacidades de engenharia
institucional e financeira que possibilitam empreendimentos antes
considerados demasiado arriscados. As PPPs são o produto desta
constelação.
Com excepção do Reino Unido e da Irlanda, que já apresentam
bastantes projectos, quer relativos a tribunais, quer a prisões, o sector da
justiça tem sido, nas diferentes experiências, um dos sectores menos
apelativo para a intervenção das PPPs.
Contudo, além dos fracassos comprovados, como é o caso de algumas
PPPs na Austrália, esta forma de contratação tem suscitado grande debate,
centrando-se as principais discussões em torno da diminuição do espaço de
decisão política do Estado, do deficiente apetrechamento técnico do sector
público que o coloca demasiado dependente do sector privado, do
questionamento quanto à efectiva poupança para o sector público, da
dificuldade de garantir que o potencial valor que possa ser gerado numa PPP
seja efectivamente transferido para o Estado e utilizadores do serviço público,
do efeito inter-geracional dos contratos que, pela sua longa duração, podem
afectar futuros orçamentos e investimentos públicos, da efectiva superação
dos conflitos de interesse público-privado, da complexidade, burocracia e
custos, directos e indirectos, associados aos contratos de PPP, do difícil
equilíbrio entre escala e concorrência e do débil controlo e fiscalização da
execução dos contratos de PPP, associado à efectiva eficácia dos
mecanismos de prestação de contas e de governance.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
4
O estudo que se apresenta neste relatório foi realizado pelo Observatório
Permanente da Justiça Portuguesa do Centro de Estudos Sociais a solicitação
do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P em
execução do protocolo celebrado entre o Ministério da Justiça e o Centro de
Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em
Junho de 2007, e tem como objecto central a análise comparada de
experiências de parcerias público-privadas, dando especial enfoque à área da
justiça.
O Relatório está dividido em cinco capítulos. No primeiro Capítulo
efectuamos um enquadramento teórico e evolutivo das parcerias público-
privadas, procurando densificar o conceito, dar conta das tipologias e
características principais, do seu enquadramento organizacional e
procedimental, das áreas de intervenção mais relevantes, bem como do
debate que, um pouco por todo o lado, esta figura tem suscitado.
No segundo Capítulo, descrevemos o quadro normativo das parcerias
público-privadas em Portugal, dando conta das principais características deste
tipo de contratos, do enquadramento institucional e de algumas apreciações
críticas que, entre nós, têm suscitado, com especial relevo para os relatórios
do Tribunal de Contas.
A União Europeia surgiu nos últimos anos com uma agenda de
promoção das parcerias público-privadas. Recomendações de vários
organismos europeus têm vindo a ser publicadas sobre esta matéria. Em
geral, recomenda-se que cada projecto seja prévia e adequadamente
avaliado, prossiga de acordo com um processo de rigor e de transparência e
que haja um eficaz controlo público da execução do contrato e dos serviços
prestados pelo parceiro privado. Também o Eurostat manifestou preocupação
quanto ao tratamento das implicações financeiras nas contas públicas. Damos
conta de todas aquelas recomendações e do debate que esta questão tem
gerado no âmbito da União Europeia no Capítulo III.
O Capítulo IV contém a análise comparada de diferentes experiências.
São elas: as experiências do Reino Unido, da Irlanda, da Austrália, da França,
Introdução Geral
5
da Bélgica e da Espanha. Para cada uma das experiências analisadas
procedemos a uma caracterização do enquadramento legal e institucional, das
principais modalidades de parcerias público-privadas, do processo de
adjudicação, das áreas de intervenção com especial enfoque no sector da
justiça e do balanço que foi possível conhecer.
A selecção das experiências analisadas assentou em três critérios
fundamentais: países mais próximos da cultura anglo-saxónica e países da
Europa Continental; países em que, depois de um levantamento prévio da
informação comparada disponível, detectámos maior activismo no recurso a
esta figura contratual. A língua em que se dispõe a informação comparada
acessível constitui, em regra, um factor condicionante dos estudos sobre
experiência comparada, sobretudo quando o tempo de que se dispõe é
escasso. No nosso caso, limitámos as fontes de informação em língua inglesa,
francesa e espanhola. A selecção das experiências foi, também, condicionada
por esse factor. A nossa análise foi feita com base na informação comparada
que nos foi possível obter a partir de Portugal, embora cruzando sempre
várias fontes, esta circunstância pode ser, em si mesma, um factor limitativo
da profundidade da informação.
Terminamos este relatório com a apresentação de uma síntese das
principais conclusões ou ideias fortes dos diferentes capítulos e das
experiências analisadas e de algumas recomendações que, à luz do estudo
realizado, nos parecem importantes ter em atenção no desenvolvimento das
parcerias público-privadas em Portugal, designadamente na área da justiça.
Incluímos, ainda, duas tabelas comparativas. Uma tabela, mais completa,
permite confrontar as várias experiências analisadas neste estudo. A outra,
conhecer um panorama geral da intervenção das parcerias público-privadas
na área da justiça.
A terminar, gostaríamos de deixar dois especiais agradecimentos. Aos
nossos colegas, Drs. Tiago Ribeiro e Pedro Abreu, pela ajuda na formatação
final do relatório e ao Dr. Mouraz Lopes pela sua contribuição na revisão final
de alguns capítulos que integram o presente relatório.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
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Introdução Geral
1
Introdução Geral
Se é certo que parte importante das infra-estuturas dos Estados
modernos foi erigida segundo formas que hoje seriam classificadas de
parcerias público-privadas (PPPs), é face ao Estado centralizador que as
PPPs se irão diferenciar a partir dos anos 70 do século XX, consolidar na
transição para os anos 80, e expandir nos anos 90 por todo o mundo. Com as
crises económicas da década de 70, conceitos de monetarismo, supply-side
economics, economia neoclássica recuperam terreno político sob uma forma
que viria a ser conhecida como neoliberalismo, anunciada pela chegada ao
poder dos governos de Margaret Tatcher em Inglaterra e Ronald Reagan nos
EUA. O Estado passara de solução a problema na esfera pública, era
associado a monopólios, ineficiência, burocracia, impossibilidade de escolha,
e a um sem número de outros males. A prioridade era, pois, reduzi-lo. As
privatizações, começando pelo sector produtivo mercantil público, tornam-se o
imperativo categórico de uma era marcada por outros termos como rigor fiscal,
comércio livre, câmbio livre, desregulação, descentralização política,
externalização. Numa fase inicial dos anos 80, privatizações e PPPs
confundem-se, ou antes, o entusiasmo em torno das privatizações ofusca as
parcerias. As PPPs existem, sobretudo, como políticas de desenvolvimento
local. As iniciativas são pontuais, ad-hoc. A privatização tem a hegemonia
simbólica. Será preciso esperar até ao início dos anos 90 para que uma
inovação britânica, a Private Finance Initiative (PFI), coloque, na Europa, as
parcerias na ordem do dia.
De facto, a Private Finance Initiative foi o primeiro programa político
sistemático de parcerias público-privadas. Foi introduzida em 1992 pelo
Governo de John Major, após algumas experiências satisfatórias nas obras
públicas e prosseguida em 1997 pelo New Labour de Tony Blair. Provocou
uma alteração relevante da lógica e expectativas em torno dos serviços
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
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públicos, que passaram a recorrer sistematicamente ao sector privado para o
seu financiamento, concepção, construção, manutenção e gestão.
As PPPs na Europa Continental têm tido um desenvolvimento mais lento
e mais heterogéneo do que no Reino Unido. Mais lento devido,
nomeadamente, a uma tradição política distinta da anglo-saxónica, que
acentua a divisão de papéis Estado-mercado. A tradição continental de Direito
Público tem sido considerada obstáculo às PPPs. Mais heterogéneo,
inevitavelmente, devido à diversidade nacional. No panorama geral da Europa
Continental, sobressaem certas regularidades regionais. Os países
mediterrânicos enveredaram mais cedo pelas PPPs, por via de concessões
rodoviárias – Espanha desde há décadas, Portugal desde finais dos anos 90
do século passado. Os países germânicos e escandinavos surgem como
países relativamente avessos a elas. A França assume-se como um meio
termo, bastião do Estado centralizador por um lado, pioneira das concessões
por outro. A Holanda é destacada, por vezes, pelas suas experiências
pioneiras, mas no cômputo geral apresenta uma situação análoga à
germânica e escandinava.
Portugal é visto por alguns como o país que mais entusiasticamente
adoptou as PPPs de modelo britânico. As concessões rodoviárias têm
dominado as PPPs. Ao nosso país é, ainda, referenciada uma outra questão:
passou, em escassos anos, de uma para catorze concessões rodoviárias, ao
mesmo tempo que o então Instituto de Estradas de Portugal diminuía os seus
quadros técnicos. Esta circunstância terá gerado uma transferência dos
melhores quadros para o sector privado, que, para alguns, afectará a longo
prazo a capacidade estatal de defender o interesse público na avaliação de
concessões futuras e na regulação das actuais. É, ainda, de salientar o caso
das PPPs na saúde em Portugal. Em 2002, o Governo anunciou um programa
para a construção de 10 hospitais em regime PPP. À época, apenas o Reino
Unido tinha experiência consolidada. As poucas experiências nos outros
países passavam por projectos-piloto restritos. Portugal pretendia lançar dez
projectos de uma vez e incluir neles, não só as infra-estruturas, como os
serviços clínicos, algo sem precedente na Europa. Contudo, nenhum dos
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projectos foi ainda fechado, e os primeiros concursos acabaram cancelados. O
Governo actual estará a reavaliar o programa.
Em suma, as PPPs devem o seu protagonismo recente à tendência geral
de enfraquecimento (para uns) ou emagrecimento (para outros) do Estado nas
últimas três décadas, que tem sido associada ao neoliberalismo. A
necessidade política de manter serviços públicos, cujo desaparecimento seria
impopular, aliada à dificuldade de os sustentar como outrora, levam os
governos a recorrer a um sector privado novamente pujante, desejoso de
novas áreas de investimento, dotado de capacidades de engenharia
institucional e financeira que possibilitam empreendimentos antes
considerados demasiado arriscados. As PPPs são o produto desta
constelação.
Com excepção do Reino Unido e da Irlanda, que já apresentam
bastantes projectos, quer relativos a tribunais, quer a prisões, o sector da
justiça tem sido, nas diferentes experiências, um dos sectores menos
apelativo para a intervenção das PPPs.
Contudo, além dos fracassos comprovados, como é o caso de algumas
PPPs na Austrália, esta forma de contratação tem suscitado grande debate,
centrando-se as principais discussões em torno da diminuição do espaço de
decisão política do Estado, do deficiente apetrechamento técnico do sector
público que o coloca demasiado dependente do sector privado, do
questionamento quanto à efectiva poupança para o sector público, da
dificuldade de garantir que o potencial valor que possa ser gerado numa PPP
seja efectivamente transferido para o Estado e utilizadores do serviço público,
do efeito inter-geracional dos contratos que, pela sua longa duração, podem
afectar futuros orçamentos e investimentos públicos, da efectiva superação
dos conflitos de interesse público-privado, da complexidade, burocracia e
custos, directos e indirectos, associados aos contratos de PPP, do difícil
equilíbrio entre escala e concorrência e do débil controlo e fiscalização da
execução dos contratos de PPP, associado à efectiva eficácia dos
mecanismos de prestação de contas e de governance.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
4
O estudo que se apresenta neste relatório foi realizado pelo Observatório
Permanente da Justiça Portuguesa do Centro de Estudos Sociais a solicitação
do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P em
execução do protocolo celebrado entre o Ministério da Justiça e o Centro de
Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em
Junho de 2007, e tem como objecto central a análise comparada de
experiências de parcerias público-privadas, dando especial enfoque à área da
justiça.
O Relatório está dividido em cinco capítulos. No primeiro Capítulo
efectuamos um enquadramento teórico e evolutivo das parcerias público-
privadas, procurando densificar o conceito, dar conta das tipologias e
características principais, do seu enquadramento organizacional e
procedimental, das áreas de intervenção mais relevantes, bem como do
debate que, um pouco por todo o lado, esta figura tem suscitado.
No segundo Capítulo, descrevemos o quadro normativo das parcerias
público-privadas em Portugal, dando conta das principais características deste
tipo de contratos, do enquadramento institucional e de algumas apreciações
críticas que, entre nós, têm suscitado, com especial relevo para os relatórios
do Tribunal de Contas.
A União Europeia surgiu nos últimos anos com uma agenda de
promoção das parcerias público-privadas. Recomendações de vários
organismos europeus têm vindo a ser publicadas sobre esta matéria. Em
geral, recomenda-se que cada projecto seja prévia e adequadamente
avaliado, prossiga de acordo com um processo de rigor e de transparência e
que haja um eficaz controlo público da execução do contrato e dos serviços
prestados pelo parceiro privado. Também o Eurostat manifestou preocupação
quanto ao tratamento das implicações financeiras nas contas públicas. Damos
conta de todas aquelas recomendações e do debate que esta questão tem
gerado no âmbito da União Europeia no Capítulo III.
O Capítulo IV contém a análise comparada de diferentes experiências.
São elas: as experiências do Reino Unido, da Irlanda, da Austrália, da França,
Introdução Geral
5
da Bélgica e da Espanha. Para cada uma das experiências analisadas
procedemos a uma caracterização do enquadramento legal e institucional, das
principais modalidades de parcerias público-privadas, do processo de
adjudicação, das áreas de intervenção com especial enfoque no sector da
justiça e do balanço que foi possível conhecer.
A selecção das experiências analisadas assentou em três critérios
fundamentais: países mais próximos da cultura anglo-saxónica e países da
Europa Continental; países em que, depois de um levantamento prévio da
informação comparada disponível, detectámos maior activismo no recurso a
esta figura contratual. A língua em que se dispõe a informação comparada
acessível constitui, em regra, um factor condicionante dos estudos sobre
experiência comparada, sobretudo quando o tempo de que se dispõe é
escasso. No nosso caso, limitámos as fontes de informação em língua inglesa,
francesa e espanhola. A selecção das experiências foi, também, condicionada
por esse factor. A nossa análise foi feita com base na informação comparada
que nos foi possível obter a partir de Portugal, embora cruzando sempre
várias fontes, esta circunstância pode ser, em si mesma, um factor limitativo
da profundidade da informação.
Terminamos este relatório com a apresentação de uma síntese das
principais conclusões ou ideias fortes dos diferentes capítulos e das
experiências analisadas e de algumas recomendações que, à luz do estudo
realizado, nos parecem importantes ter em atenção no desenvolvimento das
parcerias público-privadas em Portugal, designadamente na área da justiça.
Incluímos, ainda, duas tabelas comparativas. Uma tabela, mais completa,
permite confrontar as várias experiências analisadas neste estudo. A outra,
conhecer um panorama geral da intervenção das parcerias público-privadas
na área da justiça.
A terminar, gostaríamos de deixar dois especiais agradecimentos. Aos
nossos colegas, Drs. Tiago Ribeiro e Pedro Abreu, pela ajuda na formatação
final do relatório e ao Dr. Mouraz Lopes pela sua contribuição na revisão final
de alguns capítulos que integram o presente relatório.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
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As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
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Capítulo I - As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
As parcerias público-privadas (PPPs) são uma forma de organização híbrida, que subsume
um espectro amplo de contratos entre o Estado e agentes privados. Resumindo, diríamos que uma
PPP é um contrato de colaboração entre actores públicos e privados para a produção de bens ou
prestação de serviços públicos, com uma distribuição de receitas e despesas predefinida, que define
a partilha do risco. O conceito de PPP é aplicado a uma gama vasta de arranjos contratuais entre
Estado e privados. Contudo, a classificação como PPP de determinada relação contratual nem
sempre é consensual. As joint ventures, as concessões e concessões sem transferência são os
tipos de PPP mais consensuais.
Algumas das características e conceitos presentes nas PPP mais discutidos são: a
potencialidade (ou não) de superação da lógica e interesses historicamente conflituantes que
orientam os dois actores envolvidos (Estado e sector privado); a relação contínua de colaboração
onde se procuraria uma síntese virtuosa entre as competências e interesses de cada parte; a
possibilidade de gerar value for money, quer numa acepção lata, ou seja, enquanto vantagem
comparativa, quer numa acepção mais restrita, permitindo ao Estado poupar e ao privado lucrar; a
partilha óptima de responsabilidades e de riscos entre os parceiros público e privado; a mudança do
ênfase dos activos para os serviços e dos métodos para os resultados; a possibilidade de estimular
a inovação, ao especificar resultados em vez de métodos; o maior envolvimento e incentivo do
parceiro privado através da integração de tarefas (bundling); e a possibilidade de ter em conta o
ciclo de vida de um serviço, não só no que respeita à concepção e construção de equipamentos,
mas também à sua manutenção.
O primeiro programa político sistemático de PPPs surgiu com a Private Finance Initiative
(PFI) britânica, em 1992, tendo disparado o número de PPP com a subida do New Labour ao poder.
Na Europa continental, as PPPs têm tido um desenvolvimento mais lento e mais heterogéneo do
que no Reino Unido, registando, contudo, uma tendência generalizada de crescimento.
Têm sido avançadas várias motivações para que, cada vez mais governos, apostem neste
tipo de relação público-privada. Entre elas destacam-se a diminuição de meios públicos e os limites
ao défice e dívida pública (no caso dos países da União Europeia impostos pelo Pacto de
Estabilidade); a poupança; e o New Public Management.
A organização das parcerias público-privadas, quer em termos de organização institucional,
quer procedimental, regista variações nacionais bastante acentuadas. O parceiro privado raramente
é uma empresa individual, assumindo, em regra, a forma de Special Purpose Vehicle (SPV), um
consórcio de empresas organizado especificamente para o projecto em questão.
As PPP têm suscitado grande debate, centrando-se as principais discussões em torno da
diminuição do espaço de decisão política do Estado e do apetrechamento técnico do sector público;
da efectiva poupança e do problema do value for money; da efectiva superação dos conflitos de
interesse público-privado e do papel duplo dos assessores; da complexidade, burocracia e custos
associados aos contratos de PPP; da difícil dialéctica escala vs. concorrência; e do controlo e da
fiscalização dos contratos de PPP, associado à efectiva eficácia dos mecanismos de prestação de
contas e de governance.
Quanto às áreas de intervenção, o alargamento das PPPs aos sectores da saúde, educação
e serviços de carácter social tem suscitado, em vários países, alguma polémica.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
8
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
9
Introdução
As parcerias público-privadas são uma forma de organização híbrida,
que testa as fronteiras de categorias estabelecidas na economia, no direito, na
política, etc. O termo parceria público-privada subsume um espectro amplo de
contratos entre o Estado e agentes privados, remetendo para uma divisão de
trabalho entre público e privado, em que este assume a realização de tarefas
públicas. Esta é, aliás, uma divisão de trabalho que, com frequência, tem
ocorrido ao longo dos séculos. Como veremos, parte importante das infra-
estuturas dos Estados modernos foram erguidas segundo formas que hoje
seriam classificadas de parcerias público-privadas. Mas, é face ao Estado
centralizador que as PPPs se irão diferenciar a partir dos anos 70 do séc. XX,
consolidar na transição para os anos 80, e expandir nos anos 90 por todo o
mundo.
Neste Capítulo, avançamos com uma caracterização genérica das
parcerias público-privadas, dando conta, por entre os debates em curso, dos
conceitos, das características principais, das diferenças em relação a termos
frequentemente associados a elas, dos tipos de PPPs, das áreas mais
relevantes de intervenção, fazendo, ainda, uma breve incursão pelos
sucessos, falhanços e limites desta forma de desenvolvimento de serviços
públicos.
1. O conceito de parceria público-privada
As definições mais abstractas do conceito apontam para uma
colaboração entre Estado e privados para a obtenção de benefícios mútuos,
normalmente sociais para o primeiro, normalmente económicos para o
segundo (McQuaid, 2000: 11). Mas, o mesmo poderia dizer-se da contratação
pública tradicional. A diferença reside, pois, no carácter relacional da PPP.
Diferentemente da via tradicional, que é tendencialmente transaccional (por
exemplo, uma compra/venda pontual entre actores independentes e mesmo
antagónicos), a PPP é tendencialmente relacional: dilata e regulariza no tempo
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
10
as transacções, acrescenta uma dimensão de colaboração, dilui as fronteiras
do antagonismo público-privado.
Reflectindo esta redefinição de fronteiras público-privado, Bult-Spiering e
Dewulf (2006: 19ss) concebem as PPPs enquanto rede, vista como um
instrumento social de resolução de problemas a meio caminho entre os dois
instrumentos tradicionais identificados pela teoria económica dos custos de
transacção (Williamson, 1975), a hierarquia e o mercado. A rede é a
intersecção, entre esses dois pólos, das capacidades especificamente
relevantes para a resolução de um problema. Os actores mantêm
competências autónomas, activando apenas as relevantes para a solução
concreta, efectuam tarefas complementares, estabelecem relações
duradouras e não-hierárquicas.
A abrangência do conceito, integrando diversos tipos de relações
contratuais, leva à identificação de diferentes definições de PPPs. Não sendo
unânime, em diversos relatórios da União Europeia tem-se usado a seguinte:
“acordos que transferem para o sector privado projectos tradicionalmente
executados ou financiados pelo sector público. Para ser considerado como
PPP, o projecto deve dizer respeito ao exercício de uma função pública,
envolver o governo como principal cliente, ser financiado por fontes não-
públicas e uma ter empresa não-governamental como o principal operador que
contribui significativamente para o design e concepção do projecto e assumir
uma parte relevante do risco” (Comissão Europeia, 2003: 273).
Em Portugal, onde a literatura sobre este tema é, ainda, muito escassa,
Santos et al. definem no seu manual de direito económico PPPs como “uma
relação por um prazo determinado entre duas ou mais organizações – uma ou
mais de natureza pública e uma ou mais de natureza privada ou social –
baseada em expectativas e valores mútuos, com o objectivo de alcançar
objectivos negociais específicos, através da maximização da eficácia dos
recursos de ambas as partes. As PPPs são, portanto, caracterizadas pelo
facto de partilharem investimento, risco, responsabilidade e resultados”
(Santos et al., 2004: 195).
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
11
Mais recentemente, Gonçalves definiu-as como uma “forma de
cooperação entre actores públicos e actores privados para a realização de
determinados objectivos. A cooperação pode ter subjacente uma
complementaridade de fins entre a intervenção pública e privada (parcerias
em rede) ou uma divergência de finalidades e objectivos a alcançar por via da
parceria: o parceiro público participa para cumprir as suas missões de
interesse público e o parceiro privado para obter lucros (parcerias contratuais
e associativas)” (Gonçalves, 2005: 328).
As definições de diversos autores convergem nos seguintes pontos
(Peters, 1997; Bult-Spiering e Dewulf, 2006; Pombeiro, 2003):
• contrato de colaboração entre actores públicos e privados autónomos;
• a longo prazo;
• para a provisão de serviços públicos;
• compreendendo diversas etapas, do planeamento e construção ao
fornecimento;
• visando valor acrescentado mútuo, ou seja, lucro para o parceiro privado e
poupança (value for money) para o parceiro público;
• com partilha de responsabilidades – riscos, custos, proveitos – entre os
actores;
• contra remuneração ao parceiro privado, em função dos resultados, pelo
Estado e/ou os utentes.
Outros aspectos, usualmente salientados, incluem o financimanto
privado de capital, a existência de uma organização própria, de objectivos
comuns, e a colmatação de falhas de mercado.
Grimsey e Lewis (2004: 7; 2005: xiv) dão-nos uma definição um pouco
mais detalhada. Concebem as PPPs como um contrato em que o Estado, em
vez de adquirir infra-estrutura, adquire a um privado um serviço, a que subjaz
normalmente a provisão de infra-estrutura, sob determinadas condições ao
longo do tempo, para atingir objectivos da política pública, partilhando riscos
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
12
com o parceiro privado1. Consideram como tipo ideal aquele que se
desenvolveu em países anglófonos (Reino Unido, Austrália, Canadá, África do
Sul):
• o Estado especifica a longo prazo (duas, três décadas) um serviço com
resultados (outputs) e níveis de eficiência a atingir, não se preocupando
com os métodos de concretização;
• o parceiro privado assume a concepção, financiamento e construção do
serviço, e eventuais custos extraordinários;
• o Estado começa a pagar ao parceiro privado quando o serviço esteja em
funcionamento, em função dos padrões de serviço pré-acordados, os
utentes eventualmente pagam taxas de utilização;
• o Estado cede para efeitos práticos o controlo sobre a infra-estrutura e
serviço ao parceiro privado. Normalmente recupera-o no final do contrato.
O serviço público (ou tarefa pública, bem público) é o objecto consensual
das PPP – onde não há serviço público não há PPP. A noção de serviço
público varia conforme a época histórica e os países2. Caracterizemo-la, por
ora, como as actividades que a sociedade considera necessárias, seja por que
razões for, mas que não podem ou não devem ser garantidas pelo mercado,
cabendo, por isso, ao Estado. O Estado mantém em última instância a
responsabilidade pela infra-estrutura ou serviço subjacente a uma PPP, mas a
forma dessa responsabilidade difere em relação às vias tradicionais. Em
certas PPPs, o Estado mantém-se proprietário de infra-estrutura e transfere
para o privado as actividades que ela sustenta; noutras, transfere durante a
vigência do acordo as prerrogativas de proprietário para o privado, reavendo-
as no final; noutras, ainda, cuja classificação, enquanto PPP, não é unânime,
1 Estes autores chamam preferencialmente aos serviços infra-estrutura soft, que pode ser económica (formação, I&D) ou social (serviços sociais, comunitários, desenvolvimento urbano) e às instalações infra-estrutura hard, igualmente económica (estradas, aeroportos, telecomunicações) ou social (água, saneamento, habitação, prisões). 2 Na UE vem-se passando da noção de serviços públicos para a de serviços de interesse geral (Livro Branco sobre os Serviços de Interesse Geral, 2004). Para uma avaliação recente, ver D’Alte Tomé (2007: 89ss).
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
13
transfere permanentemente a propriedade para mãos privadas, por exemplo
em contratos de tipo Build-Own-Operate.
Resumindo, diríamos que uma PPP é um contrato de colaboração entre
actores públicos e privados para a produção de bens ou prestação de serviços
públicos, com uma distribuição de receitas e despesas predefinida, que define
a partilha do risco. Normalmente envolve uma ou várias das seguintes
operações: o Estado especifica serviços a fornecer; o privado constrói ou
renova a infra-estrutura necessária e fornece-os por um período, a preço e
qualidade regulamentados; a infra-estrutura e serviço reverte para o Estado no
final.
2. Características principais
As definições de PPPs, esboçadas no ponto anterior servem, como
ponto de partida, para explorar em maior detalhe algumas características e
conceitos acessórios úteis. Diga-se que, frequentemente, factos e
expectativas surgem misturados nas caracterizações – por exemplo, ênfase
nos resultados e inovação.
Actores e interesses: público e privado
Estado e privados são os actores obrigatórios de qualquer PPP. Entre os
actores privados há uma divisão importante: sector lucrativo e terceiro sector.
Focamos aqui o sector lucrativo, aquele cuja relação com o sector público é
mais complexa e também mais representativa. As PPPs Estado--terceiro
sector são importantes nos EUA, mas relativamente menores no contexto
europeu.
Ora, como se sabe, Estado e sector privado lucrativo, nas transacções
que estabelecem entre si, têm lógicas e interesses historicamente conflituais.
As PPPs reformulam tal conflito, para alguns dos seus defensores
conseguiriam mesmo superá-lo, e aí residiria a novidade. No entanto, a
problemática do conflito de interesses subjaz a grande parte dos debates
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
14
sobre PPPs. O interesse privado é essencialmente o lucro. O interesse público
é mais complexo. É comum vê-lo como o interesse da sociedade como um
todo, elevando-se acima dos interesses particulares – concepção já formulada
por Hegel. As diferenças de interesses têm expressão institucional,
organizativa, cultural. Na caracterização muito citada de Reijniers (1994), que
analisou os conflitos potenciais no seio das PPPs, o sector público orienta-se
por legislação, regulação e autoridades; opinião política e influência política;
processos de decisão democráticos; minimização de riscos; realização de
objectivos sociais. O sector privado por sua vez orienta-se para o retorno
sobre o investimento; assunção de riscos; antecipação aos desenvolvimentos
do mercado e concorrência; realização de objectivos empresariais.
Carácter relacional
A relação duradoura público-privado é apontada por diversos autores
como especificidade distintiva das PPPs. O Estado sempre comprou e
financiou, mas só se pode falar em PPP quando tais operações são
coordenadas em conjunto numa mesma relação com o parceiro privado. No
método tradicional, não teríamos mais que uma compra/venda pontual entre
dois actores com interesses próprios; numa PPP teríamos uma relação
contínua de colaboração onde se procuraria uma síntese virtuosa entre as
competências e interesses de cada parte. Bult-Spiering e Dewulf (2006: 27-29)
identificam factores económicos e sociológicos na criação desta relação. Em
termos económicos, tem de existir valor acrescentado em sentido lato, isto é,
produção de resultados inatingíveis pelos actores isoladamente. Em termos
sociológicos, deve haver disposições incorporadas dos actores que facilitem a
colaboração: predisposição para colaborar, consciência de interdependência,
ideologia, percepções e expectativas mútuas.
Valor acrescentado, poupança ou value for money
O valor acrescentado mútuo surge como a justificação última das PPPs,
embora a sua existência seja matéria de debate. Numa acepção lata, a PPP
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
15
permite a realização de objectivos que não seriam possíveis com cada actor
agindo isoladamente3. É o que se pode chamar de vantagem colaborativa ou
comparativa. Pretende-se recrutar a competência específica de cada actor,
público ou privado, para juntar os melhores recursos materiais e humanos
possíveis. Bult-Spiering e Dewulf (2006: 27-29) consideram que o valor
acrescentado pode ser (1) em conteúdo, pois a abordagem a um problema é
conjunta, o que beneficia o planeamento e concepção; (2) em processo, pois
cada actor pode complementar-se nas suas competências específicas; (3)
financeiro; (4) externo, pois pode-se harmonizar iniciativas entre Estado e
mercado.
Numa acepção estrita, a mais frequente, a PPP permite ao Estado
poupar (value for money) e ao privado lucrar; seria uma forma de prestar
serviços públicos com poupança para o contribuinte e lucro para o investidor.
O value for money é um dos argumentos mais utilizado a favor das
PPPs, mas, também, onde reside uma das críticas principais. É certo que o
debate político se centra muitas vezes sobre esta questão, pelo que é uma
das mais escrutinadas. Salienta-se a grande dificuldade em calcular a
poupança a longo prazo (por exemplo 30 anos) em serviços de grande
dimensão, devido, entre outros, ao problema das externalidades (isto é, dos
custos gerados por uma PPP que não se repercutem directamente nela mas
serão pagos pela sociedade) e à componente subjectiva que implica por ser
uma projecção de condições futuras.
Partilha de responsabilidades e risco
A partilha de responsabilidades constitui um dos aspectos mais
complexos das PPPs. A problemática do risco merece exposição mais
detalhada.
3 Como refere Campos, “o objectivo da parceria é trazer Valor Acrescentado isto é, trazer ganhos de eficiência e fomentar a inovação nas soluções a encontrar na fase de construção e/ou, sobretudo, na fase de operação” (2005: 36).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
16
A noção de risco evoca normalmente os prejuízos que alguém terá de
pagar quando as coisas correm mal. Para o Estado, isto significa gastar mais
dinheiro que o previsto; para o parceiro privado, perder dinheiro ou não lucrar
o suficiente. As formas que o risco assume variam conforme o tipo de PPP e
as etapas que atravessa.
Do ponto de vista do parceiro privado, identificam-se, em regra, três
grandes factores de risco: o Estado, que pode mudar de orientação política e
impor condições menos favoráveis; o mercado, que pode não gerar procura
suficiente ou cobrar juros demasiado altos; a natureza, que pode surpreender
com dificuldades de construção ou calamidades. As categorias de risco
regulatório, risco comercial e risco ambiental reflectem aqueles factores.
Outras tipologias generalistas de risco desviam-se ligeiramente das
categorias anteriores. Miller e Lessard (2001)4 distinguem entre risco de
mercado (financiamento, procura), risco de concretização (atrasos, custos
extraordinários) e risco institucional (leis, oposição ambientalista,
renegociações de contrato). Merna e Smith (1996)5 distinguem riscos globais,
previsíveis e enquadráveis num contrato, e riscos dos elementos naturais
(elemental risks), que não o são. Bult-Spiering e Dewulf (2006: 31) referem a
tipologia macro-meso-micro de Li Bing et al. (2005): riscos de nível macro, que
incluem factores políticos, macro-económicos, jurídicos, sociais, naturais;
riscos de nível meso, que incluem selecção de projecto, financiamento,
concepção, construção, operação; e riscos de nível micro, que incluem as
relações com terceiros.
Grimsey e Lewis (2004: 180-182), numa grelha bastante detalhada,
distinguem dez tipos de risco:
a) de terreno, determinado pelo estado físico (por exemplo geologia,
poluição);
4 Apud Grimsey e Lewis (2004: 174). 5 idem.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
17
b) técnico, por exemplo, erros de especificação de serviço, de concepção, de
engenharia;
c) de construção, nomeadamente custos extraordinários, atrasos, baixa
qualidade;
d) de operação, como custos ordinários elevados, interrupções de serviço,
quebra de qualidade do serviço;
e) de receita, devido a baixa procura, encarecimento de matérias-primas,
aumento de impostos;
f) financeiro, determinado pelos juros e inflação;
g) de força maior (force majeure), devido a revoltas sociais (por exemplo,
bloqueios de estradas, boicotes) ou desastres naturais;
h) regulatório ou político, por exemplo, mudanças desfavoráveis de lei,
revogação de contrato, expropriação, restrição de importações;
i) de insolvência (project default), isto é, a conjugação infeliz dos riscos
anteriores ao ponto de tornar o projecto insustentável;
j) de activo, por exemplo, obsolescência técnica da infra-estrutura.
O FMI (2004: 11-12) usa uma categorização mais simples, composta por
risco de construção (que engloba as categorias a a c anteriores), financeiro (f),
de performance (d e g), de procura (e) e residual (j).
Ênfase nos serviços e resultados, inovação
As PPPs mudam a forma como se formula um serviço público: o ênfase
passa dos activos para os serviços, dos métodos para os resultados, usando
os hegemónicos termos ingleses, dos inputs para os outputs. O Estado
adjudica não uma infra-estrutura, mas um serviço a fornecer à população, o
privado ocupa-se da infra-estrutura para fornecê-lo. Em termos caricaturais,
em vez de adjudicar uma auto-estrada entre A e B com n faixas e demais
características técnicas, o Estado adjudica a circulação num tempo t de n
veículos entre A e B ao longo de x anos.
Esta ênfase nos resultados adquire também uma expressão política.
Surge como justificação pragmática das PPPs face a receios da influência
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
18
privada nos serviços públicos: o que importa é a qualidade e acesso aos
serviços, não quem os fornece. Este argumento pontifica, por exemplo, no
debate britânico em torno do New Labour e as PPPs.
Espera-se, também, que esta relação estimule a inovação. Ao especificar
resultados em vez de métodos, alarga-se o campo de manobra privada,
incentiva-se a concorrência e a inovação nos métodos e técnicas. Todavia,
mais que grandes inovações técnicas, isto significa, mais frequentemente,
inovações organizativas: aplicar métodos típicos da gestão privada à gestão
pública.
Integração do ciclo de vida
Numa PPP leva-se em conta o custo do ciclo de vida de um serviço, não
só a concepção e construção, mas também a manutenção a longo prazo. Isto
permite, na opinião de diversos autores, uma avaliação mais realista dos
projectos a adjudicar.
A integração de tarefas (bundling) muda os incentivos do parceiro
privado. Na contratação pública tradicional, o privado recebe apenas pela
construção de infra-estrutura. Interessa-lhe, portanto, apresentar a concurso o
preço de construção mais baixo possível, mesmo que irrealista, pois poderá
subi-lo posteriormente sem grande risco. Além disso, não tem grande
interesse na qualidade da construção, pois caberá ao Estado a manutenção,
onde de resto poderá fazer mais negócio no futuro. Portanto, atrasos, custos
extraordinários, falta de qualidade interessam ao agente privado. O Estado,
para se defender, é levado a especificar e fiscalizar ao máximo detalhe a
construção, e o privado é levado sempre renovadamente a contornar os
controlos. Este ciclo vicioso é apresentado como um dos grandes problemas
da contratação pública tradicional.
Na PPP, os incentivos económicos do agente privado alteram-se. Por
regra, o privado paga a construção e a manutenção e recebe em função do
serviço prestado (por exemplo, número de carros a circular numa auto-
estrada) apenas quando este esteja em funcionamento. Interessa-lhe,
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
19
portanto, concluir a construção rapidamente, cumprindo o orçamento previsto
e com qualidade, pois cabe-lhe também os custos de manutenção
subsequentes. Este aspecto é considerado uma das fontes principais de
poupança nas PPPs.
3. Parcerias, privatização, externalização
Para melhor compreender o conceito de PPP, é útil confrontá-lo com
outras figuras frequentemente associadas: a privatização e a externalização.
Distinguimos uma acepção lata e uma acepção estrita dos três termos. A
acepção lata tende a associá-los entre si, enquanto a estrita tende a dissociá-
los.
Entende-se por privatização a transferência de funções públicas para o
sector privado. Na acepção lata, aquela transferência inclui toda a retracção,
quantitativa ou qualitativa, de serviços públicos que empurre o cidadão para
alternativas privadas, sem que os serviços mudem de estatuto. Na acepção
estrita, o estatuto de um serviço existente tem de mudar, passar de público
para privado – por exemplo venda ou arrendamento a privados de bens
públicos (terra, infra-estruturas, empresas), financiamento público de
actividades privadas (externalização, vouchers), desregulação e abertura de
acesso a actividades anteriormente de monopólio público6 7.
Coloca-se a questão de saber se as parcerias são privatizações. Para
muitos autores, a resposta é afirmativa em termos latos, negativa em termos
estritos. Grimsey e Lewis (2005: xvii-xviii), representando a visão estrita,
entendem que numa PPP o Estado adquire serviços aos privados em nome da
6 Outros termos que exprimem esta diferença: privatização passiva e activa, implícita e explícita, indirecta e directa. Mais detalhes em Hood (1995). Para uma apreciação crítica dos sentidos do termo privatização, ver Starr (1988). 7 Exemplifiquemos com a saúde e os transportes. Privatização da saúde em sentido lato pode ser a mudança de despesas públicas de saúde (vacinas) para despesas privadas; em sentido estrito é a transferência de hospitais públicos para o sector privado. Privatização dos transportes em sentido lato pode ser mudança do uso de transportes públicos para uso do automóvel, em sentido estrito é a transferência de uma companhia de transportes para o sector privado.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
20
comunidade e mantém a responsabilidade pela sua provisão; o resultado
(preços, qualidade) não advém do mercado, mas do contrato, se não for
atingido penaliza-se o privado. Na opinião destes autores, só se pode falar em
privatização quando, além da natureza privada da actividade, o produto for
adquirido directamente pelos indivíduos – por exemplo, nas empresas de
electricidade ou telecomunicações. Isto não significa que o Estado se
desinteresse totalmente da qualidade do serviço: a concorrência poderá
garanti-la (com ajuda das autoridades de concorrência) ou, caso seja limitada
por um monopólio natural, a regulação (fixações de preços ou lucros).
A externalização de funções, também designada por subcontratação,
terciarização – em inglês outsourcing, contracting out – consiste na compra a
terceiros de tarefas antes realizadas internamente. Pretendia-se com ela
ultrapassar problemas atribuídos ao gigantismo de uma organização,
concentrando-a em tarefas essenciais ou nucleares (core service/competence)
e libertando-a de tarefas acessórias. Muita da transformação recente do
Estado passa pelo uso de externalizações, muitas vezes consideradas um
meio de privatização.
As parcerias abrangem as externalizações? Como na questão anterior, a
resposta é afirmativa em termos latos, negativa em termos estritos. A visão
lata tende a enfatizar as parcerias como redistribuição de papéis entre Estado
e mercado, a favor do segundo. A visão estrita enfatiza antes a redefinição de
papéis, e a essa luz as externalizações surgem como mera contratação
pública de tarefas antes efectuadas internamente pelo Estado; mera
transacção, não a relação em termos novos, contínua, duradoura, que a
parceria deveria representar.
4. As tipologias principais de parcerias público-privadas
O conceito de PPP é aplicado a uma gama vasta de arranjos contratuais
entre Estado e privados. Contudo, a classificação como PPP de determinada
relação contratual nem sempre é consensual.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
21
O posicionamento das PPPs num espectro público-privado, entre os
pólos ideais de actividade puramente pública e privada, constitui a tipificação
mais frequente. As PPPs constituem uma forma híbrida de organização dos
serviços públicos, algures entre o Estado e o mercado. As PPPs são
normalmente opostas à contratação pública tradicional, face à qual surgiram
em contraste, e à privatização pura, pois aquilo que é privatizado torna-se
mais um produto no mercado, deixa de ser serviço público, e onde não há
serviço público não há parceria. No entanto, muitas privatizações de sectores
considerados estratégicos criaram não um mercado “livre” mas um mercado
bastante regulado, pelo que alguns não vêem aí uma privatização pura.
Outros não vêem sequer nas PPPs consensualmente reconhecidas mais que
uma privatização encapotada. E entre PPPs consensualmente reconhecidas e
os pólos público e privado “puros” há a zona cinzenta das externalizações.
Há diversas caracterizações de um espectro público-privado de
enquadramento das PPPs, algumas bastante amplas. Bult-Spiering e Dewulf,
com uma concepção estrita, vêem como PPPs apenas as joint ventures e as
concessões. Grimsey e Lewis (2005: xxi-xxii) incluem as externalizações,
distinguindo do mais público para o mais privado:
• Externalização: o privado fornece um serviço ou gere sem assumir risco;
• Joint venture: público e privado financiam, exploram e detém
conjuntamente uma operação;
• Leasing: parte do risco é transferido para o parceiro privado;
• BOT (Build Operate Transfer): privado assume a concepção,
financiamento, construção e exploração, transferindo o controlo para o
Estado ao fim de um prazo estipulado;
• BOO (Build Own Operate), semelhante ao BOT, mas o privado mantém a
propriedade.
O FMI elenca as seguintes três categorias de contratos PPP:
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
22
Quadro I.1 Categorias de PPP segundo o FMI
Build-own-operate (BOO) Build-develop-operate (BDO) Design-construct-manage-finance (DCMF)
Sector privado assegura todas as tarefas (concepção, construção, operação, gestão), sem obrigação de transferir a propriedade para o Estado. São variantes do esquema Design-Build-Finance-Operate (DBFO), que todavia inclui a transferência.
Buy-build-operate (BBO) Lease-develop-operate (LDO) Wrap-around addition (WAA)
Sector privado compra ou faz leasing de um activo público existente; renova-o, moderniza-o, expande-o, e passa a explorá-lo, sem obrigação de transferir a propriedade para o governo.
Build-operate-transfer (BOT) Build-own-operate-transfer (BOOT) Build-rent-own-transfer (BROT) Build-lease-operate-transfer (BLOT) Build-transfer-operate (BTO)
Sector privado concebe, constrói e explora um activo; transfere-o para o Estado ao fim de um determinado período. Parceiro privado pode em seguida alugar ou fazer leasing do activo ao governo.
Fonte: FMI (2004: 8)
Identificamos, assim, seguindo no essencial Grimsey e Lewis, quatro
categorias fundamentais nas diversas operações definidas como PPP:
• Externalização: Estado transfere para privados tarefas antes internas,
normalmente acessórias e pouco complexas;
• Joint venture: Estado e privados são proprietários e responsáveis
conjuntos por um serviço;
• Concessão: privado é proprietário e responsável por um serviço
temporariamente, após o que esse estatuto reverte para o Estado;
• Concessão sem transferência: privado é proprietário e responsável por um
serviço permanentemente, o Estado é seu cliente e regulador.
Note-se que a externalização constitui PPP apenas em sentido lato
(Grimsey e Lewis; Bennet at al.). Intersectando-a com a concepção estrita
(Bult-Spiering e Dewulf), vemos que as formas unânimes de PPP são as joint
ventures, concessões e concessões sem transferência. O financiamento
privado de bens de capital distingue as PPPs em sentido estrito em relação às
externalizações.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
23
Introduzimos a última categoria, concessão sem transferência, para
distinguir operações que introduzem a nosso ver uma diferença fundamental
em relação à concessão: a transferência permanente de propriedade para
mãos privadas. Esta altera qualitativamente a relação entre as dramatis
personae, de modo que é duvidoso dizer-se que o Estado ainda está a
conceder algo.
Estamos, assim, em condições de esboçar uma tipologia mais exaustiva
das PPPs no espectro público-privado. O quadro seguinte expõe quatro tipos
fundamentais de PPP e respectivos contratos, entre os pólos da exploração
pública e privada pura. Usamos a terminologia inglesa, a mais comum, para
evitar equívocos de tradução.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
24
Quadro I.2 Tipologia de parcerias público-privadas
Fornecimento público • Design and Construct (D&C) – forma tradicional de contratação pública. PPPs Externalização – Estado subcontrata tarefas acessórias. • Operate and Maintain (O&M) • Operate, Maintain and Manage (OM&M) Joint venture – Estado e privados detêm e exploram conjuntamente um serviço. Concessão – privado produz (concebe, financia, constrói ou renova, mantém, gere) e detém um serviço temporariamente, transfere-o para o Estado posteriormente. Forma mais antiga de PPP, foi desenvolvida em França no séc. XVII e perdura até hoje. • Build-Operate-Transfer (BOT) – forma típica de concessão. Dura 20 a 40 anos. • Variantes BOT:
• Build Transfer Operate (BTO) – Estado é proprietário logo após a construção, privado faz leasing da infrarestrutura.
• Build Lease Transfer (BLT) e Build Lease Transfer Maintain (BLTM) • Build Own Operate Remove (BOOR) • Build Own Operate Transfer (BOOT) • Lease Renovate Operate Transfer (LROT) – para renovação de infra-estruturas
existentes • Build Rent Own Transfer (BROT) • Build Lease Operate Transfer (BLOT)
• Design Build Finance Operate (DBFO) – versão britânica do esquema BOT. As prerrogativas de proprietário privado são mais limitadas, não pode, por exemplo, cobrar portagens. Dura 25 a 30 anos.
• Variantes DBFO: • Design Construct Manage Finance (DCMF) – usado nas prisões do Reino Unido • Design Build Operate (DBO) – Estado é financiador, em vez do privado • Design Build Finance (DBF) – privado transfere propriedade para o Estado logo após a
construção • Design Build Finance Operate Manage (DBFOM)
Concessão sem transferência – privado produz e detém um serviço em permanência, não o transfere para o Estado, o Estado torna-se seu cliente. • De activos a construir:
• Build Own Operate (BOO) • Build-develop-operate (BDO)
• De activos existentes: • Buy-build-operate (BBO) • Lease-develop-operate (LDO) • Wrap-around addition (WAA)
Privatização total
Fontes: adaptado de Grimsey e Lewis (2004), FMI (2004: 8)
Joint ventures
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
25
As joint ventures público-privadas8 consistem numa sociedade mista
público-privada para fins de benefício público. De um ponto de vista jurídico,
Estado e privado são um único sujeito, logo as responsabilidades (riscos,
receitas, custos) são efectivamente partilhadas entre público e privado, não
simplesmente transferidas, como seria o caso nas concessões. Alguns autores
vêem-nas como as “verdadeiras” parcerias, aquelas que levam mais longe a
lógica relacional, que mais rompem com a lógica transaccional. O Estado é,
simultaneamente, regulador e accionista de uma joint venture. Os principais
problemas desta forma emergem do conflito de interesses entre estes dois
estatutos.
As joint ventures utilizam-se sobretudo para projectos de
desenvolvimento urbano. A sua área de aplicação é local, não nacional.
Organizam-se, normalmente, na base de convites públicos a entidades
privadas para colaborar. São relativamente informais, não registando todo o
aparato formal de concursos, procedimentos de selecção, contratos, habituais
nas concessões.
Concessões
Para Bult-Spiering e Dewulf (2006), numa concessão o Estado compra
um serviço, a disponibilidade de um certo produto por um certo tempo e
qualidade, especificados no contrato; enquanto o privado assume todas as
etapas da produção desse serviço. Ao contrário de uma joint venture, Estado e
privado permanecem sujeitos jurídicos autónomos, entre os quais se dá uma
transferência de responsabilidades, mas não uma partilha. Ao contrário de
uma externalização, o privado fornece, não só o serviço, mas também a infra-
estrutura subjacente. Em relação à contratação pública tradicional, uma
concessão distingue-se por: (1) responsabilidade privada ao longo do ciclo de
8 Há, também, e cada vez mais, joint ventures privado-privado, por exemplo fábricas detidas conjuntamente por dois grupos automóveis que concebem e produzem os motores que estes utilizarão em modelos concorrentes. Em Portugal, a Autoeuropa foi inicialmente uma joint venture entre Ford e Volkswagen. É uma forma de colaboração e partilha de risco popular em indústrias que exigem grandes investimentos de capital.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
26
vida, portanto não só pela construção e fases a montante, mas também pela
manutenção a longo prazo de um serviço, o que desencorajaria, por exemplo,
a poupança pela baixa qualidade na construção; (2) especificação de outputs
pelo Estado, deixando os detalhes operacionais para o privado; (3)
transferência de risco para o sector privado.
O Livro Verde para as PPPs da UE (UE, 2004) apresenta as concessões
como parcerias contratuais, em que um parceiro privado fornece um serviço
público sob o controlo do Estado, no todo ou em parte das suas etapas. A
remuneração do privado provém da cobrança de taxas aos utentes e/ou de
pagamentos regulares do Estado.
O concessionário é frequentemente um consórcio criado especificamente
para a concessão, que reúne as competências específicas de cada membro
adequadas às diversas etapas.
As concessões perfilam-se como a principal forma de PPP, com a
possível excepção dos EUA, onde as joint ventures locais e as colaborações
Estado-terceiro sector atraem muita atenção.
5. Génese e evolução das parcerias público-privadas
5. 1. O protagonismo privado: da antiguidade ao século XX
Parte importante da infra-estrutura dos Estados modernos foi erguida
segundo formas que hoje seriam classificadas de PPP, sobretudo próximas
das concessões. Vimos, atrás, que o objecto de uma PPP é a realização de
um serviço público. A evolução histórica dos serviços públicos, e com ela do
papel do Estado na sociedade, subjaz à das PPPs.
A questão, levada ao limite, é tão velha como a política. Segundo
Bezançon (2004: 25), o conceito de serviço público era comum no Império
Romano, e termos análogos – por exemplo, utilitas publica – surgem em
textos reais da Idade Média. Bezançon considera que a concessão de trabalho
e serviço público e a parceria (partenariat) são dois tipos de contratos
transversais a todas as épocas históricas desde a Antiguidade. Ambos
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
27
encarregam um sujeito privado de criar (conceber, financiar, construir, gerir)
um serviço, estando a diferença na remuneração, pelos clientes individuais no
primeiro caso, pela colectividade sob formas variáveis no segundo. Nesta
acepção do termo, os correios do Império Romano funcionavam em parceria
(Bezançon, 2004: 15ss)9. Não só Roma, outras civilizações antigas como o
Egipto, Grécia, delegavam a cobrança de impostos, a gestão local, cediam a
longo prazo terras públicas a senhores. A Geographia de Estrabão (63 a.C.–
24 d.C.) refere a existência de estradas portajadas. Portos, mercados, banhos
públicos eram concessões privadas.
Estas práticas terão desaparecido no séc. V para reaparecerem na Idade
Média na construção de cidades fortificadas e na ocupação de terras virgens
no sudoeste de França (Ghobadian et al., 2004: 1). Na Idade Média, exércitos
privados de mercenários eram comuns, e objecto de grande debate.
Maquiavel considerava tais tropas: “inúteis e perigosas, e o príncipe que firme
o seu governo em soldados mercenários jamais estará seguro ou tranquilo
(…) o príncipe é espoliado por elas na paz, e na guerra pelos inimigos. O
motivo é que não têm outro amor nem outro motivo que os leve à batalha
senão a paga do príncipe, a qual não é suficiente para que desejem morrer
por ele” (Príncipe, cap. XII).
Ao longo da Idade Média, e até finais do séc. XIX agentes privados –
inventores, cientista, engenheiros, investidores, posteriormente empresas e
bancos – tiveram uma importância preponderante na construção de infra-
estruturas públicas. A Inglaterra desenvolveu, a partir da segunda metade do
séc. XVII, uma imensa rede de estradas portajadas, as turnpikes (nome da
cancela pontiaguda que bloqueava a passagem) para ultrapassar os
problemas da manutenção rodoviária eclesiástica, assente em trabalho local
não especializado. Trusts de mercadores, manufactureiros, terratenentes,
autoridades locais, reuniam o capital, asseguravam a construção e recolhiam
9 Esta obra, que pretende, num registo didáctico e de divulgação, questionar o protagonismo historicamente atribuído ao Estado na construção de infra-estruturas públicas, tem a originalidade de procurar um enquadramento histórico da ideia de parceria desde a Antiguidade.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
28
as portagens, na expectativa de recuperar o investimento em 21 anos. Smith
(1999) vê aqui o antecessor directo das concessões rodoviárias actuais. Os
desfavorecidos, habituados a caminhos de acesso livre, opunham-se-lhes,
vendo-as como uma discriminação a favor dos abastados, efectivamente os
que mais tinham a ganhar, pois efectuavam viagens longas, registando-se
várias insurreições contra as turnpikes. O sistema estendeu-se aos EUA, após
a guerra da independência (1775-1783). No entanto, as receitas revelaram-se
baixas, e a concorrência dos canais e, posteriormente, dos caminhos de ferro
selaram o seu destino. Nenhum dos trusts britânicos recuperara o
investimento ao fim de 21 anos, poucos trusts americanos sobreviveram aos
99 anos de concessão. As turnpikes foram sendo vendidas ao Estado, que
começava a planear redes rodoviárias nacionais. À entrada do séc. XX, as
estradas no mundo anglófono eram novamente públicas (Grimsey e Lewis,
2004: 43-46).
A França vale como pioneira das PPPs, por ter desenvolvido a partir do
séc. XVII o modelo de concessão ainda hoje prevalecente. Investidores
privados financiavam a construção e, por determinado prazo, a exploração
financeira de uma infra-estrutura, revertendo no final a propriedade para o
Estado. Registam-se contratos de concessão no séc. XVII na construção de
canais (o canal de Midi, lançado pelo empreendedor Jean-Paul Riquet na
época de Louis XIV e Colbert) e na secagem de pântanos (cedida por Henri IV
para todo o território nacional). Sobretudo a partir da segunda metade do séc.
XIX, as concessões presidiram esmagadoramente à construção de grandes
infra-estruturas como os caminhos-de-ferro, transportes urbanos (Metro de
Paris), redes de electricidade, de água e esgotos, e de recolha de lixo
(Bezançon, 2004).
Os caminhos de ferro são talvez o símbolo cimeiro de uma época, o séc.
XIX, em que os agentes privados foram os grandes protagonistas na criação
da infra-estrutura capitalista moderna, a concessão seu método principal, tanto
nos países centrais como nos periféricos. Em Portugal, condes e marqueses
encabeçaram as companhias pioneiras que obtiveram as primeiras
concessões reais de ferrovia.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
29
5. 2. O Estado centralizador e o ressurgimento privado nos anos 70
do século XX
Com a entrada no séc. XX, a estatização de infra-estruturas essenciais
generalizou-se. Os abalos económicos da grande depressão (1929) e de duas
guerras mundiais, assim como a influência do comunismo, deixaram o capital
esgotado, “desmoralizado”, incapaz de fazer face às necessidades sociais,
crescentemente identificadas como necessidades públicas, incompatíveis com
o interesse privado. Na Europa, sucederam-se vagas de nacionalizações. Em
França, por exemplo, as concessões transmutam-se em concessões públicas,
concessões ainda mas a empresas estatais, em regime de monopólio
tendencialmente nacional, integrando as diversas concessões regionais – as
grandes empresas públicas de electricidade (EDF), caminhos de ferro (SNCF),
transportes urbanos (RATP) datam desta época.
Após a segunda guerra mundial consolidara-se o Estado centralizador,
que assumia agora a construção e manutenção de infra-estruturas, e mesmo a
produção mercantil em sectores considerados estratégicos – energia,
telecomunicações, construção naval, metalurgia, petróleo (ainda hoje bastião
público em vários países) – ao mesmo tempo que alargava e sistematizava a
protecção social no que viria a ser chamado de Estado-Providência.
Refira-se que nos EUA a hegemonia estatal nunca foi tão longe. Em vez
de monopólios estatais, surgiram monopólios privados fortemente
regulamentados, nomeadamente nas taxas de lucro – as chamadas utilities
(por exemplo, a AT&T). A política social, por outro lado, foi realizada pelo
Estado, não directamente, mas por interposta pessoa, o terceiro sector.
Persistiu a concepção do Estado enquanto agregador da sociedade civil para
a resolução de problemas, espécie de third party government (Salamon, 1987)
mais que agente directo de resolução (Rosenau, 2000; Osborne, 2000:
105ss).
É face ao Estado centralizador que as PPPs se irão diferenciar a partir
dos anos 70 do séc. XX, consolidar na transição para os anos 80, e expandir
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
30
nos anos 90 por todo o mundo. Os dados da história são conhecidos. A
chamada “estagflação” dos anos 70 e o choque petrolífero de 1973 marcam,
segundo muitos autores, o fim do keynesianismo e a consagração teórica do
Estado centralizador. Conceitos de monetarismo (Hayek, Friedman), supply-
side economics, economia neoclássica recuperam terreno político sob uma
forma que viria a ser conhecida como neoliberalismo, anunciada pela chegada
ao poder dos Governos de Margaret Tatcher em Inglaterra (1979) e Ronald
Reagan nos EUA (1981). O Estado passara de solução a problema na esfera
pública, era associado a monopólios, ineficiência, burocracia, impossibilidade
de escolha, e a um sem número de outros males. A prioridade era, pois,
reduzi-lo. As privatizações, começando pelo sector produtivo mercantil público,
tornam-se o imperativo categórico de uma era marcada por outros termos
como rigor fiscal, comércio livre, câmbio livre, desregulação (em matéria
económica), descentralização política, externalização (em matéria de
organização pública). Na fase inicial dos anos 70-80, privatizações e PPPs
confundem-se, ou antes, o furor em torno das privatizações ofusca as
parcerias. As PPPs existem, sobretudo, como políticas de desenvolvimento
local.
Para Bult-Spiering e Dewulf (2006: 7-13), as PPPs, nas suas feições
contemporâneas, surgem inicialmente nos EUA como joint ventures para o
desenvolvimento local a longo prazo. A tradição política local explica-o: o
Estado americano e respectiva burocracia é fragmentado, disperso,
concorrencial; há independência política e funcional entre autoridades locais,
estaduais e federais; as autoridades locais têm maior interesse em captar
investimento privado, pois dependem mais dos impostos locais que dos
federais; os agentes privados têm grande tradição de organização local. Já
nos anos 60, a política de desenvolvimento local era, em grande medida,
política de subsídios para atracção de investimento privado. Estes autores
vêem um momento charneira das PPPs na National Urban Policy (1978) do
Governo Jimmy Carter, que encorajava as autoridades locais a passar de
subsídios para joint ventures com parceiros privados. A tendência acentuou-se
no Governo Reagan, que reduziu o orçamento e o papel federal nas decisões
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
31
locais, e prosseguiu no Governo Clinton, que, colocando as PPPs no centro da
sua política urbana, procurou estimular a participação cívica local.
No Reino Unido, o Governo tatcherista seguiu o exemplo através de
zonas empresariais e urban development corporations (UDC), corpos a quem
atribuiu tarefas de desenvolvimento em zonas degradadas, dotando-as de
financiamento e, mais importante, titularidade sobre os terrenos e poderes de
planeamento. As Docklands portuárias de Londres foram por esta via
transformadas no actual centro financeiro de Canary Wharf. Em finais dos
anos 80, as UDC foram substituídas pelo City Challenge, programa que
encorajava as autoridades locais a propor em parceria com os agentes
privados da sua jurisdição esquemas de renovação urbana.
No resto da Europa, registam-se experiências inspiradas pelo exemplo
anglo-saxónico, como é o caso da Holanda, onde o Governo inclui no seu
programa de 1986 o modelo britânico de parceria para desenvolvimento
urbano. A ideia de concessão de grandes infra-estruturas não desaparecera
inteiramente: em 1986 firma-se uma das maiores concessões da história, o
projecto franco-britânico do Túnel da Mancha.
No entanto, as iniciativas permanecem pontuais, ad-hoc. A privatização,
como foi dito, tem a hegemonia simbólica. Será preciso esperar até ao início
dos anos 90 para que uma inovação britânica coloque, na Europa, as
parcerias na ordem do dia.
5. 3. A Private Finance Initiative britânica
A Private Finance Initiative (PFI) britânica foi o primeiro programa político
sistemático de PPPs10. Foi introduzida em 1992 pelo Governo de John Major,
após algumas experiências satisfatórias nas obras públicas11, e prosseguida
10 Apesar de as PPPs no Reino Unido serem invariavelmente associadas à PFI, nem todas as PPPs cabem na PFI. As joint ventures, por exemplo, não fazem parte do programa. 11 A Second Severn Crossing, ponte entre Inglaterra e Gales concessionada no início dos anos 90 e inaugurada em 1996, foi das primeiras aplicações significativas da chamada project finance, que viria a fornecer o modelo para as PPPs.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
32
em 1997 pelo New Labour de Tony Blair. Provocou uma alteração relevante
da lógica e expectativas em torno dos serviços públicos, que passaram a
recorrer sistematicamente ao sector privado para o financiamento, concepção,
construção, gestão.
Os contratos PFI cabem na categoria de concessões, mas
desenvolveram especificidades suficientes para merecerem uma subcategoria
à parte. Em vez de concessões BOT, fala-se normalmente em contratos
DBFO (Design Build Finance Operate) – termo cunhado pela autoridade
rodoviária britânica aquando das primeiras experiências no sector das auto-
estradas – e nas múltiplas variantes deste modelo. Algumas das variantes são
concessões sem transferência, isto é, excluem a transferência de propriedade
para o Estado (Grimsey e Lewis, 2005: xxx).
Para Ghobadian et al. (2004: 4), a PFI visava politicamente (a) permitir a
qualquer projecto privado que pudesse funcionar lucrativamente avançar sem
comparação prévia com um projecto semelhante no sector público, (b) não
tratar projectos como inteiramente públicos ou privados, mas encorajar joint
ventures, onde representassem uma transferência razoável de risco para o
privado e (c) estimular o uso do leasing, onde houvesse value for money.
Até finais dos anos 80, o governo britânico privatizava, mas não recorria
a financiamento privado para iniciativas públicas. As chamadas Ryrie-rules,
regras fixadas em 1981 para o financiamento privado nas indústrias então
nacionalizadas, impediam-no. Estas regras foram retiradas em 1989 e
substituídas pelas regras da PFI em 1992, que, embora alterando a lógica de
conjunto, mantiveram nominalmente os critérios de admissibilidade anteriores
de (1) transferir risco para o sector privado e (2) assegurar value for money. O
impacto inicialmente foi limitado, a PFI teve de ser relançada em 1993 e 1995.
Quando o New Labour chega ao poder em 1997, encarrega Malcolm
Bates de fazer uma avaliação da PFI. A Bates Review de Junho de 1997
recomenda apenas ajustamentos práticos, nomeadamente a criação de uma
taskforce do Tesouro britânico especializada no assunto. A posição trabalhista
de resto já se definira na oposição. Um documento escrito em 1994 por
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
33
Gordon Brown, John Prescott e Robin Cook avançava a ideia de
complementaridade entre sector público e privado e rompia com o antigo
preceito de zonas interditas por princípio ao sector privado (Brown et al.,
1994). A perspectiva de poupança, bem como – e este é um factor crucial – a
possibilidade de ultrapassar os limites impostos ao investimento e défice
público fizeram o resto.
A adopção da PFI pelo New Labour, uma vez no governo, colocou
definitivamente as PPPs na ordem do dia do debate sobre serviços públicos à
entrada do séc. XXI, e o Reino Unido como seu farol. O número e o valor dos
contratos disparou, consagrando o Reino Unido como o maior mercado
mundial de PPPs por larga vantagem (Gráfico I.1). A PFI passou a representar
10% do investimento em bens públicos, apesar disso ainda bastante abaixo
dos 40% de investimento convencional, que entretanto também subiu
acentuadamente a partir de 2001. Os sectores que concentraram mais
investimento foram, por ordem decrescente, a saúde, os transportes, a defesa
e a educação (HM Treasury, 2006)12. Mais de 50 países consultaram o
Tesouro britânico sobre a PFI, desenvolveu-se todo um sector económico
especializado no tema, que procura exportar as suas competências. Portugal
é indicado como um dos grandes importadores (UNISON, 2003a: 6).
12 Para mais detalhes, ver o Capítulo IV.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
34
Gráfico I.1
Valor de capital das PPPs por continente, 2000 e 2003
Fonte: Dealogic apud PricewaterhouseCoopers (2004: 13)
Uma segunda Bates review, em 1999, levou à transformação, no ano
seguinte, da taskforce do Tesouro britânico na Partnerships UK, actual órgão
central de assessoria ao governo. A Parterships UK é ela mesma uma joint
venture, maioritariamente privada, que se financia cobrando pelos seus
serviços. Representa, portanto, um patamar novo de hibridação público-
privado na gestão da coisa pública.
5. 4. As parcerias público-privadas na Europa Continental
As PPPs na Europa Continental têm tido um desenvolvimento mais lento
e mais heterogéneo que no Reino Unido. Mais lento devido, nomeadamente, a
uma tradição política distinta da anglo-saxónica, que acentua a divisão de
papéis Estado-mercado e, por conseguinte, entrava um ethos de colaboração.
A tradição continental de Direito Público, do Rechstaat de inspiração
germânica, tem sido considerada obstáculo às PPPs (Hammerschmid, 2005).
Mais heterogéneo, inevitavelmente, devido à diversidade nacional. À parte das
discrepâncias nacionais, a União Europeia, particularmente a Comissão
Europeia, surgiu nos últimos anos com uma agenda de promoção das PPPs.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
35
No panorama geral da Europa continental, sobressaem certas
regularidades regionais. Os países mediterrânicos enveredaram mais cedo
pelas PPPs, por via de concessões rodoviárias – Espanha desde há décadas,
Portugal desde finais dos anos 90. Os países germânicos e escandinavos
surgem como países relativamente avessos a elas. A França assume-se como
um meio termo, bastião do Estado centralizador por um lado, pioneira das
concessões por outro. A Holanda é destacada, por vezes, pelas suas
experiências pioneiras, mas no cômputo geral apresenta uma situação
análoga à germânica e escandinava.
A Espanha é frequentemente destacada nos estudos sobre PPPs pela
sua tradição de concessões rodoviárias, que remonta ao Franquismo. O
Estado espanhol, confrontado com as limitações financeiras e operacionais
típicas de uma condição semiperiférica, dependia mais da iniciativa privada
para o fornecimento de serviços públicos. Desde os anos 60, o sistema
rodoviário desenvolveu-se mediante concessões (Leis 55/1960 e 8/1972),
naturalizando na consciência popular a noção de estrada portajada. O
estímulo às concessões apenas abrandou nos anos 80, quando os Governos
de Felipe González aumentaram a despesa pública para níveis próximos da
média europeia, e ressurgiu com os problemas de défice público que se
seguiram. A Lei 13/1996 alargou as competências dos concessionários
rodoviários às estações de serviço e outros projectos imobiliários, aumentou o
período de concessão de 50 para 75 anos, e baixou a carga fiscal de 16 para
7%. A Lei 50/1999 introduziu as portagens virtuais (Bult-Spiering e Dewulf,
2006: 77-79).
Portugal é visto por alguns como o país que mais entusiasticamente
adoptou as PPPs de modelo britânico, o que fez em finais dos anos 90. As
concessões rodoviárias têm dominado as PPPs. Tiveram um breve prelúdio
em 1972, com a atribuição do primeiro contrato do género à Brisa, logo
nacionalizada em 1974, mantendo-se na esfera pública como concessionária
única das auto-estradas nacionais até finais dos anos 90, quando foi
privatizada (1997-1999). Havia-se feito, entretanto, algumas experiências à
parte, a mais importante a Ponte Vasco da Gama, acordada em 1993-94 e
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
36
aberta ao público em 1998. O grande salto veio com o Plano Rodoviário
Nacional de 2000, que determinou quase decuplicar em 6 anos a rede de
auto-estradas, de cerca de 400 para 3000km, exclusivamente por via de
concessão, 1/3 delas na figura nova de portagem virtual (SCUT).
Simultaneamente, terminou o monopólio da Brisa, abrindo-se o mercado de
concorrência para estas concessões. Acumulam-se, posteriormente, receios
que as SCUTs se tornem, a prazo, insustentáveis para as contas públicas,
indício de que o value for money não fora acautelado13.
A Portugal é, ainda, referenciada uma outra questão: passou, em 6 anos,
de uma para catorze concessões rodoviárias, ao mesmo tempo que o Instituto
de Estradas de Portugal diminuía os seus quadros técnicos. Esta circunstância
gerou uma transferência dos melhores quadros para o sector privado, que
afectará a longo prazo a capacidade estatal de defender o interesse público na
avaliação de concessões futuras e na regulação das actuais (Bult-Spiering e
Dewulf, 2006: 79-83, 93-94; US Department of Transportation, 2002: 71-76).
É de salientar o caso das PPPs na saúde em Portugal. O Governo
Barroso anunciou em 2002 um programa para a construção de 10 hospitais
em regime PPP. À época, apenas a Inglaterra tinha experiência consolidada.
As poucas experiências nos outros países passavam por projectos-piloto
restritos. Portugal queria lançar 10 projectos de uma vez e incluir neles, não só
as infra-estruturas, como os serviços clínicos, algo sem precedente na Europa.
Contudo, nenhum dos projectos foi ainda fechado, e os primeiros concursos14
acabaram cancelados entre polémicas com a mudança de governo. O
13 O Governo Barroso manifesta em 2002 intenção de introduzir portagens reais em diversas SCUTs. O actual governo PS, partido que introduzira as SCUTs, reincide: pretende introduzir portagens em três das sete SCUTs em exploração, as SCUTs Costa da Prata, do Grande Porto e do Norte Litoral. Ver Mário Lino, “As SCUT e o cumprimento das promessas eleitorais”, Diário de Notícias, 26/10/2006. In http://www.moptc.pt/tempfiles/20061030193155 moptc.pdf (Julho de 2007). Sobre as dificuldades de financiamento das SCUTs: “SCUT – Perguntas e Respostas” in Portal do Governo, http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?gui d=%7B0E E0137D-64E1-4DA8-AFFD-46CC55E4BF80%7D (Julho de 2007). 14 A Parpública, organismo público coordenador das PPPs, refere a existência de 14 PPPs contratadas, todas na área dos transportes, e 9 em avaliação, das quais 3 nos transportes e 6 saúde. Cf. www.parpublica.pt/ppscontratadas.htm e www.parpublica.pt/ppsanalise.htm (Setembro de 2007).
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
37
Governo actual estará a reavaliar o programa, não se sabendo se deixará cair
os serviços clínicos, copiando o modelo inglês assente exclusivamente na
infra-estrutura. Um inquérito a quadros europeus realizado por Bult-Spiering e
Dewulf (idem) detectou em Portugal cepticismo. Segundo os autores, os
quadros portugueses não acreditam que as concessões na saúde gerem
poupança. Enquanto as concessões rodoviárias tiveram por trás motivações
financeiras, a incursão na saúde, aparentemente, é explicada por motivações
mais ideológicas do Governo Barroso.
O crescimento das PPPs na Europa também despertou a atenção das
instituições europeias. O Livro Verde (2003) e, posteriormente, o Livro Branco
(2004) sobre os serviços de interesse geral, incluem as PPPs na sua reflexão.
Surgiu também um Livro Verde sobre as PPPs (2004) com o fito de lançar um
debate sobre uma eventual harmonização europeia do seu enquadramento
jurídico. As respostas indicam haver pouca vontade para tal, embora haja
apoio generalizado ao estabelecimento de uma agência europeia para as
PPPs15. O projecto de rede de transportes transeuropeia (TEN-T), coordenado
pela UE, virou-se para as PPPs no fito de ultrapassar os atrasos causados
pela escassez de financiamentos nacionais, ironicamente “auxiliada” pelos
próprios critérios europeus, mormente os limites ao défice público do Pacto de
Estabilidade. O Banco Europeu de Investimento tem sido um importante
financiador e assessor de projectos em vários países, e é, porventura, um dos
órgãos públicos com maior conhecimento e experiência na matéria.
6. Motivações da nova vaga de parcerias público-privadas
Que factores subjazem à ascensão das PPPs desde os anos 90? Que
motivações levaram cada vez mais governos a apostar neste tipo de relação
público-privada? Revemos neste ponto as respostas de alguns intervenientes
e autores. 15 Cf “Report on the Public Consultation on the Green Paper on Public-Private Partnerships and Community Law on Public Contracts and Concessions” e outros documentos sobre a iniciativa, in http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/ppp_en.htm (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
38
A diminuição de meios próprios e o contorno dos limites ao défice e
dívida pública são consideradas razões fundamentais que impelem os
governos para as PPPs. Os governos mundiais nas últimas décadas perderam
poder e recursos devido aos processos de globalização. Como a retracção e
privatização generalizada dos serviços públicos é impopular, torna-se atraente
recorrer ao capital privado para evitá-las a curto prazo.
No caso europeu, o Pacto de Estabilidade colocou o célebre limite de 3%
ao défice público, o que obrigou a cortes no investimento público. Ora, as
PPPs permitem realizar investimentos públicos sem que estes contem no
imediato para a despesa pública. E ainda que, a longo prazo, se levantem
algumas questões, tal já não afectará o governo que toma a decisão no
presente. Naturalmente, com a expansão das PPPs, foi-se tornando evidente
que o défice público é escamoteado com a “manobra”, pelo que se começou a
exigir que se incluam as PPPs no cálculo. Daí uma série de alterações aos
critérios de avaliação das contas públicas, por exemplo pelo Eurostat, ou pelo
governo britânico, cujos critérios contabilísticos incluem parte considerável das
PPPs na despesa pública.
Em geral, os autores chamam a atenção para o facto de que partir para
uma PPP com esta motivação é arriscado, pois coloca o Estado numa posição
negocial fraca, donde a probabilidade de maus contratos se multiplica. Os
relatórios do Tesouro britânico afirmam que esta nunca deve ser a motivação
para uma PPP, mas apenas a poupança. Apesar de pouco recomendável ou
confessável, esta é uma motivação muito real. Em Portugal, o presidente da
Parpública, João Plácido Pires, afirmou em conferência da APOCCEP a 16 de
Novembro de 2006 que o recurso às PPPs “deriva no essencial das
dificuldades orçamentais dos Estados e das limitações que também por essa
via são colocadas ao uso de empresa pública para o financiamento destes
investimentos”.
A poupança é outra grande motivação das PPPs. Não foi seguramente
esta razão que arrancou os governos de hábitos institucionais de décadas
para a experiência das PPPs, como a falta de meios próprios, mas contribuiu
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
39
como incentivo suplementar. Encontra-se estes e outros argumentos nos
objectivos enunciados pelo governo britânico na sua estratégia de PPPs:
fornecer melhores serviços públicos, contribuindo para o aumento quantitativo
e qualitativo do investimento; libertar o potencial dos activos públicos, fornecer
value for money ao contribuinte e benefícios alargados à economia; dar aos
stakeholders – utentes, contribuintes, empregados – um quinhão justo dos
benefícios de uma PPP (HM Treasury, 2000).
Considerando enquadramentos mais abrangentes, Ghobadian et al.
(2004) identificam no alargamento da intervenção das PPPs (1) a pressão
sobre as finanças públicas, (2) o neoliberalismo, (3) a pujança financeira do
sector privado e (4) a liberalização do comércio.
Grimsey e Lewis (2005: xvi-xvii) identificam três factores na expansão
recente das PPPs. (1) Uma mudança de concepções quanto ao papel do
Estado, em função da distinção entre serviços essenciais e acessórios (uma
PPP é um método de adjudicação que se enquadra na vaga do New Public
Management, agenda neoliberal de administração pública). (2) Um
refinamento dos modelos de financiamento privado, que através de técnicas
de project finance permitem avaliar melhor o risco e tornar atraentes para os
privados negócios anteriormente incertos. (3) A influência das técnicas de
partnering, cujo (presumível) sucesso inspirou os modelos de organização das
PPPs16. Para Grimsey e Lewis (2005: xxvi), as PPPs inspiram-se neste legado
triplo e acrescentam-lhe novas camadas de complexidade: a combinação de
etapas anteriormente separadas num só projecto; o âmbito mais vasto,
entrando em territórios onde o pagamento não pode vir directamente dos
consumidores (prisões, hospitais, tribunais); a presença de actores adicionais
(ONGs, comunidade local).
O New Public Management merece referência adicional. É referido
habitualmente como agenda neoliberal de administração pública, associado a
16 O partnering foi uma mudança de paradigma proposta em meados dos anos 90 no mundo da engenharia civil para resolver os conflitos de interesse entre proprietários, técnicos e empreiteiros, públicos ou privados, que geravam custos extraordinários, atrasos, litigação. Ver Smith (1999), também disponível em Grimsey e Lewis (2005).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
40
lemas como empresarialização, privatização, comercialização, gestionismo,
externalização, emagrecimento.17 Hood (1995) sintetiza-o em 7 mudanças: (1)
desagregação dos organismos públicos em várias unidades
empresarializadas;18 (2) concorrência entre os organismos públicos e entre
estes e os privados; (3) uso de métodos da gestão privada, e abandono de
métodos tradicionais de gestão pública; (4) ênfase na poupança, no
embaratecimento dos custos de serviço em detrimento de uma cultura de
continuidade institucional, de manutenção de níveis de serviço, de
planeamento de base política; (5) gestão hands on por gestores com
notoriedade e poder discricionário (discretionary power), ao invés da
tradicional gestão pública hands off, mais impessoal e burocrática; (6)
mensurabilidade e quantificação da performance, ao invés de confiar nos
padrões profissionais internos; (7) controlo de estilo “homeostático”, na base
de outputs predefinidos, não na base de “ordens do dia” vindas ad hoc de
cima.
Em suma, as PPPs devem o seu protagonismo recente à tendência geral
de enfraquecimento (para uns) ou emagrecimento (para outros) do Estado nas
últimas três décadas, que tem sido associada ao neoliberalismo. A
necessidade política de manter serviços públicos, cujo desaparecimento seria
impopular, aliada à dificuldade de os sustentar como outrora, levam os
governos a recorrer a um sector privado novamente pujante, desejoso de
novas áreas de investimento, dotado de capacidades de engenharia
institucional e financeira que possibilitam empreendimentos antes
considerados demasiado arriscados. As PPPs são o produto desta
constelação.
17 Em inglês: corporatization, privatization, commercialization, managerialism, outsourcing, downsizing.
18 Em Portugal, por exemplo, a separação da CP em diversas unidades de negócio independentes.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
41
7. A organização das parcerias público-privadas
Tomamos a organização das PPPs em três acepções: a organização
político-institucional, isto é, as instituições que enquadram os programas e
projectos de PPP a nível nacional; a organização procedimental, isto é, os
procedimentos e etapas que um projecto segue; e a organização empresarial,
isto é, a estrutura interna do parceiro privado. Há variações nacionais,
sobretudo na primeira acepção. Concentramo-nos no espaço europeu, o mais
relevante para contextualizar a situação portuguesa.
7. 1. A organização no âmbito político-institucional
Um relatório da Pricewaterhouse Coopers sobre PPPs na Europa
fornece um útil mapa europeu de desenvolvimento institucional, exposto no
Quadro I..
Quadro I.3 Desenvolvimento institucional das PPPs na Europa
Fonte: PricewaterhouseCoopers (2005)
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
42
O mapa confirma o avanço britânico, e também irlandês, e aponta uma
institucionalização incipiente das PPPs no resto da Europa. Em termos de
organismos públicos, Reino Unido e Irlanda – e curiosamente também a
Holanda e Áustria, onde as PPPs são escassas – possuiam uma agência
nacional especializada em PPPs, com competências executivas, consultivas e
avaliativas. Em Portugal, Itália, França, Alemanha, Dinamarca e alguns países
do Leste tais agências existiam, mas apenas com competências consultivas.
Em termos de enquadramento jurídico, Irlanda, Espanha e Polónia tinham, de
acordo com este relatório de 2005, legislação abrangente em vigor. Portugal,
Grécia, França, Bélgica e alguns países de Leste tinham legislação sectorial e
estavam a desenvolver legislação abrangente. Pelo resto da Europa, a
situação ou não passara de projectos de intenção ou era desconhecida.
No Reino Unido, a Partnerships UK é a agência coordenadora das PPPs.
Assume tarefas de sistematização contratual e organizativa, bem como de
assessoria técnica, financeira e jurídica ao Estado. Como foi dito atrás, ela
mesma é uma joint venture com capital e quadros maioritariamente privados.
Funciona numa lógica empresarial: tem de gerar receitas próprias, o Estado
não cobre prejuízos. Existe também uma estrutura de coordenação local, a
4PS (Public Private Partnership Programme), que presta apoio às autoridades
locais nos processos de adjudicação. O Tesouro britânico concentra as
competências públicas, representa o Estado na Partnerships UK e elabora
avaliações abrangentes do programa PFI (Ghobadian et al., 2004).
A França, antes de ter uma agência central de PPPs, já desenvolvera
pela sua longa tradição de concessões um quadro jurídico e institucional
próprio, distinto do anglófono, e relativamente preciso. Esse quadro concedia
mais primazia ao Estado. Os contratos subordinavam-se aos princípios do
serviço público, nomeadamente a superioridade do interesse público face ao
privado, as infra-estruturas subordinavam-se ao regime de propriedade
pública. Em contrapartida, os privados tinham direito de indemnização se
prejudicados por decisão unilateral pública em nome do interesse geral, ou por
circunstâncias imprevistas que afectassem o equilíbrio financeiro previsto no
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
43
início do contrato (Grimsey e Lewis, 2004: 47-50). Mais recentemente, criou-se
uma agência nacional para as PPPs.
A Alemanha constitui uma zona onde o enquadramento institucional vai à
frente dos projectos no terreno, relativamente escassos, como se se
procurasse preparar tudo antes de fazer e ganhar experiência na prática.19
Para remover múltiplos obstáculos burocráticos, promulgou-se em 2005, com
o apoio da indústria e sob vasto consenso político, uma lei de aceleração das
PPPs (Beschleunigungsgesetz)20 e aguarda ratificação uma lei de
simplificação (Vereinfachungsgesetz). Prevê-se criar em 2008 um órgão
central de coordenação constituído à imagem britânica por Estado federal e
privados, a Partnerschaften Deutschland, substituindo uma unidade
especializada do Ministério das Obras Públicas, até aqui principal
coordenadora e impulsionadora das PPPs.
Portugal e Espanha têm uma tradição de concessões, o que levaria a
esperar uma institucionalização mais avançada. Em Espanha, a autonomia
regional leva a uma formalização fragmentada; a nível nacional há apenas
uma Comissão Político-Económica informal e uma unidade no Ministerio de
Fomento, que concentra funções técnicas, não financeiras. Em Portugal, a
Parpública, sociedade subordinada ao Ministério das Finanças responsável
por privatizações e externalizações, assume também as funções de agência
central de PPPs. Mas, só em 2003 (DL 86/2003) se tornou obrigatório o uso
de um custo público comparável na decisão entre PPP e financiamento
tradicional, quando as PPPs rodoviárias já estavam fechadas. Na Península
Ibérica, em contraste com o exemplo alemão, há experiência acumulada e
práticas instituídas, mas pouco formalizadas.
19 Apenas em Junho do presente ano arrancou a construção da primeira auto-estrada em PPP, a pequena (52Km) A8 entre Munique e Augsburgo, que terá portagens reais apenas para veículos pesados. No ordenamento alemão, ainda não há portagens para veículos ligeiros. 20 Bundesgesetzblatt, 2005 Teil I Nr. 56, p. 2676.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
44
7. 2. O procedimento
As PPPs têm um procedimento de organização próprio com etapas
definidas, aliás como qualquer método de contratação pública. Quando o
Estado adjudica um serviço, pode fazê-lo a uma agência pública
especializada, pode nomear um fornecedor, pode seleccionar um fornecedor
através de concurso público, com graus variáveis de formalização. As PPPs
envolvem quase sempre concurso público. O concurso pode ser aberto, por
convite, através de listas registadas, através de pré-qualificação ou negociado.
Comecemos por uma caracterização genérica das etapas. Bult-Spiering
e Dewulf (2006: 53) tomam de empréstimo a Scholten (2001) a seguinte
categorização:
• Desenvolvimento
• Início
• Definição
• Pré-qualificação
• Consulta
• Proposta (tender)
• Negociação
• Fecho financeiro
• Construção
• Operação e manutenção
• Operação
• Transferência
A escolha do parceiro privado ocorre no fim da fase de desenvolvimento.
Numa especificação mais detalhada, Grimsey e Lewis (2004: 85)
distinguem oito etapas genéricas, expostas no Quadro .
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
45
Quadro I.4 Etapas principais de um contrato PPP
Etapa Tarefas Papel do Estado Definição de necessidades
fixação de resultados (outputs), consideração de efeitos de rede
cliente, planeador de rede
Avaliação Avaliar as diversas possibilidades de concretização (por exemplo renovação ou nova construção), financiamentos, riscos e outros impactos.
Planeador de rede, defensor do ambiente, representante do interesse público
Modelo de negócio (business case)
análises de custo-benefício, quantificação de custos, riscos, proveitos, obtenção de financiamento
Planeador de rede, financiamento
Desenvolvimento de projecto
formação de comités executivos, direcções, auditores, criação de um plano para o projecto
Gestor de projecto
Processo de concurso (bidding process)
preparação de concurso, avaliação de propostas
Outorgante de concessão (concession grantor)
Revisão final de projecto confirmação de que se atinge value for money e demais objectivos políticos
Planeador de rede, representante do interesse público
Negociação final estabelecimento de quadro e equipas de negociação, execução de contrato, fecho financeiro
Outorgante de concessão, financiamento
Gestão de contrato transferência de responsabilidades para equipa de gestão de contrato, formalização de responsabilidades de gestão, entrega do projecto, monitorização de resultados, defesa da integridade do contrato
Inspector, vigilante, gestor de contrato
Fonte: Grimsey e Lewis (2004: 85)
A União Europeia tem estimulado a sistematização dos diversos
procedimentos nacionais. O Livro Verde sobre as parcerias público-privadas,
publicado em 2004, faz um levantamento da situação face ao direito
comunitário, com o objectivo de iniciar o debate.
Regras comunitárias
Não existe no direito comunitário um enquadramento específico para as
PPPs. Enquanto contratos público-privado para a prestação de uma actividade
económica, as PPPs submetem-se aos princípios gerais do Tratado de Roma
(arts. 43º a 49º), a saber: o princípio da transparência, da igualdade de
tratamento, da proporcionalidade e do reconhecimento mútuo.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
46
As normas comunitárias são relevantes sobretudo para o processo de
concurso e selecção do parceiro privado. As directivas 2004/17/CE e
2004/18/CE sobre adjudicação de contratos públicos procuraram remover
alguns obstáculos às PPPs, como a impossibilidade de alterar
substancialmente um projecto durante a adjudicação ou a incerteza no uso
dos procedimentos de negociação.
Há quatro métodos de selecção do parceiro privado:
• concurso público – qualquer candidato pode apresentar propostas
• concurso limitado – apenas candidatos convidados pelo Estado podem
apresentar propostas
• procedimento por negociação
• diálogo concorrencial.
O procedimento por negociação aplica-se a situações de excepção em
que não é possível fixar prévia e globalmente os preços.
O diálogo concorrencial é uma inovação introduzida pela directiva
2004/18/CE para contratos particularmente complexos em que o Estado não
tenha capacidade de definir os meios técnicos, jurídicos e financeiros de um
projecto. Começou a ser vertido para as legislações nacionais em 2005.
As regras comunitárias são, como dissemos, embrionárias. Contemplam,
sobretudo, os processos de concurso de forma relativamente genérica. A um
nível mais detalhado, as regras são nacionais. No que respeita à adujdicação,
distingue-se normalmente dois grandes modelos de adjudicação, o modelo
espanhol e o modelo anglo-saxónico.
Adjudicação: modelo espanhol e anglo-saxónico
Bult-Spiering e Dewulf (2006: 96-103)21 distinguem dois grandes modelos
de adjudicação de concessões: o espanhol e o anglo-saxónico.
21 Neste ponto seguimos de perto esta fonte.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
47
O modelo espanhol é considerado breve e barato: o processo não dura
mais de oito meses e as candidaturas custam em média meio milhão de
euros. Antes de lançar a concurso uma concessão, o governo executa as
seguintes tarefas:
• concepção preliminar;
• elaboração e aprovação de estudos de impacto ambiental;
• período de informação pública;
• estudo de viabilidade financeira e consulta ao Banco Europeu de
Investimento.
Não há pré-qualificações. Os candidatos têm 4 meses para apresentar
propostas, o governo leva outros 4 meses para seleccionar a proposta
vencedora. Os projectos são avaliados num sistema de pontos em função de
custos, design, manutenção e performance técnica. Os candidatos têm acesso
às propostas dos seus concorrentes, para estimular a transparência. Escolhido
o parceiro privado, procede-se ao fecho financeiro do contrato. O contrato é
predefinido para todas as concessões, pelo que, em regra, não há negociação
adicional sobre ele.
O sector privado é consultado na fase inicial de preparação e tem
bastante influência sobre a concepção preliminar. Na fase de concurso não há
comunicação entre Estado e privados, para evitar favorecimentos. Segundo
um inquérito de Bult-Spiering e Dewulf (2006), embora entre os quadros
públicos espanhóis haja uma percepção de inovação nas propostas, os
quadros privados referem haver pouca diferença técnica entre as propostas,
estando a principal diferença no preço. Os concessionários têm direito a pedir
renegociações de contrato em caso de prejuízo financeiro, por exemplo,
prolongamento da concessão ou aumento de portagens.
O modelo anglo-saxónico, desenvolvido no Reino Unido, é bastante mais
moroso e dispendioso que o espanhol: pode levar 2 anos ou mais. É, no
entanto, o mais utilizado noutros países – provavelmente o modelo espanhol é
demasiado específico. Segundo Bult-Spiering e Dewulf, segue as seguintes
etapas:
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
48
• Determinação das necessidades
• Decisão estratégica
• Esboço de modelo de negócio
• Anúncio no Jornal Oficial das Comunidades Europeias
• Pré-qualificação, de um máximo de quatro candidatos, com base na sua
imagem e reputação
• Convite para apresentação de propostas (invitation to tender)
• Avaliação de propostas
• Convite para negociação (invitation to negotiate) a um grupo restrito de
candidatos escolhidos, normalmente dois
• Oferta final (Best and Final Offer) dos candidatos
• Anúncio do vencedor e notificação dos restantes candidatos
• Fecho do contrato.
O custo público comparado (public sector comparator) é uma
característica distintiva deste modelo. Consiste no custo que a actividade a
realizar em PPP atingiria se realizada por métodos públicos tradicionais. A
administração tem de calcular o CPC até ao convite para apresentação de
propostas. O valor só é disponibilizado após a escolha do vencedor, para
evitar que os candidatos baseiem as suas propostas nele. O cálculo é
bastante difícil – devido, por exemplo, à necessidade de discriminar todas as
variáveis em jogo, incluindo riscos e imprevistos, e de quantificá-las – e o
indicador é objecto de polémica, como veremos adiante.
7. 3. A estrutura empresarial: Special Purpose Vehicle
O parceiro privado, face à dimensão de uma PPP em termos de capital e
competências, raramente é uma empresa individual. Normalmente, ele
assume a forma de uma Special Purpose Vehicle (SPV), um consórcio de
empresas – construtoras, bancos, assessoras, empresas de serviços
acessórios – organizado especificamente para o projecto em questão.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
49
A SPV é constituída com capital inicial (equity) e dinheiro proveniente de
endividamento bancário (senior debt), com os quais financiará as tarefas
necessárias para pôr em funcionamento o serviço que lhe foi atribuído. Para
tal, estabelece contratos separados de construção, gestão etc. com as
empresas suas constituintes, especializadas na tarefa.
A proporção entre capital e dívida, assim como a repartição do capital da
SPV, varia conforme o país, a cultura empresarial, o ambiente económico,
etc. No caso britânico, geralmente seguido noutros países, o capital é
tendencialmente repartido entre as empresas encarregadas das diferentes
tarefas do projecto. Na Austrália, pelo contrário, desenvolveu-se o financier-led
model, onde os bancos concentram a propriedade da SPV e as restantes
empresas participam apenas como subcontratadas desta.
As SPVs têm poucos, por vezes nenhum activo. Os privados usam esta
figura por três razões. Primeiro, apenas a SPV está sujeita a execução em
caso de colapso, portanto os investidores arriscam apenas a sua participação
na SPV, não o resto do seu património. Segundo, os investidores não têm de
colocar a SPV nos seus próprios activos e passivos se a participação for
inferior a 50%, como normalmente o é. Terceiro, os investidores protegem o
seu nome em caso de colapso, ao mascará-lo por trás do nome da SPV. Isto
levanta questões quanto à real transferência de risco que o Estado obtém
numa PPP, sobretudo nos casos mais dramáticos de colapso (UNISON,
2004).
7. 4. A situação portuguesa
Em Portugal, o regime legal das PPPs encontra-se regulado pelo
Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, revisto pelo Decreto-Lei 141/2006, de
27 de Julho. Sempre que um ministério queira preparar ou alterar os termos
de uma PPP, deve notificar o Ministério das Finanças, através da Parpública.
Constitui-se, posteriormente, uma comissão de acompanhamento de projecto,
ou de alteração de projecto, e uma comissão de avaliação de propostas. No
quadro legal, a Parpública assume as seguintes tarefas:
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
50
• indicar representantes públicos para a comissão de acompanhamento de
projecto de parceria, ou de alteração de projecto, e para a comissão de
avaliação de propostas;
• informar e prestar apoio técnico às comissões de acompanhamento sobre
os trabalhos de preparação do projecto, nomeadamente na vertente
económico-financeira;
• apoiar a elaboração de despachos conjuntos dos Ministros das Finanças e
da tutela sectorial sobre uma PPP;
• prestar apoio técnico ao Ministério das Finanças no acompanhamento das
parcerias vigentes, nomeadamente informação sobre os seus custos,
riscos e impacto financeiro;
• apoiar a elaboração de pareceres vinculativos do Ministério das Finanças
sobre a alteração de contratos vigentes.
Segundo alguns autores, o processo de selecção português é uma
adaptação do modelo anglo-saxónico. Uma das principais diferenças em
relação ao modelo inglês consiste na inclusão dos bancos no processo de
negociação. No Reino Unido, as negociações com os bancos só se iniciam
uma vez fechado o negócio com o concessionário. Em Portugal, os bancos
participam a par do candidato nas negociações com o Estado, e também
assinam o contrato.
As concessões no âmbito do Plano Rodoviário Nacional estabeleceram
um padrão de transferência de risco que atribui ao Estado o risco de
planeamento, ao privado os riscos de concepção, construção, manutenção e
exploração, enquanto os riscos ambientais, de aquisição de terras e de força
maior são partilhados. No modelo SCUT, o risco de exploração, isto é, de
receita, é partilhado: o Estado garante uma receita mínima ao concessionário
se o uso da infra-estrutura não a garantir (Bult-Spiering e Dewulf, 2006). A
tabela seguinte apresenta esta grelha de repartição de risco.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
51
Quadro I.5 Transferência de risco nas concessões rodoviárias em Portugal
Riscos Responsabilidade Estado Partilhada Concessionário Planeamento X Concepção X Ambiental X Aquisição de terras X Construção X Operação e manutenção X Receita (trânsito) X (SCUTs) X (portagens reais) Defeitos latentes X Legislação X Força maior X
Fonte: US Department of Transportation (2002: 73)
Os riscos ambientais foram no passado um problema que levou a
alterações de procedimento. O Estado português realizava a adjudicação
antes de concluídos os estudos de impacto ambiental, o que poderia obrigar a
grandes alterações de projecto, e, por conseguinte, a atrasos e custos
extraordinários que o Estado tinha de assumir. Actualmente, o Estado não
avança em regra com a adjudicação antes de concluídos os estudos de
impacto ambiental.
Uma outra mudança tem a ver com o facto de os processos de
expropriação serem transferidos para os privados. O Estado fornece uma
declaração de interesse público e os privados conduzem as negociações de
expropriação. Se o caso for a tribunal, o Estado assume-o, bem como os
prejuízos decorrentes de tal atraso (USDoT, 2002: 71-76; Bult-Spiering e
Dewulf, 2006: 79-83).
8. Áreas sectoriais mais relevantes
Concentramo-nos neste ponto no panorama europeu para indicarmos, de
forma breve, algumas das áreas mais relevantes de aplicação das PPPs.
Escolhemos como áreas representativas os transportes, água e saneamento,
saúde, educação e a justiça. As duas primeiras, por serem as áreas iniciais
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
52
das PPPs; as duas seguintes, por serem a área onde se verifica maior
expansão; a última, por ser o tema deste estudo.
Uma palavra, antes do panorama europeu, para a situação no resto do
mundo. Nos EUA, as joint ventures de desenvolvimento local e as políticas
sociais (coordenadas com o terceiro sector) estão na origem das PPPs. Hoje
elas estendem-se, assim como na Europa, às infra-estruturas pesadas
(transportes, água e saneamento); à saúde, educação, prisões, segurança
social, investigação e desenvolvimento científico. Note-se que a tradição
americana é bastante específica, dificultando comparações directas com a
Europa. Os sistemas de saúde, de educação, de segurança social nunca se
organizaram na linha estatista europeia, pelo que não se deve equipará-los
com as actuais experiências europeias nestas áreas. Num panorama mundial,
a PricewaterhouseCoopers (2005) considera as PPPs pouco desenvolvidas
nos EUA. A Austrália é considerada um dos países onde estão mais
desenvolvidas. A figura seguinte mostra o desenvolvimento das PPPs fora da
Europa.
Quadro I.6 PPPs fora da Europa por país, sector e situação, 2005
Fonte: PricewaterhouseCoopers (2005)
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
53
No contexto europeu, as PPPs, como já referimos, começaram por ser
essencialmente concessões de obras públicas, nomeadamente rodoviárias. A
experiência rodoviária facilitou a extensão a outras infra-estruturas de
transportes como a ferrovia, portos, transportes urbanos. A energia, água e
saneamento constituíram a outra grande via de expansão. Estas infra-
estruturas pesadas, digamos de mobilidade e de abastecimento básico,
constituem a esmagadora maioria das PPPs na Europa continental. No Reino
Unido, sem dúvida o “reino” das PPPs, tentou-se ir ainda mais além, nas áreas
da saúde, educação, defesa, segurança pública (prisões). Estes sectores
geraram bastante mais resistência. Na Europa continental, permanecem
incipientes.
O mesmo estudo da Pricewaterhousecoopers fornece um mapa das
PPPs na Europa, que apresentamos no Quadro seguinte.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
54
Quadro I.7 PPPs na Europa por país, sector e situação, 2005
Fonte: PricewaterhouseCoopers (2005)
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
55
O Reino Unido destaca-se, sem surpresas, com PPPs em todas as
áreas; a França tem muitas PPPs nas infra-estruturas pesadas, embora se
trate das velhas concessões, e parece querer experimentá-las em novas
áreas; Espanha, Portugal e Grécia são os outros países com muitas PPPs na
área dos transportes. Na Europa central e nórdica, as PPPs estão numa fase
inicial, de experimentação pontual; a Alemanha parece o país mais disposto a
introduzi-las de forma alargada; a Suécia o mais avesso. Na Europa de leste,
as PPPs são tão ou mais raras que na Europa central e nórdica, apenas têm
expressão na água e saneamento, e parecem estar a emergir nas estradas.
8. 1. Transportes
As concessões de auto-estradas estendem-se hoje por toda a Europa,
tornando-se mesmo hegemónicas em alguns países, como é o caso de
Portugal. A ferrovia ligeira (metros, eléctricos) regista numerosos projectos,
embora a ferrovia pesada permaneça generalizadamente pública – o fracasso
da privatização dos caminhos de ferro britânicos mantém até hoje grande
poder de dissuasão.
Como já referimos, este é, normalmente, o sector que marca o arranque
das PPPs e que concentra os maiores investimentos. Em certa medida, foi
aqui que se desenvolveram as técnicas organizativas e procedimentais que
são hoje o modelo geral de PPP – PPPs como generalização das concessões
de obras públicas a demais serviços públicos. A concessão é a forma por
excelência de PPP nos transportes. Predominam os contratos BOT ou DBFO
e respectivas variantes.
Em Portugal, a rede de auto-estradas arrancou nos anos 80-90 por via
da Brisa, juridicamente uma concessionária, porém uma empresa estatal em
regime de monopólio. A Ponte Vasco da Gama foi o arranque dos grandes
projectos de PPP na rodovia, a que se seguiu o Plano Rodoviário Nacional de
2000. Portugal será hoje um dos poucos países europeus em que a quase
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
56
totalidade das auto-estradas está concessionada a privados. Tornar-se-á caso
mais singular se levar por diante o desígnio recente de concessionar a
totalidade das estradas: em Julho deste ano, o Governo manifestou intenção
de abrir ao capital privado as Estradas de Portugal, transformando-a numa
S.A. que se tornaria concessionária da rede viária ordinária.22 Na ferrovia, as
concessões parecem a forma preferida para novos projectos: comboio da
ponte 25 de Abril, metro do Sul do Tejo, o futuro comboio de alta velocidade.
Segundo Monteiro (2005), a tendência nos projectos recentes é para separar
infra-estrutura de serviço: um concessionário para a infra-estrutura e material
circulante, outro para o transporte de passageiros, com um contrato por um
período de tempo mais reduzido.
8. 2. Água e saneamento
Os serviços de água, esgotos e lixo são a segunda linha das PPPs na
Europa, após os transportes. Contribui para tal a sua escala, média a grande,
e a natureza empresarial. Mesmo públicos, tais serviços pertencem
normalmente não ao sector administrativo, mas ao sector empresarial do
Estado. Já preexiste assim uma lógica empresarial e, sobretudo, a noção
enraizada de que o utente paga pelo serviço, o que facilita a passagem a
parceria público-privada, quando não a privatização por inteiro.
Irlanda, Reino Unido e França são os países com mais PPPs nesta área.
Reino Unido e França contam com grandes empresas mundiais de água e
esgotos, que se têm expandido agressivamente para outros mercados.23 No
Reino Unido, conta-se actualmente 36 projectos, 16 de água e esgotos (a
22 Resolução do Conselho de Ministros 89/2007. 23 E outros sectores de actividade. Recorde-se o célebre caso da francesa Vivendi, antiga Compagnie Générale des Eaux, que se tornou em finais dos anos 90 um dos gigantes do entretenimento mundial, até se afundar sob as dívidas de uma expansão demasiado rápida. A divisão original de água e tratamento de resíduos, hoje Veolia Environment, é a maior empresa mundial do sector. A Suez Environment, que integra a antiga Lyonnaise des Eaux, é outro actor importante no mercado mundial. Em suma, este sector possui actores privados consolidados, unificados, com grandes recursos e presença mundial, o que é raro nos outros sectores de PPP.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
57
maioria na Escócia) e 20 de recolha e tratamento de lixo.24 A Irlanda parece
apostada em refazer a sua rede de tratamento de esgotos através de PPPs:
conta-se neste momento 22 projectos de estações de tratamento de águas
residuais.
Adaptou-se neste sector o modelo de portagem virtual rodoviária. O
privado concebe, constrói e explora uma estação de tratamento de águas,
recebe pagamentos do Estado em função do volume de água tratada. Na
Irlanda, usa-se contratos DBOM para tais operações.
Portugal reorganizou, em finais dos anos 90, os seus sistemas de água,
esgotos e lixo. Empresarializou-se o sector criando empresas multimunicipais,
com possibilidade de participação do capital privado. O papel privado parece
em crescendo, seja por aumento de influência nas sociedades
multimunicipais, seja por crescimento de empresas privadas do sector.
Portugal parece encaminhar-se para uma privatização do sector, que pelo
caminho assume uma forma típica de PPP, a joint venture, mas apenas como
meio transitório, não como lógica a prosseguir – não há notícia de projectos do
tipo irlandês. Talvez por isso, a PriceWaterhouseCoopers (2005) vê em
Portugal muitas PPPs neste sector, onde a Parpública não vê qualquer uma.
8. 3. Saúde
A saúde é uma área particularmente polémica de aplicação das PPPs.
Apenas está consolidada no Reino Unido. Mesmo a Irlanda, que copiou
entusiasticamente o Reino Unido e figura à cabeça das PPPs na Europa, não
o fez nesta área. Portugal deu um passo nesta direcção com o programa de
PPPs para os hospitais, mas este ainda não se concretizou. No resto da
Europa, existem apenas experiências-piloto.
No Reino Unido, apesar do crescimento privado, o princípio da
gratuitidade para o utente mantém-se, pelo que a remuneração privada
24 Para uma lista completa das PPPs no Reino Unido, cf. http://www.hm-treasury.gov.uk/media/3/6/pfi_signeddeals_110707.xls (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
58
provém integralmente do Estado. Além disso, as PPPs incidem
exclusivamente sobre a infra-estrutura, os serviços clínicos propriamente ditos
permanecem sob a alçada do sistema público de saúde, o NHS. Ao parceiro
privado compete fornecer (construir, renovar, gerir) instalações que garantam
determinados níveis de serviço: por exemplo número de camas, número de
atendimentos a pacientes. Há 185 instalações de saúde sob esquemas de PFI
(HM Treasury, 2006).
Portugal anunciou em 2002 um programa para a construção e
exploração de 10 hospitais em regime PPP25. A inspiração foi o modelo
britânico, mas acrescentou-se uma originalidade importante, de que não há
registo alhures: as PPPs abrangem, não só a infra-estrutura, mas os próprios
serviços clínicos. À imagem da separação infra-estrutura/serviço no sector dos
transportes, prevê-se um concessionário de infra-estrutura hospitalar (por 30
anos) e outro de serviços médicos, com um contrato de duração menor (10
anos) sujeito a revisões anuais. Este programa, como acima já se explicou,
continua em fase reavaliação.
8. 4. Educação
A educação constitui outro sector de carácter social onde as PPPs têm
sido polémicas, embora menos que na saúde. Os programas envolvem a
renovação (ou mais raramente a construção), manutenção e gestão de
escolas, incluindo, por vezes, serviços acessórios (limpeza, refeitórios). A
educação em si permanece pública, fora do âmbito da PPP. Apenas o Reino
Unido e a Irlanda têm um número significativo de projectos nesta área. Há
experiências piloto na Alemanha, que no início foram pouco satisfatórias.
O valor deste tipo de projectos, baixo em relação às grandes infra-
estruturas, tornou patente um problema de custos de organização. A
organização de uma PPP tornava-se cara para o valor do empreendimento em
25 Dois hospitais novos (Loures e Sintra) e oito hospitais que substituirão outros existentes (Cascais, Vila Franca de Xira, Braga, Évora, Gaia, Póvoa/Vila do Conde, Algarve e Guarda).
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
59
questão. Tem-se procurado, como solução, um aumento de escala dos
projectos, por exemplo a totalidade de escolas de uma região.
8. 5. Justiça
Neste sector, as PPPs incidem, essencialmente, nas prisões e tribunais.
Também neste sector, o Reino Unido e a Irlanda desenvolveram bastantes
projectos. A França parece apostada nesta área, com dez projectos prisionais
em andamento, a inaugurar entre 2008 e 2010, e está a preparar dois
projectos-piloto de tribunais. Há projectos-piloto de prisões na Alemanha. Os
projectos consistem na renovação ou construção, manutenção e gestão de
infra-estruturas, incluindo uma gama variável de serviços acessórios
(tendencialmente maior nas prisões), por períodos entre 20 e 30 anos.26
9. O debate público: breve abordagem
9. 1. O debate político
Actores e discursos
O termo PPP não é neutro. Como vimos, integra-se numa semântica
liberal, sucedendo de certa forma à privatização. Apesar da ideia de que o
conservadorismo e o liberalismo estão mais à vontade com o termo que a
social-democracia, foi um governo considerado de centro-esquerda, o New
Labour de Tony Blair, quem deu um impulso decisivo nos tempos recentes às
PPPs. Ainda assim, a clivagem esquerda-direita mantém-se representativa.
Um olhar aos actores em torno das PPPs parece confirmá-lo.
As grandes empresas mundiais de consultoria (PricewaterhouseCoopers,
Ernst & Young, KPMG, Deloitte & Touche) são a principal força por trás das
PPPs, secundada por bancos e empresas de construção. Do outro lado, os
sindicatos são uma força regular de oposição.
26 Há variações terminológicas cujo significado é difícil de avaliar: no Reino Unido usa-se contratos DCMF nas prisões, enquanto na Irlanda se usa contratos DBFOM ou DBFM.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
60
As grandes consultoras dispõem dos melhores quadros, de
conhecimento e experiência acumulada, a ponto de ser praticamente
impossível organizar uma PPP sem elas. Os seus relatórios sobre PPPs
contam-se entre os mais informativos, sobretudo no que respeita a
comparações internacionais. A complexidade das PPPs garante-lhes um
volume de trabalho considerável de assessoria, tanto a empresas como ao
Estado, papel duplo que levanta entre os críticos suspeitas de conflito de
interesses (UNISON, 2003a).
Os bancos, nomeadamente os bancos de investimento, são
considerados o coração das PPPs. Embora não tenham, em geral, o
conhecimento operacional das consultoras, têm os fundos necessários para o
financiamento dos projectos. Em Portugal, financiam 85 a 90% de um
projecto27. Também desempenham um papel importante na assessoria,
especificamente na área financeira, embora não tão importante quanto o das
consultoras.
As empresas de construção, prosseguindo a analogia, são as mãos das
PPPs. Com o crescimento das PPPs, reformulam-se em empresas de gestão
de infra-estruturas, isto é, empresas que garantem não só a construção como
todas as actividades acessórias necessárias ao funcionamento de um edifício
(manutenção, limpeza, segurança, etc.). No Reino Unido, várias empresas de
construção – Amey, Balfour Beatty, Jarvis, John Laing – definem-se
crescentemente como empresas de serviços de infra-estrutura orientadas para
projectos de grande dimensão e longo prazo com receitas seguras. O negócio
da construção é cíclico e tem margens de lucro de 3-4%. Com as PPPs, as
receitas ficam garantidas por décadas e as margens de lucro podem ser
superiores (6%, 9%, há casos referenciados de 15% e mais). As PPPs
funcionam, assim, como protecção contra os ciclos do mercado.
27 O BCP (6 mil milhões de euros investidos) e o BPI (1 100 milhões) dominam este sector de mercado, onde também se encontra o Banco Finantia e o BNP Paribas. Ver suplemento sobre PPPs do Diário Económico, 21 de Junho de 2006, in http://www.diarioeconomico.sapo.pt/ed itions_impressa/imagens/2006/PDF/ppp2.pdf (Julho de 2007).
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
61
No plano dos discursos a favor das PPPs, identifica-se argumentos
próximos daqueles que Paul Linder (1999) tipificou no contexto americano e
associou aos discursos neoliberal e neoconservador. Segundo Linder, num
discurso neoliberal, as PPPs são apresentadas como:
a) reforma de gestão – a gestão pública deve utilizar os métodos de gestão
privada, pois só a dura disciplina do mercado garante a eficiência;
b) conversão de problemas – o Estado, em vez de resolver os problemas por
si mesmo, deve comercializá-los, isto é colocá-los de maneira a atrair
actores privados capazes de resolvê-los melhor;
c) regeneração moral – forma de inculcar na gestão pública uma mentalidade
empresarial, imune a considerações eleitorais, morais, éticas, etc., e até de
democratizá-la, pelo poder dos accionistas (stakeholders).
Num discurso neoconservador, surgem tendencialmente como:
d) transferência de risco – forma de evitar défices e garantir disciplina
financeira, este argumento normalmente provém dos governos, é como
que uma versão estatal do argumento b.;
e) reestruturação do serviço público – forma de simplificar os procedimentos
administrativos e de transformar o funcionalismo público em força de
trabalho privada, mais dócil, menos sindicalizada;
f) partilha de poder – distribuição horizontal do poder de regulação que criaria
um novo ethos de confiança e colaboração, ultrapassaria a conflitualidade
endémica público-privado, seria no fundo uma nova síntese virtuosa entre
ambos.
Do lado da crítica às PPPs destacam-se os sindicatos. Contudo, a sua
oposição não é unânime – por exemplo, na Irlanda as PPPs avançaram com o
acordo dos sindicatos através de grandes acordos de concertação social (Kay
e Reeves, 2004) – mas produz algumas das críticas mais contundentes. No
Reino Unido, a UNISON, sindicato do sector público, produziu vários relatórios
sobre a PFI28, apresentando críticas muito diversas, como lucros exagerados
28 Cf. www.unison.org.uk/pfi (Setembro de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
62
e ilegítimos, subordinação ao poder das grandes consultoras,
desconsideração pelos trabalhadores e value for money duvidoso.
Redução da margem de manobra pública
Uma crítica frequente às PPPs é que diminuem a margem de manobra
pública e o espaço de decisão política do Estado. Quando o Estado adjudica
uma PPP, fica comprometido por décadas com um agente privado. Se mais
tarde o serviço perder utilidade, não pode ser reformulado facilmente. O
parceiro privado, que tem um interesse a defender, procurará obter
indemnizações, com renegociações que serão dispendiosas. O problema
agrava-se se a remuneração privada vier do Estado, em vez dos utentes.
Nesse caso, a própria despesa pública fica cativa das PPPs a longo prazo. O
Estado perde, assim, margem de manobra para determinar o investimento
público futuro, em troca de investimentos que não poderia realizar no imediato.
Considera-se ainda, que as PPPs tendem a alterar os equilíbrios e
inércias institucionais entre Estado e sector privado. Onde haja mais PPPs,
mais e melhores quadros estarão no sector privado. Um Estado desprovido de
conhecimentos sobre concepção, construção, manutenção de infra-estruturas,
terá dificuldade em defender o interesse público quando tenha de decidir a
esse respeito. Um tal Estado, desfazendo-se dos quadros e conhecimentos
necessários, não saberá a prazo o que fazer com os bens que receberá no
final de uma concessão. Tenderá, portanto, por inércia institucional, a renovar
repetidamente as concessões e a desligar-se definitivamente do fornecimento
de serviços antes considerados públicos. Por isso, para muitos autores, as
PPPs, generalizando-se, desencadeariam um processo cuja conclusão lógica
é a privatização.
O caso britânico fornece exemplos neste sentido. Corry (2004: 28-30)
afirma que, frequentemente, o sector privado tem consigo os melhores
advogados e consultores especializados em PPP, enquanto o Estado
apresenta quadros amadores, sem experiência. Não surpreende, por isso, que
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
63
daí possam resultar maus negócios para o erário público. Esse será o caso,
por exemplo, de alguns projectos PFI na educação.
Em Portugal, a expansão súbita das concessões rodoviárias a partir de
2000 e a transferência simultânea de quadros técnicos do sector público para
o privado também poderá enfraquecer duradouramente a capacidade de
defender o interesse público neste sector (USDoT, 2002: 74; Monteiro, 2005).
9. 2. O debate económico
O debate económico orbita quase exclusivamente em torno da
poupança, do ubíquo problema do value for money. Serão as PPPs realmente
capazes de garantir serviços públicos por menos dinheiro sem perda de
qualidade, ou pelo mesmo dinheiro aumentar a qualidade dos serviços (melhor
equilíbrio possível no binómio “preço–qualidade”)? Para tal, têm, desde logo,
de superar os custos adicionais que envolvem a priori. Por exemplo o parceiro
privado paga sempre juros mais elevados para obter financiamento que o
Estado.
Custo da dívida privada
O Estado recebe crédito com juros em média 1 a 3 pontos menores que
qualquer privado, pois os juros dependem, sobretudo, da fiabilidade do
devedor, e o Estado é, sem dúvida, um devedor fiável do ponto de vista
banqueiro. Além disso, o Estado tem outras hipóteses de financiamento para
além da banca. O privado tem, portanto, de ser bastante mais eficaz nas
outras etapas de uma PPP para compensar tal desvantagem a priori.
Alguns autores invertem este problema através de uma
reconceptualização do risco. Klein (1997), quadro que passou pelo Banco
Mundial e pela Shell, afirma que a ideia de os juros mais baixos ao Estado é
enganadora, pois que não passa de uma transferência de risco para os
contribuintes. O financiamento privado incorpora explicitamente o risco,
enquanto o financiamento público escamoteia-o (na taxa de juro) mas não o
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
64
faz desaparecer (no risco de aumento de impostos). Para Klein, se o risco de
impostos mais altos para os contribuintes fosse incorporado nas análises
custo-benefício, o crédito do Estado seria tão caro quanto o crédito privado.
No entanto, a maioria dos autores aceita o problema. Trata-se, então, de
compreender como, apesar dele, pode o sector privado ser mais eficiente que
o público para obter poupança e se tal é imanente (o privado é sempre mais
eficiente que o público) ou circunstancial (não o é necessariamente).
Hall (1998)29 examina três vias da sua superação: inovação e eficácia,
pressão da concorrência, e capacidade de gestão do risco30. Conclui que a
eficiência superior do sector privado no fornecimento de serviços públicos não
é automática, depende das condições institucionais que o Estado crie,
nomeadamente no estímulo à concorrência.
Acresce que o custo da dívida privada não é estático. O tempo, a rotina,
a experiência e expectativas acumuladas tendem a baixá-lo. E, no âmbito de
um projecto, pode-se renegociar a dívida. Estas renegociações de dívida
geraram polémicas no passado. Em projectos de infra-estrutura, a fase de
construção é sempre a mais arriscada; uma vez concluída, os riscos são muito
reduzidos. Portanto, os credores cobram juros relativamente altos no início,
mas se a construção decorrer sem problemas de maior estão dispostos a
baixá-los. No início da PFI, várias empresas renegociaram as suas dívidas ao
ponto de conseguirem aumentos de lucros operacionais de 80%. As críticas
de lucro abusivo à custa do erário público não se fizeram esperar (UNISON,
2001). Actualmente, o Governo britânico exige que os benefícios de
renegociação de dívida sejam divididos, pela metade, entre o privado e o
Estado. Também o Estado português, ao rever em 2006 (DL 141/2006) o
29 Idem.
30 Em relação a cada uma destas vias, afirma que (1) A eficácia superior do privado é uma tese demasiado vaga que carece de prova empírica. (2) A concorrência é limitada pela natureza de monopólio natural da maioria dos serviços em questão. Nestes casos, só pode haver concorrência a montante, concorrência pelo mercado que depois se vai explorar em monopólio. Tem de haver, como dizem Grimsey e Lewis, um mercado concorrencial de candidatos a projectos de PPP. (3) A superior gestão de risco privada também não está garantida a priori, depende dos incentivos, nomeadamente do esquema de pagamento e da margem de manobra do privado na etapa de concepção.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
65
regime jurídico das PPPs, aditou o artigo 14.º-C, onde reclama o direito “à
partilha equitativa com o parceiro privado dos benefícios financeiros (…)
nomeadamente nos casos de melhoria das condições de financiamento”.
Poupança ou “value for money”
A poupança é o principal argumento justificativo das PPPs e portanto o
mais escrutinado. Os dados são díspares. Desde logo, falta tempo, pois só no
final dos contratos se poderá retirar conclusões sólidas. Assim, o debate gira
em torno de estimativas e dados parciais. As estimativas têm de partir de um
sem número de pressupostos que as expõem a toda a espécie de críticas. Os
debates em torno do custo público comparado, principal medida de poupança,
reflectem-no. Para vários autores, é virtualmente impossível provar em termos
técnicos ou económicos a superioridade do modelo PPP. Consideram, por
isso, a questão eminentemente política.
Grimsey e Lewis (2004: 135-138) consideram que o value for money
exige a existência de diversos candidatos em efectiva concorrência mútua,
uma alocação rigorosa do risco e idoneidade nas comparações com o sector
público. Tais condições devem ser fortemente perseguidas e mantidas.
A própria medida de poupança é polémica. O Reino Unido, onde o
debate sobre o tema está mais desenvolvido, ilustra-o. O custo público
comparado adquiriu grande importância no debate, uma vez que é a partir
dele que se discute o value for money. Em muitas decisões, no Reino Unido
como alhures, tornou-se praticamente o único critério a ser tido em conta. Ora,
o cálculo, como se disse, é extremamente complexo e opaco. Há mesmo
quem veja neste indicador uma espécie de “bruxaria” pseudo-científica que
distorce a clarividência de análise31. Para alguns, ele enviesa a análise a favor
da PFI através de uma série de pressupostos abusivos, o que leva, por vezes,
31 Jeremy Coleman do National Audit Office britânico, a instituição que produz os indicadores, considera os indicadores de poupança “pseudo-scientific mumbo-jumbo where the financial modelling takes over from thinking. (…) It becomes so complicated that no one, not even the experts, really understands what is going on” (Financial Times, 5 de Junho de 2002).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
66
a “fabricar” a poupança a favor das PPPs. Há, no entanto, quem diga
exactamente o oposto: que os indicadores de poupança estão enviesados a
favor da via pública convencional (Grout, 1997). Bult-Spiering e Dewulf (2006:
178-182) defendem que o Estado deveria ter uma concepção alargada do
binómio custos-benefícios assente não meramente em critérios economicistas,
sugerindo ligar o pagamento do parceiro privado a benefícios tangíveis e a
indicadores de satisfação dos utentes.
O caso do metro de Londres constitui um exemplo eloquente das
polémicas em torno da poupança. O Governo propôs separar a infra-estrutura
do material circulante, atribuindo a manutenção e melhoramento da primeira a
três parceiros privados diferentes, enquanto a gestão do segundo
permaneceria um monopólio público. O esquema foi descrito por vários
analistas como estarrecedoramente complexo. Para acalmar as vozes
discordantes, o Governo encarregou a Ernst and Young de uma avaliação
independente. Esta concluiu o seguinte: “overall the methodology adopted for
assessing the value for money by London Underground has been robust and
appropriate: and London Underground’s recommendation that the PPP
proposals deliver value for money is a subjective one that is supported by its
analysis”.
A metodologia para avaliar o value for money é correcta, e mostra que o
value for money é subjectivo. Se se aceitar os pressupostos e projecções a 30
anos do metro de Londres, a PPP será de facto value for money, se não se
aceitar, não o será. A circularidade do veredicto gerou perplexidade e risos na
câmara dos Comuns (Redwood, 2004).
Se é certo que o Governo britânico se diz satisfeito com a poupança das
PPPs, a verdade é que o Tesouro britânico não fornece nos seus relatórios
dados objectivos, mas apenas avaliações subjectivas dos gestores públicos,
em geral positivas. Estudos do National Audit Office e da London School of
Economics/Arthur Andersen apontaram poupanças até 20%. Há diferenças
conforme o sector, projectos de estradas e prisões revelavam poupanças
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
67
razoáveis, mas na saúde e educação as poupanças eram consideradas
marginais (Grimsey e Lewis, 2004: 145-146).
Em Portugal, a experiência tem sido problemática. O programa das
SCUTs revelou-se especialmente oneroso, ao ponto de se estimar que o
encargo do Estado em 1999 era o dobro do investimento privado. O Tribunal
de Contas fez extensas críticas ao extravasar de custos das PPPs32. Um
indício eloquente do problema é dado pelo próprio DL 141/2006, de revisão do
regime jurídico das PPPs, que afirma no seu preâmbulo: “As entidades com
competência nesta matéria têm, aliás, repetidamente alertado para situações
de acréscimo de onerosidade para o Estado, relativamente às expectativas
iniciais ou mesmo aos termos efectivamente contratados”.
Também Bult-Spiering e Dewulf (2006:178-179) consideram as PPPs
uma desilusão em matéria de poupança, especialmente as concessões.
Apoiando-se em fontes institucionais britânicas (National Audit Office, Institute
for Public Policy Research) e numa extensa revisão de literatura, constatam
que em sectores como as estradas ou prisões há exemplos de poupança
razoável, mas na saúde e educação a poupança parece inexistente.
Rosenau (2000: 221), situando-se no contexto americano, refere que
uma PPP pode representar poupança em confronto directo com a exploração
pública, mas que essa poupança pode fazer-se de salários baixos,
precariedade, ausência de seguros de saúde etc., fazendo com que mais
indivíduos no futuro recorram ao Estado-Providência. Os custos sociais futuros
podem ultrapassar as poupanças pontuais. No Reino Unido, o governo
procurou enfrentar esta possibilidade com medidas de protecção laboral: não
pode haver degradação das condições laborais na passagem de exploração
pública para PPP.
32 Sobre estes dois aspectos, cf. Capítulo II.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
68
9. 3. O debate em torno das questões organizacionais
Conflitos de interesse
Como se disse atrás, as PPPs são vistas por alguns como a superação
da conflitualidade público-privado inerente à organização tradicional dos
serviços públicos, ou, pelo menos, a canalização mais satisfatória dessa
conflitualidade. Subjaz ao debate a ideia de que as transacções são
inerentemente antagónicas, e o contrato a sua forma de regulação, enquanto
as relações, pelo consenso, confiança, objectivos mútuos, dispensariam todo
esse aparato de regulação. Há, no entanto, vários sinais em sentido contrário.
Reijniers (1994) parte da desilusão quanto a algumas PPPs na Holanda
para considerar que os conflitos público-privado subjazem também às PPPs.
O sector público orienta-se por legislação, regulação e autoridades; opinião
política e influência política; processos de decisão democráticos; minimização
de riscos; realização de objectivos sociais. O sector privado orienta-se para o
retorno sobre o investimento; assunção de riscos; antecipação aos
desenvolvimentos do mercado e à concorrência; realização de objectivos
empresariais. O conflito destes interesses repercute-se problematicamente
nos princípios e métodos de trabalho – gestão, percepção do risco, processo
de decisão, calendarização. Reijniers conclui, por isso, que a fase de
planeamento da PPP decide do seu sucesso, considerando fundamental o
diálogo, tão cedo quanto possível, entre Estado e privados, e a separação
clara de papéis e responsabilidades.
Parker e Hartley (2003) abordam a problemática consenso-conflito a
partir da teoria económica dos custos de transacção33, que aplicam ao caso
das PPPs na indústria de defesa inglesa. Concluem que as PPPs envolvem
33 A teoria dos custos de transacção, formulada por Ronald Coase e popularizada por Oliver Williamson, parte dos custos da troca económica em si mesma para compreender a natureza da empresa. No interior de uma empresa, os produtos do trabalho circulam sem troca económica, por exemplo numa linha de montagem passa-se directamente o material para a secção seguinte, em vez de o vender. Se a troca não envolvesse custos, as empresas não eram necessárias, bastariam indivíduos trocando entre si os produtos do seu trabalho. Por outro lado, quanto maior é uma empresa, maior é o custo de organização. As empresas (e por arrasto o mercado, a concorrência) situam-se no intervalo, historicamente variável, onde os custos de transacção que suprimem compensam os custos de organização que acarretam.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
69
custos de transacção significativos (assimetria de informação, especificidade
dos bens, comportamentos oportunistas) dificilmente elimináveis pela
confiança mútua, que devem ser cuidadosamente pesados em relação aos
dos métodos tradicionais.
Merece especial referência um outro patamar de conflitos de interesse: o
papel duplo dos assessores. Como vimos atrás, bancos e, sobretudo, grandes
consultoras são actores cruciais na organização de uma PPP. Ora estes
actores prestam os seus serviços, tanto ao sector público, como ao sector
privado. No Reino Unido, a Partnerships UK funciona como assessora do
governo e ela mesma é uma PPP maioritariamente privada, participada por
empresas especializadas na PFI. A colaboração entre público e privado é
desejável, mas pode tornar muito ténue a fronteira com o clientelismo.
Complexidade e custos de organização
As PPPs significam, em geral, esquemas bastante complexos, por isso
morosos e custosos, sobretudo quando falta experiência. Este problema de
organização é também um problema económico (problema de custos de
organização) que se junta ao custo de financiamento privado como mais um
elemento que a priori prejudica a poupança das PPPs.
Os custos de organização de uma PPP tendem a ser constantes,
independentemente do projecto. O problema dos custos de organização varia,
portanto, na razão inversa da escala da PPP. Ele é menos sério nos grandes
projectos de infra-estrutura onde os montantes envolvidos são altíssimos, por
exemplo transportes, mas particularmente sério nos projectos mais leves de
infra-estrutura social, por exemplo escolas.
No Reino Unido, onde se esperaria pela rotina alguma celeridade, os
custos de candidatura a projectos PFI são, por vezes, tão altos que mesmo
grandes empresas abandonam o programa.
Para Knight e Fox (2004), os elevados custos de organização devem-se
aos conflitos de interesse entre quatro grandes actores: adjudicante,
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
70
candidato, financiador e assessores; considerando que, por vezes, estes
últimos têm mesmo interesse numa negociação complexa para justificar altas
comissões. Portanto, onde o sector de consultadoria desempenhe um fulcral
papel, pode-se esperar negociações complexas. Também os financiadores
podem usar manobras para atrasar as negociações de fecho financeiro até
haver uma subida das taxas de juro. Os adjudicantes, para se defenderem,
exigem projectos e contratos minuciosos. No Reino Unido, o resultado é que
os documentos de preparação de uma PFI chegam a encher uma carrinha, e o
contrato é tão espesso como uma lista telefónica.
A problematização em torno de confiança, colaboração, objectivos
mútuos, etc. surge não tanto como expressão de uma realidade, mas de uma
ausência que preocupa os analistas. Demasiadas vezes, as PPPs
protagonizam situações conflituosas e degeneram numa babel contratual tão
ou mais assustadora que a do “burocrático” e “pesado” Estado centralizador.
Considera-se, por isso, fundamental encontrar um quadro cultural que supere
este problema.
Escala e concorrência
Os altos custos de organização de uma PPP levam a que esta só
compense a partir de determinada escala – 20 milhões de libras, segundo o
governo britânico (HM Treasury, 2006). Por outro lado, a escala afecta a
concorrência – quanto maior a escala de um projecto, menor o número de
privados capazes de organizá-lo, menor a concorrência. Hall (1998) afirma ser
necessário um equilíbrio virtuoso para que a concorrência seja eficaz: os
projectos não podem ser demasiado complexos, para evitar que apenas um
número muito limitado de privados possam considerá-los, mas também não
podem ser demasiado simples, pois com demasiados candidatos a
probabilidade de ganhar torna-se demasiado baixa, e os candidatos
empenham-se menos nas suas propostas. Em suma, a concorrência depende,
em boa medida, da forma como o Estado organiza as PPPs.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
71
Há, hoje, uma tendência para o aumento de escala dos projectos na área
social. Bult-Spiering e Dewulf (2006: 182-197) referem-na como uma
passagem de PPPs baseadas em projectos para PPPs baseadas em
portfolios e políticas, de PPPs monofuncionais para PPPs integradas. No
Reino Unido, na Escócia, na Alemanha, os projectos na educação passaram a
abranger várias escolas, por exemplo a construção/renovação/manutenção de
todas as escolas de uma região. Há, assim, também uma alteração de escala
funcional (do projecto para a política): procura-se crescentemente incorporar
na PPP um estrato de coordenação estratégica. Nos programas britânicos
mais recentes para a saúde (iniciativa LIFT) e educação (Building Schools for
the Future), é uma joint venture entre privados (maioritários), autoridades
centrais e autoridades locais que assume a coordenação estratégica do
programa e os processos de adjudicação.
O debate sobre o bundling é uma expressão mais específica, na esfera
funcional, dos problemas de escala, da dialéctica escala vs. concorrência. O
bundling é a concentração no parceiro privado do grosso das etapas de
produção de um serviço, normalmente desde a concepção até à exploração.
Isso pode restringir a tarefa a um número muito limitado de privados com
grandes recursos, aniquilando a concorrência e os seus benefícios.
A esta luz, a contratação pública tradicional, com a separação de etapas,
surge até como mais concorrencial. Poderia ganhar-se em separar algumas
etapas e distribuí-las por diversos parceiros, conforme as vantagens
comparativas de cada um? Compensaria considerando os custos adicionais
de organização? Há quem responda afirmativamente. Trujillo et al. (1998)
argumentam que o unbundling pode compensar em projectos de alto
investimento e alto risco, por exemplo, concessões rodoviárias de tipo BOT
em economias emergentes. Os candidatos a PPPs na verdade não são
normalmente empresas, mas consórcios de empresas que pré-acordaram
subcontratar-se mutuamente, o que prejudica a concorrência.
Controlo e fiscalização
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
72
Com as PPPs, o Estado transfigura-se de provedor directo de bens e
serviços (à luz da contratação pública tradicional) em regulador dos serviços
de utilidade pública, o que impõe atenções acrescidas em sede de fiscalização
e controlo da execução das PPPs, por parte do parceiro público, potenciando,
assim, as vantagens que são genericamente atribuídas às parcerias com
privados, como, por exemplo, a maior eficiência destes fruto da actuação do
mercado concorrencial.
Assiste-se, assim, a um movimento oposto naquelas duas esferas do
Estado. Enquanto se regista a um emagrecimento da máquina associada ao
“Estado-produtor”, ocorre, concomitantemente, a um fortalecimento do
“Estado-regulador”. Esta questão assume particular relevância quando
analisada conjuntamente com uma outra crítica frequente às PPP: a da
transferência dos quadros técnicos qualificados do sector público para o sector
privado e consequente desguarnecimento do Estado de conhecimentos
especializados.
Aquela crítica só poderá ser superada através de uma adequada
fiscalização por parte do Estado do desempenho do parceiro privado,
necessitando, para o efeito, de conhecimentos técnicos adequados. Esta
questão tem sido levantada em Portugal pelo Tribunal de Contas, segundo o
qual o controlo e monitorização, que devem ser assumidos pelo Estado,
dificilmente serão cabalmente exercidos, fruto das fragilidades nas
competências das entidades públicas (2007: 17-18).
Hodge e Greve (2007) afirmam existir ainda pouca reflexão e discussão,
nas recentes PPP, sobre o risco existente para o Estado de se tornar, ao
longo dos anos, progressivamente mais dependente do parceiro privado, uma
vez diminuído de quadros técnicos. No entanto, defendem existir também uma
maior atenção aos mecanismos de prestação de contas e governance.
Kay e Reeves (2004), centrando-se no caso da Irlanda, realçam, a par da
prestação de contas, a necessidade de desenvolver um sentido de
acompanhamento (stewardship), conceitos intimamente relacionados, cujo
traço distintivo se centra no envolvimento permanente (ao longo de todo o
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
73
contrato) existente naquele segundo conceito, em oposição à explicação
periódica que o primeiro implica.
9. 4. Sucessos, falhanços, limites
Há, actualmente, relativo consenso político em relação às PPPs no
sector dos transportes. Já nos sectores recentes da saúde, educação,
serviços de carácter social, as PPPs são polémicas.
As PPPs são consideradas satisfatórias em matéria de cumprimento de
prazos e de orçamentos, um dos grandes problemas da contratação pública
tradicional. Dados de 2003 do National Audit Office indicavam que cerca de ¾
dos projectos PFI eram construídos a tempo e dentro do orçamento, enquanto
pouco menos de 1/3 dos projectos públicos convencionais o conseguiam. O
relatório de 2003 do Tesouro britânico sobre a PFI refere que num painel de
61 projectos quase 90% eram construídos a tempo e todos dentro do
orçamento. O problema dos custos de organização também parecia estar a
recuar com novas medidas de simplificação administrativa (Grimsey e Lewis,
2004: 79-81). O diagnóstico é contestado pela UNISON (2005), que considera
enviesados os poucos estudos que fornecem dados objectivos sobre o
assunto.
Ao contrário, as PPPs, enquanto estímulo à inovação, parecem estar a
desiludir. A inovação tecnológica, normalmente a mais frutuosa, exprime-se
em máquinas e técnicas tão acessíveis ao sector privado como ao sector
público. As inovações de concepção e planeamento têm como agentes
quadros técnicos também eles presentes no sector público e privado. Muitas
inovações de engenharia surgiram, aliás, em grandes obras estatais. Os
incentivos que parecem funcionar para o cumprimento de prazos e
orçamentos aparentemente não funcionam para a inovação. Quando os
valores em jogo são altos, os privados são pouco receptivos a experiências
que possam pôr em risco a margem de lucro, preferindo métodos testados. A
inovação também é um risco, sobretudo se for significativa, a segurança pesa
mais que a pressão da concorrência. As inovações podem surgir nos detalhes,
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
74
e, muitas vezes, com um interesse duvidoso, a não ser de um ponto de vista
estritamente economicista. Por exemplo, num hospital de Inglaterra construiu-
se os parapeitos das janelas com 45º de inclinação, para que não se
pousasse nada neles (Grimsey e Lewis, 2004: 136). Estes truques podem
diminuir custos de limpeza, mas também o conforto dos utentes. Podem ser
poupança, que aparecerá nos indicadores, mas podem não significar melhores
serviços públicos.
São interessantes, de resto, as diferenças de percepção da inovação,
verificadas num inquérito de Bult-Spiering e Dewulf em Espanha: os quadros
públicos podem ver inovação onde os quadros privados só vêem semelhança
de propostas.
A extensão das PPPs à saúde, educação e outras áreas do que
chamaríamos o sector social, deslocou o debate para estes sectores. Do
ponto de vista da poupança, os resultados têm sido considerados fracos. Às
críticas económicas juntam-se críticas de carácter ético, político, como não
sucedia nas grandes infra-estruturas.
A aplicação da PFI ao sistema de saúde inglês (NHS) tem suscitado
numerosas críticas. Mayston (1999) vê-lhe uma origem problemática: o NHS
foi empurrado para a PFI por cortes orçamentais, que levaram a aplicá-la
mesmo perante maus indicadores de poupança, num sector onde a
inexperiência privada dificilmente superaria a experiência acumulada do NHS.
Estas circunstâncias terão contribuído para um enviesamento de prioridades a
favor de novas construções, onde seria mais recomendável a renovação das
existentes. O problema dos custos de organização, e também de
monitorização, revelou-se particularmente agudo. Acresce que muitos
contratos têm cláusulas confidenciais, o que dificulta a sua avaliação. Acima
de tudo, chama-se a atenção, no caso da saúde, para o problema da redução
da margem de manobra pública, devido à imprevisibilidade das tendências
epidemiológicas34.
34 Allyson Pollock (2004, 2006) é outra autora que desenvolveu uma vasta crítica da PFI na saúde.
As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise
75
As polémicas em torno das PPPs têm despertado uma reflexão mais
genérica sobre as condições do seu sucesso e seus limites. A
mensurabilidade dos resultados está a emergir como critério decisivo.
Considera-se que onde é difícil definir parâmetros de qualidade de serviço e
traduzi-los em taxas, os métodos tradicionais são preferíveis (Grout, 2003;
Hart, 2003). A educação e a saúde são apontados como sectores fora desse
padrão35. Nestes a PFI pode conduzir ao subinvestimento (Hall, 1998).
A avaliação mais recente do Tesouro britânico reflecte parcialmente
estas considerações: a PPP é preferível onde o investimento é avultado, há
privados com competência na área, o serviço é especificável e quantificável, a
tecnologia estável, o horizonte temporal de longo prazo (HM Treasury, 2006:
32). Caso contrário, o investimento público tradicional é preferível.
Simplesmente, ao contrário de posições como a dos autores acima referidos,
os sectores da saúde e educação cumprem, para o governo britânico estes
critérios.
35 Diz o Tesouro britânico a propósito da saúde: “it is hard to write and enforce contracts – the non-standartized, patient-specific nature of medicine makes it hard to judge or contract for specific outcomes” (HM Treasury, Public Services: Meeting the Productivity Challenge, 2003)
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
76
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
77
Capítulo II - As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
O regime legal das parcerias público-privadas encontra-se regulado em Portugal pelo Decreto-
Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, revisto pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho. Aquele diploma
estabeleceu, pela primeira vez, o quadro legal das PPPs, consagrando normas gerais aplicáveis à
intervenção do Estado na definição, concepção, preparação, concurso, adjudicação, alteração,
fiscalização e acompanhamento global das parcerias público-privadas. O legislador aponta como
razão para a criação desta figura, as transformações recentes ocorridas na sociedade e no Estado.
Estas transformações implicaram a assumpção pelo Estado de novas funções para satisfação de
necessidades sociais e públicas com um consequente elevado aumento da despesa e endividamento
públicos, sem que se tenha verificado o equivalente aumento da qualidade dos serviços públicos
prestados aos cidadãos. Estabelece, assim, dois objectivos essenciais: concretização das políticas
públicas sem aumento da despesa pública, maior eficiência na afectação dos recursos públicos e
melhoria dos serviços. A lei define PPP como um contrato ou a união de contratos, por via dos quais
entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um
parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma actividade tendente à satisfação de uma
necessidade colectiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela
exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado. As parcerias podem desenvolver-se
através de vários instrumentos de regulação jurídica entre entes públicos e privados. A repartição de
encargos e de riscos entre as entidades públicas e privadas é um dos elementos que caracteriza as
PPPs, devendo essa partilha figurar, de forma clara, no contrato elaborado.
Os poderes de fiscalização e controlo da execução das parcerias são exercidos por entidade
ou serviço a indicar pelo Ministro das Finanças para as matérias económicas e financeiras e pelo
ministro da tutela sectorial para as demais. Uma questão delicada é o regime das alterações das
parcerias a introduzir após a selecção do parceiro privado ou na vigência do respectivo contrato, por
acordo dos dois parceiros ou por iniciativa de qualquer deles, que deve respeitar um determinado
formalismo prefixado.
O quadro normativo das PPPs acima descrito tem uma excepção normativa, no âmbito da
saúde, onde existe um regime específico decorrente do Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto.
Entre nós, o regime legal das PPPs e as suas implicações práticas têm sido objecto de várias
apreciações críticas, sendo de realçar, pela profundidade da análise e extensão das recomendações
efectuadas, os relatórios do Tribunal de Contas. De entre os aspectos que salientam, destacam-se os
seguintes: necessidade de melhor preparação dos projectos de PPP, enfatizando a necessidade de
definição prévia dos objectivos, da justificação da prioridade do projecto, da viabilidade orçamental
numa perspectiva de longo prazo e da avaliação de todos os custos indirectos; exacta definição
contratual quanto à partilha de riscos; excessiva dependência de consultores externos; e ausência de
adequadas e sustentadas linhas de orientação.
O Tribunal de Contas considera, assim, imprescindível implementar um sistema metódico,
regular e público que identifique, estude, recolha e divulgue a experiência adquirida ao longo dos
vários processos de parceria público-privadas.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
78
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
79
Introdução
O regime legal das parcerias público-privadas (PPPs) encontra-se
regulado em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, revisto pelo
Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho. Aquele diploma estabeleceu pela
primeira vez o quadro legal das parcerias público-privadas, consagrando as
normas gerais aplicáveis à intervenção do Estado na definição, concepção,
preparação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e
acompanhamento global das parcerias público-privadas.
Como é referido no preâmbulo daquele último diploma, “a transformação
dos sistemas sociais operada no decurso do século XX, em virtude das quais
o Estado passou a assumir novas funções, inclusivé produtivas, de satisfação
de necessidades sociais e públicas provocou, paralelamente, um elevado
endividamento público” e confrontou o Estado com a necessidade de efectuar
o “estabelecimento de relacionamentos duradouros com privados em regime
de parceria público privada”. Relacionamentos de longo prazo que envolvem a
repartição de encargos e riscos entre as partes e o estabelecimento de
compromissos mútuos.
Com as parcerias publico privadas pretende-se também “potenciar o
aproveitamento pelo Estado da capacidade de gestão do sector privado,
melhorar a qualidade dos serviços públicos prestados e gerar poupanças
consideráveis na utilização de recursos públicos”, instituindo “princípios gerais
de eficiência e economia, designadamente através de uma mais cuidada
avaliação da possível repartição do risco e da criação de incentivos à definição
de parcerias financeiramente sustentáveis e bem geridas” (cf. preâmbulo do
Decreto-Lei n.º 141/2006).
Três anos após a vigência do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril,
entendeu o legislador que chegara o momento de proceder à sua revisão, de
forma a corrigir “deficiências ou fragilidades do regime originário” e introduzir
“um conjunto de inovações que permitam reforçar a coesão e articulação entre
ministérios co-envolvidos, bem como um aperfeiçoamento de várias das suas
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
80
disposições no sentido do incremento do controlo financeiro no lançamento de
novas parcerias, nas alterações a contratos de parcerias já celebrados ou em
outras situações susceptíveis de gerarem um aumento de encargos para o
parceiro público ou para o Estado”.
São várias as razões enunciadas no preâmbulo do Decreto-Lei n.º
141/2006, de 27 de Julho, que impuseram a revisão do regime estabelecido
em 2003. Desde logo, “situações de acréscimo de onerosidade para o Estado,
relativamente às expectativas iniciais ou mesmo aos termos efectivamente
contratados”, nas quais não se verificava uma efectiva transferência de risco
para os parceiros privados ou nas quais, pelo menos, o parceiro público
assumia compromissos ou assegurava taxas de rendibilidade dos capitais
privados “sem correspondência no perfil de risco efectivo do projecto”. São,
ainda, referidas como razões justificativas da alteração: a “a ausência de
mecanismos de partilha de benefícios financeiros a favor do Estado, a não
consideração no caso base de receitas acessórias provenientes da parceria,
que passam a constituir receitas ocultas do parceiro privado, a excessiva
frequência com que se tem recorrido à consultoria externa - nem sempre com
a necessária transparência ou o desejável valor acrescentado para o Estado -
ou a inadequação ou a baixa pressão concorrencial verificada em
procedimentos concursais recentes”.
A revisão do diploma contemplou, ainda, outras matérias,
designadamente o direito do particular à indemnização em resultado de
alterações unilaterais pelo parceiro público; o modo de funcionamento das
comissões de acompanhamento das parcerias em preparação, pondo-se
termo à emissão de dois pareceres independentes por parte dos
representantes dos Ministros das Finanças e da tutela sectorial; a
obrigatoriedade de se constituírem, via de regra, comissões de negociações
quando estejam em causa alterações a contratos de parcerias público-
privadas já celebrados ou quando haja lugar à reposição do equilíbrio
financeiro dos mesmos; o estabelecimento dos procedimentos a observar
quando existam situações ou se pretendam tomar decisões susceptíveis de
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
81
gerar novos encargos para o parceiro público ou para o Estado (cf. preâmbulo
do Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho).
Com a publicação deste diploma o legislador, mantendo um quadro legal
objectivo e claro no que respeita ao regime legal das parcerias público-
privadas, respondeu, no plano normativo, a algumas criticas efectuadas nos
últimos anos pela entidade controladora das contas públicas que vinha
fazendo sistematicamente alguns reparos aos processos de parcerias
estabelecido pelo Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril36.
1. A razão das parcerias público-privadas
De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, a
razão da existência desta figura decorre das transformações recentes
ocorridas na sociedade e no Estado, que implicaram a assunção por este de
novas funções para satisfação de necessidades sociais e públicas com um
consequente elevado aumento da despesa e endividamento públicos, sem
que se tenha verificado o equivalente aumento da qualidade dos serviços
públicos prestados aos cidadãos. Este quadro de aumento de despesa, sem
uma correspondência de eficiência, levou “à alteração do entendimento
quanto ao papel do Estado na economia e, mais genericamente, quanto à
forma de satisfação das necessidades colectivas” (cf. preâmbulo do Decreto
Lei nº 86/2003 de 26 e Abril).
Considerou o legislador que “uma das formas, internacionalmente
consagrada e testada, de obtenção pelo Estado de tais competências de
gestão, consiste no estabelecimento de relacionamentos duradouros com
privados, em regime de parceria público-privada, no âmbito dos quais lhes são
transferidos os riscos, nomeadamente tecnológicos e operacionais, com os
quais se encontram mais familiarizados e para cujo manuseamento se
36 Cf. Tribunal de Contas. 2007. “Auditoria aos Encargos do Estado com as Parcerias Público Privadas – Concessões Rodoviárias e Ferroviárias” – Relatório nº 04/2007, 2ª secção, Lisboa Janeiro de 2007. p. 22.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
82
encontram mais habilitados”, o que levou o Estado e outros entes públicos a
desenvolverem modelos alternativos e experiências inovadoras de
relacionamento com entidades privadas, nas situações em que a parceria se
revelasse “vantajosa em confronto com o comprador do sector público”.
Trata-se, no entanto, de concretizar o desenvolvimento de projectos
estruturantes com a inerente criação de encargos de médio ou longo prazo
para o parceiro público ou para o Estado, que poderão perdurar por várias
gerações, o que justifica a necessidade de um regime jurídico especialmente
orientado para assegurar o rigor e a exacta ponderação dos custos e
benefícios das opções tomadas, bem como a respectiva articulação com as
normas de enquadramento orçamental.
2. Definição legal de parcerias público-privadas e âmbito de aplicação
Tendo como objectivo genérico a concretização de políticas públicas sem
aumento de despesa pública, que, segundo o legislador, de outra forma
dificilmente seriam concretizadas, o mesmo legislador definiu como finalidades
essenciais das PPPs o acréscimo de eficiência na afectação de recursos
públicos e a melhoria qualitativa e quantitativa do serviço induzida por “formas
de controlo eficazes que permitam a sua avaliação permanente por parte dos
potenciais utentes e do parceiro público”, nos termos do artigo 4.º do Decreto-
Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril.
O artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Lei nº 86/2003, de 26 de Abril, define o que
é uma parceria público-privada como um contrato ou a união de contratos, por
via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se
obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o
desenvolvimento de uma actividade tendente à satisfação de uma
necessidade colectiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo
investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro
privado.
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
83
Consideram-se parceiros públicos, o Estado e entidades públicas
estaduais, os fundos e serviços autónomos e as entidades públicas
empresariais37. O diploma é, ainda, aplicável às parcerias em que o
equivalente ao parceiro não público seja uma empresa pública, uma
cooperativa ou uma instituição privada sem fins lucrativos.
As parcerias podem desenvolver-se através de vários instrumentos de
regulação jurídica entre entes públicos e privados, nomeadamente o contrato
de concessão de obras públicas, o contrato de concessão de serviço público,
o contrato de fornecimento contínuo, o contrato de prestação de serviços, o
contrato de gestão e o contrato de colaboração, quando estiver em causa a
utilização de um estabelecimento ou uma infra-estrutura já existentes,
pertencentes a outras entidades, que não o parceiro público.
Tendo em conta que a ratio das parcerias publico-privadas assenta na
concretização de políticas em que estão em causa valores financeiros muito
elevados, sujeitos a prazos temporalmente distendidos, excluiu-se do âmbito
de aplicação do diploma as empreitadas de obras públicas, os arrendamentos,
os contratos públicos de aprovisionamento e todas as parcerias público-
privadas que envolvam, cumulativamente, um encargo acumulado actualizado
inferior a 10 milhões de euros e um investimento inferior a 25 milhões de
euros, bem como todos os outros contratos de fornecimento de bens ou de
prestação de serviços, com prazo de duração igual ou inferior a três anos, que
não envolvam a assunção automática de obrigações para o parceiro público
no termo ou para além do termo do contrato.
3. Repartição de responsabilidades e partilha do risco
A repartição de encargos e do risco entre as entidades públicas e
privadas é um dos elementos que caracteriza as PPPs, devendo essa partilha
figurar, de forma clara, no contrato elaborado.
37 Redacção do Decreto–Lei nº 141/2006 que inclui como potenciais parceiros as entidades públicas empresariais.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
84
Ao parceiro público cabe o controlo da execução do objecto da parceria,
com o objectivo de “garantir que são alcançados os fins de interesse público
subjacentes”, cabendo ao parceiro privado, preferencialmente, “o
financiamento, bem como o exercício e a gestão da actividade contratada”.
A partilha de riscos e encargos deve respeitar os princípios seguintes:
“a) Os diferentes riscos inerentes à parceria devem ser repartidos entre
as partes de acordo com a sua capacidade de gerir esses mesmos riscos;
b) O estabelecimento da parceria deverá implicar uma significativa e
efectiva transferência de risco para o sector privado;
c) Deverá ser evitada a criação de riscos que não tenham adequada
justificação na redução significativa de outros riscos já existentes;
d) O risco de insustentabilidade financeira da parceria, por causa não
imputável a incumprimento ou modificação unilateral do contrato pelo parceiro
público, ou a situação de força maior, deve ser, tanto quanto possível,
transferido para o parceiro privado”38
4. Pressupostos das parcerias público-privadas
O legislador, no artigo 6º do Decreto-Lei n.º 86/2003 de 26 e Abril, dá
conta dos pressupostos exigíveis, aquando do lançamento e contratação de
parcerias público-privadas, designadamente a definição dada dos objectivos
da parceria e a configuração de um modelo que apresente para o parceiro
público vantagens relativamente a formas alternativas de alcançar os mesmos
fins39.
38 Cf. artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril.
39 Os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 6º são os seguintes: “a) O cumprimento, quando for o caso, das normas relativas à programação financeira plurianual constantes da lei de enquadramento orçamental; b) A clara enunciação dos objectivos da parceria, definindo os resultados pretendidos e permitindo uma adequada atribuição das responsabilidades das partes; c) A configuração de um modelo de parceria que apresente para o parceiro público
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
85
O n.º 3 da mesma norma refere que a verificação da conformidade do
projecto de parceria com aqueles pressupostos deve ser realizada com o
maior grau de concretização possível em função da fase em que o projecto se
encontre, acrescentando os n.º 4 a 6 especificações a respeitar no caso de ser
exigível declaração de impacto ambiental.
5. Processo de avaliação prévia das parcerias público-privadas
O processo de avaliação prévia das parcerias mereceu um especial
destaque na regulamentação efectuada pelo legislador (cf. Capítulo II do
Decreto-Lei 86/2003, de 26 de Abril).
A relevância do papel das parcerias na execução da política
governamental levou, aliás, o legislador, com a revisão de 2006, a aditar uma
norma relativa aos programas sectoriais de parcerias. De acordo com essa
norma, se as prioridades políticas e de investimentos sectoriais forem nesse
sentido, “podem ser desenvolvidos programas sectoriais de parcerias,
envolvendo um conjunto articulado de projectos com recurso à gestão e ao
financiamento privado”, sendo a coordenação e o apoio técnico à preparação
dos projectos inseridos ou a inserir em programas sectoriais atribuídos, pelo
vantagens relativamente a formas alternativas de alcançar os mesmos fins, avaliadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 19.º da lei de enquadramento orçamental, e que, simultaneamente, apresente para os parceiros privados uma expectativa de obtenção de remuneração adequada aos montantes investidos e ao grau de risco em que incorrem; d) A prévia adequação às normas legais e demais instrumentos normativos, bem como a obtenção das autorizações e pareceres administrativos exigidos, tais como, entre outros, os de natureza ambiental e urbanísticos, dos quais dependa o desenvolvimento do projecto, de modo a permitir que todo o risco da execução seja ou possa ser transferido para o parceiro privado; e) A concepção de modelos de parcerias que evitem ou menorizem, sempre que possível e salvo fundamentação adequada, a probabilidade da verificação de modificações unilaterais dos contratos determinadas pelo parceiro público ou quaisquer outros factos ou circunstâncias geradores ou potenciadores da obrigação de reposição do equilíbrio financeiro, designadamente a indefinição das prestações contratuais, a imprevisibilidade da matéria, a extensão ou incerteza quanto à duração do compromisso, bem como a assunção de termos e condições de reposição desse equilíbrio ou outros regimes indemnizatórios que sejam excessiva ou injustificadamente onerosos ou inadequados em face do perfil de risco efectivo da parceria; f) A adopção, na fase prévia à contratação, das diligências e a consagração das exigências que se revelem adequadas à obtenção de um resultado negocial economicamente competitivo; e, g) A identificação expressa da entidade pública que tem a responsabilidade de suportar os encargos decorrentes de pagamentos a realizar ao parceiro privado, quando se preveja que os mesmos venham a ter lugar, bem como a identificação da origem dos respectivos fundos”.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
86
ministro da tutela sectorial, “a unidades ou estruturas técnicas especializadas,
às quais cabe, nomeadamente, apresentar o respectivo estudo estratégico e
minutas dos instrumentos jurídicos necessários ao início do procedimento
prévio à contratação”, estudo esse que deverá salientar “a aptidão do projecto
para atrair o sector privado, tendo em conta os potenciais interessados e as
condições de mercado existentes”.
5. 1. Preparação e estudo
A avaliação das parcerias passa, desde logo, pelo estudo e preparação
da parceria que deverá ter em conta “a conveniência de averiguação prévia do
posicionamento do sector privado relativamente ao tipo de parceria em
estudo”, designadamente “a identificação de potenciais interessados e a
análise das condições de mercado existentes”, assim como, quando for o
caso, “à actualização do estudo estratégico a que se refere o n.º 2 do artigo
7.º-A”.
De acordo com a lei – artigo 8.º, n.º 1 – , os ministros das tutelas
sectoriais que pretendam iniciar processos de parceria público-privada “devem
notificar o Ministro das Finanças, para efeitos de constituição de uma
comissão de acompanhamento da preparação e da avaliação prévia do
projecto, apresentando o respectivo estudo estratégico e as minutas dos
instrumentos jurídicos para a realização do procedimento prévio à
contratação”. A comissão de acompanhamento é nomeada por despacho
conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela sectorial40, e é composta “por
40 Nesse despacho, segundo o n.º 6 da mesma norma, será fixado o prazo em que a comissão de acompanhamento deve apresentar o seu relatório, o qual contém a recomendação de decisão a ser tomada, não podendo exceder 60 dias, salvo em casos devidamente fundamentados.
Na sequência da publicação do Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril, a então Ministra das Finanças, através do Despacho Normativo 35/2003, publicado em 20 de Agosto, incumbiu a Parpública – Participações Públicas, SGPS, SA de apoiar o exercício pelo Ministério das Finanças dos poderes que lhe são atribuídos pelo referido Decreto-Lei quanto à preparação, lançamento e alteração das parcerias, tarefa que passou a constituir uma das prioridades da empresa, face à importância que assume para o Estado e que levou à constituição de uma equipa técnica especializada.
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
87
três ou cinco membros efectivos e dois suplentes”, sendo que o coordenador é
indicado por acordo entre os Ministros das Finanças e da tutela sectorial. Em
casos excepcionais o legislador dispensa a constituição da comissão de
acompanhamento.
São competências principais da comissão “apreciar os pressupostos a
que obedeceu o estudo apresentado e desenvolver e aprofundar a análise
estratégica e financeira subjacente, com vista à sua adequada inserção nos
objectivos do Governo e a maximizar o seu impacte positivo na economia”41.
A comissão de acompanhamento pode solicitar “a qualquer serviço e
organismo do ministério da tutela sectorial ou às entidades a que se refere o
n.º 2 do artigo 2.º, consoante o caso, a informação e o apoio técnico que se
revelem necessários ao desenvolvimento e execução do projecto”. Por outro
lado, a comissão de acompanhamento deve envolver activamente no
desenvolvimento do projecto “as entidades que venham a assumir
responsabilidades no acompanhamento e controlo da execução do contrato de
parceria a celebrar, de forma que estas possam proceder, de forma eficaz, a
um acompanhamento e controlo da execução do referido contrato”.
5. 2. Lançamento da parceria
A comissão de acompanhamento remete aos Ministros das Finanças e
da tutela um relatório fundamentado, no qual deverá constar a análise da
As competências atribuídas neste diploma aos Ministros das Finanças e da tutela sectorial podem ser delegadas ou subdelegadas, de acordo com o disposto no artigo 15.º. 41 As demais competências da comissão são as seguintes: “a) Promover uma eficaz
articulação entre as entidades envolvidas, com vista a imprimir maior celeridade e eficácia à respectiva acção; b) Propor ao Governo as soluções e medidas que considere mais consentâneas com a defesa do interesse público; c) Propor os instrumentos jurídicos adequados ao lançamento e execução do projecto de parceria; d) Apresentar, quando solicitado, o desenvolvimento e aprofundamento do estudo estratégico da parceria e a justificação do modelo a adoptar, demonstrando a inexistência de alternativas equiparáveis dotadas de maior eficiência técnica e operacional ou de maior racionalidade financeira; e) Demonstrar a comportabilidade orçamental da parceria; f) Colaborar com as entidades incumbidas da fiscalização e acompanhamento global das parcerias público-privadas”.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
88
conformidade da versão definitiva do projecto de parceria com os
pressupostos a respeitar, com a partilha de riscos, com a descrição dos
encargos para o parceiro público, assim como o potencial impacto dos riscos
para o parceiro público.
Os Ministros das Finanças e da tutela sectorial decidirão, então, sobre o
lançamento da parceria e respectivas condições, mediante despacho conjunto
a emitir no prazo de 30 dias a contar da apresentação do relatório. Desse
despacho conjunto deverão constar determinados elementos: o programa do
procedimento adjudicatório aplicável; o caderno de encargos; a análise das
opções que determinaram a configuração do projecto; a descrição do projecto
e do seu modo de financiamento; a demonstração do seu interesse público; a
justificação do modelo de parceria escolhida; a demonstração da
comportabilidade dos custos e riscos decorrentes da parceria em função da
programação financeira plurianual do sector público administrativo; e a
declaração de impacto ambiental, quando exigível nos termos da lei aplicável.
O lançamento da parceria será feito com recurso ao procedimento
adjudicatório aplicável, nos termos da legislação relativa à contratação pública.
5. 3. Comissão de avaliação das propostas
A comissão de avaliação das propostas de parceria é designada por
despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela sectorial e
composta por três ou cinco membros efectivos e dois suplentes, podendo ser
alargada, “em casos devidamente fundamentados, até sete ou nove
elementos, sendo observada a paridade entre ministérios na respectiva
nomeação”.
A comissão de avaliação das propostas tem como funções fundamentais
efectuar a avaliação quantitativa dos encargos para o parceiro público ou para
o Estado, a estimativa do impacto potencial dos riscos, directa ou
indirectamente, afectos ao parceiro público, decorrentes do conteúdo e
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
89
natureza de cada uma das propostas, para além da avaliação do respectivo
mérito relativo (cf. artigo 9.º, n.º 2).
Esta comissão elaborará um relatório que servirá de base ao despacho
das entidades adjudicantes ou ao acto do órgão de gestão, no caso de
entidades com personalidade jurídica.
5. 4. Adjudicação
A adjudicação será realizada mediante despacho conjunto dos Ministros
das Finanças e da tutela sectorial ou, quando se trate de entidades com
personalidade jurídica, por acto do respectivo órgão de gestão precedido de
despacho conjunto favorável daqueles ministros42, aos quais compete apreciar
o relatório elaborado pela comissão de avaliação de propostas e verificar a
conformidade com os pressupostos referidos no artigo 6.º, com a partilha de
riscos e com os elementos do despacho conjunto emitido aquando do
lançamento da parceria.
O artigo 11.º, nº 3, prevê a possibilidade de, a todo o tempo, o processo
em curso de selecção do parceiro privado poder dar-se por interrompido ou
anulado mediante despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela
sectorial, não estando previsto direito a indemnização se, de acordo com a
apreciação dos objectivos a prosseguir, os resultados das análises e
avaliações realizadas até então e os resultados das negociações levadas a
cabo com os candidatos não corresponderem, em termos satisfatórios, aos
fins de interesse público subjacentes à constituição da parceria, incluindo a
respectiva comportabilidade de encargos globais estimados.
42 O despacho conjunto será emitido no prazo máximo de 30 dias a contar da recepção do relatório elaborado pela comissão de avaliação de propostas.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
90
6. Fiscalização e acompanhamento das parcerias público-privadas
A fiscalização das parcerias está regulada no Capítulo III do diploma,
bem como o seu acompanhamento. O artigo 12º prevê que os poderes de
fiscalização e controlo da execução das parcerias são exercidos “por entidade
ou serviço a indicar pelo Ministro das Finanças para as matérias económicas e
financeiras e pelo ministro da tutela sectorial para as demais”. O
acompanhamento das parcerias, de forma permanente e global, cabe, assim,
ao Ministro das Finanças e ao da tutela sectorial e tem como objectivo avaliar
os seus custos, podendo aquelas entidades divulgar a informação adquirida
pelas entidades incumbidas do acompanhamento das parcerias, assim como
para uma crescente colaboração entre elas.
O Ministro das Finanças designará a entidade que lhe presta apoio
técnico no acompanhamento global das parcerias e à qual podem ser
atribuídas, designadamente, as funções de emitir pareceres e recolher e
disponibilizar informação relativa aos custos, riscos e impacte financeiro das
parcerias; receber, em nome do Ministro das Finanças, os pedidos de
constituição de comissões; indicar a identificação de membros e prestar apoio
técnico para comissões previstas no decreto-lei; proceder ao
acompanhamento dos processos em curso nos tribunais arbitrais, prestando
apoio técnico ao parceiro público quando tal lhe seja determinado pelo
Ministro das Finanças; e proceder ao arquivo e registos de elementos
relacionados com as parcerias.
Alterações no decurso da parceria
Tendo em conta o carácter duradouro das parcerias, bem como o
significado e a relevância que envolvem os encargos da mesma para os
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
91
parceiros tornou-se necessário regular expressamente o regime das
alterações das parcerias de uma forma cuidadosa43.
As eventuais alterações nas parcerias, a introduzir após a selecção do
parceiro privado ou na vigência do respectivo contrato, por acordo dos dois
parceiros ou por iniciativa de qualquer deles, têm que respeitar o formalismo
descrito no artigo 14.º e seguintes.
Assim, quando um serviço, organismo do Estado ou outro parceiro
público pretender iniciar o estudo e preparação de uma alteração dos termos e
condições de um contrato de parceria já celebrado, deverá notificar, por
escrito, o Ministro das Finanças ou a entidade que este para o efeito designar,
prevendo a lei a constituição, em regra, de uma comissão de negociação.
As competências da comissão de negociação, descritas no artigo 14.º-A,
consistem em representar o parceiro público nas negociações que venham a
ocorrer com o parceiro privado e em elaborar o correspondente relatório, a
apresentar no prazo máximo de 60 dias, submetendo-o à apreciação do órgão
máximo do serviço do Estado que deu origem ao início do processo de
alteração da parceria ou do órgão de gestão do respectivo parceiro público,
quando se trate de entidade com personalidade jurídica. O relatório analisa a
conformidade do projecto de alteração da parceria com os pressupostos de
lançamento e de contratação da parceria e com os riscos; procede à avaliação
quantitativa dos encargos para o parceiro público ou para o Estado, à
estimativa do impacto potencial dos riscos, directa ou indirectamente, afectos
ao parceiro público; e deverá mencionar a descrição do projecto e o seu modo
de financiamento, a demonstração do seu interesse público e da
comportabilidade dos custos e riscos decorrentes da parceria em função da
programação financeira plurianual do sector público administrativo44.
43 Tratou-se de uma das alterações significativas decorrentes do Decreto Lei n.º 141/2006 que aditou alguns artigos ao Decreto lei n.º 86/2003 sobre a matéria.
44 O processo de alteração da parceria é explicitado no artigo 14.º-B. Os passos desse processo são os seguintes: quando o órgão máximo do serviço do Estado ou, se for o caso, o órgão de gestão, entender que o processo de alteração da parceria se encontra em condições
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
92
A decisão sobre a alteração da parceria deverá ser precedida de um
despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela sectorial.
No caso de surgirem situações susceptíveis de fundamentarem outra
alteração à mesma parceria ou situações que fundamentem a reposição do
equilíbrio financeiro do respectivo contrato, compete à comissão de
negociação que se encontre em funções conduzir o respectivo processo.
O Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho, no artigo 14.º-C explicita o
conceito de equilíbrio financeiro e regula ainda as novas actividades no âmbito
das alterações introduzidas à parceria45.
A aferição do equilíbrio financeiro da parceria deverá ter em conta o
modelo financeiro que constitui o respectivo caso-base, que deve ser anexo
ao contrato de parceria e incluir todas as receitas do parceiro privado que
sejam obtidas em resultado do desenvolvimento da parceria, incluindo as
recebidas de terceiros ao abrigo de contratos de subconcessão ou cedência
onerosa de espaços ou equipamentos para fins comerciais.
Nos termos do n.º 5, a reposição do equilíbrio financeiro ou a partilha a
favor do parceiro público de benefícios financeiros são efectuadas nas
modalidades seguintes: alteração do prazo da parceria; aumento ou redução
de obrigações de natureza pecuniária; atribuição de compensação directa; e
de ser concluído, deve remeter aos Ministros das Finanças e da tutela sectorial o relatório a que acima nos referimos, acompanhado da minuta das alterações contratuais e de todos os elementos considerados relevantes. 45 O artigo 14º -C, no seu número no n.º 1, estabelece que poderá haver lugar à “reposição do equilíbrio financeiro do respectivo contrato quando ocorra uma alteração significativa das condições financeiras de desenvolvimento da parceria”, designadamente nos casos de modificação unilateral, imposta pelo parceiro público, do conteúdo das obrigações contratuais do parceiro privado ou das condições essenciais de desenvolvimento da parceria. O n.º 2 da mesma norma acrescenta que o parceiro público “tem direito à partilha equitativa com o parceiro privado dos benefícios financeiros que decorram para este do desenvolvimento da parceria, nomeadamente nos casos de melhoria das condições de financiamento da parceria por via da renegociação ou substituição dos contratos de financiamento”.
No n.º 3 é referido que deverão constar expressamente das peças do procedimento adjudicatório aplicável ou do título contratual “os pressupostos em que há lugar à reposição do equilíbrio financeiro ou à partilha a favor do parceiro público de benefícios financeiros do desenvolvimento da parceria”.
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
93
combinação das modalidades anteriores ou qualquer outra forma que venha a
ser acordada entre as partes.
No caso de se proceder à reposição do equilíbrio financeiro do contrato
ou à partilha de benefícios entre o parceiro público e o parceiro privado, o n.º 6
recomenda que se observe, com as necessárias adaptações, o procedimento
de alteração da parceria, atrás descrito.
O n.º 7 determina que, no caso de o parceiro privado pretender exercer
actividades não previstas expressamente no contrato de parceria, a
autorização das entidades que aprovaram a celebração do contrato de
parceria “não pode, em caso algum, ser emitida quando as propostas não
contenham a respectiva projecção económico-financeira e uma partilha da
correspondente receita”.
O acréscimo de encargos decorrentes de alterações às parcerias é
regulado no artigo 14.º-D. O legislador determina que, sem prejuízo da
observância do regime jurídico relativo à realização de despesas públicas,
“carece de despacho prévio de concordância dos Ministros das Finanças e da
tutela sectorial, a emitir no prazo de 30 dias, findo o qual se presume
tacitamente emitido, a realização, redução ou alteração de obras não previstas
ou programadas em contrato de parceria já celebrado ou qualquer outra
decisão susceptível de, no âmbito da execução do respectivo contrato e das
condições aí fixadas, gerar um acréscimo dos encargos previstos para o
parceiro público ou para o Estado, excepto se o respectivo valor não exceder,
em termos acumulados anuais, (euro) 1 000 000”.
O pedido apresentado pelo serviço ou entidade que representa o
parceiro público na execução do contrato em causa deverá, nos termos do n.º
2 do artigo 14.º-D, ser acompanhado da respectiva fundamentação, do
orçamento apresentado pelo parceiro privado e das condições de execução e
de pagamento.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
94
Se o orçamento apresentado, bem como as eventuais alterações que ao
mesmo ocorram em função de um processo negocial, não for aceite pelos
ministros acima referidos, o parceiro público, obtido despacho de
concordância daqueles ministros a emitir no prazo de 30 dias, findos os quais
se presume tacitamente emitido, pode, unilateralmente e nos termos fixados
no contrato ou na lei, tomar a decisão que acautele em melhores condições o
interesse público (n.º 3 da mesma norma).
O n.º 4 acrescenta que quando o serviço ou a entidade que representa o
parceiro público na execução dos contratos de parcerias tomarem
conhecimento de “situações susceptíveis de gerarem encargos adicionais para
o parceiro público ou para o Estado”, deverão, de imediato, comunicar tais
factos aos Ministros das Finanças e da tutela sectorial, sempre que possível
com indicação dos valores estimados envolvidos.
7. A contratação de consultores
A natureza duradoura da parceria, os montantes financeiros envolvidos e
o cuidado de regulamentação de todos os procedimentos que levam à
parceria impuseram que se regulasse de uma forma transparente a
intervenção dos consultores (consulting) em todo o processo das parcerias.
Assim, após a revisão efectuada pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de
Julho, prevê-se, agora, no artigo 14.º-F, a possibilidade de contratação de
consultores externos para apoio no âmbito de processos de parcerias público-
privadas. A decisão para proceder a essa contratação deve conter as razões
objectivas que justificam essa contratação e a correspondente delimitação, em
termos claros e precisos, do âmbito de intervenção do consultor externo; os
encargos para o parceiro público ou para o Estado previsivelmente
decorrentes dessa contratação e o seu cabimento orçamental; e o
procedimento a adoptar na selecção do consultor externo, nos termos da lei
aplicável.
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
95
A mesma norma determina que o consultor externo que venha a prestar
serviços de consultoria ao parceiro público na preparação, avaliação,
acompanhamento, renegociação ou outra intervenção referente a uma
determinada parceria público-privada que lhe permita o acesso a informação
não disponível publicamente ficará impedido de prestar assessoria ao parceiro
privado ou a qualquer entidade que se apresente como concorrente no âmbito
dessa parceria, sob pena de exclusão do concorrente de qualquer
procedimento tendente à adjudicação da parceria ou de cessação antecipada
da mesma, por razões imputáveis ao parceiro privado, sem prejuízo da
indemnização a que o parceiro público possa ter direito, nos termos legais ou
contratuais aplicáveis.
8. Resolução de litígios
No âmbito de contratos de parceria já celebrados, em que seja requerida
a constituição de um tribunal arbitral para a resolução de litígios entre as
partes, o serviço ou a entidade que representar o parceiro público no contrato
de parceria deverá comunicar de imediato aos Ministros das Finanças e da
tutela sectorial a ocorrência desse facto, e fornecer todos os elementos que se
revelem úteis ao acompanhamento do processo (Cf. Artigo 14.º - E).
Com o fim de acompanharem o processo arbitral, os Ministros das
Finanças e da tutela sectorial podem determinar, mediante despacho conjunto,
a manutenção em funções da comissão de negociação anteriormente
constituída em relação com o objecto do litígio. À entidade directamente
incumbida de proceder ao acompanhamento do respectivo processo arbitral
deverão ser remetidas cópias dos actos processuais que sejam entretanto
praticados por qualquer uma das partes e pelo tribunal, bem como dos
pareces técnicos e jurídicos e quaisquer outros elementos relevantes para a
compreensão, desenvolvimento ou desfecho da lide (cf. artigo 14.º-E, n.ºs 2 e
3).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
96
9. Regimes específicos de parcerias público-privadas no sector da
saúde
O quadro normativo das PPPs, acima descrito tem, no entanto, uma
excepção normativa, no âmbito da saúde, onde existe um regime específico
de decorrente do Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto46.
Não existindo, à data da sua publicação, qualquer regime normativo
sobre as PPPs, foi aquele diploma inovador na medida em que constituiu o
diploma enquadrador das parcerias na saúde, em regime de gestão e
financiamento privados.
De acordo com o diploma as parcerias na área da saúde tinham como
objecto “a associação duradoura de entidades dos sectores privado e social à
realização directa de prestações de saúde, ao nível dos cuidados de saúde
primários, diferenciados e continuados, ou ao apoio directo ou indirecto à sua
realização no âmbito do serviço público de saúde assegurado pelo Serviço
Nacional de Saúde”.
Neste quadro foram aprovados e lançados projectos de PPPs de quatro
hospitais, prevendo-se que estes contratos tivessem uma duração de 30 anos
para a vertente infra-estrutural e de 10 anos para a vertente clínica47.
Foram, também, abrangidos por este regime o Centro de Atendimento do
SNS e o Centro de Medicina e Reabilitação Física do Sul, cujos contratos têm
duração de 4 e 7 anos, respectivamente.
46 Este diploma foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, que definiu as normas gerais a aplicar à intervenção do Estado na definição, concepção, preparação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e acompanhamento global das parcerias público-privadas, bem como pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho procedeu a alterações ao Decreto-lei n.º 185/2002, isto é, no âmbito de parcerias em saúde, designadamente quanto às competências do Ministro da Saúde e à remuneração da entidade gestora.
47 Segundo o relatório do Tribunal de Contas publicado deste ano, os encargos totais de 2006 a 2007 previstos para aquelas PPPs ascendem a 5.573,6 milhões de euros.
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
97
Os Decretos Regulamentares n.ºs 10/2003, de 28 de Abril e 14/2003, de
30 de Junho vieram aprovar as condições gerais dos procedimentos prévios à
celebração dos contratos de gestão para o estabelecimento de parcerias em
saúde e provar o caderno de encargos tipo dos contratos de gestão que
envolvam actividades de concepção, construção, financiamento, conservação
e exploração de estabelecimentos hospitalares48.
Toda a questão do impacto financeiro e orçamental destas parcerias
concretizadas e em processo de concretização tem sido acompanhada pelo
Tribunal de Contas, sendo de salientar que, considerando os respectivos
modelos de pagamentos plurianuais, o Tribunal de Contas tem alertado para
um muito provável crescimento acentuado dos encargos futuros acumulados
ao longo dos primeiros 10 anos49.
10. Apreciação crítica: o enquadramento legal e a prática
O regime legal estabelecido pelo Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de
Outubro, alterado pelo Decreto Lei 141/2006 e as suas implicações práticas
tem sido objecto de várias apreciações sendo de realçar, pela profundidade e
48 De acordo com a programação financeira das parcerias relativas aos novos hospitais, o Tribunal de Contas num texto intitulado “O controlo externo das Parcerias Público-Privadas (A experiência Portuguesa)”, destaca o crescimento acentuado da despesa a ocorrer entre 2007 e 2016, realçando o aspecto que a partir daquele período se verificará um decréscimo acentuado da despesa. Sendo que esta situação, ainda segundo a opinião expressa pelo Tribunal de Contas, tenderá a manter-se até 2019 (ano em que a despesa irá atingir os 530,7 milhões de euros), data a partir da qual a despesa se tornará relativamente estável (cerca de 51,7 milhões de euros). 49 Sobre estas questões têm sido publicados alguns artigos na imprensa especializada. Assim,
no jornal Diário Económico foi publicado, em 21 de Junho de 2006, um artigo assinado pela jornalista Raquel Carvalho, sob o seguinte título: “Em busca de maior eficiência para a Saúde nacional – PPPs na Saúde podem contribuir para a diminuição da despesa pública”.
Nesse artigo pode ler-se a opinião de Luís Vasconcelos, enquanto Administrador dos Hospitais Privados de Portugal, que afirmou que as PPPs na saúde “facilitam os recursos financeiros, permitem um melhor controlo da despesa pública, melhores níveis de serviço, inovação e competitividade no âmbito do Serviço Nacional da Saúde. (…) As PPPs possibilitam aos operadores privados demonstrar a sua capacidade de gestão, de inovação e de cumprimentos dos compromissos assumidos, (…) ao mesmo tempo que lhes permite obter uma adequada rentabilidade dos investimentos efectuados por forma a assegurar a sustentabilidade e viabilidade económico-financeira dos projectos.”
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
98
pelas consequências das críticas efectuadas ao primitivo regime que levaram
à sua alteração, os relatórios do Tribunal de Contas (TC).
10. 1. O Relatório do Tribunal de Contas
O programa de fiscalização do Tribunal de Contas para o ano de 2005
incluía uma acção de controlo direccionada para as PPPs, a qual culminou
com a aprovação do Relatório n.º 33/05 – 2.ª Secção, de 17 de Novembro50.
Para o efeito, foram seleccionados os contratos em execução com maior
expressão financeira e, entre estes, os que implicassem relevantes
compromissos financeiros para o Estado, designadamente, as concessões
rodoviárias em regime de portagem real, portagem virtual (SCUT), travessias
do Tejo, concessões ferroviárias do metro sul do Tejo e travessia do eixo
Norte-Sul.
Nas conclusões do relatório apresentado pelo TC pode ler-se que “(…),
há evidências de um fraco controlo orçamental, na perspectiva de um quadro
de encargos totais relativos a parcerias público privada, (…). Por outro lado,
verifica-se também que os encargos futuros com os contratos de PPPs não
estão a ser inscritos no Orçamento de Estado do ano em que se prevê que
estas sejam lançadas”. Ainda neste sentido, pode ler-se que “o «gap» entre o
montante global de encargos referenciados no Relatório do OE 2005 (16 060
milhões de Euros) e os apresentados no quadro em apreço (19 410 milhões
de Euros), [leia-se, o quadro com os encargos globais com as PPPs], resulta,
substancialmente, deste último incluir o ciclo de vida dos contratos e uma
estimativa global de encargos com reequilíbrios financeiros, expropriações e
outros encargos não considerados no quadro dos encargos previstos com
PPPs, (…)”.
Por sua vez, na opinião de João Mendes Ribeiro, enquanto presidente do Grupo Português de Saúde, do grupo BPN, há, efectivamente, “garantia de um bom serviço ao público” com o recurso às unidades prestadoras de cuidados de saúde operadas sob o regime de PPPs.
50 Cf. Tribunal de Contas. 2005. “Relatório de Auditoria N.º 33/05 – Encargos do Estado com as Parcerias Público Privadas: Concessões Rodoviárias e Ferroviárias”, Novembro de 2005, in http://www.tcontas.pt (Julho de 2007).
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
99
Face aos resultados apurados, o TC decidiu apresentar um conjunto de
recomendações51. De entre elas, destacamos as seguintes:
- Aconselhamento do Estado a reforçar as competências e as equipas de
monitorização e gestão dos contratos de PPPs das entidades públicas
contratantes de modo a evitar a sua dependência em relação aos consultores;
- Sugerir que encargos adicionais com as PPPs (expropriações,
reequilíbrios financeiros e outros) passassem a ser objecto de previsão em
termos orçamentais de modo a assegurar uma estimativa mais credível do
custo efectivo dos contratos de PPPs e, nesta perspectiva, tentar evitar a sub
orçamentação;
- Advertir o Estado para a obrigação de dar cabal cumprimento às
disposições legais constantes do Decreto-Lei 86/2003, nomeadamente,
quanto à obrigatoriedade de proceder à elaboração de um adequado
“comparador público” e ao dever de obter previamente à adjudicação as
autorizações e licenciamentos necessários ao bom desenvolvimento dos
projectos.
Na esteira do relatório de 2005, o TC voltou a realizar nova auditoria aos
encargos do Estado com as PPPs. Nesse relatório, com o n.º 04/2007, 2.ª
Secção, “Auditoria aos Encargos do Estado com as Parcerias Público
Privadas – Concessões Rodoviárias e Ferroviárias” elaborado em 25 de
Janeiro de 2007 e conhecido em Fevereiro de 200752, é expressamente
51 As Recomendações deste Relatório foram acolhidas pelo Decreto-Lei N.º 141/2006, de 26 de Outubro de 2003, ainda que algumas delas apenas de forma parcial. Este é o entendimento do próprio TC que, no já referido Relatório de 2007, afirma que “o actual regime jurídico das PPPs veio ao encontro, em parte substancial, das preocupações evidenciadas previamente pelo Tribunal naquele domínio. (…) Esta evolução mostra a utilidade da acção do Tribunal no domínio da auditoria das PPPs e, em particular, das Recomendações que oportunamente formulou, tendo, assim, dado um contributo decisivo e tangível para o melhor acautelamento dos interesses financeiros do estado e para melhor gestão dos dinheiros dos contribuintes”.
52 Em 15 de Fevereiro de 2007, é publicado um artigo no site da RTP (http://www.rtp – Julho de 2007), pela Agência Lusa, sobre a criação pelo Governo de uma unidade para controlar as PPPs. Com base nas declarações de Fernando Teixeira dos Santos, em conferência de imprensa sobre a execução orçamental de 2006, é dito que esta unidade terá como missão
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
100
referido que “é o próprio Estado que, frequentemente, agrava os seus
encargos com as parcerias que desenvolve ao não acautelar no estudo a
preparação das Parcerias Público Privadas (PPPs) (…). A falta de exigência e
de rigor nessas fases provoca alterações aos projectos iniciais, bem como
pedidos de reequilíbrio por parte dos concessionários ao longo de todo o ciclo
de vida das parcerias”.
Aquele Relatório reafirmou um conjunto de pressupostos que devem
presidir à decisão de avançar com as PPPs53, chamando a atenção para
alguns aspectos que considera, ainda, continuarem a estar presentes na
contratação em regime de PPPs, nomeadamente os seguintes:
a) debilidade da informação de base constante no OE, designadamente
pelo facto de se continuar a apresentar apenas encargos previstos e já
assumidos, não se incluindo os custos adicionais;
b) aceitação como motivos de pedidos de reequilíbrio financeiro as
alterações impostas pelo concedente aos projectos iniciais (por motivos da
esfera política ou resultantes de intervenções a pedido do poder local); os
atrasos de execução devidos a atrasos com a emissão de declaração de
impacto ambiental ou com a entrega de terrenos; e a não ponderação da
evolução das grandezas que originam o dever de compensar os
concessionários;
monitorizar e avaliar alguns dos aspectos apontados pelo Tribunal de Contas no relatório n.º 04/2007, 2.ª Secção, “Auditoria aos Encargos do Estado com as Parcerias Público Privadas – Concessões Rodoviárias e Ferroviárias” elaborado em 25 de Janeiro de 2007 e conhecido em Fevereiro de 2007.
53 Designadamente, a certeza da comportabilidade financeira, bem como da viabilidade e racionalidade económica; a obtenção prévia das licenças e autorizações necessárias; a ponderação adequada dos métodos de selecção de propostas, que deve pautar-se por valores de objectividade e transparência; a consideração da adequabilidade dos sistemas de acompanhamento e de controlo; a segurança de que foram minimizados os riscos de ocorrência de encargos adicionais para o Estado, motivados, nomeadamente, pela possibilidade de ocorrência de alterações unilaterais gestão de cada risco assumida e desenvolvida pela entidade melhor colocada par o fazer; a remuneração adequada dos riscos para ambos os parceiros; e, adequada definição pelo Estado do serviço público em causa, uma configuração do projecto e do desempenho final pretendido.
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
101
c) não existência nos ministérios utilizadores de PPPs de quadros
competentes, o que leva a que subsista uma dependência relativamente a
consultores externos;
d) ausência de adequadas e sustentadas linhas de orientação capazes
de ser entendidas e aplicadas em todo o seu alcance;
e) falhas no alinhamento e no envolvimento tempestivo das várias
entidades públicas que acabam por ter que intervir no processo.
O Tribunal de Contas considera, por isso, imprescindível implementar um
sistema metódico, regular e público que identifique, estude, recolha e divulgue
a experiência adquirida ao longo dos vários processos de PPPs.
Sobre esta matéria, o Tribunal de Contas elaborou um outro documento -
“O controlo externo das Parcerias Público-Privadas (A experiência
Portuguesa)” 54 – onde são apontadas vantagens55 às PPPs, considerando-se
que “as formas de contratação/provisão tradicional de obras ou de serviços
públicos revelaram-se frequentemente geradoras de ineficiências e custos
excessivos (…). Perante este tipo de situações, revelam-se várias vantagens
comparativas das PPPs, relativamente às formas de procurement tradicionais,
se bem que haja também a referir vários aspectos menos positivos.”
54 Cf. Tribunal de Contas. “O controlo externo das Parcerias Público-Privadas (A experiência Portuguesa), In http://www.tcontas.pt (Julho de 2007).
55 No que respeita às vantagens destaca-se a dinamização do investimento em infra-estruturas (que nas sociedades modernas constitui uma forte exigência dos cidadãos perante o Estado); os resultados alcançados com as PPPs poderão ser indutores de reformas no sector público; a criação e dinamização de novos mercados nas áreas das concessões; a consolidação do mercado beneficiou muito do contributo gerado pelas concessões rodoviárias que foram desenvolvidas; os novos desafios a mercados e operadores que actuavam em situação de quase monopólio, tendo-se registado significativas melhorias na qualidade do serviço prestado e sendo evidenciados resultados positivos em termos de qualidade, eficiência e eficácia desses mesmos serviços.
No que respeita a aspectos negativos, foram apontados, entre outros, a preparação deficiente de concursos, tendo alguns sido lançados sem estarem previamente assegurados as aprovações ambientais exigidas; processos de concursos estruturados com pouca racionalidade que dão origem a agravamento de custos de elaboração das propostas, por exemplo em consequência de exigências prévias desnecessárias, carência de competências
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
102
Considerando as vantagens e as desvantagens, o Tribunal de Contas
enunciou um conjunto de recomendações, que, de forma breve, se enunciam:
a) Preparação adequada dos projectos56;
b) Partilha dos riscos no estabelecimento das cláusulas contratuais 57;
c) Aposta na racionalidade, eficiência, eficácia e sustentação financeira
do projecto 58;
d) Elaboração obrigatória de um comparador do sector público 59;
e) Inscrição orçamental prévia dos encargos com cada PPP 60.
técnicas por parte dos parceiros públicos que intervêm na negociação, ficando muito dependentes do apoio de consultores externos.
56 Inclui-se aqui, sobretudo, a necessidade de uma nítida definição prévia dos objectivos a atingir (numa óptica de resultados) e a procura de soluções inovadoras, pelo parceiro privado, geradoras de ganhos de eficiência e quantificação de custos.
57 O Estado deve ter um conjunto de cuidados básicos na concepção de uma PPP, designadamente estabelecendo no contrato os termos exactos em que a partilha de riscos deve ser concretizada. O Estado deverá, ainda, proceder a uma análise criteriosa e limitar, no âmbito dos processos de Reposição do Equilíbrio Financeiro, as imposições do sistema financeiro, bem como todos os outros custos indirectos, devendo ser prestada especial atenção aos mecanismos de cálculo e compensação, de forma a diminuir os efeitos financeiros resultantes da rigidez dos Caso Base.
58 Necessidade de uma justificação, clara e objectiva, da necessidade de execução do projecto com identificação e quantificação de (i) todos os custos envolvidos e dos benefícios esperados; (ii) análise da prioridade do projecto face a outras necessidades globais do país; (iii) compatibilização do projecto com outros complementares, existentes ou em preparação; (iv) verificação da viabilidade orçamental do projecto numa perspectiva de longo prazo; (v) e, identificação das entidades responsáveis pelos pontos de vistas financeiros e de gestão do contrato.
59 O comparador deve ser utilizado como um tecto máximo dos compromissos a assumir pelo Estado, sendo considerado o elemento essencial para fazer a avaliação das condições financeiras das propostas.
60 Esta prática é anunciada como um garante da compatibilização entre a assunção de encargos e a garantia de disponibilidade de recursos compatíveis, obrigando a maior rigor e exigência por parte de quem propõe o lançamento precipitado de concursos fundados apenas na oportunidade política e sem uma preparação adequada de documentação prévia necessária.
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
103
10. 2. Outras opiniões
Para além das análises exaustivas do Tribunal de Contas, há que fazer
referência ao que alguma doutrina tem escrito sobre a matéria61. Em termos
críticos, aponta-se a “falta de rigor – imputável aos calendários eleitorais, à
negligência e, por vezes, à pura falta de bom senso – dos responsáveis
públicos nas operações de montagem de parcerias (sem riscos para os
parceiros privados ou disciplinadas por contratos que propiciam lucros maiores
em caso de modificação do que em caso de execução) justifica plenamente as
soluções acolhidas no já citado Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril”. Neste
seguimento, entende que se justifica o facto de, de acordo com o actual
regime legal, a característica essencial das PPPs partir, pelo menos na sua
opinião, da ideia de um “processo de repartição de responsabilidades baseado
no princípio de que o parceiro público fiscaliza e o parceiro privado financia e
gere”.
Também algumas sociedades de advogados, cujo papel como
consultores nos processos de preparação, estudo e lançamento das parcerias
tem sido fundamental, tomaram posições públicas sobre o regime legal.
Por exemplo, a sociedade de advogados “Linklaters”, em Setembro de
2006, publicou um texto62 em que destaca as alterações mais relevantes ao
regime legal. Nesse texto, salienta o melhoramento “do sistema de controlo
financeiro, seja no momento do lançamento de novas parcerias, seja em
momento posterior, em sede de renegociação de contratos já firmados.”
Os autores deste texto salientam o recurso a “esta figura devido aos
constrangimentos orçamentais a que têm que fazer face, procurando
igualmente beneficiar da experiência do sector privado ”e ainda as economias
que se conseguem realizar por esta via, “na medida em que integram
61 Cf. Gonçalves, Pedro. 2005. “Entidades Privadas com Poderes Públicos”, Colecção teses, Almedina. p. 327-330.
62 In http://www.linklaters.com/publications/pubsearchlist.asp (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
104
[referindo-se às PPPs] todas as fases de um processo, desde a sua
concepção até à sua exploração”.
Relativamente às alterações que consideram principais salientam as
seguintes: a) redução do âmbito de aplicação subjectivo do DL que regula as
PPPs; b) clarificações de alguns aspectos que se prendem com a questão da
repartição de responsabilidades e da partilha de riscos designadamente
através do “reconhecimento do princípio da reposição do equilíbrio financeiro
do contrato quando ocorra uma alteração significativa das condições
financeiras da parceria”; ou da “introdução do conceito de direito do parceiro
público à partilha equitativa com o parceiro privado dos benefícios financeiros
que decorram para este no desenvolvimento da parceria”63; ou, ainda, da
“inclusão no caso base (a partir do qual se afere o equilíbrio financeiro da
parceria) de todas as receitas do parceiro privado que sejam obtidas em
resultado do desenvolvimento da parceria”; c) ao nível dos pressupostos para
o lançamento das PPPs, destacam o facto de passar a ser necessário
identificar expressamente a entidade pública que tem a responsabilidade de
suportar os encargos decorrentes de pagamentos a realizar ao parceiro
privado, bem como a identificação da origem dos respectivos fundos; e a
exigência acrescida de obtenção prévia de uma declaração de impacto
ambiental, quando a mesma deva ser obtida ao abrigo da legislação aplicável;
d) quanto ao momento da preparação, estudo, avaliação, lançamento e
adjudicação das PPPs referem que as alterações introduzidas “terão maior
relevância no plano da intervenção do parceiro público, designadamente o
maior esforço de articulação técnica e política entre os Ministérios das tutelas
sectoriais e o Ministérios das Finanças, através da Comissão de
Acompanhamento”; e) em matéria de interrupção e anulação do processo,
salientam a circunstância deste passar a ser, por regra, um passo obrigatório
“nos casos em que se apresente apenas um concorrente no respectivo
procedimento adjudicatório”; f) em matéria de fiscalização, acompanhamento e
63 Ainda a este respeito, os autores prosseguem defendendo que estes aspectos devem ser expressamente regulados no título contratual ou, então, nas peças do procedimento, de forma a evitar situações de incerteza jurídica em sede de execução das PPPs.
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
105
alteração das PPPs, os autores salientam o facto das alterações apontarem
num sentido de incremento do controlo financeiro, designadamente através da
previsão legal que obriga o Ministro das Finanças e o Ministro da tutela
sectorial a designar uma entidade que lhes preste apoio técnico no
acompanhamento global das parcerias.
São conhecidas, ainda, algumas intervenções na comunicação social
especializada, nomeadamente na área económica, sobre esta matéria. Em 02
de Agosto de 2007, foi publicado no Diário Económico, um artigo sob o título
“SCUT é um bom negócio para os privados – Saldo de 3,6 milhões de euros
para as concessionárias”, assinado por Joana Moura e Nuno Miguel Silva64.
Segundo este artigo, o Estado português já perdeu cerca de 3.629 milhões de
euros com as PPPs que efectuou com as concessionárias privadas para a
construção e exploração das SCUT. De acordo com um documento interno da
Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República, a
que o Diário Económico diz ter tido acesso, “o valor dos encargos assumidos
pelo Estado português, sem IVA, relativamente às SCUT, entre 1999 e 2031,
corresponde a aproximadamente 5,4% do PIB de 2007 (8.744 milhões de
euros de2007)”. O artigo prossegue referindo que “o valor actual do
investimento total realizado e a realizar pelas concessionárias ascende a 3,2%
do PIB de 2007 (5.115 milhões de euros), incluindo as despesas de gestão e
manutenção”, concluindo, assim, que “de um ponto de vista estritamente
financeiro, o encargo líquido adicional para o Estado com as SCUT (para além
do valor necessário para realizar o investimento), ascende a 3.629 milhões de
euros ou 2,2% do PIB de 2007”, adianta o referido documento.”
Nesta linha de argumentação, e continuando a fazer referência ao documento
interno da UTAO, pode, ainda ler-se que “este valor corresponde à diferença
entre o valor actual dos pagamentos a efectuar pelo Estado e o valor actual do
64In
http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/edicion_impresa/economia/pt/desarrollo/1022924.html (Agosto de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
106
investimento total a realizar pelas concessionárias”65, e que “o esforço
financeiro do Estado com as Parcerias Público-Privadas deverá atingir o seu
máximo ainda este ano, registando um gasto de 1.019 milhões de euros, mais
600 milhões de euros do que no ano passado66”.
É, ainda, dito que “actualmente, os encargos do Estado com as PPPs na
área da saúde rondam os 10% do total, um valor que deverá subir nos
próximos quatro anos”. Esta conclusão, segundo os autores é da UTAO, que
no relatório apresentado prevê que o total dos encargos do Estado com as
PPPs nesta área seja significativamente reduzido a partir de 2018, “já que o
nível de encargos com as SCUT se irá manter relativamente estável”.
Em Julho de 2007, num artigo de opinião sob o título “Reconstituição
monopolista e parcerias público-privadas”67, assinado por Fernando Sequeira,
na Revista “O Militante”, é efectuada uma análise da legislação que regula as
PPPs. Começa-se por fazer uma observação sobre o conteúdo dos
preâmbulos dos diplomas em causa. Neste sentido pode ler-se que “o
legislador do decreto-lei 86/2003 entende que se observa nas sociedades
modernas um peso excessivo do Estado e níveis incomportáveis de
endividamento público, e que também aos serviços públicos é possível tirar
proveito da melhor capacidade de gestão do sector privado, melhorando a
qualidade do serviço prestado e gerando poupanças consideráveis na
utilização dos recursos público”; bem como que “a obtenção pelo Estado de
65 Neste artigo pode também ler-se que “a estimativa apurada pela UTAO não é muito diferente da avançada pelos economistas Pereira e Andraz, em 2006, num estudo para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento. De acordo com as estimativas do referidos autores, o total da dívida implícita (encargos) do Estado com as SCUT atingia 6,97% do PIB de 1999, enquanto que o valor do investimento em SCUT corresponderia a 3,55% do PIB de 1999.”
66 Estas são, pelo menos, as previsões a que é feita referência no artigo e que, como aí se pode ler, têm por base os estudos da “Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que no seu último relatório refere que, em 2006, o peso dos encargos com as PPPs ascendeu a 0,27% do PIB, um valor que deverá mais do que duplicar já este ano, crescendo 36 p.p do PIB, para atingir os 0,63% do PIB. O nível de esforço que será atingido este ano vai depois manter-se em torno dos 0,6% do PIB, entre 2008 e 2010. Porém, após 2012, o peso dos encargos deverá diminuir, com uma quebra de 0,1 p.p do PIB, em 2018”.
As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal
107
tais competências de gestão, consiste no estabelecimento de relacionamentos
duradouros com privados, em regime de parceria pública-privada, no âmbito
das quais lhe são transferidos os riscos (entenda-se para os privados)”; ou,
ainda, que ”o relacionamento entre parceiros públicos e privados envolve a
repartição de encargos e riscos entre as partes”. De seguida, o autor refere
que o legislador também acaba por defender que “o decreto-lei n.º 86/2003
avança na consagração plena, no ordenamento jurídico português, do
princípio segundo o qual a parceria apenas se justifica quando se revelar
vantajosa com o comparador do sector público”.
O autor prossegue afirmando que o legislador pretende ficcionar as
relações sociais ao fingir ignorar o permanente objectivo estratégico do grande
capital de maximizar o lucro. Segundo a opinião do autor, o novo diploma
segue uma orientação segundo a qual os problemas em causa não radicariam
na essência da orientação política, isto é, no próprio interesse das parcerias
para o Estado português, mas sim nalguns pormenores que conviria
aperfeiçoar. Daí que nesta linha de argumentação, afirme, ironicamente, que,
do ponto de vista político, “é muito interessante e elucidativo quando se afirma
que as entidades com competência nesta matéria têm alertado para situações
de acréscimo de onerosidade para o Estado relativamente às expectativas
iniciais e que não se verifica uma efectiva transferência de riscos para os
parceiros privados, ou ainda que o parceiro público assume compromissos ou
assegura taxas de rendibilidade dos capitais privados sem correspondência no
perfil de risco efectivo do projecto (…)”, acabando por fazer referência ao que
também se diz no diploma em análise relativamente à “ausência de
mecanismos de partilha de benefícios financeiros a favor do Estado, bem
como a não consideração de receitas acessórias provenientes da parceria que
passam a constituir receitas ocultas do parceiro privado”.
Ainda relativamente ao Decreto-Lei 141/2006, é dito que este diploma
parece querer espelhar uma preocupação com o aparecimento de novos
67 In http://omilitante.pcp.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=140&Itemid=32 (Agosto de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
108
mecanismos de controlo, bem como de equilíbrio financeiro. No entanto, “ao
mesmo tempo que isto acontece, julgo haver recuos contraditórios no novo
articulado, designadamente no que respeita à nova redacção do artigo 5.º
(quando afirma que ao parceiro privado cabe preferencialmente o
financiamento), ao ponto e) do artigo 6.º, ao ponto 10 do artigo 8.º (quando
admite que a constituição de comissões de acompanhamento possa ser
dispensada), ou com o novo artigo 14.º-B, ponto 2, com uma formulação
perigosa (aceitando a alteração tácita do conteúdo das parcerias, sem o
despacho conjunto dos ministros das Finanças e da tutela, passados que
sejam 30 dias a contar da recepção do relatório da comissão de negociação).
Ou ainda o desaparecimento do ponto 4 do artigo 8.º na sua nova versão”.
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
109
Capítulo III - As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
As parcerias-público privadas na Europa Continental têm tido um desenvolvimento mais lento
e mais heterogéneo do que no Reino Unido. Contudo, no panorama geral da Europa continental, o
investimento no sector público com recurso às PPPs tem vindo a intensificar-se. A União Europeia,
particularmente a Comissão Europeia, surgiu nos últimos anos com uma agenda de promoção das
PPPs. O Livro Verde (2003) e, posteriormente, o Livro Branco (2004) sobre os serviços de interesse
geral, incluem as PPPs na sua reflexão. O segundo Livro Verde “sobre as parcerias público-privadas
e o direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões” (2004) tinha um objectivo
bem definido: o de lançar um debate sobre uma eventual harmonização europeia do seu
enquadramento jurídico, dado que as parcerias público-privadas não se encontram definidas, nem
regulamentadas no âmbito do direito comunitário, e sobre o estabelecimento de uma agência
europeia para as PPPs.
Os resultados de uma consulta pública efectuada sobre questões várias relacionadas com
esta matéria foram apresentados e analisados no relatório Report on the public consultation on the
green paper on public-private partenerships and community law on public contracts and concessions-
Brussels, de 2005. De entre as conclusões mais consensuais destaca-se a defesa de uma maior
intervenção comunitária nesta matéria e da criação de uma estrutura organizacional de nível
comunitário que ajude a conhecer experiências e melhores práticas no espaço da União.
Também o Eurostat, desde cedo, manifestou preocupação quanto ao correcto tratamento das
implicações financeiras das parcerias público-privadas nas contas públicas. De facto, o tratamento
contabilístico das PPPs tem levantado grandes questões, não só no contexto europeu, mas por todo
o mundo. Como refere um documento do Fundo Monetário Internacional (2004), as PPPs são
percepcionadas com uma forma de mascarar défice (temporariamente) e dívida pública
(permanentemente) e de efectuar investimento efectivamente público sob uma forma nominalmente
privada. Iniciou-se, assim, um movimento no sentido de estabelecer orientações por forma a
enquadrar correctamente a contabilização das PPPs, quer nas contas públicas, quer nas contas
privadas, dotando, assim, de maior transparência aquelas contas. No contexto europeu, destaca-se o
Sistema Europeu de Contas Económicas Integradas (SEC 95) e a New decision of Eurostat on deficit
and debt – Treatment of public-private partnerships, de 11 de Fevereiro de 2004, sobre a partilha de
risco e sobre a inscrição no balanço público ou privado dos activos relacionados com uma PPP.
São várias as recomendações de diferentes órgãos comunitários sobre esta matéria. Destaca-
se os pareceres do Comité das Regiões, do Comité Económico e Social Europeu, da Comissão de
Desenvolvimento Regional e da Comissão de Transportes de Turismo. Em geral, considera-se que o
sector público pode, pelo menos em alguns sectores, ter vantagens em recorrer ao mecanismo de
PPPs. Chama-se, contudo, a atenção para o facto de tal mecanismo nem sempre ser a solução mais
adequada. Recomenda-se, por isso, que cada projecto seja prévia e adequadamente avaliado,
prossiga de acordo com o processo de rigor e de transparência e que haja um eficaz controlo público
da execução do contrato e dos serviços prestados pelo parceiro privado.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
110
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
111
Introdução
Como referimos no Capítulo I, as parcerias-público privadas na Europa
continental têm tido um desenvolvimento mais lento e mais heterogéneo que
no Reino Unido. Mais lento, devido, nomeadamente, a uma tradição política
distinta da anglo-saxónica, que acentua a divisão de papéis Estado-mercado.
Mais heterogéneo, inevitavelmente, devido à diversidade nacional. Contudo,
no panorama geral da Europa continental, o investimento no sector público
com recurso às PPPs tem vindo a intensificar-se.
À parte das discrepâncias nacionais, a União Europeia, particularmente a
Comissão Europeia, surgiu nos últimos anos com uma agenda de promoção
das PPPs. O Livro Verde (2003) e, posteriormente, o Livro Branco (2004)
sobre os serviços de interesse geral, incluem as PPPs na sua reflexão. O Livro
Verde sobre as PPPs (2004) tinha um objectivo bem definido: o de lançar um
debate sobre uma eventual harmonização europeia do seu enquadramento
jurídico, dado que as parcerias público-privadas não se encontram definidas,
nem regulamentadas no âmbito do direito comunitário, e sobre o
estabelecimento de uma agência europeia para as PPPs.
Também o Eurostat, desde cedo, manifestou preocupação quanto ao
correcto tratamento das implicações financeiras das parcerias público-privadas
nas contas públicas. De facto, o tratamento contabilístico das PPPs tem
levantado grandes questões no contexto Europeu, o que levou a que se
publicassem orientações por forma a enquadrar correctamente a contabilizção
das PPPs, quer nas contas públicas, quer nas contas privadas, em obediência
ao princípio de maior transparência daquelas contas.
Daremos conta, neste capítulo, das principais orientações e linhas de
debate sobre as parecerias pública- privadas no âmbito da União Europeia.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
112
1. As orientações da União Europeia
As parcerias público-privadas não se encontram definidas e
regulamentadas, como tal, no âmbito do direito comunitário, apesar de, desde
há cerca de quinze anos, as PPPs serem um instrumento ao qual os Estados
recorrem com frequência devido aos constrangimentos orçamentais com que
se deparam.
Não obstante esta ausência de regulamentação comunitária as PPPs
têm sido, nos vários países da EU, objecto de forte expansão. O interesse de
vários Estados-Membro por este instrumento levou a Comissão a publicar, em
2004, o “Livro Verde sobre as parcerias público-privadas e o direito
comunitário em matéria de contratos públicos e concessões” [COM(2004) 327
final] 68, que infra se analisará.
Importa no entanto, e no domínio mais amplo do direito internacional
sobre a questão, fazer referência ao texto publicado no seguimento do fórum
sobre PPPs, realizado em Dezembro de 2000, em Roma, sob o tema
"Guidelines on Private Public Partnerships for Infrastructure development",
United Nations, Economic Commission for Europe.
Este texto inicia a abordagem às PPPs com uma referência aos
conceitos e aos requisitos básicos para depois justificar a razão de ser das
PPPs, nomeadamente, através da menção aos objectivos e resultados
visados. Numa aproximação introdutória, salientam-se aspectos como a
necessidade de PPPs na Europa, designadamente na Europa do Leste, ou os
princípios de gestão pública a seguir, bem como a ideia basilar da
transferência de parte do risco para o sector privado. Por outro lado, aí se
salienta a escolha por operadores privados especializados, com competências
e capacidades para a prática dos actos que lhe são atribuídos.
68 Cf. Comissão Europeia. 2004. “Contratos públicos. Livro Verde sobre as parcerias público-privadas.” In http://europa.eu/scadplus/leg/pt/lvb/l22012.htm (Agosto de 2007).
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
113
Aquele documento fornece um modelo de elaboração e de gestão de
PPPs, que, sinteticamente, se apresenta no seguinte esquema:
ETAPAS
O projecto o Prioridades políticas no âmbito das PPPs
o Aprovação social do projecto
o Estudos técnicos e financeiros
o Análise do impacto ambiental, das necessidades,
dos preços, dos proveitos e ganhos, das exigências
ao nível dos recursos humanos
o Selecção dos consultores do projecto.
Lançamento do
projecto
o Pesquisa e estudo sobre a legislação relacionada
com o tema e sobre o regime fiscal a que terá que se
sujeitar.
Avaliação da
equipa de
consultores
o Desempenho
o Análise de propostas
o Ponderação da capacidade e qualidade
Consultadoria o Procura de parceiros nacionais e internacionais
o Processo de selecção
o Fase de prévia de negociação com os pré-
seleccionados
o Reflexão e negociação sobre a questão da
transferência do risco
Finalização e
outorga do
contrato
o Elaboração do clausulado contratual onde se tente
prever todos os aspectos, designadamente os que
se prendem sobre o financiamento
o Conceder livre acesso ao parceiro sobre todos os
dados que se entenda que possam ser necessários
Lançamento da
obra
o Licenças de construção
o Projecto de arquitectura
Quanto à definição das cláusulas previstas nos contratos aconselha-se,
entre outros, a proibição de contratação, por parte do concessionários, de uma
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
114
terceira entidade – privilegiar os contratos intuitu personae; a atribuição dos
custos de reparação e manutenção ao privado; o planeamento faseado e de
duração da obra, bem como as penalizações em caso de desrespeito pelos
prazos; a fiscalização final para a recepção da obra, prevendo penalizações
pelo menos para determinadas situações específicas, designadamente,
através de cláusulas de excepção de cumprimento ou mesmo de direito de
retenção sobre receitas que pertenceriam ao concessionário caso este tivesse
cumprido com as suas obrigações, e a responsabilização do concessionário
pelos prejuízos causados por intervenção de terceiros que estejam sob alçada
do concessionário.
São, ainda, identificados problemas que, frequentemente, aparecem nos
contratos e que levam ao insucesso da parceria, designadamente, o facto de
se sub-dividir a concessão (o que implica dificuldades no apuramento de
responsabilidades) e se incluirem cláusulas que permitam desvios ao que
inicialmente foi contratado. Sublinha-se, por outro, o método de obter os
melhores resultados tendo por base a adopção de contratos com conteúdos
originariamente bem definidos, com um planeamento temporal delimitado, em
que se permite liberdade de acção ao concessionário, desde que com respeito
pelos termos do contrato.
1. 1. O Livro Verde sobre as parcerias público-privadas
Como já referimos, a constatação do desenvolvimento do fenómeno das
PPPs por toda a Europa em diversos domínios da competência do sector
público, aliado ao facto de no quadro do direito comunitário não estar previsto
um regime específico que abordasse o fenómeno de PPPs, levou a Comissão
Europeia a elaborar e publicar, em 30 de Abril de 2004, o “Livro Verde sobre
as parcerias público-privadas e o direito comunitário em matéria de contratos
públicos e concessões”.
O Livro Verde tem por finalidade apresentar o alcance das regras
comunitárias aplicáveis, quer à fase de selecção do parceiro privado, quer à
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
115
fase posterior, com o objectivo de detectar eventuais incertezas e de analisar
se o quadro comunitário é adequado aos imperativos e às características
específicas das PPPs.
Pretendeu-se, em primeiro lugar, apurar se o Tratado que institui a
Comunidade Europeia (Tratado CE) e o seu direito derivado constituem
instrumentos adequados e suficientes face aos especiais desafios colocados
pelas PPPs, quer quanto à selecção do parceiro privado, quer quanto à
realização da parceria. Como se lê na apresentação do Livro Verde, qualquer
acto através do qual uma entidade pública confie a prestação de uma
actividade económica a um terceiro, deve ser estudado de acordo com as
regras e princípios do Tratado CE, em matéria de liberdade de
estabelecimento e de livre prestação de serviços (artigos 43.º a 49.º). Estes
princípios incluem, nomeadamente, a transparência, a igualdade de
tratamento, a proporcionalidade e o reconhecimento mútuo.
Algumas formas de PPPs estão sujeitas à legislação europeia sobre os
procedimentos de celebração dos contratos públicos, sendo que a legislação
referente aos mercados públicos, desde 2004 que introduziu um novo
procedimento de celebração de contratos: o diálogo concorrencial69. Este
diálogo fornece uma base jurídica a algumas formas de PPPs no caso de
projectos muito complexos para os quais uma autoridade competente tenha
uma necessidade específica e procure junto dos operadores económicos a
melhor solução técnica70.
O Livro Verde veio lançar o debate sobre a necessidade de uma
intervenção comunitária sobre esta matéria, no sentido de facilitar o acesso
dos agentes económicos dos Estados-Membro às várias formas de PPPs,
nomeadamente, para apurar qual a melhor forma de assegurar o
desenvolvimento das PPPs num contexto de efectiva concorrência e de
clareza jurídica. Para o efeito, colocou 22 perguntas aos Estados-Membro,
69 Trata-se da Directiva 2004/18/CEE, que criou o novo processo de “diálogo concorrencial”.
70 In http://europa.eu/scadplus/leg/pt/lvb/l22012.htm (Agosto 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
116
designadamente sobre o enquadramento dos procedimentos de selecção do
parceiro privado, a criação de PPPs de iniciativa privada, o enquadramento
contratual e as eventuais modificações em curso das PPPs, a subcontratação
e o desafio da concorrência efectiva no caso das PPPs institucionalizadas.
No Livro Verde distinguem-se dois tipos de PPPs: as de tipo puramente
contratual, em que a parceria se baseia em relações exclusivamente
contratuais e pode integrar o âmbito de aplicação das directivas europeias
sobre os contratos públicos; e as PPPs de tipo institucionalizado, que implicam
uma cooperação distinta, podendo conduzir à criação de uma entidade ad hoc
de participação conjunta. Esta distinção baseia-se no facto de a diversidade
das práticas referentes às PPPs que se verificam nos Estados-Membro poder
estar ligada a dois grandes modelos e, cada um desses modelos, implica
questões específicas do direito comunitário dos contratos públicos e das
concessões.
Parcerias Publico-Privadas Contratuais
Quanto às PPPs puramente contratuais, estas visam uma parceria que
se baseia unicamente em relações contratuais entre os diferentes agentes,
abrangendo configurações diversas que atribuem uma ou várias tarefas ao
parceiro privado, que podem incluir a concepção, o financiamento, a
realização, a renovação ou a exploração de uma obra ou de um serviço. Neste
quadro, um dos modelos mais conhecidos71 caracteriza-se pela relação
directa entre o parceiro privado e o utente final, e pelo modo de remuneração
do co-contraente (através de taxas cobradas aos utentes do serviços). Ou
seja, o parceiro privado presta um serviço público -que lhe paga por isso - em
substituição do parceiro público, mas sob o controlo deste. Existem, ainda,
outros modelos em que, por exemplo, o parceiro privado é incumbido da
construção e gestão de infra-estruturas para a administração pública,
71 Frequentemente designados por Modelos Concessivos.
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
117
designadamente, escolas, hospitais, prisões, infra-estruturas de transporte.
Nestes modelos, a remuneração do parceiro privado assume a forma de
pagamentos regulares efectuados pelo parceiro público, que podem ser fixos
ou variáveis.
Na fase de selecção do parceiro privado no âmbito de contratos públicos,
o regime aplicável à adjudicação decorre das disposições das directivas
comunitárias que fixam regras pormenorizadas, nomeadamente em matéria de
publicidade e de participação. Quando a autoridade pública é uma entidade
adjudicante que actua ao abrigo das directivas clássicas72 deve, por regra,
recorrer aos concursos públicos para seleccionar o parceiro privado.
Excepcionalmente, é possível o recurso ao processo de negociação, ainda
que sob determinadas condições73, ou seja, quando pesam logo a priori
incertezas sobre a natureza ao a extensão das obras a efectuar.
A partir da adopção da Directiva 2004/18/CEE, poderá aplicar-se o novo
processo de “diálogo concorrencial” a contratos que se revelem
particularmente complexos74. Assim, este processo iniciar-se-á sempre que o
organismo adjudicante não se encontrar, objectivamente, em condições de
definir os meios técnicos que podem responder às suas necessidades e aos
seus objectivos, bem como nos casos em que o organismo adjudicante não se
encontra, mais uma vez objectivamente, em condições de organizar a
estrutura jurídica e financeira de um projecto, permitindo, por esta via, encetar
um diálogo cujo objecto será o desenvolvimento de soluções aptas a
responder a essas necessidades. No termo do diálogo, os candidatos serão
convidados a submeter a respectiva proposta final, com base nas soluções
identificadas durante o diálogo, devendo essa mesma proposta compreender
todos os elementos exigidos e necessários à realização do projecto.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
118
Posteriormente, os organismos adjudicantes terão a missão de avaliar as
propostas em função de critérios de adjudicação previamente definidos, sendo
o concorrente que apresentou a proposta economicamente mais vantajosa
chamado a clarificar os aspectos que houver a clarificar e a confirmar os
compromissos nela assumidos75.
Quanto ao acto de adjudicação de concessões, desde já se diga que são
poucas as disposições de direito derivado que enquadram os processos de
adjudicação deste tipo de contratos em direito comunitário. No que se refere a
concessões de obras públicas, apenas se aplicam determinadas obrigações
de publicidade e uma obrigação relativa ao prazo mínimo de recepção das
candidaturas76, sendo o modo de selecção do parceiro privado deixado à livre
escolha dos organismos adjudicantes que devem, ainda assim, respeitar os
princípios e as regras do Tratado.
Relativamente ao regime aplicável ainda na fase de adjudicação de
concessões, mas agora de serviços, apenas fazer referência aos artigos 43.º a
49.º do Tratado que remetem para o respeito pelos princípios da
transparência77, da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e do
72 Ou seja, as Directivas 93/37/CEE, 92/50/CEE e 2004/18/CE.
73 A este respeito, podemos lembrar o âmbito de aplicação limitado da derrogação prevista no n.º 2 do art. 7.º da Directiva 93/37/CEE, que prevê o recurso ao procedimento de negociação quando o contrato incide sobre “obras cuja natureza ao condicionalismos não permita uma fixação prévia e global dos preços”.
74 Artigo 29.º da Directiva 2004/18/CEE.
75 Este diálogo concorrencial “deverá permitir a flexibilidade necessária às discussões com o candidato de todos os aspectos do contrato na fase inicial, velando simultaneamente para que estas discussões sejam efectuadas no respeito dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento e não colidam com os direitos que o Tratado confere aos agentes económicos. (…) Assim se garante a boa utilização dos direitos públicos, se diminuem os riscos de práticas pouco transparentes e se reforça a segurança jurídica necessária a tais projectos.”- http://eur-lex.europa.eu/lexuriserv/site/pt/com/2004/com2004_0327pt01.pdf (Julho de 2007)
76 Ver n.º 1, do art. 3.º da Directiva 93/37/CEE e art. 56.º a 59.º da Directiva 2004/18/CE.
77 No Processo C-324/98, o Tribunal de Justiça indicou a este respeito que “a obrigação de transparência a cargo da entidade adjudicante consiste em garantir, a favor de todos os potenciais concorrentes, um grau de publicidade adequado para garantir a abertura à
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
119
reconhecimento mútuo. Ou seja, o direito comunitário aplicável deriva
essencialmente de obrigações de carácter geral que não implicam qualquer
coordenação das legislações dos Estados-Membro (que, embora o pudessem
fazer, poucos se dotaram se legislação interna78), uma vez que as regras a
aplicar à selecção de um concessionário são, em grande parte, próprias para
cada caso concreto. A verdade é que esta situação pode colocar problemas
aos operadores comunitários porque a ausência de coordenação das
legislações nacionais acaba por constituir um obstáculo a uma verdadeira
abertura comunitária das operações em causa, em especial quando estas
operações se efectuam a nível transnacional.
Um outro problema salientado pela Comissão, e que se prende ainda
com esta fase inicial de selecção do parceiro privado, é o facto de nos
processos por infracção instruídos não ser fácil determinar se, na origem, está
um contrato público ou uma concessão. Esta destrinça é importante porque
“para os contratos qualificados de concessões no lançamento do processo, a
distribuição dos riscos e dos benefícios pode ser objecto de negociações no
decurso do processo. No seguimento destas negociações pode ocorrer que o
contrato em causa deva afinal ser qualificado de contrato público; esta
requalificação implica, com frequência, que se ponha em causa a legalidade
do processo de adjudicação escolhido pela entidade adjudicante”. Isto é, esta
situação faz com que as operações em causa sejam atingidas por uma
insegurança jurídica que prejudica o seu desenvolvimento. Daí que a
Comissão tenha sugerido que se procedesse à elaboração de uma operação
legislativa com o objectivo de coordenar os processos de adjudicação das
concessões na União, determinado o regime pormenorizado a aplicar à
adjudicação de concessões.
concorrência dos contratos de serviços, bem como o controlo da imparcialidade dos processos de adjudicação”.
78 Com excepção da Espanha (Lei 23 de Maio sobre as concessões de obras públicas), da Itália (Lei Merloni de 1994) e da França (Lei Sapin de 1993).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
120
Depois da selecção do parceiro privado, seguem-se as demais fase que
o projecto envolve. As fases posteriores à selecção, tanto em matéria de
contratos públicos, como em matéria de concessões, não são, de um modo
geral, objecto do direito comunitário. Ainda assim, os princípios da igualdade
de tratamento e da transparência que decorrem do Tratado opõem-se, em
regra, a qualquer intervenção do parceiro público após a selecção do parceiro
privado, isto na medida em que cada intervenção poderia colocar em causa a
igualdade de tratamento entre operadores económicos79. No entanto,
aspectos como o carácter complexo da montagem jurídico-financeira que é
exigida, o lapso de tempo que pode separar o momento da selecção do
parceiro privado e o momento da assinatura do contrato, a duração – bastante
longa, por regra – dos projectos e o recurso a mecanismos de subcontratação,
fazem com que, por vezes, se torne delicada a aplicação daqueles princípios.
O enquadramento legal e contratual do projecto é da competência do
direito nacional. No entanto, as cláusulas contratuais devem respeitar as
regras e princípios comunitários, o que implica, entre outros aspectos, que os
documentos de consulta indiquem claramente as condições e as modalidades
de execução dos contratos de modo a que os diferentes candidatos à parceria
as possam interpretar de modo idêntico. Assim, poder-se-á dizer que o êxito
das PPPs depende, em grande parte, do enquadramento contratual do
projecto e da determinação optimizada dos elementos que regularão a sua
aplicação, sendo crucial que seja feita uma avaliação adequada e uma melhor
repartição dos riscos entre o sector público e privado. Afigura-se, igualmente,
importante prever mecanismos que permitam avaliar regularmente o
desempenho do titular da PPPs, nomeadamente estabelecendo no contrato os
elementos que permitam estabelecer essa mesma avaliação.
Relativamente ao período em que o parceiro privado assumirá a
exploração de uma obra ou de um serviço deve ser estabelecido em função da
79 Ver processo C-87/94, Comissão/Bélgica (acórdão Bus Wallons, de 25 de Abril de 1994, n.º 54) e processo C-243/89, Comissão/Dinamarca (acórdão Storebaelt, de 22 de Junho de 1992).
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
121
necessidade de garantir o equilíbrio económico e financeiro de um
determinado projecto. Ou seja, a duração da parceria deve ser fixada
essencialmente de modo a não restringir ou limitar a livre concorrência para lá
do necessário à garantia de amortização dos investimentos e a uma
remuneração razoável dos capitais investidos – uma duração excessiva
poderá ser susceptível de censura com base nos princípios que regulam o
mercado interno ou nas disposições do Tratado em matéria de concorrência.
Dado que as relações das PPPs assentam numa prestação que se
prolonga no tempo, essas mesmas relações devem poder evoluir de forma a
ser possível a adaptação às mudanças do enquadramento macroeconómico
ou tecnológico que entretanto possam surgir. Assim, os documentos de
consulta, transmitidos aos proponentes ou candidatos no processo de
selecção, podem prever cláusulas de ajustamento automático, como, por
exemplo, através da previsão de cláusulas de indexação de preços ou de
cláusulas em que se estabeleçam as circunstâncias e as condições em que se
poderão rever as tarifas cobradas, ou, ainda, cláusulas de revisão que
indiquem precisamente as circunstâncias e as condições em que se poderão
introduzir ajustamentos na relação contratual.
Acontece ainda que, em determinadas operações, as instituições
financeiras reservam-se o direito de se substituírem ao gestor do projecto ou
de designarem novo gestor nos casos em que os fluxos financeiros gerados
pelo projecto acabem por descer abaixo de determinado nível. Este tipo de
cláusulas, conhecidas por “de step-in”, podem implicar a mudança de parceiro
privado sem lançamento de novo concurso. Daí que tais operações devam
merecer uma especial atenção para assegurar a compatibilidade com o direito
comunitário dos contratos públicos e das concessões. Pode dizer-se que, de
um modo geral, as modificações que ocorrem no decurso de uma PPP,
quando não são enquadradas nos documentos contratuais, têm,
frequentemente, como efeito colocar em causa o princípio da igualdade de
tratamento dos operadores económicos, pelo que se considera que tais
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
122
modificações só devem ser aceitáveis quando se tornem necessárias devido a
um acontecimento imprevisível.
Parcerias público-privadas institucionais
No que respeita às PPPs de segundo tipo, ou seja, às PPPs de tipo
institucionalizado, segundo a acepção do Livro Verde, as operações de PPPs
deste tipo implicam a criação de uma entidade detida, conjuntamente, pelo
parceiro público e pelo parceiro privado. A esta entidade comum incumbe a
tarefa de garantir a entrega de uma obra ou a prestação de um serviço em
benefício do público. A cooperação directa entre o parceiro público e o
parceiro privado, no quadro de uma entidade dotada de personalidade jurídica,
permite ao parceiro público, por um lado, manter um nível de controlo
relativamente elevado sobre todo o desenrolar das operações, através, por
exemplo, da sua presença entre os accionistas ou nos órgãos de decisão da
dita entidade comum; e, por outro, desenvolver a sua experiência na
exploração do serviço em causa.
A formação de uma PPP deste tipo pode, assim, realizar-se, quer pela
criação de uma entidade em que participem conjuntamente os sectores
público e privado, quer pelo controlo de uma empresa pública existente. No
primeiro caso, exige-se a constituição de uma parceria que, por sua vez,
implica a criação de uma entidade ad hoc em que participam conjuntamente
os sectores público e privado80. A selecção do parceiro privado, no âmbito do
funcionamento de uma entidade mista, não poderá basear-se exclusivamente
no seu contributo em capital ou na sua experiência, mas deverá ter também
em conta as características da sua proposta quanto às prestações específicas
a fornecer.
80 O que está aqui em causa é a criação de entidades ex novo no âmbito de uma figura jurídica específica. No entanto, ainda que não seja aqui tratada essa possibilidade porque não levanta questões no âmbito do direito comunitário, também é possível que a entidade comum seja uma entidade mista preexistente. Ainda assim, sempre se diga que o carácter misto de
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
123
A operação que consiste em criar a entidade comum não coloca
problemas em relação ao direito comunitário aplicável sempre que esta
constitui uma modalidade de execução da tarefa confiada, no âmbito de um
determinado contrato, a um parceiro privado. Todavia, as condições de
criação da entidade devem ser claramente estabelecidas aquando da abertura
do concurso81. A Comissão verificou que, com alguma frequência, as tarefas
confiadas à estrutura de parceria não estão definidas claramente e que, em
certos casos, não existe mesmo qualquer enquadramento contratual.
Outra observação feita pela Comissão prende-se com o facto de a
duração de vida da entidade criada não coincidir com a duração do contrato
ou da concessão, o que, ainda na opinião daquele organismo, “parece incitar à
recondução da tarefa confiada a esta entidade sem que para tal se tenha
organizado um verdadeiro concurso, pelo que, por vezes, estas tarefas são de
facto atribuídas por um período ilimitado”.
No segundo caso, em que o controlo de uma entidade pública se faz por
um operador privado, importa sublinhar que a passagem de uma empresa do
sector público para o sector privado é uma decisão de política económica que,
como tal, é da competência exclusiva dos Estados-Membro. Note-se que o
direito comunitário em matéria de contratos públicos não pretende ser
aplicável às operações que representem uma mera injecção de capital por
uma entidade financiadora numa empresa, quer esta pertença ao sector
público ou ao sector privado, uma vez que tais operações se incluem no
uma entidade que participa num concurso não implica qualquer derrogação às regras aplicáveis mo âmbito da adjudicação de um contrato público ou de uma concessão.
81 A Comissão das Comunidades Europeias veio dizer a este respeito que verificou que, em determinados Estados-Membro, “a legislação nacional permite às entidades mistas, em que o sector público participa como entidade adjudicante, tomar parte no processo de adjudicação de um contrato público ou de uma concessão embora essas entidades se encontrem em vias de constituição. Nesta hipótese, a entidade só será finalmente constituída se o contrato lhe for de facto adjudicado. Em outros Estados, desenvolveu-se uma prática que tende a confundir a fase de constituição da entidade e a fase de adjudicação das tarefas. O procedimento lançado pela entidade adjudicante tem, então, por objecto a criação de uma entidade mista a quem são confiadas determinadas tarefas – in http://eur-lex.europa.eu/lexuriserv/site/pt/com/2004/ com2004_0327pt01.pdf (Julho de 2007)
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
124
âmbito de aplicação das disposições do Tratado relativas à livre circulação de
capitais.
1. 2. Os resultados da consulta pública no âmbito do Livro Verde
Os resultados da consulta pública acima referida foram apresentados e
analisados num relatório – “Repport on the public consultation on the green
paper on public-private partenerships and community law on public contracts
and concessions-Brussels, 3.5.2005 SEC(2005) 629”82, que reflecte as
opiniões e as sugestões feitas pelas entidades que responderam ao
questionário. Tentou-se, assim, identificar, tão objectivamente quanto possível,
a orientação mais tendencial.
Vejamos, então, alguns dos aspectos mais relevantes dos resultados
obtidos através daquela consulta pública:
Uma pequena maioria manifestou-se inteiramente contra as PPPs
horizontais ao nível comunitário. A esmagadora maioria pronunciou-se no
sentido de apoiar iniciativas de PPPs horizontais. Neste âmbito, foram
apontados as seguintes sugestões: aplicação de regras processuais gerais,
clarificação do conceito de PPP, apresentação pública e obrigatória do
concurso.
Outro aspecto prende-se com a escolha e selecção do parceiro privado.
Muitos dos inquiridos consideraram que a transposição do novo procedimento
conhecido como “competitive dialogue” para as legislações nacionais
fornecerá às partes interessadas um procedimento particularmente capaz de
sustentar uma consistente tomada de posição e, simultaneamente, promoverá
82 In http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/ppp/ppp-report_en.pdf. (Julho de 2007). No total a Comissão recebeu 195 respostas ao questionário que elaborou. As respostas vieram dos governos da Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Lituânia, Holanda, Polónia, Portugal, Eslováquia, Espanha, Suécia e Reino Unido; de 15 outras autoridades públicas de Estados-Membro, 111 associações com membros privados e públicos, 38 empresas e de 13 pessoas individuais. Não chegou qualquer resposta do Chipre, Estónia, Grécia, Hungria, Letónia, Luxemburgo, Malta e Eslovénia.
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
125
a salvaguarda de direitos dos operadores económicos. Todavia, uma grande
maioria aponta vários problemas de ordem prática que se colocará com a
aplicação deste tipo de procedimento, sugerindo à Comissão que promova as
medidas necessárias para evitar tais situações, designadamente, através da
disponibilização de informações e esclarecimentos.
Uma grande maioria das respostas defende que a Comissão tome uma
iniciativa no sentido de clarificar definições e princípios, bem como esclarecer
a essencialidade de todo o procedimento da concessão.
Não há consenso sobre a questão de saber se a legislação comunitária
deve ou não regulamentar os contratos públicos e as concessões. Um número
substancial dos inquiridos salienta a falta da certeza legal ao nível comunitário
no que respeita às relações entre as autoridades públicas e os parceiros
privados que, por vezes, são tão próximas que a distância que os separa
quase que se esbate, parecendo mesmo que estão em causa relações entre
entidades não legalmente distintas. Uma clara maioria argumenta no sentido
de se favorecer a tomada de iniciativas ao nível comunitário de forma a
esclarecer e definir as obrigações de ambas as partes de forma a promover a
competição entre operadores potencial interessados por um projecto
institucional. Dentro dos que expressam esta opinião, uma maioria significativa
é favorável a que seja a Comissão a fornecer - pelo menos em primeiro – as
linhas de orientação nestas matérias.
Neste quadro, há uma quase unanimidade da defesa da existência de
uma estrutura de PPP pensada ao nível comunitário, onde se troquem
experiências sobre as melhores práticas nacionais.
1. 3. Impacto das parcerias público-privadas nas contas públicas:
as orientações do Eurostat
Não obstante a ausência de regulamentação específica no âmbito
comunitário relativamente às PPPs, o Eurostat, órgão responsável pela
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
126
informação estatística europeia, desde cedo, manifestou preocupação no
correcto tratamento das implicações financeiras das PPP nas contas públicas.
O tratamento contabilístico das parcerias público-privadas (PPPs) tem
levantado grandes discussões, não só na Europa, mas também por todo o
Mundo. Como refere um documento do Fundo Monetário Internacional (2004),
as PPPs são percepcionadas com uma forma de mascarar défice
(temporariamente) e dívida pública (permanentemente), de efectuar
investimento efectivamente público sob uma forma nominalmente privada –
motivo inconfessável, mas muito real.
Na sequência do surgimento destas novas figuras, iniciou-se um
movimento no sentido de estabelecer orientações por forma a enquadrar
correctamente a contabilização das PPPs, quer nas contas públicas, quer nas
contas privadas, dotando, assim, de maior transparência aquelas contas.
O Sistema Europeu de Contas Económicas Integradas (SEC95) foi um
dos instrumentos que lançou um olhar atento a estas novas figuras,
fornecendo um critério para o seu enquadramento contabilístico no seu anexo
II83. A entrada em vigor do Sistema Europeu de Contas Económicas
Integradas (SEC95), aprovado pelo Regulamento do Conselho de 25 de Junho
de 199684, juridicamente vinculativo na União Europeia, teve, assim, como
objectivo fornecer um instrumento contabilístico que possibilite a descrição
detalhada das economias nacionais, bem como a comparação entre as
mesmas e a avaliação da convergência.
Manual do SEC 95 sobre o défice e a dívida das administrações
públicas
83 Existem outros sistemas de contas que enquadram as PPPs, de entre as quais se destacam o Government Finance Statistics Manual 2001 (GFSM 2001) do FMI, estando, actualmente, a International Federation of Accountants a desenvolver um método para o tratamento das PPPs na contabilidade pública.
84 Posteriormente alterado pelos Regulamentos do Conselho 448/98, 1500/2000, 995/2001, 2558/2001 e 113/2002.
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
127
O Eurostat, Gabinete de Estatística das Comunidades Europeias, por
sua vez, após a entrada em vigor do novo Sistema Europeu de Contas
Económicas Integradas (SEC95), “de forma a obter estatísticas fiáveis e
comparáveis para a avaliação da convergência”, publicou o Manual do SEC 95
sobre o défice e a dívida das administrações públicas, com o objectivo de
facilitar a sua aplicação para o cálculo do défice orçamental e da dívida
pública” (cfr. preâmbulo).
Aquele Manual dedica um ponto exclusivamente às infra-estruturas
públicas financiadas e exploradas pelo sector das sociedades (ponto IV.4), no
qual distingue duas situações: 1) quando a “administração faz um contrato
com uma sociedade para a construção de uma infra-estrutura usada para o
fornecimento de serviços que constituem despesa de consumo final das
administrações públicas”85; e 2) quando “uma sociedade constrói e/ou opera
uma infra-estrutura pública e financia os custos debitando os utilizadores, que
não são as administrações públicas”86 (2002: 184).
Para cada uma daquelas situações, o Manual prevê respostas distintas
no que respeita ao tratamento nas contas públicas.
A primeira daquelas situações será a mais provável para o sector da
Justiça, tendo em atenção a natureza do serviço e o consumidor final. Assim,
dentro deste primeiro conjunto de situações, o Manual distingue, ainda, dois
85 O Manual fornece dois exemplos: “uma administração pública encarrega uma sociedade de construir uma prisão de acordo com um caderno de encargos que estabelece, e concorda com o pagamento a essa sociedade de um certo montante durante 25 anos por pôr à sua disposição a utilização da prisão, desde que a respectiva manutenção seja feita de forma adequada. Ao fim de 25 anos, a propriedade legal da prisão é transferida do adjudicatário para a administração pública”; e “uma administração pública faz um contrato com uma sociedade para a concepção e construção de uma estrada, sendo essa sociedade responsável pela manutenção da estrada durante 25 anos, de acordo com padrões acordados. A administração pública paga aos adjudicatários uma taxa anual em função do número de veículos que utilizam a estrada” (2002: 184).
86 Como exemplo para esta segunda situação, o Manual refere o caso de uma sociedade construir uma estrada e cobrar portagens aos veículos que a utilizam, podendo ou não proceder a pagamentos às administrações públicas (2002: 184).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
128
casos, de acordo com os exemplos dados, cuja diferença de tratamento nas
contas públicas reside, no essencial, na qualificação do contrato como de
locação operacional ou de locação financeira87.
No primeiro exemplo fornecido (construção de uma prisão por uma
sociedade, tendo em conta um caderno de encargos definido pela
administração, que paga durante 25 anos por pôr à sua disposição a utilização
da prisão, desde que a respectiva manutenção seja feita de forma adequada.
Findo aquele período, a propriedade legal da prisão é transferida do
adjudicatário para a administração pública), caso se entenda, considerando
todas as cláusulas do contrato, que é a sociedade que “está exposta à maioria
dos riscos e das vantagens ligadas à propriedade durante o período de
exploração”, a infra-estrutura deverá ser registada na conta de património da
sociedade.
87 Segundo o anexo II do SEC 95, a locação operacional tem as seguintes caracterísitcas: “the lessee acquires the right to use a durable good for a certain period of time, which may be long or short and not necessarily settled in advance. When the leasing period expires, the lessor expects to receive his good back in more or less the same condition as when he hired it out, apart from normal wear and tear. The lessor is then likely to hire out the good to another lessee or to use it otherwise. Thus, the leasing period does not cover all, or a predominant part of, the good’s economic lifetime. Units engaged in operating leasing possess expert knowledge about the kinds of durable goods they hire out. They keep stocks of these goods to be able to hire them out on demand or at short notice. Usually they offer a variety of models to choose from. In order to keep their durable goods in good working order, lessors must carry out maintenance and repair services on goods awaiting hire. Lessors also normally assume responsibility for repairs and maintenance of a good, as well as replacement in case of a breakdown, while the good is hired out to a lessee. Operating leasing does not cover situations where the owner of equipment also provides staff to operate the equipment, or the hiring of non-produced assets, as these activities are classified elsewhere”. A locação financeira é definida nos seguinte termos: “The lessee acquires the right to use a durable good in exchange for rental payments over a predetermined and protracted term. If all risks and rewards of ownership are, de facto though not de jure, transferred from lessor to lessee, the lease is a financial one. In financial leasing, the leasing period covers all, or most of, the economic lifetime of the durable good. At the end of the leasing period the lessee often has the option to buy the good at a nominal price. The lessor does not need to possess any expertise about the good in question. He offers no repair, maintenance or replacement services to the lessee. Normally, the good is chosen by the lessee and delivered directly to him by the producer or seller. The lessor’s role is thus purely financial. The ESA recognises the economic reality behind financial leasing by recording it as follows: the lessor provides the lessee with a loan enabling the lessee to purchase a durable good, of which the lessee becomes the de facto owner. Thus, the system treats the durable good as if owned by the lessee from the beginning of the leasing period. Rentals actually paid by the lessee to the lessor have to be subdivided into repayments of principal and interest payments related to the imputed loan”.
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
129
Tendo tal contrato as características de uma locação operacional,
segundo aquele Manual, “só os pagamentos regulares feitos pelas
administrações públicas têm impacto sobre a capacidade/necessidade líquida
de financiamento das administrações públicas. Se a infra-estrutura for
entregue às administrações públicas no final do período de exploração, entra
nas contas de património das administrações públicas através de uma
formação bruta de capital fixo, compensada por uma transferência de capital
(“Outras transferências de capital” D.99), sem qualquer impacto na
capacidade/necessidade líquida de financiamento das administrações públicas
(B.9)” (2002: 185).
Já no segundo exemplo (adjudicação a uma sociedade da concepção e
construção de uma estrada, sendo essa sociedade responsável pela
manutenção da estrada durante 25 anos, de acordo com padrões acordados,
mediante o pagamento pela administração pública de uma taxa anual em
função do número de veículos que utilizam a estrada), o contrato poderá ser
qualificado como de locação financeira. Se assim for, entende-se serem as
administrações públicas a suportar a maioria dos riscos e das vantagens
relacionadas com a propriedade durante o período de exploração.
Assim, segundo aquele Manual, “a infra-estrutura construída pela
sociedade é inscrita nas contas de património das administrações públicas
através da formação bruta de capital fixo (FBCF), compensada por um
empréstimo imputado (F.4) do mesmo valor. A FBCF é registada nas contas
das administrações públicas, de acordo com as regras do SEC 95 (ver ponto
3.112): há impacto sobre a capacidade/necessidade líquida de financiamento
das administrações públicas (B.9) pelo valor da FBCF. A dívida das
administrações públicas é aumentada pelo montante do empréstimo imputado.
Durante o período de exploração, os pagamentos anuais devem ser
subdivididos em reembolsos do capital e pagamentos de juros relativos ao
empréstimo imputado. Os pagamentos de juros têm impacto na
capacidade/necessidade líquida de financiamento das administrações públicas
(B.9)”.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
130
O Manual SEC 95 indica ainda oito factores que podem identificar um
contrato como de locação financeira ou de locação operacional: a
responsabilidade pela manutenção e seguro do activo; a responsabilidade
pelo reembolso do financiamento em caso de rescisão antecipada de um
contrato; a responsabilidade pela determinação do activo; a titularidade do
risco ligado à procura; a existência de receitas de terceiros; a dependência
entre os pagamentos das administrações públicas em relação à qualidade do
serviço; a variação dos pagamentos das administrações públicas em função
dos custos suportados pela empresa; a titularidade do risco ligado ao valor
residual.
Aquele Manual apresenta, assim, o seguinte quadro, com orientações
práticas quanto à forma de interpretar o anexo II do SEC 95:
1. Quem é responsável pela manutenção e seguro do activo?
Suponhamos que as administrações públicas se encarregam e pagam
directamente o seguro e a manutenção do activo.
Isto sugere uma locação financeira, uma vez que as administrações
públicas suportam o risco das variações nesses custos.
2. Quem reembolsa o financiamento em caso de rescisão antecipada
de um contrato?
Suponhamos que as administrações públicas são responsáveis pelo
reembolso da dívida da empresa, em caso de rescisão antecipada do contrato.
Esta situação sugere uma locação financeira, uma vez que as
administrações públicas suportam esse risco.
3. Quem determina a natureza do activo?
Suponhamos que a sociedade tem uma margem de manobra significativa e
permanente quanto à forma de cumprir o contrato, toma as decisões mais
importantes quanto à concepção e construção do activo e decide quanto à sua
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
131
operação e manutenção, de forma a fornecer o serviço requerido pelo
comprador,
Esta situação sugere uma locação operacional.
4. Quem suporta o risco ligado à procura?
A procura dos serviços fornecidos pelo activo pode ser maior ou menor que
o esperado.
Suponhamos que os rendimentos da sociedade são afectados pela procura
do activo, uma vez que administrações públicas ou os outros clientes apenas
pagam a quantidade de serviço consumido.
Esta situação sugere uma locação operacional.
5. Há receitas de terceiros?
Suponhamos que a sociedade usa o activo para fornecer serviços não só
às administrações públicas mas também a outros clientes e que as
administrações públicas não estão expostas à variabilidade da procura de
terceiros e que estas receitas são uma parte significativa do rendimento total
do activo.
Esta situação sugere uma locação operacional.
6. O nível dos pagamentos das administrações públicas depende da
qualidade do serviço?
Suponhamos que os pagamentos das administrações públicas são
reduzidos quando o serviço fornecido pela sociedade não atinge o padrão
requerido, mesmo que tal se deva mais a problemas relacionados com o
activo do que com o próprio processo operacional.
Esta situação sugere uma locação operacional
7. Os pagamentos das administrações públicas aumentam em função
dos custos suportados pela empresa?
Suponhamos que as administrações públicas pagam, efectivamente, mais,
se houver um aumento dos custos da empresa relacionados com o activo. A
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
132
empresa poderia, por exemplo, ter de enfrentar gastos de manutenção
superiores ao previsto.
Esta situação sugere uma locação financeira.
8. Quem suporta o risco ligado ao valor residual?
Suponhamos que as administrações públicas têm a opção de, no final do
contrato, comprarem o activo ao preço de mercado corrente e que não são
obrigadas a comprar o activo por um preço pré-acordado, se não
necessitarem dele ou se o activo não estiver em bom estado.
Esta situação sugere uma locação operacional.
No segundo tipo de situações acima descritas (quando as
administrações públicas não fazem pagamentos à sociedade), segundo o
Manual, a infra-estrutura deve ser sempre registada nas contas de património
da sociedade durante o período de exploração. Mas, também, nestes casos, o
Manual apresenta duas situações distintas com tratamentos distintos
relativamente ao tratamento nas contas públicas, dependendo de se a infra-
estrutura nova é construída pela sociedade88 ou se as administrações públicas
transferem uma infra-estrutura existente para a sociedade89.
88 Nestes casos, “há FBCF pela sociedade, sem impacto nas contas das administrações públicas. Se a infra-estrutura for entregue às administrações públicas no final do período de exploração, ela entra nas contas de património das administrações públicas através de FBCF, compensada por uma transferência de capital (“Outras transferências de capital” D.99), sem qualquer impacto na capacidade/necessidade líquida de financiamento das administrações públicas (D.9). Se, durante o contrato, forem feitos pagamentos pela sociedade às administrações públicas, esses pagamentos devem ser registados como rendas (D.45), se as administrações públicas puserem à disposição da sociedade um activo não produzido (como terrenos em que a infra-estrutura é construída), ou como impostos ("Outros impostos sobre a produção" D.29), se as administrações públicas não fornecerem nada em troca do pagamento” (2002: 186).
89 Nestes outros, a transferência da infra-estrutura existente “é registada como uma injecção de capital em espécie na conta de outras variações no volume de activos, sem qualquer impacto na capacidade/necessidade líquida de financiamento das administrações públicas: a situação pode ser considerada como uma reestruturação de activos fixos, direitos de propriedade e obrigações; é uma troca de um activo não financeiro por um activo financeiro (participação das administrações públicas na sociedade, AF.5), a registar de acordo com as regras definidas na parte II. 3. 2 (ponto 2.b.) deste manual. Se a infra-estrutura for devolvida às administrações públicas no final do período de exploração, entra nas contas de património das administrações públicas através da conta de outras variações no volume de activos, sem impacto na capacidade/necessidade líquida de financiamento das administrações públicas
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
133
Decisão do Eurostat sobre o défice e a dívida de Fevereiro de 2004 -
Tratamento das parcerias público-privadas nas contas públicas
Não obstante a publicação deste Manual com o propósito de clarificar as
regras contidas no SEC 95, o Eurostat teve necessidade de, em Fevereiro de
2004, proferir decisão relativamente ao tratamento das parcerias público-
privadas nas contas públicas, uma vez que subsistiam, ainda, dúvidas quanto
à sua qualificação (New decision of Eurostat on deficit and debt - Treatment of
public-private partnerships de 11 de Fevereiro de 2004).
Esta decisão do Eurostat refere-se a contratos de PPP da modalidade
DBOF – Design, Build, Operate and Finance (concepção, construção,
operação e financiamento) em que o Governo é o principal pagador. De
acordo com essa decisão, o parceiro privado deve arcar com o risco de
construção e também com o risco de disponibilidade ou da procura.
Na prática, muitos dos tipos de risco serão sempre partilhados em certa
medida, pelo que a questão é identificar qual a parte que suporta a maior parte
do risco.
Assim, o Eurostat, através daquela Decisão, recomenda que os activos
relacionados com uma parceria público-privada sejam classificados como
activos não públicos e não sejam lançados no balanço da administração,
desde que se verifiquem cumulativamente duas condições:
- o parceiro privado suporte o risco de construção, que engloba a entrega
tardia, a falta de respeito de normas específicas, os custos acrescidos, a
deficiência técnica, etc.; e
(ver capítulo II.1.2 deste manual: “Pagamentos feitos pelas empresas públicas às administrações públicas”, F.513). Se os pagamentos forem feitos pela sociedade às administrações públicas durante o contrato, devem ser registados como dividendos (D.421)” (2002: 187).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
134
- tome sob a sua responsabilidade um dos seguintes riscos: o risco da
disponibilidade, que corresponde, nomeadamente, à situação em que o
parceiro privado não consegue entregar o volume contratualmente
estabelecido ou não consegue atender às normas de segurança ou de
certificação públicas ligadas à prestação de serviços para com os utilizadores
finais, conforme estipulado no contrato; ou o risco ligado à procura, que cobre
a variação da procura (mais alta ou mais fraca do que a prevista na assinatura
do contrato) quando esta não é imputável à gestão do parceiro privado.
Aquela Decisão chama a atenção, no entanto, para a possibilidade de
existirem situações de classificação dúbia quanto à avaliação do risco. O
Eurostat adverte, assim, para situações em que, por exemplo, a partilha do
risco entre as duas entidades seja equilibrada ou baseada em hipóteses
frágeis, apontando para a possibilidade de serem tidos em linha de conta
outros elementos contratuais, nomeadamente, o financiamento público e o
efeito das garantias ou provisões publicas relacionadas com a aquisição final
dos bens.
Neste contexto, segundo o Eurostat, se, no final da parceria, não houver
transferência da propriedade para a administração pública, continuando o bem
com um valor económico significativo, então o mesmo deve ser classificado no
balanço do parceiro privado. Se, pelo contrário, a administração pública
assumir a obrigação de adquirir o bem no final do contrato a um preço pré-
determinado, que não reflicta o seu valor económico à data, ou se a
administração pública já tiver pago pelo direito de adquirir o bem ao longo do
contrato, através de pagamentos regulares que sejam superiores aos que
seriam inexistindo aquele direito, então pode existir uma razão para inscrever
aqueles bens nas contas públicas, se outros elementos da análise do risco
não derem uma resposta clara.90
90 "However, it may happen in some cases that the risk analysis, as mentioned above, might not give clear conclusions (for instance if at least for two categories the share in risk may be estimated as balanced or based on very fragile hypotheses). In these cases, some additional elements in a partnership contract should also be taken into consideration. Apart from an analysis of the nature of the partners (notably in specific cases where the partner is a public
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
135
O caso da Irlanda
A Irlanda, um dos países mais afectados por estas orientações do
Eurostat, publicou um documento com o objectivo de estabelecer um
enquadramento mais seguro das PPPs.
De acordo com aquele documento, o risco de construção é definido
como o risco de o bem sujeito à PPP poder, por exemplo, tornar-se disponível
apenas em data posterior à prevista no contrato; não corresponder aos
standards pré-estabelecidos; ou envolver custos acrescidos não previstos. Por
forma a avaliar se é o parceiro público ou o parceiro privado que suporta o
risco de construção, as principais questões com as quais os departamentos
governamentais têm que lidar, segundo aquele documento, são as seguintes:
quem paga pela entrega atrasada; por despesas que excedem o orçamento
previsto; pelas falhas de criação ou construção; e pelo risco de planificação ou
de localização.
Estas são as principais questões a ter em conta, mas poderá haver
outras, dependendo do contrato. Como regra geral, se pelo contrato de PPP
não se transmitem ao parceiro privado os riscos associados à entrega com
atraso ou às falhas de concepção ou construção, o bem será classificado no
Balanço da Administração Pública.
No que respeita aos atrasos temporais, o documento exemplifica
situações em que é possível provar a transferência do risco para o parceiro
corporation), the importance of government financing, the effect of government guarantees or provisions relating to the final allocation of the assets could be in some cases appropriate supplementary criteria. In this respect, if the assets remain the property of the partner at the end of the project, and if they still have a significant economic value, then it is normally classified on the partner's balance sheet. This also includes contracts where government has merely an option to buy the asset at the current market value. On the other hand, if government has a firm obligation to acquire the assets at the end of the contract at a pre-determined price that does not reflect the economic value of the assets at that time (such as expected on the basis of conservative hypothesis at the time the contract was signed), or has paid for the right to acquire the assets throughout the contract through regular payments that were higher than they would have been without that right, then there can be a reason to record the assets as government assets if the other tests do not give a clear answer."
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
136
privado: através de pagamentos unitários que têm apenas início quando o
bem está terminado de forma satisfatória e disponível para utilização. Alguns
contratos de PPP estipulam que o período do contrato será reduzido no caso
de terem lugar atrasos temporais. Tal implica que o termo do contrato está
previamente estabelecido e se a construção se atrasa por um certo número de
meses, o parceiro privado pode perder o pagamento unitário desse número de
meses.
Se o parceiro público é o principal atingido por uma perda devida à
entrega atrasada do bem, tal sugere que o bem deva estar incluído no balanço
da Administração Pública. Quando o parceiro privado é o principal atingido
pelo custo do atraso, então fará sentido considerar esse activo como não
incluído no balanço do Estado.
Da mesma forma, segundo aquele documento, quando a
responsabilidade por se ultrapassar o orçamento for do parceiro privado, o
activo não deverá ser incluído no balanço do parceiro Público. Em sentido
inverso, se o contrato de PPP prevê uma compensação ou a renegociação
dos pagamentos unitários no caso de ser ultrapassado o orçamento por
razões que não a responsabilidade do parceiro público, o bem deverá estar
incluído naquele balanço.
Relativamente ao risco de disponibilidade, aquele documento define-o
como o risco de que o parceiro privado não ofereça o nível de qualidade dos
serviços que foi acordado, durante a execução do contrato. Por exemplo, num
projecto referente a infra-estruturas de alojamento, o parceiro privado pode ter
que assegurar que o edifício está disponível e é mantido nos termos
especificados no contrato.
A questão principal diz respeito a quem suporta a perda, bem como a
gravidade e âmbito das penalizações, no caso de o bem ou parte do bem não
estar disponível para uso por culpa do operador, após passar o período de
tempo previsto no contrato considerado razoável para se proceder a
rectificações; se a qualidade dos serviços prestados se encontrar abaixo do
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
137
especificado no contrato; se o orçamento com a gestão corrente dos serviços
for ultrapassado.
A razão principal para a previsão contratual de penalizações é assegurar
uma performance e uma prestação de serviços eficiente. Para o risco de
disponibilidade ser atribuído ao parceiro privado, as penalizações devem ser
significativas e automáticas e no mínimo devem evidenciar a equidade do
parceiro privado no projecto.
Quando parte de um bem não pode ser utilizada, as penalizações
aplicadas devem basear-se na proporção do bem que não está disponível
para utilização. Em alguns contratos, o cálculo das penalizações deve ser
mais sofisticado e ter em conta o seu impacto relativo nos utentes. O referido
documento fornece o seguinte exemplo: no caso de uma auto-estrada, com os
pagamentos unitários ligados à disponibilidade das vias, podem ser aplicadas
diferentes penalizações no caso de serem fechadas vias em horas de grande
tráfego ou não. Os projectos podem não figurar no balanço da Administração
Pública mesmo quando não existam penalizações para eventos não
seguráveis, tais como terramotos.
Nos casos em que os pagamentos totais continuarem a ser feitos ao
sector privado a respeito do custo de capital do bem sem ser tomado em conta
o standard acordado para os serviços prestados, o bem figurará no balanço do
parceiro Público.
Segundo o documento elaborado pelo governo irlandês, o risco da
procura é o risco de que a procura pelos serviços de PPP possa ser
significativamente superior ou inferior ao previsto no contrato. Por exemplo, o
número de viaturas que utilizam uma auto-estrada pode ser superior ou
inferior ao previsto. Deve ser avaliado quem suporta as perdas se a procura
de determinado bem é inferior ao previsto. Se o parceiro privado enfrenta uma
perda significativa quando a procura é inferior ao previsto, o activo tende a não
estar incluído no balanço do Estado.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
138
Por último, aquele documento chama, ainda, a atenção para a
possibilidade de ser necessário fazer uma avaliação de outros tipos de
cláusulas, como, por exemplo, as relacionadas com garantias
governamentais91; joint ventures; financiamento92 e titularidade final dos bens.
Se de toda a análise que foi levada a cabo em relação ao risco de construção,
de disponibilidade e da procura não é claro sobre quem efectivamente suporta
o risco, o que foi acordado quanto à titularidade do bem no termo do contrato
pode determinar a classificação: se no termo do contrato de PPP o bem
permanece na titularidade do parceiro privado e possui um valor residual
significativo, é pouco provável que figure no balanço do parceiro público.
2. As recomendações da União Europeia
O Parecer do Comité das Regiões
São várias as recomendações de diferentes organismos comunitários
sobre esta matéria. Em reunião plenária realizada no dia 17 e 18 de Novembro
91 A decisão do Eurostat diz respeito ao tratamento de casos em que o Governo garante a dívida do parceiro privado. Na República da Irlanda, a política geralmente seguida é a de não emitir garantias ou cartas conforto. Quando, excepcionalmente, o Governo considera emitir garantias, o Public Financial Procedures estabelece claramente que “uma garantia apenas pode ser emitida quando é a própria entidade a emitir esta”. Em países nos quais o Governo pode garantir a dívida do parceiro privado, o projecto pode, ainda assim, não ser incluído no balanço, desde que a probabilidade de tal garantia vir a ser utilizada seja reduzida. Não obstante, a existência dessas garantias pode afectar a determinação da parte que arca com o risco do projecto. Se todo o capital do parceiro privado é garantido, o Governo terá necessariamente que arcar com o risco do projecto.
No âmbito das garantias, o FMI chama a atenção para as receitas garantidas contratualmente aos privados diminuindo os seus riscos. Por exemplo, o risco da procura diminui se o Estado fixar um patamar mínimo de receita independente da utilização do serviço; o risco do valor residual diminui se o Estado garantir à priori que comprará o bem no final do contrato por determinado preço.
92 Os subsídios de capital efectuados pelo Governo não tornam obrigatória a inclusão do projecto no balanço, desde que não cubram a maioria (mais de 50%) do custo de capital. Tais subsídios de capital têm impacto nas contas públicas (i.e., no défice), dado que os pagamentos são efectuados pelo Governo ao parceiro privado. Não obstante, a classificação de activos objecto de PPP será revista se o custo de capital de um projecto de PPP acaba por ser coberto pelo Governo na sua quase totalidade. Tal requer uma análise cuidada das responsabilidades tanto do Governo como do parceiro privado.
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
139
de 2004, o Comité das Regiões adoptou um parecer93, publicado no Jornal
Oficial da União Europeia em 23/03/2005, onde, desde logo, se congratula
com a iniciativa da Comissão Europeia no que respeita ao lançamento do
Livro Verde. Considera-se, contudo, que determinadas questões deveriam ser
abordadas numa perspectiva local e regional uma vez que “são justamente as
autarquias locais e regionais, por estarem mais próximas dos cidadãos, que
estão na posição ideal para avaliar se certas tarefas devem ser realizadas por
conta própria, ser adjudicadas ou executadas em colaboração com outros
parceiros. (…) São também geralmente as autarquias locais e regionais quem
mais se prestam para determinar a forma de financiamento dos serviços.”
Incluem-se neste Parecer as seguintes Recomendações:
a) os princípios da transparência, da igualdade de tratamento, da
proporcionalidade e do reconhecimento mútuo devem servir de base a todas
as formas de parcerias;
b) o papel das autarquias locais e regionais na definição, organização,
financiamento, e controlo dos serviços de interesse geral deve ser um papel
nuclear;
c) é fundamental alcançar um consenso político ao nível local ou regional
quando são celebrados contratos de duração indeterminada;
d) a perspectiva dos cidadãos deve ser particularmente acentuada uma
vez que é a estes que os serviços de interesse geral se destinam;
e) os projectos de PPPs devem ser acessíveis a todos, reforçando a
ideia da importância de um diálogo amplo entre os organismos adquirentes e
as empresas fornecedoras;
93 Parecer do Comité das Regiões sobre o “Livro Verde sobre as PPPs institucionalizadas e o direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões”, (2005/C 71/05), in Jornal Oficial da União Europeia, 22/03/2005, C 71/19 a C71/21.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
140
f) a legislação em vigor, em regra, é bastante complexa e não propícia à
flexibilidade e a ideias inovadoras, o que deve ser objecto de reflexão.
O Parecer do Comité Económico e Social Europeu
O Comité Económico e Social Europeu (CESE), no seguimento da
reunião plenária de 9 e 10 de Março de 2005, emitiu um outro parecer sobre
esta temática, mas com incidência a um campo mais restrito – “O papel do BEI
nas parcerias público-privadas e consequências para o crescimento94.
O CESE começa por reconhecer os progressos trazidos pelo
desenvolvimento das PPPs, mas também chama a atenção para o facto de
continuarem a ser muitos os “obstáculos a ultrapassar antes de as autoridades
públicas dos Estados-Membro praticarem regularmente essa parceria”. Nesta
linha argumentativa, refere que vários Estados-Membro criaram unidades de
peritos para o estabelecimento de contratos de PPPs e para a identificação
das boas práticas. Assim, o CESE propõe “a generalização de comparações
sistemáticas entre os projectos realizados pelas autoridades públicas e pelas
empresas privadas (custo, desempenho, etc.) e a coordenação europeia
através de um grupo de peritos de alto nível”.
Relativamente ao tema central do seu Parecer, começa por notar que o
financiamento de projectos de PPPs pelo BEI pode ir de 1/6 até 1/2 do
montante global investido. Nesta sequência, afirma que “o potencial do Banco
de Investimentos Europeu não é aproveitado ao máximo neste domínio”.
Assim, e porque considera essencial uma estratégia global para a
investigação, desenvolvimento e inovação da política económica da União
Europeia, considera imprescindível que o BEI passe a “atribuir recursos
consideráveis a este domínio, em particular na investigação aplicada e nas
inovações”. Considera-se que o BEI pode contribuir para que as autoridades
94 Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre “O papel do BEI nas parcerias público-privadas (PPP) e consequências para o crescimento”, (2005/C 234/12), in Jornal Oficial da União Europeia, 22/09/2005, C 234/52 a C 234/59.
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
141
públicas reduzam os custos e apliquem uma política rigorosa de avaliação de
projectos e de transferência de riscos na realização de PPPs nos Estados-
Membro. O CESE recomenda, ainda, ao BEI o financiamento da “investigação
aplicada e a inovação, incluindo patentes, isto tendo em vista a afirmação da
UE no mercado mundial”. Uma outra recomendação prende-se com a
necessidade de o BEI garantir o respeito pelas normas sociais, sanitárias e de
acesso às infra-estruturas realizadas através das PPPs que co-financia, e de o
dever fazer em todas as fases, nomeadamente, na fase de concepção,
realização e gestão; e de dever incentivar uma rigorosa igualdade de
competição, jurídica e fiscal, entre as entidades públicas e privadas, em todos
os projectos em que participe.
O Parecer da Comissão de Desenvolvimento Regional
Também a Comissão de Desenvolvimento Regional emitiu, em
28/04/2006, um Parecer destinado à Comissão do Mercado Interno e da
Protecção dos Consumidores relativo às Parecerias Público-Privados e ao
Direito Comunitário sobre contratos públicos e concessões95. De entre as
Recomendações aí previstas, destacamos as seguintes:
a) as normas que regem a criação e o funcionamento das PPPs
institucionalizadas e o novo processo de diálogo no domínio da concorrência
devem ser esclarecidas no quadro de uma comunicação da Comissão;
b) necessidade de eliminar a insegurança jurídica na sequência de
acórdãos do Tribunal de Justiça96 quanto ao processo de adjudicação dos
95 Parecer destinado à Comissão do Mercado Interno e da Protecção dos Consumidores relativo às Parecerias Público-Privados e ao Direito Comunitário sobre contratos públicos e concessões, (2006/2043(INI)), [AD\612233PT.doc; PE 369.904v02-00].
96 “Stadt Hall” (C-26/03), Acórdão do TJ, de 11 de Janeiro de 2005; “Parking Brixton” (C-458/03), Acórdão do TJ, de 13 de Outubro de 2005; “Coname v. Comune de’Botti case” (C-231/03), Acórdão do ST, de 21 de Julho de 2005.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
142
contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de
fornecimento e dos contratos públicos de serviços97;
c) apelo à Comissão para que esta crie, em colaboração com o BEI, um
Centro Europeu de Especialização em PPPs, a fim de proceder à avaliação
regular dos progressos e resultados das PPPs, de promover a troca de
experiências relativas a práticas de excelência na organização de PPPs nos
múltiplos sectores de actividade, e, ainda, à realização de projectos-piloto.98;
d) envolvimento dos representantes dos interesses regionais e locais na
elaboração de normas no âmbito das PPPs.
O Parecer da Comissão dos Transportes e do Turismo
Também a Comissão dos Transportes e do Turismo elaborou um
parecer, com data de 31/08/2006, destinado à Comissão do Mercado Interno e
da Protecção dos Consumidores sobre as PPPs e o direito comunitário, sobre
contratos públicos e concessões99. Neste documento chamava-se a atenção,
entre outros, para os seguintes pontos:
a) adopção pela Comissão de um instrumento jurídico que defina
orientações sobre as diferentes modalidades de PPPs, a fim de garantir o
respeito pelos princípios de igualdade de tratamento e de uniformidade entre
os Estados-Membro, deixando, no entanto, aos Estados-Membro a máxima
liberdade em termos de modalidades de aplicação, em conformidade com o
princípio de subsidiariedade;
97 Directiva 2004/18/CE (JO L 134, de 30/04/2004, pag. 114).
98 Ou seja, referenciar as situações que ocorrem com frequência e em que as PPPs produzem os melhores resultados, o que constituiria, a par de uma relatório de práticas de excelência dos vários Estados-Membro, uma preciosa ajuda para os Estados onde ainda existem muitas sobre o recurso e utilização de PPPs.
99 Parecer da Comissão dos Transportes e do Turismo destinado à Comissão do Mercado Interno e da Protecção dos Consumidores sobre as parcerias público-privadas e o direito comunitário sobre contratos públicos e concessões (2006/2043(INI)), [AD\578384PT.doc; PE 357.741v03-00].
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
143
b) definição das “melhores práticas” e das “práticas a banir”,
particularmente no que se refere à fase da escolha do contraente, privado,
público ou misto;
c) no que respeita às PPPs contratuais, sugere-se que sempre que seja
lançado um projecto, se proceda à elaboração de um termo de comparação
prévio no sector público e à análise do custo/benefício para o sector público;
d) assegurar que a Comissão, por meio do controlo comunitário dos
auxílios estatais, garanta que a concessão de subvenções não comporte
discriminações entre os operadores, sejam eles privados, públicos ou mistos.
O segundo Parecer do Comité das Regiões
Mais recentemente, em 31 de Outubro de 2006, o Comité das Regiões
voltou a emitir um novo Parecer sobre a Comunicação da Comissão ao
Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e
ao Comité das Regiões sobre as PPPs100.
Neste parecer, o Comité chama a atenção para o facto de o recurso às
PPPs nem sempre ser a solução mais adequada uma vez que esta opção
apenas se justifica nos casos em que a PPPs representa uma melhoria da
qualidade do serviço prestado aos cidadãos no concreto contexto de um
determinado projecto. Considera que são os órgãos de poder local e regional,
mais próximos dos utentes dos serviços públicos a prestar, que se encontram
em melhor posição para decidir como financiar esses mesmos serviços, ou,
ainda, a forma que deve assumir a PPPs. O que não significa que não
considere que o sector público pode, de facto, ter vantagens em recorrer ao
100 “Parecer sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre as Parcerias Público-Privadas e o Direito Comunitário sobre contratos públicos e concessões”, COM(2005) 569 final, ECOS-IV-003, in http://www.cor.europa.eu (Outubro de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
144
mecanismo das PPPs101. Salienta-se, ainda, a importância da confiança mútua
entre os parceiros e a transparência nos contactos entre os mesmos, por
forma a assegurar um desenvolvimento livre e sem obstáculos. Para o efeito,
defende-se a existência de condições financeiras sólidas; de transparência e
clareza das disposições contratuais; de estimativas financeiras exactas dos
projectos; de garantia de protecção jurídica para ambos os parceiros.
Considerando que a prioridade num projecto de PPP é a de garantir aos
cidadãos a qualidade, a segurança e a continuidade do serviço a prestar,
destaca-se a necessidade de controlo pelas autoridades públicas da prestação
desses serviços.
Comunicação da Comissão
A Comissão das Comunidades Europeias, num dos seus comunicados
(Uma política de coesão para apoiar o crescimento e o emprego: orientações
estratégicas comunitárias, 2007-2013) 102, afirmou que, no contexto da política
de coesão, também deve atender-se ao desempenho e ao sucesso das
políticas públicas, considerando, ainda, que a “criação de projectos inovadores
com base em parcerias, o incentivo à participação da sociedade civil na
formulação e na execução das políticas públicas, bem como a melhoria da
interacção entre as comunidades e dentro de cada uma delas podem
contribuir para gerar o capital humano e social que conduz ao emprego
sustentável, ao crescimento, à competitividade e à coesão social.”
101 O documento apontava diversas vantagens, de entre elas: a participação de capital privado para financiamento de projectos de interesse público, o que permite realizar economias orçamentais e reduzir os custos de investimento; a transferência de riscos para o parceiro privado; a maior agilidade e flexibilidade do sector privado; a garantia de uma execução rigorosa dos investimentos, uma vez que a exploração ou a manutenção do projecto concebido, construído ou renovado será feita pela entidade privada que terá interesse na sua conclusão atempada; a garantia, a longo prazo, de prestação de serviços públicos de boa qualidade.
102 Cf. Comunicação da Comissão, Bruxelas, 05.07.2005, COM(2005) 0299,in http://ec.europa.eu/regional_policy/sources/docoffic/2007/osc/050706osc_pt.pdf (Outubro de 2007).
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
145
Nesse documento pode ler-se que as parcerias entre o sector público e o
sector privado podem revelar-se “um método adequado para financiar os
investimentos quando existe uma margem significativa para a participação do
sector privado, especialmente nos sectores em que não é viável ou adequado
excluir o sector público nem contar exclusivamente com o mercado.” Na
opinião expressa pela Comissão, as PPPs, para além de poderem funcionar
como uma alavanca financeira, também contribuem para melhorar a qualidade
da execução e a gestão dos projectos, concluindo, fazendo um apelo aos
Estados-Membro para que ponderem sobre a possibilidade de optarem por
este tipo de parcerias sempre que pretendam iniciar projectos que cuja
execução se possa inserir neste âmbito. A Comissão refere, ainda, que a “UE
apoiará estas PPPs financiando-as através dos fundos estruturais e dos
fundos de coesão, sempre que os projectos satisfaçam todos os critérios
necessários. Para os projectos de maior envergadura, a Comissão incentivará
os Estados-Membro a incluir uma avaliação da pertinência de recorrer a uma
PPP. O BEI e o FEI poderiam dar um valioso contributo nesse sentido.”
3. Estudos e opiniões
Num estudo de Andrea Renda e Lorna Schrefler103, encomendado pelo
Parlamento Europeu entregue em Fevereiro de 2006, pode ler-se que, de um
ponto de vista teórico, a principal justificação para a adopção de PPPs é a
possibilidade de explorar as qualificações de gestão e de eficiência do sector
privado, elevando assim os padrões de qualidade a obter graças aos
mecanismos próprios do controlo público. Para as autoras o objectivo final das
PPPs é, assim, obter por esta via mais value for money. A este respeito
escrevem que embora a avaliação ex ante do valor previsto para o dinheiro
seja extremamente complexa, ainda assim, pelo menos em regra, pode dizer-
se que o recurso a PPPs permite gerar mais valias sempre que se conseguem
as seguintes condições: redução dos custos com o ciclo de vida; maior
103 In http://www.europarl.europa.eu/camparl/imco/studies/0602_ppp_briefingnote_en.pdf (Julho 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
146
previsão do risco; execução mais célere; aumento da qualidade dos serviços
prestados; rendimento acrescido.
Conclui-se, assim, que as PPPs devem ser encaradas como benefício
social sempre que, comparado com um projecto in-house do sector público, os
ganhos líquidos realizados pelas PPPs são maiores do que ganhos líquidos
correspondentes efectuado pela via tradicional.
Neste texto, coloca-se, ainda, a questão de saber em que sectores pode
considerar-se que as PPPs são uma opção válida. As autoras consideram que
as PPPs efectuadas para financiar a construção de estradas e de caminhos de
ferro, para a gestão das águas e resíduos, e para a construção de edifícios
para a saúde e a educação foram um êxito. Daí que as tendências europeias
apontem para a possibilidade de expansão do seu potencial para outros
sectores.
Todavia, falta ainda verificar se as PPPs são realmente capazes de
assegurar value for money em áreas ligadas estreitamente ao núcleo duro de
atribuições do sector público, designadamente a prestação de serviços
médicos, no âmbito da educação e dos serviços prisionais. A este respeito
referem que os vários Estados-Membro têm avançado com diferentes
abordagens aos possíveis esquemas de PPPs para estas novas áreas,
realçando, ainda, que alguns países como o Reino Unido, a França, a Bélgica,
a Finlândia e a Grécia se têm mostrado muito activos. Pelo que, a futura
expansão de PPPs a estas novas áreas em muito dependerá do sucesso ou
não dos projectos pioneiros já existentes. Consideram, contudo, ser possível
tecer algumas conclusões preliminares. Como sugere a teoria predominante,
as PPPs neste sectores apenas serão um sucesso se a qualidade do serviço
poder ser garantida. O que pode ser particularmente complexo de se
conseguir nestas áreas, onde os objectivos do público-alvo colidem, em regra,
com o comportamento de redução de custos do parceiro privado, levando a
que haja toda uma complexa relação contratual que quase sempre evolvem
renegociações atrás de renegociações.
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
147
Assim, a economia de custo calculada ex-ante pode resultar em
avultados aumentos de custo só verificados a posteriori, ou porque os
objectivos públicos não são atingidos, ou porque as tentativas de identificar,
calcular, e garantir a qualidade do serviço se traduzem num elevado
investimento para a entidade pública, sem resultados e com custos
acrescidos.
A verdade é que os Estados-Membro estão, cada vez mais, a recorrer às
PPPs como uma verdadeira alternativa ao financiamento tradicional104. Na
maior parte das experiências nacionais avançadas, estão a ser tentadas novas
configurações de PPPs de forma a que se possam adaptar às especificidades
dos novos sectores a que se pretendem vir a aplicar. Neste sentido, pode ler-
se neste texto que, de acordo com a experiência de terreno, cada alteração ao
modelo de PPP a existir deve ser projectada e adaptada às características
específicas do sector em causa, bem como as competências particulares dos
parceiros privados envolvidos no projecto. Para garantir value for money todos
os factores, ainda que adjacentes, devem ser ponderados, bem como também
se deve ter em linha de conta as possibilidade de fracasso e as falhas que
cada projecto pode implicar.
A discussão em torno das PPPs foi o ponto-chave e de maior interesse
durante os dias em que se realizou o “Committee of the Region's 2006”, tendo
sido várias e com diferentes pontos de vista as intervenções sobre esta
matéria105. Vejamos algumas delas:
Danuta Hübner, Comissária Europeia para Assuntos de Política
Regional, explica porque as PPPs são tão importantes para aumentar a
104 As autoras escrevem que, apesar da ausência de legislação comunitárias específica, o Livro Verde lançou o diálogo e o debate entre as diferentes instituições e os parceiros provados.
105 In http://www.eupolitix.com/EN/Legislation/200610 (Julho 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
148
qualidade de vida, especialmente em algumas regiões menos favorecidas da
UE.
Segundo a opinião desta Comissária, dado o tamanho das necessidades
do investimento em infra-estruturas seria impensável confiar apenas na
despesa pública, uma vez que esta opção levaria a uma insustentável tensão
sobre finanças públicas, especialmente nas economias que têm que seguir
uma rígida disciplina fiscal. Além disso, o sector público sozinho tende a não
ter a capacidade de realizar projectos de infra-estruturas de grande escala. É,
assim, vital que se mobilize todas as fontes de financiamento, de perícia e de
know-how para sustentar o crescimento e a competitividade na Europa.
As PPPs são, desta forma, apontadas como um instrumento chave na
sustentação deste objectivo. Considera que os projectos onde o sector privado
fornece apenas o financiamento não podem representar a melhor opção
porque o sector público, em regra, estará numa posição mais privilegiada para
obter melhores condições de financiamento. Assim, para além da alavanca
financeira que as PPPs proporcionam, devem também visar-se a execução e
a gestão dos projectos em causa. Ou seja, os potenciais benefícios das PPPs
devem ser considerados de diferentes ângulos.
O sector público consegue, por esta via, aceder às competências mais
reconhecidas do sector privado e são estas que devem possibilitar execução e
prestação de um serviço mais eficiente e com menos custos, o que se
consegue, designadamente, quando o parceiro privado fica responsável,
simultaneamente, pelo projecto, pela construção, pela gestão e pelo
financiamento.
Não obstante, é necessário que, antes de se decidir avançar com uma
PPP, se salvaguardem determinadas condições, como a existência de uma
estrutura legal que não venha colocar entraves, um conhecimento e
capacidades administrativa para entregar projectos complexos, para avaliar as
contrapartidas e as implicações fiscais.
As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia
149
Para Charlie McCreevy, Comissário Europeu para o Mercado Interno, em
tempos em que os orçamentos públicos são cada vez mais apertados, a
importância das PPPs para a economia europeia não pode ser subestimada,
essencialmente para os novos Estados-Membro em que a redução de
despesas com os serviços públicos é a chave para um desenvolvimento
económico sustentado. Mas também nas economias mais estáveis, esta pode
ser a chave para sustentar uma vantagem competitiva. Considera, no entanto,
como um forte obstáculo a complexidade e ambiguidade das normas jurídicas
que, no contexto da União Europeia, enquadram legalmente as PPPs.
Assim, a melhoria das práticas por parte das entidades públicas e um
esforço para que a legislação existente se torne mais eficaz e adequada são,
para este Comissário, um ponto essencial para que se consiga fazer face aos
problemas de financiamento do sector público que, a longo prazo, se tornarão
inevitavelmente mais vincados. Actualmente, uma autoridade pública ao
realizar um concessão de um serviço a um parceiro privado é apenas obrigada
a respeitar os princípios gerais consagrados no tratado da UE,
designadamente, o da transparência, o da não discriminação e o da
proporcionalidade, cuja aplicação suscita muitas dúvidas.
De facto, na opinião deste Comissário, a falta de clarificação e a
incerteza que as normas comunitárias incorporam é inaceitável. A incerteza
sobre quais as normas que se aplicam à concessão de uma PPP podem,
claramente, transformar-se num obstáculo à competição na área de
concessões, podendo limitar a oferta do potencial financiamento privado.
Considera, por isso, premente uma iniciativa legislativa ao nível comunitário,
capaz de fornecer uma estrutura legal estável no âmbito dos projectos a
realizar através do recurso a PPPs.
Segundo Catarina Segersten-Larsson, membro do Comité das Regiões,
as normas comunitárias em matéria de PPPs devem ser suficientemente
plásticas de forma a possibilitar a sua aplicação a novas iniciativas. Neste
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
150
sentido, afirma que a burocracia associada à obtenção de parcerias não deve
mascarar todo o potencial do negócio em causa.
Salienta, ainda, que é essencial que numa parceria em que todas as
partes envolvidas têm um objectivo comum, o factor do relacionamento
recíproco esteja presente de forma a que se consiga, mais facilmente,
melhorar, desenvolver ou criar novas soluções. Ao mesmo tempo, é, também,
importante reforçar a ideia de que as PPPs não podem ser vistas como uma
solução milagrosa, devendo cada projecto ser bem avaliado para se apurar o
valor adicional resultante do recurso a uma PPP.
Por fim, são feitas algumas chamadas de atenção sobre as
desigualdades que separam e distanciam as realidades de cada Estado-
Membro, bem como para as diferenças que caracterizam as diferentes áreas
de cada sector de actividade, concluindo que o desafio é o de encontrar o
equilíbrio entre a regulamentação das PPPs ao nível comunitário e, ainda
assim, conseguir explorar todo o potencial inerente à filosofia da parceria, com
toda a flexibilidade que lhe deve ser característica.
Análise da experiência comparada
151
Capítulo IV
Análise da experiência comparada
• A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-
privadas
• A experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
• A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das
parcerias público-privadas
• A experiência da França: o pioneirismo na Europa Continental
• A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-
privadas
• A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias
público-privadas
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
152
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
153
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
O Reino Unido é considerado o país pioneiro na adopção de parcerias público-privadas e
no seu alargamento aos sectores sociais. A Private Finance Initiative (PFI) foi o primeiro programa
político sistemático de parcerias público-privadas. Foi introduzida em 1992 e prosseguida em 1997
pelo New Labour de Tony Blair. Provocou uma alteração relevante da lógica e expectativas em torno
dos serviços públicos, que passaram a recorrer sistematicamente ao sector privado para o seu
financiamento, concepção, construção e gestão. Os contratos de PFI englobam acordos tripartidos:
um contrato de PFI principal entre o parceiro público e o parceiro privado; um contrato de
financiamento entre a entidade encarregue de gerir o projecto e a entidade financiadora; e um
acordo directo entre a entidade financiadora e a administração. De acordo com o relatório de 2006
do HM Treasury, a PFI enquadrou até 2005 cerca de 700 contratos, no valor total de 46 biliões de
libras e prevê-se que até 2010 se concluam mais 200 contratos, no valor de 26 biliões de libras.
Contudo, apesar do aumento significativo destes projectos, representavam, em 2005-2006, apenas
10% do investimento em activos públicos, face a 40% por métodos tradicionais, e previa-se que
estabilizasse no intervalo 10-15%, dado que começa a sobrevir alguma reserva.
Em consonância com o desenvolvimento das PPPs, há a referir a publicação de vários
relatórios, a criação de organismos de apoio e controlo das PPPs e de grupos de trabalho, e o
desenvolvimento de contratos standard de PFI. De entre as organizações criadas, destaca-se a
Partnerships UK (PUK), criada em 2000, ela própria uma joint-venture entre o HM Treasury e o
sector privado. A PUK também disponibiliza recursos financeiros para projectos que não os
conseguem reunir nos mercados financeiros, assumindo-se, assim, como um verdadeiro promotor
de projectos. O HM Treasury constitui a principal instituição pública para as PFI/PPPs. Um
departamento específico do HM Treasury - Office of Government Commerce - assume as funções
de sistematização e supervisão contratual. As funções de auditoria pública da PFI/PPP são da
responsabilidade do National Audit Office, auxiliado pelo Public Accounts Committee. Existem,
ainda, unidades sectoriais específicas, como a Partnerships for Health, criada em 2001, e a
Partnerships for Schools, criada em 2004.
Não existe uma lei especificamente dirigida à regulação das PFI/PPPs. A maioria das
regras relativas a PFI/PPPs encontra-se em orientações emanadas pelo HM Treasury, que integram
um vasto número de publicações de órgãos específicos do grupo de trabalho do HM Treasury.
O Reino Unido é o país com o espectro mais amplo de aplicação sectorial de PPPs. O
Departamento da Saúde é, actualmente, um dos maiores utilizadores destes contratos. Contudo, a
avaliação de poupança efectiva, neste sector, e a eventual redução do número de camas nos
hospitais são dois dos principais factores de controvérsia sobre o recurso a PFI/PPPs nesta área.
No sector da justiça têm sido celebrados vários contratos de PFI/PPPs no âmbito de
tribunais, prisões e centros de treino para jovens delinquentes. Os contratos podem incluir a
concepção do projecto, o financiamento, a construção, a gestão e a manutenção dos equipamentos,
assim como a prestação de serviços conexos, como serviços de limpeza, de segurança,
relacionados com tecnologias de informação, entre outros. As funções de âmbito judicial,
designadamente as desempenhadas por magistrados, funcionários judiciais ou por outros
operadores em que esteja em causa a independência judicial, não são incluídas nos projectos.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
154
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
155
Introdução
Como já referimos, o Reino Unido é considerado o país pioneiro na
adopção de parcerias público-privadas e no seu alargamento aos sectores
sociais. A Private Finance Initiative (PFI) insere-se num processo mais amplo
de reformas do sector público no Reino Unido, que inclui diversas iniciativas
que, em comum, prevêem uma maior participação do sector privado no sector
público. As parcerias têm sido consideradas um elemento-chave do programa
de modernização do Governo e de promoção da qualidade dos serviços
públicos no Reino Unido. O investimento no sector público é encaminhado
para PFI quando se considera que aquela representa value for money. O
financiamento privado é tido como preferível em projectos de avultados
investimentos, de fácil definição de outputs e em que se reconhece que a
experiência acumulada do sector privado representa uma mais-valia.
Não existe qualquer legislação específica para regular projectos de PFI,
tendo sido apenas emitidas sucessivas orientações do HM Treasury.
No Reino Unido os projectos de PFI/PPPs encontram-se em áreas muito
diversas, designadamente infra-estruturas de transporte, escolas, hospitais,
tribunais, prisões, esquadras de polícia e quartéis de bombeiros, habitação
social, serviços relacionados com o ambiente, equipamento militar, sistemas
de informação tecnológica e centros de lazer.
No sector da justiça têm sido celebrados contratos de PFI/PPPs no
âmbito de tribunais, prisões, centros de treino para jovens delinquentes. Os
contratos, que podem incluir a concepção do projecto, o financiamento, a
construção, o funcionamento, o fornecimento de alimentação, de serviços de
limpeza e de segurança, entre outros serviços, têm geralmente uma duração
entre 25 e 30 anos. As funções de âmbito judicial, designadamente as
desempenhadas por funcionários judiciais e relacionadas com a
independência judicial, não são incluídas nos projectos.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
156
1. Das Ryrie Rules à Private Finance Initiative (PFI)
Como mencionámos no Capítulo I, no Reino Unido, o Governo de
Margaret Thatcher veio dinamizar fortemente o investimento privado no sector
público. Uma das primeiras medidas consistiu na privatização de empresas
públicas106, designadamente da British Telecom e da British Gas, dando início
a uma fase de privatizações, de liberalização dos mercados e de redução da
dimensão do papel do Estado (Owen e Merna, 1997: 317).
O debate sobre a viabilidade e os limites do investimento privado no
sector público arrancou com o “Report of National Economic Development
Council Working Party on Nationalised Industries“, mais conhecido como Ryrie
Rules107. As Ryrie Rules, guia dirigido a todos os ministérios, orientavam a
delegação de actividades públicas pela via contratual. Estas regras
estabeleceram os critérios para o financiamento privado no sector público,
impondo, como referimos no Capítulo I, duas condições principais para a
celebração de tais contratos: os projectos deveriam assegurar value for money
e transferir risco para o sector privado (Ghobadian et al., 2004: 3-4).
As Ryrie Rules foram, contudo, consideradas demasiado restritivas, por
um lado, porque incentivavam as entidades públicas a procurarem alternativas
de financiamento e, por outro, por criarem obstáculos a uma maior
participação privada em projectos do sector público. Até a PFI ser oficialmente
estabelecida, apenas cinco projectos foram desenvolvidos com participação
do sector privado - um desses projectos foi a ponte Queen Elizabeth II, em
1987. Em 1989, John Major, Secretário-Chefe do HM Treasury, anunciou o fim
das Ryrie Rules, que viriam a ser substituídas em 1992, quando o HM
Treasury Autumn Statement anunciou importantes mudanças nas regras de
financiamento privado do sector público (Gil, 2004: 57-59).
106 Cf. distinção entre privatização em sentido lato e em sentido estrito no Capítulo I, ponto 1.1.3.. 107 A designação decorre do facto de Sir William Ryrie, alto responsável da administração de finanças, presidir ao referido “National Economic Development Council”
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
157
As novas regras surgidas em 1992 marcam o relançamento do
financiamento privado, agora sob a forma de Private Finance Initiative (PFI),
oficialmente anunciada pelo Chancelor of the Exchequer, Norman Lamont. Os
objectivos governamentais eram (1) o aumento da capacidade do investimento
público recorrendo a mecanismos do sector privado, (2) a melhoria da
qualidade dos serviços públicos (3) e a diminuição da despesa pública,
beneficiando da competência e da capacidade de inovação do sector
privado108.
O relançamento da Private Finance Initiative
Numa fase inicial, a PFI não alcançou o sucesso esperado, voltando a
ser relançada em 1993 e 1995. Em 1993, foi criado o Private Finance Panel
(PFP), um painel independente de consultores cuja principal função era
assessorar os agentes públicos ou privados. Posteriormente, foram
acrescentadas outras atribuições ao PFP: actuar como coordenador central de
informação, elaborar estudos de caso de projectos já realizados e promover
cursos de formação para funcionários públicos e para o sector privado. Para
prestar apoio à administração local foi criado em 1996 o Public Private
Partnership Programme - 4Ps, um programa equivalente ao PFP, mas cujo
âmbito de actuação era junto da administração local (Gil, 2004: 60-61).
Com a chegada ao Governo de Tony Blair, em 1997, a PFI impôs-se
como forma de investimento público (Ghobadian et al., 2004: 3-4).
O Governo do New Labour encarregou inicialmente Sir Malcolm Bates de
proceder a uma avaliação da PFI, com o objectivo de identificar as eventuais
dificuldades existentes. O relatório apresentado por Bates - conhecido como
1st Bates review ou Bates report - não colocou em causa esta política,
limitando-se a propor algumas alterações com vista a torná-la mais eficiente. A
principal sugestão da 1st Bates review foi a criação de uma Taskforce no
âmbito do HM Treasury. Propôs, ainda, a criação de condições contratuais
108 Lamont, Norman. 1992. Autumn Statement, Vol. 208. apud Cossalter. 2001. 11-12.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
158
padronizadas, com o fim de reduzir custos e tempo de negociação, que viriam
a ser publicadas em Julho de 1999.
Em 1997 foi constituída a Treasury Private Finance Taskforce, um grupo
de trabalho sobre financiamento privado, composto por peritos dos sectores
público e privado, que centralizava todas as actividades relacionadas com PFI
e veio a desempenhar uma acção determinante nos projectos realizados nos
anos seguintes.
A Treasury Private Finance Taskforce era composta por duas entidades
diferenciadas: a Taskforce Projects Team que, numa vertente operativa, tinha
como objectivo avaliar e certificar a viabilidade comercial do projecto,
assegurar a selecção de propostas de alta qualidade, evitar gastos
desnecessários e maximizar as oportunidades para a realização de bons
contratos109; e a Taskforce Policy Team, com a tarefa de definir os princípios
fundamentais e as normas que orientariam a PFI. Através desta Taskforce o
Governo criou vários guias orientadores com indicações, documentos
políticos, notas técnicas e estudos de caso (Gil, 2004: 61-63).
A aposta política na PFI reforçou-se após a publicação da 1st Bates
review, o que é visível no aumento acentuado do número de contratos
celebrados a partir de 1998 (cf. Gráfico IV.1).
Em 1999, Sir Malcolm Bates foi encarregado de elaborar um segundo
relatório – 2nd Bates review – no qual propôs a substituição da Treasury
Private Finance Taskforce por uma nova organização, a Partnerships UK
(PUK).
A Partnerships UK, criada em 2000, constituiu uma inovação no quadro
da PFI, ao configurar-se a si própria como uma joint-venture entre o HM
Treasury e o sector privado. Importa referir que, à semelhança do que, em
alguma medida já se passava no âmbito do Private Finance Panel e da
Treasury Taskforce, a PUK também disponibiliza recursos financeiros para
109 Com o decorrer do tempo, era de prever que os parceiros e departamentos públicos fossem adquirindo experiência, pelo que a Taskforce Projects Team perderia o seu interesse prático, razão que determinou que teria uma “vida útil” de apenas dois anos.
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
159
projectos que não os conseguem reunir nos mercados financeiros. A PUK
assume-se, assim, como um verdadeiro promotor de projectos. Os seus
serviços são pagos pelos projectos que tutela e pelo consórcio privado que
ganha o concurso, podendo ser pagos de uma só vez ou diferidos durante o
tempo em que o projecto está em execução (Gil, 2004: 61-64).
Em 2000, o Governo via as PFI/PPPs como um importante instrumento
de modernização do sector público, mas não como panaceia universal,
justificando-se apenas onde gerasse mais valia. Com o fim de avaliar a
existência de value for money, nos projectos cuja fase de construção já
decorrera e se encontravam em fase operacional, a Treasury Taskforce
encomendou um estudo a Arthur Andersen and Enterprise LSE, cujas
conclusões adiante apresentamos110.
Em Julho de 2003, o Governo britânico publicou o relatório “PFI: Meeting
the Investment Challenge” que aborda o programa de PFI e o seu contributo
para o aumento de investimento. Nesse relatório era salientada a capacidade
da PFI para a construção de novas e essenciais infra-estruturas dentro do
prazo e no orçamento previstos e apontados critérios baseados em dados
empíricos sobre as áreas nas quais PFI poderia representar value for money ,
sendo apresentada uma panorâmica do processo de avaliação do value for
money nos projectos de PFI em comparação com a contratação tradicional (cf.
HM Treasury, 2006: 2). Posteriormente, o relatório “PFI: Strengthening Long-
Term Partnerships”, de 2006, partindo das medidas introduzidas em 2003,
como a redução dos tempos de negociação, antes excessivamente longos, e o
esforço para o sector público entender onde a PFI era apta a oferecer melhor
value for money do que outras formas contratuais, propôs imprimir maior
flexibilidade aos contratos de PFI e melhor enquadramento às instituições
políticas locais. De entre essas medidas, destaca-se a criação de uma
Taskforce Operacional de PFI e a proposta de revisão dos contratos
standardizados de PFI.
110 Arthur Andersen and Enterprise LSE. 2000. Value for Money Drivers in the Private Finance Initiative, apud Campos: 2007, 39-41.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
160
De acordo com o relatório de 2006 do HM Treasury, a PFI enquadrou até
2005 cerca de 700 contratos, no valor total de 46 biliões de libras111 e prevê-se
que até 2010 se concluam mais 200 contratos, no valor de 26 biliões de libras.
Contudo, apesar do aumento significativo dos projectos PFI, há que colocar os
dados em perspectiva: a PFI representava, em 2005-2006, 10% do
investimento em activos públicos, face a 40% por métodos tradicionais, e
previa-se que estabilizasse no intervalo 10-15%, dado à euforia inicial
sobreveio uma certa reserva. Refira-se, entretanto, que o investimento público
convencional também cresceu intensamente a partir de 2001. Esse
investimento, cuja queda relativa desde os anos 70 levara a problemas de
degradação da infra-estrutura pública, deverá atingir 2,25% do PIB em 2008,
contra 0,6% em 1997, reequilibrando o Reino Unido com os demais países do
G7 (HM Treasury, 2006). Os Gráficos seguintes ilustram estes
desenvolvimentos.
111 De acordo com o International Financial Services, cujos dados são mais actuais, até ao final de 2006 tinham sido celebrados 825 contratos de PFI, com um valor de capital de 61,7 biliões de libras.
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
161
Gráfico IV. 1
Número e valor dos projectos PFI por ano (1992-2005)
Fonte: HM Treasury, 2006
Gráfico IV. 2
Investimento em serviços públicos, Reino Unido (1990-2006)
Fonte: HM Treasury, 2006
Quanto ao valor dos contratos, com excepção do contrato relativo ao
Canal da Mancha, a média, até 2002, foi de 50 milhões de libras. Em 2003,
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
162
esse valor médio foi superior, situando-se nos 55 milhões de libras, atingindo,
em 2004, o valor médio de 71 milhões de libras e, em 2006, os 156 milhões de
libras, o que se explica com a selecção que tem sido feita, levando à redução
do número de pequenos contratos (Parlamento Europeu, 2006).
2. A configuração institucional da PFI
A filosofia na base da PFI manteve-se quase inalterada, porém, o seu
enquadramento institucional tem sofrido algumas alterações. Actualmente,
para além das instituições antes referidas (Partnerships UK e 4Ps), o HM
Treasury constitui a principal instituição pública para as PFI/PPPs112. Um
departamento específico do HM Treasury - Office of Government Commerce -
assume as funções de sistematização e supervisão contratual. As funções de
auditoria pública da PFI/PPP são da responsabilidade do National Audit Office,
auxiliado pelo Public Accounts Committee. Existem, ainda, unidades sectoriais
específicas, como a Partnerships for Health (PfH), criada em 2001, e a
Partnerships for Schools (PfS), criada em 2004.
O Office of Government Commerce (OGC), criado em 2000, é uma
entidade pública integrada no HM Treasury com a missão de supervisionar e
assessorar os procedimentos de contratação pública, tendo um departamento
dedicado a PFI. O OGC tem elaborado sucessivos guias Standardisation of
PFI Contracts113, com o fim de dar a conhecer os vários riscos e problemas de
um projecto standard de PFI e de reduzir o tempo e os custos da fase de
negociação dos projectos.
112 Há a referir, ainda, a existência de outras instituições a nível regional para prestar apoio a projectos de PPP/PFI. É o caso, na Escócia, da Financial Partnerships Unit (FPU) / Scottish Executive Private Finance Unit. No País de Gales existiu, até 2004, a Private Finance Unit (PFU), extinta pelo Welsh Assembly Government. 113 A 1ª edição de Standardisation of PFI Contracts é de Julho de 1999, seguiram-se as 2ª e 3ª edições, em Setembro de 2002 e Abril de 2004, respectivamente. Em Março de 2007 foi publicada a 4ª versão, que actualiza as anteriores e tem em conta desenvolvimentos do mercado de PFI.
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
163
O National Audit Office (NAO) é o órgão central de auditoria pública,
com competência de auditoria dos processos de adjudicação, de avaliação do
value for money e do tratamento contabilístico dos projectos. O Public
Accounts Committee é uma comissão parlamentar que acompanha os
relatórios produzidos pelo NAO e os aprofunda, realizando relatórios
autónomos, numa perspectiva de avaliação política114.
Quanto à administração local, para além do supramencionado 4Ps,
existe um grupo de avaliação de projectos – Project Review Group (PRG).
Essa revisão tem lugar em duas fases115, o que confere credibilidade e
confiança aos parceiros privados quanto à viabilidade e qualidade dos
projectos. O Project Review Group é composto por um painel de peritos
seleccionados com base nos seus conhecimentos de PFI (cf. Project Review
Group).
No relatório de 2006, o Governo britânico dá conta da intenção de criar,
através da Partnerships UK, a PFI Operational Taskforce, entidade que se
articulará com o OGC, a 4Ps, com os departamentos sectoriais e com o sector
privado. A PFI Operational Taskforce terá como tarefas principais a assessoria
dos parceiros, a avaliação de projectos e a sistematização contratual -
melhoramento nos contratos-padrão de PFI e elaboração de um código de
conduta sobre renegociação de dívida (HM Treasury, 2006: 8).
3. O enquadramento legal
No Reino Unido não existe uma lei especificamente dirigida à regulação
das PFI/PPPs. A maioria das regras relativas a PFI encontra-se em
orientações emanadas pelo HM Treasury, que integram um vasto número de
publicações de órgãos específicos do grupo de trabalho do HM Treasury,
designadamente as seguintes: The PFI – Breaking Bew Ground (BNG) (HM
Treasury – Novembro de 1993); Private Opportunity, Public Benefit –
114 HM Treasury, 2003: 5. 115 A 1.ª revisão decorre na fase Outline Business Case; a 2.ª, lançada em 2005 pelo PRG, tem lugar na fase de pré-selecção e consiste, designadamente, em verificar a conformidade do projecto com o disposto na versão em vigor de Standardisation of PFI Contracts. De referir que cerca de 40% dos projectos são submetidos a esta 2.ª revisão.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
164
Progressing the PFI (POPB) (HM Treasury – Novembro de 1995); Partnership
for Prosperity – The PFI (PFP) (Treasury Taskforce on Private Finance –
Novembro de 1997); Step-by-Step Guide to the PFI Procurement Process
(Treasury Taskforce on Private Finance – Novembro de 1997)116. Àquele tipo
de contratos pode, naturalmente, ser aplicada a legislação comunitária relativa
a projectos de PFI/PPPs, como a Directiva 2004/18, incorporada na legislação
britânica, assim como o Tratado das Comunidades.
Podemos encontrar uma definição legal dos contratos PFI, que se
caracterizam por uma grande liberdade de forma, no artigo 16.º do diploma
sobre investimento das autoridades locais (Local Authorities (Capital Finance)
Regulations 1997). As características essenciais de tais contratos são as
seguintes: um agente local celebra um contrato para a realização de obras e
para a gestão dos serviços associados; o contraente é remunerado por um
preço pago regularmente pela administração; o preço é baseado em standards
de performance e de acordo com a disponibilidade das obras realizadas; e os
pagamentos têm apenas início quando se inicia a execução do serviço
(Cossalter, 2001: 14).
Além daquele diploma, existe ainda legislação específica, como a
relativa a pensões, insolvência e construção, que introduziu regras a tomar em
conta em projectos de PFI/PPPs. Alguns sectores dispõem também de
legislação, aplicável à PFI, como é o caso da certificação da capacidade de
autoridades locais, hospitais ou fundos de cuidados de saúde primários. Em
determinadas áreas, como a dos transportes, faz-se, ainda, apelo a normas
estatutárias específicas para implementar projectos de PFI/PPPs (Vernon e
Sanders, 2007).
116 Sectorialmente, a delegação de actividades públicas ao sector privado era possível através do National Health Service and Community Care Act 1990, que permitiu a criação de trusts; do New Roads and Street Works Act 1991, sobre concessões rodoviárias; do Criminal Justice Act 1991, que previa a possibilidade de delegação contratual a um privado da construção e da gestão de prisões; e do Criminal Justice and Public Order Act 1994, que autorizava a delegação, com excepção do poder disciplinar, dos centros de segurança destinados a menores (Secure Training Centers) (Cossalter, 2001: 26-29).
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
165
Os contratos de DBFO, isto é, de concepção, realização, financiamento
e gestão de uma infra-estrutura, constituem a maioria dos contratos de PFI, e
são verdadeiros contratos de Common Law, não permitindo o seu regime de
execução distingui-los de contratos celebrados entre dois contraentes
privados. O contrato de PFI é um contrato funcional, pois o seu regime jurídico
não depende de nenhuma categoria determinada, as regras que se lhe
aplicam são as regras de direito comum e a sua denominação reflecte
exactamente o seu conteúdo. A descrição dos contratos de PFI é, assim,
pragmática, visto não existir um regime preestabelecido que permita uma
definição abstracta. Descrever o contrato de PFI implica, pois, descrever os
contratos já celebrados com base nos guias do HM Treasury que determinam
cláusulas essenciais (Cossalter, 2001: 50).
4. Os contratos de PFI/PPPs
Os contratos de PFI englobam acordos tripartidos: um contrato de PFI
principal entre o parceiro público e o parceiro privado; um contrato de
financiamento entre a entidade encarregue de gerir o projecto e a entidade
financiadora; e um acordo directo (direct agreement) entre a entidade
financiadora e a administração. Este mecanismo implica que os contratos de
PFI constituam exemplos típicos de financiamento de projectos (project
financing), nos quais uma sociedade de crédito financia uma actividade
reembolsando-se unicamente com os fluxos financeiros, através dos
pagamentos da administração (Cossalter, 2001: 15)
Seguindo a tipologia exposta no Capítulo I baseada, no essencial, em
Grimsey e Lewis (2004), identificamos os contratos de tipo DBFO (Design,
Build, Finance and Operate) como o modelo padrão de contratos de PFI, a
partir do qual se desenvolvem variantes117. Nestes contratos a fonte de
remuneração privada é normalmente o Estado, ao invés dos utentes.
117 Segundo Cossalter (2001: 13-14) que analisou os documentos do HM Treasury na fase inicial da PFI (entre os anos 1993-1997), distinguiam-se então duas tipologias nos contratos de PFI, uma financeira, outra contratual. A tipologia financeira distingue os contratos de PFI segundo a fonte de remuneração privada: se é o Estado, fala-se em services sold to the public sector; se são os utentes, fala-se em projectos financially freestanding. A tipologia contratual
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
166
O financiamento de um contrato de DBFO
Num contrato de PFI de tipo DBFO, a administração confia as diversas
tarefas de um projecto (construção, exploração, etc.) a um consórcio de
empresas constituído especificamente para o efeito - Special Purpose Vehicle
(cf. Capítulo I). O agente financiador celebra acordos com o consórcio do
projecto, as empresas exploradoras e a administração, para garantir o
investimento. Se a execução do contrato não gera os fluxos financeiros
esperados, significa que as sociedades exploradoras não reúnem as
condições para a execução do contrato e ser-lhes-ão aplicadas penalidades
financeiras por parte da administração. Em regra, o financiador pode pôr fim
ao contrato ou substituir-se à sociedade de projecto (cláusula de step-in)
quando os fluxos financeiros baixam até um certo nível. Se o financiador não
quiser assegurar os compromissos assumidos pela sociedade do projecto, a
administração pode procurar um outro explorador ou até assegurar, ela
própria, o serviço, indemnizando o financiador. Estes mecanismos são
previstos no acordo administração-financiadores (direct agreement). Contudo,
sendo este o esquema de base, o mesmo pode sofrer inúmeras variações
(Cossalter, 2001: 16).
A prestação de contas dos contratos de PFI é orientada pelo Financial
Reporting Standard 5 (FRS5) - Reporting the Substance of Transactions:
Application Note F - Private Finance Initiative and Other Similar Contracts’, do
Accounting Standards Board. A prestação de contas é também objecto de
auditorias pelo Controller and Auditor General ou pela Comissão de Auditoria
(isto para o governo local e para projectos no sector da saúde), ou por outros
corpos de auditoria. As despesas são incluídas nos totais da despesa corrente
classificava os contratos segundo o tipo de bens em questão. Os contratos DBFO (Design, Build, Finance and Operate) não especificavam a questão da propriedade no final do contrato. Nos casos em que a propriedade passa para a administração no final do contrato, trata-se de um BOOT (Buil, Own, Operate and Transfer) ou de um DCMF (Design, Construct, Manage and Finance), aplicando-se este apenas aos contratos relativos a prisões. Ao invés, se os bens continuassem propriedade do privado, tratava-se de um BOO (Buil, Own and Operate). Relembre-se que na tipologia que seguimos (Grimsey e Lewis, 2004 e 2005), pelo contrário, os contratos DBFO implicam uma passagem da propriedade para a Administração no final do contrato.
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
167
do Financial Statement and Budget Report (FSBR) e na contabilidade dos
respectivos departamentos. O FSBR também inclui estimativas do capital
dispendido pelo parceiro privado em contratos de PFI, o valor do capital dos
projectos de PFI na fase de selecção dos parceiros privados relativo a
contratos que se espera que venham a ser celebrados no prazo de três anos e
os pagamentos futuros ao sector privado relativos a contratos de PFI já em
vigor (International Monetary Fund, 2004: 38).
5. O processo de negociação de um contrato de PFI
Como vimos no Capítulo I, desenvolveu-se no Reino Unido um modelo
de negociação de projectos de PFI seguido pela maioria dos demais países,
conhecido como modelo anglo-saxónico, que expomos de seguida. A
negociação decorre, em regra, por um período de tempo entre 12 e 24 meses,
desde a data da publicação do anúncio até à assinatura do contrato, de
acordo com os passos seguintes118:
1. Fase prévia do processo de negociação – fase de planeamento: são
definidos os objectivos, desenvolvido o designado Outline Business
Case (OBC) e é delineado o projecto de forma a produzir value for
money; analisa-se a viabilidade do projecto com recurso a PFI ou
através de outro método; avalia-se o interesse do mercado; é obtida
aprovação para o projecto; e é criada a equipa do projecto.
2. Publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JOCE) –
inicia-se oficialmente o processo de adjudicação.
3. Pre-qualification Memorandum (PIM) e Pedido de Qualificação
(Request for Qualification - RFQ) – qualificação de propostas: pedido às
empresas que tenham respondido ao anúncio; informação sobre os
membros-chave da empresa ou do consórcio;
Design Brief Discussion – discussão sobre as propostas apresentadas;
nesta fase são seleccionados seis candidatos para a fase seguinte.
118 Cf. Department for Constitucional Affairs. In http://www.dca.gov.uk/courtbuild/courtbuild fr2.htm (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
168
4. Apresentação e entrevistas – outline proposals – esta fase assegura
que os candidatos compreenderam o requerido; haverá entrevistas
competitivas com a apresentação de cada um dos consórcios que
tenha respondido ao resumo Output Based Specification119 (OBS).
Avaliação – deverá ser preparada uma proposta com os custos
indicativos, sendo seleccionados três concorrentes para a fase
seguinte.
5. Propostas e negociação (Tendering and negotiations) – propostas e
selecção do candidato – um completo resumo de especificações – OBS
– circulará para os candidatos fornecerem, por escrito, propostas
detalhadas. Os candidatos serão avaliados com base em critérios
financeiros, técnicos, legais, viabilidade e value for money.
6. Adjudicação do contrato.
7. Início da prestação dos serviços contratados.
5. 1. A partilha do risco
Da distribuição do risco dependem, em grande medida, a efectiva
existência de soluções inovadoras nos contratos de PFI e a efectiva existência
de value for money. A gestão do risco associado aos projectos de PFI é, de
facto, considerada um dos elementos determinantes para a implementação da
PFI e para o seu êxito. A ocorrência de certos tipos de risco pode determinar o
fracasso de um projecto, pelo que a repartição do risco entre a Administração
Pública e o sector privado tem um reflexo directo no value for money e no
alcance dos objectivos da política de PFI. Considera-se que existe um nível de
transferência de risco óptimo, que corresponde ao ponto onde é maior o value
for money (Gil, 2004: 75-76). O value for money teoricamente é incrementado
na medida em que se transferem mais riscos para o sector privado. Tal não
pode, contudo, significar uma transferência excessiva de riscos que o sector
privado não seja capaz de controlar. De acordo com um documento da House
119 “Output based specification” é um resumo dos requisitos necessários que será distribuído à “short list” de candidatos.
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
169
of Commons, de 2001, os riscos deveriam ser transferidos para o sector
privado apenas se e até ao nível em que aquele é capaz de gerir esse risco.
Embora a transferência de risco varie de projecto para projecto, quer
porque os riscos não são os mesmos em todos os projectos, quer porque os
efeitos da transferência são distintos, considera-se que nos contratos de
PFI/PPPs, um dos elementos essenciais é estabelecer com clareza qual das
partes deve assumir determinado risco e identificar e construir matrizes de
risco adequadas ao ciclo de vida dos projectos. Quanto mais detalhada e
completa for a análise dos riscos e das probabilidades da sua ocorrência em
cada uma das fases da vida do projecto, mais fácil se torna avaliar o impacto
da distribuição do risco para ambos os parceiros. Uma correcta distribuição do
risco permite atribuir cada risco à parte que melhor o pode gerir, o que
constitui um dos factores chave no sucesso de uma PFI/PPP. Se bem que
transferir riscos para o sector privado é um dos objectivos da PFI, a
transferência de riscos que o sector privado tem dificuldades em assumir será
contraproducente pois acabaria por ser mais onerosa para a administração
pública. No Reino Unido, aquando da aprovação do projecto, é realizado um
teste que consiste em calcular os custos de todo o projecto, quer recorrendo a
PFI/PPPs, quer seguindo o modelo de financiamento tido como tradicional,
outorgando-se valores ao risco que o sector público mantém em ambos – é o
designado Public Sector Comparator (PSC) (Vázquez, 13)120.
6. As áreas de intervenção de PFI/PPPs no Reino Unido
6. 1. Os vários sectores
O Reino Unido é o país com o espectro mais amplo de aplicação
sectorial de PFI/PPPs. Os projectos encontram-se desde os serviços
tradicionais, como infra-estruturas de transporte, escolas, hospitais, tribunais,
120 O Public Sector Comparator consiste num modelo financeiro que permite estimar o custo para o Estado da construção, com recurso ao modelo tradicional de empreitada e da exploração/conservação, por administração directa, durante um período longo de tempo. A construção do PSC é, em regra, uma das tarefas mais importantes e decisivas do processo de concepção e lançamento do concurso público que antecede a execução de projectos.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
170
prisões, esquadras de polícia e quartéis de bombeiros, habitação social, até
serviços relacionados com o ambiente, equipamento militar, sistemas de
informação tecnológica e centros de lazer.
O Gráfico IV.3 mostra a percentagem de projectos de PFI em valor de
capital celebrados por cada departamento governamental. Refira-se que os
investimentos em PFI têm sido realizados em todos os sectores de actividade
do Governo e celebrados por mais de uma centena de entidades diferentes. O
Quadro 1 mostra que os maiores utilizadores dos projectos de PFI têm sido o
Departamento de Saúde (DoH), com um investimento de 6 biliões de libras e
146 projectos, o Departamento de Educação (DfES), com um total de 144
projectos cujo valor de capital ascende a 4,1 biliões de libras, o Departamento
de Transportes (DfT), com 41 projectos e um valor de capital de 4,7 biliões de
libras e o Ministério da Defesa, com um total de 53 projectos e um valor de
capital de 4,7 biliões de libras (HM Treasury, 2006).
Gráfico IV. 3
Contratos de PFI nas diversas áreas por valor de capital (até 2005)
Fonte: HM Treasury, 2006
Legenda:
DEFRA – Department for Environment, Food and Rural Affairs DfT – Department for Transport DfES – Department for Education and Skills DoH – Department of Health DWP – Department for Work and Pensions MOD – Ministry of Defence ODPM – Office of the Deputy Prime Minister HMRC – Her Majesty´s Revenue and Customs
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
171
Os contratos na área dos transportes são os mais vastos e os que
envolvem montantes mais avultados, como é o caso do projecto de
modernização do Metropolitano de Londres, que implicou a celebração do
maior contrato de PFI, assim como os da expansão da rede viária e de
construção de grandes pontes e alguns projectos militares (cf. Quadro IV.1).
Os grandes projectos são implementados em conjunto com o Governo central.
Contudo, a maioria dos projectos de PFI envolve os governos locais.
Quadro IV. 1
Os maiores contratos de PFI (1987-2006)
Fonte: International Financial Services
Os investimentos com recurso a PFI/PPPs encontram-se em todo o
território do Reino Unido, desde o Nordeste, ao Noroeste de Inglaterra, ao
País de Gales, à Irlanda do Norte e à Escócia (cf. Gráfico 4). De acordo com o
HM Treasury, todas as regiões do Reino Unido celebraram, pelo menos, 30
contratos de PFI, recebendo, cada região, um investimento na ordem de 600
milhões de libras. Na Escócia foram celebrados 98 projectos, com um total de
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
172
valor de capital de 3 biliões de libras, no País de Gales foram assinados 39
contratos com um valor de capital de 600 milhões de libras e na Irlanda do
Norte cerca de 40 projectos foram celebrados, com um valor de capital de 700
milhões de libras (cf. Gráfico 1) (HM Treasury, 2006: 18-19).
Gráfico IV. 4
Projectos de PFI por região e valor
Fonte: HM Treasury, 2006
6. 2. Projectos de PFI/PPPs na área da justiça
6. 2. 1. PFI/PPPs nos tribunais
O Department for Constitutional Affairs (DCA), departamento
governamental de administração da justiça, tem vindo a apostar em PFI/PPPs
para o melhoramento de edifícios e de serviços dos tribunais, tanto dos
tribunais dependentes do Her Majesty’s Court Service, como dos Magistrates
Courts. Aquele Departamento, através do Court Service, financia e gere os
Crown Courts e os County Courts. Quanto aos Magistrates Courts, as
autoridades locais são responsáveis pelos edifícios.
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
173
Os projectos PFI/PPPs podem envolver um ou mais tribunais e dizem
respeito ao fornecimento de serviços respeitantes a tecnologias de
informação, à construção, à remodelação e ao restauro de edifícios de
tribunais, assim como à gestão, manutenção e prestação de serviços conexos
aos edifícios (o denominado facilities management)121. Os contratos têm,
geralmente, uma duração média de 25 anos122.
Houve a preocupação de criar estruturas efectivas para apoio e controlo
do processo. Estas estruturas são constituídas pelos elementos seguintes: um
project board ou steering group, que geralmente compreende um senior
budget holder e um senior user, com poderes de acção durante as fases
centrais do projecto; um project manager, que dirige o desenvolvimento do
projecto e assegura que tudo é praticado no tempo devido e dentro do
orçamento previsto; e o designado project team, constituído por pessoas com
competências nas áreas financeira, técnica e de consultoria jurídica123.
Nas fontes consultadas são referenciados dez projectos relativos a
tribunais a decorrer124. Mais concretamente, estão em causa nove projectos
de edifícios ou conjuntos de edifícios de tribunais (Avon & Somerset
Magistrates Courts, Derbyshire Magistrates’ Courts, East Anglia Courts, Exeter
Combined Courts, Hereford and Worchester Magistrates Court, Humberside
Magistrates Courts, Manchester Magistrates Courts, Northen Ireland Courts
New Courts Complex e UK Supreme Court – Middlesex Guildhall).
Avon & Somerset Magistrates Courts
Trata-se de uma PFI para a construção de dois novos complexos de
Tribunais em Bristol e em Worle, no condado de Somerset. O parceiro público 121 O “facilities management” ou “FM” inclui as modalidades Hard FM (englobando, tradicionalmente, a manutenção do edifício, sistemas de gestão do edifício, planificação e configuração do espaço, etc.) e Soft FM (englobando, tradicionalmente, serviços de informação e de recepção, de limpeza, de restauração, de segurança, de reprografia, de estafeta e de estacionamento, etc.). 122 Cf. Department for Constitucional Affairs. In http://www.dca.gov.uk/courtbuild/courtbuild fr2.htm (Julho de 2007). 123 Idem. 124 Cf. Partnerships UK. In http://www.partnershipsuk.org.uk/ (Agosto de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
174
neste projecto é o Somerset County Council e o parceiro privado um consórcio
criado para o efeito125. A construção do edifício, o projecto de arquitectura e o
facilities management cabe a diferentes empresas, sendo a entidade
financiadora um banco. Os parceiros público e privado apresentam diferentes
consultores financeiros, de consultoria jurídica e em matéria de seguros.
Este projecto envolveu a construção de novos palácios da justiça em
Bristol126 e em Worle127, assim como, em Worle, a construção de um segundo
edifício, destinado ao exercício de funções executivas, de apoio e de
formação. Este contrato foi celebrado pelo prazo de 27 anos e o seu valor
global ascende a 54 milhões de libras.
Derbyshire Magistrates’ Courts
Este projecto diz respeito à construção de novos edifícios para os
Magistrates’ Courts no condado de Derbyshire, mais concretamente, em
Derby, Chesterfield e New Mills. Além da construção dos edifícios, o projecto
inclui também a gestão, manutenção e prestação de serviços conexos
(facilities management), bem como a renovação do antigo edifício do tribunal
de St. Mary’s Gate, em Derby.
O parceiro público desta PFI é o Derbyshire County Council128. O valor
global deste projecto é de 31 milhões de libras.
East Anglia Courts
Este projecto de PFI diz respeito a novas instalações para os tribunais
de East Anglia, em Ipswich e em Cambridge129.
125 O consórcio é denominado Services Support (Avon & Somerset) Ltd.. 126 Este edifício possui, designadamente, doze salas de audiência e uma área para o Probation Service. O projecto implicou, ainda, a deslocação da estação central de autocarros e o realojamento de funcionários do tribunal. O edifício de Worle é menor, possuindo cinco salas de audiência. 127 O edifício de Worle é menor, possuindo cinco salas de audiência. 128 O parceiro privado é a multinacional Babcock & Brown. 129 Em cada edifício existem instalações adaptadas para pessoas portadoras de deficiências motoras (juízes, jurados, arguidos e utentes em geral); áreas de espera separadas para
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
175
A entidade pública envolvida nesta PFI é o Court Service, enquanto que
o parceiro privado é um consórcio de empresas130.
Este contrato terá a duração de 25 anos e o seu valor global ascende a
25 milhões de libras.
Exeter Combined Courts
Trata-se de um projecto de PFI, a decorrer no condado de Devon, que
diz respeito aos Crown Courts e aos County Courts de Exeter. Mais
concretamente, implicou a criação de um novo edifício131 que entrou em
funcionamento em Abril de 2004.
A entidade pública envolvida nesta PFI é o Court Service, enquanto que
o parceiro privado é um consórcio de empresas132.
Hereford and Worchester Magistrates Court
Este é um projecto de PFI a decorrer no condado de Worcester que diz
respeito a novos edifícios de tribunais em Kidderminister, Hereford e em
Worcester, bem como ao restauro do edifício do tribunal já existente em
Redditch.
O parceiro público neste projecto é o Worcester County Council e o
parceiro privado um consórcio de empresas133. O valor global deste projecto
ascende a 25 milhões de libras.
Humberside Magistrates Courts
membros do público; salas de consulta de dimensões variadas; área de restauração; e instalações para o Judiciário (Judiciary), para funcionários do Court Service e para outras organizações fexternas ao Court Service. 130 O consórcio é denominado Modern Courts East Anglia. 131 Este edifício é composto por quatro salas de audiência para processos-crime e de uma sala de audiência para processos cíveis, bem como instalações para o Exeter Probate Sub-Registry e o Court Service Group manager’s office. 132 Este consórcio denomina-se Enterprise Civic Buildings Limited e UK Ltd.. 133 O consórcio é constituído por duas empresas, tendo ficado a concepção e obras de construção/restauro dos edifícios a cargo de uma terceira empresa.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
176
Esta PFI refere-se a novos edifícios de tribunais em Hull, Beverley and
Bridlington, bem como a serviços conexos. Estes edifícios estão operacionais
desde Novembro de 2001.
O parceiro público desta PFI é o East Riding of York County Council, e
o parceiro privado é um consórcio de empresas134.
Este contrato terá a duração de 27 anos, ascendendo o seu valor global
a 19 milhões de libras.
Manchester Magistrates Courts
Trata-se de um projecto de PFI respeitante à construção de um novo
edifício para o Magistrates Court de Manchester, o qual se encontra
operacional desde Abril de 2004.
O parceiro público neste contrato é o Manchester City Council, e o
parceiro privado também é um consórcio de empresas.
O valor global deste projecto é de 30 milhões de libras.
Northern Ireland Courts New Courts Complex
Este é um contrato de PFI para a construção, na Irlanda do Norte, de
um novo edifício para o tribunal de Laganside – Belfast, localizado junto do
parque judiciário já existente. Trata-se de um edifício que inclui dezasseis
salas de audiência. Encontra-se operacional desde Dezembro de 2001.
A entidade pública envolvida nesta PFI é o Northern Ireland Court
Service, enquanto que o parceiro privado é um consórcio de empresas135.
São várias as entidades bancárias envolvidas neste projecto.
Este contrato terá a duração de 25 anos, ascendendo o seu valor global
a 28,2 milhões de libras.
UK Supreme Court – Middlesex Guildhall
134 O consórcio criado para o efeito denomina-se Modern Courts of Humberside Limited. 135 O consórcio denomina-se Consul Services (NI) Limited. Trata-se de um projecto premiado: obteve o Private Finance Initiative Award 2000 e o Building of the Year Award 2002, na RSUA Design Award 2002 Ceremony.
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
177
Este é o projecto mais recente no Reino Unido em matéria de PPPs e
PFIs respeitantes a tribunais. Trata-se de uma PPP para um novo edifício que
albergará o Supremo Tribunal do Reino Unido (Supreme Court for the United
Kingdom), no centro da cidade de Londres136.
O parceiro público desta PPP é o DCA. O contrato terá a duração de 30
anos, estimando-se o seu valor global em 30 milhões de libras.
Sheffield Family Hearing Centre
Também para o Family Hearing Centre de Sheffield, South Yorkshire,
foi celebrado um contrato de PFI. Está, aqui, em causa uma infra-estrutura de
tecnologias de informação e de telecomunicações para o grupo de tribunais de
Sheffield (Sheffield Court Group), fornecendo aos district e circuit judges meios
para realizarem as suas tarefas de forma mais eficiente e eficaz. No projecto
inclui-se, também, a criação de novas instalações para o Family Hearing
Centre137.
Neste projecto o parceiro público é o Court Service. A duração do
contrato será de 30 anos e o seu valor global está estimado em 5 milhões de
libras.
6. 2. 2. PFI/PPPs no sector prisional
O sistema prisional é, na área da justiça, o sector que mais cedo
recorreu a contratos de PFI/PPPs. De facto, tem-se lançado mão de contratos
136 Para responder à necessidade de um espaço suficientemente grande e com dignidade adequada para o funcionamento do Supreme Court, o DCA optou pela renovação de um edifício histórico do centro de Londres, Middlesex Guildhall, onde antes funcionou um Crown Court. O projecto de renovação do edifício implicará o melhoramento completo dos interiores, incluindo a colocação de rampas para cadeiras de rodas e elevador, bem como a instalação de estruturas para os meios informáticos e de comunicação. Prevê-se que as instalações estejam operacionais em Março de 2009. A concepção e planificação do projecto ficará a cargo de uma empresa que manterá o seu papel de consultora durante o tempo de duração do contrato, por forma a garantir que o projecto corresponde aos objectivos e standards acordados (cf. DCA - In http://www.dca.gov.uk/supreme/index.htm). 137 As novas instalações previstas no projecto são duas salas de audiência (courtrooms) e duas salas de depoimentos (hearing rooms),estando, ainda incluída a manutenção, limpeza, gestão energética, catering, e serviços de segurança e de recepção. Neste projecto os parceiros privados são uma empresa e autoridades locais.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
178
de PFI/PPPs por forma a responder às necessidades de infra-estruturas no
sector prisional, quer de estabelecimentos prisionais, quer de centros de treino
(polidesportivos) para jovens delinquentes. De referir que os estabelecimentos
prisionais que operam em regime de PPPs albergam mais de 10% da
população carcerária do Reino Unido (cf. UK Trade & Investment).
Referimos seguidamente os vários projectos relativos ao sector
prisional que se encontram a decorrer e/ou em processo de planificação138.
Dá-se, ainda, conta de dois projectos de estabelecimentos prisionais,
com capacidade para 600 reclusos cada, em Liverpool (mais concretamente,
em Maghull) e em Londres (em Belmarsh West), e que se prevê que serão
objecto de contratos de PFI. Nesses projectos, o parceiro privado será
responsável pela concepção, construção, gestão e financiamento das
instalações, as quais serão enquadradas em complexos prisionais já
existentes. Os contratos serão celebrados pelo prazo de 25 anos, prevendo-se
que as instalações se encontrem operacionais em 2010.
Os projectos de PFI/PPPs relativamente a estabelecimentos prisionais
em curso são, actualmente, os seguintes: HMP& YOI Ashfield, HMP Altcourse
(Fazakerley), HMP Bronzefield (Ashford), HMP Dovegate, HMP Forest Bank,
HMP Lowdham Grange, HMP Parc, HMP Peterborough e HMP Rye Hill (todos
da responsabilidade do Prison Service) e HMP Kilmarnock (da
responsabilidade do Scottish Prison Service)139.
No que concerne a centros de treino (polidesportivos) para jovens
delinquentes, são referenciados os seguintes projectos: STC Cookham Wood
(Medway), STC Hassockfield, STC Oakhill – Milton Keynes e STC Onley140.
HMP & YOI Ashfield
Trata-se de uma PFI respeitante a um estabelecimento prisional com
capacidade para 400 jovens reclusos em Pucklechurch, na zona de Bristol. As
138 Cf. Partnerships UK. In http://www.partnershipsuk.org.uk/ (Agosto de 2007). 139 A sigla HMP corresponde a Her/His Majesty’s Prison. 140 Uk Trade & Investment. 2004. In https://www.uktradeinvest.gov.uk/ukti/fileDownload/ppp brouchureenglish.pdf?cid=388159 (Julho de 2007).
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
179
instalações encontram-se em funcionamento desde Novembro de 1999. Este
contrato tem a duração de 25 anos.
As entidades públicas envolvidas neste projecto são o HM Prison
Service e o Home Office141. O valor global do contrato ascende a 30,7 milhões
de libras.
HMP Altcourse (Fazakerley)
Este projecto de PFI consiste na concepção e gestão de um
estabelecimento prisional em Fazakerley, Liverpool, com capacidade para 600
reclusos, tendo, ainda, capacidade adicional para 300 reclusos142.
Este foi o primeiro grande projecto de edificação a estar sujeito a uma
PFI, sendo considerado um marco na evolução dessa figura contratual. Na
verdade, este projecto criou novos standards em matéria de concepção,
eficácia de custos e gestão de população prisional. Em comparação com
projectos de complexos prisionais sujeitos a modelos contratuais ditos
tradicionais, o HMP Altcourse comportou gastos mais reduzidos para o HM
Prison Service. Merece, também, referência o facto de ter ficado operacional
cinco meses antes do previsto.
O HMP Altcourse é dirigido por conta do HM Prison Service, sendo
parceiros públicos o HM Prison Service e o Home Office143.
Este complexo prisional encontra-se operacional desde Dezembro de
1997, vigorando o contrato de PFI pelo prazo de 25 anos. O seu valor global
ascende a 88 milhões de libras.
HMP Bronzefield (Ashford)
141 O parceiro privado é um consórcio, denominado Pucklechurch Custodial Services Ltd.. 142 O complexo prisional é constituído por seis blocos habitacionais, cada um com capacidade para 150 reclusos, com um sétimo bloco adicional para mais 180 reclusos. O projecto contém, também, um muro circundante e um sistema de alarme de tecnologia de topo, bem como edifícios de apoio, incluindo área de entradas e de visitas, um centro médico, e áreas destinadas aos serviços administrativos, educação, restauração, exercício físico e lavandaria. 143 O parceiro privado é uma empresa titular de uma concessão, pelo prazo de 25 anos, abarcando a concepção, construção, gestão e financiamento do novo estabelecimento prisional.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
180
Esta é uma PFI respeitante a um estabelecimento prisional para
mulheres a cumprir penas de prisão de curta duração ou a aguardar colocação
em outro estabelecimento, possuindo instalações com capacidade para 450
reclusas144.
Os parceiros públicos deste projecto são o HM Prison Service e o Home
Office145. O estabelecimento prisional encontra-se operacional desde Junho de
2004., tendo o contrato sido celebrado pelo prazo de 26 anos. O seu valor
global ascende a 47,1 milhões de libras.
HMP Dovegate
Trata-se de uma PFI relativa a uma prisão em Marchington, condado de
Staffordshire, com lotação de para 800 reclusos146.
Os parceiros públicos deste projecto são o HM Prison Service e o Home
Office147.
Este contrato foi celebrado prazo de 25 anos, encontrando-se as
instalações operacionais desde Julho de 2001. O valor global deste projecto é
de 64 milhões de libras.
HMP Forest Bank
Este projecto de PFI diz respeito a um estabelecimento prisional com
alojamento para 800 reclusos, que serve os tribunais da região Norte-Oeste de
Inglaterra148.
Como parceiros públicos deste projecto temos o HM Prison Service e o
Home Office149.
144 Para além das habituais instalações de cuidados de saúde ou para serviços religiosos, este estabelecimento prisional também dispõe de uma unidade infantil, para mães reclusas e respectivos filhos. 145 O parceiro privado é uma empresa constituída para o efeito. 146 Este estabelecimento prisional inclui, também, instalações para actividades terapêuticas e comunitárias. 147 O parceiro privado é uma sociedade constituída para o efeito. 148 As instalações deste estabelecimento prisional foram construídas numa antiga central eléctrica em Manchester (Agecroft Power Station), situando-se dentro de um parque florestal.
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
181
As instalações encontram-se operacionais desde Janeiro de 2000,
tendo o contrato sido celebrado pelo prazo de 25 anos. O valor global do
projecto ascende a 38,6 milhões de libras.
HMP Lowdham Grange
Trata-se de uma PFI respeitante a um novo estabelecimento prisional
com capacidade para 500 reclusos, em Lowdham, perto de Nottingham,
Sherwood150.
As entidades públicas envolvidas são o HM Prison Service e o Home
Office151.
Este estabelecimento prisional encontra-se em funcionamento desde
Fevereiro de 1998. O contrato foi celebrado pelo prazo de 25 anos. O valor
global deste projecto ascende a 32 milhões de libras.
HMP Parc
Este projecto é relativo ao primeiro complexo prisional privado no País
de Gales. Trata-se de um projecto de PFI respeitante a uma prisão com
instalações para cerca de 900 reclusos adultos do sexo masculino, bem como
para jovens delinquentes, em Bridgend152.
Esta prisão é gerida pela empresa Securicor Custodial Services, em
representação do Prison Service. As entidades públicas envolvidas são o
National Offender Management Service e o Home Office153.
149 O parceiro privado é um consórcio constituído para o efeito. 150 Trata-se de uma prisão dedicada ao cumprimento de penas de longa duração. 151 O parceiro privado é, também, uma empresa constituída para o efeito. 152 Neste estabelecimento prisional salienta-se a qualidade das instalações: todas as celas são equipadas com instalações sanitárias, ventilação, electricidade e mesmo televisão, para certos regimes; todas as alas se encontram equipadas com telefones, mesas de snooker e ténis de mesa (excepto zona de isolamento), e serviços de bar; e ainda zonas de duches, de lavandaria e de convívio. Para além disso, as instalações encontram-se ergonomicamente adaptadas a pessoas portadoras de deficiencies motoras, designadamente, celas, instalações sanitárias, rampas, elevadores e estacionamento adaptados, tanto para reclusos como para visitas. Possui, ainda, um sistema telefónico adaptado a pessoas com aparelhos auditivos. 153 O parceiro privado é um consórcio, denominado Bridgend Custodial Services Limited.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
182
O valor global deste projecto ascende a 74 milhões de libras. Este
estabelecimento prisional encontra-se em funcionamento desde Novembro de
1997, tendo o contrato sido celebrado pelo prazo de 25 anos.
HMP Peterborough
Este projecto de PFI diz respeito a um complexo prisional misto, com
capacidade para 840 reclusos, em Peterborough154.
As entidades públicas envolvidas são o HM Prison Service e o Home
Office155.
O valor global deste projecto ascende a 64,4 milhões de libras. Este
estabelecimento prisional encontra-se em funcionamento desde Março de
2005, sendo que o contrato vigorará durante 25 anos.
HMP Rye Hill
Este projecto de PFI refere-se a um estabelecimento prisional com
capacidade para 600 reclusos, localizado em Willoughby, no condado de
Northampton.
As entidades públicas envolvidas são o HM Prison Service e o Home
Office, o parceiro privado é um consórcio constituído para o efeito, sendo o
projecto financiado por uma entidade bancária.
O valor global deste projecto é de 34,7 milhões de libras. O
estabelecimento prisional encontra-se operacional de Janeiro de 2001, tendo o
contrato a duração de 25 anos.
HMP Kilmarnock
154 Trata-se da primeiras instalações a serem construídas no Reino Unido para albergar uma para uma população prisional mista (480 homens e 360 mulheres), o que levantou bastantes desafios do ponto de vista da planificação dos espaços, bem como da própria gestão. Quanto às instalações propriamente ditas, é de referir que a ala feminina possui celas individuais e duplas, assim como uma unidade infantil, para mães reclusas estarem com os seus filhos. 155 O parceiro privado é um consórcio, denominado Peterborough Prison Management Ltd..
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
183
Este projecto é relativo a um estabelecimento prisional submetido a
uma PFI em Kilmarnock, na Escócia. Está em causa uma prisão com
capacidade para 500 reclusos.
O parceiro público deste projecto é o Scottish Prison Service (SPS)156.
Por meio deste contrato de PFI, o parceiro privado foi encarregado da
concepção, construção, manutenção, financiamento e gestão do projecto (está
em causa a modalidade DBFOM – design, build, finance, operate and
maintain) pelo período de 25 anos. O risco de construção, de manutenção, de
gestão e de disponibilidade correm por conta do parceiro privado durante a
vigência do contrato. Os pagamentos são efectuados pelo SPS com base no
número de vagas disponíveis para reclusos nas instalações, estando sujeitos
a deduções em caso de falha nos níveis acordados de performance.
STC Cookham Wood (Medway)
Trata-se de uma PFI respeitante a um centro de treino (polidesportivo)
para jovens delinquentes localizado em Rochester, no Condado de Kent.
O parceiro público é o Youth Justice Board157.
As instalações encontram-se em funcionamento desde Abril de 1998,
sendo o valor global deste projecto de 8 milhões de libras. Estas instalações
foram, posteriormente, objecto de um projecto de expansão, também sob uma
PFI, no valor de 6,3 milhões de libras.
STC Hassockfield
156 O parceiro privado é um consórcio denominado Kilmarnock Prison Services Limited (KPSL). Este projecto revestiu-se de vantagens consideráveis para o parceiro público. Desde logo, porque foi construído muito rapidamente, entrando em funcionamento num curto espaço de tempo, mais concretamente, em menos de 17 meses após a celebração do contrato – encontra-se operacional desde Março de 1999. Por outro lado, é referido que implicou uma poupança significativa, em comparação com modalidades contratuais ditas tradicionais, tanto no que concerne os custos de capital como os custos de gestão. 157 O parceiro privado é um consórcio constituído por empresas.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
184
Este é, também, um projecto respeitante a um centro de treino para
jovens delinquentes, submetido a um contrato de PFI. Este polidesportivo está
situado em Medomsley, em Durham, e encontra-se operacional desde
Setembro de 1999.
O parceiro público é o Youth Justice Board158. O contrato foi celebrado
pelo prazo de 15 anos, encontrando-se as instalações em funcionamento
desde Setembro de 1999. O valor global deste projecto é de 10 milhões de
libras.
STC Oakhill – Milton Keynes
Trata-se de mais um projecto de um centro de treino para jovens
delinquentes submetido a uma PFI. Este Centro situa-se em Oakhill, Milton
Keynes, e encontra-se operacional desde Agosto de 2004.
O parceiro público é o Youth Justice Board159.
Este contrato foi celebrado prazo de 25 anos e o valor global é de 19,54
milhões de libras.
STC Onley
Temos aqui mais uma PFI relativa a um centro de treino para jovens
delinquentes. Estas instalações situam-se em Rugby, Warwickshire, e
encontram-se operacionais desde Julho de 1999. O contrato foi celebrado pelo
prazo de 15 anos.
O parceiro público é o Youth Justice Board160, o privado uma sociedade
constituída para o efeito e a entidade financiadora é um banco.
O valor global deste projecto é de 8 milhões de libras. Este Centro foi
objecto de um projecto de expansão, em 2001-2002, o qual também foi sujeito
a uma PFI. Esse contrato foi celebrado, entre as mesmas entidade, pelo prazo
de um ano. O valor deste projecto de expansão foi de 6,3 milhões de libras.
158 O parceiro privado é um consórcio, denominado Medomsley Training Services Ltd.. 159 O parceiro privado é um consórcio constituído para o efeito, denominado STC (Milton Keynes) Limited. 160 O parceiro privado é uma sociedade constituída para o efeito.
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
185
7. As PFI/PPPs no Reino Unido: um breve balanço
Na perspectiva da administração pública, comparativamente com a
forma tradicional de prestação de serviços públicos, as PFI/PPPs apresentam
vários benefícios, conferindo aos sectores público e privado vantagens mútuas
a longo prazo. São identificados como principais benefícios os seguintes161:
aumento das expectativas positivas em relação aos serviços públicos;
introdução do factor competitivo com o desmantelamento de situações de
monopólio; melhoria de prestação dos serviços públicos, permitindo que o
Governo disponibilize mais serviços públicos, mais eficientes e com mais
qualidade162; reforço das infra-estruturas; construção de edifícios e criação de
serviços que de outra forma não estariam disponíveis; manutenção dos bens
públicos com elevados padrões de qualidade; poupança; partilha do risco
inerente; melhor mobilização do capital; value for money; transparência
financeira e eliminação dos custos com atrasos nos projectos; e, finalmente,
inovação e uma nova cultura organizacional do serviço público.
De acordo com a National Development Finance Agency, da República
da Irlanda, que realizou um estudo sobre os projectos de PPP - UK National
Audit Office (NAO) Survey of 38 PPP Projects - , 20% dos projectos excediam
os valores orçamentados e 24% apresentavam um atraso na sua finalização.
Contudo, quando se comparava com a contratação clássica destes projectos,
73% dos projectos excediam o orçamento e o atraso na entrega era da ordem
dos 70% (Counihan, 2004).
O Governo britânico, num relatório de 2000, concluía que as PPP
proporcionavam um melhor value for money e que, em média, permitiam uma
economia superior a 17%, em comparação com as formas tradicionais de
contratação. Uma avaliação de performance concluída em 2003 constatou que
161 How to access UK expertise in Public Private Partnerships – A brief guide from UK Trade & Investment. 2004. UK Trade & Investment, in http://www.ppp.mg.gov.br/download/uk_brail ia.pdf, pág. 12 ss. (Julho de 2007). 162 Public Private Partnerships. The Government´s Approach. The Stationery Office: London, in http://www.hm-treasury.gov.uk/mediastore/otherfiles/ppp2000.pdf (Julho de 2007), 35. Para mais detalhe, ver pág. 35.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
186
o tempo de atraso no cumprimento dos prazos foi reduzido em relação à
contratação tradicional, tendo os projectos sido concretizados no prazo em
cerca de 90% dos casos163. Estes resultados foram confirmados pelo National
Audit Office (NAO).
O relatório Value for Money Drivers in the Private Finance Initiative, de
2000164, que avalia a existência de value for money nos projectos cuja fase de
construção já decorrera e se encontravam em fase operacional concluiu,
relativamente aos factores que influenciam o value for money dos contratos de
PFI/PPPs, designadamente, o seguinte: (1) quanto à transferência do risco, o
factor que mais importância tem para aumentar o value for money é a
transferência dos riscos que, por comparação com o sector público, possam
ser melhor geridos pelo sector privado; (2) um dos elementos que é tido como
condição essencial para se obter value for money é os contratos serem de
longa duração, visto durante a execução do contrato ser possível a
recuperação do investimento inicial, desenvolver novos meios de provimento
do serviço e centrar a gestão nos custos totais do projecto, equilibrando a
estrutura de receitas e encargos numa perspectiva de longo prazo; (3) a
medição do desempenho e incentivos actua como garante da obtenção do
value for money assegurado aquando da adjudicação; (4) a competição é
outro elemento a ter em conta, pois quanto maior for a concorrência na fase
de concurso, melhor será o preço e, logo, maior será o value for money; (5) e,
outro factor determinante para o sucesso de uma PPP, é a capacidade de
gestão do sector privado para conseguir reduzir as ineficiências operacionais.
Apesar do reconhecimento de vantagens várias, a aposta nas PFI/PPPs
nos últimos anos tem vindo a diminuir no Reino Unido, sobretudo, porque se
tornou evidente que muitas das vantagens apontadas às PFI/PPPs não se
concretizaram. São apontadas várias razões, entre elas: a relativa falta de
atenção dispensada aos aspectos organizacionais em detrimento dos lucros; o
facto de o sector público não dispor de conhecimentos e experiência 163 Nas escassas situações em que os projectos não foram cumpridos no prazo estabelecido - em regra devido a alterações dos requisitos por parte do sector público – foi o sector privado que suportou os encargos daí decorrentes. In UK Trade & Investment. 2004. 164 Arthur Andersen and Enterprise LSE. 2000. Value for Money Drivers in the Private Finance Initiative, apud Campos: 2007, 39-41.
A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas
187
suficientes, até mesmo para seleccionar os consultores qualificados; a
redução do investimento em inovação; a política de definição de prioridades
de investimento165.
A avaliação da poupança efectiva é um dos principais factores de
controvérsia. Após ter analisado 121 projectos, o National Audit Office, em
2001, concluiu que, no caso dos hospitais, o recurso a PFI em vez do
financiamento tradicional implica, em média, uma poupança de custos na
ordem apenas de 1,7% (Vázquez, 2006: 13).
Uma forte objecção aos projectos de PFI/PPPs prende-se com a
renegociação dos projectos. Uma vez terminada a construção da infra-
estrutura, é frequente que o parceiro privado consiga um re-financiamento
muito mais vantajoso do que o financiamento inicial, uma vez que uma grande
parte do risco já foi eliminado e o devedor do arrendamento é a Administração,
o que significa um risco muito baixo. Ora, essas vantagens apenas beneficiam
o parceiro privado, o que leva a que muitos considerem que o parceiro privado
está a “fazer negócio à custa do sector público”. Há, contudo, quem considere
que esta objecção não tem grande fundamento. Por um lado, é razoável que o
promotor, precisamente por assumir o risco, beneficie da boa gestão do
projecto; por outro, participar ou não nos benefícios do re-financiamento
depende das condições do contrato e não por se ter optado pela PFI/PPP. As
orientações emanadas pelo Office of Government Comerce já incluem uma
cláusula sobre re-financiamento nos contratos padrão (Vázquez, 2006: 13).
Diga-se, ainda, que o Reino Unido foi criticado o uso de PFI no National
Health Service por se considerar que tal implicava uma redução no número de
camas nos novos hospitais construídos por meio de PFI. Contudo, a Câmara
dos Comuns, em 2002, elaborou um relatório onde esta questão é analisada,
concluindo-se que não havia qualquer relação entre o recurso a projectos de
PFI e o número de camas de um hospital, apesar de admitir que, em regra, os
novos hospitais têm menos camas do que os antigos hospitais, mas que
165 Public Private Partnerships. The Government´s Approach. The Stationery Office: London. In http://www.hm-treasury.gov.uk/mediastore/otherfiles/ppp2000.pdf, 27. (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
188
atribui a outros factores, como o controlo mais eficaz de custos (Vázquez,
2006: 14).
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
189
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
Na República da Irlanda, a opção governamental por PPPs está intimamente ligada ao
exponencial crescimento económico do país a partir de meados dos anos noventa do século
passado. Perante a necessidade de investimentos avultados em infra-estruturas, o modelo
contratual de PPPs foi considerado uma solução viável. O processo iniciou-se com um estudo,
encomendado pelo Governo em 1998, cujo objectivo central era avaliar a possibilidade de utilização
de parcerias público-privadas. Os primeiros projectos-piloto tiveram início no ano seguinte. As PPPs
adquiriram grande relevo na execução do Plano de Desenvolvimento Nacional 2000-2006, em
particular no âmbito do Programa Operacional de Infra-estruturas Económicas e Sociais. O Plano de
Desenvolvimento Nacional 2007-2013 confere igual preponderância às PPPs: do investimento global
previsto de 76,2 biliões de euros, cerca de 12 biliões de euros dizem respeito a projectos PPP.
Não existe no ordenamento jurídico irlandês um diploma legal que, de forma exclusiva e
global, regulamente a contratação sob a forma de PPP, embora em 2002 tenha sido publicado um
diploma (The State Authorities Act 2002- Public Private Partnership Arrangements) considerado
fundamental para a consolidação das PPPs na Irlanda. A Unidade Central de PPP define,
complementarmente, directivas, bem como notas técnicas mais detalhadas, relativamente ao
processo de adjudicação de PPPs e aos procedimentos a adoptar, o mesmo fazendo as várias
unidades de PPP dos diferentes departamentos governamentais. O Departamento de Finanças
estabelece, igualmente, directivas nesse âmbito.
O Governo considerou que uma efectiva implementação de PPPs no país requereria a
criação de órgãos governamentais especializados nesta matéria, com competência e conhecimentos
adequados para gerir esta nova abordagem à contratação pública, o que levou à criação de vários
organismos com o objectivo de tornar mais eficaz essa implementação. Como estruturas centrais de
fiscalização e controlo de PPPs, foram criadas a Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional
(NDFA), como centro especializado de aconselhamento financeiro, e a Unidade Central de PPPs
(Central PPP Unit), com competência para coordenar o processo de implementação de PPPs.
Dentro deste organismo, a gestão dos processos é feita através de dois grupos: um Grupo
Interdepartamental de PPPs e um Grupo Informal de Consultoria de PPPs. Existem, também,
unidades responsáveis pelas PPPs em determinados departamentos governamentais. Foi, ainda,
criado no seio do Governo um Sub-Comité para as Infra-estruturas e Parcerias Público-Privadas.
São várias as modalidades de parcerias público-privadas utilizadas nos diferentes sectores.
No sector da justiça, as modalidades utilizadas são a designada DBFOM, que transfere para o
parceiro privado a concepção, construção, financiamento, gestão e manutenção da infra-estrutura
ou DBFM, que exclui a gestão. Existem, actualmente, contratos em execução ou em processo de
adjudicação em diferentes sectores, designadamente, educação, ambiente, habitação, transportes e
redes viárias e ferroviárias. No sector da justiça, o recurso a esta forma de contratação é mais
recente e menos relevante. Os primeiros projectos, da responsabilidade do Courts Service e do
Prison Service, encontram-se, actualmente, em fase de adjudicação ou de construção. Estão em
curso os seguintes projectos: um relativo à construção de um complexo de tribunais, um outro a
obras de ampliação, conservação e restauro de edifícios de diversos tribunais e outros dois relativos
à construção de dois estabelecimentos prisionais.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
190
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
191
Introdução
Na República da Irlanda, a opção governamental por PPPs está
intimamente ligada ao exponencial crescimento económico do país, a partir de
meados dos anos noventa do século passado. Nesse contexto de rápido
crescimento, e perante a necessidade de investimentos avultados em infra-
estruturas, o modelo contratual de PPPs foi considerado uma solução viável.
O recurso a parcerias público-privadas na República da Irlanda é, assim,
recente. O processo iniciou-se com um estudo, encomendado pelo Governo
em 1998, cujo objectivo central era avaliar a possibilidade de utilização de
parcerias público-privadas. Os primeiros projectos-piloto tiveram início no ano
seguinte.
A possibilidade de recurso a parcerias público-privadas na República da
Irlanda vinha sendo discutida pelos vários parceiros sociais quando, em 1998,
o Governo encomendou um estudo às consultoras Farrell Grant Sparks and
Goodbody Economic Consultants e Chesterton Consulting, com vista a
explorar o potencial das parcerias público-privadas no país. Em Julho desse
mesmo ano, aquelas consultoras apresentaram o respectivo relatório, no qual
recomendaram, em especial, o desenvolvimento de projectos-piloto em
diferentes sectores e a criação de Unidades de PPP (PPP Units) em sectores-
chave do Estado, que viessem a supervisionar os processos de adjudicação e
o cumprimento dos futuros contratos. Na sequência daquelas recomendações,
foram criadas Unidades de PPP no Departamento166 de Finanças (Unidade
Central de PPPs), bem como unidades especializadas nos Departamentos do
Ambiente e Administração Local, da Educação e Ciência, e das Obras
Públicas (Departments of Finance, Environment and Local Government,
Education and Science, and Public Enterprise).
Em Junho de 1999, foram aprovados pelo Governo vários projectos-
piloto de parceria público-privada no sector das estradas, nos serviços de
166 Correspondem sensivelmente aos nossos Ministérios. Não obstante, optou-se por manter a nomenclatura original, já que também existe a palavra ”ministry” em inglês. Na República da Irlanda, ao contrário do Reino Unido, optou-se por “department” e não por “ministry”.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
192
água e saneamento, de recolha de lixo, no sector da educação e no sector dos
transportes públicos167.
Em Setembro desse mesmo ano, o Governo encomendou à consultora
Price Waterhouse Coopers um novo estudo referente à implementação de
parcerias público-privadas na Irlanda. Outro estudo complementar foi, ainda,
encomendado pelo Departamento de Finanças à mesma Consultora em 2001.
Na sequência desses estudos, o então Ministro das Finanças, Charlie
McCreevy, apresentou, no dia 1 de Novembro de 2001, o Plano para PPPs na
Irlanda (Framework for PPP in Ireland). Trata-se de um documento no qual é
delineado o escopo, princípios estruturantes e objectivos do programa de
introdução de parcerias público-privadas no país. Nele é feita a identificação
das principais questões que se colocam na implementação de projectos de
parcerias público-privadas, designadamente, a necessidade de uma
coordenação centralizada por uma Unidade Central de PPPs (Central PPP
Unit) e o reconhecimento do papel dos parceiros sociais e da importância da
auscultação das suas posições168.
Em 12 de Dezembro de 2001, teve lugar, em Cork, o primeiro de uma
série de seminários regionais informativos. Esses seminários revestiram-se de
particular importância, já que tiveram como objectivo esclarecer os membros
das audiências regionais sobre as vantagens das parcerias público-privadas,
explicando o conceito e apresentando o referido Plano de PPPs na Irlanda.
Em Dezembro desse mesmo ano, foi promulgado o Transport (Railway
Infrastructure) Act 2001. Trata-se do primeiro diploma a referir a utilização de
parcerias público-privadas e a regulamentar a sua adjudicação, no sector dos
167 Cf. “Briefing Note Number 5: PPP Programme (May 2000)”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 168 Cf. ”Framework for Public Private Partnerships” e “Briefing Note Number 13: The Framework for Public Private Partnership in Ireland”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). Cf., igualmente, http://finance.irlgov.ie/Viewprnt.asp?DocID=-1&CatID=17&StartDate=01+January+1999 (Julho de 2007).
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
193
transportes169.
Em Março do ano seguinte, o State Authorities (Public Private
Partnership Arrangements) Act 2002 veio introduzir oficialmente as PPPs no
ordenamento jurídico irlandês, a que se seguiram outros diplomas
regulamentadores. Este diploma define o conceito de parceria público-privada
e as modalidades que esta pode revestir. Prevê, também, a constituição de
Special Purpose Vehicles (SPVs)170 com o objectivo de realizar parcerias
público-privadas171. No início de 2002 foram, ainda, criadas Unidades de PPP
no Courts Service e no Departamento de Saúde e Infância (Department of
Health and Children). Em Julho desse ano iniciaram-se os primeiros projectos-
piloto no sector da saúde.
As parcerias público-privadas adquiriram enorme relevo na execução do
Plano de Desenvolvimento Nacional 2000-2006 (National Development Plan
2000-2006 – plano de investimento governamental), em particular no âmbito
do Programa Operacional de Infra-estruturas Económicas e Sociais (Economic
and Social Infrastructure Operational Programme)172.
O Plano de Desenvolvimento Nacional 2007-2013 confere igual
preponderância às parcerias público-privadas: do investimento global previsto
de 76,2 biliões de euros, cerca de 12 biliões de euros dizem respeito a
projectos de parcerias público-privadas173. Deste montante global, quase 9,5
milhões de euros serão aplicados na construção de infra-estruturas, em
especial redes viárias (sobretudo estradas e vias férreas) mas, também, infra- 169 Cf. “Briefing Note Number 2: The development of PPP in Ireland”, disponível no site do Governo Irlandês de PPPs (The Irish Government Public Private Partnership website), in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 170 Os contratos de parceria público-privada são realizados por meio de SPVs. Trata-se de sociedades para cujo capital social contribuem as empresas promotoras do empreendimento em causa. São criadas com a única função de gestão do projecto. Em caso de incumprimento, apenas respondem os capitais próprios dessa SPV. 171 Cf. State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act 2002, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 172 Cf. Plano de Desenvolvimento Nacional 2000-2006, NDFA Annual Repport 2006 e “Briefing Note Number 3: Public Private Prtenership and the National Development Plan 2002-2006”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 173 Cf. Sumário Executivo do Plano de Desenvolvimento Nacional 2007-2013 e NDFA Annual Repport 2006, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
194
estruturas de cariz social, nos sectores da justiça, da educação e da
habitação174.
1. O enquadramento legal
Não existe no ordenamento jurídico irlandês um diploma legal que, de
forma exclusiva e global, regulamente a contratação sob a forma de PPP/PFI,
estabelecendo o seu enquadramento legal.
O enquadramento legal das PPPs é, assim, definido, de forma parcelar,
pelos seguintes diplomas: o Transport (Railway Infrastructure) Act 2001; o
State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act, 2002 (No. 1 of
2002); e o National Development Finance Agency Act 2002 e a sua Emenda, o
National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007.
A Unidade Central de PPP (Central PPP Unit) define,
complementarmente, directivas, bem como notas técnicas mais detalhadas,
relativamente ao processo de adjudicação de parcerias público-privadas e aos
procedimentos a adoptar. O mesmo fazendo as várias unidades de PPP dos
diferentes departamentos governamentais175. O Departamento de Finanças
(Department of Finance) estabelece, igualmente, directivas nesse âmbito.
1. 1. The Transport (Railway Infrastructure) Act 2001
Merece referência o Transport (Railway Infrastructure) Act de 2001 pela
sua relevância histórica: neste diploma foi feita a primeira referência a
parcerias público-privadas no ordenamento jurídico irlandês. O Transport
174 Cf. http://www.cityandfinancial.com/assets/documents/20070504165955IrishPPP2007_WEB. pdf (Julho de 2007). 175 Por exemplo, foi publicado, em Abril de 2000, pela Unidade de PPP do Department of Environment Heritage and Local Government, um “Policy Framework for Public Private Partnerships” in http://www.environ.ie/DOEI/DOEIHome.nsf), no qual são dadas informações genéricas sobre parcerias público-privadas, bem como directivas de procedimento mais específicas a respeito da realização de projectos de infra-estruturas por meio de PPPs. (cf. The International Comparative Legal Guide to: PFI / PPP Projects 2007. A practical insight to cross-border PFI / PPP Projects work. Chapter 9 – Ireland. Stowe, Richard e O’Brien, Peter).
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
195
(Railway Infrastructure) Act veio, assim, facilitar a participação do sector
privado no desenvolvimento do sector ferroviário, estabelecendo a Railway
Procurement Agency (RPA). Trata-se se uma agência estatal independente,
com competência na adjudicação de projectos para a construção de novas
infra-estruturas na área dos transportes (metropolitano e vias férreas), bem
como de serviços, quer através de parcerias público-privadas (e é devido a
esta referência que a sua importância se justifica no âmbito desta resenha),
quer através de joint ventures ou de outros modelos de contratação176.
1. 2. The State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act, 2002
Como já referimos, o State Authorities (Public Private Partnership
Arrangements) Act introduziu formalmente as parcerias público-privadas no
ordenamento jurídico irlandês. Nele é definido o conceito de parceria público-
privada, incluindo as modalidades que esta pode revestir. Este normativo
também permite a criação de SPVs para a execução de uma parceria público-
privada e permite, igualmente, a contratação com financiadores privados no
âmbito de uma PPP. Clarifica-se, assim, as competências das entidades
públicas para participar em parcerias público-privadas e joint ventures. Estes
poderes complementam os poderes já conferidos a estas entidades por outros
normativos177.
Esta lei é considerada um passo decisivo no desenvolvimento do
processo de PPPs na República da Irlanda, consolidando o interesse do
Governo em utilizar o potencial das parcerias público-privadas no
desenvolvimento de infra-estruturas no âmbito dos Planos de
Desenvolvimento Nacional 2000-2006 e 2007-2013 (National Development
Plans – NDPs).
176 Cf. The Transport (Railway Infrastructure) Act 2001, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 177 Cf. The State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act 2002, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
196
1. 3. The National Development Finance Agency Act 2002 e The National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007
Estes normativos regulamentam a Agência Financeira de
Desenvolvimento Nacional (National Development Finance Agency – NDFA).
O National Development Finance Agency Act estabeleceu a NDFA, com
o objectivo de criar uma agência governamental que forneça aconselhamento
financeiro a todas as entidades públicas que levem a cabo grandes projectos
de infra-estruturas, quer por meio de parcerias público-privadas, quer por uma
forma contratual dita tradicional178. A Emenda introduzida em 2007 a esta lei
veio alargar as funções da NDFA, confirmando o seu papel como Centro
Estatal Especializado em PPPs. Esta Emenda veio, ainda, aumentar o número
de membros dessa entidade179.
O conceito de PPP no ordenamento jurídico irlandês
As parcerias público-privadas são definidas como parcerias entre
organismos do sector público e entidades do sector privado, com o objectivo
de conceber, construir, gerir, manter e/ou financiar projectos de serviços
públicos ou de infra-estruturas do Estado, em projectos tradicionalmente
realizados através de formas contratuais tradicionais180. Envolvendo a
prestação de serviços (respeitantes à infra-estrutura objecto de parceria), esta
durará por um período não inferior a cinco anos.
É de referir que, na prática, podem existir projectos que não são
adjudicados como parcerias público-privadas na sua totalidade, podendo
incluir partes do projecto em que se utilizarão formas contratuais tradicionais.
Sucede, por exemplo, em alguns projectos que os lotes de terreno onde são
178 Cf. The National Development Finance Agency Act 2002, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 179 Cf. The National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 180 Artigo 3, n.º 1, alínea a), do State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act 2002, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
197
construídas as infra-estruturas objecto de parcerias público-privadas são
previamente adquiridos pela entidade estatal responsável e a sua aquisição
não está incluída no contrato de PPP.
2. As modalidades de parceria público-privada
A utilização de parcerias público-privadas pressupõe que o Estado
considere a totalidade das diferentes componentes do projecto e as configure
num só contrato. Essas componentes podem ser as seguintes: concepção do
projecto, construção, financiamento, gestão e manutenção que, em cada
projecto, se podem conjugar de formas variada, o que leva a diferentes
modalidades de parceria público-privada.
Até Novembro de 2006, as modalidades de parceria público-privada
utilizadas na República da Irlanda foram as seguintes: Concessão; DBFOM –
design, build, finance, operate and mantain (concepção, construção,
financiamento, gestão e manutenção; DBFM – design, build, finance and
maintain (concepção, construção, financiamento e manutenção; DBOM –
design, build, operate and maintain (concepção, construção, gestão e
manutenção); e DBM – design, build and maintain (concepção, construção e
manutenção)181.
Concessão
Nesta modalidade, a entidade pública estabelece um acordo com uma
entidade privada para que esta projecte, construa, financie, seja responsável
pela gestão e manutenção de uma dada infra-estrutura, com o objectivo de
prestar serviços, permitindo, em alguns casos, ao privado cobrar aos
respectivos utentes pela utilização do serviço em causa. Assim, o parceiro
181 Cf. State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act 2002 e “Assessment for Projects for Procurement as Public Private Partenership”, pp. 20 e ss., in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
198
privado recupera parte do seu investimento cobrando aos utentes pelo serviço
prestado. O montante pago pelos utentes é, geralmente, fixado pela entidade
pública em momento prévio à adjudicação. Dependendo do objecto da PPP, o
pagamento ao parceiro privado pode ser também feito directamente pela
entidade pública.
Nesta modalidade de parceria público-privada, o risco da procura é,
normalmente, atribuído ao parceiro privado. A entidade estatal deverá, então,
antever a possibilidade de a procura exceder o previsto, gerando lucros
anormais, e incluir no contrato, designadamente, uma cláusula de distribuição
dos lucros atingido que seja determinado patamar.
DBFOM – design, build, finance, operate and maintain (concepção,
construção, financiamento, gestão e manutenção)
Este modelo distingue-se da concessão pelo facto de não depender de
rendimentos externos. Na maioria dos projectos sujeitos a esta modalidade de
PPP, o Estado possui ou adquire previamente o local da construção e
concede ao parceiro privado uma licença de longa duração pelo período de
duração do contrato, cabendo a este fornecer os serviços solicitados.
DBFM – Design, build, finance and maintain (concepção,
construção, financiamento e manutenção)
Esta modalidade distingue-se da anterior (DBFOM) pois não inclui a
gestão do projecto por parte do parceiro privado. Tem sido utilizada no
desenvolvimento de redes de transportes ou, mais recentemente, na área da
justiça, em complexos prisionais.
DBOM – design, build, operate and maintain (concepção,
construção, gestão e manutenção)
Modalidade bastante semelhante à DBFOM. A diferença reside no facto
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
199
de o parceiro privado não ser o financiador do projecto. O parceiro privado
elabora o projecto e constrói a infra-estrutura, de modo a que esta responda
às exigências do parceiro público. O parceiro privado é remunerado
directamente pela entidade pública na parte correspondente a esta fase do
projecto, como se se tratasse de uma forma contratual dita tradicional. O
parceiro privado é, ainda, responsável por gerir e manter a infra-estrutura por
um período de tempo predefinido. No termo do contrato, a responsabilidade
pelo bem é devolvida à entidade pública. A propriedade do bem mantém-se
sempre na titularidade do sector público.
DMB – design, build and maintain (concepção, construção e
manutenção)
Esta modalidade de PPP distingue-se da anterior (DBOM) pelo facto de o
parceiro privado não gerir os serviços que estão associados à infra-
estrutura/bem em questão182.
3. O processo de adjudicação de uma PPP
O esquema que seguidamente se apresenta mostra as diferentes fases
do processo de adjudicação de parcerias público-privadas na Irlanda183 184.
182 Cf. “Assessment for Projects for Procurement as Public Private Partenership”, pp. 23-25, in www.ppp.gov.ie. (Julho de 2007). 183 Sobre os processos de contratação pública em geral, cf. The International Comparative Legal Guide to: PFI / PPP Projects 2007. A practical insight to cross-border PFI / PPP Projects work. Chapter 9 – Ireland. 184 In “Guidelines for the Provision of Infrastructure and Capital Investments through Public Private Partnerships: Procedures for the Assessment, Approval, Audit and Procurement of Projects”, pg. 3. Julho de 2006 in http://www.ppp.gov.ie/keydocs/guidance/central/Main%20P PP%20Guidelines%20-%20Amended.doc#_Toc144719254 (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
200
Figura IV. 1
PPP Procurement Steps within the Capital Appraisal Guidelines framework
1. Preliminary Appraisal
4. Detailed Appraisal (including PPP Procurement Assessment)
5. Approval to proceed and appoint client advisors
2. NDFA assistance
6. Establish Project Management Structure
Capital Appraisal Guidelines
PPP Guidelines
Planning Stage Im
plementation stage
7. Accountable Officer appoints a Process Auditor (PA). PA reports
directly to the Accountable Officer.
9. Procurement Process
8 Compile Output Specifications and Public Sector Benchmark
(PSB)
10. Tender Evaluation (including Value for Money Comparison)
Design Brief
Costs of Project
Changes in Circumstances / Timescale
Pre-Tender Review
Procurement
Review Using Tender Price
Approval to Procure
Audit Process Auditor / Sponsoring Agency
Responsible party
Approval Sanctioning Authority
Project Assessment
Sponsoring Agency / Project Board
Key
3. Approval to Proceed (if significant staff resources
involved in Detailed Appraisal)
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
201
Fonte: Governo Irlandês185
Como a figura anterior mostra, o processo de adjudicação de uma
parceria público-privada passa por várias etapas, num total de treze, com
várias sub-etapas. Note-se que as três primeiras etapas são comuns a todos
os processos de adjudicação, quer esteja em causa uma parceria público-
privada ou um mecanismo contratual dito tradicional, enquanto que duas
últimas só terão lugar, como se verificará, em determinados contratos de
parceria público-privada.
O processo inicia-se com uma avaliação preliminar, na qual o
departamento ou agência governamental responsável/interessado deve
especificar as necessidades em causa e em que medida se procura responder
a tais necessidades; identificar todas as opções que se colocam; efectuar uma
avaliação preliminar dos custos e dos benefícios de todas as opções;
seleccionar a opção preferida de entre as hipóteses elencadas previamente e
avaliar se os benefícios que se prevêem serão suficientes para cobrir os
custos; e, com base nessa avaliação, decidir se o processo continua.
Estando completa a avaliação preliminar, e antes de se passar à fase de
avaliação detalhada, é obrigatória a avaliação financeira pela NDFA.
185 Cf. “Guidelines for the Provision of Infrastructure and Capital Investments through Public Private Partnerships: Procedures for the Assessment, Approval, Audit and Procurement of Projects”, pp. 18 e ss.
11. Award of Contract
13. Ongoing Contract Management 12. Post Project Review
Contract Placement
Monitoring & Evaluation
Approval to Implement if Tenders Exceed Appraisal Limits
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
202
A fase de avaliação detalhada possui uma sub-fase, na qual se avalia a
opção por uma PPP. É, nesse momento, que o processo de adjudicação de
um projecto de PPP se distingue do de outros modelos contratuais. Assim,
como referimos, no âmbito da avaliação detalhada, a entidade pública
contratante deverá determinar o melhor mecanismo contratual para o caso
concreto e, considerada a opção por uma PPP, a avaliação deverá incidir
sobre determinados aspectos em particular, designadamente, os seguintes.
Desde logo, se o projecto tem uma envergadura e/ou um risco associado
que justifiquem a opção por uma parceria público-privada, e se o projecto será
rentável se contratado sob a forma de PPP. A entidade pública deverá,
também, determinar qual a modalidade de parceria público-privada que
proporcionará mais benefícios para o Estado. Naturalmente, é também
necessário averiguar se a entidade pública em causa tem competência para
contratar parcerias público-privadas. Por outra banda, é, igualmente, avaliado
se o investimento por parte de uma entidade terceira pode reduzir
significativamente o nível de financiamento com dinheiros públicos. É, ainda,
necessário que todas as questões referentes a políticas públicas, que por
qualquer modo, possam afectar o projecto estejam clarificadas e haja acordo
sobre as mesmas. Finalmente, terá de haver estabilidade no sector em causa,
nomeadamente, ao nível tecnológico, e que não seja de esperar modificações
relevantes num futuro próximo.
É de destacar o papel da NDFA nesta fase, na análise financeira do
projecto, bem como dos riscos associados, auxiliando, assim, as entidades
públicas na selecção do mecanismo contratual mais adequado ao caso
concreto.
De seguida, a entidade pública interessada requer autorização para a
prossecução do projecto sob a forma de uma PPP ao organismo com
competência para, no sector em causa, implementar as políticas
governamentais.
Posteriormente, é criada a estrutura de gestão do projecto, o que
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
203
geralmente envolve a nomeação de um Conselho do Projecto (project board)
para monitorizar o projecto, de um gestor de projecto (project manager) e de um auditor186.
Nesta fase, são, ainda, traçadas, detalhadamente, as especificações da
infra-estrutura objecto de PPP. É, também, elaborado o Public Sector
Benchmark (PSB), instrumento considerado de grande importância no
processo de adjudicação de contratos de parceria público-privada (indicador
monetário com a estimativa do custo total, rendimentos e risco), fornecendo-
se, assim, às entidades privadas que se candidatam aos projectos quais os
custos, lucros e riscos que estarão em causa naquele contrato de PPP.
Decorridos aqueles procedimentos, é aberto concurso de adjudicação, a
que se segue a avaliação dos candidatos e respectivas propostas (incluindo-
se aqui a value for money comparison). O projecto é adjudicado ao candidato
seleccionado, celebrando-se o contrato entre a entidade pública (agora
parceiro público) e a entidade privada (agora parceiro privado).
Decorrido determinado tempo de vida do contrato são feitas avaliações
do projecto. A avaliação incide, tanto sobre os resultados obtidos, como sobre
os procedimentos levados a cabo pela entidade gestora.
No caso de se tratar de uma parceria público-privada em que o
pagamento depende do cumprimento de determinadas obrigações/resultados
por parte do parceiro privado, a performance deste é constantemente
monitorizada. Essa monitorização será preferencialmente efectuada por uma
entidade terceira ao contrato. Caso se verifique a necessidade de renegociar
qualquer cláusula do contrato, é sempre obrigatório obter um parecer da
NDFA, a respeito das implicações financeiras, do risco ou da segurança
jurídica de eventuais alterações às cláusulas contratuais.
Igual parecer da NDFA é necessário no caso de refinanciamento e/ou
186 Para uma exposição técnica e detalhada das suas funções, ver “Central Guidance 3: Guidelines for the Reporting Arrangements, Role and Function of a Process Auditor in a Public private Partnership Project”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
204
reestruturação do projecto durante a vida do contrato de parceria público-
privada, por alteração substancial das circunstâncias. Note-se que tais
alterações não podem agravar a posição do Estado no contrato de parceria
público-privada187.
4. O financiamento nas parcerias público-privadas
A fonte de financiamento mais utilizada nos projectos de parceria
público-privada na Irlanda é através de consórcios de investidores irlandeses
e/ou britânicos, europeus ou norte-americanos. A República da Irlanda é
considerada como particularmente atraente para o investimento directo
estrangeiro, em especial norte-americano, pelo facto de a língua oficial ser o
inglês; não haver restrições de acesso ao vasto mercado comum europeu;
possuir um ambiente macroeconómico estável; possuir uma regulamentação
interna favorável aos negócios; possuir um regime fiscal atractivo; e existir
uma atitude geral de aceitação do investimento estrangeiro188. A título de
exemplo, o contrato de parceria público-privada respeitante à estrada N1/M1
Dundalk Western Bypass foi adjudicado a um consórcio constituído por quatro
sociedades comerciais, das quais duas são estrangeiras: uma empresa
espanhola, uma empresa britânica e duas empresas irlandesas.
5. Estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de PPP
O Governo irlandês considerou que uma efectiva implementação de
parcerias público-privadas no país requereria a existência de órgãos
governamentais especializados nesta matéria, com responsabilidade e
conhecimentos para gerir essa nova abordagem à contratação pública. Assim,
187 Cf. “Guidelines for the Provision of Infrastructure and Capital Investments through Public Private Partnerships: Procedures for the Assessment, Approval, Audit and Procurement of Projects”, pg. 3 e ss.; “Assessment of Projects for Procurement as Public Private Partnership”, pg. 20 e ss.; e “Guidelines for the Appraisal and Management of Capital Expenditure Proposals in the Public Sector”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 188Couniham, Anne (2004), Ireland’s Infrastructure – the role of the National Development Agency and Public Private Partnerships. NDFA, Budapest, 2 Junho.
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
205
foram sendo criados vários organismos e estruturas com o objectivo de tornar
mais fácil e eficaz a implementação de parcerias público-privadas.
Logo em 1999, foi criada a Unidade Central de PPPs (Central PPP Unit),
no Departamento de Finanças, para dirigir e coordenar o processo de
introdução das PPPs, a que se seguiu a criação de unidades de PPP (PPP
Units) em vários departamentos governamentais. Posteriormente, em 2002, foi
criada a Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional (National
Development Finance Agency – NDFA), que iniciou a sua actividade em 2003
e cuja composição e funções como órgão consultivo em matéria financeira no
âmbito das PPPs foram sendo alargadas ao longo dos anos189.
Foi, ainda, criado no seio do Governo um Sub-Comité do Gabinete para
as Infra-estruturas e Parcerias Público-Privadas (the Cabinet Sub-Committee
on Infrastructure and Public-Private Partnership), presidido pelo Primeiro-
Ministro, do qual fazem parte o Vice-Primeiro Ministro, o Ministro das
Finanças, o Attorney General (Procurador-Geral da República) e vários
Ministros. Este comité, que funciona, como se depreende, ao mais alto nível
governamental, é apoiado por uma equipa inter-departamental dos sectores
mais relevantes.
5. 1. Estruturas centrais de fiscalização e controlo de PPPs
Como estruturas centrais de fiscalização e controlo de parcerias público-
privadas, existem, assim, a Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional
(National Development Finance Agency – NDFA) e a Unidade Central de
PPPs (Central PPP Unit).
189 Cf. “Briefing Note Number 2: The development of PPP in Ireland”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
206
5. 1. 1. A Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional (National Development Finance Agency – NDFA)190
A Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional (National
Development Finance Agency – NDFA) foi criada em 2002 (entrando em
funções em Janeiro de 2003), sob a égide do National Treasury Management
Agency (NTMA), como centro especializado de aconselhamento financeiro
para todas as entidades públicas envolvidas em grandes projectos de infra-
estruturas, quer por meio de parcerias público-privadas, quer através de
formas contratuais ditas tradicionais.
A NDFA tem um papel consultivo, aconselhando as autoridades estatais
acerca dos meios considerados mais adequados para o financiamento (e
refinanciamento) de projectos, bem como em matéria de seguros, de análise
de risco e de investimentos públicos. Concretamente, a NDFA auxilia as
entidades públicas a avaliar os custos e o risco financeiro de projectos
relativos a infra-estruturas, de forma a seleccionar o método de financiamento
mais adequado a cada caso concreto; e a obter financiamento para projectos.
Note-se que, na sua actividade consultiva, a NDFA deve sempre ter em linha
de conta as directivas ministeriais e as políticas seguidas no sector em causa.
No âmbito do seu papel de consultoria, a NDFA deve ter acesso a toda a
informação e documentação relevantes para cada projecto. Pode,
inclusivamente, representar as entidades públicas nele envolvidas em
reuniões e negociações, designadamente, de âmbito financeiro. O parecer
financeiro prévio da NDFA é obrigatório em todos projectos que impliquem um
capital superior a 20 milhões de euros. A NDFA tem, ainda, competência para
adiantar capital até 5 biliões de euros para financiar projectos. Contudo, em
2006, não tinha sido ainda financiado directamente qualquer projecto191.
Para além das referidas funções de aconselhamento financeiro e em
matéria de risco, o papel da NDFA foi alargado em 2005. Esta agência passou 190 Cf. The National Development Finance Agency Act 2002 e The National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007, e, ainda, o documento “Briefing Note Number 14: The National Development Finance Agency (NDFA)”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 191 Cf. o NDFA Annual Repport 2006, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
207
a intervir activa – e obrigatoriamente – em todos os processos de adjudicação
de PPPs, com excepção dos relativos a redes viárias, da responsabilidade do
Departamento de Transportes e da sua Unidade de PPP.
Para tanto, foi criado um Centro Especializado para a adjudicação de
PPPs (Centre of Expertise for PPP Procurement) para coordenar os processos
de adjudicação dos projectos até então a cargo dos Departamentos de Saúde
e Infância; da Justiça, Igualdade e Reformas Legais; e da Educação e Ciência.
Com este novo organismo pretendia-se centralizar conhecimentos
especializados, o que permitia apoiar mais eficazmente a implementação e
controlo dos projectos de parceria público-privada.
Em 2007, foi introduzida uma Emenda à National Development Finance
Agency Act (Lei da Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional), que
veio alargar as funções da NDFA, (con)firmando o seu papel como centro
estatal especializado em parcerias público-privadas, também alargado aos
processos até então a cargo dos Departamentos de Artes, Desporto e
Turismo192.
5. 1. 2. A Unidade Central de PPP (The Central PPP Unit)
Existe, também, no Departamento de Finanças, uma Unidade Central de
PPP (The Central PPP Unit), com competência para conduzir e coordenar a
implementação de parcerias público-privadas193. Constituem funções deste
organismo o desenvolvimento do enquadramento legal e técnico, de políticas
de apoio ao processo de parceria público-privada, bem como a disseminação
de boas práticas, procurando-se estandardizar diferentes práticas e, por essa
via, assegurar, designadamente, que os riscos dos projectos de parceria
público-privada sejam avaliados de forma coerente e consistente nos vários 192 Este diploma veio, ainda, adicionar mais três membros ao seu Conselho, o qual é constituído por um Presidente e sete membros ordinários. O Presidente da NDFA é o Chief Executive da National Treasury Management Agency. Os seus membros são nomeados, pelo período de cinco anos, pelo Ministro das Finanças. É o Conselho da NDFA que elege um dos seus membros (outro que não o Presidente) para Chief Executive da NDFA. 193 Cf. http://www.ppp.gov.ie/about/index_html e http://www.finance.gov.ie/viewdoc.asp?DocID= 1250 (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
208
sectores.
A gestão dos processos de PPPs é feita através de dois grupos: um
Grupo Interdepartamental de PPPs (InterDepartmental Group on PPPs – IDG)
e um Grupo Informal de Consultoria de PPPs (Public/Private Informal Advisory
Group on PPPs).
Integram o Grupo Interdepartamental de PPPs (IDG) representantes de
todos os sectores da administração pública194. O seu papel centra-se na
identificação das questões mais relevantes que se colocam nos processos de
parcerias público-privadas, na recolha e avaliação das diferentes experiências
e na identificação das melhores práticas no sector. Todo esse know-how é
centralizado e fornecido às entidades públicas envolvidas em parcerias
público-privadas, conferindo consistência e coerência aos procedimentos.
Essa informação é, também, considerada relevante para uma adequada
definição de políticas sobre esta matéria195.
Quanto ao Grupo Informal de Consultoria, este inclui representantes de
várias entidades públicas, das entidades patronais (representatives of the
employers organisations – IBEC), the Trade Union Congress – Irish Congress
of Trade Unions (ICTU), e representantes dos sectores da construção civil (the
construction and engineering sectors – CIF). Este grupo informal é dirigido
pelo Departamento de Finanças, sendo chefiado pelo Presidente da Unidade
Central de PPP (Head of the Central PPP Unit). Trata-se de um fórum
privilegiado de auscultação e de discussão de todos os assuntos relacionados
com parcerias público-privadas, promovendo o desenvolvimento de políticas
nesta matéria. 194 O IDG é dirigido pelo Presidente da Unidade Central de PPP (Head of the Central PPP Unit). São, igualmente, membros os directores das Unidades de PPP dos principais departamentos governamentais. 195 Cf. “Interdepartmental Group on Public Private Partnership – Framework for PPP Awareness and Training: Background and Explanatory Note”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
209
5. 2. Unidades de PPP no âmbito de Departamentos Governamentais
Como já referimos, em vários departamentos do governo foram sendo,
paralelamente, criadas Unidades específicas de PPP. Assim, para além da
Unidade Central de PPP, existem também unidades responsáveis pelas
parcerias público-privadas em determinados departamentos governamentais,
caso do Departamento de Ambiente e Administração Local (Department of
Environment and Local Government); do Departamento da Educação e
Ciência (Department of Education and Science); do Departamento de Obras
Públicas, actualmente, transposta para o entretanto criado Departamento de
Transportes (Department of Public Enterprise ,– agora Department of
Transport); do Departamento da Saúde e Infância (Department of Health and
Children); e no Courts Service.
A criação destes organismos veio permitir uma condução sectorial mais
eficiente dos processos de parceria público-privada, embora sempre
dependente do aval financeiro do Departamento de Finanças e das suas
linhas orientadoras, bem como dos pareceres da NDFA.
6. As áreas de intervenção das PPPs
6. 1. Áreas de intervenção geral
Os contratos de parceria público-privada, embora tenham sido
recentemente introduzidos pelo Governo no ordenamento jurídico irlandês,
são já utilizados em vários sectores. Existem, actualmente, projectos de
parceria público-privada a decorrer ou em processo de adjudicação, nas áreas
da educação e da ciência; da saúde e infância; do ambiente, património e
administração local (serviços de água e saneamento, de tratamento de
resíduos sólidos, e os serviços de habitação); dos transportes públicos; das
redes viárias e ferroviárias e de outras obras públicas, tais como pontes e
portagens; e, na área da justiça, relativamente a edifícios de tribunais e
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
210
complexos prisionais.
Para se ter uma ideia do âmbito de aplicação dos contratos de parceria
público-privada, a tabela que se segue mostra o investimento previsto pelo
Governo irlandês em PPPs para o período 2004-2008196. Note-se que este
período se encontra entre os dois Planos de Desenvolvimento Nacional (NDP
2000-2006 e NDP 2007-2013), pelo que os projectos aqui incluídos se
iniciaram durante a vigência do Plano 2000-2006 e terminarão já na vigência
do Plano 2007-2013 e, consequentemente, os valores aqui apresentados não
são reconduzíveis por simples cálculo aritmético aos dados apresentados
sobre estes Planos supra.
Quadro IV. 2
Investimento previsto em PPPs para o período 2004-2008
Fonte: NDFA
Pela análise do Quadro, verifica-se que, do investimento previsto pelo
Governo irlandês em PPPs para o período 2004-2008, cerca de 10% (3,6
biliões de euros) está reservado para projectos de parceria público-privada
financiados tanto pelo sector, como pela Agência Financeira de
Desenvolvimento Nacional (National Development Finance Agency – NDFA).
A estimativa prevê, ainda, a probabilidade de existirem 1,4 biliões de
euros de capital gerado pela cobrança directa aos próprios utilizadores. O que
196 Cf. “Ireland’s Infrastructure –The Role of the National Development Finance Agency and Public Private Partnerships”.
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
211
se aplica, em especial, no sector das estradas.
6. 2. As PPPs no sector da justiça197
No sector da justiça, a utilização de parcerias público-privadas é muito
recente. De facto, os primeiros projectos, da responsabilidade do Courts
Service e do Prison Service, encontram-se, actualmente, em fase de
adjudicação ou de construção. O objecto da parceria é a construção e, em
alguns casos, também manutenção e/ou gestão de edifícios de tribunais e de
complexos prisionais.
As modalidades de parceria público-privada utilizadas na área da justiça
são a DBFOM, que, como foi supra referido, transfere para o parceiro privado,
a concepção, construção, financiamento, gestão e manutenção da infra-
estrutura, e a DBFM, que transfere a concepção, construção, financiamento e
manutenção da infra-estrutura por parte daquele.
6. 2. 1. Tribunais (entidade responsável – Courts Service)
Existem dois projectos em curso, no que respeita a tribunais. Trata-se do
Complexo de Tribunais Criminais, em Dublin, e outro relativo a obras de
aumento, conservação e restauro de edifícios de diversos tribunais em vários
locais do país198.
Complexo de Tribunais Criminais de Dublin
O Complexo de Tribunais Criminais de Dublin é um projecto de grande 197 Cf. “Strategic Plan 2005-2008” – Courts Service; e Press Release do Courts Service de 26.07.2006 “Once in a Century Investment in a Courthouse – Final details of the €120 million Dublin Criminal Courts Complex Revealed”, in www.courts.ie; e “NDFA Annual Repport 2006”; “PPP Projects”; “Update on PPP Projects, June 2007”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 198 Cf. “Strategic Plan 2005-2008” – Courts Service; e Courts Service Press Release de 26.07.2006 “Once in a Century Investment in a Courthouse – Final details of the €120 million Dublin Criminal Courts Complex Revealed”, in www.courts.ie; e “NDFA Annual Repport 2006”; “PPP Projects”; “Update on PPP Projects, June 2007”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
212
importância na área da administração da justiça, desde logo, pela abrangência
do projecto. Este projecto envolve a construção de um complexo de grandes
dimensões, que juntará no mesmo edifício todos os tribunais com competência
criminal até agora espalhados por vários locais da cidade de Dublin: o Court of
Appeal, o Special Criminal Court, o Central Criminal Court, o Circuit Criminal
Court e serviços conexos199.
O Complexo encontra-se actualmente em fase de construção. Prevê-se
que a construção do edifício tenha uma duração de 34 meses, encontrando-se
agendado o início do seu funcionamento para 2010.
A construção e manutenção do Complexo será efectuada através de
uma PPP entre o Courts Service e uma multinacional. O contrato terá a
duração de 28 anos (cerca de três anos para a construção do edifício e os
restantes 25 anos de manutenção).
Trata-se de uma parceria público-privada da modalidade DBFOM (cf.
supra), o que implica que o parceiro privado é responsável pela obtenção do
financiamento, pelo projecto de construção civil e respectiva construção, e
pela gestão e manutenção do edifício construído. O parceiro privado terá a
seu cargo, designadamente, a realização de obras de manutenção e restauro
do edifício, equipamento – colocação do mobiliário e meios tecnológicos – e,
ainda, a prestação de serviços de apoio, tais como restauração e
estacionamento. O custo total do projecto ao longo dos 28 anos de duração
será de 291 milhões de euros, sendo que, destes, 120 milhões de euros dizem
respeito à construção do Complexo.
Projecto relativo a vários tribunais
O outro projecto de parceria público-privada da responsabilidade do
199 O Complexo, com uma área de cerca de 7.620 m2, será constituído por 22 salas de audiência; 100 celas de segurança; secção para reuniões de júri e salas de jurados; áreas específicas para utentes, testemunhas (incluindo testemunhas em perigo), vítimas, arguidos e representantes dos meios de comunicação social; áreas para os magistrados e advogados (barristers e solicitors); salas de consulta; biblioteca; e instalações do Bar Council. Todas as divisões possuirão os meios e materiais tecnológicos adequados, com tecnologia de ponta.
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
213
Courts Service consiste em obras de aumento, conservação e restauro de
edifícios de diversos tribunais. Esta parceria público-privada reveste a
modalidade DBFM, pelo que o parceiro privado será responsável pela
elaboração dos projectos, pelas obras de construção e restauro dos edifícios,
e pela sua manutenção, bem como pelo seu financiamento.
Prevê-se que as obras tenham o seu início em meados de 2008,
terminando dois anos depois (em meados de 2010). Os serviços retomarão a
sua actividade nos edifícios em causa até ao final de 2010. Esta parceria
vigorará pelo prazo de 25 anos. Estima-se que o valor final deste projecto de
aumento e restauro seja de 20 a 50 milhões de euros.
6. 2. 2. Estabelecimentos Prisionais (entidade responsável: Prison Service/Department of Justice, Equality and Law reform)
No que concerne a estabelecimentos prisionais, encontram-se em
processo de adjudicação dois grandes projectos de PPP, da responsabilidade
do Prison Service, que serão os primeiros no âmbito do sistema prisional
irlandês: um respeitante ao Estabelecimento Prisional de Thornton Hall e outro
ao Estabelecimento Prisional de Munster200.
Estabelecimento Prisional de Thornton Hall
No caso do Estabelecimento Prisional de Thornton Hall, o objecto da
PPP é a construção de um novo complexo prisional, que substituirá o
Complexo Prisional de Mountjoy, actualmente em funcionamento. Será uma
parceria público-privada da modalidade DBFM, pelo que o parceiro privado,
neste caso, um consórcio de empresas, denominado Leargas, ficará
responsável pela concepção, construção, financiamento e manutenção da
200 Cf. “NDFA Annual Repport 2006”; “PPP Projects”; e “Update on PPP Projects, June 2007”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
214
infra-estrutura201. O complexo será construído num terreno previamente
adquirido pelo Prison Service.
Estima-se que o valor global do projecto seja superior a 250 milhões de
euros. Prevê-se que as obras de construção se iniciem ainda em 2007 e que
as instalações comecem a funcionar no final de 2010. A duração do contrato
será de 25 anos.
Apesar de o parceiro privado ter já sido seleccionado em Abril de 2007, o
processo de adjudicação ainda se encontra a decorrer202.
Estabelecimento Prisional de Munster
Encontra-se, igualmente, a decorrer (na fase de avaliação preliminar) o
processo de adjudicação de um contrato de parceria público-privada relativa a
um novo complexo prisional misto (para reclusos do sexo feminino e do sexo
masculino) na região de Munster.
O Prison Service pretende executar o projecto através de uma PPP da
modalidade DBFM, o que significa que o parceiro privado será responsável
pela concepção do projecto e pela construção das instalações, bem como pela
sua manutenção, e, ainda, pelo respectivo financiamento. O contrato vigorará
pelo prazo de 25 anos, estando o seu valor global estimado entre 100 e 250
milhões de euros.
Este Complexo Prisional irá substituir a Penitenciária de Cork,
actualmente em funcionamento, e terá acomodação para cerca de 450
reclusos. O início da construção encontra-se agendado para o final de 2008,
201 Projecta-se que possua celas para 1.400 reclusos, jovens adultos e adultos, do sexo masculino e do sexo feminino. Pretende-se que as instalações incorporem tecnologia de ponta, tanto em termos de segurança como de controlo do edifício.
Entre outras instalações, este Complexo terá um centro de avaliação, bem como unidades de alta, média e baixa segurança. Deverá possuir infra-estruturas adequadas à realização de programas de reabilitação, de ensino e de formação profissional. Pretende-se, ainda, a existência de celas individuais e dotadas instalações sanitárias. Finalmente, terá também um sistema adequado a evitar a entrada ilícita de substâncias psicotrópicas e outros materiais. 202 Cf. “NDFA Annual Repport 2006”, “PPP Projects” e “Update on PPP Projects, June 2007”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
215
decorrendo até ao final de 2011. Prevê-se que as instalações entrem em
funcionamento a partir dessa data203.
7. As parcerias público-privadas em avaliação
A introdução deste novo modelo contratual na República da Irlanda tem
sido, até agora, vista tendencialmente como um sucesso. O principal factor
apontado para esse sucesso prende-se com a decisão do Governo de
centralizar o know-how relativo ao processo de adjudicação de PPP num
número muito restrito de entidades.
Em 2004, após uma avaliação dos projectos-piloto lançados em 1999, a
Unidade Central de PPP publicou um relatório de avaliação, Briefing on Public
Private Partnerships for the Committe of Public Accounts, documento no qual
se afirma que “...as PPPs são agora uma opção viável de contratação para o
desenvolvimento de infra-estrutras” 204, sendo dado como exemplo os
primeiros projectos de estradas, pelos quais foi demonstrado o potencial da
transferência do risco e value for money205. Também a Secretária-Geral do
Departamento de Transportes afirmou que o contrato de PPP da Circular
Externa de Dundalk era “um óptimo negócio do ponto de vista do Estado”206,
devido à elevada transferência de risco para o parceiro privado e ao facto de o
Estado não ter que adiantar capital para o arranque do projecto.
Embora a experiência irlandesa em matéria de parcerias público-
privadas seja, como vimos, muito recente, o Governo considera que as
parcerias público-privadas possuem potencial para oferecer better value for
money, fundamentalmente pelos seguintes factores: a) permitem distribuir o
risco à parte que melhor o poderá gerir; b) pagamentos baseados na 203 Cf. “PPP Projects” e “Update on PPP Projects, June 2007”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 204 Cf. Briefing on Public Private Partnerships for the Committee of Public Accounts, pg. 2, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 205 O contrato de parceira público-privada envolvendo a via N4/N6 Kilcock – Kinnegad foi nomeado o Projecto de Infra-estrutura de Finança Internacional (PFI) do ano de 2003 e Euromoney/Project Finance magazine Transport Deal of the Year for Europe 2003. 206 Idem.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
216
performance e nos resultados; c) permitem beneficiar de inovações do sector
privado, bem como de melhor conhecimento da área comercial e de gestão; d)
maior rapidez na finalização e entrega dos projectos; e) aumento da
competitividade; f) melhoria na gestão e qualidade dos serviços públicos207.
Tem sido apontada uma outra vantagem ao desenvolvimento de um
programa de PPPs para economias de pequenas dimensões, como a
irlandesa, relacionada com o facto de as parcerias público-privadas poderem
facilitar a prossecução de projectos de infra-estruturas de maior envergadura e
complexidade do que seria possível por meio de um contrato dito tradicional.
Estes projectos de maiores dimensões tornam-se mais atractivos para
empresas multinacionais, sendo que a entrada de concorrência exterior num
mercado pequeno, como o irlandês, poderá gerar a transferência de
conhecimentos através de cooperação e de joint ventures. Por esta outra via,
também para o sector privado esta modalidade contratual se apresenta como
atractiva.
Uma outra vantagem apontada é o facto de o contribuinte vir a pagar
apenas os serviços que são efectivamente prestados, uma vez que a
remuneração do parceiro e das entidades financiadoras depende do nível de
serviços acordado e efectivamente prestado.
Apesar dos efeitos positivos, reconhece-se, contudo, que existem
obstáculos que é necessário superar208. Está, desde logo, em causa a
complexidade e a duração dos concursos de adjudicação de projectos de
parceria público-privada.
Os contratos são tecnicamente complexos, tanto para os parceiros
privados como para os parceiros públicos, e os custos dos concursos públicos
para a adjudicação de PPPs são substanciais e, por isso, proibitivos para
207 Cf. “Ireland’s Infrastructure –The Role of the National Development Finance Agency and Public Private Partnerships”. 208 Cf. Keynote Address by the Minister of State at the Department of Finance, Martin Cullen, T.D., proferido no 2nd Annual Public Private Partnership / Private Finance Initiative Global Summit, que teve lugar de 10 a 12 de Outubro de 2001, no Burlington Hotel, em Dublin, in http://www.finance.gov.ie/viewdoc.asp?DocID=1250 (Julho de 2007).
A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento
217
muitas das empresas209.
Uma outra objecção prende-se com a possibilidade de este tipo de
contratação provocar contestação social e movimentos de oposição, em
especial a partir dos sindicatos, pelo facto de muitos trabalhadores da função
pública poderem ser transferidos para o sector privado no âmbito de PPP,
perdendo estes, por essa via, várias regalias.
Finalmente, é de referir que autores como Martin Kay e Eoin Reeves
consideram que “(…) não há transparência na comparação dos custos da
contratação pública por meio destes mecanismos do sector privado. O que
significa, em primeiro lugar, que a eficiência e a inovação que aí são ganhas,
reclamadas pelo sector público e essenciais para se estabelecer value for
money, nunca são sujeitas ao escrutínio público; e, em segundo lugar, não
são prestadas contas pelas decisões que são tomadas” (Kay e Reeves. 2004:
76). Estes autores são da opinião de que, em matéria de debate público sobre
as PPPs na Irlanda, se tem assistido a uma falta generalizada de intervenção
e de contraditório por parte dos agentes políticos e da sociedade civil, tecendo
críticas ao facto de apenas se conhecerem e prevalecerem as opiniões oficiais
do Governo a esse respeito. Para tanto, concorrerá, não só a complexidade do
assunto, como a falta de publicação de dados e/ou relatórios oficiais210.
209 Idem. 210 Making PPPs Accountable: The case of Ireland. In Public Private Partnerships – Policy and Experience, ed. Ghobadian, Abby. Gallear, David. O’Regan, Nicholas. Viney, Howard. 2004. Palgrave Macmillan. Nova York. Pp. 71 e ss.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
218
Introdução....................................................................................................................191 1. O enquadramento legal........................................................................................194
1. 1. The Transport (Railway Infrastructure) Act 2001.......................................194 1. 2. The State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act, 2002 195 1. 3. The National Development Finance Agency Act 2002 e The National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007 .........................................196
2. As modalidades de parceria público-privada.......................................................197 3. O processo de adjudicação de uma PPP ..............................................................199 4. O financiamento nas parcerias público-privadas.................................................204 5. Estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de PPP......................204
5. 1. Estruturas centrais de fiscalização e controlo de PPPs................................205 5. 1. 1. A Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional (National Development Finance Agency – NDFA) .............................................................206 5. 1. 2. A Unidade Central de PPP (The Central PPP Unit) ...........................207
5. 2. Unidades de PPP no âmbito de Departamentos Governamentais ...............209 6. As áreas de intervenção das PPPs .......................................................................209
6. 1. Áreas de intervenção geral ..........................................................................209 6. 2. As PPPs no sector da justiça........................................................................211
6. 2. 1. Tribunais (entidade responsável – Courts Service) .............................211 6. 2. 2. Estabelecimentos Prisionais (entidade responsável: Prison Service/Department of Justice, Equality and Law reform) .................................213
7. As parcerias público-privadas em avaliação .......................................................215
Figura IV. 1 .................................................................................................................200 PPP Procurement Steps within the Capital Appraisal Guidelines framework ............200 Quadro IV. 2 ................................................................................................................210 Investimento previsto em PPPs para o período 2004-2008.........................................210
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
219
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
A Austrália é, na experiência comparada, um dos países de referência das PPPs,
possivelmente o principal depois do Reino Unido. Algumas empresas e bancos especializaram-se
nesta matéria, desenvolvendo inovações, como o modelo de PPP de liderança financeira (financier-
led model), em que os bancos organizam e concentram a propriedade da SPV (sociedade criada
para determinado projecto de PPP). A dispersão institucional marca as PPPs australianas: estas são
enquadradas por legislação e estruturas regionais, mais que nacionais. Um panorama das PPPs na
Austrália é, sobretudo, um panorama das PPPs nas suas regiões. Em contraste com a dispersão
institucional, há uma acentuadíssima concentração geográfica, em algumas regiões. As PPPs têm,
sobretudo, expressão em Vitória e Nova Gales do Sul. Foi naquele primeiro estado que se
verificaram as primeiras experiências e se desenvolveram instituições e quadros jurídicos que
serviram de modelo a outras regiões. O falhanço de alguns projectos levou a uma inflexão desta
política em finais da década de 90 do século passado, que, depois de alguns reajustamentos, volta,
nos anos mais recentes, a ser retomada.
A nível nacional, a institucionalização deste modelo é incipiente, apesar de o Governo
Central ser contraente em PPPs e estimular o seu alargamento. Em 2004, foi criado o National PPP
Forum, órgão constituído por representantes do governo central e dos governos regionais, com o
objectivo de harmonizar as diversas experiências regionais, sistematizar o enquadramento jurídico e
organizativo e criar um verdadeiro mercado nacional de PPPs. Em cada região são os respectivos
ministérios das finanças que apoiam, fiscalizam e controlam os projectos de PPPs.
O Governo australiano tem mantido uma abordagem flexível desta figura contratual. Os
termos dos contratos de PPP variam muito de projecto para projecto, embora seja referenciada a
tentativa de se procurar criar cláusulas contratuais standard. Aquela flexibilidade reflecte-se no
enquadramento legal das PPPs, pelo que não existe no ordenamento jurídico australiano um quadro
legal específico para os contratos de PPP. Têm, no entanto, vindo a ser publicados vários
documentos dos governos regionais estabelecendo linhas de orientação aplicáveis àqueles
contratos. Um dos principais documentos foi publicado pelo governo do estado de Vitória, que
estabelece um conjunto de princípios contratuais standard. Acresce que para projectos de grande
envergadura são publicadas normas específicas.
As PPPs são, em termos sectoriais, bastante abrangentes e homogeneamente distribuídas.
Para além de áreas tradicionais como os transportes, e água e saneamento, encontram-se projectos
na educação, saúde, justiça, segurança pública, defesa, habitação social, até nos sistemas de
informação, sector que, após diversos fracassos, vem sendo considerado “impróprio” para o modelo.
Uma tal abrangência só encontra paralelo possivelmente no Reino Unido. Há, também, uma certa
homogeneidade entre áreas no número de projectos existentes.
O sector da justiça, embora não muito representativo no número de contratos de PPP, revela
a peculiaridade de ser o mais distribuído geograficamente. Para além de Vitória (com os projectos
respeitantes a duas prisões e ao County Court de Vitória) e da Nova Gales do Sul (South Australia
Police and Courts Project), encontram-se projectos de prisões e tribunais na Austrália do Sul (CBD
Courts Complex) e na Austrália Oeste (Complexo Long Bay Prison and Forensic Hospitals). Todos
os projectos incluem, também, a transferência da gestão da infra-estrura para o parceiro privado.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
220
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
221
Introdução
A Austrália é, na experiência comparada, um dos países de referência
das PPPs, possivelmente o principal depois do Reino Unido. Justifica-se, por
isso, a inclusão deste país no nosso estudo.
A dispersão institucional marca as PPPs australianas: estas são
enquadradas por legislação e estruturas regionais, mais que nacionais. Um
panorama das PPPs na Austrália é, sobretudo, um panorama das PPPs nas
suas regiões
211. Em contraste com a dispersão institucional, há uma acentuadíssima
concentração geográfica, em algumas regiões. As PPPs têm, sobretudo,
expressão em Vitória e Nova Gales do Sul. Nas restantes regiões são
residuais ou inexistentes.
O estado de Vitória lidera a experiência sobre PPPs. Foi neste estado
que se verificaram as primeiras experiências e se desenvolveram instituições
e quadros jurídicos que serviram de modelo a outras regiões. A experiência de
Vitória é reconhecida e estudada não só internamente, mas também a nível
internacional.
Os primeiros exemplos de financiamento privado de infra-estruturas
públicas em Vitória surgem nos finais dos anos 80, confessadamente como
forma de financiamento extra-orçamental, para evitar os limites de
endividamento público impostos pelo Australian Loan Council212. Exemplos
dessa época são a renovação do hospital de St. Vincent e o Magistrates’ Court
211 A Austrália é um Estado federado constituído por diversas regiões com autonomia legislativa: seis estados – Nova Gales do Sul, Vitória, Austrália do Sul, Austrália Oeste, Queensland e Tasâania – dois territórios continentais (mainland territories) – Território do Norte e território da Capital da Austrália – e alguns territórios exteriores. Os estados têm autonomia legislativa em áreas como a saúde, educação, polícia e magistratura, estradas e transportes públicos. As regiões com maior densidade populacional são Nova Gales do Sul, Vitória e Queensland, com respectivamente 6,8, 5 e 3,9 milhões de habitantes. Juntas concentram cerca de ¾ da população nacional. 212 O Australian Loan Council é um Conselho Ministerial da Commonwealth que coordena o sector da dívida pública, integrado pelo Ministro das Finanças australiano (que exerce as funções de presidente) e pelos ministros das finanças das regiões e territórios.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
222
de Melbourne. Face à novidade do conceito213, o Estado, numa posição
negocial mais débil, necessitou de oferecer garantias acrescidas para vencer a
relutância privada, assumindo a maioria do risco. Conseguiu, assim, realizar
investimentos considerados inacessíveis pela via tradicional, mas à custa de
negócios pouco proveitosos para o erário público.
Seguiu-se uma segunda fase, entre 1993 e 1999, enquadrada pela
Infrastructure Investment Policy for Victoria (1994), em que se transferiu para
os privados o máximo de tarefas e de riscos, nomeadamente o risco de
procura. São representativos dessa fase o Melbourne Citylink, circular
portajada em torno do centro da cidade, várias estações de tratamento de
água e esgotos, os hospitais de Latrobe e Mildura, as prisões de Port Philip,
Fulham, e o Metropolitan Womens’ Correctional Centre.
Alguns projectos vieram a revelar-se insustentáveis sem cobertura
pública de riscos e acabaram reabsorvidos pelo Estado (por exemplo, o
hospital de Mildura e o Metropolitan Womens’ Correctional Centre), o que
levou a nova inflexão. De 2000 em diante, período liderado pela Partnerships
Victoria214, abandona-se aparentemente apriorismos quanto a quem é mais
eficiente. A prioridade torna-se o value for money (desenvolve-se o custo
público comparável), o custo do ciclo-de-vida, a transferência “óptima” de
risco, ao invés de máxima transferência; o privado recentra-se nas tarefas
acessórias, o Estado reassume as tarefas centrais (Maguire e Malinovitch,
2004).
De Vitória, as PPPs espalharam-se para a Nova Gales do Sul. Este
estado, à imagem do estado de Vitória, já dispunha de normas orientadoras
sobre financiamento privado de infra-estrutura pública desde 1989, mas
apenas em 2001 formulou uma política específica sobre a matéria. Os
213 O termo PPP não era sequer corrente. Falava-se mais em project finance, com que a banca designava as técnicas de financiamento de grandes infraestruturas pagas pelos utilizadores, por exemplo auto-estradas portajadas. As PPPs podem ser consideradas o desenvolvimento ulterior e a consagração política da project finance. 214 A Partnerships Victoria é uma agência governamental do estado de Vitória, responsável pelo enquadramento de projectos relativos a infra-estruturas públicas mediante parcerias público-privadas.
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
223
primeiros cinco contratos foram fechados em 2002-2003 para a construção de
estradas e escolas. Entre eles, destaca-se o Cross City Tunnel (túnel
rodoviário portajado sob o centro de Sidney), que veio a revelar-se um
projecto problemático, como veremos adiante. Tal terá porventura contribuído
para um hiato de contratos em 2004. O processo foi retomado em 2005 (5
contratos) e prossegue desde então (3 contratos em 2006, 3 projectados para
2007). Neste momento, Nova Gales do Sul conta com 14 PPPs contratadas e
2 pendentes, em áreas como os transportes (6), saúde (4), educação (2,
abrangendo 19 escolas), estabelecimentos prisionais e policiais (2)215.
O período 2005-2006 é ambíguo, revela tanto sinais de crise como de
expansão na utilização de parcerias. Sucederam-se notícias de problemas em
alguns projectos que prejudicaram a imagem das PPPs. Nuns casos, a
procura revelou-se demasiado escassa e levou mesmo à insolvência do
consórcio privado (Cross City Tunnel e Rail Link, Sidney), noutros, todos os
prazos e orçamentos foram ultrapassados (Spencer Street Station, Melbourne)
(Infra-news, 2006). Mas, é também em 2005 que as PPPs se estendem a
novas regiões: Queensland, Território do Norte, Austrália do Sul e Austrália
Oeste fecham os seus primeiros contratos.
Queensland parece ter-se decidido pelas PPPs após anos de hesitação
(Standard & Poors, 2006: 47). O primeiro acordo, a remodelação das
instalações do Southbank Institute of Technology216, firmado em 2005, surge
seis anos após a publicação da política estadual na matéria. No entanto, a
expansão parece acelerar-se desde então: actualmente estão em concurso ou
estudo oito projectos de PPPs no sector dos transportes, saúde, educação e
sistemas de informação217.
Nas restantes regiões australianas, as PPPs permanecem residuais (1-2
projectos) ou inexistentes. Curiosamente, em três regiões a única PPP em
funcionamento é na área das prisões e tribunais (Austrália do Sul, Austrália
215 In www.treasury.nsw.gov.au/wwg/projects (Agosto de 2007). 216 In http://www.southbank.tafe.net/site/epicentre (Agosto de 2007). 217 In http://www.coordinatorgeneral.qld.gov.au/pp_partnerships (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
224
Oeste e Tasmânia). A Austrália do Sul, a Austrália Oeste e o Território da
Capital da Austrália estão a considerar lançar mais PPPs nas áreas da justiça
(prisões e tribunais), hospitais, escolas e tratamento de água218.
A nível nacional, a institucionalização é incipiente, apesar de o governo
central ser contraente em PPPs (duas celebradas, três previstas) e estimular o
seu alargamento. Em 2004 foi criado o National PPP Forum219, órgão
constituído por representantes do governo central e dos governos regionais,
com o objectivo de harmonizar as diversas experiências regionais,
sistematizar o enquadramento jurídico e organizativo e criar um verdadeiro
mercado nacional de PPPs. A produção documental deste órgão permanece
todavia escassa.
Apesar da concentração geográfica dos projectos de PPPs, da dispersão
e incipiência institucional, o mercado australiano de PPPs é considerado
extremamente desenvolvido (Greer e Flynn, 2005: 35-38). Algumas empresas,
nomeadamente bancos de investimento, especializaram-se na área,
produziram inovações organizativas e expandiram-se para o exterior. O
Macquarie Bank e a Babcock & Brown são actualmente grupos financeiros de
importância mundial na organização e financiamento de PPPs. Surgiram na
Austrália inovações como o modelo de PPP de liderança financeira (financier-
led model), em que os bancos organizam e concentram a propriedade da
sociedade-veículo da PPP (SPV), ao contrário do modelo dominante, em que
bancos, empresas de construção e outros intervenientes dividem a
propriedade. A Austrália é vista como um laboratório de experiências para
futuros modelos de PPP (Palmer, Greer e Flynn, 2006: 44-47).
218 In http://pppforum.gov.au/national_pipeline/potential_projects (Agosto de 2007). 219 In http://pppforum.gov.au (Agosto de 2007).
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
225
1. Enquadramento legal: principais linhas orientadoras220
Na Austrália, a estrutura de PPP geralmente utilizada envolve a criação
de uma Special Purpose Vehicle (SPV)221, sem a prévia existência de bens ou
garantias.
É celebrado um acordo entre a SPV e o governo relativamente a um
projecto, pelo qual o estado efectua pagamentos de serviços em troca do
financiamento, desenvolvimento e gestão do projecto. De seguida, a SPV
celebra um contrato com um construtor, para a concepção e construção do
projecto, e com um gestor de infra-estruturas para a gestão do projecto. O
estado celebra, também, acordos directos com os construtores, por forma a
assegurar-se de que tem o direito de intervir no caso de ocorrer qualquer
vicissitude em vida do contrato.
A Figura seguinte apresenta o esquema típico de uma PPP australiana
respeitante a uma infra-estrutura social:
220 Seguimos de perto, neste ponto, o Relatório do Global Legal Group. 221 Trata-se de uma sociedade para cujo capital social contribuem as empresas promotoras do empreendimento em causa. É criada com a única função de gestão do projecto. Em caso de incumprimento, apenas respondem os capitais próprios da SPV.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
226
Figura IV. 2
Esquema de uma PPP australiana respeitante a uma infra-estrutura social
Fonte: Global Legal Group (GLG)
As SPV são financiadas em parte pelo capital investido pelos accionistas
e por investidores, embora a maioria do financiamento seja efectuado com
recurso a dívida financeira, sob a forma de empréstimos ou obrigações. É o
que sucede, designadamente, nos projectos respeitantes a infra-estruturas
sociais, nos quais até 90% do financiamento chega a ser efectuado por meio
de débito financeiro.
Os projectos têm, em média, a duração de 20 a 30 anos. No termo do
prazo, os bens tornam-se, normalmente, propriedade do Estado. Uma das
excepções é o County Court de Vitória (cf. infra), em que o parceiro privado
manterá a titularidade do direito de propriedade sobre o edifício no termo do
contrato.
O Governo australiano tem mantido uma abordagem flexível desta figura
contratual. Assim, ao contrário de outras experiências, que têm investido no
desenvolvimento de contratos padrão, os termos dos contratos de parceria
público-privada, tais como a estrutura, a duração e a titularidade do direito de
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
227
propriedade, variam de projecto para projecto222. Esta flexibilidade reflecte-se
no enquadramento legal das parcerias público-privadas.
Com efeito, não existe no ordenamento jurídico australiano um quadro
legal específico para os contratos de PPP. Têm, no entanto, vindo a ser
publicados vários documentos dos governos regionais estabelecendo políticas
e fornecendo linhas de orientação específicas, aplicáveis aos contratos de
PPP. Assim, temos para Nova Gales do Sul, o “Working with Government
Policy for Privately Financed Projects”; para Vitória, o “Partnerships Victoria
Policy”; para Queensland, o “Public Private Partnership Policy” e o “Value for
Money Framework”; para a Austrália do Sul, o “Partnerships South Australia
Policy”; para a Austrália Oeste, o “Partnerships for Growth Policy”; para a
Tasmânia, o “Private Sector Participation in Public Infrastructure Provision
Policy”; para o Território do Norte, o “Territory Partnerships Policy Framework”;
e, para o Território da Capital da Austrália, o “Private Provision of Public
Infrastructure”. De âmbito federal existe, ainda, o “Commonwealth Policy
Principles for the Use of Private Financing”.
Apesar de não existir legislação específica, a maioria dos estados
australianos possui, porém, legislação especialmente dirigida à agilização dos
processos respeitantes a projectos de obras públicas de maior complexidade,
centralizando, organizando e simplificando o respectivo processo de
aprovação e de utilização de terrenos de construção. Um exemplo desses
diplomas é o Project Development and Constitution Management Act, de 1994,
do Estado de Vitória. Esses mecanismos normativos têm sido também
utilizados em processos de adjudicação de PPPs.
Para determinados projectos de maior envergadura, optou-se por
produzir normas específicas ajustadas às especificidades de cada projecto –
não constituindo um quadro jurídico geral para PPPs –, e a ele apenas
aplicável. A título de exemplo, refere-se, pela sua importância, o Mitcham-
Frankston Project Act 2004, também de Vitória, relativo ao projecto de PPP de
uma auto-estrada, a EastLink. De entre os propósitos do diploma específico 222 Há, no entanto, um projecto de desenvolvimento de cláusulas contratuais standard.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
228
deste projecto, destaca-se: o aumento de poderes do Estado, por forma a
participar em acordos respeitantes a projectos conexos; proporcionar um
aumento das portagens; regular a aquisição de terrenos necessários para a
implementação do projecto; e proporcionar procedimentos adequados para
lidar com a relação entre agências governamentais no âmbito do projecto.
O contrato de parceria público-privada
Embora se encontrem modelos contratuais diferenciados nos vários
estados australianos, a tendência é para seguir a política definida pela
Partnerships Victoria. O governo estadual de Vitória publicou, em Junho de
2005, um conjunto de Princípios Contratuais Standard (Standard Commercial
Principles) 223, com o objectivo de servir de guia orientador para a prossecução
da política de PPP da Partnerships Victoria. Não se trata propriamente de um
conjunto de cláusulas contratuais, mas sim dos princípios básicos que devem
estar na base e orientar todos os contratos de PPP. Há, não obstante,
referência ao projecto futuro de criação de cláusulas contratuais standard
(minutas contratuais standard) pelo governo de Vitória.
2. Estruturas de apoio, fiscalização e controlo
O aparato institucional das PPPs está fortissimamente regionalizado,
como se viu atrás. A nível nacional, a única estrutura significativa é o National
PPP Forum, que parece limitar-se por ora a um papel consultivo. É, assim, a
nível das regiões que se leva a cabo o apoio, fiscalização e controlo.
A institucionalização australiana é simples: em cada região, a tutela
sectorial adjudica, o Ministério das Finanças (Treasury) prepara, avalia e
223 Estes Princípios Contratuais Standard foram desenvolvidos com o principal propósito de aplicação a projectos de PPP nos quais o pagamento ao sector privado se baseia na disponibilidade da infra-estrutura e em que o direito de propriedade sobre esta será eventualmente transferido para o Estado. No Preâmbulo desse documento lê-se que os princípios são aplicados a todos os projectos e que as alterações propostas pelo parceiro privado apenas serão consideradas se este demonstrar fortes razões para tanto, para além de value for money para o parceiro público.
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
229
fiscaliza através de um departamento especializado. Não há referência a
organismos autónomos de âmbito nacional especificamente para as PPPs,
públicos ou mistos (como a Partnerships UK).
São os respectivos ministérios das finanças que, em cada região,
apoiam, fiscalizam e controlam os projectos sujeitos a parcerias e, bem assim,
o respectivo processo de adjudicação224.
3. O processo de adjudicação
O processo de adjudicação de um contrato de PPP varia de estado para
estado.
Tendo em conta a importância da experiência do estado de Vitória, em
especial no que concerne os projectos na área da justiça, bem como o próprio
relevo que essa experiência assume no âmbito nacional, far-se-á uma análise
mais detalhada do processo de adjudicação, tal como tem vindo a ser
efectuado nesse Estado. Ademais, embora as políticas seguidas e os trâmites
do processo possam diferir, em alguns detalhes, de estado para estado, o
procedimento é, em geral, similar.
O Guia de Boas Práticas da Partnerships Victoria (Partnerships Victoria
Practitioners' Guide) refere oito fases principais no desenvolvimento de um
projecto de PPP.
224 · Nova Gales do Sul: New South Wales Treasury (Private Projects Branch);
· Vitória: Victorian Department of Treasury and Finance (Commercial and Infrastructure Risk Management Group);
· Queensland: Queensland Treasury, em colaboração com o Queensland Co-ordinator General e o Queensland Department of State Development, Trade and Innovation;
· Austrália do Sul: South Australian Department of Treasury and Finance (Projects and Government Enterprises Branch);
· Austrália Oeste: West Australian Department of Treasury and Finance;
· Tasmânia: Tasmanian Department of Treasury and Finance;
· Territórios do Norte: Northern Territory Department of the Chief Minister;
· Território da Capital da Austrália: Australian Capital Territory Department of Treasury;
· Federal: Department of Finance and Administration (bem como o Department of Defence para PPPs na defesa).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
230
Em primeiro lugar, deverão ser diagnosticadas as razões que justificam o
empreendimento. Segue-se a análise das diferentes opções e a avaliação dos
respectivos risco e impacto. Em terceiro lugar, é feita a confirmação dos
benefícios líquidos do projecto, isto é, uma avaliação do seu potencial de
desenvolvimento sob a forma de PPP, de acordo com as políticas relevantes.
Em quarto lugar, faz-se a planificação do projecto de PPP em si mesmo,
constituindo-se as equipas que o irão desenvolver.
Tem, depois, lugar o concurso propriamente dito, o qual se inicia com a
publicação de uma “Declaração de Interesse” (Expression of Interest) por
parte do governo, seguindo-se a entrega, por parte das entidades privadas
interessadas, das respectivas Declarações de Interesse e a selecção prévia
dos candidatos. Nesta fase é, ainda, efectuada uma súmula do projecto, bem
como uma proposta do próprio contrato. Realizam-se, ainda, sessões de
esclarecimento e, por último, são avaliadas as propostas.
Posteriormente, tem lugar uma avaliação final do projecto, com a
confirmação do value for money, bem como da adequação às políticas
governamentais relevantes na área. Segue-se a constituição de uma equipa
de negociação e o respectivo framework, a que se segue a finalização e a
execução dos contratos e o encerramento do programa financeiro
(achievement of financial close).
Em último lugar, são formalizadas as responsabilidades pela gestão do
projecto, pelo seu acompanhamento e pela gestão das vicissitudes
contratuais.
Distribuição do risco
No que concerne a distribuição do risco nos contratos de PPP, a política
contratual procura que tal distribuição se faça de forma optimizada, isto é,
correndo cada risco específico por conta da parte mais eficiente na gestão
desse mesmo risco.
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
231
Os tipos de risco que tradicionalmente se mantêm na esfera do sector
público são os seguintes:
O risco de incumprimento das obrigações assumidas no contrato por
parte do Governo;
O risco do valor residual do bem – se o valor do bem aquando da
transferência, no final do contrato, para o parceiro público for inferior ao
inicialmente previsto; e
O risco respeitante a direitos especiais dos aborígenes – por exemplo, no
caso de determinado grupo obter o reconhecimento de direitos em relação ao
local afecto ao projecto de PPP e que implique o pagamento de
indemnizações ou acesso especial ao local em questão.
O parceiro público mantém, ainda, outros tipos de risco que, de outro
modo, seriam distribuídos ao parceiro privado, tais como: riscos respeitantes
às condições do local, quando as condições geotécnicas em locais de grande
concentração de poluição resultem em custos adicionais para o parceiro
privado e não tenha sido possível a este avaliar tais riscos antecipadamente;
certos riscos ambientais, designadamente, quando seja descoberta
contaminação do solo já anteriormente existente, mas que ainda não tenha
sido identificada, ou quando sejam necessárias autorizações ambientais para
a utilização do local em causa; risco de atraso na construção, quando tal
atraso resulte de acontecimentos sobre os quais o governo tem controlo
directo; e risco de alterações/modificações, quando estas sejam encetadas
pelo parceiro público.
Há, também, riscos que são, frequentemente, partilhados pelos parceiros
público e privado. Entre estes incluem-se: riscos associados a alterações
legislativas; riscos de acontecimentos de força maior, com excepção dos
associados a danos directos a bens e perdas directas de rendas (que são
tipicamente suportadas pelo parceiro privado); riscos ambientais e de
aprovação; e riscos referentes à taxa de juro, enquanto está em curso a
construção.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
232
Quanto aos tipos de risco, em regra, atribuídos ao parceiro privado nos
contratos que envolvem PPPs, salientam-se os seguintes:
Risco das condições do local – por exemplo, se as condições do solo ou
de estruturas pré-existentes vêm a considerar-se desadequadas ao projecto
(note-se que aqui não se incluem os riscos supra referidos, como os
relacionados com a reivindicação de direitos indígenas, que ficam geralmente
a cargo do parceiro público);
Risco de contaminação ambiental (tratando-se de contaminação
previamente identificada ou provocada por qualquer modo);
Risco de desenvolvimento, de construção e de subcontratação – por
exemplo, se a concepção ou a construção não são adequadas à prossecução
dos serviços especificados (excepto quando a causa dessa desadequação
resulte de regulamentação do governo, cf. supra o referido quanto ao risco de
alterações legislativas);
Riscos de tesouraria – por exemplo, se o financiamento não é
disponibilizado quando e como requerido;
Riscos de natureza fiscal – por exemplo, aumento da carga fiscal sobre
os resultados;
Riscos operacionais – por exemplo, se os custos reais são superiores
aos previstos, ou se uma entidade subcontratada não presta adequadamente
o serviço acordado;
Riscos de mercado – por exemplo, quando o pagamento depende da
procura e os proveitos são reduzidos devido a um aumento da concorrência
e/ou diminuição da procura devido a recessão económica;
Riscos industriais – por exemplo, se os custos operativos aumentam de
forma inesperada devido a greves ou outros factores industriais;
Risco de planificação – por exemplo, se surgem custos adicionais devido
ao atraso ou não provimento de um pedido de aprovação; e
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
233
Risco inerente ao direito de propriedade sobre o bem (independente do
risco do valor residual) – por exemplo, se o parceiro privado aceita a obrigação
de manter o bem e de o substituir se este se danificar ou for destruído.
Das fontes consultadas, parece registar-se uma pressão do sector
privado, procurando devolver alguns tipos de risco para o sector público. Igual
pressão por parte dos parceiros privados se regista para alteração das regras
em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso, no sentido de as
circunscrever à redução do pagamento.
Quanto à gestão do risco atribuído ao parceiro privado, o que sucede é
que a SPV constituída para a PPP procurará distribuir a maioria das
responsabilidades pelas empresas subcontratadas. É, ainda, habitual que a
SPV celebre contratos de seguro com prémios superiores aos requeridos pelo
parceiro público e também requeira o mesmo por parte das empresas
subcontratadas.
Considerando o elevado financiamento, que ronda os 90% para projectos
de carácter social, as entidades financeiras requerem garantias elevadas e
complexas. É frequente estas entidades financeiras assumirem parte das
garantias da SPV, acedendo desta forma aos proveitos do projecto. O encargo
é, geralmente, estipulado nos próprios contratos do projecto (incluindo o
próprio contrato de PPP e subcontratos posteriores). Inclui, por exemplo,
direitos sobre direitos de reclamar garantias dadas à SPV por subcontratados.
As entidades financeiras geralmente estabelecem contas de garantia (para o
débito de serviços, seguros, manutenção, entre outros) suportadas pela
tesouraria gerada e definem o projecto de financiamento por forma a que
sejam deixados de 18 meses a 2 anos no final do projecto sem qualquer
serviço de dívida.
As entidades financeiras entram em negociação directa com o parceiro
público antes do início do projecto para regular os seus direitos aquando do
termo do contrato (ao contrário do que sucede, por exemplo no Reino Unido,
onde a negociação com os bancos é apenas feita na fase final da
adjudicação).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
234
4. Áreas de intervenção de parcerias público-privadas
4. 1. Nos vários sectores
A tabela seguinte mostra as áreas em que se registaram projectos de
PPP225.
225 As fontes utilizadas – o National PPP Forum e os ministérios das finanças de cada região – referem apenas projectos na presente década.
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
235
Quadro IV. 3
PPPs na Austrália por sector e região, Julho de 2007
Transportes
Vitória: • Southern Cross Station (anteriormente Spencer Street Station) (2002)
• Eastlink (2004)
Nova Gales do Sul • Cross City Tunnel (2002)
• Western Sidney Orbital (2002)
• Lane Cove Tunnel (2003)
• Chatswood Transport Interchange (2005)
• Railcorp New Electric Suburban Rail Carriages (2006)
Água, saneamento, lixo
Vitória: • Wodonga Wastewater Treatment Upgrade Project (2000)
• Echuca Rochester Wastewater Treatment Plant (2002)
• Enviro Altona (2003, cancelado em 2005 por insolvência)
• Central Highlands Water/Ballarat North Water Reclamation (2006)
Nova Gales do Sul: • Eastern Creek Alternative Waste Technology Facility (2003)
Saúde
Vitória: • Casey Community Hospital (2002)
• Royal Womens’ Hospital (2005)
Nova Gales do Sul: • Newcastle Mater Hospital (2005)
• Newcastle Community Health Centre (2005)
Educação
Nova Gales do Sul: • New Schools Project #1 (2002) e #2 (2005)
Queensland: • Southbank Education & Training Precinct (2005)
Justiça
VitÓria:
• County Court (2000)
• Correctional Facilities(2003)
Nova Galles do Sul: • Long Bay Prisons and Forensic Hospitals (2006)
Austrália do Sul: • Regional Police Stations & Courts’ Admin. Authority Facilities (2005)
Austrália Oeste: • CBD Courts Complex (2005)
Tasmânia: • Risdon Prison Development
Outros
Vitória: • Mobile Data Network (2003)
• Film and TV Studios (2004)
• Melbourne Convention Centre (2004)
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
236
• Mobile Metropolitan Radio (2004)
• Emergency Alerting System Project (2004)
Nova Gales do Sul: • Bonnyrigg Living Communities Proj/Social & Affordable Housing (2007)
Território do Norte: • Darwin Convention & Exhibition Centre (2005)
Fonte: National PPP Forum, ministérios das finanças das regiões australianas
As PPPs australianas, apesar de pouco numerosas (rondam as quatro
dezenas), são em termos sectoriais bastante abrangentes e homogeneamente
distribuídas. Para além de áreas tradicionais como os transportes, a água e
saneamento, encontra-se projectos na educação, saúde, justiça, segurança
pública, defesa, habitação social, até nos sistemas de informação, sector que
após diversos fracassos vem sendo considerado “impróprio” para o modelo.
Uma tal abrangência só encontra paralelo possivelmente no Reino Unido. Há,
também, uma certa homogeneidade entre áreas no número de projectos
existentes.
O sector da justiça revela, neste contexto, a peculiaridade de ser o mais
distribuído geograficamente. Para além de Vitória e da Nova Gales do Sul,
encontra-se projectos de prisões ou tribunais na Austrália do Sul e na Austrália
Oeste, onde são a única PPP existente.
4. 2. As parcerias público-privadas no sector da justiça
4. 2. 1. Estado de Vitória
Quanto a projectos de PPP/PFI na área de justiça, dá-se conta de dois
grandes projectos no Estado de Vitória, um respeitante a um tribunal (mais
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
237
concretamente, o County Court de Vitória)226 e o outro a estabelecimentos
prisionais (Victorian Correctional Facilities)227.
County Court de Vitória
Este projecto diz respeito às novas instalações do County Court de
Vitória. Trata-se do maior complexo de edifícios judiciais da Austrália (o
County Court é o tribunal com maior movimento processual do Estado de
Vitória). É de referir que se tratou do primeiro grande projecto de infra-
estruturas sociais a ser realizado sob a égide da Partnerships Victoria.
Destaca-se, ainda, que neste projecto foram respeitados o prazo de entrega e
o orçamento previstos. O parceiro público é o Department of Justice do Estado
de Vitória, enquanto que o parceiro privado é um consórcio de empresas228 229.
Por meio desta parceria público-privada, o parceiro privado é
responsável pela concepção, construção e financiamento do projecto, bem
como pela gestão do edifício, segurança e pelos sistemas de tecnologias de
informação. As instalações entraram em funcionamento em Maio de 2002230.
Este contrato de parceria foi celebrado pelo prazo de 20 anos, embora
associado a contratos acessórios com prazos mais reduzidos para outros
serviços. Sublinha-se que, diferentemente do que sucede na maioria dos 226 Cf. Partnerships Victoria. County Court Project Summary. In http://www.partnerships.vic.g ov.au/CA25708500035EB6/0/697F64ABEF277E01CA2570DC001311CD. S/ data. (Agosto de 2007). 227 Cf. Partnerships Victoria. Victorian Correctional Facilities Project Summary. In http://www.partnerships.vic.gov.au/CA25708500035EB6/0/7931755EAE199A4ACA2570D900014D66?OpenDocument. S/ data (Agosto de 2007). 228 Este consórcio denomina-se The Liberty Group Pty Ltd.. 229 Cf. http://www.countycourt.vic.gov.au/CA256D8E0005C96F/page/About+the+Court-Contact-The+Liberty+Group?OpenDocument&1=10About+the+Court~&2=0Contact~&3=0The+Liberty+Group~ e http://www.partnerships.vic.gov.au/CA25708500035EB6/0/697F64AB EF277E01CA 2570DC001311CD (Julho de 2007). 230 As instalações possuem 46 salas de audiência, sendo estas de diferentes tipologias (mais concretamente, 12), em razão do tamanho, capacidade e funcionalidades. Todas as salas de audiência estão equipadas com tecnologia variada, incluindo dispositivos de videoconferência. Existem, também, várias salas de reuniões, bem como uma sala de informática.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
238
contratos deste tipo, o edifício do tribunal manter-se-á propriedade do parceiro
privado no termo do contrato. O terreno no qual o edifício foi construído é
propriedade da Coroa e foi objecto de um leasing com a duração de 99 anos,
em que a renda paga tem um valor meramente nominal.
Nos termos da política seguida pela Partnerships Victoria, de acordo com
a qual os serviços centrais devem ser prestados directamente pelo governo,
todos os serviços respeitantes à administração da justiça mantêm-se sob
controlo governamental. Os serviços prestados pelo consórcio (parceiro
privado) são-no executados em parceria com agências governamentais, tais
como o Department of Justice, o County Court, o Juries Commissioner's
Office, a Victoria Police, o Victorian Government Reporting Service, e o
Corrections Victoria.
Merece, ainda, destaque o facto de no contrato se prever que o parceiro
privado disponibilize salas de audiência que não estejam a ser utilizadas para
a realização de sessões de arbitragem, de mediação e de outros mecanismos
de resolução alternativa de litígios, bem como para seminários e conferências,
entre outros231.
Victorian Correctional Facilities
Neste projecto incluem-se duas instalações diferentes: uma prisão de
alta segurança com capacidade para 600 reclusos do sexo masculino,
localizada em Ravenhall, na região de Melbourne; e uma prisão de média
segurança, adstrita a programas correccionais, com capacidade para 300
reclusos do sexo masculino, localizada junto de uma outra prisão já existente
em Lara.
O parceiro público é o Department of Justice, enquanto que o parceiro
privado é um consórcio denominado Victorian Correctional Infrastructure
231 Cf. http://www.countycourt.vic.gov.au/CA256D8E0005C96F/page/About+the+Court-Contact-The+Liberty+Group?OpenDocument&1=10-About+the+Court~&2=0-Contact~&3=0-The+Liberty+Group~ e http://www.thelibertygroup.com.au/html/s01_home/home.asp?dsb=269 (Julho de 2007).
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
239
Partnership Pty Ltd. Por meio deste contrato, o parceiro privado ficou
encarregado da concepção, construção e financiamento, bem como pela
gestão das instalações e alguns serviços de segurança. Os estabelecimentos
prisionais são geridos pelo sector público, através da agência governamental
Corrections Victoria232, de acordo com a política governamental de que a
administração dos serviços prisionais deve ser realizada directamente pelo
Governo.
Após a construção, o contrato vigorará pelo prazo de 25 anos, no termo
do qual o parceiro privado transferirá as instalações, que deverão estar em
boas condições, para o Estado233.
4. 2. 2. Austrália do Sul
South Australia Police and Courts Project
Também no Estado da Austrália do Sul se tem optado pela celebração
de contratos de parceria público-privada para a área da justiça.
Foi celebrado, sob a égide do State Government’s Partnerships SA
framework, um contrato, denominado South Australia Police and Courts
Project, entre o Minister for Infrastructures do Estado da Austrália do Sul e um
consórcio denominado Plenary Justice para a concepção, construção, gestão
e manutenção de várias infra-estruturas (complexos de tribunais e esquadras
de polícia).
Mais concretamente, no que se refere à construção e gestão de infra-
estruturas judiciais, estão em causa quatro novos edifícios de tribunais nas
cidades de Berri, Port Lincoln, Port Pirie e Victor Arbor.
Após a construção e durante a vigência do contrato, os serviços a prestar
pelo parceiro privado incluem a gestão do edifício (incluindo-se aqui a
232 Trata-se da agência do Department of Justice responsável pelo sistema prisional para adultos. 233 Cf. http://www.partnerships.vic.gov.au/CA25708500035EB6/0/697F64ABEF277E01CA2570 DC001311CD (Agosto de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
240
manutenção dos edifícios e dos jardins, serviços de apoio e, ainda, serviços
de desinfestação); instalação das redes de electricidade, de água e
saneamento, e de telecomunicações; serviços de limpeza; serviços de
segurança e protecção (inclui-se aqui a manutenção das infra-estruturas de
segurança e demais materiais de segurança passiva do edifício – protecção
contra incêndios e outros); fornecimento da mobília e equipamento; gestão da
recolha de lixo; e gestão e planificação de dispositivos de emergência. A fonte
oficial234 indica que as obras foram concluídas dentro do prazo e orçamento
estabelecidos. É, igualmente, referido que os serviços de manutenção não têm
sido alvo de quaisquer reclamações nem de consequentes reduções no
pagamento.
Quanto ao financiamento deste projecto, o parceiro privado obteve o
financiamento necessário por meio de uma mistura de capital e dívida
privilegiada, esta última sob a forma de obrigações no total de 37,65 milhões
de dólares australianos indexadas à inflação. Estas obrigações serão
integralmente pagas no termo da concessão do projecto. Durante a fase de
construção deste projecto, essa dívida privilegiada foi garantida por uma carta
de crédito à construção, com o objectivo de eliminar o risco de conclusão da
construção da infra-estrutura235.
4. 2. 3. Austrália Oeste
CBD Courts Complex
Trata-se de um projecto respeitante a dois novos edifícios para o District
Court e para a secção criminal do Supreme Court.
Este projecto é objecto de um contrato de parceria público-privada,
desenvolvido ao abrigo da State's Partnerships for Growth policy, celebrado
entre o Governo Estatal e um consórcio denominado Western Liberty Group.
O parceiro privado procede à construção de ambos os edifícios e à prestação
234 Cf. Infrastrucuture Partenerships Australia – Case Studies. S/ data. Policopiado. 235 Idem.
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
241
de serviços básicos, pelo prazo de 25 anos, bem como à prestação de
serviços respeitantes a meios audiovisuais pelo prazo de 12 anos.
O início do funcionamento encontra-se agendado para Junho de 2009.
Os edifícios foram idealizados tomando em consideração a futura
expansão dos serviços, minimizando o investimento inicial do Estado, mas
também permitindo o crescimento das instalações em caso de necessidade
dos serviços nas próximas décadas.
4. 2. 4. Nova Gales do Sul
Complexo Long Bay Prison and Forensic Hospitals
Este é um projecto respeitante a duas prisões hospitalares com
capacidade para 85 e 135 pacientes, respectivamente, objecto de um contrato
de parceria público-privada.
As entidades públicas envolvidas são a NSW Health, Corrections Health
Service e o Department of Corrective Services. O parceiro privado é um
consórcio denominado PPP Solutions.
Por meio deste contrato de parceria público-privada, o parceiro privado
ficou encarregado da concepção, construção, financiamento, manutenção e
prestação de serviços acessórios (não clínicos) até Julho de 2034 ou até ao
termo antecipado do contrato. Nessa data, as instalações serão devolvidas ao
sector público. Em contrapartida, o parceiro privado recebe, por parte do
Estado de Nova Gales do Sul e da Health Administration Corporation, um
pagamento ao terminar a construção dos edifícios e pagamentos mensais,
determinados pela sua performance, durante o tempo de duração do
contrato236.
236 Cf. Summary of contracts – Long Bay Forensic and Prison Hospitals privately financed project. S/ data. Policopiado.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
242
5. A avaliação do recurso às parcerias público-privadas
A evolução das PPPs na Austrália revela uma motivação política forte
para esta forma de contratualização. Logo nos anos 80, quando as PPPs eram
ainda largamente desconhecidas em muitos países, já havia projectos muito
análogos às PPPs actuais. No caso de Vitória, esses projectos pioneiros,
como o Hospital de St. Vincent e o Magistrates’ Court de Melbourne,
desenvolveram-se mesmo perante o cepticismo dos agentes privados, a quem
se concedeu, como estímulo, garantias face à grande maioria dos riscos,
muito para além do que é hoje corrente. Estas PPPs pioneiras desenvolveram-
se numa base ad-hoc.
Apesar de se registarem vários falhanços, a aposta política manteve-se.
Por exemplo, nos anos 90, os problemas registados com os projectos do
hospital de Mildura e do Metropolitan Women’s Correctional Centre levaram o
estado de Vitória a reformular a política de PPPs à imagem do modelo
britânico, que então começava a afirmar-se, mas não a abandoná-la. Na
verdade, assiste-se, no início do séc. XXI, a uma multiplicação de projectos e
à extensão a novas regiões, como a Nova Gales do Sul.
Também na Nova Gales do Sul se conheceu dificuldades de
implementação. O Cross City Tunnel de Sidney foi um fracasso com grande
repercussão pública. O túnel sob o centro da cidade levou ao fecho de vias
alternativas gratuitas, o que o tornou impopular e atraiu pouca procura uma
vez inaugurado. O governo subsequente sugeriu um abaixamento das
portagens e até a reabsorção do projecto. Já este ano, a sociedade
proprietária declarou insolvência e foi adquirida por uma sociedade
especializada em recuperação de empresas, face à recusa do governo
regional em reabsorver o projecto.
Estes fracassos não parecem abalar, todavia, o dinamismo do mercado
de PPPs australiano. A maioria das PPPs tem sido considerada um sucesso
na opinião dos governos regionais, dos parceiros privados e dos analistas de
mercado. Contudo, a avaliação objectiva do sucesso ou insucesso das PPPs
na Austrália é considerada difícil pelo facto dos dados oficiais estarem
A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas
243
fragmentados por região, tanto no tipo de dados registados como na sua
organização. O comparador de custos públicos encontra-se muito longe da
formalização britânica, ela mesma não isenta de críticas (cf. Cap. I). A título de
exemplo, o relatório Review of Partnerships Victoria Provided Infrastructure
(Fitzgerald, 2004), encomendado pelo governo regional, concluiu que o
método de cálculo do comparador estava distorcido a favor das PPPs, e que
em muitos projectos (Spencer Street Station, Victorian County Court) não se
verificava value for money. Fitzgerald propunha, por isso, uma reformulação
do método de cálculo do comparador. Com essa reformulação, vários
projectos não teriam avançado. Outro exemplo eloquente da carga política dos
indicadores é o comentário de uma advogada da Blake Dawson Waldron,
segundo o qual os governos regionais continuam interessados nas PPPs após
as dificuldade de 2005-2006, mas que convém que a decisão seja baseada
em indicadores de poupança objectivos (Infra-news, 2006: 6).
O debate australiano, face à escassez de informação empírica, surge
mais como ideológico. Por exemplo, o debate britânico, apesar dos
argumentos de teor ideológico-político, revela também uma componente
empírica de escrutínio de dados técnicos, contabilísticos, operacionais, etc.,
que parece não encontrar correspondente na Austrália. Este debate parece
polarizar-se com argumentos análogos aos apresentados em capítulos
anteriores: de um lado, agentes do mundo financeiro (bancos, consultoras), do
outro, os sindicatos (Spoehr et al., 2002).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
244
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
245
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
No ordenamento jurídico francês, as PPPs, em sentido lato, englobam as figuras designadas
mercados públicos, delegações de serviço público, contratos de parceria assimilados, outros tipos
de contratos administrativos criados para contornar os limites daquelas figuras contratuais, como os
contratos de arrendamento administrativo ou os contratos de autorização temporária de ocupação
do domínio público, e os contratos de parceria (CP), o novo instrumento jurídico no qual a França
está a apostar no âmbito das PPPs. Este tipo de contrato prevê várias possibilidades de associação
de operadores privados a projectos públicos, cujo objectivo principal consiste em construir infra-
estruturas e gerir os serviços públicos a elas associados.
Além do aperfeiçoamento do regime legal das PPPs, o Governo procedeu à publicação de
um conjunto de normas regulamentares em matérias directamente ligadas às PPPs, como é o caso
da aplicação das regras do Eurostat, e a criação de uma estrutura de apoio aos projectos de
parcerias público-privadas. Foi, ainda, publicado um guia prático, intitulado “os contratos de parceria
– princípios e métodos”, cujo objectivo é orientar e esclarecer os parceiros envolvidos num contrato
de PPP. A importância do tema levou à criação, no âmbito do Parlamento, de um grupo de trabalho
com o objectivo de proceder à avaliação das experiências em curso, promover a divulgação de boas
práticas e de propor recomendações ou alterações do quadro legal.
Em França, o processo de PPP dá especial ênfase à partilha do risco. Considera-se que a
optimização da partilha do risco entre os parceiros é, não só essencial para o sucesso da parceria,
como, também, para o cumprimento das regras do Eurostat. A identificação dos riscos é,
normalmente, feita com recurso a uma matriz de riscos, da qual consta uma lista exaustiva dos
riscos do projecto e da repartição dos mesmos entre os parceiros. Através desta matriz é possível
conhecer, de forma imediata e transparente, o conjunto dos riscos e a sua distribuição.
As estruturas de apoio dos contratos de PPP são a Missão de Apoio à Realização de
Contratos de Parceria (MAPPP), com competência para produzir e divulgar orientações e apoiar os
parceiros públicos na preparação, negociação e execução de contratos de PPP; o Instituto de
Gestão Delegada, que elabora estudos e recomendações sobre a gestão dos serviços públicos; e,
para o sector da justiça, a Agence de Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la Justice
(AMOTMJ), cuja competência foi alargada em 2006, passando a gerir os contratos de parceria no
sector. Em Junho de 2006, foi criado um centro de peritagem e de análise das PPPs: o Centro de
Peritagem Francês para a Observação das PPPs (CEFO-ppp).
As áreas de intervenção das PPPs estão dispersas pelos diversos sectores, podendo incidir
na construção e gestão de infra-estruturas várias. A abrangência da PPP depende do tipo de
contrato utilizado, embora os Contratos de Parceria, que permitem o alargamento da parceria à
gestão da infra-estrutura, sejam cada vez mais utilizados. No sector da justiça, o sistema prisional foi
um dos sectores pioneiros na utilização de PPPs. Desde 2002, o Ministério da Justiça tem recorrido
a vários tipos de contratos de PPP para a construção de dez novos estabelecimentos prisionais
(através do reagrupamento de projectos em três lotes), estando, também, previsto a reconstrução de
um centro de detenção em Paris e a construção e reestruturação de dois palácios da justiça, estes
sob a forma de Contrato de Parceria, que inclui a gestão da infra-estrutura e um conjunto de
serviços.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
246
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
247
Introdução
Em França, nos finais do século XX, existiam duas principais categorias
de contratos públicos: os mercados públicos (marchés publics
237) e as delegações de serviço público (délégations de service public238).
Os mercados públicos são contratos através dos quais uma entidade pública
adquire, de forma imediata, bens ou serviços necessários para o exercício das
suas funções, através do pagamento de um preço determinado. O preço pago
pela entidade pública é a contrapartida imediata da prestação da entidade
privada e as relações contratuais entre ambos são quase imutáveis até ao
final do contrato. Por seu lado, as delegações de serviço público são contratos
através dos quais uma entidade pública confia e delega a gestão e exploração
de um serviço público da sua responsabilidade a uma outra entidade pública
ou privada, cuja remuneração depende directamente do resultado dos
serviços prestados.
Veio, no entanto, a considerar-se que estes dois tipos de contrato não
davam resposta às novas necessidades da administração pública,
nomeadamente às decorrentes da expansão do seu domínio de acção, da
crescente complexidade dos investimentos e dos projectos futuros, e da uma
cada vez maior contenção orçamental. Para colmatar essas dificuldades e
com o objectivo de contornar os limites das figuras contratuais então
existentes (mercados públicos e delegações de serviço público) foram criadas
três categorias de instrumentos jurídicos que se incluem num grupo
denominado de contratos de parceria assimiláveis (CPA).
Em primeiro lugar, os “mercados de empresa de trabalhos públicos”
(marchés d’entreprise de travaux publics - METP) – contratos posteriormente
considerados pela jurisprudência francesa como irregulares – cujo objecto
237 Os mercados públicos estão definidos, actualmente, pelo Decreto n.º 2004-15, de 7 de Janeiro de 2004. 238 As delegações públicas estão regulada na Lei MURCEF – Lei 2001-1168, de 11 de Dezembro de 2001.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
248
visava atribuir, a longo prazo, a um contraente único a construção e
exploração de uma obra contra o pagamento em prestações de uma
remuneração pela entidade pública.
Em segundo lugar, a “venda em estado futuro de finalização” (vente en
état futur d’achèvement – VEFA): contrato de compra e venda imediata de um
imóvel ainda não construido sob a condição de o vendedor o construir e
transferir a respectiva propriedade para o Estado numa data posterior à data
de finalização da obra.
Em terceiro lugar, apareceram outros tipos de contratos administrativos,
cuja criação foi directamente incentivada pelo legislador francês para
contornar os limites das figuras contratuais acima referidas: 1) os contratos de
arrendamento administrativos (baux emphytéotiques administratifs - BEA)239:
contratos administrativos inspirados no direito rural que possibilitam o
financiamento de equipamentos públicos por uma entidade privada e
autorizam, para esse fim, derrogações parciais às regras de regulação dos
bens do domínio público (a inalienabilidade, a não prescrição do direito e a
não cessão do direito). Este tipo de contrato permite ao seu titular (a entidade
privada) ser titular de um direito real, podendo ser objecto de hipoteca, por um
prazo de 18 a 99 anos; 2) as autorizações de ocupação temporária do domínio
público (autorisations d’occupation temporaire du domaine public - AOT240);
que, tal como no BEA, o ocupante é o proprietário e responsável da obra, mas
em contrapartida e diferentemente do BEA, a AOT permite a celebração pelo
seu titular de contratos de leasing sobre a construção e instalações, objecto do
contrato; 3) os chamados contratos de arrendamento administrativos
“sectoriais” por terem sido criados para áreas específicas da administração
pública, incidindo não apenas na construção e exploração de infra-estruturas,
mas também na sua concepção, manutenção, gestão e financiamento.
239 Esta figura contratual foi criada pela Lei n.º 88-13, de 5 de Janeiro de 1988. 240 Este contrato administrativo foi criado pela Lei n.º 94-631, de 25 de Julho de 1994.
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
249
Estes contratos administrativos “sectoriais” foram criados para três
sectores específicos no sentido de permitir a participação do sector privado na
construção, financiamento e manutenção das infra-estruturas a eles afectas.
Foi o caso das polícias, através da Lei n.º 2002-1094, de 29 de Agosto de
2002, denominada de Lei de Orientação e de Programação para a Segurança
Interna (LOPSI)241. Esta Lei veio permitir ao Estado “confiar a uma pessoa ou
a um agrupamento de pessoas, de direito público ou privado, uma missão
relativa à concepção, construção, manutenção e conservação de imovéis
afectos às diferentes polícias nacionais” (artigo 3º da LOPSI).
Na área da justiça, e em particular no que respeita aos estabelecimentos
prisionais, a Lei n. º 2002-1138, de 9 de Setembro de 2002, denominada de
Lei de Orientação e Programação para a Justiça (LOPJ) para o período 2002-
2007, veio permitir ao Estado “confiar a uma pessoa ou a um agrupamento de
pessoas, de direito público ou privado, uma missão sobre a concepção,
construção, manutenção e conservação de estabelecimentos penitenciários”
(artigo 3º da LOPJ) 242.
E, na área da saúde pública, através da publicação da Ordonnance n.º
2003-850, de 4 de Setembro de 2003, com a criação de um novo contrato
administrativo denominado de contrato de arrendamento hospitalar (Bail
emphythéotique hospitalier – BEH) através do qual uma entidade pública
celebra um contrato com uma entidade privada para a construção ou
renovação, e manutenção de hospitais públicos.
Atendendo ao facto de estes últimos contratos de parceria assimiláveis
(CPA) terem um âmbito de aplicação limitado, o Governo francês,
considerando a experiência de outros países, em especial a do Reino
241 In http://senat.fr/rap/103-073-1/103-073-119.html (Agosto de 2007). 242 In http://cubitus.senat.fr/rap/l04-074-327/l04-074-3278.html (Agosto de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
250
Unido243, acabou por adaptar, em inícios de 2003, o sistema inglês das PFI
(Private Finance Iniciative) à realidade francesa.
Um ano e meio depois, foi publicada a Ordonnance n.º 2004-559, de 17
de Junho, que veio colmatar a ausência de enquadramento legal específico
nesta matéria, surgindo, assim, uma nova categoria de contratos
administrativos: os contratos de parceria (CP).
Assim, no ordenamento jurídico francês, as PPPs, em sentido lato,
englobam as figuras dos mercados públicos, as delegações de serviço
público, os contratos de parceria assimilados (CPA) e os contratos de parceria
(CP), estes últimos criados sob a égide da Ordonnance n.º 2004-559, de 17 de
Junho de 2004. Os contratos de parceria são o novo instrumento jurídico mais
utilizado neste tipo de contratação.
1. O enquadramento legal e institucional dos contratos de parceria
Como acima referimos, a Ordonnance n.º 2004-559, de 17 de Junho,
veio instituir um novo tipo de contrato administrativo: o contrato de parceria e,
deste modo, aperfeiçoar o regime geral das parcerias público-privadas.
De acordo com esta Lei, o contrato de parceria caracteriza-se como “um
contrato administrativo pelo qual uma entidade pública confia a um terceiro,
por um período determinado em função da duração da amortização dos
investimentos ou das modalidades de financiamento estabelecidas, uma
missão global relativamente ao financiamento de investimentos imateriais, de
obras ou equipamentos necessários para o serviço público, à construção ou
transformação de obras ou equipamentos, bem como à sua manutenção,
exploração ou gestão, e se for caso disso, outras prestações de serviços que
243 Como já referimos, em matéria de parcerias público-privadas, a experiência britânica tem sido considerada por muitos países como uma experiência pioneira com resultados positivos no geral. Aliás, além da França, vários outros países europeus e não europeus são seguidores dessa experiência na área das PPPs (Espanha, Irlanda, Brasil, etc.).
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
251
se enquadram na execução da missão de serviço público da responsabilidade
da entidade pública” (art. 1º da Ordonnance de 17 de Junho de 2004).
Assim, de acordo com esta definição legal, o conceito de CP prevê várias
possibilidades de associação de operadores privados a projectos públicos,
cuja missão principal consiste em criar infra-estruturas públicas e gerir os
serviços públicos associados.
Nos termos da Ordonnance de 17 de Junho de 2004, o CP é um contrato
global244 e de longa duração, cujo objectivo consiste em confiar ao parceiro
privado o financiamento, a construção e manutenção dos investimentos
materiais ou imateriais necessários para o exercício de funções públicas, em
troca de uma remuneração por parte da entidade pública.
De acordo com a lei, o contrato de parceria apresenta as seguintes três
características: transferência da entidade pública para uma entidade privada
do cumprimento, total ou parcial, de uma determinada missão
(financiamento245, realização, manutenção, exploração ou gestão de bens
materiais ou imateriais); longa duração do contrato246 (podendo ter um prazo
de vinte ou trinta anos); modalidades de pagamento repartidas ao longo da
duração do contrato, que podem depender da realização de determinados
objectivos, a performance ou da disponibilidade do bem ou do serviço em
causa. Os pagamentos efectuados pela entidade pública visam cobrir as
despesas de exploração, o reembolso da dívida subscrita para financiar o
244 A expressão “contrato global” significa que o seu objecto incide sobre as diferentes fases de realização de um projecto (por exemplo, para um hospital, pode ir desde a sua concepção arquitectural à sua gestão, passando pela sua construção). Este tipo de contrato compreende necessariamente três elementos: o financiamento de investimentos imateriais, de obras ou de equipamentos necessários para o serviço público; a construção ou transformação das obras ou dos equipamentos ou de outros investimentos (incluíndo imateriais); e a sua conservação e/ou manutenção e/ou a sua exploração e/ou sua gestão. Cf. Institut de la Gestion Déléguée. Dez. 2006. “Les partenariats public-privé en France”. In http://www.fondation-igd.org/pdf/PPP_en_France.pdf (Agosto de 2007). 245 Compete ao parceiro privado assumir os custos sobre os estudos, obras e gestão do pessoal respeitante ao objecto do CP, sendo que o parceiro público, ao longo do contrato, paga àquele uma remuneração. 246 Um contrato de parceria só se justifica se tiver uma longa duração, determinada em função da duração da amortização dos investimentos ou das modalidades de financiamento fixadas.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
252
investimento em causa, bem como remunerar o capital investido pelo parceiro
privado.
Todos os órgãos e entidade públicas (Estado, organismos locais e
estabelecimentos públicos), bem como as entidades privadas responsáveis
por um serviço público podem recorrer a este tipo de contrato. No que diz
respeito ao sector privado, todas as pessoas colectivas com as suas
obrigações legais, fiscais ou sociais cumpridas podem candidatar-se a este
tipo de contrato.
Todo o CP deve conter um conjunto de cláusulas obrigatórias sob pena
de o contrato vir a ser declarado nulo. Todavia, é deixada aos contratantes
uma certa liberdade na redacção dessas cláusulas. Devem, assim, constar de
um CP cláusulas contratuais referentes à duração do contrato; à partilha dos
riscos entre o parceiro público e o parceiro privado; aos objectivos de
performance exigidos ao co-contratante, designadamente, no que se refere à
qualidade do serviço prestado, à qualidade das obras e dos equipamentos247;
às modalidades de pagamento do co-contraente tendo por base os custos do
investimento, de funcionamento e de financiamento e, se for caso disso, de
outras receitas que o co-contratante pode receber na exploração das obras ou
dos equipamentos respondendo a outras necessidades que não sejam só da
entidade pública248, bem como a causas e modalidades que possam justificar
variações de remuneração; ao respeito pela missão de serviço público; ao
controlo por parte da entidade pública da execução do contrato,
designadamente, no que respeito aos objectivos de desempenho, bem como
quanto às condições em que o co-contratante pode recorrer a outras
entidades privadas para a execução do contrato; às sanções e penalidades no
caso de incumprimento das obrigações contratuais; à modificação de aspectos
247 É indispensável que a performance esperada num CP seja claramente definida para a clareza e equilíbrio das relações contratuais. 248 A inserção desta cláusula obrigatória pretende uma maior transparência da remuneração estabelecida no contrato.
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
253
do contrato por parte da entidade pública249; ao controlo pela entidade pública
da cessão do contrato; à manutenção das condições de continuidade do
serviço público; à propriedade da obra e dos equipamentos no termo do
contrato; e às formas de prevenção e de recurso a mecanismos de resolução
alternativa de litígios250 (artigo 11.º da Ordonnance de 17 de Junho de 2004).
No que diz respeito especificamente ao Estado e aos seus organismos
públicos, a celebração de um CP exige o acordo formal do Ministro da
Economia, Finanças e Indústria, entidade responsável pela verificação da
compatibilidade do projecto com os objectivos de equilíbrio das finanças
públicas251.
Foram, ainda, publicados dois novos diplomas legais complementares da
Ordonnance de 17 Junho de 2004. O primeiro (Decreto n. º 2004-1119) veio
criar um órgão administrativo dependente do Ministério da Economia,
Finanças e Indústria, denominado Missão de Apoio à Realização dos
Contratos de Parceria (MAPPP), cuja função consiste no apoio e
aconselhamento na preparação, negociação e execução dos contratos de
parceria. O segundo (Decreto n.º 2004-1145) veio definir as modalidades de
publicidade aplicáveis a estes contratos.
Além da criação e aperfeiçoamento do regime legal das PPPs, o
Governo procedeu, também, à sua regulamentação em várias áreas: finanças
públicas (modificação da LOLF), contabilidade (aplicação dos princípios do
Eurostat) e organizacional (criação de um organismo que presta assistência
aos organismos públicos no âmbito das PPPs: a MAPPP).
É de referir, ainda, que foi elaborado, em Maio de 2005, pelo Ministério
da Economia, Finanças e Indústria, em colaboração com a MAPPP, um guia
prático intitulado “Os contratos de parceria – Princípios e métodos”. Este
249 Esta possibilidade existe para que a entidade pública possa adaptar o contrato à evolução das necessidades, das inovações tecnológicas ou das modificações nas condições do financiamento obtido pelo co-contratante. 250 A lei prevê a possibilidade de recurso à arbitragem. 251 Cf. Willot, Didier. 2004. Cahiers Industries n.º 97 – Julho-Agosto 2004 (p. 12-16).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
254
documento tem como objecto orientar e esclarecer os diferentes agentes
públicos e privados envolvidos em contratos de parceria sobre as principais
características, conteúdo e vantagens na celebração de um contrato de
parceria252.
Em 2006, foi criado, no âmbito do Parlamento, um grupo de trabalho
sobre as parcerias público-privadas, liderado pelo Deputado Hervé Novelli,
com o objectivo, designadamente, de proceder a uma avaliação das primeiras
experiências, comparar a legislação francesa com a de alguns países
europeus próximos, analisar os limites do contrato de parceria, melhorar o seu
enquadramento legal (em especial, definir com maior rigor os conceitos de
urgência e complexidade impostos pelo Conselho de Estado francês),
desenvolver boas práticas que permitam melhorar as relações entre os
decisores públicos e os actores económicos envolvidos, e promover o
conhecimento das parcerias junto dos decisores públicos nacionais e locais.
Aquele Grupo de trabalho apresentou uma Proposta de Lei que pretende
alcançar três objectivos principais: facilitar o recurso aos contratos de parceria
explicitando o critério de urgência253; “tornar seguro”, no plano jurídico, o
recurso a este tipo de contratos254, e alcançar a neutralidade fiscal255.
252 In http://www.ppp.minefi.gouv.fr/guide_contrat_partenariat.pdf (Julho de 2007). 253 Esta Proposta de Lei determina que “a urgência seja avaliada pela entidade pública em função (…) das características do projecto em causa e da prioridade dada à sua realização” (artigos 1º e 2º da Proposta). 254 A segurança jurídica preconizada pela Proposta baseia-se na exigência de que o controlo da legalidade destes contratos seja transferido para a Missão de Apoio à Realização de parcerias público-privadas (MAPPP), à qual fora atribuída a competência de dar, a montante, pareceres aos organismos locais quando por eles solicitados. A “unicidade” deste controlo garante, deste modo, uma doutrina uniforme e uma maior coerência e eficácia deste controlo sem prejudicar a prossecução do contrato (artigos 3º, 4º e 5º da Proposta). 255 O então Ministro das Finanças reconheceu que “as parcerias público-privadas tornaram-se numa prática de gestão em expansão. Assim, é legítimo que se reflicta na forma de integrar os seus custos financeiros, como ocorre para as “maitrises d’ouvrage” clássicas”. Comprometeu-se, então, “a obter num prazo razoável uma informação fiscal sobre esta questão”, de modo a “encontrar uma solução globalizando a operação, integrando, assim, os custos financeiros” In JO Sénat – Sessão de 28 de Novembro de 2006, p. 8994.
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
255
2. As estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de
parceria público-privado
2. 1. A Missão de Apoio à realização de contratos de parceria
(Mission d’Appui à la Réalisation de Contrats de Partenariat -
MAPPP)
Em França, tal como em outros países, existe um organismo
especializado na área das PPPs, denominado Missão de Apoio à Realização
dos contratos de parceria (Mission d’Appui à la Réalisation de Contrats de
Partenariat - MAPPP)256. Criado em Outubro de 2004, tem como principais
funções a assistência e o aconselhamento dos órgãos da Administração
Pública ao longo das diferentes etapas dos contratos de parceria. Este
organismo está sob a dependência funcional do Ministro da Economia,
Finanças e Indústria e é constituído por seis peritos vindos de diferentes áreas
do sector público, com uma experiência profissional diversificada.
O MAPPP tem uma tripla missão: 1) divulgar aquele novo instrumento
jurídico junto dos diferentes agentes interessados, designadamente, através
da criação e manutenção de um site na Internet, da organização de colóquios
e seminários e da participação em diversos grupos de trabalho; 2) apoiar na
preparação, negociação e execução dos contratos de parceria,
nomeadamente, auxiliando as entidades públicas na avaliação prévia,
produzindo recomendações práticas, complementares à informação constante
do Guia Prático; 3) propor ajustamentos ou melhoramentos na
regulamentação em vigor; e validar os projectos de contratos propostos pelo
Estado ou pelos seus organismos públicos (à excepção do Ministério da
Defesa por possuir um órgão especializado nesta matéria)257.
256 Cf. http://www.ppp.minefi.gouv.fr/ (Julho de 2007). 257 O parecer emitido pelo MAPPP não é vinculativo, sendo apenas um requisito necessário para o andamento do processo. O contrato de parceria celebrado pelo Estado ou por um dos seus organismos públicos exige sempre o acordo do Ministro da Economia, Finanças e Indústria.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
256
Este organismo é auxiliado por um comité consultivo, composto por 37
membros, com experiência profissional em áreas conexas com esta matéria.
Este organismo tem por função principal propor temas a analisar e validar o
relatório anual elaborado pelo MAPPP.
2. 2. O Instituto de Gestão Delegada (Institut de la Gestion
Déléguée)
O Instituto de Gestão Delegada (Institut de la Gestion Déléguée) é uma
fundação sem fins lucrativos, criada em 1996, que agrupa uma pluralidade de
actores relacionados com as PPPs, nomeadamente empresas, representantes
do Estado, consumidores, peritos, operadores e instituições financeiras. Tem
por missão promover o melhoramento da qualidade e performance dos
serviços públicos, em especial quando a sua gestão é delegada. Elabora
estudos, pesquisas e apresenta propostas sobre a gestão dos serviços
públicos258.
É de referir que a MAPPP e o IGD decidiram criar, em Junho de 2006,
um centro de peritagem e de análise das PPPs: o Centro de Peritagem
Francês para a Observação das PPPs (Centre d’Expertise Français pour
l’Observation des Partenariats Public-Privé - CEFO-ppp)259. Este Centro tem
por missão estabelecer “ficheiros PPP”, dos quais constarão as características
essenciais de um contrato de parceria ou de um contrato semelhante do ponto
de vista jurídico, económico e financeiro. O acesso a estes ficheiros será
restrito, limitado aos parceiros e utilizadores desta rede de informação.
258 Cf. Relatório do Instituto de Gestão Delegada “Gouvernance, partenariat et financement pour les services essentiels”. Março de 2006. In http://www.fondation-igd.org/pdf/00_fran cais.pdf (Agosto de 2007). 259 In http://www.cefoppp.org/pages/?arb_n_id=1 (Julho de 2007).
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
257
2. 3. A Agence de Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la
Justice (AMOTMJ)
A Agence de Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la Justice
(AMOTMJ) é um organismo público, sob a tutela do Ministério da Justiça, cuja
principal missão é a de construir, renovar e restaurar os tribunais e os
estabelecimentos prisionais franceses260. Este organismo, criado em Agosto
de 2001, tem competência para realizar estudos e proceder a avaliações
preliminares relativamente a investimentos imobiliários e à conservação e
valorização do património do Ministério da Justiça; assegurar a realização de
obras de construção, renovação ou conservação; e prestar apoio na área da
gestão e valorização do património imobiliário judiciário.
É composto por equipas pluridisciplinares (engenheiros, arquitectos,
funcionários de serviços administrativos, jurídicos e financeiros), que preparam
estudos prévios ou acompanham o desenvolvimento de contratos
(empreitadas, concessões, parcerias público-privadas). No exercício das suas
funções podem recorrer a diferentes interlocutores nos serviços do Ministério
da Justiça (magistrados, secretários de justiça, Director-Geral da Direcção-
Geral dos Serviços Prisionais, directores de estabelecimentos prisionais), bem
como a empresas de consultadoria.
Em Fevereiro de 2006, foi publicado o Decreto 2006-208 que veio alterar
o estatuto da AMOTMJ, alargando as suas competências em matéria de
assistência e fiscalização, passando a ser não só a entidade responsável
pelas obras no âmbito do Ministério da Justiça, como a entidade que deve
gerir os contratos de parceria no sector, quer como parceiro público o Estado,
quer as autoridades locais.
260 In http://www.amotmj.justice.fr/ (Agosto de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
258
3. O processo de adjudicação de um contrato de parceria
As entidades públicas que pretendam recorrer a um contrato de parceria
devem, obrigatoriamente, proceder a uma avaliação prévia do projecto,
demonstrando que o projecto ou é demasiado complexo para ser realizado por
um organismo público, ou é urgente. Devem, também, comparar e ponderar
as várias soluções possíveis, isto é, a possibilidade da realização do projecto
através de um contrato de parceria ou através de um outro tipo de contrato
administrativo. As razões da opção podem ser de ordem económica,
financeira, jurídica ou administrativa.
Tendo-se decidido pelo recurso a um contrato de parceria, segue-se a
divulgação pública de um aviso de proposta, do qual deve constar,
designadamente, a natureza da operação, os objectivos esperados, as
performances pretendidas e os critérios de selecção.
As empresas que pretendem concorrer à parceria dispõem de um prazo
de 40 dias para preparar o dossier de candidatura. Após a recepção das
respectivas candidaturas (não podendo o seu número ser inferior a três ou a
cinco261) segue-se uma fase de discussão, denominada de diálogo
competitivo, entre o contratante público e cada sociedade candidata. Este
“diálogo” pode incidir sobre os meios técnicos, jurídicos, financeiros ou
administrativos, sem prejuízo do respeito pela confidencialidade,
transparência, igualdade de tratamento e da livre concorrência (artigos 5.º e
6.º da Ordonnance de 17 de Junho de 2004).
Depois desta fase, as sociedades em concurso são convidadas a
elaborar, no prazo de um mês, uma proposta final de acordo com os
objectivos definidos (artigo 7.º).
O contrato deve ser atribuído à sociedade candidata, cuja proposta seja
a mais vantajosa a nível económico, respeitando os critérios previamente
261 O número mínimo de candidatos é de cinco quando o projecto tiver um carácter de urgência. Nestes casos, a entidade pública deve recorrer ao processo denominado de concurso de propostas restrito appel d’offres restreint.
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
259
estabelecidos no regulamento de consulta do processo, designadamente o
valor técnico do projecto, o seu carácter inovador, o prazo de realização da
obra ou a sua qualidade estética. A lei determina os critérios estabelecidos
devem ser ponderados e hierarquizados, sendo que dos critérios de
adjudicação devem, obrigatoriamente, constar o custo final do projecto, os
seus objectivos de desempenho e a parte do projecto que a sociedade
candidata se propõe entregar a pequenas e médias empresas. (artigo 8.º)262.
O contrato de parceria e o risco
Como referirmos no Capítulo I, a questão do risco e da sua partilha é
uma das questões centrais dos contratos de parceria público-privada. Nesse
sentido, considera-se que o sucesso de um CP depende, em grande medida,
da correcta definição dos riscos e da sua partilha entre os dois contraentes.
De facto, o princípio geral dos contratos de parceria é o de repartir os riscos
entre os co-contraentes de acordo com a melhor capacidade de suportar os
riscos a nível técnico, económico e financeiro. Contudo, esta partilha deve ser
equilibrada porque o custo associado a cada risco varia consoante a entidade
que o suporte. É, por isso, essencial num CP proceder-se a uma optimização
da alocação dos riscos entre os diferentes parceiros. Além disso, a repartição
de alguns riscos (nomeadamente os riscos de construção, da procura e da
disponibilidade) é fundamental para avaliar os compromissos da entidade
pública à luz das normas do Eurostat.
A Ordonnance de 17 de Junho de 2004 veio dar especial ênfase a esta
questão, considerando fundamental proceder, ao longo do processo de
execução do contrato, a uma avaliação precisa dos riscos do projecto,
avaliação que pode ocorrer em diferentes fases, isto é, aquando da
262 Após a selecção da sociedade, a empresa seleccionada e os candidatos excluídos são notificados dessa decisão. Procede-se, ainda, à publicação, num prazo de 30 dias, no Jornal Oficial da União Europeia de um aviso de atribuição do CP à empresa seleccionada (artigo 9.º).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
260
elaboração da avaliação prévia, durante a fase do diálogo competitivo, e na
fase de elaboração das cláusulas contratuais.
O risco deve ser avaliado, caso a caso, de acordo com as características
de cada projecto e dos objectivos pretendidos pela entidade pública,
prevendo-se várias categorias de riscos: a) os riscos suportados, normalmente
a 100%, por uma das partes; b) os riscos transferíveis para o sector privado; c)
os riscos partilhados entre o sector público e o privado. Os riscos são, ainda,
em geral, analisados em função do período durante o qual deverão ocorrer,
podendo ser temporários (relacionados com uma fase do projecto) e/ou
permanentes.
A identificação detalhada dos riscos é, normalmente, feita através de um
instrumento de análise financeira denominado matriz de riscos. Consiste numa
matriz na qual é apresentada uma lista exaustiva dos riscos do projecto e a
repartição dos mesmos entre os diferentes parceiros. Estas matrizes permitem
visualizar o conjunto de riscos e ter conhecimento, de forma imediata, a quem
competem.
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
261
Quadro IV. 4
Exemplo de uma matriz de riscos
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
262
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
263
Fonte: Ministério da Economia, Finanças e Indústria/MAPPP(2005)
A elaboração de uma matriz de riscos tem vários objectivos, entre eles,
guião para a fase do diálogo competitivo, elemento de diferenciação dos
candidatos e elemento fundamental de análise do equilíbrio da operação263.
Considera-se que três tipos de risco devem ser cuidadosamente
avaliados aquando de uma avaliação prévia de um CP: o risco operacional, o
risco de volume e o risco da evolução do quadro legal.
No que se refere ao risco operacional, chama-se a atenção para o facto
de o custo de um CP poder aumentar inutilmente se a administração pública
impuser ao parceiro privado obrigações de resultado superiores às suas
próprias necessidades. Deste modo, é essencial, por um lado, definir
correctamente os objectivos e as performances esperadas, e, por outro, que
as penalidades aplicadas ao parceiro privado, em caso de incumprimento,
sejam proporcionais às dificuldades concretas encontradas durante a
execução do contrato.
O risco de volume pode estar relacionado com um risco de procura ou
um risco “de preço” ou com uma combinação de ambos. Este tipo de risco
pode ter efeitos sobre dois tipos de remuneração: a remuneração paga pela
entidade pública pode variar consoante a procura do bem ou do serviço
263 Cf. Majza, Béatrice e Bayard, Serge. 2005. “Le contrat de paternariat et le risque”. 2005. In Contrats Publics, nº 56. Junho de 2005 (p. 60-65).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
264
colocado à disposição do sector público. Por exemplo, em alguns projectos
relativos a auto-estradas com portagem virtual, a remuneração a pagar ao
parceiro privado varia em função do número de veículos que utilizam a auto-
estrada.
O risco de evolução do quadro legal refere-se à possível alteração de
diplomas regulamentadores de determinadas matérias, como ambientais e
fiscais, ou a aplicação de normas europeias ou nacionais ao projecto e que
possam inviabilizá-lo264.
No que se refere à distribuição dos riscos, o parceiro privado deve
assumir, nomeadamente, os riscos de dimensionamento, de má concepção
funcional e de arquitectura, de construção, de conservação, de exploração e
de disponibilidade final do projecto. Quanto aos chamados riscos “exógenos”,
como, por exemplo, os riscos decorrentes de autorização administrativa
(licenças de construção, autorizações de exploração, aval das comissões de
segurança, etc.), alterações regulamentares e todas as situações de força
maior, considera-se que os mesmos devem ser equitativamente partilhados
entre parceiros público e privado.
A distribuição do risco reflecte-se de sobremaneira no projecto financeiro
do contrato. A análise, pelos potenciais parceiros financeiros, do conjunto de
riscos possíveis de um projecto de PPP será determinante, quer para a
capacidade da parceria atrair o interesse dos parceiros financeiros, quer para
a definição do projecto financeiro265.
O financiamento das parcerias público-privadas em França
264 Cf. Guia prático da MAPPP. Maio de 2005. “Os contratos de parceria – Princípios e métodos” (p. 33-40). In http://www.ppp.minefi.gouv.fr/guide_contrat_partenariat.pdf (Agosto de 2007). 265 Existem diferentes tipos de projectos financeiros que variam em função dos seguintes factores: a transferência do risco e a forma como este é gerido pelo parceiro privado, e a dimensão do projecto
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
265
De acordo com o relatório do Instituto de Gestão Delegada de Outubro
de 2006, o financiamento de uma PPP depende essencialmente das
características do projecto em causa.
A duração do financiamento é determinada pela duração do contrato de
PPP, mas pode não exceder a duração de vida dos principais equipamentos
que fazem parte do projecto. É de referir que a duração do financiamento é, na
maioria dos casos, inferior à do contrato, uma vez que este deve,
normalmente, prever um período durante o qual a exploração manter-se-á
apesar da dívida estar (normalmente) liquidada266.
4. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas
4. 1. Áreas de intervenção em geral
As formas tradicionais de PPP, como os mercados públicos e os
contratos de arrendamento administrativos (BEA) têm sido, em geral,
utilizadas em projectos ligados à construção de infra-estruturas rodoviárias e
fluviais. No que se refere aos denominados contratos “sectoriais”, cujo âmbito
de aplicação, como já foi acima referido, é específico a determinadas áreas da
Administração Pública, têm incidido na construção de infra-estruturas na área
da defesa e segurança (nos termos previstos pela LOPSI) com a construção
de esquadras de polícia; na área da justiça (nos termos previstos na LOPJ)
com a construção de estabelecimentos prisionais, e na área da saúde com a
construção de hospitais (BEH). A figura criada pela Ordonnance de 17 de
Junho de 2004, denominada de contrato de parceria, vocacionada para
projectos de grande dimensão, está a difundir-se em França. Foram lançados
vários projectos-piloto (cerca de 35), anunciados em Outubro de 2005 pelo
Comité Interministerial de ordenamento e de competitividade dos territórios
(Comité Interministériel d’Aménagement et de Compétitivité des Territoires –
266 Neste ponto seguimos de perto o Relatório do Instituto de Gestão Delegada: “Le financement des PPP en France” de Outubro de 2006. In http://www.fondation-igd.org/pdf/rapport_ppp.pdf (Agosto de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
266
CIACT), abrangendo os seguintes sectores: estradas, caminho-de-ferro,
modernização de barragens, radiocomunicações, e também na área da
justiça267 268.
4. 2. As parcerias público-privadas no sector da justiça
Na área da justiça, o sistema prisional foi um dos sectores pioneiros na
utilização de PPPs. Já na década de 80, confrontado com a sobrelotação
prisional e a falta de recursos financeiros, o então Ministro da Justiça solicitou
uma autorização à Assembleia Nacional para que a gestão de alguns
estabelecimentos prisionais fosse delegada a entidades privadas. A
intervenção do sector privado passou, assim, a abranger não só a concepção
e construção de prisões, mas, também, um conjunto de serviços, tais como a
manutenção, limpeza, lavandaria, transporte, etc. A administração
penitenciária mantinha, contudo, competências próprias para as funções
entendidas pelo Conselho de Estado francês como não delegáveis, como a
direcção e vigilância dos estabelecimentos prisionais e o controlo dos serviços
administrativos.
A promulgação da Lei de Orientação e de Programação para a
Segurança Interna (LOPSI269) e da Lei de Orientação e de Programação para
267 In http://www.europe-international.equipement.gouv.fr/rubrique.php3?id_rubrique=232 (Maio 2005) e carrefourlocal.senat.fr/dossiers/contrats_partenariat_partenar/index.html (Junho de 2007). 268 De entre os projectos anunciados, constam a construção do canal Sena-Norte Europa, a criação de um centro de formação de luta contra o terrorismo, a construção de um palácio de justiça, a modernização da Prisão da Saúde (Maison d’Arrêt de la Santé), a construção de estradas, a construção de uma escola secundária, a construção de três estabelecimentos prisionais, e o lançamento do projecto GSM-R, rede de telecomunicações GSM em substituição da actual rede analógica pela Rede de Caminhos-de-ferro de France (RFF). In http://www.assemblee-nationale.fr/12/propositions/pion3730.asp (Julho de 2007) e Relatório de actividade (2005-2006) da Mission d’Appui à la réalisation des contrats de partenariat (MAPPP), in http://www.ppp.minefi.gouv.fr/rapp_activite2006.pdf (Julho de 2007). 269 Esta Lei previa o recurso a um contrato de PPP, contrato de autorização de ocupação temporária do domínio público e contrato de locação com opção de compra (AOT-LOA). Este tipo de contrato previa que a construção, manutenção e financiamento de um edifício fosse confiado a sociedades privadas, cujo locatário seria o Estado. Nos termos do contrato
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
267
a Justiça (LOPJ) vieram, não só preconizar o aumento da capacidade dos
estabelecimentos prisionais, o reforço da sua segurança e humanização, e um
melhor acompanhamento dos detidos, bem como aprofundar o recurso a
PPPs270.
Com a promulgação desta Lei, o Ministério da Justiça francês tornou-se
um precursor na utilização de parcerias público-privadas, recorrendo a vários
tipos de contratos de PPPs para a construção de um conjunto de novos
estabelecimentos prisionais, prevendo-se o reagrupamento de projectos
denominados lotes.
4. 2. 1. Os projectos em curso na área da justiça
Com o recurso a projectos de PPP, o Ministério da Justiça francês está a
construir dez estabelecimentos prisionais. Este programa pretende atingir,
entre outros, os seguintes objectivos: reforçar as condições de segurança do
estabelecimento, no respeito pela dignidade dos detidos, melhorar as
condições de visita das família, preservar os laços familiares e favorecer a
reinserção dos reclusos.
Como já referimos, este projecto de construção de vários
estabelecimentos prisionais pressupõe o reagrupamento de projectos em três
lotes. Em Fevereiro de 2006, foi realizada a assinatura do primeiro grande
contrato de PPP do programa penitenciário para adultos, denominado Lote 1,
estabelecendo a construção de quatro estabelecimentos (Roanne, Lyon-
Corbas, Nancy-Maxéville, Béziers). Seguiu-se a assinatura do segundo grande
contrato de PPP, em Outubro de 2006, para a construção de um segundo lote
relativo a três estabelecimentos prisionais (Poitiers-Vivonne, Le Havre, le
Mans-Coulaines), e, em Junho de 2006, iniciou-se o processo de consulta
(decorrido, 20 ou 30 anos), o Estado poderia ficar com a propriedade plena do edifício exercendo uma opção de compra. 270 Previa-se a construção de sete estabelecimentos prisionais para menores com 420 lugares; dezoito centros de detenção para adultos e de duas prisões centrais (9 200 lugares no total).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
268
para a construção do terceiro lote de prisões (Île de France-Réau, Lille-
Annoeullin, Nantes), estando prevista a assinatura do respectivo contrato em
finais de 2007271.
É de referir, ainda, que está a decorrer até Dezembro de 2007 o
processo de consulta para a concretização de um CP com o objectivo de
renovar um centro de detenção (Maison d’Arrêt de la Santé) e para a
construção e reestruturação de dois palácios da justiça de Bourgion-Jallieu e
de Toulon, sendo estes dois últimos projectos considerados como uma
experiência-piloto nesta área272.
A Figura seguinte ilustra o conjunto de projectos em curso e os previstos
na área da justiça com recurso a PPPs.
271 In http://www.amotmj.justice.fr/rubrique.php3?id_rubrique=17&par=4 (Agosto de 2007). 272 In http://www.amotmj.justice.fr/IMG/pdf/commPPP10juilletCB.pdf (Agosto de 2007).
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
269
Figura IV. 3
Os projectos de PPPs da responsabilidade da AMOTMJ
Lote 1: a construção de quatro estabelecimentos prisionais para
adultos (Roanne, Lyon-Corbas, Nancy-Maxéville, Béziers)
A AMOTMJ assinou, em 23 Fevereiro de 2006, o primeiro grande
contrato de PPP do programa penitenciário para a construção de quatro
estabelecimentos penitenciários para adultos, denominado de Lote 1.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
270
Este contrato assenta num contrato de Autorização de Ocupação
Temporária do Domínio do Estado e de arrendamento (Locação com opção de
compra) (AOT-LOA) regido pelo Decreto da LOPSI, tem por objectivo a
concepção, construção e financiamento de 2 790 lugares para detidos adultos
em quatro locais (Roanne, Lyon-Corbas, Nancy-Maxéville, Béziers), bem
como a sua gestão e conservação durante um período de 27 anos
(fornecimento de serviços de manutenção e limpeza).
A conclusão do estabelecimento de Roanne está prevista para o
segundo trimestre de 2008 e dos três restantes para 2009273.
Lote 2: a construção de três estabelecimentos prisionais para
adultos (Poitiers-Vivonne, Le Havre, le Mans-Coulaines)
A AMOTMJ consolidou o recurso às PPPs, através da assinatura em 12
de Outubro de 2006, de um segundo grande contrato de PPP no âmbito do
programa penitenciário para adultos através da construção de mais três
estabelecimentos penitenciários, denominado de Lote 2.
Esta PPP assenta, novamente, num contrato de Autorização de
Ocupação Temporária do Domínio do Estado e de arrendamento com opção
de compra (Autorisation d’Occupation Temporaire du Domaine de l’État d’un
Bail / Location avec Option d’Achat – AOT-LOA) e tem por objectivo a
273 O novo centro de detenção de Roanne tem uma superfície de 30 800 m2 e prevê 600 lugares para adultos (In http://www.amotmj.justice.fr/IMG/pdf/Dossier_de_presse_Roanne.pdf (Agosto de 2007).
O novo centro penitenciário de Nancy tem uma superfície de 32 000 m2 e será constituído por 690 lugares para adultos (In http://62.210.190.156/IMG/pdf/Dossier_d_information_Nancy_lig ht.pdf (Agosto de 2007).
O novo estabelecimento prisional de Lyon tem uma superfície de 33 000 m2 e será constituído por 690 lugares para adultos (In http://62.210.190.156/IMG/pdf/Dossier_de_presse_maison_ d_arret_de_Lyon.pdf (Agosto de 2007).
Quanto ao novo estabelecimento prisional de Béziers, a única informação disponível neste momento sobre a construção deste estabelecimento prisional é a de que será constituído por 810 lugares.
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
271
concepção, construção e financiamento de 1 690 lugares para detidos em três
locais (Poitiers-Vivonne, Le Havre, le Mans-Coulaines), bem como a gestão e
conservação do estabelecimento durante um período de 27 anos
(fornecimento de serviços de manutenção e limpeza).
A conclusão do estabelecimento de Poitiers-Vivonne está prevista para o
primeiro semestre de 2009 e dos dois outros estabelecimentos até finais de
2009274 275.
Lote 3: a construção de três estabelecimentos prisionais para
adultos (Île de France-Réau, Lille-Annoeullin, Nantes)
Este terceiro lote de estabelecimentos prisionais será construído através
de um contrato de parceria nos termos da Ordonnance de 17 de Junho de
2004.
Este tipo de parceria público-privada difere dos dois contratos acima
referidos por o parceiro privado ficar com uma responsabilidade acrescida,
uma vez que além de lhe caber o financiamento, concepção, construção e
manutenção do estabelecimento, também, é responsável pelos serviços de
restauração, lavandaria, transporte e formação penitenciária.
No conjunto, as três construções terão uma capacidade para 2 058
pessoas, sendo o estabelecimento prisional da île de France-Réau constituído
274 In http://62.210.190.156/IMG/pdf/PPP_lot_2-2-2.pdf (Agosto de 2007). 275 O novo centro penitenciário de Poitiers-Vivonne tem uma superfície de 32 000 m2 e será constituído por 600 lugares para adultos (In http://62.210.190.156/IMG/pdf/Dossier-information-VivonneW.pdf (Agosto de 2007).
O novo estabelecimento penitenciário de Le Havre-Seine-Maritime será constituído por 690 lugares para adultos (In http://www.amotmj.justice.fr/IMG/pdf/presentation_AMOTMJ-Seine-Maritime-061106-2.pdf (Agosto de 2007).
O novo estabelecimento penitenciário do Mans-Coulaines será constituído por 400 lugares para adultos (In http://www.amotmj.justice.fr/IMG/pdf/presentation_AMOTMJ-Sarthe-171006_2_-3.pdf (Agosto de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
272
por 798 lugares, o de Lille-Annoeullin por 690 lugares e o de Nantes por 570,
com um sector para penas de curta duração com 60 lugares276.
A reestruturação do estabelecimento penitenciário parisiense
(Maison d’ Arrêt de la Santé)
A renovação deste estabelecimento prisional faz parte do programa de
renovação dos maiores estabelecimentos penitenciários franceses.
Este projecto de renovação está a decorrer através de um CP no âmbito
da Ordonnance de 17 de Junho de 2004, tendo sido proferido o parecer
favorável da MAPPP sobre a avaliação prévia em Dezembro de 2006,
seguindo-se a divulgação do aviso público de proposta de PPP. A fase do
diálogo competitivo para a escolha de um parceiro privado está calendarizada
para decorrer entre 2007 e 2008, estando a assinatura do contrato prevista
para meados de 2008 e o arranque das obras para meados de 2009277.
4. 2. 2. Os projectos futuros
O Ministério da Justiça, na continuação dos projectos acima referidos,
decidiu aplicar aos programas de construção ou ampliação de palácios da
justiça o contrato de parceria criado pela Ordonnance de Junho de 2004.
Neste sentido, estão a decorrer até Dezembro de 2007 processos de consulta
para a realização de um CP para a construção de um novo palácio da Justiça
(o Palácio da Justiça de Bourgoin-Jailleu) e a extensão e reestruturação do
Palácio da Justiça de Toulon.
276 Cf. Relatório de actividade da AMOTMJ de 2006. p. 36. In http://www.amotmj-justice.fr/IMG/pdf/RA_AMOTMJ_2006.pdf (Agosto de 2007). 277 Cf. Relatório de actividade da AMOTMJ de 2006. p. 48. In http://www.amotmj-justice.fr/IMG/pdf/RA_AMOTMJ_2006.pdf (Agosto de 2007).
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
273
A construção do Palácio da Justiça de Bourgoin-Jallieu278
Este projecto visa concentrar três tribunais (o Tribunal de Grande
Instância, o Tribunal de Instância e o Tribunal de Trabalho) num só edifício.
Trata-se de um projecto-piloto com recurso a uma parceria público-privada,
nos termos da Ordonnance de 17 de Junho de 2004, para realizar uma
operação denominada de “alta qualidade ambiental”. Este contrato terá a
duração de 25 a 30 anos e prevê que o financiamento, construção, gestão e
manutenção do futuro palácio da justiça, bem como a prestação de um
conjunto de serviços (serviço de vigilância, segurança, etc.) seja da
responsabilidade do parceiro privado.
Em 2006/2007, decorreram os estudos de programação e definição do
projecto. No final do ano de 2007, está previsto o lançamento do processo de
PPP.
A reestruturação do Palácio da Justiça de Toulon279
O segundo projecto-piloto a decorrer em simultâneo com o anterior,
também com recurso a uma PPP, nos termos da Ordonnance de 17 de Junho
de 2004, consiste na reestruturação de uma área de 5 500 m2, correspondente
ao actual palácio da justiça de Toulon, e na construção de uma área nova de
cerca de 6 000 m2 com o objectivo de concentrar dois tribunais judiciais (o
Tribunal de Grande Instancia e o Tribunal de Instância).
Em 2006, decorreram os estudos de programação e definição do
projecto, tendo sido finalizados em 2007. Igualmente no final deste ano, está
programado o lançamento do processo de PPP.
É de referir que estes dois projectos são considerados como duas
experiências-piloto, porque com elas se pretende avaliar os resultados da
delegação para o sector privado de um conjunto de serviços anteriormente da
278 In http://www.amotmj.justice.fr/article.php3?id_article=264 (Agosto de 2007). 279 In http://www.amotmj.justice.fr/article.php3?id_article=265 (Agosto de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
274
competência das instituições judiciárias, estando previsto confiar ao parceiro
privado o financiamento, a construção, a manutenção e gestão destes dois
futuros palácios da justiça, bem como um conjunto de serviços (vigilância,
segurança, etc.).
5. O balanço das parcerias público-privadas em França
Apesar do aumento gradual do recurso aos contratos de parceria,
regista-se, contudo, alguma reserva e levantam-se algumas questões na
utilização deste instrumento jurídico. A, ainda, recente entrada em vigor do
novo regime legal; a ambiguidade dos requisitos de urgência e complexidade
exigidos para os contratos de CP, o que pode constituir um factor potenciador
de processos contenciosos, envolvendo a responsabilidade dos organismos
locais e dos seus agentes; a complexidade dos projectos objecto de um
contrato de parceria; e o custo da fase de avaliação prévia, são vistos como
factores que limitam o recurso a este tipo de PPP.
No que se refere ao financiamento das PPPs, a Câmara de Comércio e
Indústria de Paris, num relatório elaborado em 23 de Novembro de 2006,
chama a atenção para a necessidade de salvaguardar a transparência
financeira deste tipo de contrato. Apesar das PPPs permitirem a priori uma
diminuição do custo das infra-estruturas, reflectindo-se positivamente no erário
público, existe, todavia, um custo indirecto para os contribuintes. Enquanto as
entidades públicas contraem empréstimos à taxa de juro mais baixa do
mercado, as empresas privadas estão sujeitas a taxas mais elevadas. Esta
diferença, bem como a margem de lucro das empresas, terão repercussões no
pagamento das rendas pela administração. Ora, este acréscimo financeiro não
é considerado um custo directo, e nem é do conhecimento público, pondo
deste modo em causa o princípio da transparência das contas públicas. A
A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental
275
Câmara de Comércio e Indústria de Paris aconselha, ainda, que as
recomendações do Eurostat sejam postas em prática280.
Na opinião do Director-Geral da AMOTMJ, as PPPs apresentam, na
prática, alguns problemas e questões que é importante resolver.
No que diz respeito à fase de discussão dos projectos, identifica dois
tipos de problemas. Por um lado, as dificuldades e longa duração desta fase
provoca perdas de tempo e custos que poderiam ser evitados se fosse
preparada, avaliada e conduzida de uma forma mais eficaz, eliminando-se de
forma mais rápida as propostas sem interesse. Por outro, quando a entidade
pública elabora um caderno de encargos sem uma matriz de repartição dos
riscos, a discussão acerca da sua repartição entre parceiros privados e público
torna-se complexa porque, quando são apresentadas diferentes matrizes, por
vários candidatos, a entidade pública tem grandes dificuldades em analisar e
decidir qual a melhor proposta.
Considera, ainda, que, tratando-se de um contrato de longa duração, tem
que ter em conta a evolução das necessidades ao longo desse tempo, sendo
que, na área das prisões e do judiciário, os objectivos definidos em cada
legislatura sofrem, em regra, alterações com consequências sobre as
respectivas infra-estruturas e seu funcionamento (Cléret. 2007).
Contudo, para o Director-Geral da AMOTMJ, apesar de não ser ainda
possível uma avaliação total acerca do sucesso ou insucesso das actuais
PPPs na área da justiça por estarem ainda numa fase inicial, “é possível
afirmar, que nesta fase, o balanço parcial que pode ser apresentado confirma
e ultrapassa as expectativas e previsões” (Cléret. 2007). Na sua opinião, as
PPPs têm, à partida, um sucesso garantido, pelos elementos inovadores que
as constituem, obrigando, designadamente, à análise de diferentes hipóteses
de repartição dos riscos e das suas consequências económicas.
280 Cf. Relatório da Câmara de Comércio e da Indústria de Paris de 23 de Novembro de 2006. “Promouvoir le développement des partenariats public-privé – Propositions de la CCIP” (p.19-20). In http://www.etudes.ccip.fr/archrap/pdf06/partenariat-public-prive-kre0611.pdf (Agosto de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
276
Para além disso, os contratos de parcerias ao abrigo da Ordonnance de
17 de Junho de 2004 não apresentam as mesmas limitações que os contratos
de autorização de ocupação temporária do domínio público e do contrato com
opção de compra (AOT-LOA) resultantes da Lei de Orientação e de
Programação para a Segurança Interna (LOPSI), uma vez que têm um objecto
mais alargado, possibilitando a incorporação de serviços praticados
directamente por terceiros privados. Por exemplo, no âmbito do sistema
prisional, os CP abrangem, também, serviços de restauração, lavandaria,
formação, trabalho, etc.281.
281 In http://www.amotmj.justice.fr/article.php3?id_article=237 (Agosto de 2007).
A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas
277
A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas
A Bélgica é um Estado federal composto por três regiões (a região flamenga, a região de
Bruxelas e a região de Valona). O regime legal das PPPs é tributário daquela divisão administrativa,
quer no que respeita ao enquadramento legal, quer à definição de prioridades de cada região.
No direito “federal” belga não existe nenhum diploma legal que especialmente enquadre os
contratos de PPP. Sempre que uma entidade pública pretenda celebrar um contrato que envolva
uma cooperação entre o Estado ou uma entidade pública e uma entidade privada, deverá recorrer a
uma destas três figuras jurídicas: mercado público (marché public), concessão de obras públicas
(concession de travaux publics) ou convenção sui generis (convention sui generis). Estas figuras
jurídicas têm-se revelando, contudo, insuficientes para dar resposta aos contratos de PPP, tendo
surgido, na prática, algumas dificuldades de ordem normativa, nomeadamente quanto à constituição
de direitos reais sobre os bens do domínio público, objecto de uma PPP. As soluções normativas
para superar essas dificuldades estão a ser desenvolvidas pelas próprias regiões belgas, tendo a
região flamenga publicado legislação específica em matéria de PPP (o Decreto flamengo de 18 de
Julho de 2003). O objectivo central deste diploma é o de incentivar a utilização de PPPs. Para tal, é
alargada a possibilidade da sua utilização a vários sectores públicos, nomeadamente ao sector
ambiental, ensino, renovação urbana ou cultural, não circunscrevendo o objecto dos contratos
apenas à área da construção de infra-estruturas e alargando as possibilidades de associação dos
parceiros público e privado.
Além de um novo enquadramento legal, aquele diploma criou uma estrutura de apoio: o
Centro de Conhecimento flamengo de PPP. Justifica-se a criação desta estrutura por se considerar
tratar-se de uma matéria complexa, que requer a criação de uma entidade especializada para
coordenar e tornar coerente a política a desenvolver em matéria de PPP. Constituem principais
competências deste órgão, a preparação e avaliação das políticas de PPPs, a coordenação e o
parecer final de projectos de PPP e o auxílio à negociação e execução do contrato.
As áreas de intervenção das PPPs belgas variam em função da sua divisão administrativa. A
nível federal, o Governo não dispõe de um programa específico de PPPs. Regista-se, contudo, o
recurso sectorial a contratos de PPP, como é o caso de um projecto relativo a redes ferroviárias.
A nível das regiões belgas, a região flamenga tem sido a região que mais recorre a PPPs,
quer para prestação de serviços públicos, quer para a construção de infra-estruturas (aeroporto de
Antuérpia, alojamentos sociais, estradas, águas, etc.). A região Valona também tem recorrido a este
instrumento, principalmente, em obras de revitalização urbana. E há referências no sentido da sua
intensificação.
Na área da justiça, o recurso a PPPs é ainda muito residual e, do nosso conhecimento,
encontra-se em fase de discussão. Na região flamenga foi construído, com recurso a uma parceria
pública-privada, um Palácio da Justiça.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
278
A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas
279
Introdução
Na Bélgica, são apontadas três causas principais para a emergência das
PPPs como instrumento de investimento no sector público, idênticas às que
podemos encontrar em outros países. Em primeiro lugar, a dificuldade das
entidades públicas disporem de meios financeiros suficientes para se
envolverem em projectos de grande dimensão e que exigem recursos
avultados, associada às limitações orçamentais impostas pelo Pacto de
Estabilidade e Crescimento da União Europeia. Em segundo lugar, a
possibilidade de aproveitamento do know-how do sector privado,
nomeadamente no que se refere às questões mais complexas. E, em terceiro
lugar, o declínio do Estado-Providência, cujo actual papel se considera mais
vocacionado para a regulação e controlo do mercado282.
1. Enquadramento legal dos contratos de parceria público-privadas
A Bélgica é um Estado federal composto por três regiões (a região
flamenga, a região de Bruxelas e a região de Valona). Estas regiões estão, por
sua vez, divididas em províncias (provinces) e estas em comunidades
(communes). De acordo com a Constituição belga, estas várias entidades
administrativas têm competências próprias, incluindo legislativas.
O regime legal das PPPs é tributário daquela divisão administrativa, quer
no que respeita ao enquadramento legal, quer à definição de prioridades de
cada região. De acordo com a Constituição belga, o Estado federal tem a
responsabilidade de um conjunto de sectores (infra-estruturas nos caminhos-
de-ferro, justiça, aeroporto internacional de Bruxelas e defesa). As regiões e
as comunidades têm competências no âmbito do sector dos transportes (à
excepção do caminho-de-ferro), energia, águas, habitação social e infra-
estruturas.
282 Cf. Philippe, Denis & Nihoul, Pierre (Dir). 2006. “Les contrats de partenariat entre le secteur public et le secteur privé en Belgique. Aperçu de droit français ». Mai 2006. In http://www.philippe-law.com/Upload/File/Contrats_partenariats.pdf (Outubro de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
280
No direito “federal” belga, não existe nenhuma legislação
especificamente dirigida aos contratos de parceria público-privada sobre PPP
e a expressão PPP não tem uma definição legal283. Sempre que uma entidade
pública pretenda celebrar um contrato que envolva uma cooperação entre o
Estado ou uma entidade pública e uma entidade privada, deverá recorrer a
uma destas três figuras jurídicas: mercado público (marché public), concessão
de obras públicas (concession de travaux publics) ou convenção sui generis
(convention sui generis).
É de referir que, apesar de existir o princípio da livre repartição de
responsabilidades entre os parceiros de uma PPP, essa repartição deve
sempre seguir as seguintes três orientações: não violar legislação específica
sobre a matéria, devendo o objecto da PPP ser analisado caso a caso;
assegurar a conformidade do projecto às normas do Eurostat; e não exceder
nem ficar aquém das suas competências na área.
Os mercados públicos (marchés publics), regulados pela Lei de 24
Dezembro de 1993, são contratos que têm por objecto a realização de obras,
a prestação de serviços ou a entrega de bens mediante o pagamento de um
determinado preço.
As concessões de obras públicas, por seu lado, são contratos pelos
quais se atribui a um parceiro denominado concessionário o direito de explorar
mediante o pagamento de um preço, os serviços ou a obra que este se
compromete a executar.
A execução de uma PPP também pode ser levada a cabo através do que
se chama uma convenção sui generis. Esta figura exige, contudo, o
cumprimento dos princípios gerais do direito, em especial do direito
administrativo, e o respeito pelos princípios gerais do Tratado de Roma,
283 Como mais adiante se verá, apenas a ordem normativa da região flamenga apresenta alguma especificidade nesta matéria.
A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas
281
designadamente, dos princípios da transparência, publicidade, livre
concorrência, proporcionalidade, e escolha objectiva do parceiro284.
Apesar da previsão legal destas três figuras consideradas, como formas
de PPP, têm surgido, na prática, algumas dificuldades de ordem normativa,
nomeadamente, quanto à constituição de direitos reais sobre os bens do
domínio público, objecto da PPP. As soluções para superar essas dificuldades
têm sido criadas pelas próprias regiões belgas.
A Região Flamenga criou uma regulamentação específica em matéria de
PPP, com a publicação do Decreto flamengo de 18 de Julho de 2003, cujo
âmbito de aplicação é limitado à região flamenga. O objectivo central daquele
diploma é o de incentivar a utilização de PPPs. Para tal é alargada a
possibilidade da sua utilização a vários sectores públicos, nomeadamente ao
sector ambiental, ensino, renovação urbana ou cultural, não circunscrevendo a
aplicação dos contratos apenas à área da construção de infra-estruturas.
Nos termos deste Decreto, define-se como PPP um projecto realizado,
em conjunto, por entidades de direito público e de direito privado, num quadro
de uma parceria com vista a obter um valor acrescido para ambas as partes
(artigo 2.º). De acordo com esta definição, a PPP deve pressupor um projecto
concreto, que crie uma relação de longa duração entre os diferentes parceiros,
levando à união de diferentes interesses envolvidos. O valor acrescido
subjacente à parceria pode ser de carácter financeiro, social, ou operacional
(por exemplo, tornar a realização do projecto eficaz e menos complexa).
Este Decreto distingue dois tipos de PPPs: as PPPs que envolvem toda
a comunidade flamenga e as PPPs locais, com regimes jurídicos
diferenciados.
As PPPs “flamengas” são “projectos de PPPs da Comunidade flamenga,
da Região flamenga, das entidades internas autónomas com personalidade
jurídica e das entidades externas autónomas de direito público e de direito
privado, reconhecidos, através de parecer do Centro Flamengo de
284 Idem, p. 63-67.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
282
Conhecimento PPP, pelo Governo flamengo como projectos PPP flamengos”
(artigo 2.º). Assim, este tipo de PPP só é considerado uma PPP flamenga
quando for formalmente reconhecida pelo Governo flamengo, após a
elaboração de um parecer de um órgão especializado na matéria: o Centro
Flamengo de Conhecimento PPP (Centre de Conaissance flamand PPP /
Vlaams Kenniscentrum PPS).
Por seu lado, as PPPs locais são “projectos PPP das administrações
locais e das entidades públicas com competência para realizar esse tipo de
PPPs” (artigo 2.º). Não se exige qualquer reconhecimento formal por parte de
uma autoridade pública que não sejam as autoridades locais respectivas.
Esta regulamentação legal veio, também, trazer algumas inovações de
natureza legal. Assim, veio permitir a venda de bens imóveis pertencentes ao
domínio privado da Região flamenga e a constituição de direitos reais sobre
eles (artigo 8.º); autorizar a constituição de direitos reais sobre bens imóveis
do domínio público da região flamenga, sob a condição de que estes direitos
não sejam incompatíveis com o destino dos bens (artigo 10.º); possibilitar a
edificação de certas construções ou instalações nas auto-estradas pelo
parecer privado, desde que essa(s) obra(s) não ponha(m) em causa a
funcionalidade da respectiva auto-estrada (artigo 12.º); e permitir ao Governo
flamengo criar estabelecimentos, associações e empresas de direito privado,
ou permitir a sua participação nestas entidades, desde que não ocorra uma
transferência de competências, nem daí resulte um acréscimo de despesa
pública para o Governo (artigo 13.º). Estas inovações também se aplicam às
administrações locais.
No que se refere à Região Valona e à Região de Bruxelas, não existe em
nenhuma dessas regiões legislação específica aplicável às PPPs. É, contudo,
de referir que o Conselho Económico e Social da Região Valona num parecer
emitido em Abril de 2006 propôs a criação de uma unidade dedicada e dirigida
para as PPPs com o objectivo de iniciar uma política racional e estrutural
A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas
283
nesta matéria. Do nosso conhecimento, este projecto ainda não foi
concretizado285.
2. A estrutura de apoio de parceria público-privada na região flamenga:
o Centro de Conhecimento flamengo de PPP
Como já foi acima referido, a única regulamentação específica na Bélgica
em matéria de PPP é um Decreto de 18 de Julho de 2003, aplicável à região
flamenga. Este Decreto, além de estabelecer o regime jurídico das PPPs para
esta região, veio, também, criar uma estrutura de apoio: o Centro de
Conhecimento flamengo de PPP. O legislador flamengo considerou que se
trata de uma matéria complexa, que justificava a criação de uma entidade
especializada para coordenar e tornar coerente a política a desenvolver na
área das PPPs: o Centro de Conhecimento flamengo de PPP.
Este órgão tem três missões principais: preparar e avaliar as políticas
relativas a projectos de PPP flamengos, controlar e proferir o parecer final
sobre todos os projectos e actuar como mediador entre a entidade pública e o
parceiro privado envolvidos numa PPP (artigo 4.º do Decreto de 18 de Julho
de 2003). Este Centro pode, ainda, fornecer à administração local belga a
informação sobre esta matéria, desempenhando, também, funções de
consultoria.
3. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas
3. 1. As parcerias público-privadas nos diferentes sectores
Como já foi referido, as áreas de intervenção das PPPs belgas variam
em função da sua divisão administrativa.
285 Cf. Philippe, Denis & Nihoul, Pierre (Dir). 2006. “Les contrats de partenariat entre le secteur public et le secteur privé en Belgique. Aperçu de droit français ». Mai 2006. p. 72-81. In http://www.philippe-law.com/Upload/File/Contrats_partenariats.pdf (Outubro de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
284
A nível federal, o Governo não dispõe de um programa específico de
PPPs. Contudo, além do processo de privatização de alguns serviços
públicos, como a Companhia do Aeroporto Internacional de Bruxelas (2004) e
os Correios Belgas (2005) e de contratos de intervenção do sector privado,
designadamente contratos de leasing de edifícios governamentais, regista-se
o recurso sectorial a contratos de PPP, como é o caso do Projecto ‘Diabolo’
para a construção de uma linha-férrea de ligação entre o aeroporto
internacional de Bruxelas a uma rede ferroviária de alta velocidade. A duração
desta PPP é de 35 anos e o seu custo ronda os 280 milhões de euros,
estando previsto o prazo final de construção para Dezembro de 2010.
Estão também em vias de concretização, mas ainda em discussão,
projectos relativos ao desenvolvimento da infra-estrutura ferroviária nos portos
de Antuérpia e de Zeebrugge, bem como o melhoramento da ligação
ferroviária entre Bruxelas e o Luxemburgo.
A nível das regiões, como já referimos, a região flamenga tem sido a
região que mais recorre a PPPs, quer para prestação de serviços públicos,
quer para a construção de infra-estruturas. Assim, em 2002, esta região
recorreu a uma PPP para o aumento da pista de aterragem do aeroporto de
Antuérpia, bem como para a ampliação das suas instalações. Em Maio de
2003, foi também decidida a construção e manutenção através de uma PPP
de 600 alojamentos sociais. O parceiro privado obrigava-se a construir e a
fazer a manutenção desses alojamentos durante um período de 27 anos.
Além destes dois projectos de PPPs, existe ainda um ambicioso projecto
de PPP denominado “MasterPlan for Mobility”, cujo objecto é a construção de
uma grande infra-estrutura de tráfego que englobará estradas, águas e infra-
estruturas públicas de transporte. O valor deste projecto ronda os 3,5 biliões
de euros. No conjunto de infra-estruturas previstas, consta a concepção,
construção, financiamento, operacionalidade e manutenção de um túnel
debaixo do rio Scheldt. Por último, foi também recentemente anunciado pelo
Ministro da Educação flamengo um projecto de PPP para a construção e
A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas
285
renovação das escolas dessa região, rodando um investimento de 1,1 bilião
de euros286.
No que se refere à Região Valona, apesar de não existir enquadramento
legal específico para as PPPs, esta região também tem recorrido a este
instrumento, principalmente, em obras de revitalização urbana. Assim, são de
mencionar vários projectos no âmbito da habitação social e da construção de
estradas287.
A partir de Abril de 2006, a área de aplicação das PPPs foi alargada,
designadamente, à construção de edifícios escolares, infra-estruturas
hospitalares, infra-estruturas desportivas, infra-estruturas de transporte e de
aparcamento, infra-estruturas ambientais, infra-estruturas portuárias e restauro
do património.
De acordo com um parecer do Conselho Económico e Social da Região
Valona (CESRW), de 24 de Abril de 2006, o sucesso de uma PPP depende,
essencialmente, da verificação dos seguintes factores:
- o projecto tem de ser considerado de qualidade e tecnicamente
concretizável;
- o recurso a mecanismos de PPPs por parte dos poderes públicos não
deve basear-se apenas em razões de natureza orçamental, mesmo quando
estejam preenchidas as condições impostas pelo Eurostat quanto à partilha
dos riscos, levando a que este tipo de investimentos públicos não conste da
contabilidade pública;
- verificação de uma verdadeira partilha dos riscos entre o parceiro
público e o parceiro privado com base em dois princípios: o risco deve ser
suportado pelo parceiro com melhor capacidade para o gerir; e o risco a
assumir teoricamente pelo parceiro privado deve ser um risco real;
286 Cf. Deringer, Freshfields Bruckaus. 2005. “PPP in Europe: an overview”. December 2005. p. 6-8. In http://www.freshfields.com/publications/pdfs/2005/13655.pdf (Outubro de 2007). 287 Cf. Deringer, Freshfields Bruckaus. 2005. “PPP in Europe: an overview”. December 2005. p. 8. In http://www.freshfields.com/publications/pdfs/2005/13655.pdf (Outubro de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
286
- as entidades públicas devem definir o projecto com precisão, bem como
o papel a desempenhar pelos parceiros privados (pré-financiamento,
realização de obras e/ou prestação de serviços, a construção, manutenção,
etc.) e deve existir uma verdadeira concorrência;
- a complexidade e os custos do projecto (preparação, controlo, etc.) não
devem ser menosprezados pelas entidades públicas; e
- a opinião das entidades financiadoras deve ser tida em consideração,
se possível desde a negociação do contrato288.
Como já referimos, na região de Bruxelas também não existe nenhuma
legislação específica referente às PPPs, nem estava previsto até 2006
nenhum programa específico baseado neste instrumento. É, contudo, de
referir que, em 2001, foi assinado um contrato de concessão para a
concepção, construção, financiamento e operacionalidade de uma estação de
tratamento de águas. Este projecto ronda os 250 milhões de euros e o prazo
de concessão é de 20 anos, sendo posteriormente transferido para o governo
desta região289.
Contudo o recurso às PPPs parece-nos ter um bom acolhimento por
parte do Governo Regional, como resulta do plano regional de
desenvolvimento recentemente adoptado por esta região, onde
expressamente se refere que “afim de acelerar o processo de revitalização
iniciado nestes últimos anos, a Região [de Bruxelas] e o sector privado devem
desenvolver uma verdadeira cultura de parceria, baseada em objectivos claros
e estáveis. Os projectos de investimento com alguma dimensão, submetidos
pelo sector privado, devem beneficiar de um acompanhamento específico de
qualidade. Esta cultura de parceria deve atender aos constrangimentos de
288 Cf. Avis A. 812. Adoptado pelo Gabinete do CESRW a 24 de Abril de 2006. “Sur les partenariats public-privé”. In http://www.cesrw.be/pics/2006425111245xIU.pdf (Outubro de 2007). 289 Cf. Deringer, Freshfields Bruckaus. 2005. “PPP in Europe: an overview”. December 2005. p. 8. In http://www.freshfields.com/publications/pdfs/2005/13655.pdf (Outubro de 2007).
A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas
287
rentabilidade do sector privado, e simultaneamente, levar este sector a
encontrar os objectivos de interesse geral definidos pelos poderes públicos”290.
3. 2. As parcerias público privadas no sector da justiça
Como já foi acima referida, o recurso a PPPs na área da justiça é ainda
muito residual na Bélgica.
É do nosso conhecimento apenas um projecto. Na região flamenga, foi
construído um novo palácio de justiça em Gand com recurso a uma PPP. As
obras foram concluídas em Junho de 2007 e o seu custo ronda os 140 milhões
de euros, sendo pago uma renda de 8,17 milhões de euros por ano a um
parceiro financeiro (KBC Bank) durante 27 anos. No final desse prazo, é dado
ao organismo público (Régie des Bâtiments) a opção de compra do edifício291.
4. O balanço das parcerias público-privadas
A emergência das parcerias público-privadas no país de forma localizada
é uma das razões que determina a escassez de avaliação sobre esta matéria.
Para o Conselho Económico e Social da Região Valona, no parecer
acima referido de Abril de 2006, as PPPs são consideradas uma “forma
interessante de aumentar o volume de trabalhos públicos e permitir às
autoridades públicas que não dispõem de grandes margens orçamentais, de
financiar novas construções, em especial, para responder às crescentes
necessidades sociais na área dos equipamentos colectivos (alojamento,
estradas, edifícios escolares, centros desportivos, infra-estruturas ambientais
e de transporte, etc.)”. Considera-se, também, que toda a PPP deve gerar um
290 Cf. Moniteur Belge, 15 de Outubro de 2002, sp, p. 46.942. In Flamme, Philippe. 2005. «Quel est l’état des lieux des partenariats public-privé en Belgique?» Bureau d’Etudes Flamme S.P.R.L. In http://www.flamme.be/site/fr/actualite/partenariatspublicprive (Outubro de 2007).
291 In http://www.buildingsagency.be/realisatieberichten_fr.cfm?key=62 e http://www.building sagency.be/persberichten_fr.cfm?key=189 (Outubro de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
288
ganho global para a colectividade que a ela recorre, tornando-se uma
vantagem relativamente a um investimento público clássico, quer a nível da
rapidez de realização do projecto, quer do custo global do investimento292.
Também de acordo com um parecer de Philippe Flamme, um académico
da Universidade Livre de Bruxelas, a figura jurídica da PPP apresenta um
conjunto de vantagens comparativas relativamente a outras figuras contratuais
tradicionais como os mercados públicos e as delegações de serviço público
em França. Salienta as seguintes: duração da relação de parceria; existência
de objectivos comuns; carácter global do contrato, uma vez que o seu objecto
não está apenas limitado à construção de infra-estruturas, mas também pode
abranger a gestão dos serviços públicos; criatividade e inovação; o facto de o
custo suplementar poder ser compensado pela experiência do parceiro
privado, pela qualidade dos seus serviços e, sobretudo, pela celeridade da
realização do projecto; a importância da intervenção do parceiro privado na
concepção e execução do projecto, cabendo ao parceiro público a definição
das necessidades e dos objectivos, bem como o seu controlo; o facto de o
financiamento, mesmo se parcial, poder provir do parceiro privado; e a
existência de uma partilha, mesmo se desigual, dos riscos, das
responsabilidades e das vantagens contratuais293.
292 Cf. Avis A. 812. Adoptado pelo Gabinete do CESRW a 24 de Abril de 2006. “Sur les partenariats public-privé”. In http://www.cesrw.be/pics/2006425111245xIU.pdf (Outubro de 2007): 293 Cf. Flamme, Philippe. 2005. « Quel est l’état des lieux des partenariats public-privé en Belgique ? » Bureau d’Etudes Flamme S.P.R.L. In http://www.flamme.be/site/fr/actualite/parten ariatspublicprive (Outubro de 2007).
A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas
289
A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-
privadas
A Espanha é considerada um dos países europeus com maior activismo na área das PPPs.
O recurso a esta forma de contratação tem acompanhado o esforço do país na construção de infra-
estruturas, designadamente redes viárias e ferroviárias.
O regime legal dos contratos de PPPs é tributário da organização administrativa do Estado
espanhol. A nível central, o regime legal aplicável é o da Lei dos contratos das administrações
públicas. A Lei 13/2003 veio alterar e complementar aquele regime jurídico, criando uma nova figura
jurídica: o contrato de concessão de obras públicas, e novas regras que atendam aos critérios do
Eurostat, evitando o impacto das PPPs na dívida pública. Em fase de preparação está uma nova
regulamentação, especialmente dirigida aos contratos de PPP.
A nível das regiões autónomas, algumas Comunidades têm legislação específica que rege a
contratação pública no âmbito das suas competências, onde se incluem os contratos de parceria
público-privada, em complemento das normas de aplicação nacional.
Não existe nenhum organismo, a nível nacional, com competência específica para o apoio e
controlo dos contratos de PPPs. As entidades públicas responsáveis pela celebração de PPPs
desempenham essas funções. Merece, no entanto, referência a criação de uma agência pública
para promover as PPPs no sector das estradas e dos caminhos-de-ferro.
A supervisão de natureza financeira das PPPs está a cargo de um grupo de trabalho
constituído por peritos, que inclui profissionais do Banco Central de Espanha e do Tribunal de
Contas. Merece, ainda, referência a criação de uma associação privada, denominada ForoPPP para
a promoção e desenvolvimento de parcerias público-privadas nas várias regiões espanholas.
A nível das regiões autónomas, a entidade pública responsável pela celebração de um
contrato de PPP, desempenha também funções de controlo e da execução do contrato.
As áreas de intervenção das PPPs são muito diversas. A primeira e principal área de
intervenção é o sector dos transportes e comunicações que, desde a década de 90, tem visto
crescer o número de projectos de PPP. Mais, recentemente, a utilização de PPPs tem sido alargada
a outras áreas, em especial, à área da saúde (hospitais) e na construção de aeroportos. A área da
justiça só muito recentemente foi considerada como uma potencial área para a utilização deste
mecanismo contratual, em parte em resultado das alterações legais de 2003. A construção de uma
prisão na Comunidade da Catalunha está a ser feita com recurso a uma PPP.
Ainda na área da justiça, salientam-se dois grandes projectos, em execução, com recurso ao
investimento privado: os projectos relativos à construção do Campus da Justiça de Madrid e da
Cidade Judiciária de Valência. Refira-se que para a concretização daquele primeiro projecto foi
criada a empresa pública, Sociedad Campus de la Justitia de Madrid, S.A, e o investimento estima-
se em cerca de 516 milhões de euros.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
290
A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas
291
Introdução
A proximidade geográfica do nosso país e a frequente referência à
construção do Campus da Justiça de Madrid e da Cidade Judiciária de
Valência com a intervenção de investimento privado justificava que se
incluísse alguma análise sobre o recurso às parcerias público-privadas em
Espanha.
Diga-se, desde já, que apesar de pesquisa exaustiva, não foi possível
conhecer em concreto o modelo de contratualização utilizado para a
construção daquelas infra-estruturas judiciais. Para a execução daquele
projecto, foi criada a empresa pública denominada Sociedad Campus de la
Justicia de Madrid, S.A., propriedade da Comunidade de Madrid, rondando o
seu investimento cerca de 516 milhões de euros. De acordo com informações
recolhidas, uma parte do financiamento necessário para a construção destas
infra-estruturas será obtida através da venda de edifícios judiciais da
propriedade da Comunidade de Madrid, que neste momento albergam
edifícios judiciais, que serão entregues à Sociedade Campus de la Justicia de
Madrid para a sua alienação.
O recurso a PPPs tem, contudo, vindo a ser intensificado,
acompanhando o esforço do país na construção de infra-estruturas,
designadamente, redes viárias, ferroviárias e portos.
1. O enquadramento legal das parcerias público-privadas
O regime legal dos contratos de PPPs varia em função da organização
administrativa existente em Espanha.
A nível central, o regime legal aplicável às PPPs é o da Lei dos contratos
das administrações públicas (Decreto Real Legislativo 2/2000, de 16 de
Junho), que veio a ser regulamentado pelo Decreto Real 1098/2001, de 12 de
Outubro. Posteriormente, a Lei 13/2003, de 23 de Maio, veio alterar e
complementar o regime jurídico dos contratos das administrações públicas,
criando uma nova figura jurídica: o contrato de concessão de obras públicas,
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
292
no âmbito dos contratos das administrações públicas, introduzindo uma
regulamentação especial para essa nova figura com a introdução de um novo
Título (Título V) na Lei 2/2000, de 16 de Junho. Esta inovação legal teve por
objectivo reunir o conjunto de disposições legais fragmentárias então
existentes sobre o regime jurídico da concessão, de forma a criar um marco
legal comum para todas as administrações (central e autónomas); incorporar
de forma coerente diferentes mecanismos de financiamento de equipamentos
públicos; e implementar, em Espanha, algumas regras da União Europeia
sobre esta modalidade contratual, designadamente, as definidas pelo
Eurostat.
É de mencionar que está em fase de preparação uma nova Lei dos
Contratos das Administrações Públicas, a qual pretende incluir normas
específicas e inovadoras relativamente aos contratos de PPPs,
designadamente, em matéria de transferência do risco, de mecanismos de
financiamento, da avaliação prévia de value for money ou de um mínimo de
standard type of provisions exigíveis para a celebração desse tipo de contrato.
O tipo de PPP mais utilizada em Espanha é a denominada concessão de
obras públicas. Através deste contrato, a entidade concessionária
compromete-se a realizar a construção ou exploração de uma determinada
obra em troca de um pagamento (participação nos lucros da exploração e/ou
outro tipo de pagamento).
A entidade concessionária fica responsável pelo risco da construção e
pelo risco da procura e deve obter o seu próprio financiamento. No caso de
ocorrerem circunstâncias de força maior ou por acção da Administração
Pública que venham prejudicar a estabilidade económica da concessão, a
Administração Pública tem a obrigação de proceder ao seu reequilíbrio
económico. Para tal, pode aumentar o prazo da concessão ou o preço a pagar
à entidade privada inicialmente estipulado no contrato.
A concessão é compatível, quer com a forma de pagamento denominada
shadow toll financing structures, quer com o pagamento efectuado por parte
do utilizador final.
A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas
293
De acordo com um parecer do Parlamento Europeu, publicado num
estudo de Fevereiro de 2006294, em Espanha, a expansão e o maior acesso
aos mercados de capitais internacionais em matéria de PPPs ficou a dever-se,
sobretudo, às inovações da Lei 13/2003, de 23 de Maio, relativamente à figura
das concessões de obras públicas, em especial no que se refere às fontes de
financiamento e à flexibilidade do processo de licitação e à clarificação de
alguns problemas de interpretação.
A nível autonómico, algumas Comunidades têm legislação específica
que rege toda a contratação pública por elas efectuada no âmbito das suas
competências, em complemento das normas de aplicação nacional. Apesar
das comunidades autónomas e das entidades locais terem uma autonomia
administrativa em matéria de implementação de projectos no âmbito das PPPs
na sua área territorial, qualquer projecto que se estenda fora desse limite
territorial é sempre da competência do Governo central.
O regime legal do contrato de concessão de obras públicas
A Lei dos Contratos das Administrações Públicas, com as alterações
introduzidas pela Lei 13/2003, de 23 de Maio, define o regime legal do
contrato de concessão de obras públicas. De acordo com esta Lei, trata-se de
um contrato pelo o qual “a Administração Pública ou uma entidade de direito
público autoriza, durante um determinado prazo, a construção e exploração,
ou apenas a exploração, de obras previstas no artigo 120.º295 ou, em geral, de
aquelas que sendo susceptíveis de exploração, sejam necessárias para a
prestação de serviços públicos de natureza económica ou para o
294 Cf. European Parliament. 2006. “Public-private partnerships national experiences in the European Union 10.02.06”, in http://www.europarl.europa.eu/comparl/imco/studies/0602_ppp0 2_briefingnote_en.pdf (Julho de 2007). 295 As obras previstas no artigo 120.º são as seguintes: “(…) construção de estradas, caminhos de ferro, portos, canais, barragens, edifícios, fortificações, aeroportos, bases navais, defesa do litoral e sinalização marítima, monumentos, instalações várias, bem como qualquer outra análogo de engenharia civil; realização de obras que modifiquem a forma ou substância do terreno ou do subsolo; e melhoramento, reparação, conservação ou demolição dos mesmos”.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
294
desenvolvimento de actividades ou de serviços económicos de interesse geral,
sendo reconhecido ao concessionário o direito de receber uma remuneração
baseada na exploração da própria obra acompanhada do pagamento de uma
determinada retribuição” (artigo 220.º).
Uma das inovações mais importantes que esta nova Lei trouxe foi a
introdução do princípio do equilíbrio económico da concessão (artigo 248.º).
Este princípio tem relevância, sobretudo, para a ponderação da distribuição do
risco num contrato de concessão. Considerava-se que a anterior
regulamentação legal era sempre mais favorável para o concessionário, uma
vez que ocorriam, com frequência, situações em que, apesar da
responsabilidade em matéria do risco caber ao concessionário, este conseguia
desresponsabilizar-se da mesma. Para evitar essas situações e para que a
concessão mantenha a sua natureza e finalidade, a actual Lei estabelece que,
quando se verificam determinadas situações legalmente previstas296, deve ser
possível determinar efectivamente os riscos e benefícios da entidade
concessionária, de acordo com o referido equilíbrio económico contratual, nos
termos do qual deve ser respeitado o que foi contratualmente estabelecido
entre a Administração Pública e essa entidade concessionária.
A Lei também estabelece, expressamente, um conjunto de direitos e
obrigações do concessionário. Assim, em matéria de direitos, estabelece,
designadamente, o direito de o concessionário explorar a obra pública e
receber uma remuneração económica; o direito de manter o equilíbrio
económico da concessão nos termos legais; o direito de utilizar os bens do
domínio público da Administração concedente necessários para a construção,
modificação, conservação e exploração da obra pública; o direito de transmitir
296 De acordo com o artigo 248.º, n.º 1, da Lei 13/2003, “o contrato de concessão de obras públicas deverá manter o seu equilíbrio económico nos termos estabelecidos para a sua adjudicação, tendo em conta o interesse geral e o interesse do concessionário, de acordo com o estabelecido no n.º 2 deste artigo”. O n.º 2 deste artigo determina que “a Administração deverá restabelecer o equilíbrio económico do contrato em benefício da parte a que corresponde, de acordo com os seguintes pressupostos: a) quando a Administração modifique, por razões de interesse público, as condições de exploração da obra; b) quando causas de força maior ou actuações da Administração determinaram, de forma directa a ruptura substancial da economia da concessão; c) quando se verifiquem as situações previstas no próprio contrato para a sua revisão”.
A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas
295
e de constituir hipotecas sobre esta; e o direito de titularizar os seus direitos de
crédito (artigo 242.º). No que se refere às obrigações, estipula,
nomeadamente, o dever de executar a obra de acordo com os termos
previstos no respectivo contrato; o dever de gerir a obra pública, assumindo o
risco económico da sua gestão ao longo do contrato; o dever de conservação
e de manutenção da obra; o dever de indemnizar terceiros por danos
causados pela execução das obras ou pela sua exploração, quando estes lhe
sejam imputáveis; e, o dever de proteger e preservar os valores ecológicos e
ambientais do domínio público ligados à concessão (artigo 243.º).
No que diz respeito aos direitos da Administração, é de destacar o direito
de interpretar os contratos e de esclarecer as dúvidas que se levantem; o
direito de impor ao concessionário as penalizações do incumprimento das
obrigações deste; e o direito de controlar o cumprimento das obrigações do
concessionário, podendo inspeccionar o serviço prestado, as obras, as
instalações e os locais, bem como a documentação relacionados com o
objecto da concessão (artigo 249.º).
Relativamente ao prazo das concessões, a lei estabelece para as
concessões de construção e exploração de obras públicas um prazo máximo
de quarenta anos e, para as concessões cujo objecto seja apenas a
exploração, um prazo mínimo de quinze anos e um máximo de vinte. Estes
prazos máximos poderão, todavia, ser prorrogados até aos sessenta anos e
até aos vinte e cinco anos, respectivamente, quando for necessário
restabelecer o equilíbrio económico do contrato ou, excepcionalmente, para
cumprimento dos direitos dos credores (artigo 263.º).
2. As estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de
parceria público-privada
Em Espanha, não existe, a nível nacional, nenhum organismo com
competência específica para o apoio, fiscalização e controlo dos contratos de
PPPs. As entidades públicas responsáveis pela celebração de PPPs
desempenham, igualmente, funções de apoio e de controlo.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
296
A nível central, a entidade pública, em geral, responsável é o Ministro ou
o respectivo Secretário de Estado do Ministério contratante. Para a aprovação
de determinados contratos, em especial quando o seu montante excede um
determinado valor, é sempre necessário uma autorização por parte do
Governo Central. É de referir que foi recentemente criada uma agência pública
– a Sociedade Estadual de Infra-estruturas do Transporte Terrestre (Sociedad
Estatal de Infraestruturas del Transporte Terrestre) SEITT297 – para promover
e incentivar as PPPs no sector das estradas e dos caminhos-de-ferro.
Contudo, esta agência é, essencialmente, uma agência especializada em
engenharia civil298.
Ao nível das comunidades autónomas, a entidade pública responsável
pela celebração da PPP é, em geral, o governo autonómico ou o respectivo
departamento ministerial.
No que diz respeito à administração local, as entidades públicas dos
governos locais competentes nesta matéria são os munícipios locais
(Ayuntamientos) relativamente às cidades e as Diputaciones Provinciales no
que se refere às províncias299.
Em Espanha, compete ao Instituto Nacional de Estatísticas (Instituto
Nacional de Estadística) supervisionar as questões relacionadas com a
contabilidade das PPPs. Esta tarefa está a cargo de um grupo de trabalho
constituído por peritos oriundo deste Instituto, mas também do Banco Central
de Espanha e do Tribunal de Contas.
É de referir, também, que foi recentemente criada uma associação
privada denominada ForoPPP constituída por sociedades privadas
interessadas na promoção da colaboração entre as várias administrações
297 In http://www.seitt.es/seitt/LANG_CASTELLANO/default.htm (Setembro de 2007). 298 Cf. Bult-Spiering, Mirjam & Dewulf, Geert. 2006. “Strategic Issues in Public-Private Partnerships – An internacional perspective” p. 79 299 Estas entidades públicas têm uma forte intervenção em algumas zonas de Espanha, como por exemplo, no País Basco, ou nas ilhas espanholas (Ilhas Canárias e Ilhas Baleares).
A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas
297
públicas espanholas e o sector privado para o desenvolvimento de projectos
de infra-estruturas públicas no âmbito das PPPs300.
3. O processo de adjudicação da concessão de obras públicas
O processo de adjudicação de um contrato de concessão de obras
públicas é constituído por diferentes fases.
Inicia-se com um estudo prévio de avaliação, a executar pela
Administração Pública, no qual se incluem dados, análises, informações ou
estudos sobre a finalidade e justificação da obra; sobre as suas principais
características; estudos sobre a viabilidade do projecto (relatório de impacto
ambiental, relatórios preliminares financeiros e técnicos); e um esboço do
projecto incluindo as condições técnicas, legais e financeiras (artigo 227.º).
Segue-se a abertura de um processo de adjudicação, mediante a
convocatória para licitação301. A convocatória far-se-á através da publicação
de anúncios do projecto de concessão (artigo 231.º).
Os projectos de concessão devem, necessariamente, conter na fase de
adjudicação do projecto, um conjunto de cláusulas. São elas: a caracterização
do objecto do contrato; o processo e forma de adjudicação do contrato, bem
como os critérios para a selecção da entidade privada e a identificação do
órgão público adjudicador302; os requisitos de capacidade e solvência
financeira, económica e técnica exigíveis aos licitadores; os conteúdos a que
devem obedecer as propostas303; a forma de retribuição do concessionário; os
300 Cf. http://www.foroppp.com/ (Setembro de 2007). 301 O prazo máximo para a apresentação de candidaturas é de 52 dias desde a data de publicação do anúncio (artigo 231.º). 302 Os critérios usados na selecção das propostas estão relacionados com os custos, a concepção, a manutenção e a performance técnica. 303 Os conteúdos das propostas referem-se à indicação dos promotores da futura sociedade concessionária; ao plano de realização das obras com a indicação das datas previstas para o seu início, termo e início de actividade; ao plano económico-financeiro da concessão, no qual é indicado a tabela de preços, o investimento e custos de exploração, as obrigações de pagamento e os gastos financeiros, directos ou indirectos previstos; e ao compromisso de que a sociedade concessionária adoptará o modelo de contabilidade estabelecido no contrato (cf. artigo 233.º da Lei 13/2003).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
298
benefícios económico-financeiros e tributários; as características específicas
da sociedade concessionária, prazos para a elaboração do projecto, para a
execução e exploração das obras; os direitos e obrigações das partes durante
a fase de execução das obras e sua exploração; o regime de penalidades; e o
lugar, data e prazo para apresentação de ofertas (art. 230.º).
A fase seguinte é a de avaliação das propostas dos licitadores, os quais
devem reunir um conjunto de requisitos relacionados com a sua capacidade e
solvência económica, financeira e técnica, bem como constituir um fundo de
garantia não inferior a 2% do montante do investimento previsto (artigo 232.º).
O processo de selecção dos candidatos culmina com a adjudicação do
contrato pela Administração Pública. Esta fase não deve exceder o prazo de
seis meses e rege-se pelos princípios da transparência, publicidade e
igualdade com remissão para o regime dos contratos das Administrações
Públicas (artigo 235.º).
Se a entidade pública adjudicadora de um contrato de concessão for
uma Comunidade Autónoma ou uma entidade local, poderão surgir algumas
diferenças na adjudicação do contrato de concessão, uma vez que estas
entidades podem regulamentar os seus métodos de adjudicação, em especial
quando a PPP se aplica ao sector das estradas. Contudo, na prática, estas
diferenças não são substanciais e não afectam os princípios gerais acima
descritos304.
O contrato de concessão de obras públicas e o risco
De acordo com as alterações introduzidas pela Lei 13/2003, de 23 de
Maio, relativa ao contrato de concessão de obras públicas, cabe ao
concessionário assumir o risco da construção, conservação e exploração da
obra (cf. Preâmbulo). É de referir, contudo, que num contrato de longa
duração, perante a impossibilidade de previsão de uma margem razoável de
erro para o futuro, a assunção do risco por parte do concessionário, não pode
304 Cf. www.iclg.co.uk (Julho de 2007).
A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas
299
limitar a participação do capital e da iniciativa privada em investimentos, cujo
volume deve exigir o esforço partilhado entre a entidade pública e a entidade
privada, pelo que se considera necessário moderar de forma adequada os
limites do risco (artigo 239.º).
Esta nova formulação pretende responder às recomendações da
Comissão Europeia (Comunicação 2000/C 121 02, publicada no Diário Oficial
da Comunidade Europeia de 29 de Abril de 2000) sobre a distribuição do risco.
Diga-se que a mesma preocupação é, em Espanha, referenciada para outros
tipos de PPP, às quais não se aplica este regime jurídico, de forma a que se
tenha em consideração os critérios do Eurostat, evitando o impacto das PPPs
na dívida ou défice público do Estado. Para tal, grande parte do risco de
construção ou da procura é atribuído ao sector privado.
A distribuição do risco é gerida em função do tipo de risco em causa. No
que se refere ao risco de construção, este será, em geral, da responsabilidade
da entidade concessionária quando lhe for imputável (atraso no cumprimento
dos prazos, falta de respeito pelos standards pré-estabelecidos, custos
adicionais, deficiências técnicas, etc.). Quando estiver em causa o risco da
procura, foram criados alguns mecanismos para mitigar a sua
responsabilidade, uma vez que a sua determinação é frequentemente
complexa. Assim, estabelece-se a utilização de portagens como forma de o
concessionário poder receber uma remuneração pela utilização da infra-
estrutura em causa. Prevê-se, ainda, um mecanismo denominado de
reequilíbrio económico da concessão, o qual é utilizado quando a
Administração Pública modifica, por razões de interesse público, as condições
de exploração da concessão ou quando, por razões de força maior ou por
acção da Administração, ocorre uma alteração que agrave, de forma
substancial, os custos financeiros da concessão (artigo 239.º n.º 2 e 3).
O financiamento da concessão de obras públicas
As alterações introduzidas pela Lei 13/2003, de 23 de Maio, vieram
permitir a diversificação de fontes de financiamento deste tipo de PPP,
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
300
tornando este tipo de contratos mais apelativo para o capital privado. Assim,
além de se prever a possibilidade de transmissão ou de constituição de uma
hipoteca sobre a concessão, também se facilita a abertura da sociedade
concessionária ao mercado de capitais, quer através do financiamento por
instituições financeiras com o recurso a empréstimos bancários (na sua
maioria, Project finance), à emissão de obrigações, títulos de crédito ou outros
títulos semelhantes, quer através de financiamento privado como a
titularização de direitos de crédito vinculados à exploração da obra (artigos
224º e 253º).
4. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas
4. 1. Áreas de intervenção em geral
A Espanha é considerada um dos países europeus com maior activismo
na área das PPPs. A primeira e principal área de intervenção foi o sector
rodoviário, inicialmente aplicado às estradas com portagens (em especial no
início da década de setenta) e, posteriormente, em outros tipos de estradas e
em estruturas denominadas “shadow toll structures”.
Na verdade, no que se refere ao sector dos transportes, o número de
projectos tem vindo a crescer desde a década de 90. Em Março de 2000, o
Governo espanhol desenvolveu um ambicioso plano de infra-estruturas para o
período 2000-2007, prorrogável até 2010. Este Plano tinha por objectivo o
investimento financeiro em cerca de 103 milhões de euros na área dos
transportes ferroviários e rodoviários, com maior enfoque no sector ferroviário.
No cumprimento deste Plano, em Dezembro de 2004, o Ministério dos
Transportes e Comunicações (Ministério de Fomento) apresentou um novo
plano sobre infra-estruturas e transportes para o período 2005-2020 da
competência do Governo central (Plan Estratégico de Infraestruturas y
Transporte – PEIT305). Este Plano prevê, para um período de quinze anos, um
305 In http://www.fomento.es/MFOM/LANG_CASTELLANO/_ESPECIALES/PORTUFUTUROH OY/BALANCE/ (Setembro de 2007).
A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas
301
investimento público em infra-estruturas na área dos transportes, com especial
destaque para o transporte ferroviário, de cerca de 250.000 milhões de euros.
A estratégia de financiamento prevista neste Plano inclui o recurso a diversas
fontes e instrumentos de financiamento, com a intervenção do sector privado
em cerca de 20% do investimento através de mecanismos de parceria público-
privada306. Há, no entanto, notícia de terem surgido algumas dificuldades em
angariar parceiros privados.307
Recentemente, a utilização de PPPs tem sido alargada a outros sectores
da administração pública. Assim, na área da saúde, surgiu o Programa Madrid
Nuevas Infraestruturas Sanitárias 2007 que projectou a construção de oito
hospitais em Madrid. Em 2006, para três projectos dos oito hospitais previstos
para a Comunidade de Madrid (Vallecas, Majadahonda e Coslada) estava
concluída a elaboração do projecto financeiro. Estes três projectos,
contratados por esta Comunidade, seguem de perto o modelo das PFI do
Reino Unido em matéria de distribuição da responsabilidade e do risco entre
os sectores público e privado com algumas adaptações específicas. Dos
restantes cinco projectos em curso, quatro deverão seguir este modelo. O
oitavo projecto (Valdemoro) inclui também a prestação de serviços médicos.
Outras comunidades autónomas estão a recorrer, também, a este
instrumento na área da saúde. Assim, Maiorca e Valência estão a avaliar
projectos de PPPs na área da saúde, mas com a exclusão da prestação de
serviços médicos. A Comunidade de Castilha e Leão celebrou um contrato de
concessão para a construção, manutenção e exploração do Hospital de
Burgos.
Os aeroportos têm sido, recentemente, também objecto de algumas
PPPs. É o caso da adjudicação de uma concessão (com um prazo de 50
306 Cf. Relatório da PriceWaterHouse e Coopers. Nov. 2005. “Delivering the PPP promise. A review of PPP issues and activities”. p. 38-39, in http://www.nzcid.org.nz/downloads /Pricewaterhouse%20Coopers%20(2005)%20Delivering%20the%20PPP%20promise%20%20A%20review%20of%20PPP%20issues%20and%20activities.pdf (Setembro de 2007). 307 Cf. European Parliament. 2006. “Public-private partnerships national experiences in the European Union 10.02.06”. p. 8, in http://www.europarl.europa.eu/comparl/imco/studies /0602_ppp02_briefingnote_en.pdf (Julho de 2007).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
302
anos) para a construção e funcionamento de um novo aeroporto regional perto
de Castellon em Valência, bem como da concessão do aeroporto de Múrcia,
para a construção, funcionamento e exploração de todas as áreas comerciais.
4. 2. As parcerias público-privadas na área da justiça
A área da justiça só muito recentemente foi considerada como uma
potencial área para a utilização do mecanismo de PPP, em parte por ser vista
como pouco apelativa para a intervenção do sector privado. As alterações
legislativas da Lei 13/2003, de 23 de Maio, acima referidas, que vieram criar a
figura da concessão de obras públicas, criaram um novo contexto legal que
permitiu que a área da justiça seja, actualmente, vista como um potencial
sector de sucesso na colaboração entre o sector público e o sector privado. É
do nosso conhecimento que o projecto “Brians II Prison” na Comunidade da
Catalunha é um exemplo de recurso a uma PPP, cujo objecto é a construção e
gestão de uma nova prisão pelo prazo de 30 anos, sendo que os serviços de
controlo e de manutenção são da responsabilidade da entidade regional308.
5. O balanço dos recurso às parcerias público-privadas
De acordo com a opinião de Guillermo Massó, membro da
PriceWaterHouseCoopers309 “Espanha tem-se revelado como um dos países
com maior intervenção no mercado das infra-estruturas por meio do
financiamento privado, contudo, ainda existem necessidades a resolver
através desta fórmula e ainda existem áreas relacionadas com as infra-
estruturas susceptíveis de melhoramento relativamente ao seu custo,
financiamento e operacionalidade, pelo que se prevê um crescimento contínuo
308 Cf. DLA Piper’s PPP Team. 2006. “European PPP Report 2007”. Madrid. Abril de 2006. In http://www.dlapiper.com/files/Publication/34d8ee56757a423881af0102bc35cc79/Presentation/PublicationAttachment/60378925-ce10-4299-88e2-1155edfdb670/European-PPPReport2007.pdf (Outubro de 2007). 309 A Pricewaterhousecoopers é uma rede de sociedades que presta serviços de auditoria, assessoria legal e fiscal, consultadoria de negócios, assessoria em transacções empresariais e consultadoria de recursos humanos especializados em cada sector. In http://www.consultoras.org/frontend/plantillaAEC/noticia.php?id_noticia=4776&PHPSESSID=964 (Julho de 2007).
A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas
303
em número e valores de projectos. (…) É importante reconhecer-se as
preocupações do sector em relação ao papel da União Europeia na promoção
de políticas a favor da efectiva dinamização do mercado, na aplicação das
normas internacionais de contabilidade, ou as mudanças que a nova
regulamentação nacional de contratação pública exige. Não obstante, estamos
perante um sector muito sólido com um futuro promissor”.
Bult-Spiering e Dewulf (2006) consideram que as PPPs, do lado da
administração pública espanhola, são referenciadas como mecanismos de
contratação pública que apresentam mais mais vantagens, comparativamente
à contratação tradicional, pelos seguintes motivos:
- minimização do custo, destacando especialmente as poupanças na
manutenção de estradas;
- maior transparência e flexibilidade das cláusulas contratuais;
- maior disciplina na colaboração entre o sector privado e o sector
público.
Do lado do sector privado, referem que são, em geral, considerados
como factores positivos, os seguintes:
- o processo de licitação e adjudicação do projecto é relativamente
rápido: no máximo quatro meses para a proposta e quatro meses para a
decisão (comparativamente com outros países europeus, o processo de
licitação espanhol é considerado muito mais célere);
- o regime legal da concessão contém critérios claros para decidir a
adjudicação: os pontos são atribuídos em função de critérios técnicos
específicos (manutenção, níveis de serviço).
- existe uma grande transparência do processo de adjudicação, uma vez
que cada candidato pode ter acesso ao processo de candidatura dos vários
candidatos e pode rever a sua proposta ao longo do processo de selecção, o
que proporciona um aumento da competitividade (os licitadores ao terem
conhecimento das propostas dos outros concorrentes, podem reformular a sua
proposta). O candidato pode proceder à modificação completa das propostas,
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
304
o que pode levar a que qualquer incongruência sendo do conhecimento de um
dos candidatos, seja levada ao conhecimento da entidade pública. A
transparência do processo permite que seja, efectivamente, seleccionada a
melhor proposta de acordo com os critérios pré-definidos310.
310 Cf. Bult-Spiering, Mirjam & Dewulf, Geert. 2006. “Strategic Issues in Public-Private Partnerships – An internacional perspective” p. 92-93; 96-97.
Conclusões e Recomendações
305
Capítulo V
Conclusões e Recomendações
I. Conclusões
1. A evolução histórica dos serviços públicos subjaz, de certa forma, à
das parcerias pública-privadas (PPPs). Parte das importantes infra-estruturas
do Estado moderno foram construídas segundo formas que hoje seriam
classificadas como parcerias público-privadas. Os caminhos-de-ferro são
talvez o símbolo cimeiro de uma época, o séc. XIX, em que os agentes
privados foram os grandes protagonistas na criação da infra-estrutura
capitalista moderna, a concessão seu método principal, tanto nos países
centrais como nos periféricos.
Com a entrada no século XX, a estatização de infra-estruturas essenciais
generalizou-se. Os abalos económicos da grande depressão (1929) e de duas
guerras mundiais, assim como a influência do comunismo, deixaram o capital
esgotado, incapaz de fazer face às necessidades sociais, crescentemente
identificadas como necessidades públicas, incompatíveis com o interesse
privado. Na Europa, sucederam-se vagas de nacionalizações. Em França, por
exemplo, as concessões transmutam-se em concessões públicas, concessões
ainda mas a empresas estatais, em regime de monopólio tendencialmente
nacional. As grandes empresas públicas de electricidade (EDF), caminhos-de-
ferro (SNCF), transportes urbanos (RATP) datam desta época.
Após a Segunda Guerra Mundial, consolidara-se o Estado centralizador,
que assumia agora a construção e manutenção de infra-estruturas e mesmo a
produção mercantil em sectores considerados estratégicos – energia,
telecomunicações, construção naval, metalurgia, petróleo (ainda hoje bastião
público em vários países) – ao mesmo tempo que alargava e sistematizava a
protecção social no que viria a ser chamado de Estado-Providência.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
306
É face ao Estado centralizador que as PPPs se irão diferenciar a partir
dos anos setenta do século XX, consolidar na transição para os anos oitenta e
expandir nos anos noventa. Com as crises económicas da década de setenta
do século passado, conceitos de monetarismo, supply-side economics,
economia neoclássica, recuperam terreno político sob uma forma que viria a
ser conhecida como neoliberalismo, anunciada pela chegada ao poder dos
Governos de Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos EUA. O
Estado passara de solução a problema na esfera pública. Era associado a
monopólios, ineficiência, burocracia, impossibilidade de escolha e a um sem
número de outros males. A prioridade era, pois, reduzi-lo. As privatizações,
começando pelo sector produtivo mercantil público, tornam-se o imperativo
categórico de uma era marcada por outros termos como rigor fiscal, comércio
livre, câmbio livre, desregulação (em matéria económica), descentralização
política, externalização. Na fase inicial dos anos setenta-oitenta, privatizações
e PPPs confundem-se, ou antes, o entusiasmo em torno das privatizações
ofusca as parcerias. As PPPs existem, sobretudo, como instrumento de
políticas de desenvolvimento local. As iniciativas são pontuais, sem que
estejam integradas num plano estratégico.
2. A Private Finance Initiative (PFI) britânica foi o primeiro programa
político sistemático de PPPs. Introduzido em 1992 pelo Governo de John
Major, após algumas experiências satisfatórias nas obras públicas, foi
amplamente prosseguida depois de 1997 pelo New Labour de Tony Blair. Esta
nova política provocou uma alteração relevante da lógica e expectativas em
torno dos serviços públicos, que passaram a recorrer sistematicamente ao
sector privado para o seu financiamento, concepção, construção, manutenção
e gestão.
Na Europa Continental as PPPs têm tido um desenvolvimento mais lento
e mais heterogéneo do que no Reino Unido. No panorama geral da Europa
Continental, sobressaem certas regularidades regionais. Os países
mediterrânicos enveredaram mais cedo pelas PPPs por via de concessões
Conclusões e Recomendações
307
rodoviárias. A França assume-se como pioneira das concessões. Os países
germânicos e escandinavos surgem como países relativamente avessos às
PPPs. A Holanda é destacada, por vezes, pelas suas experiências pioneiras,
mas no cômputo geral apresenta uma situação análoga à germânica e à
escandinava.
3. Têm sido várias as motivações avançadas para a nova vaga de
parcerias público-privadas que surgiu na última década do séc. XX. A
diminuição de meios públicos e os limites ao défice e dívida pública são
consideradas razões fundamentais que impelem os governos para as PPPs.
No caso europeu, o Pacto de Estabilidade colocou o limite de 3% ao défice
público, o que obrigou a cortes no investimento público. Ora, as PPPs
permitem realizar investimentos públicos sem que estes contem no imediato
para a despesa pública. Naturalmente, com a expansão das PPPs, vai-se
tornando evidente que o défice público é escamoteado com a “manobra”, pelo
que se começa a exigir que se incluam certas PPPs no cálculo. Daí uma série
de alterações aos critérios de avaliação das contas públicas, por exemplo pelo
Eurostat, ou pelo governo britânico, cujos critérios contabilísticos incluem parte
considerável das PPPs na despesa pública.
A poupança é, teoricamente, apresentada como outra grande motivação
das PPPs. Também aqui o New Public Management merece referência
adicional. As PPPs devem o seu protagonismo recente à tendência geral,
associada ao neoliberalismo, de enfraquecimento (para uns) ou
emagrecimento (para outros) do Estado nas últimas três décadas. A
necessidade política de manter serviços públicos, cujo desaparecimento seria
impopular, aliada à dificuldade de os sustentar como outrora, levam os
governos a recorrer ao sector privado, desejoso de novas áreas de
investimento, dotado de capacidade de engenharia institucional e financeira,
que possibilitam empreendimentos antes considerados demasiado arriscados.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
308
4. De um ponto de vista teórico, as parcerias público-privadas são uma
forma de organização híbrida, que subsume um espectro amplo de contratos
entre o Estado e agentes privados, remetendo para uma divisão de trabalho
entre público e privado, em que este assume a realização de tarefas públicas.
O seu traço distintivo em relação à contratação pública tradicional reside no
carácter relacional da PPP. Diferentemente da via tradicional, que é
tendencialmente transaccional (por exemplo, uma compra e venda pontual
entre actores independentes e mesmo antagónicos), a PPP é tendencialmente
relacional: dilata e regulariza no tempo as transacções, acrescenta uma
dimensão de colaboração, dilui as fronteiras do antagonismo público-privado.
A abrangência do conceito, integrando diversos tipos de relações
contratuais, leva à identificação de diferentes definições de PPPs. No entanto,
as definições de diversos autores convergem nos seguintes pontos: contrato
de colaboração entre actores públicos e privados autónomos; a longo prazo;
para a provisão de serviços públicos; compreendendo diversas tarefas e
etapas, do planeamento, construção e financiamento, ao fornecimento de
serviços; visando valor acrescentado mútuo, ou seja, lucro para o parceiro
privado e poupança (value for money) para o parceiro público; com partilha de
responsabilidades – riscos, custos, proveitos – entre os actores; contra
remuneração ao parceiro privado, em função dos resultados, pelo Estado e/ou
os utentes.
De forma resumida, haverá uma PPP sempre que estejamos em face de
um contrato de colaboração entre actores públicos e privados para a produção
de bens ou prestação de serviços públicos, com uma distribuição de receitas e
despesas predefinida, que define a partilha do risco. Em regra, esta relação
contratual envolve uma ou várias das seguintes operações: o Estado
especifica serviços a fornecer; o privado constrói ou renova a infra-estrutura
necessária e fornece-os por um período, a preço e qualidade regulamentados.
Pode acontecer que, em certas PPPs, o Estado se mantenha proprietário de
infra-estrutura e transfira para o privado as actividades que ela sustenta;
noutras, poderá transferir durante a vigência do acordo as prerrogativas de
proprietário para o privado, reavendo-as no final; noutras, ainda, cuja
Conclusões e Recomendações
309
classificação, enquanto PPP, não é unânime, pode transferir
permanentemente a propriedade para mãos privadas. Mas, em regra, a infra-
estrutura e o serviço revertem para o Estado no final do contrato.
5. O conceito de PPP é aplicado a uma gama vasta de arranjos
contratuais entre Estado e privados. Há diversas caracterizações de um
espectro público-privado de enquadramento das PPPs, algumas bastante
amplas, o que leva a que a classificação como PPP de determinada relação
contratual nem sempre seja consensual. As joint ventures, as concessões e
concessões sem transferência são os tipos de PPP mais consensuais. O FMI
elenca três categorias de contratos PPP: a) uma em que o sector privado
assegura todas as tarefas (concepção, construção, operação, gestão), sem
obrigação de transferir a propriedade para o Estado; b) outra em que o sector
privado compra ou arrenda (leasing) um activo público existente, renova-o,
moderniza-o, expande-o, e passa a explorá-lo, sem obrigação de transferir a
propriedade para o Estado; c) finalmente, uma em que o sector privado
concebe, constrói e explora um activo, transferindo-o para o Estado ao fim de
um determinado período. No Capítulo I deste relatório, damos conta de uma
tipologia mais vasta de PPPs no espectro público-privado.
6. No que respeita às instituições que enquadram os programas e
projectos de PPPs, confirma-se o avanço britânico e irlandês, surgindo uma
institucionalização ainda incipiente das PPPs no resto da Europa. Em termos
de organismos públicos, o Reino Unido e a Irlanda – mas também a Holanda e
a Áustria, onde as PPPs são escassas – possuem uma agência nacional
especializada em PPPs, com competências executivas, consultivas e
avaliativas. Em outros países, como Portugal, Itália e Alemanha tais agências
existiam, mas apenas com competências consultivas.
Merece especial referência a Alemanha por constituir um país onde o
enquadramento institucional vai à frente dos projectos no terreno, ainda
relativamente escassos, como se se procurasse preparar tudo antes de fazer
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
310
e ganhar experiência na prática. Para remover múltiplos obstáculos
burocráticos, promulgou-se em 2005, com o apoio da indústria e sob vasto
consenso político, uma lei de aceleração das PPPs (Beschleunigungsgesetz)
e aguarda ratificação uma lei de simplificação (Vereinfachungsgesetz). Prevê-
se a criação, em 2008, de um órgão central de coordenação, constituído à
imagem britânica, pelo Estado federal e por privados, a Partnerschaften
Deutschland, substituindo uma unidade especializada do Ministério das Obras
Públicas, até aqui principal coordenadora e impulsionadora das PPPs.
7. Em relação à organização procedimental, isto é, aos procedimentos e
etapas que um projecto segue, as PPPs têm um procedimento de organização
próprio com etapas definidas, aliás como qualquer método de contratação
pública. O procedimento varia de país para país dependendo de um
enquadramento legal mais definidor ou de procedimentos standard. Envolvem
quase sempre concurso público. O concurso pode ser aberto, por convite,
através de listas registadas, através de pré-qualificação ou negociado. A
União Europeia tem estimulado a sistematização dos diversos procedimentos
nacionais. São consideradas, em geral, etapas fundamentais as seguintes:
definição das necessidades do sector; avaliação (por exemplo,
financiamentos, riscos e outros impactos); definição do modelo; anúncio
público; propostas; negociação; revisão final do projecto; negociação final;
operação e manutenção; transferência; e gestão do contrato.
8. O parceiro privado, face à dimensão de uma PPP em termos de
capital e competências, raramente é uma empresa individual, assumindo,
normalmente, a forma de Special Purpose Vehicle (SPV), um consórcio de
empresas – construtoras, bancos, assessoras, empresas de serviços
acessórios – organizado especificamente para determinado projecto. As SPVs
têm poucos, por vezes nenhum activo. Os privados usam esta figura por três
razões. Em primeiro lugar, porque apenas a SPV está sujeita a execução em
caso de colapso, portanto os investidores arriscam apenas a sua participação
Conclusões e Recomendações
311
na SPV, não o resto do seu património. Em segundo lugar, porque os
investidores evitam, assim colocar a SPV nos seus próprios activos e
passivos. Terceiro, os investidores protegem o seu nome em caso de
fracasso, ao mascará-lo por trás do nome da SPV. Esta circunstância tem
levantado várias questões quanto à real transferência de risco que o Estado
obtém numa PPP, sobretudo nos casos mais dramáticos de colapso.
9. No contexto europeu, as PPPs começaram por ser essencialmente
concessões de obras públicas, nomeadamente rodoviárias. A experiência
rodoviária facilitou a extensão a outras infra-estruturas de transportes como a
ferroviária, portos, transportes urbanos. A energia, água e saneamento
constituíram a outra grande via de expansão. Estas infra-estruturas pesadas,
digamos de mobilidade e de abastecimento básico, constituem a esmagadora
maioria das PPPs na Europa Continental. No Reino Unido, sem dúvida o
“reino” das PPPs, tentou-se ir ainda mais além nas áreas da saúde, educação,
defesa, segurança pública, embora estes sectores tenham gerado bastante
mais resistência. Na Europa Continental, as PPPs nestas áreas têm, em geral,
um peso residual.
No sector da justiça, as PPP incidem, essencialmente, nas prisões e
tribunais. Também neste sector, o Reino Unido e a Irlanda desenvolveram
bastantes projectos. A França, por exemplo, parece apostada nesta área, com
alguns projectos prisionais em andamento, a inaugurar entre 2008 e 2010, e
está a preparar dois projectos-piloto de tribunais. Há projectos-piloto de
prisões na Alemanha. Os projectos consistem na renovação ou construção,
manutenção e gestão de infra-estruturas, incluindo uma gama variável de
serviços acessórios (tendencialmente maior nas prisões), por períodos entre
20 e 30 anos. Fora da Europa, a Austrália é referenciada como um dos países
onde as PPPs estão mais desenvolvidas.
10. Portugal é visto por alguns como o país que mais entusiasticamente
adoptou as PPPs de modelo britânico, o que fez em finais dos anos 90. As
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
312
concessões rodoviárias têm dominado as PPPs. O grande salto veio com o
Plano Rodoviário Nacional de 2000, que previa decuplicar em seis anos a rede
de auto-estradas, de cerca de 400 para 3 000 km, exclusivamente por via de
concessão. A nova figura de portagem virtual (SCUT), correspondente a 1/3
das novas concessões, veio, posteriormente, a gerar receios de
insustentabilidade para as contas públicas, indício de que o value for money
não fora acautelado.
Ao nosso país é, ainda, referenciada uma outra questão: passou, em
escassos anos, de uma para catorze concessões rodoviárias, ao mesmo
tempo que o então Instituto de Estradas de Portugal diminuía os seus quadros
técnicos. Esta circunstância gerou uma transferência dos melhores quadros
para o sector privado, que se julga poder afectar a longo prazo a capacidade
estatal de defender o interesse público na avaliação de concessões futuras e
na regulação das actuais.
É, ainda, salientado o caso das PPPs na saúde em Portugal. Em 2002, o
Governo anunciou um programa para a construção de dez hospitais em
regime PPP. À época, apenas o Reino Unido tinha experiência consolidada.
As poucas experiências nos outros países passavam por projectos-piloto
restritos. Portugal queria lançar dez projectos de uma vez e incluir neles, não
só as infra-estruturas, como os serviços clínicos, algo sem precedente na
Europa. Contudo, nenhum dos projectos foi ainda fechado, e os primeiros
concursos acabaram cancelados.
11. Em Portugal, o regime legal das parcerias público-privadas encontra-
se regulado pelo Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, revisto pelo Decreto-
Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho. Aquele diploma estabeleceu, pela primeira
vez, o quadro legal das parcerias público-privadas, consagrando as normas
gerais aplicáveis à intervenção do Estado na definição, concepção,
preparação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e
acompanhamento global das parcerias público-privadas. O legislador justifica
a criação desta figura pelas transformações recentes ocorridas na sociedade e
Conclusões e Recomendações
313
no Estado, que implicaram a assunção por este de novas funções para
satisfação de necessidades sociais e públicas com um consequente elevado
aumento da despesa e endividamento públicos, sem que se tenha verificado o
equivalente aumento da qualidade dos serviços prestados aos cidadãos. O
legislador estabelecia, assim, dois objectivos essenciais: concretização das
políticas públicas sem aumento da despesa pública, maior eficiência na
afectação dos recursos públicos e melhoria dos serviços.
12. A lei define uma parceria público-privada como um contrato ou a
união de contratos, por via dos quais entidades privadas, designadas por
parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro
público, a assegurar o desenvolvimento de uma actividade tendente à
satisfação de uma necessidade colectiva e em que o financiamento e a
responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou
em parte, ao parceiro privado. As parcerias podem desenvolver-se através de
vários instrumentos de regulação jurídica entre públicos e privados. A
repartição de encargos e de riscos entre as entidades públicas e privadas é
um dos elementos centrais que caracteriza as PPPs, devendo essa partilha
figurar, de forma clara, no contrato elaborado.
A decisão sobre o lançamento da parceria é da competência dos
Ministros das Finanças e da tutela sectorial. O lançamento da parceria será
feito com recurso ao procedimento adjudicatório, que se venha a considerar
aplicável, de acordo com a legislação relativa à contratação pública. Os
poderes de fiscalização e controlo são exercidos por entidades ou serviços a
indicar pelo Ministro das Finanças para as matérias económicas e financeiras
e pelo ministro da tutela sectorial para as demais.
13. A União Europeia, particularmente a Comissão Europeia, surgiu nos
últimos anos com uma agenda de promoção das PPPs. A Comissão, num dos
seus comunicados – “Uma política de coesão para apoiar o crescimento e o
emprego: orientações estratégicas comunitárias, 2007-2013” –, considera que
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
314
as parcerias entre o sector público e o sector privado podem revelar-se “um
método adequado para financiar os investimentos quando existe uma margem
significativa para a participação do sector privado, especialmente nos sectores
em que não é viável ou adequado excluir o sector público nem contar
exclusivamente com o mercado.” Para a Comissão, as PPPs, para além de
poderem funcionar como uma alavanca financeira, também podem contribuir
para melhorar a qualidade da execução e a gestão dos projectos.
O Livro Verde (2003) e, posteriormente, o Livro Branco (2004) da
Comissão sobre os serviços de interesse geral, incluem as PPPs na sua
reflexão. O segundo Livro Verde “sobre as parcerias público-privadas e o
direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões” (2004)
tinha um objectivo bem definido: o de lançar um debate sobre uma eventual
harmonização europeia do seu enquadramento jurídico, dado que as parcerias
público-privadas não se encontram definidas, nem regulamentadas no âmbito
do direito comunitário, e sobre o estabelecimento de uma agência europeia
para as PPPs.
Acresce que os resultados de uma consulta sobre questões várias
relacionadas com esta matéria foram apresentados e analisados num relatório
(Report on the public consultation on the green paper on public-private
partenerships and community law on public contracts and concessions-
Brussels) de 2005 e, entre as conclusões mais consensuais, destaca-se a
defesa de uma maior intervenção comunitária nesta matéria e da criação de
uma estrutura organizacional de nível comunitário que ajude a conhecer
experiências e melhores práticas no espaço da União.
Apesar de não existirem normas do direito comunitário, especificamente
dirigidas às parcerias público-privadas, algumas formas de PPPs estão
sujeitas à legislação europeia sobre os procedimentos de celebração dos
contratos públicos. Qualquer acto através do qual uma entidade pública confie
a prestação de uma actividade económica a um terceiro deve ser executado
de acordo com as regras e princípios do Tratado CE, em matéria de liberdade
Conclusões e Recomendações
315
de estabelecimento e de livre prestação de serviços incluindo a transparência,
a igualdade de tratamento, a proporcionalidade e o reconhecimento mútuo.
14. São várias as recomendações de diferentes organismos
comunitários sobre esta matéria. Destacam-se os pareceres do Comité das
Regiões, do Comité Económico e Social Europeu, da Comissão de
Desenvolvimento Regional e da Comissão de Transportes de Turismo.
O Comité das Regiões, em parecer publicado no Jornal Oficial da União
Europeia, em 23/03/2005, faz as seguintes recomendações: a) os princípios
da transparência, da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e do
reconhecimento mútuo devem servir de base a todas as formas de parcerias;
b) o papel das autarquias locais e regionais na definição, organização,
financiamento e controlo dos serviços de interesse geral deve ter um papel
nuclear; c) é fundamental alcançar um consenso político ao nível local ou
regional quando são celebrados contratos de duração indeterminada; d) a
perspectiva dos cidadãos deve ser particularmente acentuada, uma vez que é
a estes que os serviços de interesse geral se destinam; e) os projectos de
PPPs devem ser acessíveis a todos, reforçando a ideia da importância de um
diálogo amplo entre os organismos adquirentes e as empresas fornecedoras;
f) a legislação em vigor, em regra, é bastante complexa e não propícia a
flexibilidade e ideias inovadoras, o que deve ser objecto de reflexão.
15. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) emitiu um Parecer,
intitulado “O papel do Banco de Investimento Europeu (BEI) nas parcerias
público-privadas e consequências para o crescimento”, propondo a
generalização de comparações sistemáticas entre os projectos realizados
pelas autoridades públicas e pelas empresas privadas (custo, desempenho,
etc.) e a coordenação europeia através de um grupo de peritos de alto nível.
Recomenda, ainda, que o BEI garanta o respeito pelas normas sociais,
sanitárias e de acesso às infra-estruturas realizadas através das PPPs que co-
financia; e o dever de incentivar uma rigorosa igualdade de competição,
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
316
jurídica e fiscal, entre as entidades públicas e privadas, em todos os projectos
em que participe.
16. A Comissão de Desenvolvimento Regional emitiu, em 28/04/2006,
um Parecer destinado à Comissão do Mercado Interno e da Protecção dos
Consumidores relativo às Parcerias Público-Privados e ao Direito Comunitário
sobre contratos públicos e concessões. De entre as recomendações,
destacamos as seguintes: a) as normas que regem a criação e o
funcionamento das PPPs institucionalizadas e o novo processo de diálogo no
domínio da concorrência devem ser esclarecidas no quadro de uma
comunicação da Comissão; b) necessidade de eliminar a insegurança jurídica
na sequência de acórdãos do Tribunal de Justiça quanto ao processo de
adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos
públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços; c) apelo à
Comissão para que esta crie, em colaboração com o BEI, um Centro Europeu
de Especialização em PPPs, a fim de proceder à avaliação regular dos
progressos e resultados das PPPs, de promover a troca de experiências
relativas a práticas de excelência na organização de PPPs nos múltiplos
sectores de actividade e, ainda, à realização de projectos-piloto; d)
envolvimento dos representantes dos interesses regionais e locais na
elaboração de normas no âmbito das PPPs.
17. O Parecer da Comissão dos Transportes e do Turismo sobre as
PPPs, datado de 31/08/2006, igualmente destinado à Comissão do Mercado
Interno e da Protecção dos Consumidores, chama a atenção para os
seguintes aspectos: a) necessidade de adopção pela Comissão de um
instrumento jurídico que defina orientações sobre as diferentes modalidades
de PPPs, a fim de garantir o respeito pelos princípios de igualdade de
tratamento e de uniformidade entre os Estados-Membro, deixando, no entanto,
aos Estados-Membro a máxima liberdade em termos de modalidades de
aplicação, em conformidade com o princípio de subsidiariedade; b) definição
Conclusões e Recomendações
317
das “melhores práticas” e das “práticas a banir”, particularmente no que se
refere à fase da escolha do contraente, privado, público ou misto; c) no que
respeita às PPPs contratuais, sugere-se que sempre que seja lançado um
projecto, se proceda à elaboração de um termo de comparação prévio no
sector público e à análise do custo/benefício para o sector público; d)
assegurar que a Comissão, por meio do controlo comunitário dos auxílios
estatais, garanta que a concessão de subvenções não comporte
discriminações entre os operadores, sejam eles privados, públicos ou mistos.
18. Mais recentemente, em 31 de Outubro de 2006, o Comité das
Regiões voltou a emitir um novo Parecer sobre parcerias público-privadas.
Neste Parecer, o Comité chama a atenção para o facto de o recurso às PPPs
nem sempre ser a solução mais adequada. Considera que esta opção apenas
se justifica nos casos em que a parceria público-privada representa uma
melhoria da qualidade do serviço prestado aos cidadãos no concreto contexto
de um determinado projecto. Considera que são os órgãos do poder local e
regional, mais próximos dos utentes dos serviços públicos a prestar, que se
encontram em melhor posição para decidir como financiar esses mesmos
serviços, ou, ainda, a forma que deve assumir a PPPs. Chama-se, ainda, a
atenção para a necessidade de existirem condições financeiras sólidas,
transparência e clareza das disposições contratuais, estimativas financeiras
exactas dos projectos e garantia de protecção jurídica para ambos os
parceiros.
Considerando que a prioridade num projecto de PPP é garantir aos
cidadãos a continuidade do serviço público a prestar, aquele Comité destaca,
ainda, a necessidade de efectivo controlo pelas autoridades públicas da
prestação desses serviços.
19. O tratamento contabilístico das PPPs tem levantado grandes
questões, não só no contexto europeu, mas por todo o mundo. Como refere
um documento do Fundo Monetário Internacional (2004), as PPPs são
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
318
percepcionadas com uma forma de mascarar défice (temporariamente) e
dívida pública (permanentemente) e de efectuar investimento efectivamente
público sob uma forma nominalmente privada. Iniciou-se, assim, em vários
países um movimento no sentido de estabelecer orientações por forma a
enquadrar correctamente a contabilização das PPPs, quer nas contas
públicas, quer nas contas privadas, dotando de maior transparência aquelas
contas.
No contexto europeu, destaca-se o Sistema Europeu de Contas
Económicas Integradas (SEC 95) e a New decision of Eurostat on deficit and
debt - Treatment of public-private partnerships de 11 de Fevereiro de 2004
sobre a partilha de risco e sobre a inscrição no balanço público ou privado dos
activos relacionados com uma PPP.
A entrada em vigor do Sistema Europeu de Contas Económicas
Integradas (SEC 95), aprovado pelo Regulamento do Conselho de 25 de
Junho de 1996, juridicamente vinculativo na União Europeia, teve como
objectivo fornecer um instrumento contabilístico que possibilite a descrição
detalhada das economias nacionais, bem como a comparação entre as
mesmas e a avaliação da convergência.
20. O Eurostat, Gabinete de Estatística das Comunidades Europeias,
publicou o Manual do SEC 95 sobre dívida e défice da Administração Pública,
com o objectivo de facilitar a sua aplicação para o cálculo do défice
orçamental e da dívida pública, dedicando um ponto exclusivamente às infra-
estruturas públicas financiadas e exploradas pelo sector das sociedades.
Em face da persistência de algumas dúvidas, o Eurostat, com o propósito
de clarificar as regras contidas no SEC 95, publicou, em Fevereiro de 2004,
uma decisão relativamente ao tratamento das parcerias público-privadas nas
contas públicas (New decision of Eurostat on deficit and debt - Treatment of
public-private partnerships de 11 de Fevereiro de 2004), referindo-se a
contratos de PPP da modalidade DBOF – Design, Build, Operate and Finance
(concepção, construção, operação e financiamento) em que o Governo é o
Conclusões e Recomendações
319
principal pagador. De acordo com essa decisão, o parceiro privado deve
suportar o risco de construção e também o risco de disponibilidade ou da
procura.
Nessa Decisão recomenda-se que os activos relacionados com uma
parceria público-privada sejam classificados como activos não públicos, não
sendo lançados no balanço da administração, desde que se verifiquem
cumulativamente duas condições: o parceiro privado suporte o risco de
construção, que engloba a demora na entrega, a falta de respeito de normas
específicas, os custos acrescidos, a deficiência técnica, etc.; e tome sob a sua
responsabilidade um dos seguintes riscos: o risco da disponibilidade, que
corresponde, nomeadamente, à situação em que o parceiro privado não
consegue entregar o volume contratualmente estabelecido ou não consegue
atender às normas de segurança ou de certificação públicas ligadas à
prestação de serviços para com os utilizadores finais, conforme estipulado no
contrato; ou o risco ligado à procura, que cobre a variação da procura (mais
alta ou mais fraca do que a prevista na assinatura do contrato) quando esta
não é imputável à gestão do parceiro privado.
A Decisão chama a atenção, no entanto, para a possibilidade de
existirem situações de classificação dúbia quanto à avaliação do risco. O
Eurostat adverte, assim, para situações em que, por exemplo, a partilha do
risco entre as duas entidades seja equilibrada ou baseada em hipóteses
frágeis, apontando para a possibilidade de serem tidos em linha de conta
outros elementos contratuais, nomeadamente, o financiamento público e o
efeito das garantias ou provisões públicas relacionadas com a aquisição final
dos bens.
Neste contexto, segundo o Eurostat, se, no final da parceria, não houver
transferência da propriedade para a administração pública, continuando o bem
com um valor económico significativo, então o mesmo deve ser classificado no
balanço do parceiro privado. Se, pelo contrário, a administração pública
assumir a obrigação de adquirir o bem no final do contrato a um preço pré-
determinado, que não reflicta o seu valor económico à data, ou se a
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
320
administração pública já tiver pago pelo direito de adquirir o bem ao longo do
contrato, através de pagamentos regulares que sejam superiores aos que
seriam inexistindo aquele direito, então pode existir uma razão para inscrever
aqueles bens nas contas públicas, se outros elementos da análise do risco
não derem uma resposta clara.
21. Na análise comparada, o Reino Unido é considerado o país pioneiro
na adopção de parcerias público-privadas e no seu alargamento aos sectores
sociais. As novas regras, surgidas em 1992, marcam o relançamento do
financiamento privado, agora sob a forma de Private Finance Initiative. A
Private Finance Initiative (PFI) foi o primeiro programa político sistemático de
parcerias público-privadas. Os objectivos governamentais eram (1) o aumento
da capacidade do investimento público recorrendo a mecanismos do sector
privado, (2) a melhoria da qualidade dos serviços públicos (3) e a diminuição
da despesa pública, beneficiando da competência e da capacidade de
inovação do sector privado.
A Private Finance Initiative insere-se num processo mais amplo de
reformas do sector público no Reino Unido, que inclui diversas iniciativas que,
em comum, prevêem uma maior participação do sector privado no sector
público. As PPPs têm sido consideradas um elemento-chave do programa de
modernização do Governo e de promoção da qualidade dos serviços públicos
no Reino Unido. A PFI provocou uma alteração relevante da lógica e
expectativas em torno dos serviços públicos, que passaram a recorrer
sistematicamente ao sector privado para o seu financiamento, concepção,
construção e gestão.
Os contratos de PFI englobam acordos tripartidos: um contrato de PFI
principal entre o parceiro público e o parceiro privado; um contrato de
financiamento entre a entidade encarregue de gerir o projecto e a entidade
financiadora; e um acordo directo (direct agreement) entre a entidade
financiadora e a administração. De acordo com o relatório de 2006 do HM
Treasury, a PFI enquadrou até 2005 cerca de 700 contratos, no valor total de
Conclusões e Recomendações
321
46 biliões de libras e prevê-se que até 2010 se concluam mais 200 contratos,
no valor de 26 biliões de libras. Contudo, apesar do aumento significativo,
estes projectos representavam, em 2005-2006, apenas 10% do investimento
em activos públicos, face a 40% por métodos tradicionais, e previa-se que
estabilizasse no intervalo 10-15%.
22. Em consonância com o desenvolvimento das PPPs, há a referir, no
Reino Unido, a publicação de vários relatórios, a criação de organismos de
apoio e controlo das PPPs e de grupos de trabalho, e o desenvolvimento de
contratos standard de PFI.
De entre as organizações criadas, destaca-se a Partnerships UK (PUK),
criada em 2000, ela própria uma joint venture entre o HM Treasury e o sector
privado. A PUK também disponibiliza recursos financeiros para projectos que
não os conseguem reunir nos mercados financeiros, assumindo-se, assim,
como um verdadeiro promotor de projectos. O HM Treasury constitui a
principal instituição pública para as PFI/PPPs. Um departamento específico do
HM Treasury - Office of Government Commerce - assume as funções de
sistematização e supervisão contratual. As funções de auditoria pública da
PFI/PPP são da responsabilidade do National Audit Office, auxiliado pelo
Public Accounts Committee. Existem, ainda, unidades sectoriais específicas,
como a Partnerships for Health, criada em 2001, e a Partnerships for Schools,
criada em 2004. Está, ainda, prevista a criação de uma outra organização: a
PFI Operational Taskforce, que terá como tarefas principais a assessoria dos
parceiros, a avaliação de projectos e a sistematização contratual -
melhoramento nos contratos-padrão de PFI e elaboração de um código de
conduta sobre renegociação de dívida.
23. No Reino Unido não existe uma lei especificamente dirigida à
regulação das PFI. A maioria das regras relativas a PFI encontra-se em
orientações emanadas pelo HM Treasury. Os contratos de DBFO, isto é, de
concepção, realização, financiamento e gestão de uma infra-estrutura,
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
322
constituem o modelo padrão dos contratos de PFI, a partir do qual se
desenvolvem variantes.
De acordo com aquelas orientações, desenvolveu-se um modelo de
negociação de projectos de PFI, conhecido como modelo anglo-saxónico,
seguido por muitos outros países. A negociação decorre, em regra, por um
período de tempo entre 12 e 24 meses, desde a data da publicação do
anúncio até à assinatura do contrato, com os passos seguintes: (1) fase prévia
do processo de negociação - são definidos os objectivos e delineado o
projecto para produzir value for money; analisa-se a viabilidade do projecto
com recurso a PFI ou através de outro método (é realizado um teste que
consiste em calcular os custos de todo o projecto, quer recorrendo a
PFI/PPPs, quer seguindo o modelo de contratação tradicional, outorgando-se
valores ao risco que o sector público mantém em ambos – é o designado
Public Sector Comparator); avalia-se o interesse do mercado; é obtida
aprovação para o projecto; e é criada a equipa do projecto; (2) publicação no
Jornal Oficial das Comunidades Europeias – inicia-se oficialmente o processo
de adjudicação; (3) pré-qualificação das propostas - informação e discussão
sobre as propostas apresentadas e selecção de seis candidatos para a fase
seguinte; (4) entrevistas competitivas, selecção de três concorrentes; (5)
propostas e negociação – um completo resumo de especificações circulará
para os candidatos apresentarem propostas detalhadas – selecção da
proposta; (6) adjudicação do contrato; (7) e início da prestação dos serviços
contratados.
24. O Reino Unido é o país com o espectro mais amplo de aplicação
sectorial de PFI/PPPs: desde os serviços tradicionais, como infra-estruturas de
transporte, escolas, hospitais, tribunais, prisões, esquadras de polícia e
quartéis de bombeiros, habitação social, até serviços relacionados com o
ambiente, equipamento militar, sistemas de informação tecnológica e centros
de lazer. Os investimentos em PFI têm sido realizados em todos os sectores
de actividade e promovidos por mais de uma centena de entidades diferentes.
Conclusões e Recomendações
323
Uma das áreas mais relevantes, nos últimos anos, na utilização de projectos
de PFI é a área da saúde, com um investimento de 6 biliões de libras.
Contudo, a existência de poupança efectiva e a redução do número de camas
nos hospitais são dois dos principais factores de controvérsia sobre o recurso
a PPPs nesta área.
Também o sector da justiça tem vindo a apostar em PFI/PPPs, tanto no
que respeita aos tribunais, como ao sistema prisional. Os projectos PFI/PPPs
podem envolver um ou mais tribunais. Os contratos podem incluir a concepção
do projecto, o financiamento, a construção, a gestão e a manutenção dos
equipamentos e a prestação de serviços conexos, como serviços de limpeza,
de segurança, relacionados com tecnologias de informação, entre outros. As
funções de âmbito judicial, designadamente as desempenhadas por
magistrados, funcionários judiciais ou por outros operadores em que esteja em
causa a independência judicial, não são incluídas nos projectos.
25. Na República da Irlanda, a opção governamental pela intensificação
do recurso a parcerias público-privadas está intimamente ligada ao
exponencial crescimento económico do país, a partir de meados dos anos
noventa do século passado. Perante a necessidade de investimentos
avultados em infra-estruturas, o modelo contratual de PPPs foi considerado
uma solução adequada. O processo iniciou-se com um estudo, encomendado
pelo Governo em 1998, cujo objectivo central era avaliar a possibilidade de
utilização de parcerias público-privadas. Os primeiros projectos-piloto tiveram
início no ano seguinte.
As parcerias público-privadas adquiriram grande relevo na execução do
Plano de Desenvolvimento Nacional 2000-2006, em particular no âmbito do
Programa Operacional de Infra-estruturas Económicas e Sociais. O Plano de
Desenvolvimento Nacional 2007-2013 confere igual preponderância às
parcerias público-privadas: do investimento global previsto de 76,2 biliões de
euros, cerca de 12 biliões de euros dizem respeito a projectos de parcerias
público-privadas.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
324
26. Não existe no ordenamento jurídico irlandês um diploma legal que,
de forma exclusiva e global, regulamente a contratação sob a forma de PPP,
embora em 2002 tenha sido publicado um diploma (The State Authorities Act,
2002 - Public Private Partnership Arrangements), considerado fundamental
para a consolidação das PPPs na Irlanda. A Unidade Central de PPP define,
complementarmente, directivas, bem como notas técnicas mais detalhadas,
relativamente ao processo de adjudicação de PPPs e aos procedimentos a
adoptar, o mesmo fazendo as várias unidades de PPP dos diferentes
departamentos governamentais. O Departamento de Finanças estabelece,
igualmente, directivas nesta matéria.
27. O Governo irlandês considerou que uma efectiva implementação de
parcerias público-privadas no país requereria a existência de organismos
governamentais especializados nesta matéria, com responsabilidade e
conhecimentos para gerir essa nova abordagem à contratação pública, o que
levou à criação de vários organismos com o objectivo de tornar mais fácil e
eficaz a implementação de PPPs. Como estruturas centrais de fiscalização e
controlo de parcerias público-privadas, foram criadas a Agência Financeira de
Desenvolvimento Nacional (National Development Finance Agency – NDFA),
como centro especializado de aconselhamento financeiro, e a Unidade Central
de PPPs (Central PPP Unit), com competência para coordenar o processo de
implementação das PPPs. No âmbito deste último organismo, a gestão dos
processos é feita através de dois grupos: um Grupo Interdepartamental de
PPPs (InterDepartmental Group on PPPs – IDG) e um Grupo Informal de
Consultoria de PPPs (Public/Private Informal Advisory Group on PPPs).
Existem, também, unidades de PPP (PPP Units) em vários departamentos
governamentais. Foi, ainda, criado no seio do Governo um Sub-Comité do
Gabinete para as Infra-estruturas e Parcerias Público-Privadas (the Cabinet
Sub-Committee on Infrastructure and Public-Private Partnership).
Conclusões e Recomendações
325
28. Existem, actualmente, na Irlanda, projectos de parceria público-
privada a decorrer ou em processo de adjudicação em diferentes sectores,
designadamente educação, ambiente, e redes viárias e ferroviárias.
No sector da justiça, o recurso a esta forma de contratação é mais
recente. Os primeiros projectos, da responsabilidade do Courts Service e do
Prison Service, encontram-se, actualmente, em fase de adjudicação ou de
construção. Estão em curso os seguintes projectos: um relativo à construção
de um complexo de tribunais, um outro relativo a obras de ampliação,
conservação e restauro de edifícios de diversos tribunais e outros dois
relativos à construção de dois estabelecimentos prisionais.
São várias as modalidades de parcerias público-privadas utilizadas nos
diferentes sectores. No sector da justiça, as modalidades utilizadas são a
designada DBFOM, que transfere para o parceiro privado a concepção,
construção, financiamento, gestão e manutenção da infra-estrutura ou DBFM,
que exclui a gestão.
29. A Austrália é, na análise comparada de experiências, um dos países
de referência das PPPs, possivelmente o principal depois do Reino Unido.
Algumas empresas e bancos especializaram-se nesta matéria, desenvolvendo
inovações organizativas e contratuais, como o modelo de PPP de liderança
financeira (financier-led model), em que os bancos organizam e concentram a
propriedade da SPV, sociedade criada para determinado projecto PPP.
A dispersão institucional marca as PPPs australianas: estas são
enquadradas por legislação e estruturas regionais, mais do que nacionais. Um
panorama das PPPs na Austrália é, sobretudo, um panorama das PPPs nas
suas regiões. Em contraste com a dispersão institucional, há uma
acentuadíssima concentração geográfica, em algumas regiões. As PPPs têm,
sobretudo, expressão nos estados de Vitória e Nova Gales do Sul. O estado
de Vitória lidera a experiência sobre PPPs. O falhanço de alguns projectos
levou a uma inflexão desta política em finais da década de noventa do século
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
326
passado, que, depois de alguns reajustamentos, voltou, anos mais tarde a ser
retomada.
30. A nível nacional, a institucionalização é incipiente, apesar de o
Governo Central ser contraente em PPPs e estimular o seu alargamento. Em
2004, foi criado o National PPP Forum, organismo constituído por
representantes do Governo Central e dos governos regionais, com o objectivo
de harmonizar as diversas experiências regionais, sistematizar o
enquadramento jurídico e organizativo e dinamizar o mercado nacional de
PPPs. Em cada região são os respectivos ministérios e o departamento de
finanças que apoiam, fiscalizam e coordenam os projectos de PPPs. A
institucionalização australiana é simples: em cada região, a tutela sectorial
adjudica, o Ministério das Finanças (Treasury) prepara, avalia e fiscaliza
através de um departamento especializado.
31. Os governos estaduais têm mantido uma abordagem flexível desta
figura contratual. Os termos dos contratos de PPP variam muito de projecto
para projecto, embora seja referenciada a tentativa de se procurar criar
cláusulas contratuais standard. Aquela flexibilidade reflecte-se no
enquadramento legal das PPPs, pelo que não existe no ordenamento jurídico
australiano um quadro legal específico para os contratos de PPP. Têm, no
entanto, vindo a ser publicados vários documentos dos governos regionais
estabelecendo linhas de orientação aplicáveis àqueles contratos. Um dos
principais documentos foi publicado pelo governo do estado de Vitória, em
2005, que estabelece um conjunto de princípios contratuais standard, com o
objectivo de servir de guia orientador para a prossecução da política de
implementação das PPPs. Acresce que para projectos de grande envergadura
são publicadas normas específicas.
Os projectos têm, em média, a duração de 20 a 30 anos. No termo do
prazo, os bens tornam-se, normalmente, propriedade do Estado. Uma das
Conclusões e Recomendações
327
excepções é o County Court de Vitória, em que o parceiro privado manterá a
titularidade do direito de propriedade sobre o edifício no termo do contrato.
32. Nos estados que recorrem a esta figura contratual, as PPPs são, em
termos sectoriais, bastante abrangentes e homogeneamente distribuídas. Para
além de áreas tradicionais como os transportes, a água e o saneamento,
encontram-se projectos na área da educação, saúde, justiça, segurança
pública, defesa, habitação social, até nos sistemas de informação, sector que,
após diversos fracassos, vem sendo considerado “impróprio” para o modelo.
Uma tal abrangência só encontra paralelo possivelmente no Reino Unido. Há,
também, uma certa homogeneidade entre áreas no número de projectos
existentes.
O sector da justiça, embora não muito representativo no número de
contratos de PPP, revela a peculiaridade de ser o mais distribuído
geograficamente. Para além de Vitória (com os projectos respeitantes a duas
prisões e ao County Court de Vitória) e da Nova Gales do Sul (South Australia
Police and Courts Project), encontram-se projectos de prisões e tribunais na
Austrália do Sul (CBD Courts Complex) e na Austrália Oeste (Complex Long
Bay Prison and Forensic Hospitals). Todos os projectos incluem, também, a
transferência da gestão da infra-estrutura para o parceiro privado.
33. No ordenamento jurídico francês, as PPPs, em sentido lato,
englobam as figuras, designadas de mercados públicos, delegações de
serviço público, contratos de parceria assimilados, outros tipos de contratos
administrativos criados para contornar os limites daquelas figuras contratuais,
como os contratos de arrendamento administrativo ou os contratos de
autorização temporária de ocupação do domínio público, e os contratos de
parceria (CP) o novo instrumento jurídico no qual a França está a apostar no
âmbito das PPPs. Este tipo de contrato, criado em 2004, prevê várias
possibilidades de associação de operadores privados a projectos públicos,
cujo objectivo principal consiste em transferir para o parceiro privado o
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
328
financiamento, a construção e manutenção de uma infra-estrutura públicas em
troca de uma remuneração por parte da entidade pública, admitindo, ainda, a
possibilidade de o parceiro privado gerir os serviços públicos a elas
associados.
Além do aperfeiçoamento do regime legal das PPPs, o Governo
procedeu à publicação de um conjunto de normas regulamentares em
matérias directamente ligadas às PPPs, como é o caso da aplicação das
regras do Eurostat, e à criação de uma estrutura de apoio aos projectos de
parcerias público-privada. Foi, ainda, publicado um guia prático, intitulado “Os
contratos de parceria – princípios e métodos”, cujo objectivo é orientar e
esclarecer os parceiros envolvidos num contrato de PPP.
A importância do tema levou à criação, no âmbito do Parlamento, de um
grupo de trabalho com o objectivo de proceder à avaliação das experiências
em curso, promover a divulgação de boas práticas e de propor
recomendações ou alterações do quadro legal.
34. Em França, o processo formal de PPP dá especial ênfase à partilha
do risco. Considera-se que a optimização da partilha do risco entre os
parceiros é não só essencial para o sucesso da parceria, como, também, para
o cumprimento das regras do Eurostat. A identificação dos riscos é,
normalmente, feita com recurso a uma matriz de riscos, da qual consta uma
lista exaustiva dos riscos do projecto e da repartição dos mesmos entre os
parceiros. Através desta matriz é possível conhecer, de forma imediata e
transparente, o conjunto dos riscos e a sua distribuição.
No que se refere à distribuição dos riscos, o parceiro privado deve
assumir, nomeadamente, os riscos de dimensionamento, de má concepção
funcional e de arquitectura, de construção, de conservação, de exploração e
de disponibilidade final do projecto. Quanto aos chamados riscos “exógenos”,
como, por exemplo, os riscos decorrentes de autorização administrativa
(licenças de construção, autorizações de exploração, aval das comissões de
segurança, etc.), alterações regulamentares e todas as situações de força
Conclusões e Recomendações
329
maior, considera-se que os mesmos devem ser equitativamente partilhados
entre parceiros público e privado.
35. Quanto ao procedimento de constituição de uma PPP, as entidades
públicas que pretendam recorrer a esta figura devem, obrigatoriamente,
proceder a uma rigorosa avaliação prévia do projecto, demonstrando que o
projecto ou é demasiado complexo para ser realizado através de modelos
tradicionais ou é urgente. Tomada a decisão de recurso a um contrato de
parceria, é feita a sua divulgação pública. Após a recepção das respectivas
candidaturas, há uma fase de discussão, denominada de diálogo competitivo,
entre o contratante público e cada sociedade candidata. Depois desta fase, as
sociedades em concurso são convidadas a elaborar uma proposta final de
acordo com os objectivos definidos. Segue-se a fase de selecção de acordo
com critérios prévia e objectivamente definidos.
36. As estruturas de apoio aos projectos de PPP são a Missão de Apoio
à Realização de Contratos de Parceria (MAPPP), com competência para
produzir e divulgar orientações e apoiar os parceiros públicos na preparação,
negociação e execução de contratos de PPP; o Instituto de Gestão Delegada
IGD), que elabora estudos e recomendações sobre a gestão dos serviços
públicos, em especial dos serviços públicos cuja gestão foi delegada, no
sentido de promover a sua qualidade; e, para o sector da justiça, a Agence de
Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la Justice (AMOTMJ), cuja
competência foi alargada em 2006, passando a gerir os contratos de parceria
no sector. Em Junho de 2006, foi criado um centro de peritagem e de análise
das PPPs: o Centro de Peritagem Francês para a Observação das PPPs
(CEFO-ppp). Este Centro tem por missão, entre outros objectivos, estabelecer
“ficheiros PPP”, dos quais constarão as características essenciais dos
contratos de parceria.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
330
37. As áreas de intervenção das PPPs estão dispersas pelos diversos
sectores, como, por exemplo, saúde, redes viárias, transportes, podendo
incidir na construção e gestão de infra-estruturas várias. A abrangência de
determinada parceria depende do tipo de contrato utilizado, embora os
contratos CP, que permitem o alargamento da parceria à gestão da infra-
estrutura, sejam cada vez mais utilizados.
No sector da justiça, o sistema prisional tem sido um dos sectores
pioneiros na utilização de PPPs. Desde 2002, o Ministério da Justiça tem
recorrido a vários tipos de contratos de PPP para a construção de novos
estabelecimentos prisionais (através do reagrupamento de projectos em três
lotes) estando, também, previstas a reconstrução de um centro de detenção
em Paris e a construção e reestruturação de dois palácios da justiça
(considerados como experiências-piloto, estes sob a forma de contrato CP,
que inclui a gestão da infra-estrutura e de um conjunto de serviços). A parceria
referente ao terceiro lote de estabelecimentos prisionais transfere também
para o parceiro privado a responsabilidade pelos serviços de restauração,
lavandaria, transporte e formação profissional dos reclusos.
38. Na Bélgica, o regime legal das PPPs é tributário da divisão
administrativa existente (região flamenga, a região de Bruxelas e a região de
Valona), quer no que respeita ao enquadramento legal, quer à definição de
prioridades de cada região. No direito “federal” belga não existe nenhum
diploma legal que especialmente enquadre os contratos de PPP. Sempre que
uma entidade pública pretenda celebrar um contrato que envolva uma
cooperação entre o Estado ou uma entidade pública e uma entidade privada,
deverá recorrer a uma destas três figuras jurídicas: mercado público (marché
public), concessão de obras públicas (concession de travaux publics) ou
convenção sui generis (convention sui generis). Estas figuras jurídicas têm
vindo, contudo, a ser consideradas insuficientes para dar resposta aos
contratos de PPP, tendo surgido, na prática, algumas dificuldades de ordem
Conclusões e Recomendações
331
normativa, nomeadamente quanto à constituição de direitos reais sobre os
bens do domínio público objecto de uma PPP.
As soluções normativas para superar essas dificuldades estão a ser
desenvolvidas pelas próprias regiões belgas, tendo a região flamenga
publicado legislação específica em matéria de PPP, o Decreto flamengo de 18
de Julho de 2003, cujo objectivo central é o de incentivar a utilização de PPPs.
Para tal, é alargada a possibilidade da utilização desta figura a vários sectores
públicos, nomeadamente ao sector ambiental, ensino, renovação urbana ou
cultural, não circunscrevendo o objecto dos contratos apenas à área da
construção e manutenção de infra-estruturas, mas alargando as possibilidades
de associação dos parceiros público e privado.
39. As áreas de intervenção das PPPs belgas variam em função da sua
divisão administrativa. A nível federal, o Governo não dispõe de um programa
específico de PPPs. Regista-se, contudo, o recurso sectorial a contratos de
PPP, como é o caso de um projecto relativo a redes ferroviárias.
A nível das regiões belgas, a região flamenga tem sido a região que mais
recorre a PPPs, quer para prestação de serviços públicos, quer para a
construção de infra-estruturas (aeroporto de Antuérpia, alojamentos sociais,
estradas, águas, etc.). A região Valona também tem recorrido a este
instrumento, principalmente, em obras de revitalização urbana, e há
referências no sentido da sua intensificação.
Na área da justiça, o recurso a PPPs é ainda muito residual e, do nosso
conhecimento, encontra-se em fase de discussão. Na região flamenga foi
construído, com recurso a uma parceria pública-privada, um Palácio da
Justiça.
40. Espanha é considerado um dos países europeus com maior
activismo na área das PPPs, embora com uma forte concentração sectorial. O
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
332
recurso a esta forma de contratação tem acompanhado o esforço do país na
construção de infra-estruturas, designadamente redes viárias e ferroviárias.
O regime legal dos contratos de PPPs é tributário da organização
administrativa do Estado espanhol. A nível central, o regime legal aplicável é o
da Lei dos Contratos das Administrações Públicas. A Lei 13/2003, de 23 de
Maio, veio alterar e complementar este regime jurídico, criando uma nova
figura jurídica – o contrato de concessão de obras públicas – e novas regras
que atendem aos critérios do Eurostat evitando o impacto das PPPs na dívida
pública. Em fase de preparação está uma nova regulamentação,
especialmente dirigida aos contratos de PPP.
A nível das comunidades autónomas, algumas comunidades têm
legislação específica que rege a contratação pública no âmbito das suas
competências, onde se incluem os contratos de parceria público-privada, em
complemento das normas de aplicação nacional.
41. Não existe nenhum organismo, a nível nacional, com competência
específica para o apoio e controlo dos contratos de PPPs. As entidades
públicas responsáveis pela celebração de contratos de PPPs desempenham
essas funções. A supervisão de natureza financeira está a cargo de um grupo
de trabalho constituído por peritos, que inclui profissionais do Banco Central
de Espanha e do Tribunal de Contas. Merece referência a criação de uma
agência pública para promover as PPPs no sector das estradas e dos
caminhos-de-ferro e a criação de uma associação privada, denominada
ForoPPP para a promoção e desenvolvimento de parcerias público-privadas
nas várias regiões espanholas.
A nível das comunidades autónomas, a entidade pública responsável
pela celebração de um contrato de PPP desempenha também funções de
controlo e da execução do contrato.
Conclusões e Recomendações
333
42. As áreas de intervenção das PPPs são muito diversas. A primeira e
principal área de intervenção é no sector dos transportes e comunicações que,
desde a década de noventa, tem visto crescer o número de projectos de PPP.
Mais, recentemente, a utilização de PPPs tem sido alargada a outras áreas,
em especial, à área da saúde (hospitais) e à construção de aeroportos.
A área da justiça só muito recentemente foi considerada como uma
potencial área para a utilização deste mecanismo contratual, em parte em
resultado das alterações legais de 2003. Estas alterações criaram um novo
contexto legal que permitiu que a área da justiça seja, actualmente, vista como
um potencial sector de sucesso na colaboração entre o sector público e o
sector privado. A construção de uma prisão na Comunidade da Catalunha está
a ser feita com recurso a uma PPP. Salientam-se, ainda, dois grandes
projectos, em execução, com recurso ao investimento privado: os projectos
relativos à construção do Campus de Justiça de Madrid e da Cidade Judiciária
de Valência. Refira-se que para a concretização daquele primeiro projecto foi
criada a empresa pública, Sociedad Campus de la Justitia de Madrid, S.A, e o
investimento estima-se em cerca de 516 milhões de euros.
43. Apesar da crescente intensidade, um pouco por todo o lado, do
recurso às parcerias público-privadas como via de desenvolvimento dos
serviços públicos, a sua utilização, sobretudo em alguns sectores, como é o
caso da saúde, tem suscitado alguma controvérsia e questionamento, quer
sobre as verdadeiras razões que a sua utilização encobre, quer sobre o
cumprimento efectivo dos objectivos que lhes subjazem.
Assim, contra a visão promissora de governos e das grandes empresas
mundiais de consultadoria, dos bancos investidores e das empresas de
construção, outras vozes se lhe opõem ou, pelo menos, revelam-se menos
confiantes, chamando a atenção para vários aspectos a considerar, quer na
fase de preparação do contrato, quer na sua execução, algumas, como vimos
neste relatório, de organismos oficiais de diferentes países ou da União
Europeia.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
334
44. Algumas das questões mais discutidas relacionam-se com a
potencialidade (ou não) de superação da lógica e interesses historicamente
conflituantes que orientam os dois actores envolvidos (Estado e sector
privado); a possibilidade de gerar value for money, quer numa acepção lata,
ou seja, enquanto vantagem colaborativa ou comparativa, quer numa acepção
mais restrita, permitindo ao Estado poupar e ao privado lucrar; a possibilidade
de partilhar os riscos entre sector público e sector privado; a mudança do
ênfase dos activos para os serviços e dos métodos para os resultados; a
possibilidade de estimular a inovação, ao especificar resultados em vez de
métodos; o maior envolvimento e incentivo do parceiro privado através da
integração de tarefas (bundling); e a possibilidade de ter em conta o ciclo de
vida de um serviço, não só no que respeita à concepção e construção de
equipamentos, mas também à sua manutenção.
45. Uma crítica frequente às PPPs é que diminuem a margem de
manobra pública e o espaço de decisão política do Estado. Considera-se,
ainda, que tendem a alterar os equilíbrios e inércias institucionais entre Estado
e sector privado. Nos sectores mais “rentáveis” para as PPPs, mais e
melhores quadros estarão no sector privado. Um Estado desprovido de
conhecimentos sobre concepção, construção, manutenção de infra-estruturas,
terá dificuldade em defender o interesse público quando tenha de decidir a
esse respeito.
46. O debate económico orbita quase exclusivamente em torno da
poupança, do problema do value for money. A poupança é, como vimos nos
vários capítulos deste relatório, um dos principais argumentos justificativos das
PPPs e é, também, um dos mais escrutinados. Os dados são díspares. Desde
logo, falta tempo, pois só no final dos contratos se poderão retirar conclusões
sólidas. O debate gira, por isso, em torno de estimativas e dados parciais. As
estimativas têm de partir de vários pressupostos, eles próprios sujeitos a
Conclusões e Recomendações
335
críticas. As muitas questões levantadas em torno do custo público comparado,
principal medida de poupança, reflectem-no. Para vários autores, é
virtualmente impossível provar em termos técnicos ou económicos a
superioridade do modelo PPP. Consideram, por isso, a questão
eminentemente política.
47. Outra questão, recorrentemente discutida, relaciona-se com a
constatação da dificuldade de superação do conflito de interesses, sempre
existente, entre público e privado. Daí que o carácter relacional seja visto
como tendencialmente tenso. A relação contratual deve, por isso, tão cedo
quanto possível, definir claramente os papéis e responsabilidades de cada
parceiro. Neste contexto, merece especial referência um outro patamar de
conflitos de interesse: o papel duplo dos assessores. Estes actores, cruciais
na organização de uma PPP, prestam os seus serviços, tanto ao sector
público, como ao sector privado. É por isso que uma das principais
recomendações vai no sentido de os governos criarem equipas próprias de
especialistas nesta matéria.
48. Os projectos de PPPs significam, em geral, esquemas bastante
complexos, por isso, morosos e de elevado custo, sobretudo quando falta
experiência. Este problema de organização é também um problema
económico (problema de custos de organização) que se junta ao custo de
financiamento privado como mais um elemento que a priori prejudica a
poupança das PPPs. Para alguns autores, os elevados custos de organização
devem-se aos conflitos de interesse entre quatro grandes actores: adjudicante,
candidato, financiador e assessores, considerando que, por vezes, estes
últimos têm mesmo interesse numa negociação complexa para justificar altas
comissões.
49. As PPPs introduzem uma outra questão de difícil resolução. Se, por
um lado, os elevados custos de organização de uma parceria levam a que
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
336
esta só compense a partir de determinada escala – 20 milhões de libras,
segundo o Governo britânico (HM Treasury, 2006), por outro, a escala afecta a
concorrência – quanto maior a escala de um projecto, menor a concorrência.
O debate sobre o bundling é uma expressão mais específica, na esfera
funcional, dos problemas de escala vs. concorrência. O bundling é a
concentração no parceiro privado do grosso das etapas de produção de um
serviço, normalmente desde a concepção até à exploração. Isso pode
restringir a tarefa a um número muito limitado de privados com grandes
recursos, aniquilando a concorrência e os seus benefícios. A esta luz, a
contratação pública tradicional, com a separação de etapas, surge até como
mais concorrencial.
50. Num projecto de parceria público-privada, o Estado transfigura-se de
provedor directo de bens e serviços (à luz da contratação pública tradicional)
em regulador dos serviços de utilidade pública, o que impõe atenções
acrescidas em sede de fiscalização e controlo da execução dos contratos de
PPP, por parte do parceiro público, potenciando, assim, as vantagens que são
genericamente atribuídas às parcerias com privados, como, por exemplo, a
maior eficiência destes. Esta questão assume particular relevância quando
analisada conjuntamente com uma outra crítica frequente às PPP: a da
transferência dos quadros técnicos qualificados do sector público para o sector
privado e consequente desguarnecimento do Estado de conhecimentos
especializados. Todas as recomendações salientam, como vimos, a
necessidade de uma adequada fiscalização por parte do Estado do
desempenho do parceiro privado, necessitando, para o efeito, de
conhecimentos técnicos adequados.
51. Muitas das questões, acima enunciadas, valem certamente para o
caso português. Ao criar, na lei, a figura das parcerias público-privadas, o
legislador português estabelecia três objectivos essenciais: concretização das
politicas públicas sem aumento da despesa pública, maior eficiência na
Conclusões e Recomendações
337
afectação dos recursos públicos e melhoria dos serviços. Em que medida tais
objectivos estarão ou virão a ser concretizados? Uma efectiva avaliação, com
recurso a metodologias adequadas, dos contratos de parceria em curso dar-
nos-ia respostas mais concretas, embora sempre parciais, dada a longa
duração destes contratos. Contudo, para que tais objectivos efectivamente
ocorram, é fundamental, ter em conta, na prática, um conjunto de aspectos,
muitos deles constantes dos pareceres do Tribunal Contas, de que demos
conta no Capítulo II, nomeadamente, a necessidade de melhor preparação
dos projectos de PPP, enfatizando a importância da definição prévia dos
objectivos, da justificação da prioridade do projecto, da viabilidade orçamental
numa perspectiva de longo prazo e da avaliação de todos os custos indirectos;
da clara definição contratual quanto à partilha de riscos; da necessidade de
diminuir a excessiva dependência de consultores externos; e de criar
adequadas e sustentadas linhas de orientação. O Tribunal de Contas
considera, ainda, imprescindível implementar um sistema metódico, regular e
público que identifique, estude, recolha e divulgue a experiência adquirida ao
longo dos vários processos de parceria público-privadas.
II. Algumas Recomendações
A análise comparada de diferentes experiências, quer de influência
anglo-saxónica, quer da Europa Continental mostra que diferentes governos
consideram o recurso às parcerias público-privadas como uma via adequada
para ultrapassar os constrangimentos de vária ordem, que acima enunciámos.
Mas, a análise comparada mostra, também, que esta é uma matéria que
levanta muitas questões e suscita preocupações de diversa natureza,
circunstância que tem levado as autoridades públicas a um maior investimento
no seu conhecimento, procurando, não só analisar outras experiências,
sistematizar processos de boas práticas, produzir orientações e alterações
legais, mas também apostar na criação de organismos públicos que possam
fomentar o conhecimento especializado em várias vertentes (económico-
financeira, jurídica, de engenharia, etc.).
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
338
A ausência, em geral, de uma política de monitorização exigente e
independente deste tipo de contratos, as dificuldades de realização dessa
monitorização, quer pela sua complexidade, exigindo, por exemplo, um
adequado sistema de custo público comparado, quer pelo facto de se tratar de
contratos com um longo ciclo de vida, sem que ainda se conheçam
experiências com o ciclo do contrato completo, leva a que muitos autores
considerem que a decisão de opção por uma parceria público-privada para o
desenvolvimento de determinado serviço público, seja uma decisão
eminentemente política.
O estudo que se apresenta neste relatório permite conhecer, não só os
sectores mais relevantes de utilização das PPPs e, concretamente, as áreas
em que se recorre a esta figura no sector da justiça e o tipo e amplitude destes
contratos em vários países, mas também alguns problemas que emergiram
com a sua utilização, as medidas que têm vindo a ser desenvolvidas para os
ultrapassar, bem como recomendações de vária ordem no sentido de ser
possível, de facto, concretizar políticas públicas sem aumento de despesa
pública, com maior eficiência na afectação de recursos públicos e efectiva
melhoria dos serviços.
Assim, à luz da investigação realizada, parecem-nos adequadas as
seguintes recomendações de carácter geral, admitindo-se que, algumas delas,
já estejam a ser tidas em consideração.
a) A análise comparada mostra que o sector da justiça é, em geral, um
dos sectores em que a utilização de parcerias público-privadas é mais recente
e menos relevante. E é mais relevante no sistema prisional que nos tribunais.
Em muitos países estão a iniciar-se as primeiras experiências-piloto. A
utilização de parcerias público-privadas na área da justiça está a ser
considerada, um pouco por todo o lado, uma potencial via para o sector,
sobretudo para a construção ou renovação de infra-estruturas, tendo em conta
que as modalidades de contratação tradicional não permitem ultrapassar os
Conclusões e Recomendações
339
constrangimentos existentes, determinando a impossibilidade de dotar o
serviço público de infra-estruturas necessárias e adequadas.
b) As especificidades do sector da justiça, nomeadamente a natureza
dos seus agentes, as políticas que desenvolve e as características da procura
que lhe é dirigida fazem com que, além dos serviços relacionados com o
exercício da função judiciária, que sempre estariam excluídos,
tendencialmente não seja aconselhado o alargamento dos contratos de PPPs
à prestação de serviços conexos, a não ser de serviços que não tenham
relação directa com a actividade nuclear desenvolvida, designadamente
serviços de limpeza, de lavandaria, de cafetaria. O objecto das parecerias
deve, assim, limitar-se, sobretudo, à construção, à renovação/alargamento de
edifícios e à sua manutenção.
c) Considera-se fundamental a definição de uma estratégia global para o
sector, quer considerando as infra-estruturas necessárias, obrigando a um
levantamento de todas as necessidades públicas e à definição de prioridades,
quer considerando as vias a seguir (modalidade de contratação tradicional ou
PPP) para satisfazer essas mesmas necessidades, procurando, assim, evitar-
se os problemas ocorridos em outros sectores.
d) Deverão identificar-se de forma muito precisa as vantagens que o
modelo comporta para o parceiro público relativamente a outras formas
alternativas de alcançar os mesmos fins. Nesse sentido, os estudos e
avaliações efectuadas deverão especificar, de forma o mais detalhada
possível, os custos, directos e indirectos, e as vantagens que a parceria traz,
tanto para o Estado, como para o parceiro público. Deverão, por isso, ser
efectuados estudos económicos e financeiros que projectem, na medida do
possível, as várias opções possíveis de concretização das finalidades que se
pretendem atingir.
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
340
Tal como acontece em outros países, um dos instrumentos essenciais é
a existência, para o sector, de um sistema de custo público comparado.
e) A definição de uma estratégia global é, também, importante por razões
de escala e de concorrência. Um dos problemas que a utilização de PPPs
levanta decorre da dificuldade em optimizar «escala» e «concorrência». Os
projectos têm que ser suficientemente dimensionados para serem atractivos
aos parceiros privados e gerarem concorrência (como vimos, é frequente os
governos recorrerem a uma parceria para a construção ou reparação de vários
edifícios), mas não em demasia que impeça essa mesma concorrência,
considerando a capacidade empresarial. Deve, assim, no âmbito da
preparação do processo ser feita uma avaliação do mercado, identificando
potenciais interessados. A análise das condições de mercado deverá sempre
ser efectuada globalmente, de forma que permita um conhecimento profundo
do mercado, levando em conta os princípios subjacentes à concorrência, não
privilegiando qualquer grupo ou interesse instalado. Deverá, ainda, levar-se
em conta o facto de o mercado nacional ser um mercado global e,
especificamente um mercado europeu.
f) A rigorosa avaliação prévia de um conjunto de factores antes do
lançamento da parceria é, como mostra a análise comparada e advertem
todas as recomendações, condição central do sucesso de determinado
contrato de PPP. Os fins de interesse público subjacentes à parceria devem
ser identificados de forma precisa no início do processo, condicionando toda a
actuação da administração durante o processo de preparação, avaliação e
lançamento da parceria. Acresce que as finalidades e interesses públicos que
sejam identificados devem sempre pressupor o cumprimento das normas de
programação financeira plurianual constantes da lei de enquadramento
orçamental;
Conclusões e Recomendações
341
g) A avaliação prévia deve demonstrar que o recurso à PPP conduz a
uma efectiva poupança para o sector público (value for money), garantindo-se
que o potencial valor que possa ser gerado seja efectivamente transferido
para o Estado e utilizadores do serviço público.
h) Todos os encargos e responsabilidades dos parceiros que decorrem
de um determinado projecto de PPP devem ser rigorosamente discriminados,
nomeadamente quanto à sua natureza, à sua extensão e a quem devem ser
imputados. No caso dos encargos a assumir pela entidade pública devem ser
detalhadamente especificados com todas as consequências que importem em
termos de responsabilização futura. Merece especial destaque a identificação
das obrigações financeiras resultantes da parceria. Nesta avaliação não se
pode perder de vista o efeito inter-geracional deste tipo de contratos que, pela
sua longa duração, podem afectar futuros orçamentos e investimentos
públicos.
i) Pelas razões que deixámos enunciadas ao longo deste relatório, e
como resulta das conclusões supra, a distribuição do risco é uma questão
central num contrato de parceria público-privada. De uma correcta e eficaz
distribuição do risco depende o sucesso da parceria, mas também a efectiva
poupança do parceiro público e, no caso dos países da União Europeia, a
contabilização ou não de determinado activo nas contas públicas. Todas as
questões relativas à distribuição do risco devem constar expressamente, e de
forma clara, do clausulado do contrato. O presente estudo dá vários exemplos
de partilha do risco entre os parceiros. Deve ser ponderada a utilização do
método francês, construindo-se para o sector e, especificamente para cada
contrato, uma matriz de riscos o mais detalhada possível.
j) Deve, igualmente, ser dada especial atenção às cláusulas definidoras
da penalização do parceiro privado em caso de incumprimento das suas
obrigações decorrentes da parceria, designadamente das relativas à
As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências
342
disponibilidade da infra-estrutura pelo período de duração do contrato em
condições que permitam potenciar a qualidade de prestação do serviço
público. Aquelas cláusulas são, como demonstrámos no Capítulo III, também
importantes para a aplicação das regras do Eurostat.
l) A eficácia da avaliação prévia depende do conhecimento profundo e
especializado da área a desenvolver. Deverá, por isso, o sector assegurar a
existência de técnicos especializados independentes nas várias vertentes
relacionadas com a parceria e que possam emitir os pareceres adequados de
forma unicamente técnica e de acordo com os conhecimentos mais actuais da
arte.
Caso não seja possível efectuar a avaliação técnica por técnicos
especializados próprios, no processo de consulting a efectuar deverá
observar-se rigorosamente o disposto na lei, quer no que respeita à
fundamentação da necessidade de escolha dos consultores, quer ao processo
de escolha, quer ainda quanto aos encargos que isso comporta para o
Estado/parceiro público. Deverão impor-se regras e cláusulas que
salvaguardem a confidencialidade da informação tratada como também que
impeçam a prestação de serviços idênticos aos parceiros privados durante um
período suficientemente longo para que se não criem quaisquer suspeições ou
conflitos de interesses. De igual modo, se deverão controlar essas situações
através do impedimento de situações de subcontratação de consultores.
m) Igual recomendação deve ser tida em conta no que respeita à
fiscalização e controlo do contrato de parceria e da prestação das obrigações
do parceiro privado. Independentemente da fiscalização e controlo feita por
entidades oficiais externas, como o Tribunal de Contas, o sector da justiça
deve criar, à semelhança do que está acontecer em outros sectores e em
outros países, a sua própria task force especializada de acompanhamento dos
contratos de PPPs que venham a ser celebrados;
Conclusões e Recomendações
343
n) Independente da fiscalização e controlo sectorial, deve, no
cumprimento da lei, no que respeita à fiscalização e acompanhamento global,
para além da entidade designada pelo Ministro das Finanças, ser comunicado
ao Tribunal de Contas, como entidade que controla as contas públicas do
Estado, todo o processo de modo a que o mesmo possa a ser acompanhado
durante toda a sua execução.
o) Decorre da análise comparada que os tipos de contratos mais
frequentes no sector da justiça implicam que a propriedade sobre a infra-
estrutura seja transferida para o parceiro público no final do contrato. Por
várias razões, quer decorrentes da natureza do serviço público, quer de
efectiva poupança para o Estado, parece aconselhável que assim seja. No
caso dos países da União Europeia, esta circunstância pode implicar a
inscrição do activo nas contas públicas. Para que tal não ocorra, é
fundamental, como acima referimos, que se tenha em atenção o clausulado
quanto à distribuição do risco e quanto às penalidades em caso de não
cumprimento por parte do parceiro privado.
p) A comissão de avaliação das propostas na avaliação quantitativa dos
encargos para o parceiro público ou para o Estado, para além de todos os
elementos que constam no artigo 9º nº 2 do Decreto Lei nº 86/2003 – e que
deverá fazer de uma forma especificada e minuciosa em relação a todas as
propostas – deve, assim, levar em consideração e proceder a uma correcta
avaliação do impacto das propostas em relação às normas europeias relativas
ao impacto das PPP nas contas públicas estabelecidas pelo EUROSTAT.
q) A comportabilidade dos encargos globais estimados, nomeadamente
para a parceiro público deve ser profundamente ponderada e apreciada,
permitindo uma maior legitimação política da decisão.
Anexo 1 As PPPs no sector da justiça (Reino Unido, República da Irlanda, Austrália, França, Bélgica e Espanha)
PPPs no sector da justiça
Países Legislação
específica
Principais
organismos de
apoio, controlo e
fiscalização
Sectores/áreas de
intervenção
mais relevantes
Projectos em
curso Tipo de contratos Duração média
Reino Unido
- Sem legislação
específica
- Orientações do Hm
Treasury
- Office of
Government
Commerce
- National Audit Office
- Partnerships UK
- PFI Operational
Taskforce
- 4P´s
- Obras públicas
(transportes, redes
viárias e ferroviárias,
pontes e túneis)
- Educação
- Saúde
- Habitação social
- Sistemas de
tecnologias de
informação
- Centros de lazer
- Ambiente
- Segurança
(esquadras de polícia
e quartéis de
bombeiros,
equipamento militar)
- Justiça
- 9 tribunais
- 10 estabelecimentos
prisionais
- 4 centros de treino p/
jovens delinquentes
PFI/PPP
Contratos de DBFO 25 anos
345
PPPs no sector da justiça
Países Legislação
específica
Principais
organismos de
apoio, controlo e
fiscalização
Sectores/áreas de
intervenção
mais relevantes
Projectos em
curso Tipo de contratos Duração média
República da
Irlanda
Embora não
regulamente as PPPs
de forma exclusiva e
global, existe um
diploma de 2002
- National
Development Finance
Agency
- Central PPP Unit
- PPP Units
- Obras públicas
(transportes, redes
viárias e ferroviárias e
pontes)
- Educação e ciência
- Saúde e infância
- Ambiente
- Património
- Administração local
- Justiça
- 2 projectos relativos
a vários tribunais
- 2 estabelecimentos
prisionais
DBFM DBFOM
25 anos
Austrália
- Sem legislação
específica
- Orientações e
princípios contratuais
standard dos
governos regionais
- Normas específicas
para grandes
projectos
- Ministérios das
Finanças
- National PPP Forum
- Transportes
- Água e saneamento
- Educação
- Saúde
- Segurança pública
- Defesa
- Habitação social
- Sistemas de
informação
- Justiça
- 3 projectos relativos
a tribunais e
esquadras de polícia
- 2 projectos relativos
a estabelecimentos
prisionais
DBFO 25 anos
347
PPPs no sector da justiça
Países Legislação
específica
Principais
organismos de
apoio, controlo e
fiscalização
Sectores/áreas de
intervenção
mais relevantes
Projectos em
curso Tipo de contratos Duração média
França
Legislação vária
aplicável a diversos
tipos de contrato
- Mission d´Appui à la
Réalisation de
Contrats de
Partenariat (MAPPP)
- Institut de la Gestion
Déléguée
- Agence de Maîtrise
d´Ouvrage des
Travaux du Ministère
de la Justice
(AMOTMJ)
- Centre d’Expertise
Français pour
l’Observation des
Partenariats Public-
Privé (CEFO-PPP)
- Transportes
- Segurança interna
- Saúde
- Justiça
-Projectos relativos a
11 estabelecimentos
prisionais (10
projectos englobados
em 3 lotes);
- 2 tribunais
Vários tipos de
contratos,
maioritariamente
contratos de parceria
(CP)
25 a 30 anos
349
PPPs no sector da justiça
Países Legislação
específica
Principais
organismos de
apoio, controlo e
fiscalização
Sectores/áreas de
intervenção
mais relevantes
Projectos em
curso Tipo de contratos Duração média
Bélgica
- Sem legislação
específica
de nível federal
- Legislação
específica na Região
flamenga
- Centre de
Connaissance
flamand de PPP
- Obras públicas
(aeroportos, redes
viárias) - Transportes
-Habitação social
- Água
- 1 tribunal
Informação não
disponível
Parceiro público c/
opção de compra no
fim do contrato
27 anos
Espanha
Legislação específica
a nível central e a
nível das
Comunidades
Autónomas
- Ministérios do sector
- Departamentos
sectoriais das
Comunidades
Autónomas
- Grupo de Peritos
para a Supervisão
Financeira
- Foro PPP
- Sociedad Estatal de
Infraestruturas del
Transporte Terrestre
(p/ o sector dos
transportes)
- Obras públicas
(aeroportos, redes
viárias)
- Transportes
- Saúde
- Justiça
1 estabelecimento
prisional
- 2 projectos relativos
a tribunais
-Informação não
disponível
- Um dos projectos
relativo a tribunais
recorre também ao
financiamento público
30 anos
(estabelecimento
prisional)
Fonte: OPJ
351
Anexo 2 As PPPs no sector da justiça em outros países da Europa
PPPs na Justiça Fase dos projectos
País Tribunais Prisões
Em discussão
Em curso
Alemanha x x
Áustria x x
Grécia x x x
Holanda x x
Hungria x x
Itália x X
Polónia x x
República Checa x x x
Noruega x x
Dinamarca x x
Fonte: OPJ
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