Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada...

396
Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada de diferentes experiências Consultor Pedro Guedes Campos Mestre em Economia Director Científico Boaventura de Sousa Santos Conceição Gomes (coord.) Fátima Sousa Diana Fernandes José Reis Catarina Trincão Paula Fernando Carla Soares OBSERVATÓRIO PERMANENTE DA JUSTIÇA PORTUGUESA CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS FACULDADE DE ECONOMIA UNIVERSIDADE DE COIMBRA O UTUBRO 2007

Transcript of Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada...

Page 1: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Parcerias Público-Privadas e Justiça

Uma análise comparada de diferentes experiências

Consultor

Pedro Guedes Campos

Mestre em Economia

Director Científico

Boaventura de Sousa Santos

Conceição Gomes (coord.)

Fátima Sousa

Diana Fernandes

José Reis

Catarina Trincão

Paula Fernando

Carla Soares

OBSERVATÓRIO PERMANENTE DA JUSTIÇA PORTUGUESA CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS

FACULDADE DE ECONOMIA UNIVERS IDADE DE COIMBRA

OUTUBRO 2007

Page 2: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante
Page 3: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Índice

I

Índice

Glossário de termos e abreviaturas

Introdução Geral _____________________________________________________ 1

Capítulo I

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

Sumário Executivo ____________________________________________________ 7

Introdução __________________________________________________________ 9

1. O Conceito de Parceria Público-Privada _________________________________ 9

2. Características Principais____________________________________________ 13

3. Parcerias, Privatização, Externalização_________________________________ 19

4. As Tipologias Principais de Parcerias Público-Privadas ____________________ 20

5. Génese e Evolução das Parcerias Público-Privadas_______________________ 26

5.1. O Protagonismo Privado: da Antiguidade ao Século XX______________ 26

5. 2. O Estado Centralizador e o Ressurgimento Privado nos Anos 70 do Século XX_____________________________________________________ 29

5.3. A Private Finance Initiative Britânica _____________________________ 31

5.4. As Parcerias Público-Privadas na Europa Continental _______________ 34

6. Motivações da Nova Vaga de Parcerias Público-Privadas __________________ 37

7. A Organização das Parcerias Público-Privadas __________________________ 41

7. 1. A Organização no Âmbito Político-Institucional ____________________ 41

7. 2. O Procedimento ____________________________________________ 44

7. 3. A Estrutura Empresarial: Special Purpose Vehicle__________________ 48

7. 4. A Situação Portuguesa_______________________________________ 49

8. Áreas Sectoriais Mais Relevantes _____________________________________ 51

8. 1. Transportes________________________________________________ 55

8. 2. Água e Saneamento _________________________________________ 56

8. 3. Saúde ____________________________________________________ 57

Page 4: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

II

8. 4. Educação __________________________________________________58

8. 5. Justiça ____________________________________________________59

9. O Debate Público: Breve Abordagem ___________________________________59

9. 1. O Debate Político ____________________________________________59

9. 2. O Debate Económico _________________________________________63

9. 3. O Debate em Torno das Questões Organizacionais _________________68

9. 4. Sucessos, Falhanços, Limites __________________________________73

Capítulo II

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

Sumário Executivo____________________________________________________77

Introdução __________________________________________________________79

1. A razão das parcerias público-privadas__________________________________81

2. Definição legal de parcerias público-privadas e âmbito de aplicação ___________82

3. Repartição de responsabilidades e partilha do risco________________________83

4. Pressupostos das parcerias público-privadas _____________________________84

5. Processo de avaliação prévia das parcerias público-privadas ________________85

5. 1. Preparação e estudo _________________________________________86

5. 2. Lançamento da parceria_______________________________________87

5. 3. Comissão de avaliação das propostas____________________________88

5. 4. Adjudicação ________________________________________________89

6. Fiscalização e acompanhamento das parcerias público-privadas _____________90

7. A contratação de consultores _________________________________________94

8. Resolução de litígios ________________________________________________95

9. Regimes específicos de parcerias público-privadas no sector da saúde ________96

10. Apreciação crítica: o enquadramento legal e a prática _____________________97

10. 1. O Relatório do Tribunal de Contas______________________________98

10. 2. Outras opiniões ___________________________________________103

Page 5: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Índice

III

Capítulo III

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

Sumário Executivo __________________________________________________ 109

Introdução ________________________________________________________ 111

1. As orientações da União Europeia____________________________________ 112

2. As recomendações da União Europeia ________________________________ 138

3. Estudos e opiniões________________________________________________ 145

Capítulo IV

Análise da experiência comparada

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

Sumário Executivo __________________________________________________ 153

Introdução ________________________________________________________ 155

1. Das Ryrie Rules à Private Finance Initiative (PFI)________________________ 156

2. A configuração institucional da PFI ___________________________________ 162

3. O enquadramento legal ____________________________________________ 163

4. Os contratos de PFI/PPPs __________________________________________ 165

5. O processo de negociação de um contrato de PFI _______________________ 167

5. 1. A partilha do risco__________________________________________ 168

6. As áreas de intervenção de PFI/PPPs no Reino Unido____________________ 169

6. 1. Os vários sectores _________________________________________ 169

6. 2. Projectos de PFI/PPPs na área da justiça _______________________ 172

6. 2. 1. PFI/PPPs nos tribunais _________________________________ 172

7. As PFI/PPPs no Reino Unido: um breve balanço ________________________ 185

Page 6: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

IV

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

Sumário Executivo___________________________________________________189

Introdução _________________________________________________________191

1. O enquadramento legal _____________________________________________194

1. 1. The Transport (Railway Infrastructure) Act 2001 ___________________194

1. 2. The State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act, 2002 _________________________________________________________195

1. 3. The National Development Finance Agency Act 2002 e The National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007 __________________196

2. As modalidades de parceria público-privada_____________________________197

3. O processo de adjudicação de uma PPP _______________________________199

4. O financiamento nas parcerias público-privadas__________________________204

5. Estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de PPP ___________204

5. 1. Estruturas centrais de fiscalização e controlo de PPPs______________205

5. 1. 1. A Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional (National

Development Finance Agency – NDFA)___________________________206

5. 1. 2. A Unidade Central de PPP (The Central PPP Unit) ____________207

5. 2. Unidades de PPP no âmbito de Departamentos Governamentais _____209

6. As áreas de intervenção das PPPs____________________________________209

6. 1. Áreas de intervenção geral____________________________________209

6. 2. As PPPs no sector da justiça __________________________________211

6. 2. 1. Tribunais (entidade responsável – Courts Service) ____________211

6. 2. 2. Estabelecimentos Prisionais (entidade responsável: Prison

Service/Department of Justice, Equality and Law reform) _____________213

7. As parcerias público-privadas em avaliação _____________________________215

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

Sumário Executivo___________________________________________________219

Introdução _________________________________________________________221

1. Enquadramento legal: principais linhas orientadoras ______________________225

2. Estruturas de apoio, fiscalização e controlo _____________________________228

3. O processo de adjudicação __________________________________________229

4. Áreas de intervenção de parcerias público-privadas_______________________234

4. 1. Nos vários sectores _________________________________________234

4. 2. As parcerias público-privadas no sector da justiça _________________236

Page 7: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Índice

V

4. 2. 1. Estado de Vitória______________________________________ 236

4. 2. 2. Austrália do Sul _______________________________________ 239

4. 2. 3. Austrália Oeste _______________________________________ 240

4. 2. 4. Nova Gales do Sul ____________________________________ 241

5. A avaliação do recurso às parcerias público-privadas_____________________ 242

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

Sumário Executivo __________________________________________________ 245

Introdução ________________________________________________________ 247

1. O enquadramento legal e institucional dos contratos de parceria ____________ 250

2. As estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de parceria público-privado ________________________________________________ 255

2. 1. A Missão de Apoio à realização de contratos de parceria (Mission d’Appui à la Réalisation de Contrats de Partenariat - MAPPP) ___________ 255

2. 2. O Instituto de Gestão Delegada (Institut de la Gestion Déléguée)_____ 256

2. 3. A Agence de Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la Justice (AMOTMJ) ___________________________________________________ 257

3. O processo de adjudicação de um contrato de parceria ___________________ 258

4. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas _____________________ 265

4. 1. Áreas de intervenção em geral________________________________ 265

4. 2. As parcerias público-privadas no sector da justiça_________________ 266

4. 2. 1. Os projectos em curso na área da justiça___________________ 267

4. 2. 2. Os projectos futuros ___________________________________ 272

5. O balanço das parcerias público-privadas em França_____________________ 274

A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas

Sumário Executivo __________________________________________________ 277

Introdução ________________________________________________________ 279

1. Enquadramento legal dos contratos de parceria público-privadas ___________ 279

2. A estrutura de apoio de parceria público-privada na região flamenga: o Centro de Conhecimento flamengo de PPP__________________________ 283

3. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas _____________________ 283

3. 1. As parcerias público-privadas nos diferentes sectores______________ 283

3. 2. As parcerias público privadas no sector da justiça_________________ 287

4. O balanço das parcerias público-privadas______________________________ 287

Page 8: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

VI

A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas

Sumário Executivo___________________________________________________289

Introdução _________________________________________________________291

1. O enquadramento legal das parcerias público-privadas ____________________291

2. As estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de parceria público-privada_________________________________________________295

3. O processo de adjudicação da concessão de obras públicas________________297

4. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas______________________300

4. 1. Áreas de intervenção em geral_________________________________300

4. 2. As parcerias público-privadas na área da justiça___________________302

5. O balanço dos recurso às parcerias público-privadas______________________302

Capítulo V

Conclusões e Recomendações

I. Conclusões_______________________________________________________305

II. Algumas Recomendações___________________________________________337

Anexos

Anexo 1 - As PPPs no sector da justiça (Reino Unido, República da Irlanda, Austrália, França, Bélgica e Espanha) _______________________________345

Anexo 2 - As PPPs no sector da justiça em outros países da Europa ___________353

Referências Bibliográficas _____________________________________________355

Page 9: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Índice

VII

Índice de gráficos e figuras

Capítulo I

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

Gráfico I.1 Valor de capital das PPPs por continente, 2000 e 2003 _____________ 34

Capítulo IV

Análise da experiência comparada

Gráfico IV. 1 Número e valor dos projectos PFI por ano (1992-2005)___________ 161

Gráfico IV. 2 Investimento em serviços públicos, Reino Unido (1990-2006)______ 161

Gráfico IV. 3 Contratos de PFI nas diversas áreas por valor de capital (até 2005)_ 170

Gráfico IV. 4 Projectos de PFI por região e valor___________________________ 172

Figura IV. 1 PPP Procurement Steps within the Capital Appraisal Guidelines framework ____________________________________________________ 200

Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante a uma infra-estrutura social________________________________________________________ 226

Figura IV. 3 Os projectos de PPPs da responsabilidade da AMOTMJ __________ 269

Page 10: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

VIII

Índice de quadros

Capítulo I

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

Quadro I.1 Categorias de PPP segundo o FMI ______________________________22

Quadro I.2 Tipologia de parcerias público-privadas __________________________24

Quadro I.3 Desenvolvimento institucional das PPPs na Europa_________________41

Quadro I.4 Etapas principais de um contrato PPP___________________________45

Quadro I.5 Transferência de risco nas concessões rodoviárias em Portugal ______51

Quadro I.6 PPPs fora da Europa por país, sector e situação, 2005______________52

Quadro I.7 PPPs na Europa por país, sector e situação, 2005 _________________54

Capítulo IV

Análise da experiência comparada

Quadro IV. 1 Os maiores contratos de PFI (1987-2006)______________________171

Quadro IV. 2 Investimento previsto em PPPs para o período 2004-2008_________210

Quadro IV. 3 PPPs na Austrália por sector e região, Julho de 2007_____________235

Quadro IV. 4 Exemplo de uma matriz de riscos ____________________________261

Page 11: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Glossário de termos e abreviaturas

Glossário de termos e abreviaturas

Agence de Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la Justice

(AMOTMJ) - organismo público, sob a tutela do Ministério da Justiça

francês, cuja principal missão é a de construir, renovar e restaurar

os tribunais e os estabelecimentos prisionais franceses.

Australian Loan Council – Conselho Ministerial da Commonwealth que

coordena o sector da dívida pública, integrado pelo Ministro das

Finanças australiano (que exerce as funções de presidente) e pelos

ministros das finanças das regiões e territórios.

Autorisation d’occupation temporaire du domaine public (AOT) – autorização

de ocupação temporária do domínio público; tal como no BEA, o

ocupante é o proprietário e responsável da obra, mas em

contrapartida e diferentemente do BEA, a AOT permite a celebração

pelo seu titular de contratos de leasing sobre a construção e

instalações, objecto do contrato.

Bail emphythéotique hospitalier (BEH) – contrato de arrendamento hospitalar;

contrato através do qual uma entidade pública celebra um contrato

com uma entidade privada para a construção ou renovação, e

manutenção de hospitais públicos.

Baux emphytéotiques administratifs (BEA) – contratos de arrendamento

administrativos; contratos administrativos inspirados no direito rural

que possibilitam o financiamento de equipamentos públicos por uma

entidade privada.

Briefing on Public Private Partnerships for the Committe of Public Accounts –

relatório de avaliação dos projectos-piloto de PPPs lançados em

1999, datado de 2004, publicado pela Unidade Central de PPP da

República da Irlanda.

Build Operate Transfer (BOT) – forma típica de concessão, segundo a qual o

privado assume a concepção, financiamento, construção e

Page 12: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

exploração, transferindo o controlo para o Estado ao fim de um

prazo estipulado.

Build Own Operate (BOO) – modalidade de parceria concessão, segundo a

qual o privado assume a concepção, financiamento, construção e

exploração, mantendo o privado a propriedade do bem no final do

contrato.

Build-develop-operate (BDO) - modalidade de concessão, segundo a qual o

privado assume a construção, desenvolvimento e exploração,

mantendo o privado a propriedade do bem no final do contrato.

Build-lease-operate-transfer (BLOT) – variante de BOT, segundo a qual o

sector privado concebe, constrói e explora um activo; transfere-o

para o Estado ao fim de um determinado período.

Build-own-operate-transfer (BOOT) - variante de BOT, segundo a qual o sector

privado concebe, constrói e explora um activo; transfere-o para o

Estado ao fim de um determinado período.

Build-rent-own-transfer (BROT) – variante de BOT, segundo a qual o sector

privado concebe, constrói e explora um activo; transfere-o para o

Estado ao fim de um determinado período. Parceiro privado pode

em seguida alugar ou fazer leasing do activo ao governo.

Build-transfer-operate (BTO) – variante de BOT, segundo a qual o Estado é

proprietário logo após a construção; privado faz leasing da

infraestrutura.

Bundling – concentração no parceiro privado do grosso das etapas de

produção de um serviço, normalmente desde a concepção até à

exploração.

Buy-build-operate (BBO) – modalidade de concessão para activos existentes,

segundo a qual o privado assume a construção, renovação e

exploração, mantendo o privado a propriedade do bem no final do

contrato.

Buy-build-operate (BBO) – modalidade de parceria público-privada, segundo a

qual o sector privado compra um activo existente, renova-o,

Page 13: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Glossário de termos e abreviaturas

moderniza-o e passa a explorá-lo, sem obrigação de transferir a

propriedade para o governo.

Cabinet Sub-Committee on Infrastructure and Public-Private Partnership –

comité governamental irlandês com competência na área da criação

de infra-estruturas e de contratos de PPP, presidido pelo Primeiro-

Ministro e dele fazem parte o Vice-Primeiro Ministro, o Ministro das

Finanças, o Attorney General (Procurador-Geral da República) e

vários Ministros.

Central PPP Unit – unidade constituída no Departamento de Finanças da

República da Irlanda com competência para conduzir e coordenar a

implementação de parcerias público-privadas.

Centre de Connaissance flamand de PPP – entidade especializada da região

flamenga (Bélgica) em coordenar e tornar coerente a política a

desenvolver na área das PPPs.

Centre of Expertise for PPP Procurement – órgão da NDFA que tem função

principal coordenar os processos de adjudicação de projectos de

alguns departamentos estatais irlandeses.

Centre d´Expertise Français pour l´Observation des Partenariats Public-Privé

(CEFO-ppp) – tem por missão estabelecer “ficheiros PPP”, dos

quais constarão as características essenciais de um contrato de

parceria ou de um contrato semelhante do ponto de vista jurídico,

económico e financeiro.

Comité Interministériel d’aménagement et de compétitivité des territoires

(CIACT) – Comité Interministerial de ordenamento e de

competitividade dos territórios.

Concessão – contrato através do qual o Estado compra um serviço, a

disponibilidade de um certo produto por um certo tempo e qualidade,

especificados no contrato; enquanto o privado assume todas as

etapas da produção desse serviço, permanecendo como sujeitos

autónomos; o concessionário é frequentemente um consórcio criado

Page 14: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

especificamente para a concessão, que reúne as competências

específicas de cada membro adequadas às diversas etapas.

Concessão sem transferência – privado é proprietário e responsável por um

serviço permanentemente, o Estado é seu cliente e regulador.

Concession de travaux publics – contratos pelos quais se atribui a um

parceiro denominado concessionário o direito de explorar mediante

o pagamento de um preço, os serviços ou a obra que este se

compromete a executar.

Construction and engineering sectors (CIF) – representantes dos sectores da

construção civil irlandês.

Contrat d’autorisation d’occupation temporaire du domaine public et de bail

(Location avec option d’achat - AOT-LOA) – contrato de autorização

de ocupação temporária do domínio do Estado e de arrendamento

(Locação com opção de compra), idêntico ao AOT, mas tem

acrescido a opção de compra por parte do Estado.

Contrato de Parceria (CP) – contrato global e de longa duração, cujo objectivo

consiste em confiar ao parceiro privado o financiamento, a

construção e manutenção dos investimentos materiais ou imateriais

necessários para o exercício de funções públicas, em troca de uma

remuneração por parte da entidade pública.

Contratos de parceria assimiláveis (CPA) – categorias de instrumentos

jurídicos criados para contornar os limites das figuras contratuais

então existentes (mercados públicos e delegações de serviço

público).

Courts Service – órgão governamental competente para administrar e gerir os

tribunais na República da Irlanda.

Délégations de service public – contratos através dos quais uma entidade

pública confia e delega a gestão e exploração de um serviço público

da sua responsabilidade a uma outra entidade pública ou privada,

Page 15: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Glossário de termos e abreviaturas

cuja remuneração depende directamente do resultado dos serviços

prestados.

Department for Constitutional Affairs (DCA) - departamento governamental de

administração da justiça do Reino Unido.

Design and Construct (D&C) – forma tradicional de contratação pública.

Design Build Finance (DBF) – variante de DBFO, segundo a qual o privado

transfere propriedade para o Estado logo após a construção.

Design Build Finance Operate (DBFO) – versão britânica do esquema BOT.

As prerrogativas de proprietário privado são mais limitadas, não

pode, por exemplo, cobrar portagens.

Design Build Finance Operate Manage (DBFOM) – variante de DBFO,

segundo a qual o privado assume a concepção, financiamento,

construção, exploração e gestão.

Design Build Operate (DBO) – modalidade de concessão, segundo a qual o

Estado é financiador, em vez do privado.

Design-construct-manage-finance (DCMF) – modalidade de concessão,

segundo a qual o privado assume a concepção, financiamento,

construção e exploração.

Economic and Social Infrastructure Operational Programme – um dos cinco

Programas Operacionais elaborados no âmbito do Plano de

Desenvolvimento Nacional da República da Irlanda e do

Enquadramento de Apoio Comunitário.

Externalização – fenómeno através do qual o Estado transfere para privados

tarefas antes internas, normalmente acessórias e pouco complexas.

Financier-led model – modelo de PPP de liderança financeira, iniciado na

Austrália, no qual os bancos organizam e concentram a propriedade

da sociedade-veículo da PPP (SPV), ao contrário do modelo

dominante, em que bancos, empresas de construção e outros

intervenientes dividem a propriedade.

ForoPPP – associação espanhola constituída por sociedades privadas

interessadas na promoção da colaboração entre as várias

Page 16: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

administrações públicas espanholas e o sector privado para o

desenvolvimento de projectos de infra-estruturas públicas no âmbito

das PPPs.

Framework for PPP in Ireland – documento elaborado pelo Departamento de

Finanças no qual é delineado o escopo, princípios estruturantes e

objectivos do programa de introdução de parcerias público-privadas

na República da Irlanda.

HM Treasury – Ministério das Finanças do Reino Unido.

Institut de la Gestion Déléguée – fundação francesa sem fins lucrativos que

agrupa uma pluralidade de actores relacionados com as PPPs,

nomeadamente empresas, representantes do Estado,

consumidores, peritos, operadores e instituições financeiras. Tem

por missão promover o melhoramento da qualidade e performance

dos serviços públicos, em especial quando a sua gestão é delegada.

Elabora estudos, pesquisas e apresenta propostas sobre a gestão

dos serviços públicos.

InterDepartmental Group on PPPs (IDG) – grupo da Unidade Central de PPPs

irlandesa, constituído por representantes de todos os sectores da

administração pública. O seu papel centra-se na identificação das

questões mais relevantes que se colocam nos processos de

parcerias público-privadas, na recolha e avaliação das diferentes

experiências e na identificação das melhores práticas no sector.

Joint venture – consiste numa sociedade mista público-privada para fins de

benefício público; Estado e privado são um único sujeito, logo as

responsabilidades (riscos, receitas, custos) são efectivamente

partilhadas entre público e privado, não simplesmente transferidas.

Lease Renovate Operate Transfer (LROT) – variante de BOT para renovação

de infra-estruturas existentes.

Lease-develop-operate (LDO) – modalidade de concessão, segundo a qual o

sector privado faz leasing de um activo público existente; renova-o,

Page 17: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Glossário de termos e abreviaturas

moderniza-o, expande-o, e passa a explorá-lo, sem obrigação de

transferir a propriedade para o governo.

LOPJ – Lei de Orientação e Programação para a Justiça francesa.

LOPSI – Lei de Orientação e de Programação para a Segurança Interna

francesa.

Marchés d’entreprise de travaux publics (METP) – contratos cujo objecto

visava atribuir, a longo prazo, a um contraente único a construção e

exploração de uma obra contra o pagamento em prestações de uma

remuneração pela entidade pública.

Marchés publics – contratos através dos quais uma entidade pública adquire,

de forma imediata, bens ou serviços necessários para o exercício

das suas funções, através do pagamento de um preço determinado.

Missão de Apoio à Realização dos contratos de parceria (MAPPP) –

organismo criado em Outubro de 2004, em França, tem como

principais funções a assistência e o aconselhamento dos órgãos da

Administração Pública ao longo das diferentes etapas dos contratos

de parceria.

National Audit Office (NAO) – órgão central de auditoria pública do Reino

Unido, com competência de auditoria dos processos de adjudicação,

de avaliação do value for money e do tratamento contabilístico dos

projectos.

National Development Finance Agency (NDFA) – centro especializado irlandês

de aconselhamento financeiro para todas as entidades públicas

envolvidas em grandes projectos de infra-estruturas, quer por meio

de parcerias público-privadas, quer através de formas contratuais

ditas tradicionais.

National PPP Forum – órgão australiano constituído por representantes do

governo central e dos governos regionais, com o objectivo de

harmonizar as diversas experiências regionais, sistematizar o

enquadramento jurídico e organizativo e criar um verdadeiro

mercado nacional de PPPs.

Page 18: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

Office of Government Commerce do HM Treasury (OGC) – departamento

britânico específico, criado em 2000, com a missão de supervisionar

e assessorar os procedimentos de contratação pública, tendo um

departamento dedicado à PFI.

Partnerships for Health (PfH) – unidades sectoriais específicas.

Partnerships for Schools (PfS) – unidades sectoriais específicas.

Partnerships UK (PUK) – (veio substituir a TPFT) criada em 2000, no Reino

Unido, constitui uma inovação no quadro da PFI, ao configurar-se a

si própria como uma joint-venture entre o HM Treasury e o sector

privado.

Partnerships Victoria – agência governamental do estado de Vitória,

responsável pelo enquadramento de projectos relativos a infra-

estruturas públicas mediante parcerias público-privadas.

Partnerships Victoria Practitioners' Guide (Guia de Boas Práticas da

Partnerships Victoria) – guia de boas práticas na contratação de

PPPs emitido pela Partnerships Victoria.

PFI Operational Taskforce – entidade inserida na PUK que se articulará com o

OGC, a 4 Ps, com os departamentos sectoriais e com o sector

privado e terá como função principal a assessoria dos parceiros, a

avaliação de projectos e a sistematização contratual.

PPP – parceria público-privada.

PPP Units – Unidades de PPP.

Prison Service – órgão governamental competente para administrar e gerir as

prisões na República da Irlanda.

Private Finance Initiative (PFI) - primeiro programa político sistemático de

PPPs, introduzida em 1992 pelo governo de John Major e

prosseguida em 1997 pelo New Labour de Tony Blair. Os contratos

PFI cabem na categoria de concessões, mas desenvolveram

especificidades suficientes para merecerem uma subcategoria à

parte.

Page 19: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Glossário de termos e abreviaturas

Private Finance Panel (PFP) – painel independente de consultores criado em

1993 no Reino Unido cuja principal função era assessorar os

agentes públicos e privados.

Project Review Group (PRG) – grupo de avaliação de projectos britânicos a

nível local, composto por um painel de peritos seleccionados com

base nos seus conhecimentos de PFI.

Public Accounts Committee – Comissão Parlamentar britânica que acompanha

os relatórios produzidos pelo NÃO e os aprofunda, realizando

relatórios autónomos, numa perspectiva de avaliação política.

Public Private Partnership Programme (4Ps) – criado em 1996, no Reino

Unido, com o objectivo de prestar apoio à administração local;

programa equivalente ao PFP, mas cujo âmbito de actuação era

junto da administração local.

Public Sector Benchmark (PSB) – indicador monetário utilizado na Irlanda com

a estimativa do custo total, rendimentos e risco, fornecendo-se,

assim, às entidades privadas que se candidatam aos projectos quais

os custos, lucros e riscos que estarão em causa naquele contrato de

PPP.

Public Sector Comparator (PSC) – teste realizado no Reino Unido, aquando

da aprovação do projecto, que consiste em calcular os custos de

todo o projecto, quer recorrendo a PFI/PPPs, quer seguindo o

modelo de financiamento tido como tradicional, outorgando-se

valores ao risco que o sector público mantém em ambos.

Public/Private Informal Advisory Group on PPPs – grupo da Unidade Central

de PPPs irlandesa, constituído por representantes de várias

entidades públicas, das entidades patronais (representatives of the

employers organisations – IBEC), the Trade Union Congress – Irish

Congress of Trade Unions (ICTU), e representantes dos sectores da

construção civil (the construction and engineering sectors – CIF). É

dirigido pelo Departamento de Finanças, sendo chefiado pelo

Presidente da Unidade Central de PPP (Head of the Central PPP

Unit). Trata-se de um fórum privilegiado de auscultação e de

Page 20: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

discussão de todos os assuntos relacionados com parcerias público-

privadas, promovendo o desenvolvimento de políticas nesta matéria.

Representatives of the employers organisations (IBEC) – representantes das

entidades patronais irlandesas.

Ryrie Rules – Report of National Economic Development Council Working

Party on Nationalised Industries do Reino Unido, guia dirigido a

todos os ministérios, que orientava a delegação de actividades

públicas por via da contratação; estabeleceram os critérios para o

financiamento privado no sector público, impondo duas condições

principais para a celebração de tais contratos: os projectos deveriam

assegurar Value for Money e transferir risco para o sector privado.

Sociedad Estatal de Infraestruturas del Transporte Terrestre (SEITT) –

agência estadual para promover e incentivar as PPPs no sector das

estradas e dos caminhos-de-ferro em Espanha.

Special Purpose Vehicles (SPV) – consórcio de empresas – construtoras,

bancos, assessoras, empresas de serviços acessórios – organizado

especificamente para o projecto em questão; a SPV é constituída

com capital inicial (equity) e dinheiro proveniente de endividamento

bancário (senior debt), com os quais financiará as tarefas

necessárias para pôr em funcionamento o serviço que lhe foi

atribuído; para tal, estabelece contratos separados de construção,

gestão etc. com as empresas suas constituintes, especializadas na

tarefa; são criadas com a única função de gestão do projecto.

Standard Commercial Principles (Princípios Contratuais Standard) – conjunto

de princípio básicos que devem estar na base e orientar todos os

contratos de PPP, desenvolvidos e publicados pelo governo do

estado de Vitória com o objectivo de servir de guia orientador para a

prossecução da política de PPP da Partnerships Victoria.

Standardisation of PFI Contracts – guias elaborados pelo OGC com o

objectivo de conhecer os vários riscos e problemas de um projecto

Page 21: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Glossário de termos e abreviaturas

standard de PFI e de reduzir o tempo e os custos da fase de

negociação dos projectos.

Taskforce Policy Team – entidade britânica integrante da TPFT, com a tarefa

de definir os princípios fundamentais e as normas que devem

orientar a PFI.

Taskforce Projects Team – entidade britânica integrante da TPFT que tinha

como objectivo avaliar e certificar a viabilidade comercial do

projecto, assegurar a selecção de propostas de alta qualidade,

evitar gastos desnecessários e maximizar as oportunidades para a

realização de bons contratos.

Trade Union Congress – Irish Congress of Trade Unions (ICTU) – congresso

de representantes sindicais irlandeses.

Treasury Private Finance Taskforce – grupo de trabalho, criado em 1997, no

Reino Unido, sobre financiamento privado, composto por peritos dos

sectores público e privado, que centralizava todas as actividades

relacionadas com PFI.

Value for Money - numa acepção lata, refer-se à possibilidade de realização

de objectivos que não seriam possíveis com cada actor agindo

isoladamente. É o que se pode chamar de vantagem colaborativa ou

comparativa. Pretende-se recrutar a competência específica de

cada actor, público ou privado, para juntar os melhores recursos

materiais e humanos possíveis. Numa acepção estrita, a mais

frequente, prende-se com a possibilidade de o Estado poupar e do

privado lucrar; seria uma forma de prestar serviços públicos com

poupança para o contribuinte e lucro para o investidor.

Vente en état futur d’achèvement (VEFA): contrato de compra e venda

imediata de um imóvel ainda não construído sob a condição de o

vendedor o construir e transferir a respectiva propriedade para o

Estado numa data posterior à data de finalização da obra.

Wrap-around addition (WAA) – modalidade de parceria público-privada,

segundo a qual o sector privado compra ou faz leasing de um activo

público existente; renova-o, moderniza-o, expande-o, e passa a

Page 22: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

explorá-lo, sem obrigação de transferir a propriedade para o

governo.

Page 23: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Introdução Geral

1

Introdução Geral

Se é certo que parte importante das infra-estuturas dos Estados

modernos foi erigida segundo formas que hoje seriam classificadas de

parcerias público-privadas (PPPs), é face ao Estado centralizador que as

PPPs se irão diferenciar a partir dos anos 70 do século XX, consolidar na

transição para os anos 80, e expandir nos anos 90 por todo o mundo. Com as

crises económicas da década de 70, conceitos de monetarismo, supply-side

economics, economia neoclássica recuperam terreno político sob uma forma

que viria a ser conhecida como neoliberalismo, anunciada pela chegada ao

poder dos governos de Margaret Tatcher em Inglaterra e Ronald Reagan nos

EUA. O Estado passara de solução a problema na esfera pública, era

associado a monopólios, ineficiência, burocracia, impossibilidade de escolha,

e a um sem número de outros males. A prioridade era, pois, reduzi-lo. As

privatizações, começando pelo sector produtivo mercantil público, tornam-se o

imperativo categórico de uma era marcada por outros termos como rigor fiscal,

comércio livre, câmbio livre, desregulação, descentralização política,

externalização. Numa fase inicial dos anos 80, privatizações e PPPs

confundem-se, ou antes, o entusiasmo em torno das privatizações ofusca as

parcerias. As PPPs existem, sobretudo, como políticas de desenvolvimento

local. As iniciativas são pontuais, ad-hoc. A privatização tem a hegemonia

simbólica. Será preciso esperar até ao início dos anos 90 para que uma

inovação britânica, a Private Finance Initiative (PFI), coloque, na Europa, as

parcerias na ordem do dia.

De facto, a Private Finance Initiative foi o primeiro programa político

sistemático de parcerias público-privadas. Foi introduzida em 1992 pelo

Governo de John Major, após algumas experiências satisfatórias nas obras

públicas e prosseguida em 1997 pelo New Labour de Tony Blair. Provocou

uma alteração relevante da lógica e expectativas em torno dos serviços

Page 24: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

2

públicos, que passaram a recorrer sistematicamente ao sector privado para o

seu financiamento, concepção, construção, manutenção e gestão.

As PPPs na Europa Continental têm tido um desenvolvimento mais lento

e mais heterogéneo do que no Reino Unido. Mais lento devido,

nomeadamente, a uma tradição política distinta da anglo-saxónica, que

acentua a divisão de papéis Estado-mercado. A tradição continental de Direito

Público tem sido considerada obstáculo às PPPs. Mais heterogéneo,

inevitavelmente, devido à diversidade nacional. No panorama geral da Europa

Continental, sobressaem certas regularidades regionais. Os países

mediterrânicos enveredaram mais cedo pelas PPPs, por via de concessões

rodoviárias – Espanha desde há décadas, Portugal desde finais dos anos 90

do século passado. Os países germânicos e escandinavos surgem como

países relativamente avessos a elas. A França assume-se como um meio

termo, bastião do Estado centralizador por um lado, pioneira das concessões

por outro. A Holanda é destacada, por vezes, pelas suas experiências

pioneiras, mas no cômputo geral apresenta uma situação análoga à

germânica e escandinava.

Portugal é visto por alguns como o país que mais entusiasticamente

adoptou as PPPs de modelo britânico. As concessões rodoviárias têm

dominado as PPPs. Ao nosso país é, ainda, referenciada uma outra questão:

passou, em escassos anos, de uma para catorze concessões rodoviárias, ao

mesmo tempo que o então Instituto de Estradas de Portugal diminuía os seus

quadros técnicos. Esta circunstância terá gerado uma transferência dos

melhores quadros para o sector privado, que, para alguns, afectará a longo

prazo a capacidade estatal de defender o interesse público na avaliação de

concessões futuras e na regulação das actuais. É, ainda, de salientar o caso

das PPPs na saúde em Portugal. Em 2002, o Governo anunciou um programa

para a construção de 10 hospitais em regime PPP. À época, apenas o Reino

Unido tinha experiência consolidada. As poucas experiências nos outros

países passavam por projectos-piloto restritos. Portugal pretendia lançar dez

projectos de uma vez e incluir neles, não só as infra-estruturas, como os

serviços clínicos, algo sem precedente na Europa. Contudo, nenhum dos

Page 25: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Introdução Geral

3

projectos foi ainda fechado, e os primeiros concursos acabaram cancelados. O

Governo actual estará a reavaliar o programa.

Em suma, as PPPs devem o seu protagonismo recente à tendência geral

de enfraquecimento (para uns) ou emagrecimento (para outros) do Estado nas

últimas três décadas, que tem sido associada ao neoliberalismo. A

necessidade política de manter serviços públicos, cujo desaparecimento seria

impopular, aliada à dificuldade de os sustentar como outrora, levam os

governos a recorrer a um sector privado novamente pujante, desejoso de

novas áreas de investimento, dotado de capacidades de engenharia

institucional e financeira que possibilitam empreendimentos antes

considerados demasiado arriscados. As PPPs são o produto desta

constelação.

Com excepção do Reino Unido e da Irlanda, que já apresentam

bastantes projectos, quer relativos a tribunais, quer a prisões, o sector da

justiça tem sido, nas diferentes experiências, um dos sectores menos

apelativo para a intervenção das PPPs.

Contudo, além dos fracassos comprovados, como é o caso de algumas

PPPs na Austrália, esta forma de contratação tem suscitado grande debate,

centrando-se as principais discussões em torno da diminuição do espaço de

decisão política do Estado, do deficiente apetrechamento técnico do sector

público que o coloca demasiado dependente do sector privado, do

questionamento quanto à efectiva poupança para o sector público, da

dificuldade de garantir que o potencial valor que possa ser gerado numa PPP

seja efectivamente transferido para o Estado e utilizadores do serviço público,

do efeito inter-geracional dos contratos que, pela sua longa duração, podem

afectar futuros orçamentos e investimentos públicos, da efectiva superação

dos conflitos de interesse público-privado, da complexidade, burocracia e

custos, directos e indirectos, associados aos contratos de PPP, do difícil

equilíbrio entre escala e concorrência e do débil controlo e fiscalização da

execução dos contratos de PPP, associado à efectiva eficácia dos

mecanismos de prestação de contas e de governance.

Page 26: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

4

O estudo que se apresenta neste relatório foi realizado pelo Observatório

Permanente da Justiça Portuguesa do Centro de Estudos Sociais a solicitação

do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P em

execução do protocolo celebrado entre o Ministério da Justiça e o Centro de

Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em

Junho de 2007, e tem como objecto central a análise comparada de

experiências de parcerias público-privadas, dando especial enfoque à área da

justiça.

O Relatório está dividido em cinco capítulos. No primeiro Capítulo

efectuamos um enquadramento teórico e evolutivo das parcerias público-

privadas, procurando densificar o conceito, dar conta das tipologias e

características principais, do seu enquadramento organizacional e

procedimental, das áreas de intervenção mais relevantes, bem como do

debate que, um pouco por todo o lado, esta figura tem suscitado.

No segundo Capítulo, descrevemos o quadro normativo das parcerias

público-privadas em Portugal, dando conta das principais características deste

tipo de contratos, do enquadramento institucional e de algumas apreciações

críticas que, entre nós, têm suscitado, com especial relevo para os relatórios

do Tribunal de Contas.

A União Europeia surgiu nos últimos anos com uma agenda de

promoção das parcerias público-privadas. Recomendações de vários

organismos europeus têm vindo a ser publicadas sobre esta matéria. Em

geral, recomenda-se que cada projecto seja prévia e adequadamente

avaliado, prossiga de acordo com um processo de rigor e de transparência e

que haja um eficaz controlo público da execução do contrato e dos serviços

prestados pelo parceiro privado. Também o Eurostat manifestou preocupação

quanto ao tratamento das implicações financeiras nas contas públicas. Damos

conta de todas aquelas recomendações e do debate que esta questão tem

gerado no âmbito da União Europeia no Capítulo III.

O Capítulo IV contém a análise comparada de diferentes experiências.

São elas: as experiências do Reino Unido, da Irlanda, da Austrália, da França,

Page 27: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Introdução Geral

5

da Bélgica e da Espanha. Para cada uma das experiências analisadas

procedemos a uma caracterização do enquadramento legal e institucional, das

principais modalidades de parcerias público-privadas, do processo de

adjudicação, das áreas de intervenção com especial enfoque no sector da

justiça e do balanço que foi possível conhecer.

A selecção das experiências analisadas assentou em três critérios

fundamentais: países mais próximos da cultura anglo-saxónica e países da

Europa Continental; países em que, depois de um levantamento prévio da

informação comparada disponível, detectámos maior activismo no recurso a

esta figura contratual. A língua em que se dispõe a informação comparada

acessível constitui, em regra, um factor condicionante dos estudos sobre

experiência comparada, sobretudo quando o tempo de que se dispõe é

escasso. No nosso caso, limitámos as fontes de informação em língua inglesa,

francesa e espanhola. A selecção das experiências foi, também, condicionada

por esse factor. A nossa análise foi feita com base na informação comparada

que nos foi possível obter a partir de Portugal, embora cruzando sempre

várias fontes, esta circunstância pode ser, em si mesma, um factor limitativo

da profundidade da informação.

Terminamos este relatório com a apresentação de uma síntese das

principais conclusões ou ideias fortes dos diferentes capítulos e das

experiências analisadas e de algumas recomendações que, à luz do estudo

realizado, nos parecem importantes ter em atenção no desenvolvimento das

parcerias público-privadas em Portugal, designadamente na área da justiça.

Incluímos, ainda, duas tabelas comparativas. Uma tabela, mais completa,

permite confrontar as várias experiências analisadas neste estudo. A outra,

conhecer um panorama geral da intervenção das parcerias público-privadas

na área da justiça.

A terminar, gostaríamos de deixar dois especiais agradecimentos. Aos

nossos colegas, Drs. Tiago Ribeiro e Pedro Abreu, pela ajuda na formatação

final do relatório e ao Dr. Mouraz Lopes pela sua contribuição na revisão final

de alguns capítulos que integram o presente relatório.

Page 28: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

6

Page 29: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Introdução Geral

1

Introdução Geral

Se é certo que parte importante das infra-estuturas dos Estados

modernos foi erigida segundo formas que hoje seriam classificadas de

parcerias público-privadas (PPPs), é face ao Estado centralizador que as

PPPs se irão diferenciar a partir dos anos 70 do século XX, consolidar na

transição para os anos 80, e expandir nos anos 90 por todo o mundo. Com as

crises económicas da década de 70, conceitos de monetarismo, supply-side

economics, economia neoclássica recuperam terreno político sob uma forma

que viria a ser conhecida como neoliberalismo, anunciada pela chegada ao

poder dos governos de Margaret Tatcher em Inglaterra e Ronald Reagan nos

EUA. O Estado passara de solução a problema na esfera pública, era

associado a monopólios, ineficiência, burocracia, impossibilidade de escolha,

e a um sem número de outros males. A prioridade era, pois, reduzi-lo. As

privatizações, começando pelo sector produtivo mercantil público, tornam-se o

imperativo categórico de uma era marcada por outros termos como rigor fiscal,

comércio livre, câmbio livre, desregulação, descentralização política,

externalização. Numa fase inicial dos anos 80, privatizações e PPPs

confundem-se, ou antes, o entusiasmo em torno das privatizações ofusca as

parcerias. As PPPs existem, sobretudo, como políticas de desenvolvimento

local. As iniciativas são pontuais, ad-hoc. A privatização tem a hegemonia

simbólica. Será preciso esperar até ao início dos anos 90 para que uma

inovação britânica, a Private Finance Initiative (PFI), coloque, na Europa, as

parcerias na ordem do dia.

De facto, a Private Finance Initiative foi o primeiro programa político

sistemático de parcerias público-privadas. Foi introduzida em 1992 pelo

Governo de John Major, após algumas experiências satisfatórias nas obras

públicas e prosseguida em 1997 pelo New Labour de Tony Blair. Provocou

uma alteração relevante da lógica e expectativas em torno dos serviços

Page 30: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

2

públicos, que passaram a recorrer sistematicamente ao sector privado para o

seu financiamento, concepção, construção, manutenção e gestão.

As PPPs na Europa Continental têm tido um desenvolvimento mais lento

e mais heterogéneo do que no Reino Unido. Mais lento devido,

nomeadamente, a uma tradição política distinta da anglo-saxónica, que

acentua a divisão de papéis Estado-mercado. A tradição continental de Direito

Público tem sido considerada obstáculo às PPPs. Mais heterogéneo,

inevitavelmente, devido à diversidade nacional. No panorama geral da Europa

Continental, sobressaem certas regularidades regionais. Os países

mediterrânicos enveredaram mais cedo pelas PPPs, por via de concessões

rodoviárias – Espanha desde há décadas, Portugal desde finais dos anos 90

do século passado. Os países germânicos e escandinavos surgem como

países relativamente avessos a elas. A França assume-se como um meio

termo, bastião do Estado centralizador por um lado, pioneira das concessões

por outro. A Holanda é destacada, por vezes, pelas suas experiências

pioneiras, mas no cômputo geral apresenta uma situação análoga à

germânica e escandinava.

Portugal é visto por alguns como o país que mais entusiasticamente

adoptou as PPPs de modelo britânico. As concessões rodoviárias têm

dominado as PPPs. Ao nosso país é, ainda, referenciada uma outra questão:

passou, em escassos anos, de uma para catorze concessões rodoviárias, ao

mesmo tempo que o então Instituto de Estradas de Portugal diminuía os seus

quadros técnicos. Esta circunstância terá gerado uma transferência dos

melhores quadros para o sector privado, que, para alguns, afectará a longo

prazo a capacidade estatal de defender o interesse público na avaliação de

concessões futuras e na regulação das actuais. É, ainda, de salientar o caso

das PPPs na saúde em Portugal. Em 2002, o Governo anunciou um programa

para a construção de 10 hospitais em regime PPP. À época, apenas o Reino

Unido tinha experiência consolidada. As poucas experiências nos outros

países passavam por projectos-piloto restritos. Portugal pretendia lançar dez

projectos de uma vez e incluir neles, não só as infra-estruturas, como os

serviços clínicos, algo sem precedente na Europa. Contudo, nenhum dos

Page 31: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Introdução Geral

3

projectos foi ainda fechado, e os primeiros concursos acabaram cancelados. O

Governo actual estará a reavaliar o programa.

Em suma, as PPPs devem o seu protagonismo recente à tendência geral

de enfraquecimento (para uns) ou emagrecimento (para outros) do Estado nas

últimas três décadas, que tem sido associada ao neoliberalismo. A

necessidade política de manter serviços públicos, cujo desaparecimento seria

impopular, aliada à dificuldade de os sustentar como outrora, levam os

governos a recorrer a um sector privado novamente pujante, desejoso de

novas áreas de investimento, dotado de capacidades de engenharia

institucional e financeira que possibilitam empreendimentos antes

considerados demasiado arriscados. As PPPs são o produto desta

constelação.

Com excepção do Reino Unido e da Irlanda, que já apresentam

bastantes projectos, quer relativos a tribunais, quer a prisões, o sector da

justiça tem sido, nas diferentes experiências, um dos sectores menos

apelativo para a intervenção das PPPs.

Contudo, além dos fracassos comprovados, como é o caso de algumas

PPPs na Austrália, esta forma de contratação tem suscitado grande debate,

centrando-se as principais discussões em torno da diminuição do espaço de

decisão política do Estado, do deficiente apetrechamento técnico do sector

público que o coloca demasiado dependente do sector privado, do

questionamento quanto à efectiva poupança para o sector público, da

dificuldade de garantir que o potencial valor que possa ser gerado numa PPP

seja efectivamente transferido para o Estado e utilizadores do serviço público,

do efeito inter-geracional dos contratos que, pela sua longa duração, podem

afectar futuros orçamentos e investimentos públicos, da efectiva superação

dos conflitos de interesse público-privado, da complexidade, burocracia e

custos, directos e indirectos, associados aos contratos de PPP, do difícil

equilíbrio entre escala e concorrência e do débil controlo e fiscalização da

execução dos contratos de PPP, associado à efectiva eficácia dos

mecanismos de prestação de contas e de governance.

Page 32: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

4

O estudo que se apresenta neste relatório foi realizado pelo Observatório

Permanente da Justiça Portuguesa do Centro de Estudos Sociais a solicitação

do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P em

execução do protocolo celebrado entre o Ministério da Justiça e o Centro de

Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em

Junho de 2007, e tem como objecto central a análise comparada de

experiências de parcerias público-privadas, dando especial enfoque à área da

justiça.

O Relatório está dividido em cinco capítulos. No primeiro Capítulo

efectuamos um enquadramento teórico e evolutivo das parcerias público-

privadas, procurando densificar o conceito, dar conta das tipologias e

características principais, do seu enquadramento organizacional e

procedimental, das áreas de intervenção mais relevantes, bem como do

debate que, um pouco por todo o lado, esta figura tem suscitado.

No segundo Capítulo, descrevemos o quadro normativo das parcerias

público-privadas em Portugal, dando conta das principais características deste

tipo de contratos, do enquadramento institucional e de algumas apreciações

críticas que, entre nós, têm suscitado, com especial relevo para os relatórios

do Tribunal de Contas.

A União Europeia surgiu nos últimos anos com uma agenda de

promoção das parcerias público-privadas. Recomendações de vários

organismos europeus têm vindo a ser publicadas sobre esta matéria. Em

geral, recomenda-se que cada projecto seja prévia e adequadamente

avaliado, prossiga de acordo com um processo de rigor e de transparência e

que haja um eficaz controlo público da execução do contrato e dos serviços

prestados pelo parceiro privado. Também o Eurostat manifestou preocupação

quanto ao tratamento das implicações financeiras nas contas públicas. Damos

conta de todas aquelas recomendações e do debate que esta questão tem

gerado no âmbito da União Europeia no Capítulo III.

O Capítulo IV contém a análise comparada de diferentes experiências.

São elas: as experiências do Reino Unido, da Irlanda, da Austrália, da França,

Page 33: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Introdução Geral

5

da Bélgica e da Espanha. Para cada uma das experiências analisadas

procedemos a uma caracterização do enquadramento legal e institucional, das

principais modalidades de parcerias público-privadas, do processo de

adjudicação, das áreas de intervenção com especial enfoque no sector da

justiça e do balanço que foi possível conhecer.

A selecção das experiências analisadas assentou em três critérios

fundamentais: países mais próximos da cultura anglo-saxónica e países da

Europa Continental; países em que, depois de um levantamento prévio da

informação comparada disponível, detectámos maior activismo no recurso a

esta figura contratual. A língua em que se dispõe a informação comparada

acessível constitui, em regra, um factor condicionante dos estudos sobre

experiência comparada, sobretudo quando o tempo de que se dispõe é

escasso. No nosso caso, limitámos as fontes de informação em língua inglesa,

francesa e espanhola. A selecção das experiências foi, também, condicionada

por esse factor. A nossa análise foi feita com base na informação comparada

que nos foi possível obter a partir de Portugal, embora cruzando sempre

várias fontes, esta circunstância pode ser, em si mesma, um factor limitativo

da profundidade da informação.

Terminamos este relatório com a apresentação de uma síntese das

principais conclusões ou ideias fortes dos diferentes capítulos e das

experiências analisadas e de algumas recomendações que, à luz do estudo

realizado, nos parecem importantes ter em atenção no desenvolvimento das

parcerias público-privadas em Portugal, designadamente na área da justiça.

Incluímos, ainda, duas tabelas comparativas. Uma tabela, mais completa,

permite confrontar as várias experiências analisadas neste estudo. A outra,

conhecer um panorama geral da intervenção das parcerias público-privadas

na área da justiça.

A terminar, gostaríamos de deixar dois especiais agradecimentos. Aos

nossos colegas, Drs. Tiago Ribeiro e Pedro Abreu, pela ajuda na formatação

final do relatório e ao Dr. Mouraz Lopes pela sua contribuição na revisão final

de alguns capítulos que integram o presente relatório.

Page 34: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

6

Page 35: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

7

Capítulo I - As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

As parcerias público-privadas (PPPs) são uma forma de organização híbrida, que subsume

um espectro amplo de contratos entre o Estado e agentes privados. Resumindo, diríamos que uma

PPP é um contrato de colaboração entre actores públicos e privados para a produção de bens ou

prestação de serviços públicos, com uma distribuição de receitas e despesas predefinida, que define

a partilha do risco. O conceito de PPP é aplicado a uma gama vasta de arranjos contratuais entre

Estado e privados. Contudo, a classificação como PPP de determinada relação contratual nem

sempre é consensual. As joint ventures, as concessões e concessões sem transferência são os

tipos de PPP mais consensuais.

Algumas das características e conceitos presentes nas PPP mais discutidos são: a

potencialidade (ou não) de superação da lógica e interesses historicamente conflituantes que

orientam os dois actores envolvidos (Estado e sector privado); a relação contínua de colaboração

onde se procuraria uma síntese virtuosa entre as competências e interesses de cada parte; a

possibilidade de gerar value for money, quer numa acepção lata, ou seja, enquanto vantagem

comparativa, quer numa acepção mais restrita, permitindo ao Estado poupar e ao privado lucrar; a

partilha óptima de responsabilidades e de riscos entre os parceiros público e privado; a mudança do

ênfase dos activos para os serviços e dos métodos para os resultados; a possibilidade de estimular

a inovação, ao especificar resultados em vez de métodos; o maior envolvimento e incentivo do

parceiro privado através da integração de tarefas (bundling); e a possibilidade de ter em conta o

ciclo de vida de um serviço, não só no que respeita à concepção e construção de equipamentos,

mas também à sua manutenção.

O primeiro programa político sistemático de PPPs surgiu com a Private Finance Initiative

(PFI) britânica, em 1992, tendo disparado o número de PPP com a subida do New Labour ao poder.

Na Europa continental, as PPPs têm tido um desenvolvimento mais lento e mais heterogéneo do

que no Reino Unido, registando, contudo, uma tendência generalizada de crescimento.

Têm sido avançadas várias motivações para que, cada vez mais governos, apostem neste

tipo de relação público-privada. Entre elas destacam-se a diminuição de meios públicos e os limites

ao défice e dívida pública (no caso dos países da União Europeia impostos pelo Pacto de

Estabilidade); a poupança; e o New Public Management.

A organização das parcerias público-privadas, quer em termos de organização institucional,

quer procedimental, regista variações nacionais bastante acentuadas. O parceiro privado raramente

é uma empresa individual, assumindo, em regra, a forma de Special Purpose Vehicle (SPV), um

consórcio de empresas organizado especificamente para o projecto em questão.

As PPP têm suscitado grande debate, centrando-se as principais discussões em torno da

diminuição do espaço de decisão política do Estado e do apetrechamento técnico do sector público;

da efectiva poupança e do problema do value for money; da efectiva superação dos conflitos de

interesse público-privado e do papel duplo dos assessores; da complexidade, burocracia e custos

associados aos contratos de PPP; da difícil dialéctica escala vs. concorrência; e do controlo e da

fiscalização dos contratos de PPP, associado à efectiva eficácia dos mecanismos de prestação de

contas e de governance.

Quanto às áreas de intervenção, o alargamento das PPPs aos sectores da saúde, educação

e serviços de carácter social tem suscitado, em vários países, alguma polémica.

Page 36: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

8

Page 37: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

9

Introdução

As parcerias público-privadas são uma forma de organização híbrida,

que testa as fronteiras de categorias estabelecidas na economia, no direito, na

política, etc. O termo parceria público-privada subsume um espectro amplo de

contratos entre o Estado e agentes privados, remetendo para uma divisão de

trabalho entre público e privado, em que este assume a realização de tarefas

públicas. Esta é, aliás, uma divisão de trabalho que, com frequência, tem

ocorrido ao longo dos séculos. Como veremos, parte importante das infra-

estuturas dos Estados modernos foram erguidas segundo formas que hoje

seriam classificadas de parcerias público-privadas. Mas, é face ao Estado

centralizador que as PPPs se irão diferenciar a partir dos anos 70 do séc. XX,

consolidar na transição para os anos 80, e expandir nos anos 90 por todo o

mundo.

Neste Capítulo, avançamos com uma caracterização genérica das

parcerias público-privadas, dando conta, por entre os debates em curso, dos

conceitos, das características principais, das diferenças em relação a termos

frequentemente associados a elas, dos tipos de PPPs, das áreas mais

relevantes de intervenção, fazendo, ainda, uma breve incursão pelos

sucessos, falhanços e limites desta forma de desenvolvimento de serviços

públicos.

1. O conceito de parceria público-privada

As definições mais abstractas do conceito apontam para uma

colaboração entre Estado e privados para a obtenção de benefícios mútuos,

normalmente sociais para o primeiro, normalmente económicos para o

segundo (McQuaid, 2000: 11). Mas, o mesmo poderia dizer-se da contratação

pública tradicional. A diferença reside, pois, no carácter relacional da PPP.

Diferentemente da via tradicional, que é tendencialmente transaccional (por

exemplo, uma compra/venda pontual entre actores independentes e mesmo

antagónicos), a PPP é tendencialmente relacional: dilata e regulariza no tempo

Page 38: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

10

as transacções, acrescenta uma dimensão de colaboração, dilui as fronteiras

do antagonismo público-privado.

Reflectindo esta redefinição de fronteiras público-privado, Bult-Spiering e

Dewulf (2006: 19ss) concebem as PPPs enquanto rede, vista como um

instrumento social de resolução de problemas a meio caminho entre os dois

instrumentos tradicionais identificados pela teoria económica dos custos de

transacção (Williamson, 1975), a hierarquia e o mercado. A rede é a

intersecção, entre esses dois pólos, das capacidades especificamente

relevantes para a resolução de um problema. Os actores mantêm

competências autónomas, activando apenas as relevantes para a solução

concreta, efectuam tarefas complementares, estabelecem relações

duradouras e não-hierárquicas.

A abrangência do conceito, integrando diversos tipos de relações

contratuais, leva à identificação de diferentes definições de PPPs. Não sendo

unânime, em diversos relatórios da União Europeia tem-se usado a seguinte:

“acordos que transferem para o sector privado projectos tradicionalmente

executados ou financiados pelo sector público. Para ser considerado como

PPP, o projecto deve dizer respeito ao exercício de uma função pública,

envolver o governo como principal cliente, ser financiado por fontes não-

públicas e uma ter empresa não-governamental como o principal operador que

contribui significativamente para o design e concepção do projecto e assumir

uma parte relevante do risco” (Comissão Europeia, 2003: 273).

Em Portugal, onde a literatura sobre este tema é, ainda, muito escassa,

Santos et al. definem no seu manual de direito económico PPPs como “uma

relação por um prazo determinado entre duas ou mais organizações – uma ou

mais de natureza pública e uma ou mais de natureza privada ou social –

baseada em expectativas e valores mútuos, com o objectivo de alcançar

objectivos negociais específicos, através da maximização da eficácia dos

recursos de ambas as partes. As PPPs são, portanto, caracterizadas pelo

facto de partilharem investimento, risco, responsabilidade e resultados”

(Santos et al., 2004: 195).

Page 39: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

11

Mais recentemente, Gonçalves definiu-as como uma “forma de

cooperação entre actores públicos e actores privados para a realização de

determinados objectivos. A cooperação pode ter subjacente uma

complementaridade de fins entre a intervenção pública e privada (parcerias

em rede) ou uma divergência de finalidades e objectivos a alcançar por via da

parceria: o parceiro público participa para cumprir as suas missões de

interesse público e o parceiro privado para obter lucros (parcerias contratuais

e associativas)” (Gonçalves, 2005: 328).

As definições de diversos autores convergem nos seguintes pontos

(Peters, 1997; Bult-Spiering e Dewulf, 2006; Pombeiro, 2003):

• contrato de colaboração entre actores públicos e privados autónomos;

• a longo prazo;

• para a provisão de serviços públicos;

• compreendendo diversas etapas, do planeamento e construção ao

fornecimento;

• visando valor acrescentado mútuo, ou seja, lucro para o parceiro privado e

poupança (value for money) para o parceiro público;

• com partilha de responsabilidades – riscos, custos, proveitos – entre os

actores;

• contra remuneração ao parceiro privado, em função dos resultados, pelo

Estado e/ou os utentes.

Outros aspectos, usualmente salientados, incluem o financimanto

privado de capital, a existência de uma organização própria, de objectivos

comuns, e a colmatação de falhas de mercado.

Grimsey e Lewis (2004: 7; 2005: xiv) dão-nos uma definição um pouco

mais detalhada. Concebem as PPPs como um contrato em que o Estado, em

vez de adquirir infra-estrutura, adquire a um privado um serviço, a que subjaz

normalmente a provisão de infra-estrutura, sob determinadas condições ao

longo do tempo, para atingir objectivos da política pública, partilhando riscos

Page 40: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

12

com o parceiro privado1. Consideram como tipo ideal aquele que se

desenvolveu em países anglófonos (Reino Unido, Austrália, Canadá, África do

Sul):

• o Estado especifica a longo prazo (duas, três décadas) um serviço com

resultados (outputs) e níveis de eficiência a atingir, não se preocupando

com os métodos de concretização;

• o parceiro privado assume a concepção, financiamento e construção do

serviço, e eventuais custos extraordinários;

• o Estado começa a pagar ao parceiro privado quando o serviço esteja em

funcionamento, em função dos padrões de serviço pré-acordados, os

utentes eventualmente pagam taxas de utilização;

• o Estado cede para efeitos práticos o controlo sobre a infra-estrutura e

serviço ao parceiro privado. Normalmente recupera-o no final do contrato.

O serviço público (ou tarefa pública, bem público) é o objecto consensual

das PPP – onde não há serviço público não há PPP. A noção de serviço

público varia conforme a época histórica e os países2. Caracterizemo-la, por

ora, como as actividades que a sociedade considera necessárias, seja por que

razões for, mas que não podem ou não devem ser garantidas pelo mercado,

cabendo, por isso, ao Estado. O Estado mantém em última instância a

responsabilidade pela infra-estrutura ou serviço subjacente a uma PPP, mas a

forma dessa responsabilidade difere em relação às vias tradicionais. Em

certas PPPs, o Estado mantém-se proprietário de infra-estrutura e transfere

para o privado as actividades que ela sustenta; noutras, transfere durante a

vigência do acordo as prerrogativas de proprietário para o privado, reavendo-

as no final; noutras, ainda, cuja classificação, enquanto PPP, não é unânime,

1 Estes autores chamam preferencialmente aos serviços infra-estrutura soft, que pode ser económica (formação, I&D) ou social (serviços sociais, comunitários, desenvolvimento urbano) e às instalações infra-estrutura hard, igualmente económica (estradas, aeroportos, telecomunicações) ou social (água, saneamento, habitação, prisões). 2 Na UE vem-se passando da noção de serviços públicos para a de serviços de interesse geral (Livro Branco sobre os Serviços de Interesse Geral, 2004). Para uma avaliação recente, ver D’Alte Tomé (2007: 89ss).

Page 41: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

13

transfere permanentemente a propriedade para mãos privadas, por exemplo

em contratos de tipo Build-Own-Operate.

Resumindo, diríamos que uma PPP é um contrato de colaboração entre

actores públicos e privados para a produção de bens ou prestação de serviços

públicos, com uma distribuição de receitas e despesas predefinida, que define

a partilha do risco. Normalmente envolve uma ou várias das seguintes

operações: o Estado especifica serviços a fornecer; o privado constrói ou

renova a infra-estrutura necessária e fornece-os por um período, a preço e

qualidade regulamentados; a infra-estrutura e serviço reverte para o Estado no

final.

2. Características principais

As definições de PPPs, esboçadas no ponto anterior servem, como

ponto de partida, para explorar em maior detalhe algumas características e

conceitos acessórios úteis. Diga-se que, frequentemente, factos e

expectativas surgem misturados nas caracterizações – por exemplo, ênfase

nos resultados e inovação.

Actores e interesses: público e privado

Estado e privados são os actores obrigatórios de qualquer PPP. Entre os

actores privados há uma divisão importante: sector lucrativo e terceiro sector.

Focamos aqui o sector lucrativo, aquele cuja relação com o sector público é

mais complexa e também mais representativa. As PPPs Estado--terceiro

sector são importantes nos EUA, mas relativamente menores no contexto

europeu.

Ora, como se sabe, Estado e sector privado lucrativo, nas transacções

que estabelecem entre si, têm lógicas e interesses historicamente conflituais.

As PPPs reformulam tal conflito, para alguns dos seus defensores

conseguiriam mesmo superá-lo, e aí residiria a novidade. No entanto, a

problemática do conflito de interesses subjaz a grande parte dos debates

Page 42: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

14

sobre PPPs. O interesse privado é essencialmente o lucro. O interesse público

é mais complexo. É comum vê-lo como o interesse da sociedade como um

todo, elevando-se acima dos interesses particulares – concepção já formulada

por Hegel. As diferenças de interesses têm expressão institucional,

organizativa, cultural. Na caracterização muito citada de Reijniers (1994), que

analisou os conflitos potenciais no seio das PPPs, o sector público orienta-se

por legislação, regulação e autoridades; opinião política e influência política;

processos de decisão democráticos; minimização de riscos; realização de

objectivos sociais. O sector privado por sua vez orienta-se para o retorno

sobre o investimento; assunção de riscos; antecipação aos desenvolvimentos

do mercado e concorrência; realização de objectivos empresariais.

Carácter relacional

A relação duradoura público-privado é apontada por diversos autores

como especificidade distintiva das PPPs. O Estado sempre comprou e

financiou, mas só se pode falar em PPP quando tais operações são

coordenadas em conjunto numa mesma relação com o parceiro privado. No

método tradicional, não teríamos mais que uma compra/venda pontual entre

dois actores com interesses próprios; numa PPP teríamos uma relação

contínua de colaboração onde se procuraria uma síntese virtuosa entre as

competências e interesses de cada parte. Bult-Spiering e Dewulf (2006: 27-29)

identificam factores económicos e sociológicos na criação desta relação. Em

termos económicos, tem de existir valor acrescentado em sentido lato, isto é,

produção de resultados inatingíveis pelos actores isoladamente. Em termos

sociológicos, deve haver disposições incorporadas dos actores que facilitem a

colaboração: predisposição para colaborar, consciência de interdependência,

ideologia, percepções e expectativas mútuas.

Valor acrescentado, poupança ou value for money

O valor acrescentado mútuo surge como a justificação última das PPPs,

embora a sua existência seja matéria de debate. Numa acepção lata, a PPP

Page 43: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

15

permite a realização de objectivos que não seriam possíveis com cada actor

agindo isoladamente3. É o que se pode chamar de vantagem colaborativa ou

comparativa. Pretende-se recrutar a competência específica de cada actor,

público ou privado, para juntar os melhores recursos materiais e humanos

possíveis. Bult-Spiering e Dewulf (2006: 27-29) consideram que o valor

acrescentado pode ser (1) em conteúdo, pois a abordagem a um problema é

conjunta, o que beneficia o planeamento e concepção; (2) em processo, pois

cada actor pode complementar-se nas suas competências específicas; (3)

financeiro; (4) externo, pois pode-se harmonizar iniciativas entre Estado e

mercado.

Numa acepção estrita, a mais frequente, a PPP permite ao Estado

poupar (value for money) e ao privado lucrar; seria uma forma de prestar

serviços públicos com poupança para o contribuinte e lucro para o investidor.

O value for money é um dos argumentos mais utilizado a favor das

PPPs, mas, também, onde reside uma das críticas principais. É certo que o

debate político se centra muitas vezes sobre esta questão, pelo que é uma

das mais escrutinadas. Salienta-se a grande dificuldade em calcular a

poupança a longo prazo (por exemplo 30 anos) em serviços de grande

dimensão, devido, entre outros, ao problema das externalidades (isto é, dos

custos gerados por uma PPP que não se repercutem directamente nela mas

serão pagos pela sociedade) e à componente subjectiva que implica por ser

uma projecção de condições futuras.

Partilha de responsabilidades e risco

A partilha de responsabilidades constitui um dos aspectos mais

complexos das PPPs. A problemática do risco merece exposição mais

detalhada.

3 Como refere Campos, “o objectivo da parceria é trazer Valor Acrescentado isto é, trazer ganhos de eficiência e fomentar a inovação nas soluções a encontrar na fase de construção e/ou, sobretudo, na fase de operação” (2005: 36).

Page 44: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

16

A noção de risco evoca normalmente os prejuízos que alguém terá de

pagar quando as coisas correm mal. Para o Estado, isto significa gastar mais

dinheiro que o previsto; para o parceiro privado, perder dinheiro ou não lucrar

o suficiente. As formas que o risco assume variam conforme o tipo de PPP e

as etapas que atravessa.

Do ponto de vista do parceiro privado, identificam-se, em regra, três

grandes factores de risco: o Estado, que pode mudar de orientação política e

impor condições menos favoráveis; o mercado, que pode não gerar procura

suficiente ou cobrar juros demasiado altos; a natureza, que pode surpreender

com dificuldades de construção ou calamidades. As categorias de risco

regulatório, risco comercial e risco ambiental reflectem aqueles factores.

Outras tipologias generalistas de risco desviam-se ligeiramente das

categorias anteriores. Miller e Lessard (2001)4 distinguem entre risco de

mercado (financiamento, procura), risco de concretização (atrasos, custos

extraordinários) e risco institucional (leis, oposição ambientalista,

renegociações de contrato). Merna e Smith (1996)5 distinguem riscos globais,

previsíveis e enquadráveis num contrato, e riscos dos elementos naturais

(elemental risks), que não o são. Bult-Spiering e Dewulf (2006: 31) referem a

tipologia macro-meso-micro de Li Bing et al. (2005): riscos de nível macro, que

incluem factores políticos, macro-económicos, jurídicos, sociais, naturais;

riscos de nível meso, que incluem selecção de projecto, financiamento,

concepção, construção, operação; e riscos de nível micro, que incluem as

relações com terceiros.

Grimsey e Lewis (2004: 180-182), numa grelha bastante detalhada,

distinguem dez tipos de risco:

a) de terreno, determinado pelo estado físico (por exemplo geologia,

poluição);

4 Apud Grimsey e Lewis (2004: 174). 5 idem.

Page 45: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

17

b) técnico, por exemplo, erros de especificação de serviço, de concepção, de

engenharia;

c) de construção, nomeadamente custos extraordinários, atrasos, baixa

qualidade;

d) de operação, como custos ordinários elevados, interrupções de serviço,

quebra de qualidade do serviço;

e) de receita, devido a baixa procura, encarecimento de matérias-primas,

aumento de impostos;

f) financeiro, determinado pelos juros e inflação;

g) de força maior (force majeure), devido a revoltas sociais (por exemplo,

bloqueios de estradas, boicotes) ou desastres naturais;

h) regulatório ou político, por exemplo, mudanças desfavoráveis de lei,

revogação de contrato, expropriação, restrição de importações;

i) de insolvência (project default), isto é, a conjugação infeliz dos riscos

anteriores ao ponto de tornar o projecto insustentável;

j) de activo, por exemplo, obsolescência técnica da infra-estrutura.

O FMI (2004: 11-12) usa uma categorização mais simples, composta por

risco de construção (que engloba as categorias a a c anteriores), financeiro (f),

de performance (d e g), de procura (e) e residual (j).

Ênfase nos serviços e resultados, inovação

As PPPs mudam a forma como se formula um serviço público: o ênfase

passa dos activos para os serviços, dos métodos para os resultados, usando

os hegemónicos termos ingleses, dos inputs para os outputs. O Estado

adjudica não uma infra-estrutura, mas um serviço a fornecer à população, o

privado ocupa-se da infra-estrutura para fornecê-lo. Em termos caricaturais,

em vez de adjudicar uma auto-estrada entre A e B com n faixas e demais

características técnicas, o Estado adjudica a circulação num tempo t de n

veículos entre A e B ao longo de x anos.

Esta ênfase nos resultados adquire também uma expressão política.

Surge como justificação pragmática das PPPs face a receios da influência

Page 46: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

18

privada nos serviços públicos: o que importa é a qualidade e acesso aos

serviços, não quem os fornece. Este argumento pontifica, por exemplo, no

debate britânico em torno do New Labour e as PPPs.

Espera-se, também, que esta relação estimule a inovação. Ao especificar

resultados em vez de métodos, alarga-se o campo de manobra privada,

incentiva-se a concorrência e a inovação nos métodos e técnicas. Todavia,

mais que grandes inovações técnicas, isto significa, mais frequentemente,

inovações organizativas: aplicar métodos típicos da gestão privada à gestão

pública.

Integração do ciclo de vida

Numa PPP leva-se em conta o custo do ciclo de vida de um serviço, não

só a concepção e construção, mas também a manutenção a longo prazo. Isto

permite, na opinião de diversos autores, uma avaliação mais realista dos

projectos a adjudicar.

A integração de tarefas (bundling) muda os incentivos do parceiro

privado. Na contratação pública tradicional, o privado recebe apenas pela

construção de infra-estrutura. Interessa-lhe, portanto, apresentar a concurso o

preço de construção mais baixo possível, mesmo que irrealista, pois poderá

subi-lo posteriormente sem grande risco. Além disso, não tem grande

interesse na qualidade da construção, pois caberá ao Estado a manutenção,

onde de resto poderá fazer mais negócio no futuro. Portanto, atrasos, custos

extraordinários, falta de qualidade interessam ao agente privado. O Estado,

para se defender, é levado a especificar e fiscalizar ao máximo detalhe a

construção, e o privado é levado sempre renovadamente a contornar os

controlos. Este ciclo vicioso é apresentado como um dos grandes problemas

da contratação pública tradicional.

Na PPP, os incentivos económicos do agente privado alteram-se. Por

regra, o privado paga a construção e a manutenção e recebe em função do

serviço prestado (por exemplo, número de carros a circular numa auto-

estrada) apenas quando este esteja em funcionamento. Interessa-lhe,

Page 47: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

19

portanto, concluir a construção rapidamente, cumprindo o orçamento previsto

e com qualidade, pois cabe-lhe também os custos de manutenção

subsequentes. Este aspecto é considerado uma das fontes principais de

poupança nas PPPs.

3. Parcerias, privatização, externalização

Para melhor compreender o conceito de PPP, é útil confrontá-lo com

outras figuras frequentemente associadas: a privatização e a externalização.

Distinguimos uma acepção lata e uma acepção estrita dos três termos. A

acepção lata tende a associá-los entre si, enquanto a estrita tende a dissociá-

los.

Entende-se por privatização a transferência de funções públicas para o

sector privado. Na acepção lata, aquela transferência inclui toda a retracção,

quantitativa ou qualitativa, de serviços públicos que empurre o cidadão para

alternativas privadas, sem que os serviços mudem de estatuto. Na acepção

estrita, o estatuto de um serviço existente tem de mudar, passar de público

para privado – por exemplo venda ou arrendamento a privados de bens

públicos (terra, infra-estruturas, empresas), financiamento público de

actividades privadas (externalização, vouchers), desregulação e abertura de

acesso a actividades anteriormente de monopólio público6 7.

Coloca-se a questão de saber se as parcerias são privatizações. Para

muitos autores, a resposta é afirmativa em termos latos, negativa em termos

estritos. Grimsey e Lewis (2005: xvii-xviii), representando a visão estrita,

entendem que numa PPP o Estado adquire serviços aos privados em nome da

6 Outros termos que exprimem esta diferença: privatização passiva e activa, implícita e explícita, indirecta e directa. Mais detalhes em Hood (1995). Para uma apreciação crítica dos sentidos do termo privatização, ver Starr (1988). 7 Exemplifiquemos com a saúde e os transportes. Privatização da saúde em sentido lato pode ser a mudança de despesas públicas de saúde (vacinas) para despesas privadas; em sentido estrito é a transferência de hospitais públicos para o sector privado. Privatização dos transportes em sentido lato pode ser mudança do uso de transportes públicos para uso do automóvel, em sentido estrito é a transferência de uma companhia de transportes para o sector privado.

Page 48: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

20

comunidade e mantém a responsabilidade pela sua provisão; o resultado

(preços, qualidade) não advém do mercado, mas do contrato, se não for

atingido penaliza-se o privado. Na opinião destes autores, só se pode falar em

privatização quando, além da natureza privada da actividade, o produto for

adquirido directamente pelos indivíduos – por exemplo, nas empresas de

electricidade ou telecomunicações. Isto não significa que o Estado se

desinteresse totalmente da qualidade do serviço: a concorrência poderá

garanti-la (com ajuda das autoridades de concorrência) ou, caso seja limitada

por um monopólio natural, a regulação (fixações de preços ou lucros).

A externalização de funções, também designada por subcontratação,

terciarização – em inglês outsourcing, contracting out – consiste na compra a

terceiros de tarefas antes realizadas internamente. Pretendia-se com ela

ultrapassar problemas atribuídos ao gigantismo de uma organização,

concentrando-a em tarefas essenciais ou nucleares (core service/competence)

e libertando-a de tarefas acessórias. Muita da transformação recente do

Estado passa pelo uso de externalizações, muitas vezes consideradas um

meio de privatização.

As parcerias abrangem as externalizações? Como na questão anterior, a

resposta é afirmativa em termos latos, negativa em termos estritos. A visão

lata tende a enfatizar as parcerias como redistribuição de papéis entre Estado

e mercado, a favor do segundo. A visão estrita enfatiza antes a redefinição de

papéis, e a essa luz as externalizações surgem como mera contratação

pública de tarefas antes efectuadas internamente pelo Estado; mera

transacção, não a relação em termos novos, contínua, duradoura, que a

parceria deveria representar.

4. As tipologias principais de parcerias público-privadas

O conceito de PPP é aplicado a uma gama vasta de arranjos contratuais

entre Estado e privados. Contudo, a classificação como PPP de determinada

relação contratual nem sempre é consensual.

Page 49: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

21

O posicionamento das PPPs num espectro público-privado, entre os

pólos ideais de actividade puramente pública e privada, constitui a tipificação

mais frequente. As PPPs constituem uma forma híbrida de organização dos

serviços públicos, algures entre o Estado e o mercado. As PPPs são

normalmente opostas à contratação pública tradicional, face à qual surgiram

em contraste, e à privatização pura, pois aquilo que é privatizado torna-se

mais um produto no mercado, deixa de ser serviço público, e onde não há

serviço público não há parceria. No entanto, muitas privatizações de sectores

considerados estratégicos criaram não um mercado “livre” mas um mercado

bastante regulado, pelo que alguns não vêem aí uma privatização pura.

Outros não vêem sequer nas PPPs consensualmente reconhecidas mais que

uma privatização encapotada. E entre PPPs consensualmente reconhecidas e

os pólos público e privado “puros” há a zona cinzenta das externalizações.

Há diversas caracterizações de um espectro público-privado de

enquadramento das PPPs, algumas bastante amplas. Bult-Spiering e Dewulf,

com uma concepção estrita, vêem como PPPs apenas as joint ventures e as

concessões. Grimsey e Lewis (2005: xxi-xxii) incluem as externalizações,

distinguindo do mais público para o mais privado:

• Externalização: o privado fornece um serviço ou gere sem assumir risco;

• Joint venture: público e privado financiam, exploram e detém

conjuntamente uma operação;

• Leasing: parte do risco é transferido para o parceiro privado;

• BOT (Build Operate Transfer): privado assume a concepção,

financiamento, construção e exploração, transferindo o controlo para o

Estado ao fim de um prazo estipulado;

• BOO (Build Own Operate), semelhante ao BOT, mas o privado mantém a

propriedade.

O FMI elenca as seguintes três categorias de contratos PPP:

Page 50: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

22

Quadro I.1 Categorias de PPP segundo o FMI

Build-own-operate (BOO) Build-develop-operate (BDO) Design-construct-manage-finance (DCMF)

Sector privado assegura todas as tarefas (concepção, construção, operação, gestão), sem obrigação de transferir a propriedade para o Estado. São variantes do esquema Design-Build-Finance-Operate (DBFO), que todavia inclui a transferência.

Buy-build-operate (BBO) Lease-develop-operate (LDO) Wrap-around addition (WAA)

Sector privado compra ou faz leasing de um activo público existente; renova-o, moderniza-o, expande-o, e passa a explorá-lo, sem obrigação de transferir a propriedade para o governo.

Build-operate-transfer (BOT) Build-own-operate-transfer (BOOT) Build-rent-own-transfer (BROT) Build-lease-operate-transfer (BLOT) Build-transfer-operate (BTO)

Sector privado concebe, constrói e explora um activo; transfere-o para o Estado ao fim de um determinado período. Parceiro privado pode em seguida alugar ou fazer leasing do activo ao governo.

Fonte: FMI (2004: 8)

Identificamos, assim, seguindo no essencial Grimsey e Lewis, quatro

categorias fundamentais nas diversas operações definidas como PPP:

• Externalização: Estado transfere para privados tarefas antes internas,

normalmente acessórias e pouco complexas;

• Joint venture: Estado e privados são proprietários e responsáveis

conjuntos por um serviço;

• Concessão: privado é proprietário e responsável por um serviço

temporariamente, após o que esse estatuto reverte para o Estado;

• Concessão sem transferência: privado é proprietário e responsável por um

serviço permanentemente, o Estado é seu cliente e regulador.

Note-se que a externalização constitui PPP apenas em sentido lato

(Grimsey e Lewis; Bennet at al.). Intersectando-a com a concepção estrita

(Bult-Spiering e Dewulf), vemos que as formas unânimes de PPP são as joint

ventures, concessões e concessões sem transferência. O financiamento

privado de bens de capital distingue as PPPs em sentido estrito em relação às

externalizações.

Page 51: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

23

Introduzimos a última categoria, concessão sem transferência, para

distinguir operações que introduzem a nosso ver uma diferença fundamental

em relação à concessão: a transferência permanente de propriedade para

mãos privadas. Esta altera qualitativamente a relação entre as dramatis

personae, de modo que é duvidoso dizer-se que o Estado ainda está a

conceder algo.

Estamos, assim, em condições de esboçar uma tipologia mais exaustiva

das PPPs no espectro público-privado. O quadro seguinte expõe quatro tipos

fundamentais de PPP e respectivos contratos, entre os pólos da exploração

pública e privada pura. Usamos a terminologia inglesa, a mais comum, para

evitar equívocos de tradução.

Page 52: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

24

Quadro I.2 Tipologia de parcerias público-privadas

Fornecimento público • Design and Construct (D&C) – forma tradicional de contratação pública. PPPs Externalização – Estado subcontrata tarefas acessórias. • Operate and Maintain (O&M) • Operate, Maintain and Manage (OM&M) Joint venture – Estado e privados detêm e exploram conjuntamente um serviço. Concessão – privado produz (concebe, financia, constrói ou renova, mantém, gere) e detém um serviço temporariamente, transfere-o para o Estado posteriormente. Forma mais antiga de PPP, foi desenvolvida em França no séc. XVII e perdura até hoje. • Build-Operate-Transfer (BOT) – forma típica de concessão. Dura 20 a 40 anos. • Variantes BOT:

• Build Transfer Operate (BTO) – Estado é proprietário logo após a construção, privado faz leasing da infrarestrutura.

• Build Lease Transfer (BLT) e Build Lease Transfer Maintain (BLTM) • Build Own Operate Remove (BOOR) • Build Own Operate Transfer (BOOT) • Lease Renovate Operate Transfer (LROT) – para renovação de infra-estruturas

existentes • Build Rent Own Transfer (BROT) • Build Lease Operate Transfer (BLOT)

• Design Build Finance Operate (DBFO) – versão britânica do esquema BOT. As prerrogativas de proprietário privado são mais limitadas, não pode, por exemplo, cobrar portagens. Dura 25 a 30 anos.

• Variantes DBFO: • Design Construct Manage Finance (DCMF) – usado nas prisões do Reino Unido • Design Build Operate (DBO) – Estado é financiador, em vez do privado • Design Build Finance (DBF) – privado transfere propriedade para o Estado logo após a

construção • Design Build Finance Operate Manage (DBFOM)

Concessão sem transferência – privado produz e detém um serviço em permanência, não o transfere para o Estado, o Estado torna-se seu cliente. • De activos a construir:

• Build Own Operate (BOO) • Build-develop-operate (BDO)

• De activos existentes: • Buy-build-operate (BBO) • Lease-develop-operate (LDO) • Wrap-around addition (WAA)

Privatização total

Fontes: adaptado de Grimsey e Lewis (2004), FMI (2004: 8)

Joint ventures

Page 53: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

25

As joint ventures público-privadas8 consistem numa sociedade mista

público-privada para fins de benefício público. De um ponto de vista jurídico,

Estado e privado são um único sujeito, logo as responsabilidades (riscos,

receitas, custos) são efectivamente partilhadas entre público e privado, não

simplesmente transferidas, como seria o caso nas concessões. Alguns autores

vêem-nas como as “verdadeiras” parcerias, aquelas que levam mais longe a

lógica relacional, que mais rompem com a lógica transaccional. O Estado é,

simultaneamente, regulador e accionista de uma joint venture. Os principais

problemas desta forma emergem do conflito de interesses entre estes dois

estatutos.

As joint ventures utilizam-se sobretudo para projectos de

desenvolvimento urbano. A sua área de aplicação é local, não nacional.

Organizam-se, normalmente, na base de convites públicos a entidades

privadas para colaborar. São relativamente informais, não registando todo o

aparato formal de concursos, procedimentos de selecção, contratos, habituais

nas concessões.

Concessões

Para Bult-Spiering e Dewulf (2006), numa concessão o Estado compra

um serviço, a disponibilidade de um certo produto por um certo tempo e

qualidade, especificados no contrato; enquanto o privado assume todas as

etapas da produção desse serviço. Ao contrário de uma joint venture, Estado e

privado permanecem sujeitos jurídicos autónomos, entre os quais se dá uma

transferência de responsabilidades, mas não uma partilha. Ao contrário de

uma externalização, o privado fornece, não só o serviço, mas também a infra-

estrutura subjacente. Em relação à contratação pública tradicional, uma

concessão distingue-se por: (1) responsabilidade privada ao longo do ciclo de

8 Há, também, e cada vez mais, joint ventures privado-privado, por exemplo fábricas detidas conjuntamente por dois grupos automóveis que concebem e produzem os motores que estes utilizarão em modelos concorrentes. Em Portugal, a Autoeuropa foi inicialmente uma joint venture entre Ford e Volkswagen. É uma forma de colaboração e partilha de risco popular em indústrias que exigem grandes investimentos de capital.

Page 54: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

26

vida, portanto não só pela construção e fases a montante, mas também pela

manutenção a longo prazo de um serviço, o que desencorajaria, por exemplo,

a poupança pela baixa qualidade na construção; (2) especificação de outputs

pelo Estado, deixando os detalhes operacionais para o privado; (3)

transferência de risco para o sector privado.

O Livro Verde para as PPPs da UE (UE, 2004) apresenta as concessões

como parcerias contratuais, em que um parceiro privado fornece um serviço

público sob o controlo do Estado, no todo ou em parte das suas etapas. A

remuneração do privado provém da cobrança de taxas aos utentes e/ou de

pagamentos regulares do Estado.

O concessionário é frequentemente um consórcio criado especificamente

para a concessão, que reúne as competências específicas de cada membro

adequadas às diversas etapas.

As concessões perfilam-se como a principal forma de PPP, com a

possível excepção dos EUA, onde as joint ventures locais e as colaborações

Estado-terceiro sector atraem muita atenção.

5. Génese e evolução das parcerias público-privadas

5. 1. O protagonismo privado: da antiguidade ao século XX

Parte importante da infra-estrutura dos Estados modernos foi erguida

segundo formas que hoje seriam classificadas de PPP, sobretudo próximas

das concessões. Vimos, atrás, que o objecto de uma PPP é a realização de

um serviço público. A evolução histórica dos serviços públicos, e com ela do

papel do Estado na sociedade, subjaz à das PPPs.

A questão, levada ao limite, é tão velha como a política. Segundo

Bezançon (2004: 25), o conceito de serviço público era comum no Império

Romano, e termos análogos – por exemplo, utilitas publica – surgem em

textos reais da Idade Média. Bezançon considera que a concessão de trabalho

e serviço público e a parceria (partenariat) são dois tipos de contratos

transversais a todas as épocas históricas desde a Antiguidade. Ambos

Page 55: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

27

encarregam um sujeito privado de criar (conceber, financiar, construir, gerir)

um serviço, estando a diferença na remuneração, pelos clientes individuais no

primeiro caso, pela colectividade sob formas variáveis no segundo. Nesta

acepção do termo, os correios do Império Romano funcionavam em parceria

(Bezançon, 2004: 15ss)9. Não só Roma, outras civilizações antigas como o

Egipto, Grécia, delegavam a cobrança de impostos, a gestão local, cediam a

longo prazo terras públicas a senhores. A Geographia de Estrabão (63 a.C.–

24 d.C.) refere a existência de estradas portajadas. Portos, mercados, banhos

públicos eram concessões privadas.

Estas práticas terão desaparecido no séc. V para reaparecerem na Idade

Média na construção de cidades fortificadas e na ocupação de terras virgens

no sudoeste de França (Ghobadian et al., 2004: 1). Na Idade Média, exércitos

privados de mercenários eram comuns, e objecto de grande debate.

Maquiavel considerava tais tropas: “inúteis e perigosas, e o príncipe que firme

o seu governo em soldados mercenários jamais estará seguro ou tranquilo

(…) o príncipe é espoliado por elas na paz, e na guerra pelos inimigos. O

motivo é que não têm outro amor nem outro motivo que os leve à batalha

senão a paga do príncipe, a qual não é suficiente para que desejem morrer

por ele” (Príncipe, cap. XII).

Ao longo da Idade Média, e até finais do séc. XIX agentes privados –

inventores, cientista, engenheiros, investidores, posteriormente empresas e

bancos – tiveram uma importância preponderante na construção de infra-

estruturas públicas. A Inglaterra desenvolveu, a partir da segunda metade do

séc. XVII, uma imensa rede de estradas portajadas, as turnpikes (nome da

cancela pontiaguda que bloqueava a passagem) para ultrapassar os

problemas da manutenção rodoviária eclesiástica, assente em trabalho local

não especializado. Trusts de mercadores, manufactureiros, terratenentes,

autoridades locais, reuniam o capital, asseguravam a construção e recolhiam

9 Esta obra, que pretende, num registo didáctico e de divulgação, questionar o protagonismo historicamente atribuído ao Estado na construção de infra-estruturas públicas, tem a originalidade de procurar um enquadramento histórico da ideia de parceria desde a Antiguidade.

Page 56: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

28

as portagens, na expectativa de recuperar o investimento em 21 anos. Smith

(1999) vê aqui o antecessor directo das concessões rodoviárias actuais. Os

desfavorecidos, habituados a caminhos de acesso livre, opunham-se-lhes,

vendo-as como uma discriminação a favor dos abastados, efectivamente os

que mais tinham a ganhar, pois efectuavam viagens longas, registando-se

várias insurreições contra as turnpikes. O sistema estendeu-se aos EUA, após

a guerra da independência (1775-1783). No entanto, as receitas revelaram-se

baixas, e a concorrência dos canais e, posteriormente, dos caminhos de ferro

selaram o seu destino. Nenhum dos trusts britânicos recuperara o

investimento ao fim de 21 anos, poucos trusts americanos sobreviveram aos

99 anos de concessão. As turnpikes foram sendo vendidas ao Estado, que

começava a planear redes rodoviárias nacionais. À entrada do séc. XX, as

estradas no mundo anglófono eram novamente públicas (Grimsey e Lewis,

2004: 43-46).

A França vale como pioneira das PPPs, por ter desenvolvido a partir do

séc. XVII o modelo de concessão ainda hoje prevalecente. Investidores

privados financiavam a construção e, por determinado prazo, a exploração

financeira de uma infra-estrutura, revertendo no final a propriedade para o

Estado. Registam-se contratos de concessão no séc. XVII na construção de

canais (o canal de Midi, lançado pelo empreendedor Jean-Paul Riquet na

época de Louis XIV e Colbert) e na secagem de pântanos (cedida por Henri IV

para todo o território nacional). Sobretudo a partir da segunda metade do séc.

XIX, as concessões presidiram esmagadoramente à construção de grandes

infra-estruturas como os caminhos-de-ferro, transportes urbanos (Metro de

Paris), redes de electricidade, de água e esgotos, e de recolha de lixo

(Bezançon, 2004).

Os caminhos de ferro são talvez o símbolo cimeiro de uma época, o séc.

XIX, em que os agentes privados foram os grandes protagonistas na criação

da infra-estrutura capitalista moderna, a concessão seu método principal, tanto

nos países centrais como nos periféricos. Em Portugal, condes e marqueses

encabeçaram as companhias pioneiras que obtiveram as primeiras

concessões reais de ferrovia.

Page 57: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

29

5. 2. O Estado centralizador e o ressurgimento privado nos anos 70

do século XX

Com a entrada no séc. XX, a estatização de infra-estruturas essenciais

generalizou-se. Os abalos económicos da grande depressão (1929) e de duas

guerras mundiais, assim como a influência do comunismo, deixaram o capital

esgotado, “desmoralizado”, incapaz de fazer face às necessidades sociais,

crescentemente identificadas como necessidades públicas, incompatíveis com

o interesse privado. Na Europa, sucederam-se vagas de nacionalizações. Em

França, por exemplo, as concessões transmutam-se em concessões públicas,

concessões ainda mas a empresas estatais, em regime de monopólio

tendencialmente nacional, integrando as diversas concessões regionais – as

grandes empresas públicas de electricidade (EDF), caminhos de ferro (SNCF),

transportes urbanos (RATP) datam desta época.

Após a segunda guerra mundial consolidara-se o Estado centralizador,

que assumia agora a construção e manutenção de infra-estruturas, e mesmo a

produção mercantil em sectores considerados estratégicos – energia,

telecomunicações, construção naval, metalurgia, petróleo (ainda hoje bastião

público em vários países) – ao mesmo tempo que alargava e sistematizava a

protecção social no que viria a ser chamado de Estado-Providência.

Refira-se que nos EUA a hegemonia estatal nunca foi tão longe. Em vez

de monopólios estatais, surgiram monopólios privados fortemente

regulamentados, nomeadamente nas taxas de lucro – as chamadas utilities

(por exemplo, a AT&T). A política social, por outro lado, foi realizada pelo

Estado, não directamente, mas por interposta pessoa, o terceiro sector.

Persistiu a concepção do Estado enquanto agregador da sociedade civil para

a resolução de problemas, espécie de third party government (Salamon, 1987)

mais que agente directo de resolução (Rosenau, 2000; Osborne, 2000:

105ss).

É face ao Estado centralizador que as PPPs se irão diferenciar a partir

dos anos 70 do séc. XX, consolidar na transição para os anos 80, e expandir

Page 58: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

30

nos anos 90 por todo o mundo. Os dados da história são conhecidos. A

chamada “estagflação” dos anos 70 e o choque petrolífero de 1973 marcam,

segundo muitos autores, o fim do keynesianismo e a consagração teórica do

Estado centralizador. Conceitos de monetarismo (Hayek, Friedman), supply-

side economics, economia neoclássica recuperam terreno político sob uma

forma que viria a ser conhecida como neoliberalismo, anunciada pela chegada

ao poder dos Governos de Margaret Tatcher em Inglaterra (1979) e Ronald

Reagan nos EUA (1981). O Estado passara de solução a problema na esfera

pública, era associado a monopólios, ineficiência, burocracia, impossibilidade

de escolha, e a um sem número de outros males. A prioridade era, pois,

reduzi-lo. As privatizações, começando pelo sector produtivo mercantil público,

tornam-se o imperativo categórico de uma era marcada por outros termos

como rigor fiscal, comércio livre, câmbio livre, desregulação (em matéria

económica), descentralização política, externalização (em matéria de

organização pública). Na fase inicial dos anos 70-80, privatizações e PPPs

confundem-se, ou antes, o furor em torno das privatizações ofusca as

parcerias. As PPPs existem, sobretudo, como políticas de desenvolvimento

local.

Para Bult-Spiering e Dewulf (2006: 7-13), as PPPs, nas suas feições

contemporâneas, surgem inicialmente nos EUA como joint ventures para o

desenvolvimento local a longo prazo. A tradição política local explica-o: o

Estado americano e respectiva burocracia é fragmentado, disperso,

concorrencial; há independência política e funcional entre autoridades locais,

estaduais e federais; as autoridades locais têm maior interesse em captar

investimento privado, pois dependem mais dos impostos locais que dos

federais; os agentes privados têm grande tradição de organização local. Já

nos anos 60, a política de desenvolvimento local era, em grande medida,

política de subsídios para atracção de investimento privado. Estes autores

vêem um momento charneira das PPPs na National Urban Policy (1978) do

Governo Jimmy Carter, que encorajava as autoridades locais a passar de

subsídios para joint ventures com parceiros privados. A tendência acentuou-se

no Governo Reagan, que reduziu o orçamento e o papel federal nas decisões

Page 59: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

31

locais, e prosseguiu no Governo Clinton, que, colocando as PPPs no centro da

sua política urbana, procurou estimular a participação cívica local.

No Reino Unido, o Governo tatcherista seguiu o exemplo através de

zonas empresariais e urban development corporations (UDC), corpos a quem

atribuiu tarefas de desenvolvimento em zonas degradadas, dotando-as de

financiamento e, mais importante, titularidade sobre os terrenos e poderes de

planeamento. As Docklands portuárias de Londres foram por esta via

transformadas no actual centro financeiro de Canary Wharf. Em finais dos

anos 80, as UDC foram substituídas pelo City Challenge, programa que

encorajava as autoridades locais a propor em parceria com os agentes

privados da sua jurisdição esquemas de renovação urbana.

No resto da Europa, registam-se experiências inspiradas pelo exemplo

anglo-saxónico, como é o caso da Holanda, onde o Governo inclui no seu

programa de 1986 o modelo britânico de parceria para desenvolvimento

urbano. A ideia de concessão de grandes infra-estruturas não desaparecera

inteiramente: em 1986 firma-se uma das maiores concessões da história, o

projecto franco-britânico do Túnel da Mancha.

No entanto, as iniciativas permanecem pontuais, ad-hoc. A privatização,

como foi dito, tem a hegemonia simbólica. Será preciso esperar até ao início

dos anos 90 para que uma inovação britânica coloque, na Europa, as

parcerias na ordem do dia.

5. 3. A Private Finance Initiative britânica

A Private Finance Initiative (PFI) britânica foi o primeiro programa político

sistemático de PPPs10. Foi introduzida em 1992 pelo Governo de John Major,

após algumas experiências satisfatórias nas obras públicas11, e prosseguida

10 Apesar de as PPPs no Reino Unido serem invariavelmente associadas à PFI, nem todas as PPPs cabem na PFI. As joint ventures, por exemplo, não fazem parte do programa. 11 A Second Severn Crossing, ponte entre Inglaterra e Gales concessionada no início dos anos 90 e inaugurada em 1996, foi das primeiras aplicações significativas da chamada project finance, que viria a fornecer o modelo para as PPPs.

Page 60: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

32

em 1997 pelo New Labour de Tony Blair. Provocou uma alteração relevante

da lógica e expectativas em torno dos serviços públicos, que passaram a

recorrer sistematicamente ao sector privado para o financiamento, concepção,

construção, gestão.

Os contratos PFI cabem na categoria de concessões, mas

desenvolveram especificidades suficientes para merecerem uma subcategoria

à parte. Em vez de concessões BOT, fala-se normalmente em contratos

DBFO (Design Build Finance Operate) – termo cunhado pela autoridade

rodoviária britânica aquando das primeiras experiências no sector das auto-

estradas – e nas múltiplas variantes deste modelo. Algumas das variantes são

concessões sem transferência, isto é, excluem a transferência de propriedade

para o Estado (Grimsey e Lewis, 2005: xxx).

Para Ghobadian et al. (2004: 4), a PFI visava politicamente (a) permitir a

qualquer projecto privado que pudesse funcionar lucrativamente avançar sem

comparação prévia com um projecto semelhante no sector público, (b) não

tratar projectos como inteiramente públicos ou privados, mas encorajar joint

ventures, onde representassem uma transferência razoável de risco para o

privado e (c) estimular o uso do leasing, onde houvesse value for money.

Até finais dos anos 80, o governo britânico privatizava, mas não recorria

a financiamento privado para iniciativas públicas. As chamadas Ryrie-rules,

regras fixadas em 1981 para o financiamento privado nas indústrias então

nacionalizadas, impediam-no. Estas regras foram retiradas em 1989 e

substituídas pelas regras da PFI em 1992, que, embora alterando a lógica de

conjunto, mantiveram nominalmente os critérios de admissibilidade anteriores

de (1) transferir risco para o sector privado e (2) assegurar value for money. O

impacto inicialmente foi limitado, a PFI teve de ser relançada em 1993 e 1995.

Quando o New Labour chega ao poder em 1997, encarrega Malcolm

Bates de fazer uma avaliação da PFI. A Bates Review de Junho de 1997

recomenda apenas ajustamentos práticos, nomeadamente a criação de uma

taskforce do Tesouro britânico especializada no assunto. A posição trabalhista

de resto já se definira na oposição. Um documento escrito em 1994 por

Page 61: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

33

Gordon Brown, John Prescott e Robin Cook avançava a ideia de

complementaridade entre sector público e privado e rompia com o antigo

preceito de zonas interditas por princípio ao sector privado (Brown et al.,

1994). A perspectiva de poupança, bem como – e este é um factor crucial – a

possibilidade de ultrapassar os limites impostos ao investimento e défice

público fizeram o resto.

A adopção da PFI pelo New Labour, uma vez no governo, colocou

definitivamente as PPPs na ordem do dia do debate sobre serviços públicos à

entrada do séc. XXI, e o Reino Unido como seu farol. O número e o valor dos

contratos disparou, consagrando o Reino Unido como o maior mercado

mundial de PPPs por larga vantagem (Gráfico I.1). A PFI passou a representar

10% do investimento em bens públicos, apesar disso ainda bastante abaixo

dos 40% de investimento convencional, que entretanto também subiu

acentuadamente a partir de 2001. Os sectores que concentraram mais

investimento foram, por ordem decrescente, a saúde, os transportes, a defesa

e a educação (HM Treasury, 2006)12. Mais de 50 países consultaram o

Tesouro britânico sobre a PFI, desenvolveu-se todo um sector económico

especializado no tema, que procura exportar as suas competências. Portugal

é indicado como um dos grandes importadores (UNISON, 2003a: 6).

12 Para mais detalhes, ver o Capítulo IV.

Page 62: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

34

Gráfico I.1

Valor de capital das PPPs por continente, 2000 e 2003

Fonte: Dealogic apud PricewaterhouseCoopers (2004: 13)

Uma segunda Bates review, em 1999, levou à transformação, no ano

seguinte, da taskforce do Tesouro britânico na Partnerships UK, actual órgão

central de assessoria ao governo. A Parterships UK é ela mesma uma joint

venture, maioritariamente privada, que se financia cobrando pelos seus

serviços. Representa, portanto, um patamar novo de hibridação público-

privado na gestão da coisa pública.

5. 4. As parcerias público-privadas na Europa Continental

As PPPs na Europa Continental têm tido um desenvolvimento mais lento

e mais heterogéneo que no Reino Unido. Mais lento devido, nomeadamente, a

uma tradição política distinta da anglo-saxónica, que acentua a divisão de

papéis Estado-mercado e, por conseguinte, entrava um ethos de colaboração.

A tradição continental de Direito Público, do Rechstaat de inspiração

germânica, tem sido considerada obstáculo às PPPs (Hammerschmid, 2005).

Mais heterogéneo, inevitavelmente, devido à diversidade nacional. À parte das

discrepâncias nacionais, a União Europeia, particularmente a Comissão

Europeia, surgiu nos últimos anos com uma agenda de promoção das PPPs.

Page 63: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

35

No panorama geral da Europa continental, sobressaem certas

regularidades regionais. Os países mediterrânicos enveredaram mais cedo

pelas PPPs, por via de concessões rodoviárias – Espanha desde há décadas,

Portugal desde finais dos anos 90. Os países germânicos e escandinavos

surgem como países relativamente avessos a elas. A França assume-se como

um meio termo, bastião do Estado centralizador por um lado, pioneira das

concessões por outro. A Holanda é destacada, por vezes, pelas suas

experiências pioneiras, mas no cômputo geral apresenta uma situação

análoga à germânica e escandinava.

A Espanha é frequentemente destacada nos estudos sobre PPPs pela

sua tradição de concessões rodoviárias, que remonta ao Franquismo. O

Estado espanhol, confrontado com as limitações financeiras e operacionais

típicas de uma condição semiperiférica, dependia mais da iniciativa privada

para o fornecimento de serviços públicos. Desde os anos 60, o sistema

rodoviário desenvolveu-se mediante concessões (Leis 55/1960 e 8/1972),

naturalizando na consciência popular a noção de estrada portajada. O

estímulo às concessões apenas abrandou nos anos 80, quando os Governos

de Felipe González aumentaram a despesa pública para níveis próximos da

média europeia, e ressurgiu com os problemas de défice público que se

seguiram. A Lei 13/1996 alargou as competências dos concessionários

rodoviários às estações de serviço e outros projectos imobiliários, aumentou o

período de concessão de 50 para 75 anos, e baixou a carga fiscal de 16 para

7%. A Lei 50/1999 introduziu as portagens virtuais (Bult-Spiering e Dewulf,

2006: 77-79).

Portugal é visto por alguns como o país que mais entusiasticamente

adoptou as PPPs de modelo britânico, o que fez em finais dos anos 90. As

concessões rodoviárias têm dominado as PPPs. Tiveram um breve prelúdio

em 1972, com a atribuição do primeiro contrato do género à Brisa, logo

nacionalizada em 1974, mantendo-se na esfera pública como concessionária

única das auto-estradas nacionais até finais dos anos 90, quando foi

privatizada (1997-1999). Havia-se feito, entretanto, algumas experiências à

parte, a mais importante a Ponte Vasco da Gama, acordada em 1993-94 e

Page 64: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

36

aberta ao público em 1998. O grande salto veio com o Plano Rodoviário

Nacional de 2000, que determinou quase decuplicar em 6 anos a rede de

auto-estradas, de cerca de 400 para 3000km, exclusivamente por via de

concessão, 1/3 delas na figura nova de portagem virtual (SCUT).

Simultaneamente, terminou o monopólio da Brisa, abrindo-se o mercado de

concorrência para estas concessões. Acumulam-se, posteriormente, receios

que as SCUTs se tornem, a prazo, insustentáveis para as contas públicas,

indício de que o value for money não fora acautelado13.

A Portugal é, ainda, referenciada uma outra questão: passou, em 6 anos,

de uma para catorze concessões rodoviárias, ao mesmo tempo que o Instituto

de Estradas de Portugal diminuía os seus quadros técnicos. Esta circunstância

gerou uma transferência dos melhores quadros para o sector privado, que

afectará a longo prazo a capacidade estatal de defender o interesse público na

avaliação de concessões futuras e na regulação das actuais (Bult-Spiering e

Dewulf, 2006: 79-83, 93-94; US Department of Transportation, 2002: 71-76).

É de salientar o caso das PPPs na saúde em Portugal. O Governo

Barroso anunciou em 2002 um programa para a construção de 10 hospitais

em regime PPP. À época, apenas a Inglaterra tinha experiência consolidada.

As poucas experiências nos outros países passavam por projectos-piloto

restritos. Portugal queria lançar 10 projectos de uma vez e incluir neles, não só

as infra-estruturas, como os serviços clínicos, algo sem precedente na Europa.

Contudo, nenhum dos projectos foi ainda fechado, e os primeiros concursos14

acabaram cancelados entre polémicas com a mudança de governo. O

13 O Governo Barroso manifesta em 2002 intenção de introduzir portagens reais em diversas SCUTs. O actual governo PS, partido que introduzira as SCUTs, reincide: pretende introduzir portagens em três das sete SCUTs em exploração, as SCUTs Costa da Prata, do Grande Porto e do Norte Litoral. Ver Mário Lino, “As SCUT e o cumprimento das promessas eleitorais”, Diário de Notícias, 26/10/2006. In http://www.moptc.pt/tempfiles/20061030193155 moptc.pdf (Julho de 2007). Sobre as dificuldades de financiamento das SCUTs: “SCUT – Perguntas e Respostas” in Portal do Governo, http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?gui d=%7B0E E0137D-64E1-4DA8-AFFD-46CC55E4BF80%7D (Julho de 2007). 14 A Parpública, organismo público coordenador das PPPs, refere a existência de 14 PPPs contratadas, todas na área dos transportes, e 9 em avaliação, das quais 3 nos transportes e 6 saúde. Cf. www.parpublica.pt/ppscontratadas.htm e www.parpublica.pt/ppsanalise.htm (Setembro de 2007).

Page 65: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

37

Governo actual estará a reavaliar o programa, não se sabendo se deixará cair

os serviços clínicos, copiando o modelo inglês assente exclusivamente na

infra-estrutura. Um inquérito a quadros europeus realizado por Bult-Spiering e

Dewulf (idem) detectou em Portugal cepticismo. Segundo os autores, os

quadros portugueses não acreditam que as concessões na saúde gerem

poupança. Enquanto as concessões rodoviárias tiveram por trás motivações

financeiras, a incursão na saúde, aparentemente, é explicada por motivações

mais ideológicas do Governo Barroso.

O crescimento das PPPs na Europa também despertou a atenção das

instituições europeias. O Livro Verde (2003) e, posteriormente, o Livro Branco

(2004) sobre os serviços de interesse geral, incluem as PPPs na sua reflexão.

Surgiu também um Livro Verde sobre as PPPs (2004) com o fito de lançar um

debate sobre uma eventual harmonização europeia do seu enquadramento

jurídico. As respostas indicam haver pouca vontade para tal, embora haja

apoio generalizado ao estabelecimento de uma agência europeia para as

PPPs15. O projecto de rede de transportes transeuropeia (TEN-T), coordenado

pela UE, virou-se para as PPPs no fito de ultrapassar os atrasos causados

pela escassez de financiamentos nacionais, ironicamente “auxiliada” pelos

próprios critérios europeus, mormente os limites ao défice público do Pacto de

Estabilidade. O Banco Europeu de Investimento tem sido um importante

financiador e assessor de projectos em vários países, e é, porventura, um dos

órgãos públicos com maior conhecimento e experiência na matéria.

6. Motivações da nova vaga de parcerias público-privadas

Que factores subjazem à ascensão das PPPs desde os anos 90? Que

motivações levaram cada vez mais governos a apostar neste tipo de relação

público-privada? Revemos neste ponto as respostas de alguns intervenientes

e autores. 15 Cf “Report on the Public Consultation on the Green Paper on Public-Private Partnerships and Community Law on Public Contracts and Concessions” e outros documentos sobre a iniciativa, in http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/ppp_en.htm (Julho de 2007).

Page 66: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

38

A diminuição de meios próprios e o contorno dos limites ao défice e

dívida pública são consideradas razões fundamentais que impelem os

governos para as PPPs. Os governos mundiais nas últimas décadas perderam

poder e recursos devido aos processos de globalização. Como a retracção e

privatização generalizada dos serviços públicos é impopular, torna-se atraente

recorrer ao capital privado para evitá-las a curto prazo.

No caso europeu, o Pacto de Estabilidade colocou o célebre limite de 3%

ao défice público, o que obrigou a cortes no investimento público. Ora, as

PPPs permitem realizar investimentos públicos sem que estes contem no

imediato para a despesa pública. E ainda que, a longo prazo, se levantem

algumas questões, tal já não afectará o governo que toma a decisão no

presente. Naturalmente, com a expansão das PPPs, foi-se tornando evidente

que o défice público é escamoteado com a “manobra”, pelo que se começou a

exigir que se incluam as PPPs no cálculo. Daí uma série de alterações aos

critérios de avaliação das contas públicas, por exemplo pelo Eurostat, ou pelo

governo britânico, cujos critérios contabilísticos incluem parte considerável das

PPPs na despesa pública.

Em geral, os autores chamam a atenção para o facto de que partir para

uma PPP com esta motivação é arriscado, pois coloca o Estado numa posição

negocial fraca, donde a probabilidade de maus contratos se multiplica. Os

relatórios do Tesouro britânico afirmam que esta nunca deve ser a motivação

para uma PPP, mas apenas a poupança. Apesar de pouco recomendável ou

confessável, esta é uma motivação muito real. Em Portugal, o presidente da

Parpública, João Plácido Pires, afirmou em conferência da APOCCEP a 16 de

Novembro de 2006 que o recurso às PPPs “deriva no essencial das

dificuldades orçamentais dos Estados e das limitações que também por essa

via são colocadas ao uso de empresa pública para o financiamento destes

investimentos”.

A poupança é outra grande motivação das PPPs. Não foi seguramente

esta razão que arrancou os governos de hábitos institucionais de décadas

para a experiência das PPPs, como a falta de meios próprios, mas contribuiu

Page 67: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

39

como incentivo suplementar. Encontra-se estes e outros argumentos nos

objectivos enunciados pelo governo britânico na sua estratégia de PPPs:

fornecer melhores serviços públicos, contribuindo para o aumento quantitativo

e qualitativo do investimento; libertar o potencial dos activos públicos, fornecer

value for money ao contribuinte e benefícios alargados à economia; dar aos

stakeholders – utentes, contribuintes, empregados – um quinhão justo dos

benefícios de uma PPP (HM Treasury, 2000).

Considerando enquadramentos mais abrangentes, Ghobadian et al.

(2004) identificam no alargamento da intervenção das PPPs (1) a pressão

sobre as finanças públicas, (2) o neoliberalismo, (3) a pujança financeira do

sector privado e (4) a liberalização do comércio.

Grimsey e Lewis (2005: xvi-xvii) identificam três factores na expansão

recente das PPPs. (1) Uma mudança de concepções quanto ao papel do

Estado, em função da distinção entre serviços essenciais e acessórios (uma

PPP é um método de adjudicação que se enquadra na vaga do New Public

Management, agenda neoliberal de administração pública). (2) Um

refinamento dos modelos de financiamento privado, que através de técnicas

de project finance permitem avaliar melhor o risco e tornar atraentes para os

privados negócios anteriormente incertos. (3) A influência das técnicas de

partnering, cujo (presumível) sucesso inspirou os modelos de organização das

PPPs16. Para Grimsey e Lewis (2005: xxvi), as PPPs inspiram-se neste legado

triplo e acrescentam-lhe novas camadas de complexidade: a combinação de

etapas anteriormente separadas num só projecto; o âmbito mais vasto,

entrando em territórios onde o pagamento não pode vir directamente dos

consumidores (prisões, hospitais, tribunais); a presença de actores adicionais

(ONGs, comunidade local).

O New Public Management merece referência adicional. É referido

habitualmente como agenda neoliberal de administração pública, associado a

16 O partnering foi uma mudança de paradigma proposta em meados dos anos 90 no mundo da engenharia civil para resolver os conflitos de interesse entre proprietários, técnicos e empreiteiros, públicos ou privados, que geravam custos extraordinários, atrasos, litigação. Ver Smith (1999), também disponível em Grimsey e Lewis (2005).

Page 68: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

40

lemas como empresarialização, privatização, comercialização, gestionismo,

externalização, emagrecimento.17 Hood (1995) sintetiza-o em 7 mudanças: (1)

desagregação dos organismos públicos em várias unidades

empresarializadas;18 (2) concorrência entre os organismos públicos e entre

estes e os privados; (3) uso de métodos da gestão privada, e abandono de

métodos tradicionais de gestão pública; (4) ênfase na poupança, no

embaratecimento dos custos de serviço em detrimento de uma cultura de

continuidade institucional, de manutenção de níveis de serviço, de

planeamento de base política; (5) gestão hands on por gestores com

notoriedade e poder discricionário (discretionary power), ao invés da

tradicional gestão pública hands off, mais impessoal e burocrática; (6)

mensurabilidade e quantificação da performance, ao invés de confiar nos

padrões profissionais internos; (7) controlo de estilo “homeostático”, na base

de outputs predefinidos, não na base de “ordens do dia” vindas ad hoc de

cima.

Em suma, as PPPs devem o seu protagonismo recente à tendência geral

de enfraquecimento (para uns) ou emagrecimento (para outros) do Estado nas

últimas três décadas, que tem sido associada ao neoliberalismo. A

necessidade política de manter serviços públicos, cujo desaparecimento seria

impopular, aliada à dificuldade de os sustentar como outrora, levam os

governos a recorrer a um sector privado novamente pujante, desejoso de

novas áreas de investimento, dotado de capacidades de engenharia

institucional e financeira que possibilitam empreendimentos antes

considerados demasiado arriscados. As PPPs são o produto desta

constelação.

17 Em inglês: corporatization, privatization, commercialization, managerialism, outsourcing, downsizing.

18 Em Portugal, por exemplo, a separação da CP em diversas unidades de negócio independentes.

Page 69: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

41

7. A organização das parcerias público-privadas

Tomamos a organização das PPPs em três acepções: a organização

político-institucional, isto é, as instituições que enquadram os programas e

projectos de PPP a nível nacional; a organização procedimental, isto é, os

procedimentos e etapas que um projecto segue; e a organização empresarial,

isto é, a estrutura interna do parceiro privado. Há variações nacionais,

sobretudo na primeira acepção. Concentramo-nos no espaço europeu, o mais

relevante para contextualizar a situação portuguesa.

7. 1. A organização no âmbito político-institucional

Um relatório da Pricewaterhouse Coopers sobre PPPs na Europa

fornece um útil mapa europeu de desenvolvimento institucional, exposto no

Quadro I..

Quadro I.3 Desenvolvimento institucional das PPPs na Europa

Fonte: PricewaterhouseCoopers (2005)

Page 70: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

42

O mapa confirma o avanço britânico, e também irlandês, e aponta uma

institucionalização incipiente das PPPs no resto da Europa. Em termos de

organismos públicos, Reino Unido e Irlanda – e curiosamente também a

Holanda e Áustria, onde as PPPs são escassas – possuiam uma agência

nacional especializada em PPPs, com competências executivas, consultivas e

avaliativas. Em Portugal, Itália, França, Alemanha, Dinamarca e alguns países

do Leste tais agências existiam, mas apenas com competências consultivas.

Em termos de enquadramento jurídico, Irlanda, Espanha e Polónia tinham, de

acordo com este relatório de 2005, legislação abrangente em vigor. Portugal,

Grécia, França, Bélgica e alguns países de Leste tinham legislação sectorial e

estavam a desenvolver legislação abrangente. Pelo resto da Europa, a

situação ou não passara de projectos de intenção ou era desconhecida.

No Reino Unido, a Partnerships UK é a agência coordenadora das PPPs.

Assume tarefas de sistematização contratual e organizativa, bem como de

assessoria técnica, financeira e jurídica ao Estado. Como foi dito atrás, ela

mesma é uma joint venture com capital e quadros maioritariamente privados.

Funciona numa lógica empresarial: tem de gerar receitas próprias, o Estado

não cobre prejuízos. Existe também uma estrutura de coordenação local, a

4PS (Public Private Partnership Programme), que presta apoio às autoridades

locais nos processos de adjudicação. O Tesouro britânico concentra as

competências públicas, representa o Estado na Partnerships UK e elabora

avaliações abrangentes do programa PFI (Ghobadian et al., 2004).

A França, antes de ter uma agência central de PPPs, já desenvolvera

pela sua longa tradição de concessões um quadro jurídico e institucional

próprio, distinto do anglófono, e relativamente preciso. Esse quadro concedia

mais primazia ao Estado. Os contratos subordinavam-se aos princípios do

serviço público, nomeadamente a superioridade do interesse público face ao

privado, as infra-estruturas subordinavam-se ao regime de propriedade

pública. Em contrapartida, os privados tinham direito de indemnização se

prejudicados por decisão unilateral pública em nome do interesse geral, ou por

circunstâncias imprevistas que afectassem o equilíbrio financeiro previsto no

Page 71: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

43

início do contrato (Grimsey e Lewis, 2004: 47-50). Mais recentemente, criou-se

uma agência nacional para as PPPs.

A Alemanha constitui uma zona onde o enquadramento institucional vai à

frente dos projectos no terreno, relativamente escassos, como se se

procurasse preparar tudo antes de fazer e ganhar experiência na prática.19

Para remover múltiplos obstáculos burocráticos, promulgou-se em 2005, com

o apoio da indústria e sob vasto consenso político, uma lei de aceleração das

PPPs (Beschleunigungsgesetz)20 e aguarda ratificação uma lei de

simplificação (Vereinfachungsgesetz). Prevê-se criar em 2008 um órgão

central de coordenação constituído à imagem britânica por Estado federal e

privados, a Partnerschaften Deutschland, substituindo uma unidade

especializada do Ministério das Obras Públicas, até aqui principal

coordenadora e impulsionadora das PPPs.

Portugal e Espanha têm uma tradição de concessões, o que levaria a

esperar uma institucionalização mais avançada. Em Espanha, a autonomia

regional leva a uma formalização fragmentada; a nível nacional há apenas

uma Comissão Político-Económica informal e uma unidade no Ministerio de

Fomento, que concentra funções técnicas, não financeiras. Em Portugal, a

Parpública, sociedade subordinada ao Ministério das Finanças responsável

por privatizações e externalizações, assume também as funções de agência

central de PPPs. Mas, só em 2003 (DL 86/2003) se tornou obrigatório o uso

de um custo público comparável na decisão entre PPP e financiamento

tradicional, quando as PPPs rodoviárias já estavam fechadas. Na Península

Ibérica, em contraste com o exemplo alemão, há experiência acumulada e

práticas instituídas, mas pouco formalizadas.

19 Apenas em Junho do presente ano arrancou a construção da primeira auto-estrada em PPP, a pequena (52Km) A8 entre Munique e Augsburgo, que terá portagens reais apenas para veículos pesados. No ordenamento alemão, ainda não há portagens para veículos ligeiros. 20 Bundesgesetzblatt, 2005 Teil I Nr. 56, p. 2676.

Page 72: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

44

7. 2. O procedimento

As PPPs têm um procedimento de organização próprio com etapas

definidas, aliás como qualquer método de contratação pública. Quando o

Estado adjudica um serviço, pode fazê-lo a uma agência pública

especializada, pode nomear um fornecedor, pode seleccionar um fornecedor

através de concurso público, com graus variáveis de formalização. As PPPs

envolvem quase sempre concurso público. O concurso pode ser aberto, por

convite, através de listas registadas, através de pré-qualificação ou negociado.

Comecemos por uma caracterização genérica das etapas. Bult-Spiering

e Dewulf (2006: 53) tomam de empréstimo a Scholten (2001) a seguinte

categorização:

• Desenvolvimento

• Início

• Definição

• Pré-qualificação

• Consulta

• Proposta (tender)

• Negociação

• Fecho financeiro

• Construção

• Operação e manutenção

• Operação

• Transferência

A escolha do parceiro privado ocorre no fim da fase de desenvolvimento.

Numa especificação mais detalhada, Grimsey e Lewis (2004: 85)

distinguem oito etapas genéricas, expostas no Quadro .

Page 73: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

45

Quadro I.4 Etapas principais de um contrato PPP

Etapa Tarefas Papel do Estado Definição de necessidades

fixação de resultados (outputs), consideração de efeitos de rede

cliente, planeador de rede

Avaliação Avaliar as diversas possibilidades de concretização (por exemplo renovação ou nova construção), financiamentos, riscos e outros impactos.

Planeador de rede, defensor do ambiente, representante do interesse público

Modelo de negócio (business case)

análises de custo-benefício, quantificação de custos, riscos, proveitos, obtenção de financiamento

Planeador de rede, financiamento

Desenvolvimento de projecto

formação de comités executivos, direcções, auditores, criação de um plano para o projecto

Gestor de projecto

Processo de concurso (bidding process)

preparação de concurso, avaliação de propostas

Outorgante de concessão (concession grantor)

Revisão final de projecto confirmação de que se atinge value for money e demais objectivos políticos

Planeador de rede, representante do interesse público

Negociação final estabelecimento de quadro e equipas de negociação, execução de contrato, fecho financeiro

Outorgante de concessão, financiamento

Gestão de contrato transferência de responsabilidades para equipa de gestão de contrato, formalização de responsabilidades de gestão, entrega do projecto, monitorização de resultados, defesa da integridade do contrato

Inspector, vigilante, gestor de contrato

Fonte: Grimsey e Lewis (2004: 85)

A União Europeia tem estimulado a sistematização dos diversos

procedimentos nacionais. O Livro Verde sobre as parcerias público-privadas,

publicado em 2004, faz um levantamento da situação face ao direito

comunitário, com o objectivo de iniciar o debate.

Regras comunitárias

Não existe no direito comunitário um enquadramento específico para as

PPPs. Enquanto contratos público-privado para a prestação de uma actividade

económica, as PPPs submetem-se aos princípios gerais do Tratado de Roma

(arts. 43º a 49º), a saber: o princípio da transparência, da igualdade de

tratamento, da proporcionalidade e do reconhecimento mútuo.

Page 74: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

46

As normas comunitárias são relevantes sobretudo para o processo de

concurso e selecção do parceiro privado. As directivas 2004/17/CE e

2004/18/CE sobre adjudicação de contratos públicos procuraram remover

alguns obstáculos às PPPs, como a impossibilidade de alterar

substancialmente um projecto durante a adjudicação ou a incerteza no uso

dos procedimentos de negociação.

Há quatro métodos de selecção do parceiro privado:

• concurso público – qualquer candidato pode apresentar propostas

• concurso limitado – apenas candidatos convidados pelo Estado podem

apresentar propostas

• procedimento por negociação

• diálogo concorrencial.

O procedimento por negociação aplica-se a situações de excepção em

que não é possível fixar prévia e globalmente os preços.

O diálogo concorrencial é uma inovação introduzida pela directiva

2004/18/CE para contratos particularmente complexos em que o Estado não

tenha capacidade de definir os meios técnicos, jurídicos e financeiros de um

projecto. Começou a ser vertido para as legislações nacionais em 2005.

As regras comunitárias são, como dissemos, embrionárias. Contemplam,

sobretudo, os processos de concurso de forma relativamente genérica. A um

nível mais detalhado, as regras são nacionais. No que respeita à adujdicação,

distingue-se normalmente dois grandes modelos de adjudicação, o modelo

espanhol e o modelo anglo-saxónico.

Adjudicação: modelo espanhol e anglo-saxónico

Bult-Spiering e Dewulf (2006: 96-103)21 distinguem dois grandes modelos

de adjudicação de concessões: o espanhol e o anglo-saxónico.

21 Neste ponto seguimos de perto esta fonte.

Page 75: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

47

O modelo espanhol é considerado breve e barato: o processo não dura

mais de oito meses e as candidaturas custam em média meio milhão de

euros. Antes de lançar a concurso uma concessão, o governo executa as

seguintes tarefas:

• concepção preliminar;

• elaboração e aprovação de estudos de impacto ambiental;

• período de informação pública;

• estudo de viabilidade financeira e consulta ao Banco Europeu de

Investimento.

Não há pré-qualificações. Os candidatos têm 4 meses para apresentar

propostas, o governo leva outros 4 meses para seleccionar a proposta

vencedora. Os projectos são avaliados num sistema de pontos em função de

custos, design, manutenção e performance técnica. Os candidatos têm acesso

às propostas dos seus concorrentes, para estimular a transparência. Escolhido

o parceiro privado, procede-se ao fecho financeiro do contrato. O contrato é

predefinido para todas as concessões, pelo que, em regra, não há negociação

adicional sobre ele.

O sector privado é consultado na fase inicial de preparação e tem

bastante influência sobre a concepção preliminar. Na fase de concurso não há

comunicação entre Estado e privados, para evitar favorecimentos. Segundo

um inquérito de Bult-Spiering e Dewulf (2006), embora entre os quadros

públicos espanhóis haja uma percepção de inovação nas propostas, os

quadros privados referem haver pouca diferença técnica entre as propostas,

estando a principal diferença no preço. Os concessionários têm direito a pedir

renegociações de contrato em caso de prejuízo financeiro, por exemplo,

prolongamento da concessão ou aumento de portagens.

O modelo anglo-saxónico, desenvolvido no Reino Unido, é bastante mais

moroso e dispendioso que o espanhol: pode levar 2 anos ou mais. É, no

entanto, o mais utilizado noutros países – provavelmente o modelo espanhol é

demasiado específico. Segundo Bult-Spiering e Dewulf, segue as seguintes

etapas:

Page 76: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

48

• Determinação das necessidades

• Decisão estratégica

• Esboço de modelo de negócio

• Anúncio no Jornal Oficial das Comunidades Europeias

• Pré-qualificação, de um máximo de quatro candidatos, com base na sua

imagem e reputação

• Convite para apresentação de propostas (invitation to tender)

• Avaliação de propostas

• Convite para negociação (invitation to negotiate) a um grupo restrito de

candidatos escolhidos, normalmente dois

• Oferta final (Best and Final Offer) dos candidatos

• Anúncio do vencedor e notificação dos restantes candidatos

• Fecho do contrato.

O custo público comparado (public sector comparator) é uma

característica distintiva deste modelo. Consiste no custo que a actividade a

realizar em PPP atingiria se realizada por métodos públicos tradicionais. A

administração tem de calcular o CPC até ao convite para apresentação de

propostas. O valor só é disponibilizado após a escolha do vencedor, para

evitar que os candidatos baseiem as suas propostas nele. O cálculo é

bastante difícil – devido, por exemplo, à necessidade de discriminar todas as

variáveis em jogo, incluindo riscos e imprevistos, e de quantificá-las – e o

indicador é objecto de polémica, como veremos adiante.

7. 3. A estrutura empresarial: Special Purpose Vehicle

O parceiro privado, face à dimensão de uma PPP em termos de capital e

competências, raramente é uma empresa individual. Normalmente, ele

assume a forma de uma Special Purpose Vehicle (SPV), um consórcio de

empresas – construtoras, bancos, assessoras, empresas de serviços

acessórios – organizado especificamente para o projecto em questão.

Page 77: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

49

A SPV é constituída com capital inicial (equity) e dinheiro proveniente de

endividamento bancário (senior debt), com os quais financiará as tarefas

necessárias para pôr em funcionamento o serviço que lhe foi atribuído. Para

tal, estabelece contratos separados de construção, gestão etc. com as

empresas suas constituintes, especializadas na tarefa.

A proporção entre capital e dívida, assim como a repartição do capital da

SPV, varia conforme o país, a cultura empresarial, o ambiente económico,

etc. No caso britânico, geralmente seguido noutros países, o capital é

tendencialmente repartido entre as empresas encarregadas das diferentes

tarefas do projecto. Na Austrália, pelo contrário, desenvolveu-se o financier-led

model, onde os bancos concentram a propriedade da SPV e as restantes

empresas participam apenas como subcontratadas desta.

As SPVs têm poucos, por vezes nenhum activo. Os privados usam esta

figura por três razões. Primeiro, apenas a SPV está sujeita a execução em

caso de colapso, portanto os investidores arriscam apenas a sua participação

na SPV, não o resto do seu património. Segundo, os investidores não têm de

colocar a SPV nos seus próprios activos e passivos se a participação for

inferior a 50%, como normalmente o é. Terceiro, os investidores protegem o

seu nome em caso de colapso, ao mascará-lo por trás do nome da SPV. Isto

levanta questões quanto à real transferência de risco que o Estado obtém

numa PPP, sobretudo nos casos mais dramáticos de colapso (UNISON,

2004).

7. 4. A situação portuguesa

Em Portugal, o regime legal das PPPs encontra-se regulado pelo

Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, revisto pelo Decreto-Lei 141/2006, de

27 de Julho. Sempre que um ministério queira preparar ou alterar os termos

de uma PPP, deve notificar o Ministério das Finanças, através da Parpública.

Constitui-se, posteriormente, uma comissão de acompanhamento de projecto,

ou de alteração de projecto, e uma comissão de avaliação de propostas. No

quadro legal, a Parpública assume as seguintes tarefas:

Page 78: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

50

• indicar representantes públicos para a comissão de acompanhamento de

projecto de parceria, ou de alteração de projecto, e para a comissão de

avaliação de propostas;

• informar e prestar apoio técnico às comissões de acompanhamento sobre

os trabalhos de preparação do projecto, nomeadamente na vertente

económico-financeira;

• apoiar a elaboração de despachos conjuntos dos Ministros das Finanças e

da tutela sectorial sobre uma PPP;

• prestar apoio técnico ao Ministério das Finanças no acompanhamento das

parcerias vigentes, nomeadamente informação sobre os seus custos,

riscos e impacto financeiro;

• apoiar a elaboração de pareceres vinculativos do Ministério das Finanças

sobre a alteração de contratos vigentes.

Segundo alguns autores, o processo de selecção português é uma

adaptação do modelo anglo-saxónico. Uma das principais diferenças em

relação ao modelo inglês consiste na inclusão dos bancos no processo de

negociação. No Reino Unido, as negociações com os bancos só se iniciam

uma vez fechado o negócio com o concessionário. Em Portugal, os bancos

participam a par do candidato nas negociações com o Estado, e também

assinam o contrato.

As concessões no âmbito do Plano Rodoviário Nacional estabeleceram

um padrão de transferência de risco que atribui ao Estado o risco de

planeamento, ao privado os riscos de concepção, construção, manutenção e

exploração, enquanto os riscos ambientais, de aquisição de terras e de força

maior são partilhados. No modelo SCUT, o risco de exploração, isto é, de

receita, é partilhado: o Estado garante uma receita mínima ao concessionário

se o uso da infra-estrutura não a garantir (Bult-Spiering e Dewulf, 2006). A

tabela seguinte apresenta esta grelha de repartição de risco.

Page 79: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

51

Quadro I.5 Transferência de risco nas concessões rodoviárias em Portugal

Riscos Responsabilidade Estado Partilhada Concessionário Planeamento X Concepção X Ambiental X Aquisição de terras X Construção X Operação e manutenção X Receita (trânsito) X (SCUTs) X (portagens reais) Defeitos latentes X Legislação X Força maior X

Fonte: US Department of Transportation (2002: 73)

Os riscos ambientais foram no passado um problema que levou a

alterações de procedimento. O Estado português realizava a adjudicação

antes de concluídos os estudos de impacto ambiental, o que poderia obrigar a

grandes alterações de projecto, e, por conseguinte, a atrasos e custos

extraordinários que o Estado tinha de assumir. Actualmente, o Estado não

avança em regra com a adjudicação antes de concluídos os estudos de

impacto ambiental.

Uma outra mudança tem a ver com o facto de os processos de

expropriação serem transferidos para os privados. O Estado fornece uma

declaração de interesse público e os privados conduzem as negociações de

expropriação. Se o caso for a tribunal, o Estado assume-o, bem como os

prejuízos decorrentes de tal atraso (USDoT, 2002: 71-76; Bult-Spiering e

Dewulf, 2006: 79-83).

8. Áreas sectoriais mais relevantes

Concentramo-nos neste ponto no panorama europeu para indicarmos, de

forma breve, algumas das áreas mais relevantes de aplicação das PPPs.

Escolhemos como áreas representativas os transportes, água e saneamento,

saúde, educação e a justiça. As duas primeiras, por serem as áreas iniciais

Page 80: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

52

das PPPs; as duas seguintes, por serem a área onde se verifica maior

expansão; a última, por ser o tema deste estudo.

Uma palavra, antes do panorama europeu, para a situação no resto do

mundo. Nos EUA, as joint ventures de desenvolvimento local e as políticas

sociais (coordenadas com o terceiro sector) estão na origem das PPPs. Hoje

elas estendem-se, assim como na Europa, às infra-estruturas pesadas

(transportes, água e saneamento); à saúde, educação, prisões, segurança

social, investigação e desenvolvimento científico. Note-se que a tradição

americana é bastante específica, dificultando comparações directas com a

Europa. Os sistemas de saúde, de educação, de segurança social nunca se

organizaram na linha estatista europeia, pelo que não se deve equipará-los

com as actuais experiências europeias nestas áreas. Num panorama mundial,

a PricewaterhouseCoopers (2005) considera as PPPs pouco desenvolvidas

nos EUA. A Austrália é considerada um dos países onde estão mais

desenvolvidas. A figura seguinte mostra o desenvolvimento das PPPs fora da

Europa.

Quadro I.6 PPPs fora da Europa por país, sector e situação, 2005

Fonte: PricewaterhouseCoopers (2005)

Page 81: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

53

No contexto europeu, as PPPs, como já referimos, começaram por ser

essencialmente concessões de obras públicas, nomeadamente rodoviárias. A

experiência rodoviária facilitou a extensão a outras infra-estruturas de

transportes como a ferrovia, portos, transportes urbanos. A energia, água e

saneamento constituíram a outra grande via de expansão. Estas infra-

estruturas pesadas, digamos de mobilidade e de abastecimento básico,

constituem a esmagadora maioria das PPPs na Europa continental. No Reino

Unido, sem dúvida o “reino” das PPPs, tentou-se ir ainda mais além, nas áreas

da saúde, educação, defesa, segurança pública (prisões). Estes sectores

geraram bastante mais resistência. Na Europa continental, permanecem

incipientes.

O mesmo estudo da Pricewaterhousecoopers fornece um mapa das

PPPs na Europa, que apresentamos no Quadro seguinte.

Page 82: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

54

Quadro I.7 PPPs na Europa por país, sector e situação, 2005

Fonte: PricewaterhouseCoopers (2005)

Page 83: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

55

O Reino Unido destaca-se, sem surpresas, com PPPs em todas as

áreas; a França tem muitas PPPs nas infra-estruturas pesadas, embora se

trate das velhas concessões, e parece querer experimentá-las em novas

áreas; Espanha, Portugal e Grécia são os outros países com muitas PPPs na

área dos transportes. Na Europa central e nórdica, as PPPs estão numa fase

inicial, de experimentação pontual; a Alemanha parece o país mais disposto a

introduzi-las de forma alargada; a Suécia o mais avesso. Na Europa de leste,

as PPPs são tão ou mais raras que na Europa central e nórdica, apenas têm

expressão na água e saneamento, e parecem estar a emergir nas estradas.

8. 1. Transportes

As concessões de auto-estradas estendem-se hoje por toda a Europa,

tornando-se mesmo hegemónicas em alguns países, como é o caso de

Portugal. A ferrovia ligeira (metros, eléctricos) regista numerosos projectos,

embora a ferrovia pesada permaneça generalizadamente pública – o fracasso

da privatização dos caminhos de ferro britânicos mantém até hoje grande

poder de dissuasão.

Como já referimos, este é, normalmente, o sector que marca o arranque

das PPPs e que concentra os maiores investimentos. Em certa medida, foi

aqui que se desenvolveram as técnicas organizativas e procedimentais que

são hoje o modelo geral de PPP – PPPs como generalização das concessões

de obras públicas a demais serviços públicos. A concessão é a forma por

excelência de PPP nos transportes. Predominam os contratos BOT ou DBFO

e respectivas variantes.

Em Portugal, a rede de auto-estradas arrancou nos anos 80-90 por via

da Brisa, juridicamente uma concessionária, porém uma empresa estatal em

regime de monopólio. A Ponte Vasco da Gama foi o arranque dos grandes

projectos de PPP na rodovia, a que se seguiu o Plano Rodoviário Nacional de

2000. Portugal será hoje um dos poucos países europeus em que a quase

Page 84: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

56

totalidade das auto-estradas está concessionada a privados. Tornar-se-á caso

mais singular se levar por diante o desígnio recente de concessionar a

totalidade das estradas: em Julho deste ano, o Governo manifestou intenção

de abrir ao capital privado as Estradas de Portugal, transformando-a numa

S.A. que se tornaria concessionária da rede viária ordinária.22 Na ferrovia, as

concessões parecem a forma preferida para novos projectos: comboio da

ponte 25 de Abril, metro do Sul do Tejo, o futuro comboio de alta velocidade.

Segundo Monteiro (2005), a tendência nos projectos recentes é para separar

infra-estrutura de serviço: um concessionário para a infra-estrutura e material

circulante, outro para o transporte de passageiros, com um contrato por um

período de tempo mais reduzido.

8. 2. Água e saneamento

Os serviços de água, esgotos e lixo são a segunda linha das PPPs na

Europa, após os transportes. Contribui para tal a sua escala, média a grande,

e a natureza empresarial. Mesmo públicos, tais serviços pertencem

normalmente não ao sector administrativo, mas ao sector empresarial do

Estado. Já preexiste assim uma lógica empresarial e, sobretudo, a noção

enraizada de que o utente paga pelo serviço, o que facilita a passagem a

parceria público-privada, quando não a privatização por inteiro.

Irlanda, Reino Unido e França são os países com mais PPPs nesta área.

Reino Unido e França contam com grandes empresas mundiais de água e

esgotos, que se têm expandido agressivamente para outros mercados.23 No

Reino Unido, conta-se actualmente 36 projectos, 16 de água e esgotos (a

22 Resolução do Conselho de Ministros 89/2007. 23 E outros sectores de actividade. Recorde-se o célebre caso da francesa Vivendi, antiga Compagnie Générale des Eaux, que se tornou em finais dos anos 90 um dos gigantes do entretenimento mundial, até se afundar sob as dívidas de uma expansão demasiado rápida. A divisão original de água e tratamento de resíduos, hoje Veolia Environment, é a maior empresa mundial do sector. A Suez Environment, que integra a antiga Lyonnaise des Eaux, é outro actor importante no mercado mundial. Em suma, este sector possui actores privados consolidados, unificados, com grandes recursos e presença mundial, o que é raro nos outros sectores de PPP.

Page 85: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

57

maioria na Escócia) e 20 de recolha e tratamento de lixo.24 A Irlanda parece

apostada em refazer a sua rede de tratamento de esgotos através de PPPs:

conta-se neste momento 22 projectos de estações de tratamento de águas

residuais.

Adaptou-se neste sector o modelo de portagem virtual rodoviária. O

privado concebe, constrói e explora uma estação de tratamento de águas,

recebe pagamentos do Estado em função do volume de água tratada. Na

Irlanda, usa-se contratos DBOM para tais operações.

Portugal reorganizou, em finais dos anos 90, os seus sistemas de água,

esgotos e lixo. Empresarializou-se o sector criando empresas multimunicipais,

com possibilidade de participação do capital privado. O papel privado parece

em crescendo, seja por aumento de influência nas sociedades

multimunicipais, seja por crescimento de empresas privadas do sector.

Portugal parece encaminhar-se para uma privatização do sector, que pelo

caminho assume uma forma típica de PPP, a joint venture, mas apenas como

meio transitório, não como lógica a prosseguir – não há notícia de projectos do

tipo irlandês. Talvez por isso, a PriceWaterhouseCoopers (2005) vê em

Portugal muitas PPPs neste sector, onde a Parpública não vê qualquer uma.

8. 3. Saúde

A saúde é uma área particularmente polémica de aplicação das PPPs.

Apenas está consolidada no Reino Unido. Mesmo a Irlanda, que copiou

entusiasticamente o Reino Unido e figura à cabeça das PPPs na Europa, não

o fez nesta área. Portugal deu um passo nesta direcção com o programa de

PPPs para os hospitais, mas este ainda não se concretizou. No resto da

Europa, existem apenas experiências-piloto.

No Reino Unido, apesar do crescimento privado, o princípio da

gratuitidade para o utente mantém-se, pelo que a remuneração privada

24 Para uma lista completa das PPPs no Reino Unido, cf. http://www.hm-treasury.gov.uk/media/3/6/pfi_signeddeals_110707.xls (Julho de 2007).

Page 86: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

58

provém integralmente do Estado. Além disso, as PPPs incidem

exclusivamente sobre a infra-estrutura, os serviços clínicos propriamente ditos

permanecem sob a alçada do sistema público de saúde, o NHS. Ao parceiro

privado compete fornecer (construir, renovar, gerir) instalações que garantam

determinados níveis de serviço: por exemplo número de camas, número de

atendimentos a pacientes. Há 185 instalações de saúde sob esquemas de PFI

(HM Treasury, 2006).

Portugal anunciou em 2002 um programa para a construção e

exploração de 10 hospitais em regime PPP25. A inspiração foi o modelo

britânico, mas acrescentou-se uma originalidade importante, de que não há

registo alhures: as PPPs abrangem, não só a infra-estrutura, mas os próprios

serviços clínicos. À imagem da separação infra-estrutura/serviço no sector dos

transportes, prevê-se um concessionário de infra-estrutura hospitalar (por 30

anos) e outro de serviços médicos, com um contrato de duração menor (10

anos) sujeito a revisões anuais. Este programa, como acima já se explicou,

continua em fase reavaliação.

8. 4. Educação

A educação constitui outro sector de carácter social onde as PPPs têm

sido polémicas, embora menos que na saúde. Os programas envolvem a

renovação (ou mais raramente a construção), manutenção e gestão de

escolas, incluindo, por vezes, serviços acessórios (limpeza, refeitórios). A

educação em si permanece pública, fora do âmbito da PPP. Apenas o Reino

Unido e a Irlanda têm um número significativo de projectos nesta área. Há

experiências piloto na Alemanha, que no início foram pouco satisfatórias.

O valor deste tipo de projectos, baixo em relação às grandes infra-

estruturas, tornou patente um problema de custos de organização. A

organização de uma PPP tornava-se cara para o valor do empreendimento em

25 Dois hospitais novos (Loures e Sintra) e oito hospitais que substituirão outros existentes (Cascais, Vila Franca de Xira, Braga, Évora, Gaia, Póvoa/Vila do Conde, Algarve e Guarda).

Page 87: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

59

questão. Tem-se procurado, como solução, um aumento de escala dos

projectos, por exemplo a totalidade de escolas de uma região.

8. 5. Justiça

Neste sector, as PPPs incidem, essencialmente, nas prisões e tribunais.

Também neste sector, o Reino Unido e a Irlanda desenvolveram bastantes

projectos. A França parece apostada nesta área, com dez projectos prisionais

em andamento, a inaugurar entre 2008 e 2010, e está a preparar dois

projectos-piloto de tribunais. Há projectos-piloto de prisões na Alemanha. Os

projectos consistem na renovação ou construção, manutenção e gestão de

infra-estruturas, incluindo uma gama variável de serviços acessórios

(tendencialmente maior nas prisões), por períodos entre 20 e 30 anos.26

9. O debate público: breve abordagem

9. 1. O debate político

Actores e discursos

O termo PPP não é neutro. Como vimos, integra-se numa semântica

liberal, sucedendo de certa forma à privatização. Apesar da ideia de que o

conservadorismo e o liberalismo estão mais à vontade com o termo que a

social-democracia, foi um governo considerado de centro-esquerda, o New

Labour de Tony Blair, quem deu um impulso decisivo nos tempos recentes às

PPPs. Ainda assim, a clivagem esquerda-direita mantém-se representativa.

Um olhar aos actores em torno das PPPs parece confirmá-lo.

As grandes empresas mundiais de consultoria (PricewaterhouseCoopers,

Ernst & Young, KPMG, Deloitte & Touche) são a principal força por trás das

PPPs, secundada por bancos e empresas de construção. Do outro lado, os

sindicatos são uma força regular de oposição.

26 Há variações terminológicas cujo significado é difícil de avaliar: no Reino Unido usa-se contratos DCMF nas prisões, enquanto na Irlanda se usa contratos DBFOM ou DBFM.

Page 88: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

60

As grandes consultoras dispõem dos melhores quadros, de

conhecimento e experiência acumulada, a ponto de ser praticamente

impossível organizar uma PPP sem elas. Os seus relatórios sobre PPPs

contam-se entre os mais informativos, sobretudo no que respeita a

comparações internacionais. A complexidade das PPPs garante-lhes um

volume de trabalho considerável de assessoria, tanto a empresas como ao

Estado, papel duplo que levanta entre os críticos suspeitas de conflito de

interesses (UNISON, 2003a).

Os bancos, nomeadamente os bancos de investimento, são

considerados o coração das PPPs. Embora não tenham, em geral, o

conhecimento operacional das consultoras, têm os fundos necessários para o

financiamento dos projectos. Em Portugal, financiam 85 a 90% de um

projecto27. Também desempenham um papel importante na assessoria,

especificamente na área financeira, embora não tão importante quanto o das

consultoras.

As empresas de construção, prosseguindo a analogia, são as mãos das

PPPs. Com o crescimento das PPPs, reformulam-se em empresas de gestão

de infra-estruturas, isto é, empresas que garantem não só a construção como

todas as actividades acessórias necessárias ao funcionamento de um edifício

(manutenção, limpeza, segurança, etc.). No Reino Unido, várias empresas de

construção – Amey, Balfour Beatty, Jarvis, John Laing – definem-se

crescentemente como empresas de serviços de infra-estrutura orientadas para

projectos de grande dimensão e longo prazo com receitas seguras. O negócio

da construção é cíclico e tem margens de lucro de 3-4%. Com as PPPs, as

receitas ficam garantidas por décadas e as margens de lucro podem ser

superiores (6%, 9%, há casos referenciados de 15% e mais). As PPPs

funcionam, assim, como protecção contra os ciclos do mercado.

27 O BCP (6 mil milhões de euros investidos) e o BPI (1 100 milhões) dominam este sector de mercado, onde também se encontra o Banco Finantia e o BNP Paribas. Ver suplemento sobre PPPs do Diário Económico, 21 de Junho de 2006, in http://www.diarioeconomico.sapo.pt/ed itions_impressa/imagens/2006/PDF/ppp2.pdf (Julho de 2007).

Page 89: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

61

No plano dos discursos a favor das PPPs, identifica-se argumentos

próximos daqueles que Paul Linder (1999) tipificou no contexto americano e

associou aos discursos neoliberal e neoconservador. Segundo Linder, num

discurso neoliberal, as PPPs são apresentadas como:

a) reforma de gestão – a gestão pública deve utilizar os métodos de gestão

privada, pois só a dura disciplina do mercado garante a eficiência;

b) conversão de problemas – o Estado, em vez de resolver os problemas por

si mesmo, deve comercializá-los, isto é colocá-los de maneira a atrair

actores privados capazes de resolvê-los melhor;

c) regeneração moral – forma de inculcar na gestão pública uma mentalidade

empresarial, imune a considerações eleitorais, morais, éticas, etc., e até de

democratizá-la, pelo poder dos accionistas (stakeholders).

Num discurso neoconservador, surgem tendencialmente como:

d) transferência de risco – forma de evitar défices e garantir disciplina

financeira, este argumento normalmente provém dos governos, é como

que uma versão estatal do argumento b.;

e) reestruturação do serviço público – forma de simplificar os procedimentos

administrativos e de transformar o funcionalismo público em força de

trabalho privada, mais dócil, menos sindicalizada;

f) partilha de poder – distribuição horizontal do poder de regulação que criaria

um novo ethos de confiança e colaboração, ultrapassaria a conflitualidade

endémica público-privado, seria no fundo uma nova síntese virtuosa entre

ambos.

Do lado da crítica às PPPs destacam-se os sindicatos. Contudo, a sua

oposição não é unânime – por exemplo, na Irlanda as PPPs avançaram com o

acordo dos sindicatos através de grandes acordos de concertação social (Kay

e Reeves, 2004) – mas produz algumas das críticas mais contundentes. No

Reino Unido, a UNISON, sindicato do sector público, produziu vários relatórios

sobre a PFI28, apresentando críticas muito diversas, como lucros exagerados

28 Cf. www.unison.org.uk/pfi (Setembro de 2007).

Page 90: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

62

e ilegítimos, subordinação ao poder das grandes consultoras,

desconsideração pelos trabalhadores e value for money duvidoso.

Redução da margem de manobra pública

Uma crítica frequente às PPPs é que diminuem a margem de manobra

pública e o espaço de decisão política do Estado. Quando o Estado adjudica

uma PPP, fica comprometido por décadas com um agente privado. Se mais

tarde o serviço perder utilidade, não pode ser reformulado facilmente. O

parceiro privado, que tem um interesse a defender, procurará obter

indemnizações, com renegociações que serão dispendiosas. O problema

agrava-se se a remuneração privada vier do Estado, em vez dos utentes.

Nesse caso, a própria despesa pública fica cativa das PPPs a longo prazo. O

Estado perde, assim, margem de manobra para determinar o investimento

público futuro, em troca de investimentos que não poderia realizar no imediato.

Considera-se ainda, que as PPPs tendem a alterar os equilíbrios e

inércias institucionais entre Estado e sector privado. Onde haja mais PPPs,

mais e melhores quadros estarão no sector privado. Um Estado desprovido de

conhecimentos sobre concepção, construção, manutenção de infra-estruturas,

terá dificuldade em defender o interesse público quando tenha de decidir a

esse respeito. Um tal Estado, desfazendo-se dos quadros e conhecimentos

necessários, não saberá a prazo o que fazer com os bens que receberá no

final de uma concessão. Tenderá, portanto, por inércia institucional, a renovar

repetidamente as concessões e a desligar-se definitivamente do fornecimento

de serviços antes considerados públicos. Por isso, para muitos autores, as

PPPs, generalizando-se, desencadeariam um processo cuja conclusão lógica

é a privatização.

O caso britânico fornece exemplos neste sentido. Corry (2004: 28-30)

afirma que, frequentemente, o sector privado tem consigo os melhores

advogados e consultores especializados em PPP, enquanto o Estado

apresenta quadros amadores, sem experiência. Não surpreende, por isso, que

Page 91: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

63

daí possam resultar maus negócios para o erário público. Esse será o caso,

por exemplo, de alguns projectos PFI na educação.

Em Portugal, a expansão súbita das concessões rodoviárias a partir de

2000 e a transferência simultânea de quadros técnicos do sector público para

o privado também poderá enfraquecer duradouramente a capacidade de

defender o interesse público neste sector (USDoT, 2002: 74; Monteiro, 2005).

9. 2. O debate económico

O debate económico orbita quase exclusivamente em torno da

poupança, do ubíquo problema do value for money. Serão as PPPs realmente

capazes de garantir serviços públicos por menos dinheiro sem perda de

qualidade, ou pelo mesmo dinheiro aumentar a qualidade dos serviços (melhor

equilíbrio possível no binómio “preço–qualidade”)? Para tal, têm, desde logo,

de superar os custos adicionais que envolvem a priori. Por exemplo o parceiro

privado paga sempre juros mais elevados para obter financiamento que o

Estado.

Custo da dívida privada

O Estado recebe crédito com juros em média 1 a 3 pontos menores que

qualquer privado, pois os juros dependem, sobretudo, da fiabilidade do

devedor, e o Estado é, sem dúvida, um devedor fiável do ponto de vista

banqueiro. Além disso, o Estado tem outras hipóteses de financiamento para

além da banca. O privado tem, portanto, de ser bastante mais eficaz nas

outras etapas de uma PPP para compensar tal desvantagem a priori.

Alguns autores invertem este problema através de uma

reconceptualização do risco. Klein (1997), quadro que passou pelo Banco

Mundial e pela Shell, afirma que a ideia de os juros mais baixos ao Estado é

enganadora, pois que não passa de uma transferência de risco para os

contribuintes. O financiamento privado incorpora explicitamente o risco,

enquanto o financiamento público escamoteia-o (na taxa de juro) mas não o

Page 92: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

64

faz desaparecer (no risco de aumento de impostos). Para Klein, se o risco de

impostos mais altos para os contribuintes fosse incorporado nas análises

custo-benefício, o crédito do Estado seria tão caro quanto o crédito privado.

No entanto, a maioria dos autores aceita o problema. Trata-se, então, de

compreender como, apesar dele, pode o sector privado ser mais eficiente que

o público para obter poupança e se tal é imanente (o privado é sempre mais

eficiente que o público) ou circunstancial (não o é necessariamente).

Hall (1998)29 examina três vias da sua superação: inovação e eficácia,

pressão da concorrência, e capacidade de gestão do risco30. Conclui que a

eficiência superior do sector privado no fornecimento de serviços públicos não

é automática, depende das condições institucionais que o Estado crie,

nomeadamente no estímulo à concorrência.

Acresce que o custo da dívida privada não é estático. O tempo, a rotina,

a experiência e expectativas acumuladas tendem a baixá-lo. E, no âmbito de

um projecto, pode-se renegociar a dívida. Estas renegociações de dívida

geraram polémicas no passado. Em projectos de infra-estrutura, a fase de

construção é sempre a mais arriscada; uma vez concluída, os riscos são muito

reduzidos. Portanto, os credores cobram juros relativamente altos no início,

mas se a construção decorrer sem problemas de maior estão dispostos a

baixá-los. No início da PFI, várias empresas renegociaram as suas dívidas ao

ponto de conseguirem aumentos de lucros operacionais de 80%. As críticas

de lucro abusivo à custa do erário público não se fizeram esperar (UNISON,

2001). Actualmente, o Governo britânico exige que os benefícios de

renegociação de dívida sejam divididos, pela metade, entre o privado e o

Estado. Também o Estado português, ao rever em 2006 (DL 141/2006) o

29 Idem.

30 Em relação a cada uma destas vias, afirma que (1) A eficácia superior do privado é uma tese demasiado vaga que carece de prova empírica. (2) A concorrência é limitada pela natureza de monopólio natural da maioria dos serviços em questão. Nestes casos, só pode haver concorrência a montante, concorrência pelo mercado que depois se vai explorar em monopólio. Tem de haver, como dizem Grimsey e Lewis, um mercado concorrencial de candidatos a projectos de PPP. (3) A superior gestão de risco privada também não está garantida a priori, depende dos incentivos, nomeadamente do esquema de pagamento e da margem de manobra do privado na etapa de concepção.

Page 93: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

65

regime jurídico das PPPs, aditou o artigo 14.º-C, onde reclama o direito “à

partilha equitativa com o parceiro privado dos benefícios financeiros (…)

nomeadamente nos casos de melhoria das condições de financiamento”.

Poupança ou “value for money”

A poupança é o principal argumento justificativo das PPPs e portanto o

mais escrutinado. Os dados são díspares. Desde logo, falta tempo, pois só no

final dos contratos se poderá retirar conclusões sólidas. Assim, o debate gira

em torno de estimativas e dados parciais. As estimativas têm de partir de um

sem número de pressupostos que as expõem a toda a espécie de críticas. Os

debates em torno do custo público comparado, principal medida de poupança,

reflectem-no. Para vários autores, é virtualmente impossível provar em termos

técnicos ou económicos a superioridade do modelo PPP. Consideram, por

isso, a questão eminentemente política.

Grimsey e Lewis (2004: 135-138) consideram que o value for money

exige a existência de diversos candidatos em efectiva concorrência mútua,

uma alocação rigorosa do risco e idoneidade nas comparações com o sector

público. Tais condições devem ser fortemente perseguidas e mantidas.

A própria medida de poupança é polémica. O Reino Unido, onde o

debate sobre o tema está mais desenvolvido, ilustra-o. O custo público

comparado adquiriu grande importância no debate, uma vez que é a partir

dele que se discute o value for money. Em muitas decisões, no Reino Unido

como alhures, tornou-se praticamente o único critério a ser tido em conta. Ora,

o cálculo, como se disse, é extremamente complexo e opaco. Há mesmo

quem veja neste indicador uma espécie de “bruxaria” pseudo-científica que

distorce a clarividência de análise31. Para alguns, ele enviesa a análise a favor

da PFI através de uma série de pressupostos abusivos, o que leva, por vezes,

31 Jeremy Coleman do National Audit Office britânico, a instituição que produz os indicadores, considera os indicadores de poupança “pseudo-scientific mumbo-jumbo where the financial modelling takes over from thinking. (…) It becomes so complicated that no one, not even the experts, really understands what is going on” (Financial Times, 5 de Junho de 2002).

Page 94: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

66

a “fabricar” a poupança a favor das PPPs. Há, no entanto, quem diga

exactamente o oposto: que os indicadores de poupança estão enviesados a

favor da via pública convencional (Grout, 1997). Bult-Spiering e Dewulf (2006:

178-182) defendem que o Estado deveria ter uma concepção alargada do

binómio custos-benefícios assente não meramente em critérios economicistas,

sugerindo ligar o pagamento do parceiro privado a benefícios tangíveis e a

indicadores de satisfação dos utentes.

O caso do metro de Londres constitui um exemplo eloquente das

polémicas em torno da poupança. O Governo propôs separar a infra-estrutura

do material circulante, atribuindo a manutenção e melhoramento da primeira a

três parceiros privados diferentes, enquanto a gestão do segundo

permaneceria um monopólio público. O esquema foi descrito por vários

analistas como estarrecedoramente complexo. Para acalmar as vozes

discordantes, o Governo encarregou a Ernst and Young de uma avaliação

independente. Esta concluiu o seguinte: “overall the methodology adopted for

assessing the value for money by London Underground has been robust and

appropriate: and London Underground’s recommendation that the PPP

proposals deliver value for money is a subjective one that is supported by its

analysis”.

A metodologia para avaliar o value for money é correcta, e mostra que o

value for money é subjectivo. Se se aceitar os pressupostos e projecções a 30

anos do metro de Londres, a PPP será de facto value for money, se não se

aceitar, não o será. A circularidade do veredicto gerou perplexidade e risos na

câmara dos Comuns (Redwood, 2004).

Se é certo que o Governo britânico se diz satisfeito com a poupança das

PPPs, a verdade é que o Tesouro britânico não fornece nos seus relatórios

dados objectivos, mas apenas avaliações subjectivas dos gestores públicos,

em geral positivas. Estudos do National Audit Office e da London School of

Economics/Arthur Andersen apontaram poupanças até 20%. Há diferenças

conforme o sector, projectos de estradas e prisões revelavam poupanças

Page 95: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

67

razoáveis, mas na saúde e educação as poupanças eram consideradas

marginais (Grimsey e Lewis, 2004: 145-146).

Em Portugal, a experiência tem sido problemática. O programa das

SCUTs revelou-se especialmente oneroso, ao ponto de se estimar que o

encargo do Estado em 1999 era o dobro do investimento privado. O Tribunal

de Contas fez extensas críticas ao extravasar de custos das PPPs32. Um

indício eloquente do problema é dado pelo próprio DL 141/2006, de revisão do

regime jurídico das PPPs, que afirma no seu preâmbulo: “As entidades com

competência nesta matéria têm, aliás, repetidamente alertado para situações

de acréscimo de onerosidade para o Estado, relativamente às expectativas

iniciais ou mesmo aos termos efectivamente contratados”.

Também Bult-Spiering e Dewulf (2006:178-179) consideram as PPPs

uma desilusão em matéria de poupança, especialmente as concessões.

Apoiando-se em fontes institucionais britânicas (National Audit Office, Institute

for Public Policy Research) e numa extensa revisão de literatura, constatam

que em sectores como as estradas ou prisões há exemplos de poupança

razoável, mas na saúde e educação a poupança parece inexistente.

Rosenau (2000: 221), situando-se no contexto americano, refere que

uma PPP pode representar poupança em confronto directo com a exploração

pública, mas que essa poupança pode fazer-se de salários baixos,

precariedade, ausência de seguros de saúde etc., fazendo com que mais

indivíduos no futuro recorram ao Estado-Providência. Os custos sociais futuros

podem ultrapassar as poupanças pontuais. No Reino Unido, o governo

procurou enfrentar esta possibilidade com medidas de protecção laboral: não

pode haver degradação das condições laborais na passagem de exploração

pública para PPP.

32 Sobre estes dois aspectos, cf. Capítulo II.

Page 96: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

68

9. 3. O debate em torno das questões organizacionais

Conflitos de interesse

Como se disse atrás, as PPPs são vistas por alguns como a superação

da conflitualidade público-privado inerente à organização tradicional dos

serviços públicos, ou, pelo menos, a canalização mais satisfatória dessa

conflitualidade. Subjaz ao debate a ideia de que as transacções são

inerentemente antagónicas, e o contrato a sua forma de regulação, enquanto

as relações, pelo consenso, confiança, objectivos mútuos, dispensariam todo

esse aparato de regulação. Há, no entanto, vários sinais em sentido contrário.

Reijniers (1994) parte da desilusão quanto a algumas PPPs na Holanda

para considerar que os conflitos público-privado subjazem também às PPPs.

O sector público orienta-se por legislação, regulação e autoridades; opinião

política e influência política; processos de decisão democráticos; minimização

de riscos; realização de objectivos sociais. O sector privado orienta-se para o

retorno sobre o investimento; assunção de riscos; antecipação aos

desenvolvimentos do mercado e à concorrência; realização de objectivos

empresariais. O conflito destes interesses repercute-se problematicamente

nos princípios e métodos de trabalho – gestão, percepção do risco, processo

de decisão, calendarização. Reijniers conclui, por isso, que a fase de

planeamento da PPP decide do seu sucesso, considerando fundamental o

diálogo, tão cedo quanto possível, entre Estado e privados, e a separação

clara de papéis e responsabilidades.

Parker e Hartley (2003) abordam a problemática consenso-conflito a

partir da teoria económica dos custos de transacção33, que aplicam ao caso

das PPPs na indústria de defesa inglesa. Concluem que as PPPs envolvem

33 A teoria dos custos de transacção, formulada por Ronald Coase e popularizada por Oliver Williamson, parte dos custos da troca económica em si mesma para compreender a natureza da empresa. No interior de uma empresa, os produtos do trabalho circulam sem troca económica, por exemplo numa linha de montagem passa-se directamente o material para a secção seguinte, em vez de o vender. Se a troca não envolvesse custos, as empresas não eram necessárias, bastariam indivíduos trocando entre si os produtos do seu trabalho. Por outro lado, quanto maior é uma empresa, maior é o custo de organização. As empresas (e por arrasto o mercado, a concorrência) situam-se no intervalo, historicamente variável, onde os custos de transacção que suprimem compensam os custos de organização que acarretam.

Page 97: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

69

custos de transacção significativos (assimetria de informação, especificidade

dos bens, comportamentos oportunistas) dificilmente elimináveis pela

confiança mútua, que devem ser cuidadosamente pesados em relação aos

dos métodos tradicionais.

Merece especial referência um outro patamar de conflitos de interesse: o

papel duplo dos assessores. Como vimos atrás, bancos e, sobretudo, grandes

consultoras são actores cruciais na organização de uma PPP. Ora estes

actores prestam os seus serviços, tanto ao sector público, como ao sector

privado. No Reino Unido, a Partnerships UK funciona como assessora do

governo e ela mesma é uma PPP maioritariamente privada, participada por

empresas especializadas na PFI. A colaboração entre público e privado é

desejável, mas pode tornar muito ténue a fronteira com o clientelismo.

Complexidade e custos de organização

As PPPs significam, em geral, esquemas bastante complexos, por isso

morosos e custosos, sobretudo quando falta experiência. Este problema de

organização é também um problema económico (problema de custos de

organização) que se junta ao custo de financiamento privado como mais um

elemento que a priori prejudica a poupança das PPPs.

Os custos de organização de uma PPP tendem a ser constantes,

independentemente do projecto. O problema dos custos de organização varia,

portanto, na razão inversa da escala da PPP. Ele é menos sério nos grandes

projectos de infra-estrutura onde os montantes envolvidos são altíssimos, por

exemplo transportes, mas particularmente sério nos projectos mais leves de

infra-estrutura social, por exemplo escolas.

No Reino Unido, onde se esperaria pela rotina alguma celeridade, os

custos de candidatura a projectos PFI são, por vezes, tão altos que mesmo

grandes empresas abandonam o programa.

Para Knight e Fox (2004), os elevados custos de organização devem-se

aos conflitos de interesse entre quatro grandes actores: adjudicante,

Page 98: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

70

candidato, financiador e assessores; considerando que, por vezes, estes

últimos têm mesmo interesse numa negociação complexa para justificar altas

comissões. Portanto, onde o sector de consultadoria desempenhe um fulcral

papel, pode-se esperar negociações complexas. Também os financiadores

podem usar manobras para atrasar as negociações de fecho financeiro até

haver uma subida das taxas de juro. Os adjudicantes, para se defenderem,

exigem projectos e contratos minuciosos. No Reino Unido, o resultado é que

os documentos de preparação de uma PFI chegam a encher uma carrinha, e o

contrato é tão espesso como uma lista telefónica.

A problematização em torno de confiança, colaboração, objectivos

mútuos, etc. surge não tanto como expressão de uma realidade, mas de uma

ausência que preocupa os analistas. Demasiadas vezes, as PPPs

protagonizam situações conflituosas e degeneram numa babel contratual tão

ou mais assustadora que a do “burocrático” e “pesado” Estado centralizador.

Considera-se, por isso, fundamental encontrar um quadro cultural que supere

este problema.

Escala e concorrência

Os altos custos de organização de uma PPP levam a que esta só

compense a partir de determinada escala – 20 milhões de libras, segundo o

governo britânico (HM Treasury, 2006). Por outro lado, a escala afecta a

concorrência – quanto maior a escala de um projecto, menor o número de

privados capazes de organizá-lo, menor a concorrência. Hall (1998) afirma ser

necessário um equilíbrio virtuoso para que a concorrência seja eficaz: os

projectos não podem ser demasiado complexos, para evitar que apenas um

número muito limitado de privados possam considerá-los, mas também não

podem ser demasiado simples, pois com demasiados candidatos a

probabilidade de ganhar torna-se demasiado baixa, e os candidatos

empenham-se menos nas suas propostas. Em suma, a concorrência depende,

em boa medida, da forma como o Estado organiza as PPPs.

Page 99: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

71

Há, hoje, uma tendência para o aumento de escala dos projectos na área

social. Bult-Spiering e Dewulf (2006: 182-197) referem-na como uma

passagem de PPPs baseadas em projectos para PPPs baseadas em

portfolios e políticas, de PPPs monofuncionais para PPPs integradas. No

Reino Unido, na Escócia, na Alemanha, os projectos na educação passaram a

abranger várias escolas, por exemplo a construção/renovação/manutenção de

todas as escolas de uma região. Há, assim, também uma alteração de escala

funcional (do projecto para a política): procura-se crescentemente incorporar

na PPP um estrato de coordenação estratégica. Nos programas britânicos

mais recentes para a saúde (iniciativa LIFT) e educação (Building Schools for

the Future), é uma joint venture entre privados (maioritários), autoridades

centrais e autoridades locais que assume a coordenação estratégica do

programa e os processos de adjudicação.

O debate sobre o bundling é uma expressão mais específica, na esfera

funcional, dos problemas de escala, da dialéctica escala vs. concorrência. O

bundling é a concentração no parceiro privado do grosso das etapas de

produção de um serviço, normalmente desde a concepção até à exploração.

Isso pode restringir a tarefa a um número muito limitado de privados com

grandes recursos, aniquilando a concorrência e os seus benefícios.

A esta luz, a contratação pública tradicional, com a separação de etapas,

surge até como mais concorrencial. Poderia ganhar-se em separar algumas

etapas e distribuí-las por diversos parceiros, conforme as vantagens

comparativas de cada um? Compensaria considerando os custos adicionais

de organização? Há quem responda afirmativamente. Trujillo et al. (1998)

argumentam que o unbundling pode compensar em projectos de alto

investimento e alto risco, por exemplo, concessões rodoviárias de tipo BOT

em economias emergentes. Os candidatos a PPPs na verdade não são

normalmente empresas, mas consórcios de empresas que pré-acordaram

subcontratar-se mutuamente, o que prejudica a concorrência.

Controlo e fiscalização

Page 100: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

72

Com as PPPs, o Estado transfigura-se de provedor directo de bens e

serviços (à luz da contratação pública tradicional) em regulador dos serviços

de utilidade pública, o que impõe atenções acrescidas em sede de fiscalização

e controlo da execução das PPPs, por parte do parceiro público, potenciando,

assim, as vantagens que são genericamente atribuídas às parcerias com

privados, como, por exemplo, a maior eficiência destes fruto da actuação do

mercado concorrencial.

Assiste-se, assim, a um movimento oposto naquelas duas esferas do

Estado. Enquanto se regista a um emagrecimento da máquina associada ao

“Estado-produtor”, ocorre, concomitantemente, a um fortalecimento do

“Estado-regulador”. Esta questão assume particular relevância quando

analisada conjuntamente com uma outra crítica frequente às PPP: a da

transferência dos quadros técnicos qualificados do sector público para o sector

privado e consequente desguarnecimento do Estado de conhecimentos

especializados.

Aquela crítica só poderá ser superada através de uma adequada

fiscalização por parte do Estado do desempenho do parceiro privado,

necessitando, para o efeito, de conhecimentos técnicos adequados. Esta

questão tem sido levantada em Portugal pelo Tribunal de Contas, segundo o

qual o controlo e monitorização, que devem ser assumidos pelo Estado,

dificilmente serão cabalmente exercidos, fruto das fragilidades nas

competências das entidades públicas (2007: 17-18).

Hodge e Greve (2007) afirmam existir ainda pouca reflexão e discussão,

nas recentes PPP, sobre o risco existente para o Estado de se tornar, ao

longo dos anos, progressivamente mais dependente do parceiro privado, uma

vez diminuído de quadros técnicos. No entanto, defendem existir também uma

maior atenção aos mecanismos de prestação de contas e governance.

Kay e Reeves (2004), centrando-se no caso da Irlanda, realçam, a par da

prestação de contas, a necessidade de desenvolver um sentido de

acompanhamento (stewardship), conceitos intimamente relacionados, cujo

traço distintivo se centra no envolvimento permanente (ao longo de todo o

Page 101: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

73

contrato) existente naquele segundo conceito, em oposição à explicação

periódica que o primeiro implica.

9. 4. Sucessos, falhanços, limites

Há, actualmente, relativo consenso político em relação às PPPs no

sector dos transportes. Já nos sectores recentes da saúde, educação,

serviços de carácter social, as PPPs são polémicas.

As PPPs são consideradas satisfatórias em matéria de cumprimento de

prazos e de orçamentos, um dos grandes problemas da contratação pública

tradicional. Dados de 2003 do National Audit Office indicavam que cerca de ¾

dos projectos PFI eram construídos a tempo e dentro do orçamento, enquanto

pouco menos de 1/3 dos projectos públicos convencionais o conseguiam. O

relatório de 2003 do Tesouro britânico sobre a PFI refere que num painel de

61 projectos quase 90% eram construídos a tempo e todos dentro do

orçamento. O problema dos custos de organização também parecia estar a

recuar com novas medidas de simplificação administrativa (Grimsey e Lewis,

2004: 79-81). O diagnóstico é contestado pela UNISON (2005), que considera

enviesados os poucos estudos que fornecem dados objectivos sobre o

assunto.

Ao contrário, as PPPs, enquanto estímulo à inovação, parecem estar a

desiludir. A inovação tecnológica, normalmente a mais frutuosa, exprime-se

em máquinas e técnicas tão acessíveis ao sector privado como ao sector

público. As inovações de concepção e planeamento têm como agentes

quadros técnicos também eles presentes no sector público e privado. Muitas

inovações de engenharia surgiram, aliás, em grandes obras estatais. Os

incentivos que parecem funcionar para o cumprimento de prazos e

orçamentos aparentemente não funcionam para a inovação. Quando os

valores em jogo são altos, os privados são pouco receptivos a experiências

que possam pôr em risco a margem de lucro, preferindo métodos testados. A

inovação também é um risco, sobretudo se for significativa, a segurança pesa

mais que a pressão da concorrência. As inovações podem surgir nos detalhes,

Page 102: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

74

e, muitas vezes, com um interesse duvidoso, a não ser de um ponto de vista

estritamente economicista. Por exemplo, num hospital de Inglaterra construiu-

se os parapeitos das janelas com 45º de inclinação, para que não se

pousasse nada neles (Grimsey e Lewis, 2004: 136). Estes truques podem

diminuir custos de limpeza, mas também o conforto dos utentes. Podem ser

poupança, que aparecerá nos indicadores, mas podem não significar melhores

serviços públicos.

São interessantes, de resto, as diferenças de percepção da inovação,

verificadas num inquérito de Bult-Spiering e Dewulf em Espanha: os quadros

públicos podem ver inovação onde os quadros privados só vêem semelhança

de propostas.

A extensão das PPPs à saúde, educação e outras áreas do que

chamaríamos o sector social, deslocou o debate para estes sectores. Do

ponto de vista da poupança, os resultados têm sido considerados fracos. Às

críticas económicas juntam-se críticas de carácter ético, político, como não

sucedia nas grandes infra-estruturas.

A aplicação da PFI ao sistema de saúde inglês (NHS) tem suscitado

numerosas críticas. Mayston (1999) vê-lhe uma origem problemática: o NHS

foi empurrado para a PFI por cortes orçamentais, que levaram a aplicá-la

mesmo perante maus indicadores de poupança, num sector onde a

inexperiência privada dificilmente superaria a experiência acumulada do NHS.

Estas circunstâncias terão contribuído para um enviesamento de prioridades a

favor de novas construções, onde seria mais recomendável a renovação das

existentes. O problema dos custos de organização, e também de

monitorização, revelou-se particularmente agudo. Acresce que muitos

contratos têm cláusulas confidenciais, o que dificulta a sua avaliação. Acima

de tudo, chama-se a atenção, no caso da saúde, para o problema da redução

da margem de manobra pública, devido à imprevisibilidade das tendências

epidemiológicas34.

34 Allyson Pollock (2004, 2006) é outra autora que desenvolveu uma vasta crítica da PFI na saúde.

Page 103: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas: linhas teóricas de análise

75

As polémicas em torno das PPPs têm despertado uma reflexão mais

genérica sobre as condições do seu sucesso e seus limites. A

mensurabilidade dos resultados está a emergir como critério decisivo.

Considera-se que onde é difícil definir parâmetros de qualidade de serviço e

traduzi-los em taxas, os métodos tradicionais são preferíveis (Grout, 2003;

Hart, 2003). A educação e a saúde são apontados como sectores fora desse

padrão35. Nestes a PFI pode conduzir ao subinvestimento (Hall, 1998).

A avaliação mais recente do Tesouro britânico reflecte parcialmente

estas considerações: a PPP é preferível onde o investimento é avultado, há

privados com competência na área, o serviço é especificável e quantificável, a

tecnologia estável, o horizonte temporal de longo prazo (HM Treasury, 2006:

32). Caso contrário, o investimento público tradicional é preferível.

Simplesmente, ao contrário de posições como a dos autores acima referidos,

os sectores da saúde e educação cumprem, para o governo britânico estes

critérios.

35 Diz o Tesouro britânico a propósito da saúde: “it is hard to write and enforce contracts – the non-standartized, patient-specific nature of medicine makes it hard to judge or contract for specific outcomes” (HM Treasury, Public Services: Meeting the Productivity Challenge, 2003)

Page 104: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

76

Page 105: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

77

Capítulo II - As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

O regime legal das parcerias público-privadas encontra-se regulado em Portugal pelo Decreto-

Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, revisto pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho. Aquele diploma

estabeleceu, pela primeira vez, o quadro legal das PPPs, consagrando normas gerais aplicáveis à

intervenção do Estado na definição, concepção, preparação, concurso, adjudicação, alteração,

fiscalização e acompanhamento global das parcerias público-privadas. O legislador aponta como

razão para a criação desta figura, as transformações recentes ocorridas na sociedade e no Estado.

Estas transformações implicaram a assumpção pelo Estado de novas funções para satisfação de

necessidades sociais e públicas com um consequente elevado aumento da despesa e endividamento

públicos, sem que se tenha verificado o equivalente aumento da qualidade dos serviços públicos

prestados aos cidadãos. Estabelece, assim, dois objectivos essenciais: concretização das políticas

públicas sem aumento da despesa pública, maior eficiência na afectação dos recursos públicos e

melhoria dos serviços. A lei define PPP como um contrato ou a união de contratos, por via dos quais

entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um

parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma actividade tendente à satisfação de uma

necessidade colectiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela

exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado. As parcerias podem desenvolver-se

através de vários instrumentos de regulação jurídica entre entes públicos e privados. A repartição de

encargos e de riscos entre as entidades públicas e privadas é um dos elementos que caracteriza as

PPPs, devendo essa partilha figurar, de forma clara, no contrato elaborado.

Os poderes de fiscalização e controlo da execução das parcerias são exercidos por entidade

ou serviço a indicar pelo Ministro das Finanças para as matérias económicas e financeiras e pelo

ministro da tutela sectorial para as demais. Uma questão delicada é o regime das alterações das

parcerias a introduzir após a selecção do parceiro privado ou na vigência do respectivo contrato, por

acordo dos dois parceiros ou por iniciativa de qualquer deles, que deve respeitar um determinado

formalismo prefixado.

O quadro normativo das PPPs acima descrito tem uma excepção normativa, no âmbito da

saúde, onde existe um regime específico decorrente do Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto.

Entre nós, o regime legal das PPPs e as suas implicações práticas têm sido objecto de várias

apreciações críticas, sendo de realçar, pela profundidade da análise e extensão das recomendações

efectuadas, os relatórios do Tribunal de Contas. De entre os aspectos que salientam, destacam-se os

seguintes: necessidade de melhor preparação dos projectos de PPP, enfatizando a necessidade de

definição prévia dos objectivos, da justificação da prioridade do projecto, da viabilidade orçamental

numa perspectiva de longo prazo e da avaliação de todos os custos indirectos; exacta definição

contratual quanto à partilha de riscos; excessiva dependência de consultores externos; e ausência de

adequadas e sustentadas linhas de orientação.

O Tribunal de Contas considera, assim, imprescindível implementar um sistema metódico,

regular e público que identifique, estude, recolha e divulgue a experiência adquirida ao longo dos

vários processos de parceria público-privadas.

Page 106: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

78

Page 107: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

79

Introdução

O regime legal das parcerias público-privadas (PPPs) encontra-se

regulado em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, revisto pelo

Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho. Aquele diploma estabeleceu pela

primeira vez o quadro legal das parcerias público-privadas, consagrando as

normas gerais aplicáveis à intervenção do Estado na definição, concepção,

preparação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e

acompanhamento global das parcerias público-privadas.

Como é referido no preâmbulo daquele último diploma, “a transformação

dos sistemas sociais operada no decurso do século XX, em virtude das quais

o Estado passou a assumir novas funções, inclusivé produtivas, de satisfação

de necessidades sociais e públicas provocou, paralelamente, um elevado

endividamento público” e confrontou o Estado com a necessidade de efectuar

o “estabelecimento de relacionamentos duradouros com privados em regime

de parceria público privada”. Relacionamentos de longo prazo que envolvem a

repartição de encargos e riscos entre as partes e o estabelecimento de

compromissos mútuos.

Com as parcerias publico privadas pretende-se também “potenciar o

aproveitamento pelo Estado da capacidade de gestão do sector privado,

melhorar a qualidade dos serviços públicos prestados e gerar poupanças

consideráveis na utilização de recursos públicos”, instituindo “princípios gerais

de eficiência e economia, designadamente através de uma mais cuidada

avaliação da possível repartição do risco e da criação de incentivos à definição

de parcerias financeiramente sustentáveis e bem geridas” (cf. preâmbulo do

Decreto-Lei n.º 141/2006).

Três anos após a vigência do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril,

entendeu o legislador que chegara o momento de proceder à sua revisão, de

forma a corrigir “deficiências ou fragilidades do regime originário” e introduzir

“um conjunto de inovações que permitam reforçar a coesão e articulação entre

ministérios co-envolvidos, bem como um aperfeiçoamento de várias das suas

Page 108: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

80

disposições no sentido do incremento do controlo financeiro no lançamento de

novas parcerias, nas alterações a contratos de parcerias já celebrados ou em

outras situações susceptíveis de gerarem um aumento de encargos para o

parceiro público ou para o Estado”.

São várias as razões enunciadas no preâmbulo do Decreto-Lei n.º

141/2006, de 27 de Julho, que impuseram a revisão do regime estabelecido

em 2003. Desde logo, “situações de acréscimo de onerosidade para o Estado,

relativamente às expectativas iniciais ou mesmo aos termos efectivamente

contratados”, nas quais não se verificava uma efectiva transferência de risco

para os parceiros privados ou nas quais, pelo menos, o parceiro público

assumia compromissos ou assegurava taxas de rendibilidade dos capitais

privados “sem correspondência no perfil de risco efectivo do projecto”. São,

ainda, referidas como razões justificativas da alteração: a “a ausência de

mecanismos de partilha de benefícios financeiros a favor do Estado, a não

consideração no caso base de receitas acessórias provenientes da parceria,

que passam a constituir receitas ocultas do parceiro privado, a excessiva

frequência com que se tem recorrido à consultoria externa - nem sempre com

a necessária transparência ou o desejável valor acrescentado para o Estado -

ou a inadequação ou a baixa pressão concorrencial verificada em

procedimentos concursais recentes”.

A revisão do diploma contemplou, ainda, outras matérias,

designadamente o direito do particular à indemnização em resultado de

alterações unilaterais pelo parceiro público; o modo de funcionamento das

comissões de acompanhamento das parcerias em preparação, pondo-se

termo à emissão de dois pareceres independentes por parte dos

representantes dos Ministros das Finanças e da tutela sectorial; a

obrigatoriedade de se constituírem, via de regra, comissões de negociações

quando estejam em causa alterações a contratos de parcerias público-

privadas já celebrados ou quando haja lugar à reposição do equilíbrio

financeiro dos mesmos; o estabelecimento dos procedimentos a observar

quando existam situações ou se pretendam tomar decisões susceptíveis de

Page 109: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

81

gerar novos encargos para o parceiro público ou para o Estado (cf. preâmbulo

do Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho).

Com a publicação deste diploma o legislador, mantendo um quadro legal

objectivo e claro no que respeita ao regime legal das parcerias público-

privadas, respondeu, no plano normativo, a algumas criticas efectuadas nos

últimos anos pela entidade controladora das contas públicas que vinha

fazendo sistematicamente alguns reparos aos processos de parcerias

estabelecido pelo Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril36.

1. A razão das parcerias público-privadas

De acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, a

razão da existência desta figura decorre das transformações recentes

ocorridas na sociedade e no Estado, que implicaram a assunção por este de

novas funções para satisfação de necessidades sociais e públicas com um

consequente elevado aumento da despesa e endividamento públicos, sem

que se tenha verificado o equivalente aumento da qualidade dos serviços

públicos prestados aos cidadãos. Este quadro de aumento de despesa, sem

uma correspondência de eficiência, levou “à alteração do entendimento

quanto ao papel do Estado na economia e, mais genericamente, quanto à

forma de satisfação das necessidades colectivas” (cf. preâmbulo do Decreto

Lei nº 86/2003 de 26 e Abril).

Considerou o legislador que “uma das formas, internacionalmente

consagrada e testada, de obtenção pelo Estado de tais competências de

gestão, consiste no estabelecimento de relacionamentos duradouros com

privados, em regime de parceria público-privada, no âmbito dos quais lhes são

transferidos os riscos, nomeadamente tecnológicos e operacionais, com os

quais se encontram mais familiarizados e para cujo manuseamento se

36 Cf. Tribunal de Contas. 2007. “Auditoria aos Encargos do Estado com as Parcerias Público Privadas – Concessões Rodoviárias e Ferroviárias” – Relatório nº 04/2007, 2ª secção, Lisboa Janeiro de 2007. p. 22.

Page 110: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

82

encontram mais habilitados”, o que levou o Estado e outros entes públicos a

desenvolverem modelos alternativos e experiências inovadoras de

relacionamento com entidades privadas, nas situações em que a parceria se

revelasse “vantajosa em confronto com o comprador do sector público”.

Trata-se, no entanto, de concretizar o desenvolvimento de projectos

estruturantes com a inerente criação de encargos de médio ou longo prazo

para o parceiro público ou para o Estado, que poderão perdurar por várias

gerações, o que justifica a necessidade de um regime jurídico especialmente

orientado para assegurar o rigor e a exacta ponderação dos custos e

benefícios das opções tomadas, bem como a respectiva articulação com as

normas de enquadramento orçamental.

2. Definição legal de parcerias público-privadas e âmbito de aplicação

Tendo como objectivo genérico a concretização de políticas públicas sem

aumento de despesa pública, que, segundo o legislador, de outra forma

dificilmente seriam concretizadas, o mesmo legislador definiu como finalidades

essenciais das PPPs o acréscimo de eficiência na afectação de recursos

públicos e a melhoria qualitativa e quantitativa do serviço induzida por “formas

de controlo eficazes que permitam a sua avaliação permanente por parte dos

potenciais utentes e do parceiro público”, nos termos do artigo 4.º do Decreto-

Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril.

O artigo 2.º, n.º 1, do Decreto Lei nº 86/2003, de 26 de Abril, define o que

é uma parceria público-privada como um contrato ou a união de contratos, por

via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se

obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o

desenvolvimento de uma actividade tendente à satisfação de uma

necessidade colectiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo

investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro

privado.

Page 111: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

83

Consideram-se parceiros públicos, o Estado e entidades públicas

estaduais, os fundos e serviços autónomos e as entidades públicas

empresariais37. O diploma é, ainda, aplicável às parcerias em que o

equivalente ao parceiro não público seja uma empresa pública, uma

cooperativa ou uma instituição privada sem fins lucrativos.

As parcerias podem desenvolver-se através de vários instrumentos de

regulação jurídica entre entes públicos e privados, nomeadamente o contrato

de concessão de obras públicas, o contrato de concessão de serviço público,

o contrato de fornecimento contínuo, o contrato de prestação de serviços, o

contrato de gestão e o contrato de colaboração, quando estiver em causa a

utilização de um estabelecimento ou uma infra-estrutura já existentes,

pertencentes a outras entidades, que não o parceiro público.

Tendo em conta que a ratio das parcerias publico-privadas assenta na

concretização de políticas em que estão em causa valores financeiros muito

elevados, sujeitos a prazos temporalmente distendidos, excluiu-se do âmbito

de aplicação do diploma as empreitadas de obras públicas, os arrendamentos,

os contratos públicos de aprovisionamento e todas as parcerias público-

privadas que envolvam, cumulativamente, um encargo acumulado actualizado

inferior a 10 milhões de euros e um investimento inferior a 25 milhões de

euros, bem como todos os outros contratos de fornecimento de bens ou de

prestação de serviços, com prazo de duração igual ou inferior a três anos, que

não envolvam a assunção automática de obrigações para o parceiro público

no termo ou para além do termo do contrato.

3. Repartição de responsabilidades e partilha do risco

A repartição de encargos e do risco entre as entidades públicas e

privadas é um dos elementos que caracteriza as PPPs, devendo essa partilha

figurar, de forma clara, no contrato elaborado.

37 Redacção do Decreto–Lei nº 141/2006 que inclui como potenciais parceiros as entidades públicas empresariais.

Page 112: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

84

Ao parceiro público cabe o controlo da execução do objecto da parceria,

com o objectivo de “garantir que são alcançados os fins de interesse público

subjacentes”, cabendo ao parceiro privado, preferencialmente, “o

financiamento, bem como o exercício e a gestão da actividade contratada”.

A partilha de riscos e encargos deve respeitar os princípios seguintes:

“a) Os diferentes riscos inerentes à parceria devem ser repartidos entre

as partes de acordo com a sua capacidade de gerir esses mesmos riscos;

b) O estabelecimento da parceria deverá implicar uma significativa e

efectiva transferência de risco para o sector privado;

c) Deverá ser evitada a criação de riscos que não tenham adequada

justificação na redução significativa de outros riscos já existentes;

d) O risco de insustentabilidade financeira da parceria, por causa não

imputável a incumprimento ou modificação unilateral do contrato pelo parceiro

público, ou a situação de força maior, deve ser, tanto quanto possível,

transferido para o parceiro privado”38

4. Pressupostos das parcerias público-privadas

O legislador, no artigo 6º do Decreto-Lei n.º 86/2003 de 26 e Abril, dá

conta dos pressupostos exigíveis, aquando do lançamento e contratação de

parcerias público-privadas, designadamente a definição dada dos objectivos

da parceria e a configuração de um modelo que apresente para o parceiro

público vantagens relativamente a formas alternativas de alcançar os mesmos

fins39.

38 Cf. artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril.

39 Os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 6º são os seguintes: “a) O cumprimento, quando for o caso, das normas relativas à programação financeira plurianual constantes da lei de enquadramento orçamental; b) A clara enunciação dos objectivos da parceria, definindo os resultados pretendidos e permitindo uma adequada atribuição das responsabilidades das partes; c) A configuração de um modelo de parceria que apresente para o parceiro público

Page 113: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

85

O n.º 3 da mesma norma refere que a verificação da conformidade do

projecto de parceria com aqueles pressupostos deve ser realizada com o

maior grau de concretização possível em função da fase em que o projecto se

encontre, acrescentando os n.º 4 a 6 especificações a respeitar no caso de ser

exigível declaração de impacto ambiental.

5. Processo de avaliação prévia das parcerias público-privadas

O processo de avaliação prévia das parcerias mereceu um especial

destaque na regulamentação efectuada pelo legislador (cf. Capítulo II do

Decreto-Lei 86/2003, de 26 de Abril).

A relevância do papel das parcerias na execução da política

governamental levou, aliás, o legislador, com a revisão de 2006, a aditar uma

norma relativa aos programas sectoriais de parcerias. De acordo com essa

norma, se as prioridades políticas e de investimentos sectoriais forem nesse

sentido, “podem ser desenvolvidos programas sectoriais de parcerias,

envolvendo um conjunto articulado de projectos com recurso à gestão e ao

financiamento privado”, sendo a coordenação e o apoio técnico à preparação

dos projectos inseridos ou a inserir em programas sectoriais atribuídos, pelo

vantagens relativamente a formas alternativas de alcançar os mesmos fins, avaliadas nos termos previstos no n.º 2 do artigo 19.º da lei de enquadramento orçamental, e que, simultaneamente, apresente para os parceiros privados uma expectativa de obtenção de remuneração adequada aos montantes investidos e ao grau de risco em que incorrem; d) A prévia adequação às normas legais e demais instrumentos normativos, bem como a obtenção das autorizações e pareceres administrativos exigidos, tais como, entre outros, os de natureza ambiental e urbanísticos, dos quais dependa o desenvolvimento do projecto, de modo a permitir que todo o risco da execução seja ou possa ser transferido para o parceiro privado; e) A concepção de modelos de parcerias que evitem ou menorizem, sempre que possível e salvo fundamentação adequada, a probabilidade da verificação de modificações unilaterais dos contratos determinadas pelo parceiro público ou quaisquer outros factos ou circunstâncias geradores ou potenciadores da obrigação de reposição do equilíbrio financeiro, designadamente a indefinição das prestações contratuais, a imprevisibilidade da matéria, a extensão ou incerteza quanto à duração do compromisso, bem como a assunção de termos e condições de reposição desse equilíbrio ou outros regimes indemnizatórios que sejam excessiva ou injustificadamente onerosos ou inadequados em face do perfil de risco efectivo da parceria; f) A adopção, na fase prévia à contratação, das diligências e a consagração das exigências que se revelem adequadas à obtenção de um resultado negocial economicamente competitivo; e, g) A identificação expressa da entidade pública que tem a responsabilidade de suportar os encargos decorrentes de pagamentos a realizar ao parceiro privado, quando se preveja que os mesmos venham a ter lugar, bem como a identificação da origem dos respectivos fundos”.

Page 114: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

86

ministro da tutela sectorial, “a unidades ou estruturas técnicas especializadas,

às quais cabe, nomeadamente, apresentar o respectivo estudo estratégico e

minutas dos instrumentos jurídicos necessários ao início do procedimento

prévio à contratação”, estudo esse que deverá salientar “a aptidão do projecto

para atrair o sector privado, tendo em conta os potenciais interessados e as

condições de mercado existentes”.

5. 1. Preparação e estudo

A avaliação das parcerias passa, desde logo, pelo estudo e preparação

da parceria que deverá ter em conta “a conveniência de averiguação prévia do

posicionamento do sector privado relativamente ao tipo de parceria em

estudo”, designadamente “a identificação de potenciais interessados e a

análise das condições de mercado existentes”, assim como, quando for o

caso, “à actualização do estudo estratégico a que se refere o n.º 2 do artigo

7.º-A”.

De acordo com a lei – artigo 8.º, n.º 1 – , os ministros das tutelas

sectoriais que pretendam iniciar processos de parceria público-privada “devem

notificar o Ministro das Finanças, para efeitos de constituição de uma

comissão de acompanhamento da preparação e da avaliação prévia do

projecto, apresentando o respectivo estudo estratégico e as minutas dos

instrumentos jurídicos para a realização do procedimento prévio à

contratação”. A comissão de acompanhamento é nomeada por despacho

conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela sectorial40, e é composta “por

40 Nesse despacho, segundo o n.º 6 da mesma norma, será fixado o prazo em que a comissão de acompanhamento deve apresentar o seu relatório, o qual contém a recomendação de decisão a ser tomada, não podendo exceder 60 dias, salvo em casos devidamente fundamentados.

Na sequência da publicação do Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de Abril, a então Ministra das Finanças, através do Despacho Normativo 35/2003, publicado em 20 de Agosto, incumbiu a Parpública – Participações Públicas, SGPS, SA de apoiar o exercício pelo Ministério das Finanças dos poderes que lhe são atribuídos pelo referido Decreto-Lei quanto à preparação, lançamento e alteração das parcerias, tarefa que passou a constituir uma das prioridades da empresa, face à importância que assume para o Estado e que levou à constituição de uma equipa técnica especializada.

Page 115: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

87

três ou cinco membros efectivos e dois suplentes”, sendo que o coordenador é

indicado por acordo entre os Ministros das Finanças e da tutela sectorial. Em

casos excepcionais o legislador dispensa a constituição da comissão de

acompanhamento.

São competências principais da comissão “apreciar os pressupostos a

que obedeceu o estudo apresentado e desenvolver e aprofundar a análise

estratégica e financeira subjacente, com vista à sua adequada inserção nos

objectivos do Governo e a maximizar o seu impacte positivo na economia”41.

A comissão de acompanhamento pode solicitar “a qualquer serviço e

organismo do ministério da tutela sectorial ou às entidades a que se refere o

n.º 2 do artigo 2.º, consoante o caso, a informação e o apoio técnico que se

revelem necessários ao desenvolvimento e execução do projecto”. Por outro

lado, a comissão de acompanhamento deve envolver activamente no

desenvolvimento do projecto “as entidades que venham a assumir

responsabilidades no acompanhamento e controlo da execução do contrato de

parceria a celebrar, de forma que estas possam proceder, de forma eficaz, a

um acompanhamento e controlo da execução do referido contrato”.

5. 2. Lançamento da parceria

A comissão de acompanhamento remete aos Ministros das Finanças e

da tutela um relatório fundamentado, no qual deverá constar a análise da

As competências atribuídas neste diploma aos Ministros das Finanças e da tutela sectorial podem ser delegadas ou subdelegadas, de acordo com o disposto no artigo 15.º. 41 As demais competências da comissão são as seguintes: “a) Promover uma eficaz

articulação entre as entidades envolvidas, com vista a imprimir maior celeridade e eficácia à respectiva acção; b) Propor ao Governo as soluções e medidas que considere mais consentâneas com a defesa do interesse público; c) Propor os instrumentos jurídicos adequados ao lançamento e execução do projecto de parceria; d) Apresentar, quando solicitado, o desenvolvimento e aprofundamento do estudo estratégico da parceria e a justificação do modelo a adoptar, demonstrando a inexistência de alternativas equiparáveis dotadas de maior eficiência técnica e operacional ou de maior racionalidade financeira; e) Demonstrar a comportabilidade orçamental da parceria; f) Colaborar com as entidades incumbidas da fiscalização e acompanhamento global das parcerias público-privadas”.

Page 116: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

88

conformidade da versão definitiva do projecto de parceria com os

pressupostos a respeitar, com a partilha de riscos, com a descrição dos

encargos para o parceiro público, assim como o potencial impacto dos riscos

para o parceiro público.

Os Ministros das Finanças e da tutela sectorial decidirão, então, sobre o

lançamento da parceria e respectivas condições, mediante despacho conjunto

a emitir no prazo de 30 dias a contar da apresentação do relatório. Desse

despacho conjunto deverão constar determinados elementos: o programa do

procedimento adjudicatório aplicável; o caderno de encargos; a análise das

opções que determinaram a configuração do projecto; a descrição do projecto

e do seu modo de financiamento; a demonstração do seu interesse público; a

justificação do modelo de parceria escolhida; a demonstração da

comportabilidade dos custos e riscos decorrentes da parceria em função da

programação financeira plurianual do sector público administrativo; e a

declaração de impacto ambiental, quando exigível nos termos da lei aplicável.

O lançamento da parceria será feito com recurso ao procedimento

adjudicatório aplicável, nos termos da legislação relativa à contratação pública.

5. 3. Comissão de avaliação das propostas

A comissão de avaliação das propostas de parceria é designada por

despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela sectorial e

composta por três ou cinco membros efectivos e dois suplentes, podendo ser

alargada, “em casos devidamente fundamentados, até sete ou nove

elementos, sendo observada a paridade entre ministérios na respectiva

nomeação”.

A comissão de avaliação das propostas tem como funções fundamentais

efectuar a avaliação quantitativa dos encargos para o parceiro público ou para

o Estado, a estimativa do impacto potencial dos riscos, directa ou

indirectamente, afectos ao parceiro público, decorrentes do conteúdo e

Page 117: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

89

natureza de cada uma das propostas, para além da avaliação do respectivo

mérito relativo (cf. artigo 9.º, n.º 2).

Esta comissão elaborará um relatório que servirá de base ao despacho

das entidades adjudicantes ou ao acto do órgão de gestão, no caso de

entidades com personalidade jurídica.

5. 4. Adjudicação

A adjudicação será realizada mediante despacho conjunto dos Ministros

das Finanças e da tutela sectorial ou, quando se trate de entidades com

personalidade jurídica, por acto do respectivo órgão de gestão precedido de

despacho conjunto favorável daqueles ministros42, aos quais compete apreciar

o relatório elaborado pela comissão de avaliação de propostas e verificar a

conformidade com os pressupostos referidos no artigo 6.º, com a partilha de

riscos e com os elementos do despacho conjunto emitido aquando do

lançamento da parceria.

O artigo 11.º, nº 3, prevê a possibilidade de, a todo o tempo, o processo

em curso de selecção do parceiro privado poder dar-se por interrompido ou

anulado mediante despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela

sectorial, não estando previsto direito a indemnização se, de acordo com a

apreciação dos objectivos a prosseguir, os resultados das análises e

avaliações realizadas até então e os resultados das negociações levadas a

cabo com os candidatos não corresponderem, em termos satisfatórios, aos

fins de interesse público subjacentes à constituição da parceria, incluindo a

respectiva comportabilidade de encargos globais estimados.

42 O despacho conjunto será emitido no prazo máximo de 30 dias a contar da recepção do relatório elaborado pela comissão de avaliação de propostas.

Page 118: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

90

6. Fiscalização e acompanhamento das parcerias público-privadas

A fiscalização das parcerias está regulada no Capítulo III do diploma,

bem como o seu acompanhamento. O artigo 12º prevê que os poderes de

fiscalização e controlo da execução das parcerias são exercidos “por entidade

ou serviço a indicar pelo Ministro das Finanças para as matérias económicas e

financeiras e pelo ministro da tutela sectorial para as demais”. O

acompanhamento das parcerias, de forma permanente e global, cabe, assim,

ao Ministro das Finanças e ao da tutela sectorial e tem como objectivo avaliar

os seus custos, podendo aquelas entidades divulgar a informação adquirida

pelas entidades incumbidas do acompanhamento das parcerias, assim como

para uma crescente colaboração entre elas.

O Ministro das Finanças designará a entidade que lhe presta apoio

técnico no acompanhamento global das parcerias e à qual podem ser

atribuídas, designadamente, as funções de emitir pareceres e recolher e

disponibilizar informação relativa aos custos, riscos e impacte financeiro das

parcerias; receber, em nome do Ministro das Finanças, os pedidos de

constituição de comissões; indicar a identificação de membros e prestar apoio

técnico para comissões previstas no decreto-lei; proceder ao

acompanhamento dos processos em curso nos tribunais arbitrais, prestando

apoio técnico ao parceiro público quando tal lhe seja determinado pelo

Ministro das Finanças; e proceder ao arquivo e registos de elementos

relacionados com as parcerias.

Alterações no decurso da parceria

Tendo em conta o carácter duradouro das parcerias, bem como o

significado e a relevância que envolvem os encargos da mesma para os

Page 119: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

91

parceiros tornou-se necessário regular expressamente o regime das

alterações das parcerias de uma forma cuidadosa43.

As eventuais alterações nas parcerias, a introduzir após a selecção do

parceiro privado ou na vigência do respectivo contrato, por acordo dos dois

parceiros ou por iniciativa de qualquer deles, têm que respeitar o formalismo

descrito no artigo 14.º e seguintes.

Assim, quando um serviço, organismo do Estado ou outro parceiro

público pretender iniciar o estudo e preparação de uma alteração dos termos e

condições de um contrato de parceria já celebrado, deverá notificar, por

escrito, o Ministro das Finanças ou a entidade que este para o efeito designar,

prevendo a lei a constituição, em regra, de uma comissão de negociação.

As competências da comissão de negociação, descritas no artigo 14.º-A,

consistem em representar o parceiro público nas negociações que venham a

ocorrer com o parceiro privado e em elaborar o correspondente relatório, a

apresentar no prazo máximo de 60 dias, submetendo-o à apreciação do órgão

máximo do serviço do Estado que deu origem ao início do processo de

alteração da parceria ou do órgão de gestão do respectivo parceiro público,

quando se trate de entidade com personalidade jurídica. O relatório analisa a

conformidade do projecto de alteração da parceria com os pressupostos de

lançamento e de contratação da parceria e com os riscos; procede à avaliação

quantitativa dos encargos para o parceiro público ou para o Estado, à

estimativa do impacto potencial dos riscos, directa ou indirectamente, afectos

ao parceiro público; e deverá mencionar a descrição do projecto e o seu modo

de financiamento, a demonstração do seu interesse público e da

comportabilidade dos custos e riscos decorrentes da parceria em função da

programação financeira plurianual do sector público administrativo44.

43 Tratou-se de uma das alterações significativas decorrentes do Decreto Lei n.º 141/2006 que aditou alguns artigos ao Decreto lei n.º 86/2003 sobre a matéria.

44 O processo de alteração da parceria é explicitado no artigo 14.º-B. Os passos desse processo são os seguintes: quando o órgão máximo do serviço do Estado ou, se for o caso, o órgão de gestão, entender que o processo de alteração da parceria se encontra em condições

Page 120: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

92

A decisão sobre a alteração da parceria deverá ser precedida de um

despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da tutela sectorial.

No caso de surgirem situações susceptíveis de fundamentarem outra

alteração à mesma parceria ou situações que fundamentem a reposição do

equilíbrio financeiro do respectivo contrato, compete à comissão de

negociação que se encontre em funções conduzir o respectivo processo.

O Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho, no artigo 14.º-C explicita o

conceito de equilíbrio financeiro e regula ainda as novas actividades no âmbito

das alterações introduzidas à parceria45.

A aferição do equilíbrio financeiro da parceria deverá ter em conta o

modelo financeiro que constitui o respectivo caso-base, que deve ser anexo

ao contrato de parceria e incluir todas as receitas do parceiro privado que

sejam obtidas em resultado do desenvolvimento da parceria, incluindo as

recebidas de terceiros ao abrigo de contratos de subconcessão ou cedência

onerosa de espaços ou equipamentos para fins comerciais.

Nos termos do n.º 5, a reposição do equilíbrio financeiro ou a partilha a

favor do parceiro público de benefícios financeiros são efectuadas nas

modalidades seguintes: alteração do prazo da parceria; aumento ou redução

de obrigações de natureza pecuniária; atribuição de compensação directa; e

de ser concluído, deve remeter aos Ministros das Finanças e da tutela sectorial o relatório a que acima nos referimos, acompanhado da minuta das alterações contratuais e de todos os elementos considerados relevantes. 45 O artigo 14º -C, no seu número no n.º 1, estabelece que poderá haver lugar à “reposição do equilíbrio financeiro do respectivo contrato quando ocorra uma alteração significativa das condições financeiras de desenvolvimento da parceria”, designadamente nos casos de modificação unilateral, imposta pelo parceiro público, do conteúdo das obrigações contratuais do parceiro privado ou das condições essenciais de desenvolvimento da parceria. O n.º 2 da mesma norma acrescenta que o parceiro público “tem direito à partilha equitativa com o parceiro privado dos benefícios financeiros que decorram para este do desenvolvimento da parceria, nomeadamente nos casos de melhoria das condições de financiamento da parceria por via da renegociação ou substituição dos contratos de financiamento”.

No n.º 3 é referido que deverão constar expressamente das peças do procedimento adjudicatório aplicável ou do título contratual “os pressupostos em que há lugar à reposição do equilíbrio financeiro ou à partilha a favor do parceiro público de benefícios financeiros do desenvolvimento da parceria”.

Page 121: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

93

combinação das modalidades anteriores ou qualquer outra forma que venha a

ser acordada entre as partes.

No caso de se proceder à reposição do equilíbrio financeiro do contrato

ou à partilha de benefícios entre o parceiro público e o parceiro privado, o n.º 6

recomenda que se observe, com as necessárias adaptações, o procedimento

de alteração da parceria, atrás descrito.

O n.º 7 determina que, no caso de o parceiro privado pretender exercer

actividades não previstas expressamente no contrato de parceria, a

autorização das entidades que aprovaram a celebração do contrato de

parceria “não pode, em caso algum, ser emitida quando as propostas não

contenham a respectiva projecção económico-financeira e uma partilha da

correspondente receita”.

O acréscimo de encargos decorrentes de alterações às parcerias é

regulado no artigo 14.º-D. O legislador determina que, sem prejuízo da

observância do regime jurídico relativo à realização de despesas públicas,

“carece de despacho prévio de concordância dos Ministros das Finanças e da

tutela sectorial, a emitir no prazo de 30 dias, findo o qual se presume

tacitamente emitido, a realização, redução ou alteração de obras não previstas

ou programadas em contrato de parceria já celebrado ou qualquer outra

decisão susceptível de, no âmbito da execução do respectivo contrato e das

condições aí fixadas, gerar um acréscimo dos encargos previstos para o

parceiro público ou para o Estado, excepto se o respectivo valor não exceder,

em termos acumulados anuais, (euro) 1 000 000”.

O pedido apresentado pelo serviço ou entidade que representa o

parceiro público na execução do contrato em causa deverá, nos termos do n.º

2 do artigo 14.º-D, ser acompanhado da respectiva fundamentação, do

orçamento apresentado pelo parceiro privado e das condições de execução e

de pagamento.

Page 122: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

94

Se o orçamento apresentado, bem como as eventuais alterações que ao

mesmo ocorram em função de um processo negocial, não for aceite pelos

ministros acima referidos, o parceiro público, obtido despacho de

concordância daqueles ministros a emitir no prazo de 30 dias, findos os quais

se presume tacitamente emitido, pode, unilateralmente e nos termos fixados

no contrato ou na lei, tomar a decisão que acautele em melhores condições o

interesse público (n.º 3 da mesma norma).

O n.º 4 acrescenta que quando o serviço ou a entidade que representa o

parceiro público na execução dos contratos de parcerias tomarem

conhecimento de “situações susceptíveis de gerarem encargos adicionais para

o parceiro público ou para o Estado”, deverão, de imediato, comunicar tais

factos aos Ministros das Finanças e da tutela sectorial, sempre que possível

com indicação dos valores estimados envolvidos.

7. A contratação de consultores

A natureza duradoura da parceria, os montantes financeiros envolvidos e

o cuidado de regulamentação de todos os procedimentos que levam à

parceria impuseram que se regulasse de uma forma transparente a

intervenção dos consultores (consulting) em todo o processo das parcerias.

Assim, após a revisão efectuada pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de

Julho, prevê-se, agora, no artigo 14.º-F, a possibilidade de contratação de

consultores externos para apoio no âmbito de processos de parcerias público-

privadas. A decisão para proceder a essa contratação deve conter as razões

objectivas que justificam essa contratação e a correspondente delimitação, em

termos claros e precisos, do âmbito de intervenção do consultor externo; os

encargos para o parceiro público ou para o Estado previsivelmente

decorrentes dessa contratação e o seu cabimento orçamental; e o

procedimento a adoptar na selecção do consultor externo, nos termos da lei

aplicável.

Page 123: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

95

A mesma norma determina que o consultor externo que venha a prestar

serviços de consultoria ao parceiro público na preparação, avaliação,

acompanhamento, renegociação ou outra intervenção referente a uma

determinada parceria público-privada que lhe permita o acesso a informação

não disponível publicamente ficará impedido de prestar assessoria ao parceiro

privado ou a qualquer entidade que se apresente como concorrente no âmbito

dessa parceria, sob pena de exclusão do concorrente de qualquer

procedimento tendente à adjudicação da parceria ou de cessação antecipada

da mesma, por razões imputáveis ao parceiro privado, sem prejuízo da

indemnização a que o parceiro público possa ter direito, nos termos legais ou

contratuais aplicáveis.

8. Resolução de litígios

No âmbito de contratos de parceria já celebrados, em que seja requerida

a constituição de um tribunal arbitral para a resolução de litígios entre as

partes, o serviço ou a entidade que representar o parceiro público no contrato

de parceria deverá comunicar de imediato aos Ministros das Finanças e da

tutela sectorial a ocorrência desse facto, e fornecer todos os elementos que se

revelem úteis ao acompanhamento do processo (Cf. Artigo 14.º - E).

Com o fim de acompanharem o processo arbitral, os Ministros das

Finanças e da tutela sectorial podem determinar, mediante despacho conjunto,

a manutenção em funções da comissão de negociação anteriormente

constituída em relação com o objecto do litígio. À entidade directamente

incumbida de proceder ao acompanhamento do respectivo processo arbitral

deverão ser remetidas cópias dos actos processuais que sejam entretanto

praticados por qualquer uma das partes e pelo tribunal, bem como dos

pareces técnicos e jurídicos e quaisquer outros elementos relevantes para a

compreensão, desenvolvimento ou desfecho da lide (cf. artigo 14.º-E, n.ºs 2 e

3).

Page 124: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

96

9. Regimes específicos de parcerias público-privadas no sector da

saúde

O quadro normativo das PPPs, acima descrito tem, no entanto, uma

excepção normativa, no âmbito da saúde, onde existe um regime específico

de decorrente do Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto46.

Não existindo, à data da sua publicação, qualquer regime normativo

sobre as PPPs, foi aquele diploma inovador na medida em que constituiu o

diploma enquadrador das parcerias na saúde, em regime de gestão e

financiamento privados.

De acordo com o diploma as parcerias na área da saúde tinham como

objecto “a associação duradoura de entidades dos sectores privado e social à

realização directa de prestações de saúde, ao nível dos cuidados de saúde

primários, diferenciados e continuados, ou ao apoio directo ou indirecto à sua

realização no âmbito do serviço público de saúde assegurado pelo Serviço

Nacional de Saúde”.

Neste quadro foram aprovados e lançados projectos de PPPs de quatro

hospitais, prevendo-se que estes contratos tivessem uma duração de 30 anos

para a vertente infra-estrutural e de 10 anos para a vertente clínica47.

Foram, também, abrangidos por este regime o Centro de Atendimento do

SNS e o Centro de Medicina e Reabilitação Física do Sul, cujos contratos têm

duração de 4 e 7 anos, respectivamente.

46 Este diploma foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, que definiu as normas gerais a aplicar à intervenção do Estado na definição, concepção, preparação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e acompanhamento global das parcerias público-privadas, bem como pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho procedeu a alterações ao Decreto-lei n.º 185/2002, isto é, no âmbito de parcerias em saúde, designadamente quanto às competências do Ministro da Saúde e à remuneração da entidade gestora.

47 Segundo o relatório do Tribunal de Contas publicado deste ano, os encargos totais de 2006 a 2007 previstos para aquelas PPPs ascendem a 5.573,6 milhões de euros.

Page 125: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

97

Os Decretos Regulamentares n.ºs 10/2003, de 28 de Abril e 14/2003, de

30 de Junho vieram aprovar as condições gerais dos procedimentos prévios à

celebração dos contratos de gestão para o estabelecimento de parcerias em

saúde e provar o caderno de encargos tipo dos contratos de gestão que

envolvam actividades de concepção, construção, financiamento, conservação

e exploração de estabelecimentos hospitalares48.

Toda a questão do impacto financeiro e orçamental destas parcerias

concretizadas e em processo de concretização tem sido acompanhada pelo

Tribunal de Contas, sendo de salientar que, considerando os respectivos

modelos de pagamentos plurianuais, o Tribunal de Contas tem alertado para

um muito provável crescimento acentuado dos encargos futuros acumulados

ao longo dos primeiros 10 anos49.

10. Apreciação crítica: o enquadramento legal e a prática

O regime legal estabelecido pelo Decreto-Lei nº 86/2003, de 26 de

Outubro, alterado pelo Decreto Lei 141/2006 e as suas implicações práticas

tem sido objecto de várias apreciações sendo de realçar, pela profundidade e

48 De acordo com a programação financeira das parcerias relativas aos novos hospitais, o Tribunal de Contas num texto intitulado “O controlo externo das Parcerias Público-Privadas (A experiência Portuguesa)”, destaca o crescimento acentuado da despesa a ocorrer entre 2007 e 2016, realçando o aspecto que a partir daquele período se verificará um decréscimo acentuado da despesa. Sendo que esta situação, ainda segundo a opinião expressa pelo Tribunal de Contas, tenderá a manter-se até 2019 (ano em que a despesa irá atingir os 530,7 milhões de euros), data a partir da qual a despesa se tornará relativamente estável (cerca de 51,7 milhões de euros). 49 Sobre estas questões têm sido publicados alguns artigos na imprensa especializada. Assim,

no jornal Diário Económico foi publicado, em 21 de Junho de 2006, um artigo assinado pela jornalista Raquel Carvalho, sob o seguinte título: “Em busca de maior eficiência para a Saúde nacional – PPPs na Saúde podem contribuir para a diminuição da despesa pública”.

Nesse artigo pode ler-se a opinião de Luís Vasconcelos, enquanto Administrador dos Hospitais Privados de Portugal, que afirmou que as PPPs na saúde “facilitam os recursos financeiros, permitem um melhor controlo da despesa pública, melhores níveis de serviço, inovação e competitividade no âmbito do Serviço Nacional da Saúde. (…) As PPPs possibilitam aos operadores privados demonstrar a sua capacidade de gestão, de inovação e de cumprimentos dos compromissos assumidos, (…) ao mesmo tempo que lhes permite obter uma adequada rentabilidade dos investimentos efectuados por forma a assegurar a sustentabilidade e viabilidade económico-financeira dos projectos.”

Page 126: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

98

pelas consequências das críticas efectuadas ao primitivo regime que levaram

à sua alteração, os relatórios do Tribunal de Contas (TC).

10. 1. O Relatório do Tribunal de Contas

O programa de fiscalização do Tribunal de Contas para o ano de 2005

incluía uma acção de controlo direccionada para as PPPs, a qual culminou

com a aprovação do Relatório n.º 33/05 – 2.ª Secção, de 17 de Novembro50.

Para o efeito, foram seleccionados os contratos em execução com maior

expressão financeira e, entre estes, os que implicassem relevantes

compromissos financeiros para o Estado, designadamente, as concessões

rodoviárias em regime de portagem real, portagem virtual (SCUT), travessias

do Tejo, concessões ferroviárias do metro sul do Tejo e travessia do eixo

Norte-Sul.

Nas conclusões do relatório apresentado pelo TC pode ler-se que “(…),

há evidências de um fraco controlo orçamental, na perspectiva de um quadro

de encargos totais relativos a parcerias público privada, (…). Por outro lado,

verifica-se também que os encargos futuros com os contratos de PPPs não

estão a ser inscritos no Orçamento de Estado do ano em que se prevê que

estas sejam lançadas”. Ainda neste sentido, pode ler-se que “o «gap» entre o

montante global de encargos referenciados no Relatório do OE 2005 (16 060

milhões de Euros) e os apresentados no quadro em apreço (19 410 milhões

de Euros), [leia-se, o quadro com os encargos globais com as PPPs], resulta,

substancialmente, deste último incluir o ciclo de vida dos contratos e uma

estimativa global de encargos com reequilíbrios financeiros, expropriações e

outros encargos não considerados no quadro dos encargos previstos com

PPPs, (…)”.

Por sua vez, na opinião de João Mendes Ribeiro, enquanto presidente do Grupo Português de Saúde, do grupo BPN, há, efectivamente, “garantia de um bom serviço ao público” com o recurso às unidades prestadoras de cuidados de saúde operadas sob o regime de PPPs.

50 Cf. Tribunal de Contas. 2005. “Relatório de Auditoria N.º 33/05 – Encargos do Estado com as Parcerias Público Privadas: Concessões Rodoviárias e Ferroviárias”, Novembro de 2005, in http://www.tcontas.pt (Julho de 2007).

Page 127: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

99

Face aos resultados apurados, o TC decidiu apresentar um conjunto de

recomendações51. De entre elas, destacamos as seguintes:

- Aconselhamento do Estado a reforçar as competências e as equipas de

monitorização e gestão dos contratos de PPPs das entidades públicas

contratantes de modo a evitar a sua dependência em relação aos consultores;

- Sugerir que encargos adicionais com as PPPs (expropriações,

reequilíbrios financeiros e outros) passassem a ser objecto de previsão em

termos orçamentais de modo a assegurar uma estimativa mais credível do

custo efectivo dos contratos de PPPs e, nesta perspectiva, tentar evitar a sub

orçamentação;

- Advertir o Estado para a obrigação de dar cabal cumprimento às

disposições legais constantes do Decreto-Lei 86/2003, nomeadamente,

quanto à obrigatoriedade de proceder à elaboração de um adequado

“comparador público” e ao dever de obter previamente à adjudicação as

autorizações e licenciamentos necessários ao bom desenvolvimento dos

projectos.

Na esteira do relatório de 2005, o TC voltou a realizar nova auditoria aos

encargos do Estado com as PPPs. Nesse relatório, com o n.º 04/2007, 2.ª

Secção, “Auditoria aos Encargos do Estado com as Parcerias Público

Privadas – Concessões Rodoviárias e Ferroviárias” elaborado em 25 de

Janeiro de 2007 e conhecido em Fevereiro de 200752, é expressamente

51 As Recomendações deste Relatório foram acolhidas pelo Decreto-Lei N.º 141/2006, de 26 de Outubro de 2003, ainda que algumas delas apenas de forma parcial. Este é o entendimento do próprio TC que, no já referido Relatório de 2007, afirma que “o actual regime jurídico das PPPs veio ao encontro, em parte substancial, das preocupações evidenciadas previamente pelo Tribunal naquele domínio. (…) Esta evolução mostra a utilidade da acção do Tribunal no domínio da auditoria das PPPs e, em particular, das Recomendações que oportunamente formulou, tendo, assim, dado um contributo decisivo e tangível para o melhor acautelamento dos interesses financeiros do estado e para melhor gestão dos dinheiros dos contribuintes”.

52 Em 15 de Fevereiro de 2007, é publicado um artigo no site da RTP (http://www.rtp – Julho de 2007), pela Agência Lusa, sobre a criação pelo Governo de uma unidade para controlar as PPPs. Com base nas declarações de Fernando Teixeira dos Santos, em conferência de imprensa sobre a execução orçamental de 2006, é dito que esta unidade terá como missão

Page 128: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

100

referido que “é o próprio Estado que, frequentemente, agrava os seus

encargos com as parcerias que desenvolve ao não acautelar no estudo a

preparação das Parcerias Público Privadas (PPPs) (…). A falta de exigência e

de rigor nessas fases provoca alterações aos projectos iniciais, bem como

pedidos de reequilíbrio por parte dos concessionários ao longo de todo o ciclo

de vida das parcerias”.

Aquele Relatório reafirmou um conjunto de pressupostos que devem

presidir à decisão de avançar com as PPPs53, chamando a atenção para

alguns aspectos que considera, ainda, continuarem a estar presentes na

contratação em regime de PPPs, nomeadamente os seguintes:

a) debilidade da informação de base constante no OE, designadamente

pelo facto de se continuar a apresentar apenas encargos previstos e já

assumidos, não se incluindo os custos adicionais;

b) aceitação como motivos de pedidos de reequilíbrio financeiro as

alterações impostas pelo concedente aos projectos iniciais (por motivos da

esfera política ou resultantes de intervenções a pedido do poder local); os

atrasos de execução devidos a atrasos com a emissão de declaração de

impacto ambiental ou com a entrega de terrenos; e a não ponderação da

evolução das grandezas que originam o dever de compensar os

concessionários;

monitorizar e avaliar alguns dos aspectos apontados pelo Tribunal de Contas no relatório n.º 04/2007, 2.ª Secção, “Auditoria aos Encargos do Estado com as Parcerias Público Privadas – Concessões Rodoviárias e Ferroviárias” elaborado em 25 de Janeiro de 2007 e conhecido em Fevereiro de 2007.

53 Designadamente, a certeza da comportabilidade financeira, bem como da viabilidade e racionalidade económica; a obtenção prévia das licenças e autorizações necessárias; a ponderação adequada dos métodos de selecção de propostas, que deve pautar-se por valores de objectividade e transparência; a consideração da adequabilidade dos sistemas de acompanhamento e de controlo; a segurança de que foram minimizados os riscos de ocorrência de encargos adicionais para o Estado, motivados, nomeadamente, pela possibilidade de ocorrência de alterações unilaterais gestão de cada risco assumida e desenvolvida pela entidade melhor colocada par o fazer; a remuneração adequada dos riscos para ambos os parceiros; e, adequada definição pelo Estado do serviço público em causa, uma configuração do projecto e do desempenho final pretendido.

Page 129: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

101

c) não existência nos ministérios utilizadores de PPPs de quadros

competentes, o que leva a que subsista uma dependência relativamente a

consultores externos;

d) ausência de adequadas e sustentadas linhas de orientação capazes

de ser entendidas e aplicadas em todo o seu alcance;

e) falhas no alinhamento e no envolvimento tempestivo das várias

entidades públicas que acabam por ter que intervir no processo.

O Tribunal de Contas considera, por isso, imprescindível implementar um

sistema metódico, regular e público que identifique, estude, recolha e divulgue

a experiência adquirida ao longo dos vários processos de PPPs.

Sobre esta matéria, o Tribunal de Contas elaborou um outro documento -

“O controlo externo das Parcerias Público-Privadas (A experiência

Portuguesa)” 54 – onde são apontadas vantagens55 às PPPs, considerando-se

que “as formas de contratação/provisão tradicional de obras ou de serviços

públicos revelaram-se frequentemente geradoras de ineficiências e custos

excessivos (…). Perante este tipo de situações, revelam-se várias vantagens

comparativas das PPPs, relativamente às formas de procurement tradicionais,

se bem que haja também a referir vários aspectos menos positivos.”

54 Cf. Tribunal de Contas. “O controlo externo das Parcerias Público-Privadas (A experiência Portuguesa), In http://www.tcontas.pt (Julho de 2007).

55 No que respeita às vantagens destaca-se a dinamização do investimento em infra-estruturas (que nas sociedades modernas constitui uma forte exigência dos cidadãos perante o Estado); os resultados alcançados com as PPPs poderão ser indutores de reformas no sector público; a criação e dinamização de novos mercados nas áreas das concessões; a consolidação do mercado beneficiou muito do contributo gerado pelas concessões rodoviárias que foram desenvolvidas; os novos desafios a mercados e operadores que actuavam em situação de quase monopólio, tendo-se registado significativas melhorias na qualidade do serviço prestado e sendo evidenciados resultados positivos em termos de qualidade, eficiência e eficácia desses mesmos serviços.

No que respeita a aspectos negativos, foram apontados, entre outros, a preparação deficiente de concursos, tendo alguns sido lançados sem estarem previamente assegurados as aprovações ambientais exigidas; processos de concursos estruturados com pouca racionalidade que dão origem a agravamento de custos de elaboração das propostas, por exemplo em consequência de exigências prévias desnecessárias, carência de competências

Page 130: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

102

Considerando as vantagens e as desvantagens, o Tribunal de Contas

enunciou um conjunto de recomendações, que, de forma breve, se enunciam:

a) Preparação adequada dos projectos56;

b) Partilha dos riscos no estabelecimento das cláusulas contratuais 57;

c) Aposta na racionalidade, eficiência, eficácia e sustentação financeira

do projecto 58;

d) Elaboração obrigatória de um comparador do sector público 59;

e) Inscrição orçamental prévia dos encargos com cada PPP 60.

técnicas por parte dos parceiros públicos que intervêm na negociação, ficando muito dependentes do apoio de consultores externos.

56 Inclui-se aqui, sobretudo, a necessidade de uma nítida definição prévia dos objectivos a atingir (numa óptica de resultados) e a procura de soluções inovadoras, pelo parceiro privado, geradoras de ganhos de eficiência e quantificação de custos.

57 O Estado deve ter um conjunto de cuidados básicos na concepção de uma PPP, designadamente estabelecendo no contrato os termos exactos em que a partilha de riscos deve ser concretizada. O Estado deverá, ainda, proceder a uma análise criteriosa e limitar, no âmbito dos processos de Reposição do Equilíbrio Financeiro, as imposições do sistema financeiro, bem como todos os outros custos indirectos, devendo ser prestada especial atenção aos mecanismos de cálculo e compensação, de forma a diminuir os efeitos financeiros resultantes da rigidez dos Caso Base.

58 Necessidade de uma justificação, clara e objectiva, da necessidade de execução do projecto com identificação e quantificação de (i) todos os custos envolvidos e dos benefícios esperados; (ii) análise da prioridade do projecto face a outras necessidades globais do país; (iii) compatibilização do projecto com outros complementares, existentes ou em preparação; (iv) verificação da viabilidade orçamental do projecto numa perspectiva de longo prazo; (v) e, identificação das entidades responsáveis pelos pontos de vistas financeiros e de gestão do contrato.

59 O comparador deve ser utilizado como um tecto máximo dos compromissos a assumir pelo Estado, sendo considerado o elemento essencial para fazer a avaliação das condições financeiras das propostas.

60 Esta prática é anunciada como um garante da compatibilização entre a assunção de encargos e a garantia de disponibilidade de recursos compatíveis, obrigando a maior rigor e exigência por parte de quem propõe o lançamento precipitado de concursos fundados apenas na oportunidade política e sem uma preparação adequada de documentação prévia necessária.

Page 131: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

103

10. 2. Outras opiniões

Para além das análises exaustivas do Tribunal de Contas, há que fazer

referência ao que alguma doutrina tem escrito sobre a matéria61. Em termos

críticos, aponta-se a “falta de rigor – imputável aos calendários eleitorais, à

negligência e, por vezes, à pura falta de bom senso – dos responsáveis

públicos nas operações de montagem de parcerias (sem riscos para os

parceiros privados ou disciplinadas por contratos que propiciam lucros maiores

em caso de modificação do que em caso de execução) justifica plenamente as

soluções acolhidas no já citado Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril”. Neste

seguimento, entende que se justifica o facto de, de acordo com o actual

regime legal, a característica essencial das PPPs partir, pelo menos na sua

opinião, da ideia de um “processo de repartição de responsabilidades baseado

no princípio de que o parceiro público fiscaliza e o parceiro privado financia e

gere”.

Também algumas sociedades de advogados, cujo papel como

consultores nos processos de preparação, estudo e lançamento das parcerias

tem sido fundamental, tomaram posições públicas sobre o regime legal.

Por exemplo, a sociedade de advogados “Linklaters”, em Setembro de

2006, publicou um texto62 em que destaca as alterações mais relevantes ao

regime legal. Nesse texto, salienta o melhoramento “do sistema de controlo

financeiro, seja no momento do lançamento de novas parcerias, seja em

momento posterior, em sede de renegociação de contratos já firmados.”

Os autores deste texto salientam o recurso a “esta figura devido aos

constrangimentos orçamentais a que têm que fazer face, procurando

igualmente beneficiar da experiência do sector privado ”e ainda as economias

que se conseguem realizar por esta via, “na medida em que integram

61 Cf. Gonçalves, Pedro. 2005. “Entidades Privadas com Poderes Públicos”, Colecção teses, Almedina. p. 327-330.

62 In http://www.linklaters.com/publications/pubsearchlist.asp (Julho de 2007).

Page 132: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

104

[referindo-se às PPPs] todas as fases de um processo, desde a sua

concepção até à sua exploração”.

Relativamente às alterações que consideram principais salientam as

seguintes: a) redução do âmbito de aplicação subjectivo do DL que regula as

PPPs; b) clarificações de alguns aspectos que se prendem com a questão da

repartição de responsabilidades e da partilha de riscos designadamente

através do “reconhecimento do princípio da reposição do equilíbrio financeiro

do contrato quando ocorra uma alteração significativa das condições

financeiras da parceria”; ou da “introdução do conceito de direito do parceiro

público à partilha equitativa com o parceiro privado dos benefícios financeiros

que decorram para este no desenvolvimento da parceria”63; ou, ainda, da

“inclusão no caso base (a partir do qual se afere o equilíbrio financeiro da

parceria) de todas as receitas do parceiro privado que sejam obtidas em

resultado do desenvolvimento da parceria”; c) ao nível dos pressupostos para

o lançamento das PPPs, destacam o facto de passar a ser necessário

identificar expressamente a entidade pública que tem a responsabilidade de

suportar os encargos decorrentes de pagamentos a realizar ao parceiro

privado, bem como a identificação da origem dos respectivos fundos; e a

exigência acrescida de obtenção prévia de uma declaração de impacto

ambiental, quando a mesma deva ser obtida ao abrigo da legislação aplicável;

d) quanto ao momento da preparação, estudo, avaliação, lançamento e

adjudicação das PPPs referem que as alterações introduzidas “terão maior

relevância no plano da intervenção do parceiro público, designadamente o

maior esforço de articulação técnica e política entre os Ministérios das tutelas

sectoriais e o Ministérios das Finanças, através da Comissão de

Acompanhamento”; e) em matéria de interrupção e anulação do processo,

salientam a circunstância deste passar a ser, por regra, um passo obrigatório

“nos casos em que se apresente apenas um concorrente no respectivo

procedimento adjudicatório”; f) em matéria de fiscalização, acompanhamento e

63 Ainda a este respeito, os autores prosseguem defendendo que estes aspectos devem ser expressamente regulados no título contratual ou, então, nas peças do procedimento, de forma a evitar situações de incerteza jurídica em sede de execução das PPPs.

Page 133: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

105

alteração das PPPs, os autores salientam o facto das alterações apontarem

num sentido de incremento do controlo financeiro, designadamente através da

previsão legal que obriga o Ministro das Finanças e o Ministro da tutela

sectorial a designar uma entidade que lhes preste apoio técnico no

acompanhamento global das parcerias.

São conhecidas, ainda, algumas intervenções na comunicação social

especializada, nomeadamente na área económica, sobre esta matéria. Em 02

de Agosto de 2007, foi publicado no Diário Económico, um artigo sob o título

“SCUT é um bom negócio para os privados – Saldo de 3,6 milhões de euros

para as concessionárias”, assinado por Joana Moura e Nuno Miguel Silva64.

Segundo este artigo, o Estado português já perdeu cerca de 3.629 milhões de

euros com as PPPs que efectuou com as concessionárias privadas para a

construção e exploração das SCUT. De acordo com um documento interno da

Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República, a

que o Diário Económico diz ter tido acesso, “o valor dos encargos assumidos

pelo Estado português, sem IVA, relativamente às SCUT, entre 1999 e 2031,

corresponde a aproximadamente 5,4% do PIB de 2007 (8.744 milhões de

euros de2007)”. O artigo prossegue referindo que “o valor actual do

investimento total realizado e a realizar pelas concessionárias ascende a 3,2%

do PIB de 2007 (5.115 milhões de euros), incluindo as despesas de gestão e

manutenção”, concluindo, assim, que “de um ponto de vista estritamente

financeiro, o encargo líquido adicional para o Estado com as SCUT (para além

do valor necessário para realizar o investimento), ascende a 3.629 milhões de

euros ou 2,2% do PIB de 2007”, adianta o referido documento.”

Nesta linha de argumentação, e continuando a fazer referência ao documento

interno da UTAO, pode, ainda ler-se que “este valor corresponde à diferença

entre o valor actual dos pagamentos a efectuar pelo Estado e o valor actual do

64In

http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diarioeconomico/edicion_impresa/economia/pt/desarrollo/1022924.html (Agosto de 2007).

Page 134: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

106

investimento total a realizar pelas concessionárias”65, e que “o esforço

financeiro do Estado com as Parcerias Público-Privadas deverá atingir o seu

máximo ainda este ano, registando um gasto de 1.019 milhões de euros, mais

600 milhões de euros do que no ano passado66”.

É, ainda, dito que “actualmente, os encargos do Estado com as PPPs na

área da saúde rondam os 10% do total, um valor que deverá subir nos

próximos quatro anos”. Esta conclusão, segundo os autores é da UTAO, que

no relatório apresentado prevê que o total dos encargos do Estado com as

PPPs nesta área seja significativamente reduzido a partir de 2018, “já que o

nível de encargos com as SCUT se irá manter relativamente estável”.

Em Julho de 2007, num artigo de opinião sob o título “Reconstituição

monopolista e parcerias público-privadas”67, assinado por Fernando Sequeira,

na Revista “O Militante”, é efectuada uma análise da legislação que regula as

PPPs. Começa-se por fazer uma observação sobre o conteúdo dos

preâmbulos dos diplomas em causa. Neste sentido pode ler-se que “o

legislador do decreto-lei 86/2003 entende que se observa nas sociedades

modernas um peso excessivo do Estado e níveis incomportáveis de

endividamento público, e que também aos serviços públicos é possível tirar

proveito da melhor capacidade de gestão do sector privado, melhorando a

qualidade do serviço prestado e gerando poupanças consideráveis na

utilização dos recursos público”; bem como que “a obtenção pelo Estado de

65 Neste artigo pode também ler-se que “a estimativa apurada pela UTAO não é muito diferente da avançada pelos economistas Pereira e Andraz, em 2006, num estudo para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento. De acordo com as estimativas do referidos autores, o total da dívida implícita (encargos) do Estado com as SCUT atingia 6,97% do PIB de 1999, enquanto que o valor do investimento em SCUT corresponderia a 3,55% do PIB de 1999.”

66 Estas são, pelo menos, as previsões a que é feita referência no artigo e que, como aí se pode ler, têm por base os estudos da “Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que no seu último relatório refere que, em 2006, o peso dos encargos com as PPPs ascendeu a 0,27% do PIB, um valor que deverá mais do que duplicar já este ano, crescendo 36 p.p do PIB, para atingir os 0,63% do PIB. O nível de esforço que será atingido este ano vai depois manter-se em torno dos 0,6% do PIB, entre 2008 e 2010. Porém, após 2012, o peso dos encargos deverá diminuir, com uma quebra de 0,1 p.p do PIB, em 2018”.

Page 135: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas em Portugal: enquadramento legal

107

tais competências de gestão, consiste no estabelecimento de relacionamentos

duradouros com privados, em regime de parceria pública-privada, no âmbito

das quais lhe são transferidos os riscos (entenda-se para os privados)”; ou,

ainda, que ”o relacionamento entre parceiros públicos e privados envolve a

repartição de encargos e riscos entre as partes”. De seguida, o autor refere

que o legislador também acaba por defender que “o decreto-lei n.º 86/2003

avança na consagração plena, no ordenamento jurídico português, do

princípio segundo o qual a parceria apenas se justifica quando se revelar

vantajosa com o comparador do sector público”.

O autor prossegue afirmando que o legislador pretende ficcionar as

relações sociais ao fingir ignorar o permanente objectivo estratégico do grande

capital de maximizar o lucro. Segundo a opinião do autor, o novo diploma

segue uma orientação segundo a qual os problemas em causa não radicariam

na essência da orientação política, isto é, no próprio interesse das parcerias

para o Estado português, mas sim nalguns pormenores que conviria

aperfeiçoar. Daí que nesta linha de argumentação, afirme, ironicamente, que,

do ponto de vista político, “é muito interessante e elucidativo quando se afirma

que as entidades com competência nesta matéria têm alertado para situações

de acréscimo de onerosidade para o Estado relativamente às expectativas

iniciais e que não se verifica uma efectiva transferência de riscos para os

parceiros privados, ou ainda que o parceiro público assume compromissos ou

assegura taxas de rendibilidade dos capitais privados sem correspondência no

perfil de risco efectivo do projecto (…)”, acabando por fazer referência ao que

também se diz no diploma em análise relativamente à “ausência de

mecanismos de partilha de benefícios financeiros a favor do Estado, bem

como a não consideração de receitas acessórias provenientes da parceria que

passam a constituir receitas ocultas do parceiro privado”.

Ainda relativamente ao Decreto-Lei 141/2006, é dito que este diploma

parece querer espelhar uma preocupação com o aparecimento de novos

67 In http://omilitante.pcp.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=140&Itemid=32 (Agosto de 2007).

Page 136: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

108

mecanismos de controlo, bem como de equilíbrio financeiro. No entanto, “ao

mesmo tempo que isto acontece, julgo haver recuos contraditórios no novo

articulado, designadamente no que respeita à nova redacção do artigo 5.º

(quando afirma que ao parceiro privado cabe preferencialmente o

financiamento), ao ponto e) do artigo 6.º, ao ponto 10 do artigo 8.º (quando

admite que a constituição de comissões de acompanhamento possa ser

dispensada), ou com o novo artigo 14.º-B, ponto 2, com uma formulação

perigosa (aceitando a alteração tácita do conteúdo das parcerias, sem o

despacho conjunto dos ministros das Finanças e da tutela, passados que

sejam 30 dias a contar da recepção do relatório da comissão de negociação).

Ou ainda o desaparecimento do ponto 4 do artigo 8.º na sua nova versão”.

Page 137: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

109

Capítulo III - As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

As parcerias-público privadas na Europa Continental têm tido um desenvolvimento mais lento

e mais heterogéneo do que no Reino Unido. Contudo, no panorama geral da Europa continental, o

investimento no sector público com recurso às PPPs tem vindo a intensificar-se. A União Europeia,

particularmente a Comissão Europeia, surgiu nos últimos anos com uma agenda de promoção das

PPPs. O Livro Verde (2003) e, posteriormente, o Livro Branco (2004) sobre os serviços de interesse

geral, incluem as PPPs na sua reflexão. O segundo Livro Verde “sobre as parcerias público-privadas

e o direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões” (2004) tinha um objectivo

bem definido: o de lançar um debate sobre uma eventual harmonização europeia do seu

enquadramento jurídico, dado que as parcerias público-privadas não se encontram definidas, nem

regulamentadas no âmbito do direito comunitário, e sobre o estabelecimento de uma agência

europeia para as PPPs.

Os resultados de uma consulta pública efectuada sobre questões várias relacionadas com

esta matéria foram apresentados e analisados no relatório Report on the public consultation on the

green paper on public-private partenerships and community law on public contracts and concessions-

Brussels, de 2005. De entre as conclusões mais consensuais destaca-se a defesa de uma maior

intervenção comunitária nesta matéria e da criação de uma estrutura organizacional de nível

comunitário que ajude a conhecer experiências e melhores práticas no espaço da União.

Também o Eurostat, desde cedo, manifestou preocupação quanto ao correcto tratamento das

implicações financeiras das parcerias público-privadas nas contas públicas. De facto, o tratamento

contabilístico das PPPs tem levantado grandes questões, não só no contexto europeu, mas por todo

o mundo. Como refere um documento do Fundo Monetário Internacional (2004), as PPPs são

percepcionadas com uma forma de mascarar défice (temporariamente) e dívida pública

(permanentemente) e de efectuar investimento efectivamente público sob uma forma nominalmente

privada. Iniciou-se, assim, um movimento no sentido de estabelecer orientações por forma a

enquadrar correctamente a contabilização das PPPs, quer nas contas públicas, quer nas contas

privadas, dotando, assim, de maior transparência aquelas contas. No contexto europeu, destaca-se o

Sistema Europeu de Contas Económicas Integradas (SEC 95) e a New decision of Eurostat on deficit

and debt – Treatment of public-private partnerships, de 11 de Fevereiro de 2004, sobre a partilha de

risco e sobre a inscrição no balanço público ou privado dos activos relacionados com uma PPP.

São várias as recomendações de diferentes órgãos comunitários sobre esta matéria. Destaca-

se os pareceres do Comité das Regiões, do Comité Económico e Social Europeu, da Comissão de

Desenvolvimento Regional e da Comissão de Transportes de Turismo. Em geral, considera-se que o

sector público pode, pelo menos em alguns sectores, ter vantagens em recorrer ao mecanismo de

PPPs. Chama-se, contudo, a atenção para o facto de tal mecanismo nem sempre ser a solução mais

adequada. Recomenda-se, por isso, que cada projecto seja prévia e adequadamente avaliado,

prossiga de acordo com o processo de rigor e de transparência e que haja um eficaz controlo público

da execução do contrato e dos serviços prestados pelo parceiro privado.

Page 138: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

110

Page 139: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

111

Introdução

Como referimos no Capítulo I, as parcerias-público privadas na Europa

continental têm tido um desenvolvimento mais lento e mais heterogéneo que

no Reino Unido. Mais lento, devido, nomeadamente, a uma tradição política

distinta da anglo-saxónica, que acentua a divisão de papéis Estado-mercado.

Mais heterogéneo, inevitavelmente, devido à diversidade nacional. Contudo,

no panorama geral da Europa continental, o investimento no sector público

com recurso às PPPs tem vindo a intensificar-se.

À parte das discrepâncias nacionais, a União Europeia, particularmente a

Comissão Europeia, surgiu nos últimos anos com uma agenda de promoção

das PPPs. O Livro Verde (2003) e, posteriormente, o Livro Branco (2004)

sobre os serviços de interesse geral, incluem as PPPs na sua reflexão. O Livro

Verde sobre as PPPs (2004) tinha um objectivo bem definido: o de lançar um

debate sobre uma eventual harmonização europeia do seu enquadramento

jurídico, dado que as parcerias público-privadas não se encontram definidas,

nem regulamentadas no âmbito do direito comunitário, e sobre o

estabelecimento de uma agência europeia para as PPPs.

Também o Eurostat, desde cedo, manifestou preocupação quanto ao

correcto tratamento das implicações financeiras das parcerias público-privadas

nas contas públicas. De facto, o tratamento contabilístico das PPPs tem

levantado grandes questões no contexto Europeu, o que levou a que se

publicassem orientações por forma a enquadrar correctamente a contabilizção

das PPPs, quer nas contas públicas, quer nas contas privadas, em obediência

ao princípio de maior transparência daquelas contas.

Daremos conta, neste capítulo, das principais orientações e linhas de

debate sobre as parecerias pública- privadas no âmbito da União Europeia.

Page 140: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

112

1. As orientações da União Europeia

As parcerias público-privadas não se encontram definidas e

regulamentadas, como tal, no âmbito do direito comunitário, apesar de, desde

há cerca de quinze anos, as PPPs serem um instrumento ao qual os Estados

recorrem com frequência devido aos constrangimentos orçamentais com que

se deparam.

Não obstante esta ausência de regulamentação comunitária as PPPs

têm sido, nos vários países da EU, objecto de forte expansão. O interesse de

vários Estados-Membro por este instrumento levou a Comissão a publicar, em

2004, o “Livro Verde sobre as parcerias público-privadas e o direito

comunitário em matéria de contratos públicos e concessões” [COM(2004) 327

final] 68, que infra se analisará.

Importa no entanto, e no domínio mais amplo do direito internacional

sobre a questão, fazer referência ao texto publicado no seguimento do fórum

sobre PPPs, realizado em Dezembro de 2000, em Roma, sob o tema

"Guidelines on Private Public Partnerships for Infrastructure development",

United Nations, Economic Commission for Europe.

Este texto inicia a abordagem às PPPs com uma referência aos

conceitos e aos requisitos básicos para depois justificar a razão de ser das

PPPs, nomeadamente, através da menção aos objectivos e resultados

visados. Numa aproximação introdutória, salientam-se aspectos como a

necessidade de PPPs na Europa, designadamente na Europa do Leste, ou os

princípios de gestão pública a seguir, bem como a ideia basilar da

transferência de parte do risco para o sector privado. Por outro lado, aí se

salienta a escolha por operadores privados especializados, com competências

e capacidades para a prática dos actos que lhe são atribuídos.

68 Cf. Comissão Europeia. 2004. “Contratos públicos. Livro Verde sobre as parcerias público-privadas.” In http://europa.eu/scadplus/leg/pt/lvb/l22012.htm (Agosto de 2007).

Page 141: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

113

Aquele documento fornece um modelo de elaboração e de gestão de

PPPs, que, sinteticamente, se apresenta no seguinte esquema:

ETAPAS

O projecto o Prioridades políticas no âmbito das PPPs

o Aprovação social do projecto

o Estudos técnicos e financeiros

o Análise do impacto ambiental, das necessidades,

dos preços, dos proveitos e ganhos, das exigências

ao nível dos recursos humanos

o Selecção dos consultores do projecto.

Lançamento do

projecto

o Pesquisa e estudo sobre a legislação relacionada

com o tema e sobre o regime fiscal a que terá que se

sujeitar.

Avaliação da

equipa de

consultores

o Desempenho

o Análise de propostas

o Ponderação da capacidade e qualidade

Consultadoria o Procura de parceiros nacionais e internacionais

o Processo de selecção

o Fase de prévia de negociação com os pré-

seleccionados

o Reflexão e negociação sobre a questão da

transferência do risco

Finalização e

outorga do

contrato

o Elaboração do clausulado contratual onde se tente

prever todos os aspectos, designadamente os que

se prendem sobre o financiamento

o Conceder livre acesso ao parceiro sobre todos os

dados que se entenda que possam ser necessários

Lançamento da

obra

o Licenças de construção

o Projecto de arquitectura

Quanto à definição das cláusulas previstas nos contratos aconselha-se,

entre outros, a proibição de contratação, por parte do concessionários, de uma

Page 142: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

114

terceira entidade – privilegiar os contratos intuitu personae; a atribuição dos

custos de reparação e manutenção ao privado; o planeamento faseado e de

duração da obra, bem como as penalizações em caso de desrespeito pelos

prazos; a fiscalização final para a recepção da obra, prevendo penalizações

pelo menos para determinadas situações específicas, designadamente,

através de cláusulas de excepção de cumprimento ou mesmo de direito de

retenção sobre receitas que pertenceriam ao concessionário caso este tivesse

cumprido com as suas obrigações, e a responsabilização do concessionário

pelos prejuízos causados por intervenção de terceiros que estejam sob alçada

do concessionário.

São, ainda, identificados problemas que, frequentemente, aparecem nos

contratos e que levam ao insucesso da parceria, designadamente, o facto de

se sub-dividir a concessão (o que implica dificuldades no apuramento de

responsabilidades) e se incluirem cláusulas que permitam desvios ao que

inicialmente foi contratado. Sublinha-se, por outro, o método de obter os

melhores resultados tendo por base a adopção de contratos com conteúdos

originariamente bem definidos, com um planeamento temporal delimitado, em

que se permite liberdade de acção ao concessionário, desde que com respeito

pelos termos do contrato.

1. 1. O Livro Verde sobre as parcerias público-privadas

Como já referimos, a constatação do desenvolvimento do fenómeno das

PPPs por toda a Europa em diversos domínios da competência do sector

público, aliado ao facto de no quadro do direito comunitário não estar previsto

um regime específico que abordasse o fenómeno de PPPs, levou a Comissão

Europeia a elaborar e publicar, em 30 de Abril de 2004, o “Livro Verde sobre

as parcerias público-privadas e o direito comunitário em matéria de contratos

públicos e concessões”.

O Livro Verde tem por finalidade apresentar o alcance das regras

comunitárias aplicáveis, quer à fase de selecção do parceiro privado, quer à

Page 143: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

115

fase posterior, com o objectivo de detectar eventuais incertezas e de analisar

se o quadro comunitário é adequado aos imperativos e às características

específicas das PPPs.

Pretendeu-se, em primeiro lugar, apurar se o Tratado que institui a

Comunidade Europeia (Tratado CE) e o seu direito derivado constituem

instrumentos adequados e suficientes face aos especiais desafios colocados

pelas PPPs, quer quanto à selecção do parceiro privado, quer quanto à

realização da parceria. Como se lê na apresentação do Livro Verde, qualquer

acto através do qual uma entidade pública confie a prestação de uma

actividade económica a um terceiro, deve ser estudado de acordo com as

regras e princípios do Tratado CE, em matéria de liberdade de

estabelecimento e de livre prestação de serviços (artigos 43.º a 49.º). Estes

princípios incluem, nomeadamente, a transparência, a igualdade de

tratamento, a proporcionalidade e o reconhecimento mútuo.

Algumas formas de PPPs estão sujeitas à legislação europeia sobre os

procedimentos de celebração dos contratos públicos, sendo que a legislação

referente aos mercados públicos, desde 2004 que introduziu um novo

procedimento de celebração de contratos: o diálogo concorrencial69. Este

diálogo fornece uma base jurídica a algumas formas de PPPs no caso de

projectos muito complexos para os quais uma autoridade competente tenha

uma necessidade específica e procure junto dos operadores económicos a

melhor solução técnica70.

O Livro Verde veio lançar o debate sobre a necessidade de uma

intervenção comunitária sobre esta matéria, no sentido de facilitar o acesso

dos agentes económicos dos Estados-Membro às várias formas de PPPs,

nomeadamente, para apurar qual a melhor forma de assegurar o

desenvolvimento das PPPs num contexto de efectiva concorrência e de

clareza jurídica. Para o efeito, colocou 22 perguntas aos Estados-Membro,

69 Trata-se da Directiva 2004/18/CEE, que criou o novo processo de “diálogo concorrencial”.

70 In http://europa.eu/scadplus/leg/pt/lvb/l22012.htm (Agosto 2007).

Page 144: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

116

designadamente sobre o enquadramento dos procedimentos de selecção do

parceiro privado, a criação de PPPs de iniciativa privada, o enquadramento

contratual e as eventuais modificações em curso das PPPs, a subcontratação

e o desafio da concorrência efectiva no caso das PPPs institucionalizadas.

No Livro Verde distinguem-se dois tipos de PPPs: as de tipo puramente

contratual, em que a parceria se baseia em relações exclusivamente

contratuais e pode integrar o âmbito de aplicação das directivas europeias

sobre os contratos públicos; e as PPPs de tipo institucionalizado, que implicam

uma cooperação distinta, podendo conduzir à criação de uma entidade ad hoc

de participação conjunta. Esta distinção baseia-se no facto de a diversidade

das práticas referentes às PPPs que se verificam nos Estados-Membro poder

estar ligada a dois grandes modelos e, cada um desses modelos, implica

questões específicas do direito comunitário dos contratos públicos e das

concessões.

Parcerias Publico-Privadas Contratuais

Quanto às PPPs puramente contratuais, estas visam uma parceria que

se baseia unicamente em relações contratuais entre os diferentes agentes,

abrangendo configurações diversas que atribuem uma ou várias tarefas ao

parceiro privado, que podem incluir a concepção, o financiamento, a

realização, a renovação ou a exploração de uma obra ou de um serviço. Neste

quadro, um dos modelos mais conhecidos71 caracteriza-se pela relação

directa entre o parceiro privado e o utente final, e pelo modo de remuneração

do co-contraente (através de taxas cobradas aos utentes do serviços). Ou

seja, o parceiro privado presta um serviço público -que lhe paga por isso - em

substituição do parceiro público, mas sob o controlo deste. Existem, ainda,

outros modelos em que, por exemplo, o parceiro privado é incumbido da

construção e gestão de infra-estruturas para a administração pública,

71 Frequentemente designados por Modelos Concessivos.

Page 145: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

117

designadamente, escolas, hospitais, prisões, infra-estruturas de transporte.

Nestes modelos, a remuneração do parceiro privado assume a forma de

pagamentos regulares efectuados pelo parceiro público, que podem ser fixos

ou variáveis.

Na fase de selecção do parceiro privado no âmbito de contratos públicos,

o regime aplicável à adjudicação decorre das disposições das directivas

comunitárias que fixam regras pormenorizadas, nomeadamente em matéria de

publicidade e de participação. Quando a autoridade pública é uma entidade

adjudicante que actua ao abrigo das directivas clássicas72 deve, por regra,

recorrer aos concursos públicos para seleccionar o parceiro privado.

Excepcionalmente, é possível o recurso ao processo de negociação, ainda

que sob determinadas condições73, ou seja, quando pesam logo a priori

incertezas sobre a natureza ao a extensão das obras a efectuar.

A partir da adopção da Directiva 2004/18/CEE, poderá aplicar-se o novo

processo de “diálogo concorrencial” a contratos que se revelem

particularmente complexos74. Assim, este processo iniciar-se-á sempre que o

organismo adjudicante não se encontrar, objectivamente, em condições de

definir os meios técnicos que podem responder às suas necessidades e aos

seus objectivos, bem como nos casos em que o organismo adjudicante não se

encontra, mais uma vez objectivamente, em condições de organizar a

estrutura jurídica e financeira de um projecto, permitindo, por esta via, encetar

um diálogo cujo objecto será o desenvolvimento de soluções aptas a

responder a essas necessidades. No termo do diálogo, os candidatos serão

convidados a submeter a respectiva proposta final, com base nas soluções

identificadas durante o diálogo, devendo essa mesma proposta compreender

todos os elementos exigidos e necessários à realização do projecto.

Page 146: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

118

Posteriormente, os organismos adjudicantes terão a missão de avaliar as

propostas em função de critérios de adjudicação previamente definidos, sendo

o concorrente que apresentou a proposta economicamente mais vantajosa

chamado a clarificar os aspectos que houver a clarificar e a confirmar os

compromissos nela assumidos75.

Quanto ao acto de adjudicação de concessões, desde já se diga que são

poucas as disposições de direito derivado que enquadram os processos de

adjudicação deste tipo de contratos em direito comunitário. No que se refere a

concessões de obras públicas, apenas se aplicam determinadas obrigações

de publicidade e uma obrigação relativa ao prazo mínimo de recepção das

candidaturas76, sendo o modo de selecção do parceiro privado deixado à livre

escolha dos organismos adjudicantes que devem, ainda assim, respeitar os

princípios e as regras do Tratado.

Relativamente ao regime aplicável ainda na fase de adjudicação de

concessões, mas agora de serviços, apenas fazer referência aos artigos 43.º a

49.º do Tratado que remetem para o respeito pelos princípios da

transparência77, da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e do

72 Ou seja, as Directivas 93/37/CEE, 92/50/CEE e 2004/18/CE.

73 A este respeito, podemos lembrar o âmbito de aplicação limitado da derrogação prevista no n.º 2 do art. 7.º da Directiva 93/37/CEE, que prevê o recurso ao procedimento de negociação quando o contrato incide sobre “obras cuja natureza ao condicionalismos não permita uma fixação prévia e global dos preços”.

74 Artigo 29.º da Directiva 2004/18/CEE.

75 Este diálogo concorrencial “deverá permitir a flexibilidade necessária às discussões com o candidato de todos os aspectos do contrato na fase inicial, velando simultaneamente para que estas discussões sejam efectuadas no respeito dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento e não colidam com os direitos que o Tratado confere aos agentes económicos. (…) Assim se garante a boa utilização dos direitos públicos, se diminuem os riscos de práticas pouco transparentes e se reforça a segurança jurídica necessária a tais projectos.”- http://eur-lex.europa.eu/lexuriserv/site/pt/com/2004/com2004_0327pt01.pdf (Julho de 2007)

76 Ver n.º 1, do art. 3.º da Directiva 93/37/CEE e art. 56.º a 59.º da Directiva 2004/18/CE.

77 No Processo C-324/98, o Tribunal de Justiça indicou a este respeito que “a obrigação de transparência a cargo da entidade adjudicante consiste em garantir, a favor de todos os potenciais concorrentes, um grau de publicidade adequado para garantir a abertura à

Page 147: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

119

reconhecimento mútuo. Ou seja, o direito comunitário aplicável deriva

essencialmente de obrigações de carácter geral que não implicam qualquer

coordenação das legislações dos Estados-Membro (que, embora o pudessem

fazer, poucos se dotaram se legislação interna78), uma vez que as regras a

aplicar à selecção de um concessionário são, em grande parte, próprias para

cada caso concreto. A verdade é que esta situação pode colocar problemas

aos operadores comunitários porque a ausência de coordenação das

legislações nacionais acaba por constituir um obstáculo a uma verdadeira

abertura comunitária das operações em causa, em especial quando estas

operações se efectuam a nível transnacional.

Um outro problema salientado pela Comissão, e que se prende ainda

com esta fase inicial de selecção do parceiro privado, é o facto de nos

processos por infracção instruídos não ser fácil determinar se, na origem, está

um contrato público ou uma concessão. Esta destrinça é importante porque

“para os contratos qualificados de concessões no lançamento do processo, a

distribuição dos riscos e dos benefícios pode ser objecto de negociações no

decurso do processo. No seguimento destas negociações pode ocorrer que o

contrato em causa deva afinal ser qualificado de contrato público; esta

requalificação implica, com frequência, que se ponha em causa a legalidade

do processo de adjudicação escolhido pela entidade adjudicante”. Isto é, esta

situação faz com que as operações em causa sejam atingidas por uma

insegurança jurídica que prejudica o seu desenvolvimento. Daí que a

Comissão tenha sugerido que se procedesse à elaboração de uma operação

legislativa com o objectivo de coordenar os processos de adjudicação das

concessões na União, determinado o regime pormenorizado a aplicar à

adjudicação de concessões.

concorrência dos contratos de serviços, bem como o controlo da imparcialidade dos processos de adjudicação”.

78 Com excepção da Espanha (Lei 23 de Maio sobre as concessões de obras públicas), da Itália (Lei Merloni de 1994) e da França (Lei Sapin de 1993).

Page 148: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

120

Depois da selecção do parceiro privado, seguem-se as demais fase que

o projecto envolve. As fases posteriores à selecção, tanto em matéria de

contratos públicos, como em matéria de concessões, não são, de um modo

geral, objecto do direito comunitário. Ainda assim, os princípios da igualdade

de tratamento e da transparência que decorrem do Tratado opõem-se, em

regra, a qualquer intervenção do parceiro público após a selecção do parceiro

privado, isto na medida em que cada intervenção poderia colocar em causa a

igualdade de tratamento entre operadores económicos79. No entanto,

aspectos como o carácter complexo da montagem jurídico-financeira que é

exigida, o lapso de tempo que pode separar o momento da selecção do

parceiro privado e o momento da assinatura do contrato, a duração – bastante

longa, por regra – dos projectos e o recurso a mecanismos de subcontratação,

fazem com que, por vezes, se torne delicada a aplicação daqueles princípios.

O enquadramento legal e contratual do projecto é da competência do

direito nacional. No entanto, as cláusulas contratuais devem respeitar as

regras e princípios comunitários, o que implica, entre outros aspectos, que os

documentos de consulta indiquem claramente as condições e as modalidades

de execução dos contratos de modo a que os diferentes candidatos à parceria

as possam interpretar de modo idêntico. Assim, poder-se-á dizer que o êxito

das PPPs depende, em grande parte, do enquadramento contratual do

projecto e da determinação optimizada dos elementos que regularão a sua

aplicação, sendo crucial que seja feita uma avaliação adequada e uma melhor

repartição dos riscos entre o sector público e privado. Afigura-se, igualmente,

importante prever mecanismos que permitam avaliar regularmente o

desempenho do titular da PPPs, nomeadamente estabelecendo no contrato os

elementos que permitam estabelecer essa mesma avaliação.

Relativamente ao período em que o parceiro privado assumirá a

exploração de uma obra ou de um serviço deve ser estabelecido em função da

79 Ver processo C-87/94, Comissão/Bélgica (acórdão Bus Wallons, de 25 de Abril de 1994, n.º 54) e processo C-243/89, Comissão/Dinamarca (acórdão Storebaelt, de 22 de Junho de 1992).

Page 149: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

121

necessidade de garantir o equilíbrio económico e financeiro de um

determinado projecto. Ou seja, a duração da parceria deve ser fixada

essencialmente de modo a não restringir ou limitar a livre concorrência para lá

do necessário à garantia de amortização dos investimentos e a uma

remuneração razoável dos capitais investidos – uma duração excessiva

poderá ser susceptível de censura com base nos princípios que regulam o

mercado interno ou nas disposições do Tratado em matéria de concorrência.

Dado que as relações das PPPs assentam numa prestação que se

prolonga no tempo, essas mesmas relações devem poder evoluir de forma a

ser possível a adaptação às mudanças do enquadramento macroeconómico

ou tecnológico que entretanto possam surgir. Assim, os documentos de

consulta, transmitidos aos proponentes ou candidatos no processo de

selecção, podem prever cláusulas de ajustamento automático, como, por

exemplo, através da previsão de cláusulas de indexação de preços ou de

cláusulas em que se estabeleçam as circunstâncias e as condições em que se

poderão rever as tarifas cobradas, ou, ainda, cláusulas de revisão que

indiquem precisamente as circunstâncias e as condições em que se poderão

introduzir ajustamentos na relação contratual.

Acontece ainda que, em determinadas operações, as instituições

financeiras reservam-se o direito de se substituírem ao gestor do projecto ou

de designarem novo gestor nos casos em que os fluxos financeiros gerados

pelo projecto acabem por descer abaixo de determinado nível. Este tipo de

cláusulas, conhecidas por “de step-in”, podem implicar a mudança de parceiro

privado sem lançamento de novo concurso. Daí que tais operações devam

merecer uma especial atenção para assegurar a compatibilidade com o direito

comunitário dos contratos públicos e das concessões. Pode dizer-se que, de

um modo geral, as modificações que ocorrem no decurso de uma PPP,

quando não são enquadradas nos documentos contratuais, têm,

frequentemente, como efeito colocar em causa o princípio da igualdade de

tratamento dos operadores económicos, pelo que se considera que tais

Page 150: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

122

modificações só devem ser aceitáveis quando se tornem necessárias devido a

um acontecimento imprevisível.

Parcerias público-privadas institucionais

No que respeita às PPPs de segundo tipo, ou seja, às PPPs de tipo

institucionalizado, segundo a acepção do Livro Verde, as operações de PPPs

deste tipo implicam a criação de uma entidade detida, conjuntamente, pelo

parceiro público e pelo parceiro privado. A esta entidade comum incumbe a

tarefa de garantir a entrega de uma obra ou a prestação de um serviço em

benefício do público. A cooperação directa entre o parceiro público e o

parceiro privado, no quadro de uma entidade dotada de personalidade jurídica,

permite ao parceiro público, por um lado, manter um nível de controlo

relativamente elevado sobre todo o desenrolar das operações, através, por

exemplo, da sua presença entre os accionistas ou nos órgãos de decisão da

dita entidade comum; e, por outro, desenvolver a sua experiência na

exploração do serviço em causa.

A formação de uma PPP deste tipo pode, assim, realizar-se, quer pela

criação de uma entidade em que participem conjuntamente os sectores

público e privado, quer pelo controlo de uma empresa pública existente. No

primeiro caso, exige-se a constituição de uma parceria que, por sua vez,

implica a criação de uma entidade ad hoc em que participam conjuntamente

os sectores público e privado80. A selecção do parceiro privado, no âmbito do

funcionamento de uma entidade mista, não poderá basear-se exclusivamente

no seu contributo em capital ou na sua experiência, mas deverá ter também

em conta as características da sua proposta quanto às prestações específicas

a fornecer.

80 O que está aqui em causa é a criação de entidades ex novo no âmbito de uma figura jurídica específica. No entanto, ainda que não seja aqui tratada essa possibilidade porque não levanta questões no âmbito do direito comunitário, também é possível que a entidade comum seja uma entidade mista preexistente. Ainda assim, sempre se diga que o carácter misto de

Page 151: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

123

A operação que consiste em criar a entidade comum não coloca

problemas em relação ao direito comunitário aplicável sempre que esta

constitui uma modalidade de execução da tarefa confiada, no âmbito de um

determinado contrato, a um parceiro privado. Todavia, as condições de

criação da entidade devem ser claramente estabelecidas aquando da abertura

do concurso81. A Comissão verificou que, com alguma frequência, as tarefas

confiadas à estrutura de parceria não estão definidas claramente e que, em

certos casos, não existe mesmo qualquer enquadramento contratual.

Outra observação feita pela Comissão prende-se com o facto de a

duração de vida da entidade criada não coincidir com a duração do contrato

ou da concessão, o que, ainda na opinião daquele organismo, “parece incitar à

recondução da tarefa confiada a esta entidade sem que para tal se tenha

organizado um verdadeiro concurso, pelo que, por vezes, estas tarefas são de

facto atribuídas por um período ilimitado”.

No segundo caso, em que o controlo de uma entidade pública se faz por

um operador privado, importa sublinhar que a passagem de uma empresa do

sector público para o sector privado é uma decisão de política económica que,

como tal, é da competência exclusiva dos Estados-Membro. Note-se que o

direito comunitário em matéria de contratos públicos não pretende ser

aplicável às operações que representem uma mera injecção de capital por

uma entidade financiadora numa empresa, quer esta pertença ao sector

público ou ao sector privado, uma vez que tais operações se incluem no

uma entidade que participa num concurso não implica qualquer derrogação às regras aplicáveis mo âmbito da adjudicação de um contrato público ou de uma concessão.

81 A Comissão das Comunidades Europeias veio dizer a este respeito que verificou que, em determinados Estados-Membro, “a legislação nacional permite às entidades mistas, em que o sector público participa como entidade adjudicante, tomar parte no processo de adjudicação de um contrato público ou de uma concessão embora essas entidades se encontrem em vias de constituição. Nesta hipótese, a entidade só será finalmente constituída se o contrato lhe for de facto adjudicado. Em outros Estados, desenvolveu-se uma prática que tende a confundir a fase de constituição da entidade e a fase de adjudicação das tarefas. O procedimento lançado pela entidade adjudicante tem, então, por objecto a criação de uma entidade mista a quem são confiadas determinadas tarefas – in http://eur-lex.europa.eu/lexuriserv/site/pt/com/2004/ com2004_0327pt01.pdf (Julho de 2007)

Page 152: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

124

âmbito de aplicação das disposições do Tratado relativas à livre circulação de

capitais.

1. 2. Os resultados da consulta pública no âmbito do Livro Verde

Os resultados da consulta pública acima referida foram apresentados e

analisados num relatório – “Repport on the public consultation on the green

paper on public-private partenerships and community law on public contracts

and concessions-Brussels, 3.5.2005 SEC(2005) 629”82, que reflecte as

opiniões e as sugestões feitas pelas entidades que responderam ao

questionário. Tentou-se, assim, identificar, tão objectivamente quanto possível,

a orientação mais tendencial.

Vejamos, então, alguns dos aspectos mais relevantes dos resultados

obtidos através daquela consulta pública:

Uma pequena maioria manifestou-se inteiramente contra as PPPs

horizontais ao nível comunitário. A esmagadora maioria pronunciou-se no

sentido de apoiar iniciativas de PPPs horizontais. Neste âmbito, foram

apontados as seguintes sugestões: aplicação de regras processuais gerais,

clarificação do conceito de PPP, apresentação pública e obrigatória do

concurso.

Outro aspecto prende-se com a escolha e selecção do parceiro privado.

Muitos dos inquiridos consideraram que a transposição do novo procedimento

conhecido como “competitive dialogue” para as legislações nacionais

fornecerá às partes interessadas um procedimento particularmente capaz de

sustentar uma consistente tomada de posição e, simultaneamente, promoverá

82 In http://ec.europa.eu/internal_market/publicprocurement/docs/ppp/ppp-report_en.pdf. (Julho de 2007). No total a Comissão recebeu 195 respostas ao questionário que elaborou. As respostas vieram dos governos da Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Lituânia, Holanda, Polónia, Portugal, Eslováquia, Espanha, Suécia e Reino Unido; de 15 outras autoridades públicas de Estados-Membro, 111 associações com membros privados e públicos, 38 empresas e de 13 pessoas individuais. Não chegou qualquer resposta do Chipre, Estónia, Grécia, Hungria, Letónia, Luxemburgo, Malta e Eslovénia.

Page 153: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

125

a salvaguarda de direitos dos operadores económicos. Todavia, uma grande

maioria aponta vários problemas de ordem prática que se colocará com a

aplicação deste tipo de procedimento, sugerindo à Comissão que promova as

medidas necessárias para evitar tais situações, designadamente, através da

disponibilização de informações e esclarecimentos.

Uma grande maioria das respostas defende que a Comissão tome uma

iniciativa no sentido de clarificar definições e princípios, bem como esclarecer

a essencialidade de todo o procedimento da concessão.

Não há consenso sobre a questão de saber se a legislação comunitária

deve ou não regulamentar os contratos públicos e as concessões. Um número

substancial dos inquiridos salienta a falta da certeza legal ao nível comunitário

no que respeita às relações entre as autoridades públicas e os parceiros

privados que, por vezes, são tão próximas que a distância que os separa

quase que se esbate, parecendo mesmo que estão em causa relações entre

entidades não legalmente distintas. Uma clara maioria argumenta no sentido

de se favorecer a tomada de iniciativas ao nível comunitário de forma a

esclarecer e definir as obrigações de ambas as partes de forma a promover a

competição entre operadores potencial interessados por um projecto

institucional. Dentro dos que expressam esta opinião, uma maioria significativa

é favorável a que seja a Comissão a fornecer - pelo menos em primeiro – as

linhas de orientação nestas matérias.

Neste quadro, há uma quase unanimidade da defesa da existência de

uma estrutura de PPP pensada ao nível comunitário, onde se troquem

experiências sobre as melhores práticas nacionais.

1. 3. Impacto das parcerias público-privadas nas contas públicas:

as orientações do Eurostat

Não obstante a ausência de regulamentação específica no âmbito

comunitário relativamente às PPPs, o Eurostat, órgão responsável pela

Page 154: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

126

informação estatística europeia, desde cedo, manifestou preocupação no

correcto tratamento das implicações financeiras das PPP nas contas públicas.

O tratamento contabilístico das parcerias público-privadas (PPPs) tem

levantado grandes discussões, não só na Europa, mas também por todo o

Mundo. Como refere um documento do Fundo Monetário Internacional (2004),

as PPPs são percepcionadas com uma forma de mascarar défice

(temporariamente) e dívida pública (permanentemente), de efectuar

investimento efectivamente público sob uma forma nominalmente privada –

motivo inconfessável, mas muito real.

Na sequência do surgimento destas novas figuras, iniciou-se um

movimento no sentido de estabelecer orientações por forma a enquadrar

correctamente a contabilização das PPPs, quer nas contas públicas, quer nas

contas privadas, dotando, assim, de maior transparência aquelas contas.

O Sistema Europeu de Contas Económicas Integradas (SEC95) foi um

dos instrumentos que lançou um olhar atento a estas novas figuras,

fornecendo um critério para o seu enquadramento contabilístico no seu anexo

II83. A entrada em vigor do Sistema Europeu de Contas Económicas

Integradas (SEC95), aprovado pelo Regulamento do Conselho de 25 de Junho

de 199684, juridicamente vinculativo na União Europeia, teve, assim, como

objectivo fornecer um instrumento contabilístico que possibilite a descrição

detalhada das economias nacionais, bem como a comparação entre as

mesmas e a avaliação da convergência.

Manual do SEC 95 sobre o défice e a dívida das administrações

públicas

83 Existem outros sistemas de contas que enquadram as PPPs, de entre as quais se destacam o Government Finance Statistics Manual 2001 (GFSM 2001) do FMI, estando, actualmente, a International Federation of Accountants a desenvolver um método para o tratamento das PPPs na contabilidade pública.

84 Posteriormente alterado pelos Regulamentos do Conselho 448/98, 1500/2000, 995/2001, 2558/2001 e 113/2002.

Page 155: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

127

O Eurostat, Gabinete de Estatística das Comunidades Europeias, por

sua vez, após a entrada em vigor do novo Sistema Europeu de Contas

Económicas Integradas (SEC95), “de forma a obter estatísticas fiáveis e

comparáveis para a avaliação da convergência”, publicou o Manual do SEC 95

sobre o défice e a dívida das administrações públicas, com o objectivo de

facilitar a sua aplicação para o cálculo do défice orçamental e da dívida

pública” (cfr. preâmbulo).

Aquele Manual dedica um ponto exclusivamente às infra-estruturas

públicas financiadas e exploradas pelo sector das sociedades (ponto IV.4), no

qual distingue duas situações: 1) quando a “administração faz um contrato

com uma sociedade para a construção de uma infra-estrutura usada para o

fornecimento de serviços que constituem despesa de consumo final das

administrações públicas”85; e 2) quando “uma sociedade constrói e/ou opera

uma infra-estrutura pública e financia os custos debitando os utilizadores, que

não são as administrações públicas”86 (2002: 184).

Para cada uma daquelas situações, o Manual prevê respostas distintas

no que respeita ao tratamento nas contas públicas.

A primeira daquelas situações será a mais provável para o sector da

Justiça, tendo em atenção a natureza do serviço e o consumidor final. Assim,

dentro deste primeiro conjunto de situações, o Manual distingue, ainda, dois

85 O Manual fornece dois exemplos: “uma administração pública encarrega uma sociedade de construir uma prisão de acordo com um caderno de encargos que estabelece, e concorda com o pagamento a essa sociedade de um certo montante durante 25 anos por pôr à sua disposição a utilização da prisão, desde que a respectiva manutenção seja feita de forma adequada. Ao fim de 25 anos, a propriedade legal da prisão é transferida do adjudicatário para a administração pública”; e “uma administração pública faz um contrato com uma sociedade para a concepção e construção de uma estrada, sendo essa sociedade responsável pela manutenção da estrada durante 25 anos, de acordo com padrões acordados. A administração pública paga aos adjudicatários uma taxa anual em função do número de veículos que utilizam a estrada” (2002: 184).

86 Como exemplo para esta segunda situação, o Manual refere o caso de uma sociedade construir uma estrada e cobrar portagens aos veículos que a utilizam, podendo ou não proceder a pagamentos às administrações públicas (2002: 184).

Page 156: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

128

casos, de acordo com os exemplos dados, cuja diferença de tratamento nas

contas públicas reside, no essencial, na qualificação do contrato como de

locação operacional ou de locação financeira87.

No primeiro exemplo fornecido (construção de uma prisão por uma

sociedade, tendo em conta um caderno de encargos definido pela

administração, que paga durante 25 anos por pôr à sua disposição a utilização

da prisão, desde que a respectiva manutenção seja feita de forma adequada.

Findo aquele período, a propriedade legal da prisão é transferida do

adjudicatário para a administração pública), caso se entenda, considerando

todas as cláusulas do contrato, que é a sociedade que “está exposta à maioria

dos riscos e das vantagens ligadas à propriedade durante o período de

exploração”, a infra-estrutura deverá ser registada na conta de património da

sociedade.

87 Segundo o anexo II do SEC 95, a locação operacional tem as seguintes caracterísitcas: “the lessee acquires the right to use a durable good for a certain period of time, which may be long or short and not necessarily settled in advance. When the leasing period expires, the lessor expects to receive his good back in more or less the same condition as when he hired it out, apart from normal wear and tear. The lessor is then likely to hire out the good to another lessee or to use it otherwise. Thus, the leasing period does not cover all, or a predominant part of, the good’s economic lifetime. Units engaged in operating leasing possess expert knowledge about the kinds of durable goods they hire out. They keep stocks of these goods to be able to hire them out on demand or at short notice. Usually they offer a variety of models to choose from. In order to keep their durable goods in good working order, lessors must carry out maintenance and repair services on goods awaiting hire. Lessors also normally assume responsibility for repairs and maintenance of a good, as well as replacement in case of a breakdown, while the good is hired out to a lessee. Operating leasing does not cover situations where the owner of equipment also provides staff to operate the equipment, or the hiring of non-produced assets, as these activities are classified elsewhere”. A locação financeira é definida nos seguinte termos: “The lessee acquires the right to use a durable good in exchange for rental payments over a predetermined and protracted term. If all risks and rewards of ownership are, de facto though not de jure, transferred from lessor to lessee, the lease is a financial one. In financial leasing, the leasing period covers all, or most of, the economic lifetime of the durable good. At the end of the leasing period the lessee often has the option to buy the good at a nominal price. The lessor does not need to possess any expertise about the good in question. He offers no repair, maintenance or replacement services to the lessee. Normally, the good is chosen by the lessee and delivered directly to him by the producer or seller. The lessor’s role is thus purely financial. The ESA recognises the economic reality behind financial leasing by recording it as follows: the lessor provides the lessee with a loan enabling the lessee to purchase a durable good, of which the lessee becomes the de facto owner. Thus, the system treats the durable good as if owned by the lessee from the beginning of the leasing period. Rentals actually paid by the lessee to the lessor have to be subdivided into repayments of principal and interest payments related to the imputed loan”.

Page 157: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

129

Tendo tal contrato as características de uma locação operacional,

segundo aquele Manual, “só os pagamentos regulares feitos pelas

administrações públicas têm impacto sobre a capacidade/necessidade líquida

de financiamento das administrações públicas. Se a infra-estrutura for

entregue às administrações públicas no final do período de exploração, entra

nas contas de património das administrações públicas através de uma

formação bruta de capital fixo, compensada por uma transferência de capital

(“Outras transferências de capital” D.99), sem qualquer impacto na

capacidade/necessidade líquida de financiamento das administrações públicas

(B.9)” (2002: 185).

Já no segundo exemplo (adjudicação a uma sociedade da concepção e

construção de uma estrada, sendo essa sociedade responsável pela

manutenção da estrada durante 25 anos, de acordo com padrões acordados,

mediante o pagamento pela administração pública de uma taxa anual em

função do número de veículos que utilizam a estrada), o contrato poderá ser

qualificado como de locação financeira. Se assim for, entende-se serem as

administrações públicas a suportar a maioria dos riscos e das vantagens

relacionadas com a propriedade durante o período de exploração.

Assim, segundo aquele Manual, “a infra-estrutura construída pela

sociedade é inscrita nas contas de património das administrações públicas

através da formação bruta de capital fixo (FBCF), compensada por um

empréstimo imputado (F.4) do mesmo valor. A FBCF é registada nas contas

das administrações públicas, de acordo com as regras do SEC 95 (ver ponto

3.112): há impacto sobre a capacidade/necessidade líquida de financiamento

das administrações públicas (B.9) pelo valor da FBCF. A dívida das

administrações públicas é aumentada pelo montante do empréstimo imputado.

Durante o período de exploração, os pagamentos anuais devem ser

subdivididos em reembolsos do capital e pagamentos de juros relativos ao

empréstimo imputado. Os pagamentos de juros têm impacto na

capacidade/necessidade líquida de financiamento das administrações públicas

(B.9)”.

Page 158: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

130

O Manual SEC 95 indica ainda oito factores que podem identificar um

contrato como de locação financeira ou de locação operacional: a

responsabilidade pela manutenção e seguro do activo; a responsabilidade

pelo reembolso do financiamento em caso de rescisão antecipada de um

contrato; a responsabilidade pela determinação do activo; a titularidade do

risco ligado à procura; a existência de receitas de terceiros; a dependência

entre os pagamentos das administrações públicas em relação à qualidade do

serviço; a variação dos pagamentos das administrações públicas em função

dos custos suportados pela empresa; a titularidade do risco ligado ao valor

residual.

Aquele Manual apresenta, assim, o seguinte quadro, com orientações

práticas quanto à forma de interpretar o anexo II do SEC 95:

1. Quem é responsável pela manutenção e seguro do activo?

Suponhamos que as administrações públicas se encarregam e pagam

directamente o seguro e a manutenção do activo.

Isto sugere uma locação financeira, uma vez que as administrações

públicas suportam o risco das variações nesses custos.

2. Quem reembolsa o financiamento em caso de rescisão antecipada

de um contrato?

Suponhamos que as administrações públicas são responsáveis pelo

reembolso da dívida da empresa, em caso de rescisão antecipada do contrato.

Esta situação sugere uma locação financeira, uma vez que as

administrações públicas suportam esse risco.

3. Quem determina a natureza do activo?

Suponhamos que a sociedade tem uma margem de manobra significativa e

permanente quanto à forma de cumprir o contrato, toma as decisões mais

importantes quanto à concepção e construção do activo e decide quanto à sua

Page 159: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

131

operação e manutenção, de forma a fornecer o serviço requerido pelo

comprador,

Esta situação sugere uma locação operacional.

4. Quem suporta o risco ligado à procura?

A procura dos serviços fornecidos pelo activo pode ser maior ou menor que

o esperado.

Suponhamos que os rendimentos da sociedade são afectados pela procura

do activo, uma vez que administrações públicas ou os outros clientes apenas

pagam a quantidade de serviço consumido.

Esta situação sugere uma locação operacional.

5. Há receitas de terceiros?

Suponhamos que a sociedade usa o activo para fornecer serviços não só

às administrações públicas mas também a outros clientes e que as

administrações públicas não estão expostas à variabilidade da procura de

terceiros e que estas receitas são uma parte significativa do rendimento total

do activo.

Esta situação sugere uma locação operacional.

6. O nível dos pagamentos das administrações públicas depende da

qualidade do serviço?

Suponhamos que os pagamentos das administrações públicas são

reduzidos quando o serviço fornecido pela sociedade não atinge o padrão

requerido, mesmo que tal se deva mais a problemas relacionados com o

activo do que com o próprio processo operacional.

Esta situação sugere uma locação operacional

7. Os pagamentos das administrações públicas aumentam em função

dos custos suportados pela empresa?

Suponhamos que as administrações públicas pagam, efectivamente, mais,

se houver um aumento dos custos da empresa relacionados com o activo. A

Page 160: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

132

empresa poderia, por exemplo, ter de enfrentar gastos de manutenção

superiores ao previsto.

Esta situação sugere uma locação financeira.

8. Quem suporta o risco ligado ao valor residual?

Suponhamos que as administrações públicas têm a opção de, no final do

contrato, comprarem o activo ao preço de mercado corrente e que não são

obrigadas a comprar o activo por um preço pré-acordado, se não

necessitarem dele ou se o activo não estiver em bom estado.

Esta situação sugere uma locação operacional.

No segundo tipo de situações acima descritas (quando as

administrações públicas não fazem pagamentos à sociedade), segundo o

Manual, a infra-estrutura deve ser sempre registada nas contas de património

da sociedade durante o período de exploração. Mas, também, nestes casos, o

Manual apresenta duas situações distintas com tratamentos distintos

relativamente ao tratamento nas contas públicas, dependendo de se a infra-

estrutura nova é construída pela sociedade88 ou se as administrações públicas

transferem uma infra-estrutura existente para a sociedade89.

88 Nestes casos, “há FBCF pela sociedade, sem impacto nas contas das administrações públicas. Se a infra-estrutura for entregue às administrações públicas no final do período de exploração, ela entra nas contas de património das administrações públicas através de FBCF, compensada por uma transferência de capital (“Outras transferências de capital” D.99), sem qualquer impacto na capacidade/necessidade líquida de financiamento das administrações públicas (D.9). Se, durante o contrato, forem feitos pagamentos pela sociedade às administrações públicas, esses pagamentos devem ser registados como rendas (D.45), se as administrações públicas puserem à disposição da sociedade um activo não produzido (como terrenos em que a infra-estrutura é construída), ou como impostos ("Outros impostos sobre a produção" D.29), se as administrações públicas não fornecerem nada em troca do pagamento” (2002: 186).

89 Nestes outros, a transferência da infra-estrutura existente “é registada como uma injecção de capital em espécie na conta de outras variações no volume de activos, sem qualquer impacto na capacidade/necessidade líquida de financiamento das administrações públicas: a situação pode ser considerada como uma reestruturação de activos fixos, direitos de propriedade e obrigações; é uma troca de um activo não financeiro por um activo financeiro (participação das administrações públicas na sociedade, AF.5), a registar de acordo com as regras definidas na parte II. 3. 2 (ponto 2.b.) deste manual. Se a infra-estrutura for devolvida às administrações públicas no final do período de exploração, entra nas contas de património das administrações públicas através da conta de outras variações no volume de activos, sem impacto na capacidade/necessidade líquida de financiamento das administrações públicas

Page 161: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

133

Decisão do Eurostat sobre o défice e a dívida de Fevereiro de 2004 -

Tratamento das parcerias público-privadas nas contas públicas

Não obstante a publicação deste Manual com o propósito de clarificar as

regras contidas no SEC 95, o Eurostat teve necessidade de, em Fevereiro de

2004, proferir decisão relativamente ao tratamento das parcerias público-

privadas nas contas públicas, uma vez que subsistiam, ainda, dúvidas quanto

à sua qualificação (New decision of Eurostat on deficit and debt - Treatment of

public-private partnerships de 11 de Fevereiro de 2004).

Esta decisão do Eurostat refere-se a contratos de PPP da modalidade

DBOF – Design, Build, Operate and Finance (concepção, construção,

operação e financiamento) em que o Governo é o principal pagador. De

acordo com essa decisão, o parceiro privado deve arcar com o risco de

construção e também com o risco de disponibilidade ou da procura.

Na prática, muitos dos tipos de risco serão sempre partilhados em certa

medida, pelo que a questão é identificar qual a parte que suporta a maior parte

do risco.

Assim, o Eurostat, através daquela Decisão, recomenda que os activos

relacionados com uma parceria público-privada sejam classificados como

activos não públicos e não sejam lançados no balanço da administração,

desde que se verifiquem cumulativamente duas condições:

- o parceiro privado suporte o risco de construção, que engloba a entrega

tardia, a falta de respeito de normas específicas, os custos acrescidos, a

deficiência técnica, etc.; e

(ver capítulo II.1.2 deste manual: “Pagamentos feitos pelas empresas públicas às administrações públicas”, F.513). Se os pagamentos forem feitos pela sociedade às administrações públicas durante o contrato, devem ser registados como dividendos (D.421)” (2002: 187).

Page 162: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

134

- tome sob a sua responsabilidade um dos seguintes riscos: o risco da

disponibilidade, que corresponde, nomeadamente, à situação em que o

parceiro privado não consegue entregar o volume contratualmente

estabelecido ou não consegue atender às normas de segurança ou de

certificação públicas ligadas à prestação de serviços para com os utilizadores

finais, conforme estipulado no contrato; ou o risco ligado à procura, que cobre

a variação da procura (mais alta ou mais fraca do que a prevista na assinatura

do contrato) quando esta não é imputável à gestão do parceiro privado.

Aquela Decisão chama a atenção, no entanto, para a possibilidade de

existirem situações de classificação dúbia quanto à avaliação do risco. O

Eurostat adverte, assim, para situações em que, por exemplo, a partilha do

risco entre as duas entidades seja equilibrada ou baseada em hipóteses

frágeis, apontando para a possibilidade de serem tidos em linha de conta

outros elementos contratuais, nomeadamente, o financiamento público e o

efeito das garantias ou provisões publicas relacionadas com a aquisição final

dos bens.

Neste contexto, segundo o Eurostat, se, no final da parceria, não houver

transferência da propriedade para a administração pública, continuando o bem

com um valor económico significativo, então o mesmo deve ser classificado no

balanço do parceiro privado. Se, pelo contrário, a administração pública

assumir a obrigação de adquirir o bem no final do contrato a um preço pré-

determinado, que não reflicta o seu valor económico à data, ou se a

administração pública já tiver pago pelo direito de adquirir o bem ao longo do

contrato, através de pagamentos regulares que sejam superiores aos que

seriam inexistindo aquele direito, então pode existir uma razão para inscrever

aqueles bens nas contas públicas, se outros elementos da análise do risco

não derem uma resposta clara.90

90 "However, it may happen in some cases that the risk analysis, as mentioned above, might not give clear conclusions (for instance if at least for two categories the share in risk may be estimated as balanced or based on very fragile hypotheses). In these cases, some additional elements in a partnership contract should also be taken into consideration. Apart from an analysis of the nature of the partners (notably in specific cases where the partner is a public

Page 163: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

135

O caso da Irlanda

A Irlanda, um dos países mais afectados por estas orientações do

Eurostat, publicou um documento com o objectivo de estabelecer um

enquadramento mais seguro das PPPs.

De acordo com aquele documento, o risco de construção é definido

como o risco de o bem sujeito à PPP poder, por exemplo, tornar-se disponível

apenas em data posterior à prevista no contrato; não corresponder aos

standards pré-estabelecidos; ou envolver custos acrescidos não previstos. Por

forma a avaliar se é o parceiro público ou o parceiro privado que suporta o

risco de construção, as principais questões com as quais os departamentos

governamentais têm que lidar, segundo aquele documento, são as seguintes:

quem paga pela entrega atrasada; por despesas que excedem o orçamento

previsto; pelas falhas de criação ou construção; e pelo risco de planificação ou

de localização.

Estas são as principais questões a ter em conta, mas poderá haver

outras, dependendo do contrato. Como regra geral, se pelo contrato de PPP

não se transmitem ao parceiro privado os riscos associados à entrega com

atraso ou às falhas de concepção ou construção, o bem será classificado no

Balanço da Administração Pública.

No que respeita aos atrasos temporais, o documento exemplifica

situações em que é possível provar a transferência do risco para o parceiro

corporation), the importance of government financing, the effect of government guarantees or provisions relating to the final allocation of the assets could be in some cases appropriate supplementary criteria. In this respect, if the assets remain the property of the partner at the end of the project, and if they still have a significant economic value, then it is normally classified on the partner's balance sheet. This also includes contracts where government has merely an option to buy the asset at the current market value. On the other hand, if government has a firm obligation to acquire the assets at the end of the contract at a pre-determined price that does not reflect the economic value of the assets at that time (such as expected on the basis of conservative hypothesis at the time the contract was signed), or has paid for the right to acquire the assets throughout the contract through regular payments that were higher than they would have been without that right, then there can be a reason to record the assets as government assets if the other tests do not give a clear answer."

Page 164: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

136

privado: através de pagamentos unitários que têm apenas início quando o

bem está terminado de forma satisfatória e disponível para utilização. Alguns

contratos de PPP estipulam que o período do contrato será reduzido no caso

de terem lugar atrasos temporais. Tal implica que o termo do contrato está

previamente estabelecido e se a construção se atrasa por um certo número de

meses, o parceiro privado pode perder o pagamento unitário desse número de

meses.

Se o parceiro público é o principal atingido por uma perda devida à

entrega atrasada do bem, tal sugere que o bem deva estar incluído no balanço

da Administração Pública. Quando o parceiro privado é o principal atingido

pelo custo do atraso, então fará sentido considerar esse activo como não

incluído no balanço do Estado.

Da mesma forma, segundo aquele documento, quando a

responsabilidade por se ultrapassar o orçamento for do parceiro privado, o

activo não deverá ser incluído no balanço do parceiro Público. Em sentido

inverso, se o contrato de PPP prevê uma compensação ou a renegociação

dos pagamentos unitários no caso de ser ultrapassado o orçamento por

razões que não a responsabilidade do parceiro público, o bem deverá estar

incluído naquele balanço.

Relativamente ao risco de disponibilidade, aquele documento define-o

como o risco de que o parceiro privado não ofereça o nível de qualidade dos

serviços que foi acordado, durante a execução do contrato. Por exemplo, num

projecto referente a infra-estruturas de alojamento, o parceiro privado pode ter

que assegurar que o edifício está disponível e é mantido nos termos

especificados no contrato.

A questão principal diz respeito a quem suporta a perda, bem como a

gravidade e âmbito das penalizações, no caso de o bem ou parte do bem não

estar disponível para uso por culpa do operador, após passar o período de

tempo previsto no contrato considerado razoável para se proceder a

rectificações; se a qualidade dos serviços prestados se encontrar abaixo do

Page 165: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

137

especificado no contrato; se o orçamento com a gestão corrente dos serviços

for ultrapassado.

A razão principal para a previsão contratual de penalizações é assegurar

uma performance e uma prestação de serviços eficiente. Para o risco de

disponibilidade ser atribuído ao parceiro privado, as penalizações devem ser

significativas e automáticas e no mínimo devem evidenciar a equidade do

parceiro privado no projecto.

Quando parte de um bem não pode ser utilizada, as penalizações

aplicadas devem basear-se na proporção do bem que não está disponível

para utilização. Em alguns contratos, o cálculo das penalizações deve ser

mais sofisticado e ter em conta o seu impacto relativo nos utentes. O referido

documento fornece o seguinte exemplo: no caso de uma auto-estrada, com os

pagamentos unitários ligados à disponibilidade das vias, podem ser aplicadas

diferentes penalizações no caso de serem fechadas vias em horas de grande

tráfego ou não. Os projectos podem não figurar no balanço da Administração

Pública mesmo quando não existam penalizações para eventos não

seguráveis, tais como terramotos.

Nos casos em que os pagamentos totais continuarem a ser feitos ao

sector privado a respeito do custo de capital do bem sem ser tomado em conta

o standard acordado para os serviços prestados, o bem figurará no balanço do

parceiro Público.

Segundo o documento elaborado pelo governo irlandês, o risco da

procura é o risco de que a procura pelos serviços de PPP possa ser

significativamente superior ou inferior ao previsto no contrato. Por exemplo, o

número de viaturas que utilizam uma auto-estrada pode ser superior ou

inferior ao previsto. Deve ser avaliado quem suporta as perdas se a procura

de determinado bem é inferior ao previsto. Se o parceiro privado enfrenta uma

perda significativa quando a procura é inferior ao previsto, o activo tende a não

estar incluído no balanço do Estado.

Page 166: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

138

Por último, aquele documento chama, ainda, a atenção para a

possibilidade de ser necessário fazer uma avaliação de outros tipos de

cláusulas, como, por exemplo, as relacionadas com garantias

governamentais91; joint ventures; financiamento92 e titularidade final dos bens.

Se de toda a análise que foi levada a cabo em relação ao risco de construção,

de disponibilidade e da procura não é claro sobre quem efectivamente suporta

o risco, o que foi acordado quanto à titularidade do bem no termo do contrato

pode determinar a classificação: se no termo do contrato de PPP o bem

permanece na titularidade do parceiro privado e possui um valor residual

significativo, é pouco provável que figure no balanço do parceiro público.

2. As recomendações da União Europeia

O Parecer do Comité das Regiões

São várias as recomendações de diferentes organismos comunitários

sobre esta matéria. Em reunião plenária realizada no dia 17 e 18 de Novembro

91 A decisão do Eurostat diz respeito ao tratamento de casos em que o Governo garante a dívida do parceiro privado. Na República da Irlanda, a política geralmente seguida é a de não emitir garantias ou cartas conforto. Quando, excepcionalmente, o Governo considera emitir garantias, o Public Financial Procedures estabelece claramente que “uma garantia apenas pode ser emitida quando é a própria entidade a emitir esta”. Em países nos quais o Governo pode garantir a dívida do parceiro privado, o projecto pode, ainda assim, não ser incluído no balanço, desde que a probabilidade de tal garantia vir a ser utilizada seja reduzida. Não obstante, a existência dessas garantias pode afectar a determinação da parte que arca com o risco do projecto. Se todo o capital do parceiro privado é garantido, o Governo terá necessariamente que arcar com o risco do projecto.

No âmbito das garantias, o FMI chama a atenção para as receitas garantidas contratualmente aos privados diminuindo os seus riscos. Por exemplo, o risco da procura diminui se o Estado fixar um patamar mínimo de receita independente da utilização do serviço; o risco do valor residual diminui se o Estado garantir à priori que comprará o bem no final do contrato por determinado preço.

92 Os subsídios de capital efectuados pelo Governo não tornam obrigatória a inclusão do projecto no balanço, desde que não cubram a maioria (mais de 50%) do custo de capital. Tais subsídios de capital têm impacto nas contas públicas (i.e., no défice), dado que os pagamentos são efectuados pelo Governo ao parceiro privado. Não obstante, a classificação de activos objecto de PPP será revista se o custo de capital de um projecto de PPP acaba por ser coberto pelo Governo na sua quase totalidade. Tal requer uma análise cuidada das responsabilidades tanto do Governo como do parceiro privado.

Page 167: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

139

de 2004, o Comité das Regiões adoptou um parecer93, publicado no Jornal

Oficial da União Europeia em 23/03/2005, onde, desde logo, se congratula

com a iniciativa da Comissão Europeia no que respeita ao lançamento do

Livro Verde. Considera-se, contudo, que determinadas questões deveriam ser

abordadas numa perspectiva local e regional uma vez que “são justamente as

autarquias locais e regionais, por estarem mais próximas dos cidadãos, que

estão na posição ideal para avaliar se certas tarefas devem ser realizadas por

conta própria, ser adjudicadas ou executadas em colaboração com outros

parceiros. (…) São também geralmente as autarquias locais e regionais quem

mais se prestam para determinar a forma de financiamento dos serviços.”

Incluem-se neste Parecer as seguintes Recomendações:

a) os princípios da transparência, da igualdade de tratamento, da

proporcionalidade e do reconhecimento mútuo devem servir de base a todas

as formas de parcerias;

b) o papel das autarquias locais e regionais na definição, organização,

financiamento, e controlo dos serviços de interesse geral deve ser um papel

nuclear;

c) é fundamental alcançar um consenso político ao nível local ou regional

quando são celebrados contratos de duração indeterminada;

d) a perspectiva dos cidadãos deve ser particularmente acentuada uma

vez que é a estes que os serviços de interesse geral se destinam;

e) os projectos de PPPs devem ser acessíveis a todos, reforçando a

ideia da importância de um diálogo amplo entre os organismos adquirentes e

as empresas fornecedoras;

93 Parecer do Comité das Regiões sobre o “Livro Verde sobre as PPPs institucionalizadas e o direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões”, (2005/C 71/05), in Jornal Oficial da União Europeia, 22/03/2005, C 71/19 a C71/21.

Page 168: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

140

f) a legislação em vigor, em regra, é bastante complexa e não propícia à

flexibilidade e a ideias inovadoras, o que deve ser objecto de reflexão.

O Parecer do Comité Económico e Social Europeu

O Comité Económico e Social Europeu (CESE), no seguimento da

reunião plenária de 9 e 10 de Março de 2005, emitiu um outro parecer sobre

esta temática, mas com incidência a um campo mais restrito – “O papel do BEI

nas parcerias público-privadas e consequências para o crescimento94.

O CESE começa por reconhecer os progressos trazidos pelo

desenvolvimento das PPPs, mas também chama a atenção para o facto de

continuarem a ser muitos os “obstáculos a ultrapassar antes de as autoridades

públicas dos Estados-Membro praticarem regularmente essa parceria”. Nesta

linha argumentativa, refere que vários Estados-Membro criaram unidades de

peritos para o estabelecimento de contratos de PPPs e para a identificação

das boas práticas. Assim, o CESE propõe “a generalização de comparações

sistemáticas entre os projectos realizados pelas autoridades públicas e pelas

empresas privadas (custo, desempenho, etc.) e a coordenação europeia

através de um grupo de peritos de alto nível”.

Relativamente ao tema central do seu Parecer, começa por notar que o

financiamento de projectos de PPPs pelo BEI pode ir de 1/6 até 1/2 do

montante global investido. Nesta sequência, afirma que “o potencial do Banco

de Investimentos Europeu não é aproveitado ao máximo neste domínio”.

Assim, e porque considera essencial uma estratégia global para a

investigação, desenvolvimento e inovação da política económica da União

Europeia, considera imprescindível que o BEI passe a “atribuir recursos

consideráveis a este domínio, em particular na investigação aplicada e nas

inovações”. Considera-se que o BEI pode contribuir para que as autoridades

94 Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre “O papel do BEI nas parcerias público-privadas (PPP) e consequências para o crescimento”, (2005/C 234/12), in Jornal Oficial da União Europeia, 22/09/2005, C 234/52 a C 234/59.

Page 169: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

141

públicas reduzam os custos e apliquem uma política rigorosa de avaliação de

projectos e de transferência de riscos na realização de PPPs nos Estados-

Membro. O CESE recomenda, ainda, ao BEI o financiamento da “investigação

aplicada e a inovação, incluindo patentes, isto tendo em vista a afirmação da

UE no mercado mundial”. Uma outra recomendação prende-se com a

necessidade de o BEI garantir o respeito pelas normas sociais, sanitárias e de

acesso às infra-estruturas realizadas através das PPPs que co-financia, e de o

dever fazer em todas as fases, nomeadamente, na fase de concepção,

realização e gestão; e de dever incentivar uma rigorosa igualdade de

competição, jurídica e fiscal, entre as entidades públicas e privadas, em todos

os projectos em que participe.

O Parecer da Comissão de Desenvolvimento Regional

Também a Comissão de Desenvolvimento Regional emitiu, em

28/04/2006, um Parecer destinado à Comissão do Mercado Interno e da

Protecção dos Consumidores relativo às Parecerias Público-Privados e ao

Direito Comunitário sobre contratos públicos e concessões95. De entre as

Recomendações aí previstas, destacamos as seguintes:

a) as normas que regem a criação e o funcionamento das PPPs

institucionalizadas e o novo processo de diálogo no domínio da concorrência

devem ser esclarecidas no quadro de uma comunicação da Comissão;

b) necessidade de eliminar a insegurança jurídica na sequência de

acórdãos do Tribunal de Justiça96 quanto ao processo de adjudicação dos

95 Parecer destinado à Comissão do Mercado Interno e da Protecção dos Consumidores relativo às Parecerias Público-Privados e ao Direito Comunitário sobre contratos públicos e concessões, (2006/2043(INI)), [AD\612233PT.doc; PE 369.904v02-00].

96 “Stadt Hall” (C-26/03), Acórdão do TJ, de 11 de Janeiro de 2005; “Parking Brixton” (C-458/03), Acórdão do TJ, de 13 de Outubro de 2005; “Coname v. Comune de’Botti case” (C-231/03), Acórdão do ST, de 21 de Julho de 2005.

Page 170: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

142

contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de

fornecimento e dos contratos públicos de serviços97;

c) apelo à Comissão para que esta crie, em colaboração com o BEI, um

Centro Europeu de Especialização em PPPs, a fim de proceder à avaliação

regular dos progressos e resultados das PPPs, de promover a troca de

experiências relativas a práticas de excelência na organização de PPPs nos

múltiplos sectores de actividade, e, ainda, à realização de projectos-piloto.98;

d) envolvimento dos representantes dos interesses regionais e locais na

elaboração de normas no âmbito das PPPs.

O Parecer da Comissão dos Transportes e do Turismo

Também a Comissão dos Transportes e do Turismo elaborou um

parecer, com data de 31/08/2006, destinado à Comissão do Mercado Interno e

da Protecção dos Consumidores sobre as PPPs e o direito comunitário, sobre

contratos públicos e concessões99. Neste documento chamava-se a atenção,

entre outros, para os seguintes pontos:

a) adopção pela Comissão de um instrumento jurídico que defina

orientações sobre as diferentes modalidades de PPPs, a fim de garantir o

respeito pelos princípios de igualdade de tratamento e de uniformidade entre

os Estados-Membro, deixando, no entanto, aos Estados-Membro a máxima

liberdade em termos de modalidades de aplicação, em conformidade com o

princípio de subsidiariedade;

97 Directiva 2004/18/CE (JO L 134, de 30/04/2004, pag. 114).

98 Ou seja, referenciar as situações que ocorrem com frequência e em que as PPPs produzem os melhores resultados, o que constituiria, a par de uma relatório de práticas de excelência dos vários Estados-Membro, uma preciosa ajuda para os Estados onde ainda existem muitas sobre o recurso e utilização de PPPs.

99 Parecer da Comissão dos Transportes e do Turismo destinado à Comissão do Mercado Interno e da Protecção dos Consumidores sobre as parcerias público-privadas e o direito comunitário sobre contratos públicos e concessões (2006/2043(INI)), [AD\578384PT.doc; PE 357.741v03-00].

Page 171: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

143

b) definição das “melhores práticas” e das “práticas a banir”,

particularmente no que se refere à fase da escolha do contraente, privado,

público ou misto;

c) no que respeita às PPPs contratuais, sugere-se que sempre que seja

lançado um projecto, se proceda à elaboração de um termo de comparação

prévio no sector público e à análise do custo/benefício para o sector público;

d) assegurar que a Comissão, por meio do controlo comunitário dos

auxílios estatais, garanta que a concessão de subvenções não comporte

discriminações entre os operadores, sejam eles privados, públicos ou mistos.

O segundo Parecer do Comité das Regiões

Mais recentemente, em 31 de Outubro de 2006, o Comité das Regiões

voltou a emitir um novo Parecer sobre a Comunicação da Comissão ao

Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e

ao Comité das Regiões sobre as PPPs100.

Neste parecer, o Comité chama a atenção para o facto de o recurso às

PPPs nem sempre ser a solução mais adequada uma vez que esta opção

apenas se justifica nos casos em que a PPPs representa uma melhoria da

qualidade do serviço prestado aos cidadãos no concreto contexto de um

determinado projecto. Considera que são os órgãos de poder local e regional,

mais próximos dos utentes dos serviços públicos a prestar, que se encontram

em melhor posição para decidir como financiar esses mesmos serviços, ou,

ainda, a forma que deve assumir a PPPs. O que não significa que não

considere que o sector público pode, de facto, ter vantagens em recorrer ao

100 “Parecer sobre a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões sobre as Parcerias Público-Privadas e o Direito Comunitário sobre contratos públicos e concessões”, COM(2005) 569 final, ECOS-IV-003, in http://www.cor.europa.eu (Outubro de 2007).

Page 172: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

144

mecanismo das PPPs101. Salienta-se, ainda, a importância da confiança mútua

entre os parceiros e a transparência nos contactos entre os mesmos, por

forma a assegurar um desenvolvimento livre e sem obstáculos. Para o efeito,

defende-se a existência de condições financeiras sólidas; de transparência e

clareza das disposições contratuais; de estimativas financeiras exactas dos

projectos; de garantia de protecção jurídica para ambos os parceiros.

Considerando que a prioridade num projecto de PPP é a de garantir aos

cidadãos a qualidade, a segurança e a continuidade do serviço a prestar,

destaca-se a necessidade de controlo pelas autoridades públicas da prestação

desses serviços.

Comunicação da Comissão

A Comissão das Comunidades Europeias, num dos seus comunicados

(Uma política de coesão para apoiar o crescimento e o emprego: orientações

estratégicas comunitárias, 2007-2013) 102, afirmou que, no contexto da política

de coesão, também deve atender-se ao desempenho e ao sucesso das

políticas públicas, considerando, ainda, que a “criação de projectos inovadores

com base em parcerias, o incentivo à participação da sociedade civil na

formulação e na execução das políticas públicas, bem como a melhoria da

interacção entre as comunidades e dentro de cada uma delas podem

contribuir para gerar o capital humano e social que conduz ao emprego

sustentável, ao crescimento, à competitividade e à coesão social.”

101 O documento apontava diversas vantagens, de entre elas: a participação de capital privado para financiamento de projectos de interesse público, o que permite realizar economias orçamentais e reduzir os custos de investimento; a transferência de riscos para o parceiro privado; a maior agilidade e flexibilidade do sector privado; a garantia de uma execução rigorosa dos investimentos, uma vez que a exploração ou a manutenção do projecto concebido, construído ou renovado será feita pela entidade privada que terá interesse na sua conclusão atempada; a garantia, a longo prazo, de prestação de serviços públicos de boa qualidade.

102 Cf. Comunicação da Comissão, Bruxelas, 05.07.2005, COM(2005) 0299,in http://ec.europa.eu/regional_policy/sources/docoffic/2007/osc/050706osc_pt.pdf (Outubro de 2007).

Page 173: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

145

Nesse documento pode ler-se que as parcerias entre o sector público e o

sector privado podem revelar-se “um método adequado para financiar os

investimentos quando existe uma margem significativa para a participação do

sector privado, especialmente nos sectores em que não é viável ou adequado

excluir o sector público nem contar exclusivamente com o mercado.” Na

opinião expressa pela Comissão, as PPPs, para além de poderem funcionar

como uma alavanca financeira, também contribuem para melhorar a qualidade

da execução e a gestão dos projectos, concluindo, fazendo um apelo aos

Estados-Membro para que ponderem sobre a possibilidade de optarem por

este tipo de parcerias sempre que pretendam iniciar projectos que cuja

execução se possa inserir neste âmbito. A Comissão refere, ainda, que a “UE

apoiará estas PPPs financiando-as através dos fundos estruturais e dos

fundos de coesão, sempre que os projectos satisfaçam todos os critérios

necessários. Para os projectos de maior envergadura, a Comissão incentivará

os Estados-Membro a incluir uma avaliação da pertinência de recorrer a uma

PPP. O BEI e o FEI poderiam dar um valioso contributo nesse sentido.”

3. Estudos e opiniões

Num estudo de Andrea Renda e Lorna Schrefler103, encomendado pelo

Parlamento Europeu entregue em Fevereiro de 2006, pode ler-se que, de um

ponto de vista teórico, a principal justificação para a adopção de PPPs é a

possibilidade de explorar as qualificações de gestão e de eficiência do sector

privado, elevando assim os padrões de qualidade a obter graças aos

mecanismos próprios do controlo público. Para as autoras o objectivo final das

PPPs é, assim, obter por esta via mais value for money. A este respeito

escrevem que embora a avaliação ex ante do valor previsto para o dinheiro

seja extremamente complexa, ainda assim, pelo menos em regra, pode dizer-

se que o recurso a PPPs permite gerar mais valias sempre que se conseguem

as seguintes condições: redução dos custos com o ciclo de vida; maior

103 In http://www.europarl.europa.eu/camparl/imco/studies/0602_ppp_briefingnote_en.pdf (Julho 2007).

Page 174: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

146

previsão do risco; execução mais célere; aumento da qualidade dos serviços

prestados; rendimento acrescido.

Conclui-se, assim, que as PPPs devem ser encaradas como benefício

social sempre que, comparado com um projecto in-house do sector público, os

ganhos líquidos realizados pelas PPPs são maiores do que ganhos líquidos

correspondentes efectuado pela via tradicional.

Neste texto, coloca-se, ainda, a questão de saber em que sectores pode

considerar-se que as PPPs são uma opção válida. As autoras consideram que

as PPPs efectuadas para financiar a construção de estradas e de caminhos de

ferro, para a gestão das águas e resíduos, e para a construção de edifícios

para a saúde e a educação foram um êxito. Daí que as tendências europeias

apontem para a possibilidade de expansão do seu potencial para outros

sectores.

Todavia, falta ainda verificar se as PPPs são realmente capazes de

assegurar value for money em áreas ligadas estreitamente ao núcleo duro de

atribuições do sector público, designadamente a prestação de serviços

médicos, no âmbito da educação e dos serviços prisionais. A este respeito

referem que os vários Estados-Membro têm avançado com diferentes

abordagens aos possíveis esquemas de PPPs para estas novas áreas,

realçando, ainda, que alguns países como o Reino Unido, a França, a Bélgica,

a Finlândia e a Grécia se têm mostrado muito activos. Pelo que, a futura

expansão de PPPs a estas novas áreas em muito dependerá do sucesso ou

não dos projectos pioneiros já existentes. Consideram, contudo, ser possível

tecer algumas conclusões preliminares. Como sugere a teoria predominante,

as PPPs neste sectores apenas serão um sucesso se a qualidade do serviço

poder ser garantida. O que pode ser particularmente complexo de se

conseguir nestas áreas, onde os objectivos do público-alvo colidem, em regra,

com o comportamento de redução de custos do parceiro privado, levando a

que haja toda uma complexa relação contratual que quase sempre evolvem

renegociações atrás de renegociações.

Page 175: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

147

Assim, a economia de custo calculada ex-ante pode resultar em

avultados aumentos de custo só verificados a posteriori, ou porque os

objectivos públicos não são atingidos, ou porque as tentativas de identificar,

calcular, e garantir a qualidade do serviço se traduzem num elevado

investimento para a entidade pública, sem resultados e com custos

acrescidos.

A verdade é que os Estados-Membro estão, cada vez mais, a recorrer às

PPPs como uma verdadeira alternativa ao financiamento tradicional104. Na

maior parte das experiências nacionais avançadas, estão a ser tentadas novas

configurações de PPPs de forma a que se possam adaptar às especificidades

dos novos sectores a que se pretendem vir a aplicar. Neste sentido, pode ler-

se neste texto que, de acordo com a experiência de terreno, cada alteração ao

modelo de PPP a existir deve ser projectada e adaptada às características

específicas do sector em causa, bem como as competências particulares dos

parceiros privados envolvidos no projecto. Para garantir value for money todos

os factores, ainda que adjacentes, devem ser ponderados, bem como também

se deve ter em linha de conta as possibilidade de fracasso e as falhas que

cada projecto pode implicar.

A discussão em torno das PPPs foi o ponto-chave e de maior interesse

durante os dias em que se realizou o “Committee of the Region's 2006”, tendo

sido várias e com diferentes pontos de vista as intervenções sobre esta

matéria105. Vejamos algumas delas:

Danuta Hübner, Comissária Europeia para Assuntos de Política

Regional, explica porque as PPPs são tão importantes para aumentar a

104 As autoras escrevem que, apesar da ausência de legislação comunitárias específica, o Livro Verde lançou o diálogo e o debate entre as diferentes instituições e os parceiros provados.

105 In http://www.eupolitix.com/EN/Legislation/200610 (Julho 2007).

Page 176: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

148

qualidade de vida, especialmente em algumas regiões menos favorecidas da

UE.

Segundo a opinião desta Comissária, dado o tamanho das necessidades

do investimento em infra-estruturas seria impensável confiar apenas na

despesa pública, uma vez que esta opção levaria a uma insustentável tensão

sobre finanças públicas, especialmente nas economias que têm que seguir

uma rígida disciplina fiscal. Além disso, o sector público sozinho tende a não

ter a capacidade de realizar projectos de infra-estruturas de grande escala. É,

assim, vital que se mobilize todas as fontes de financiamento, de perícia e de

know-how para sustentar o crescimento e a competitividade na Europa.

As PPPs são, desta forma, apontadas como um instrumento chave na

sustentação deste objectivo. Considera que os projectos onde o sector privado

fornece apenas o financiamento não podem representar a melhor opção

porque o sector público, em regra, estará numa posição mais privilegiada para

obter melhores condições de financiamento. Assim, para além da alavanca

financeira que as PPPs proporcionam, devem também visar-se a execução e

a gestão dos projectos em causa. Ou seja, os potenciais benefícios das PPPs

devem ser considerados de diferentes ângulos.

O sector público consegue, por esta via, aceder às competências mais

reconhecidas do sector privado e são estas que devem possibilitar execução e

prestação de um serviço mais eficiente e com menos custos, o que se

consegue, designadamente, quando o parceiro privado fica responsável,

simultaneamente, pelo projecto, pela construção, pela gestão e pelo

financiamento.

Não obstante, é necessário que, antes de se decidir avançar com uma

PPP, se salvaguardem determinadas condições, como a existência de uma

estrutura legal que não venha colocar entraves, um conhecimento e

capacidades administrativa para entregar projectos complexos, para avaliar as

contrapartidas e as implicações fiscais.

Page 177: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As parcerias público-privadas no quadro da União Europeia

149

Para Charlie McCreevy, Comissário Europeu para o Mercado Interno, em

tempos em que os orçamentos públicos são cada vez mais apertados, a

importância das PPPs para a economia europeia não pode ser subestimada,

essencialmente para os novos Estados-Membro em que a redução de

despesas com os serviços públicos é a chave para um desenvolvimento

económico sustentado. Mas também nas economias mais estáveis, esta pode

ser a chave para sustentar uma vantagem competitiva. Considera, no entanto,

como um forte obstáculo a complexidade e ambiguidade das normas jurídicas

que, no contexto da União Europeia, enquadram legalmente as PPPs.

Assim, a melhoria das práticas por parte das entidades públicas e um

esforço para que a legislação existente se torne mais eficaz e adequada são,

para este Comissário, um ponto essencial para que se consiga fazer face aos

problemas de financiamento do sector público que, a longo prazo, se tornarão

inevitavelmente mais vincados. Actualmente, uma autoridade pública ao

realizar um concessão de um serviço a um parceiro privado é apenas obrigada

a respeitar os princípios gerais consagrados no tratado da UE,

designadamente, o da transparência, o da não discriminação e o da

proporcionalidade, cuja aplicação suscita muitas dúvidas.

De facto, na opinião deste Comissário, a falta de clarificação e a

incerteza que as normas comunitárias incorporam é inaceitável. A incerteza

sobre quais as normas que se aplicam à concessão de uma PPP podem,

claramente, transformar-se num obstáculo à competição na área de

concessões, podendo limitar a oferta do potencial financiamento privado.

Considera, por isso, premente uma iniciativa legislativa ao nível comunitário,

capaz de fornecer uma estrutura legal estável no âmbito dos projectos a

realizar através do recurso a PPPs.

Segundo Catarina Segersten-Larsson, membro do Comité das Regiões,

as normas comunitárias em matéria de PPPs devem ser suficientemente

plásticas de forma a possibilitar a sua aplicação a novas iniciativas. Neste

Page 178: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

150

sentido, afirma que a burocracia associada à obtenção de parcerias não deve

mascarar todo o potencial do negócio em causa.

Salienta, ainda, que é essencial que numa parceria em que todas as

partes envolvidas têm um objectivo comum, o factor do relacionamento

recíproco esteja presente de forma a que se consiga, mais facilmente,

melhorar, desenvolver ou criar novas soluções. Ao mesmo tempo, é, também,

importante reforçar a ideia de que as PPPs não podem ser vistas como uma

solução milagrosa, devendo cada projecto ser bem avaliado para se apurar o

valor adicional resultante do recurso a uma PPP.

Por fim, são feitas algumas chamadas de atenção sobre as

desigualdades que separam e distanciam as realidades de cada Estado-

Membro, bem como para as diferenças que caracterizam as diferentes áreas

de cada sector de actividade, concluindo que o desafio é o de encontrar o

equilíbrio entre a regulamentação das PPPs ao nível comunitário e, ainda

assim, conseguir explorar todo o potencial inerente à filosofia da parceria, com

toda a flexibilidade que lhe deve ser característica.

Page 179: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Análise da experiência comparada

151

Capítulo IV

Análise da experiência comparada

• A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-

privadas

• A experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

• A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das

parcerias público-privadas

• A experiência da França: o pioneirismo na Europa Continental

• A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-

privadas

• A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias

público-privadas

Page 180: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

152

Page 181: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

153

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

O Reino Unido é considerado o país pioneiro na adopção de parcerias público-privadas e

no seu alargamento aos sectores sociais. A Private Finance Initiative (PFI) foi o primeiro programa

político sistemático de parcerias público-privadas. Foi introduzida em 1992 e prosseguida em 1997

pelo New Labour de Tony Blair. Provocou uma alteração relevante da lógica e expectativas em torno

dos serviços públicos, que passaram a recorrer sistematicamente ao sector privado para o seu

financiamento, concepção, construção e gestão. Os contratos de PFI englobam acordos tripartidos:

um contrato de PFI principal entre o parceiro público e o parceiro privado; um contrato de

financiamento entre a entidade encarregue de gerir o projecto e a entidade financiadora; e um

acordo directo entre a entidade financiadora e a administração. De acordo com o relatório de 2006

do HM Treasury, a PFI enquadrou até 2005 cerca de 700 contratos, no valor total de 46 biliões de

libras e prevê-se que até 2010 se concluam mais 200 contratos, no valor de 26 biliões de libras.

Contudo, apesar do aumento significativo destes projectos, representavam, em 2005-2006, apenas

10% do investimento em activos públicos, face a 40% por métodos tradicionais, e previa-se que

estabilizasse no intervalo 10-15%, dado que começa a sobrevir alguma reserva.

Em consonância com o desenvolvimento das PPPs, há a referir a publicação de vários

relatórios, a criação de organismos de apoio e controlo das PPPs e de grupos de trabalho, e o

desenvolvimento de contratos standard de PFI. De entre as organizações criadas, destaca-se a

Partnerships UK (PUK), criada em 2000, ela própria uma joint-venture entre o HM Treasury e o

sector privado. A PUK também disponibiliza recursos financeiros para projectos que não os

conseguem reunir nos mercados financeiros, assumindo-se, assim, como um verdadeiro promotor

de projectos. O HM Treasury constitui a principal instituição pública para as PFI/PPPs. Um

departamento específico do HM Treasury - Office of Government Commerce - assume as funções

de sistematização e supervisão contratual. As funções de auditoria pública da PFI/PPP são da

responsabilidade do National Audit Office, auxiliado pelo Public Accounts Committee. Existem,

ainda, unidades sectoriais específicas, como a Partnerships for Health, criada em 2001, e a

Partnerships for Schools, criada em 2004.

Não existe uma lei especificamente dirigida à regulação das PFI/PPPs. A maioria das

regras relativas a PFI/PPPs encontra-se em orientações emanadas pelo HM Treasury, que integram

um vasto número de publicações de órgãos específicos do grupo de trabalho do HM Treasury.

O Reino Unido é o país com o espectro mais amplo de aplicação sectorial de PPPs. O

Departamento da Saúde é, actualmente, um dos maiores utilizadores destes contratos. Contudo, a

avaliação de poupança efectiva, neste sector, e a eventual redução do número de camas nos

hospitais são dois dos principais factores de controvérsia sobre o recurso a PFI/PPPs nesta área.

No sector da justiça têm sido celebrados vários contratos de PFI/PPPs no âmbito de

tribunais, prisões e centros de treino para jovens delinquentes. Os contratos podem incluir a

concepção do projecto, o financiamento, a construção, a gestão e a manutenção dos equipamentos,

assim como a prestação de serviços conexos, como serviços de limpeza, de segurança,

relacionados com tecnologias de informação, entre outros. As funções de âmbito judicial,

designadamente as desempenhadas por magistrados, funcionários judiciais ou por outros

operadores em que esteja em causa a independência judicial, não são incluídas nos projectos.

Page 182: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

154

Page 183: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

155

Introdução

Como já referimos, o Reino Unido é considerado o país pioneiro na

adopção de parcerias público-privadas e no seu alargamento aos sectores

sociais. A Private Finance Initiative (PFI) insere-se num processo mais amplo

de reformas do sector público no Reino Unido, que inclui diversas iniciativas

que, em comum, prevêem uma maior participação do sector privado no sector

público. As parcerias têm sido consideradas um elemento-chave do programa

de modernização do Governo e de promoção da qualidade dos serviços

públicos no Reino Unido. O investimento no sector público é encaminhado

para PFI quando se considera que aquela representa value for money. O

financiamento privado é tido como preferível em projectos de avultados

investimentos, de fácil definição de outputs e em que se reconhece que a

experiência acumulada do sector privado representa uma mais-valia.

Não existe qualquer legislação específica para regular projectos de PFI,

tendo sido apenas emitidas sucessivas orientações do HM Treasury.

No Reino Unido os projectos de PFI/PPPs encontram-se em áreas muito

diversas, designadamente infra-estruturas de transporte, escolas, hospitais,

tribunais, prisões, esquadras de polícia e quartéis de bombeiros, habitação

social, serviços relacionados com o ambiente, equipamento militar, sistemas

de informação tecnológica e centros de lazer.

No sector da justiça têm sido celebrados contratos de PFI/PPPs no

âmbito de tribunais, prisões, centros de treino para jovens delinquentes. Os

contratos, que podem incluir a concepção do projecto, o financiamento, a

construção, o funcionamento, o fornecimento de alimentação, de serviços de

limpeza e de segurança, entre outros serviços, têm geralmente uma duração

entre 25 e 30 anos. As funções de âmbito judicial, designadamente as

desempenhadas por funcionários judiciais e relacionadas com a

independência judicial, não são incluídas nos projectos.

Page 184: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

156

1. Das Ryrie Rules à Private Finance Initiative (PFI)

Como mencionámos no Capítulo I, no Reino Unido, o Governo de

Margaret Thatcher veio dinamizar fortemente o investimento privado no sector

público. Uma das primeiras medidas consistiu na privatização de empresas

públicas106, designadamente da British Telecom e da British Gas, dando início

a uma fase de privatizações, de liberalização dos mercados e de redução da

dimensão do papel do Estado (Owen e Merna, 1997: 317).

O debate sobre a viabilidade e os limites do investimento privado no

sector público arrancou com o “Report of National Economic Development

Council Working Party on Nationalised Industries“, mais conhecido como Ryrie

Rules107. As Ryrie Rules, guia dirigido a todos os ministérios, orientavam a

delegação de actividades públicas pela via contratual. Estas regras

estabeleceram os critérios para o financiamento privado no sector público,

impondo, como referimos no Capítulo I, duas condições principais para a

celebração de tais contratos: os projectos deveriam assegurar value for money

e transferir risco para o sector privado (Ghobadian et al., 2004: 3-4).

As Ryrie Rules foram, contudo, consideradas demasiado restritivas, por

um lado, porque incentivavam as entidades públicas a procurarem alternativas

de financiamento e, por outro, por criarem obstáculos a uma maior

participação privada em projectos do sector público. Até a PFI ser oficialmente

estabelecida, apenas cinco projectos foram desenvolvidos com participação

do sector privado - um desses projectos foi a ponte Queen Elizabeth II, em

1987. Em 1989, John Major, Secretário-Chefe do HM Treasury, anunciou o fim

das Ryrie Rules, que viriam a ser substituídas em 1992, quando o HM

Treasury Autumn Statement anunciou importantes mudanças nas regras de

financiamento privado do sector público (Gil, 2004: 57-59).

106 Cf. distinção entre privatização em sentido lato e em sentido estrito no Capítulo I, ponto 1.1.3.. 107 A designação decorre do facto de Sir William Ryrie, alto responsável da administração de finanças, presidir ao referido “National Economic Development Council”

Page 185: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

157

As novas regras surgidas em 1992 marcam o relançamento do

financiamento privado, agora sob a forma de Private Finance Initiative (PFI),

oficialmente anunciada pelo Chancelor of the Exchequer, Norman Lamont. Os

objectivos governamentais eram (1) o aumento da capacidade do investimento

público recorrendo a mecanismos do sector privado, (2) a melhoria da

qualidade dos serviços públicos (3) e a diminuição da despesa pública,

beneficiando da competência e da capacidade de inovação do sector

privado108.

O relançamento da Private Finance Initiative

Numa fase inicial, a PFI não alcançou o sucesso esperado, voltando a

ser relançada em 1993 e 1995. Em 1993, foi criado o Private Finance Panel

(PFP), um painel independente de consultores cuja principal função era

assessorar os agentes públicos ou privados. Posteriormente, foram

acrescentadas outras atribuições ao PFP: actuar como coordenador central de

informação, elaborar estudos de caso de projectos já realizados e promover

cursos de formação para funcionários públicos e para o sector privado. Para

prestar apoio à administração local foi criado em 1996 o Public Private

Partnership Programme - 4Ps, um programa equivalente ao PFP, mas cujo

âmbito de actuação era junto da administração local (Gil, 2004: 60-61).

Com a chegada ao Governo de Tony Blair, em 1997, a PFI impôs-se

como forma de investimento público (Ghobadian et al., 2004: 3-4).

O Governo do New Labour encarregou inicialmente Sir Malcolm Bates de

proceder a uma avaliação da PFI, com o objectivo de identificar as eventuais

dificuldades existentes. O relatório apresentado por Bates - conhecido como

1st Bates review ou Bates report - não colocou em causa esta política,

limitando-se a propor algumas alterações com vista a torná-la mais eficiente. A

principal sugestão da 1st Bates review foi a criação de uma Taskforce no

âmbito do HM Treasury. Propôs, ainda, a criação de condições contratuais

108 Lamont, Norman. 1992. Autumn Statement, Vol. 208. apud Cossalter. 2001. 11-12.

Page 186: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

158

padronizadas, com o fim de reduzir custos e tempo de negociação, que viriam

a ser publicadas em Julho de 1999.

Em 1997 foi constituída a Treasury Private Finance Taskforce, um grupo

de trabalho sobre financiamento privado, composto por peritos dos sectores

público e privado, que centralizava todas as actividades relacionadas com PFI

e veio a desempenhar uma acção determinante nos projectos realizados nos

anos seguintes.

A Treasury Private Finance Taskforce era composta por duas entidades

diferenciadas: a Taskforce Projects Team que, numa vertente operativa, tinha

como objectivo avaliar e certificar a viabilidade comercial do projecto,

assegurar a selecção de propostas de alta qualidade, evitar gastos

desnecessários e maximizar as oportunidades para a realização de bons

contratos109; e a Taskforce Policy Team, com a tarefa de definir os princípios

fundamentais e as normas que orientariam a PFI. Através desta Taskforce o

Governo criou vários guias orientadores com indicações, documentos

políticos, notas técnicas e estudos de caso (Gil, 2004: 61-63).

A aposta política na PFI reforçou-se após a publicação da 1st Bates

review, o que é visível no aumento acentuado do número de contratos

celebrados a partir de 1998 (cf. Gráfico IV.1).

Em 1999, Sir Malcolm Bates foi encarregado de elaborar um segundo

relatório – 2nd Bates review – no qual propôs a substituição da Treasury

Private Finance Taskforce por uma nova organização, a Partnerships UK

(PUK).

A Partnerships UK, criada em 2000, constituiu uma inovação no quadro

da PFI, ao configurar-se a si própria como uma joint-venture entre o HM

Treasury e o sector privado. Importa referir que, à semelhança do que, em

alguma medida já se passava no âmbito do Private Finance Panel e da

Treasury Taskforce, a PUK também disponibiliza recursos financeiros para

109 Com o decorrer do tempo, era de prever que os parceiros e departamentos públicos fossem adquirindo experiência, pelo que a Taskforce Projects Team perderia o seu interesse prático, razão que determinou que teria uma “vida útil” de apenas dois anos.

Page 187: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

159

projectos que não os conseguem reunir nos mercados financeiros. A PUK

assume-se, assim, como um verdadeiro promotor de projectos. Os seus

serviços são pagos pelos projectos que tutela e pelo consórcio privado que

ganha o concurso, podendo ser pagos de uma só vez ou diferidos durante o

tempo em que o projecto está em execução (Gil, 2004: 61-64).

Em 2000, o Governo via as PFI/PPPs como um importante instrumento

de modernização do sector público, mas não como panaceia universal,

justificando-se apenas onde gerasse mais valia. Com o fim de avaliar a

existência de value for money, nos projectos cuja fase de construção já

decorrera e se encontravam em fase operacional, a Treasury Taskforce

encomendou um estudo a Arthur Andersen and Enterprise LSE, cujas

conclusões adiante apresentamos110.

Em Julho de 2003, o Governo britânico publicou o relatório “PFI: Meeting

the Investment Challenge” que aborda o programa de PFI e o seu contributo

para o aumento de investimento. Nesse relatório era salientada a capacidade

da PFI para a construção de novas e essenciais infra-estruturas dentro do

prazo e no orçamento previstos e apontados critérios baseados em dados

empíricos sobre as áreas nas quais PFI poderia representar value for money ,

sendo apresentada uma panorâmica do processo de avaliação do value for

money nos projectos de PFI em comparação com a contratação tradicional (cf.

HM Treasury, 2006: 2). Posteriormente, o relatório “PFI: Strengthening Long-

Term Partnerships”, de 2006, partindo das medidas introduzidas em 2003,

como a redução dos tempos de negociação, antes excessivamente longos, e o

esforço para o sector público entender onde a PFI era apta a oferecer melhor

value for money do que outras formas contratuais, propôs imprimir maior

flexibilidade aos contratos de PFI e melhor enquadramento às instituições

políticas locais. De entre essas medidas, destaca-se a criação de uma

Taskforce Operacional de PFI e a proposta de revisão dos contratos

standardizados de PFI.

110 Arthur Andersen and Enterprise LSE. 2000. Value for Money Drivers in the Private Finance Initiative, apud Campos: 2007, 39-41.

Page 188: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

160

De acordo com o relatório de 2006 do HM Treasury, a PFI enquadrou até

2005 cerca de 700 contratos, no valor total de 46 biliões de libras111 e prevê-se

que até 2010 se concluam mais 200 contratos, no valor de 26 biliões de libras.

Contudo, apesar do aumento significativo dos projectos PFI, há que colocar os

dados em perspectiva: a PFI representava, em 2005-2006, 10% do

investimento em activos públicos, face a 40% por métodos tradicionais, e

previa-se que estabilizasse no intervalo 10-15%, dado à euforia inicial

sobreveio uma certa reserva. Refira-se, entretanto, que o investimento público

convencional também cresceu intensamente a partir de 2001. Esse

investimento, cuja queda relativa desde os anos 70 levara a problemas de

degradação da infra-estrutura pública, deverá atingir 2,25% do PIB em 2008,

contra 0,6% em 1997, reequilibrando o Reino Unido com os demais países do

G7 (HM Treasury, 2006). Os Gráficos seguintes ilustram estes

desenvolvimentos.

111 De acordo com o International Financial Services, cujos dados são mais actuais, até ao final de 2006 tinham sido celebrados 825 contratos de PFI, com um valor de capital de 61,7 biliões de libras.

Page 189: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

161

Gráfico IV. 1

Número e valor dos projectos PFI por ano (1992-2005)

Fonte: HM Treasury, 2006

Gráfico IV. 2

Investimento em serviços públicos, Reino Unido (1990-2006)

Fonte: HM Treasury, 2006

Quanto ao valor dos contratos, com excepção do contrato relativo ao

Canal da Mancha, a média, até 2002, foi de 50 milhões de libras. Em 2003,

Page 190: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

162

esse valor médio foi superior, situando-se nos 55 milhões de libras, atingindo,

em 2004, o valor médio de 71 milhões de libras e, em 2006, os 156 milhões de

libras, o que se explica com a selecção que tem sido feita, levando à redução

do número de pequenos contratos (Parlamento Europeu, 2006).

2. A configuração institucional da PFI

A filosofia na base da PFI manteve-se quase inalterada, porém, o seu

enquadramento institucional tem sofrido algumas alterações. Actualmente,

para além das instituições antes referidas (Partnerships UK e 4Ps), o HM

Treasury constitui a principal instituição pública para as PFI/PPPs112. Um

departamento específico do HM Treasury - Office of Government Commerce -

assume as funções de sistematização e supervisão contratual. As funções de

auditoria pública da PFI/PPP são da responsabilidade do National Audit Office,

auxiliado pelo Public Accounts Committee. Existem, ainda, unidades sectoriais

específicas, como a Partnerships for Health (PfH), criada em 2001, e a

Partnerships for Schools (PfS), criada em 2004.

O Office of Government Commerce (OGC), criado em 2000, é uma

entidade pública integrada no HM Treasury com a missão de supervisionar e

assessorar os procedimentos de contratação pública, tendo um departamento

dedicado a PFI. O OGC tem elaborado sucessivos guias Standardisation of

PFI Contracts113, com o fim de dar a conhecer os vários riscos e problemas de

um projecto standard de PFI e de reduzir o tempo e os custos da fase de

negociação dos projectos.

112 Há a referir, ainda, a existência de outras instituições a nível regional para prestar apoio a projectos de PPP/PFI. É o caso, na Escócia, da Financial Partnerships Unit (FPU) / Scottish Executive Private Finance Unit. No País de Gales existiu, até 2004, a Private Finance Unit (PFU), extinta pelo Welsh Assembly Government. 113 A 1ª edição de Standardisation of PFI Contracts é de Julho de 1999, seguiram-se as 2ª e 3ª edições, em Setembro de 2002 e Abril de 2004, respectivamente. Em Março de 2007 foi publicada a 4ª versão, que actualiza as anteriores e tem em conta desenvolvimentos do mercado de PFI.

Page 191: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

163

O National Audit Office (NAO) é o órgão central de auditoria pública,

com competência de auditoria dos processos de adjudicação, de avaliação do

value for money e do tratamento contabilístico dos projectos. O Public

Accounts Committee é uma comissão parlamentar que acompanha os

relatórios produzidos pelo NAO e os aprofunda, realizando relatórios

autónomos, numa perspectiva de avaliação política114.

Quanto à administração local, para além do supramencionado 4Ps,

existe um grupo de avaliação de projectos – Project Review Group (PRG).

Essa revisão tem lugar em duas fases115, o que confere credibilidade e

confiança aos parceiros privados quanto à viabilidade e qualidade dos

projectos. O Project Review Group é composto por um painel de peritos

seleccionados com base nos seus conhecimentos de PFI (cf. Project Review

Group).

No relatório de 2006, o Governo britânico dá conta da intenção de criar,

através da Partnerships UK, a PFI Operational Taskforce, entidade que se

articulará com o OGC, a 4Ps, com os departamentos sectoriais e com o sector

privado. A PFI Operational Taskforce terá como tarefas principais a assessoria

dos parceiros, a avaliação de projectos e a sistematização contratual -

melhoramento nos contratos-padrão de PFI e elaboração de um código de

conduta sobre renegociação de dívida (HM Treasury, 2006: 8).

3. O enquadramento legal

No Reino Unido não existe uma lei especificamente dirigida à regulação

das PFI/PPPs. A maioria das regras relativas a PFI encontra-se em

orientações emanadas pelo HM Treasury, que integram um vasto número de

publicações de órgãos específicos do grupo de trabalho do HM Treasury,

designadamente as seguintes: The PFI – Breaking Bew Ground (BNG) (HM

Treasury – Novembro de 1993); Private Opportunity, Public Benefit –

114 HM Treasury, 2003: 5. 115 A 1.ª revisão decorre na fase Outline Business Case; a 2.ª, lançada em 2005 pelo PRG, tem lugar na fase de pré-selecção e consiste, designadamente, em verificar a conformidade do projecto com o disposto na versão em vigor de Standardisation of PFI Contracts. De referir que cerca de 40% dos projectos são submetidos a esta 2.ª revisão.

Page 192: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

164

Progressing the PFI (POPB) (HM Treasury – Novembro de 1995); Partnership

for Prosperity – The PFI (PFP) (Treasury Taskforce on Private Finance –

Novembro de 1997); Step-by-Step Guide to the PFI Procurement Process

(Treasury Taskforce on Private Finance – Novembro de 1997)116. Àquele tipo

de contratos pode, naturalmente, ser aplicada a legislação comunitária relativa

a projectos de PFI/PPPs, como a Directiva 2004/18, incorporada na legislação

britânica, assim como o Tratado das Comunidades.

Podemos encontrar uma definição legal dos contratos PFI, que se

caracterizam por uma grande liberdade de forma, no artigo 16.º do diploma

sobre investimento das autoridades locais (Local Authorities (Capital Finance)

Regulations 1997). As características essenciais de tais contratos são as

seguintes: um agente local celebra um contrato para a realização de obras e

para a gestão dos serviços associados; o contraente é remunerado por um

preço pago regularmente pela administração; o preço é baseado em standards

de performance e de acordo com a disponibilidade das obras realizadas; e os

pagamentos têm apenas início quando se inicia a execução do serviço

(Cossalter, 2001: 14).

Além daquele diploma, existe ainda legislação específica, como a

relativa a pensões, insolvência e construção, que introduziu regras a tomar em

conta em projectos de PFI/PPPs. Alguns sectores dispõem também de

legislação, aplicável à PFI, como é o caso da certificação da capacidade de

autoridades locais, hospitais ou fundos de cuidados de saúde primários. Em

determinadas áreas, como a dos transportes, faz-se, ainda, apelo a normas

estatutárias específicas para implementar projectos de PFI/PPPs (Vernon e

Sanders, 2007).

116 Sectorialmente, a delegação de actividades públicas ao sector privado era possível através do National Health Service and Community Care Act 1990, que permitiu a criação de trusts; do New Roads and Street Works Act 1991, sobre concessões rodoviárias; do Criminal Justice Act 1991, que previa a possibilidade de delegação contratual a um privado da construção e da gestão de prisões; e do Criminal Justice and Public Order Act 1994, que autorizava a delegação, com excepção do poder disciplinar, dos centros de segurança destinados a menores (Secure Training Centers) (Cossalter, 2001: 26-29).

Page 193: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

165

Os contratos de DBFO, isto é, de concepção, realização, financiamento

e gestão de uma infra-estrutura, constituem a maioria dos contratos de PFI, e

são verdadeiros contratos de Common Law, não permitindo o seu regime de

execução distingui-los de contratos celebrados entre dois contraentes

privados. O contrato de PFI é um contrato funcional, pois o seu regime jurídico

não depende de nenhuma categoria determinada, as regras que se lhe

aplicam são as regras de direito comum e a sua denominação reflecte

exactamente o seu conteúdo. A descrição dos contratos de PFI é, assim,

pragmática, visto não existir um regime preestabelecido que permita uma

definição abstracta. Descrever o contrato de PFI implica, pois, descrever os

contratos já celebrados com base nos guias do HM Treasury que determinam

cláusulas essenciais (Cossalter, 2001: 50).

4. Os contratos de PFI/PPPs

Os contratos de PFI englobam acordos tripartidos: um contrato de PFI

principal entre o parceiro público e o parceiro privado; um contrato de

financiamento entre a entidade encarregue de gerir o projecto e a entidade

financiadora; e um acordo directo (direct agreement) entre a entidade

financiadora e a administração. Este mecanismo implica que os contratos de

PFI constituam exemplos típicos de financiamento de projectos (project

financing), nos quais uma sociedade de crédito financia uma actividade

reembolsando-se unicamente com os fluxos financeiros, através dos

pagamentos da administração (Cossalter, 2001: 15)

Seguindo a tipologia exposta no Capítulo I baseada, no essencial, em

Grimsey e Lewis (2004), identificamos os contratos de tipo DBFO (Design,

Build, Finance and Operate) como o modelo padrão de contratos de PFI, a

partir do qual se desenvolvem variantes117. Nestes contratos a fonte de

remuneração privada é normalmente o Estado, ao invés dos utentes.

117 Segundo Cossalter (2001: 13-14) que analisou os documentos do HM Treasury na fase inicial da PFI (entre os anos 1993-1997), distinguiam-se então duas tipologias nos contratos de PFI, uma financeira, outra contratual. A tipologia financeira distingue os contratos de PFI segundo a fonte de remuneração privada: se é o Estado, fala-se em services sold to the public sector; se são os utentes, fala-se em projectos financially freestanding. A tipologia contratual

Page 194: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

166

O financiamento de um contrato de DBFO

Num contrato de PFI de tipo DBFO, a administração confia as diversas

tarefas de um projecto (construção, exploração, etc.) a um consórcio de

empresas constituído especificamente para o efeito - Special Purpose Vehicle

(cf. Capítulo I). O agente financiador celebra acordos com o consórcio do

projecto, as empresas exploradoras e a administração, para garantir o

investimento. Se a execução do contrato não gera os fluxos financeiros

esperados, significa que as sociedades exploradoras não reúnem as

condições para a execução do contrato e ser-lhes-ão aplicadas penalidades

financeiras por parte da administração. Em regra, o financiador pode pôr fim

ao contrato ou substituir-se à sociedade de projecto (cláusula de step-in)

quando os fluxos financeiros baixam até um certo nível. Se o financiador não

quiser assegurar os compromissos assumidos pela sociedade do projecto, a

administração pode procurar um outro explorador ou até assegurar, ela

própria, o serviço, indemnizando o financiador. Estes mecanismos são

previstos no acordo administração-financiadores (direct agreement). Contudo,

sendo este o esquema de base, o mesmo pode sofrer inúmeras variações

(Cossalter, 2001: 16).

A prestação de contas dos contratos de PFI é orientada pelo Financial

Reporting Standard 5 (FRS5) - Reporting the Substance of Transactions:

Application Note F - Private Finance Initiative and Other Similar Contracts’, do

Accounting Standards Board. A prestação de contas é também objecto de

auditorias pelo Controller and Auditor General ou pela Comissão de Auditoria

(isto para o governo local e para projectos no sector da saúde), ou por outros

corpos de auditoria. As despesas são incluídas nos totais da despesa corrente

classificava os contratos segundo o tipo de bens em questão. Os contratos DBFO (Design, Build, Finance and Operate) não especificavam a questão da propriedade no final do contrato. Nos casos em que a propriedade passa para a administração no final do contrato, trata-se de um BOOT (Buil, Own, Operate and Transfer) ou de um DCMF (Design, Construct, Manage and Finance), aplicando-se este apenas aos contratos relativos a prisões. Ao invés, se os bens continuassem propriedade do privado, tratava-se de um BOO (Buil, Own and Operate). Relembre-se que na tipologia que seguimos (Grimsey e Lewis, 2004 e 2005), pelo contrário, os contratos DBFO implicam uma passagem da propriedade para a Administração no final do contrato.

Page 195: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

167

do Financial Statement and Budget Report (FSBR) e na contabilidade dos

respectivos departamentos. O FSBR também inclui estimativas do capital

dispendido pelo parceiro privado em contratos de PFI, o valor do capital dos

projectos de PFI na fase de selecção dos parceiros privados relativo a

contratos que se espera que venham a ser celebrados no prazo de três anos e

os pagamentos futuros ao sector privado relativos a contratos de PFI já em

vigor (International Monetary Fund, 2004: 38).

5. O processo de negociação de um contrato de PFI

Como vimos no Capítulo I, desenvolveu-se no Reino Unido um modelo

de negociação de projectos de PFI seguido pela maioria dos demais países,

conhecido como modelo anglo-saxónico, que expomos de seguida. A

negociação decorre, em regra, por um período de tempo entre 12 e 24 meses,

desde a data da publicação do anúncio até à assinatura do contrato, de

acordo com os passos seguintes118:

1. Fase prévia do processo de negociação – fase de planeamento: são

definidos os objectivos, desenvolvido o designado Outline Business

Case (OBC) e é delineado o projecto de forma a produzir value for

money; analisa-se a viabilidade do projecto com recurso a PFI ou

através de outro método; avalia-se o interesse do mercado; é obtida

aprovação para o projecto; e é criada a equipa do projecto.

2. Publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JOCE) –

inicia-se oficialmente o processo de adjudicação.

3. Pre-qualification Memorandum (PIM) e Pedido de Qualificação

(Request for Qualification - RFQ) – qualificação de propostas: pedido às

empresas que tenham respondido ao anúncio; informação sobre os

membros-chave da empresa ou do consórcio;

Design Brief Discussion – discussão sobre as propostas apresentadas;

nesta fase são seleccionados seis candidatos para a fase seguinte.

118 Cf. Department for Constitucional Affairs. In http://www.dca.gov.uk/courtbuild/courtbuild fr2.htm (Julho de 2007).

Page 196: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

168

4. Apresentação e entrevistas – outline proposals – esta fase assegura

que os candidatos compreenderam o requerido; haverá entrevistas

competitivas com a apresentação de cada um dos consórcios que

tenha respondido ao resumo Output Based Specification119 (OBS).

Avaliação – deverá ser preparada uma proposta com os custos

indicativos, sendo seleccionados três concorrentes para a fase

seguinte.

5. Propostas e negociação (Tendering and negotiations) – propostas e

selecção do candidato – um completo resumo de especificações – OBS

– circulará para os candidatos fornecerem, por escrito, propostas

detalhadas. Os candidatos serão avaliados com base em critérios

financeiros, técnicos, legais, viabilidade e value for money.

6. Adjudicação do contrato.

7. Início da prestação dos serviços contratados.

5. 1. A partilha do risco

Da distribuição do risco dependem, em grande medida, a efectiva

existência de soluções inovadoras nos contratos de PFI e a efectiva existência

de value for money. A gestão do risco associado aos projectos de PFI é, de

facto, considerada um dos elementos determinantes para a implementação da

PFI e para o seu êxito. A ocorrência de certos tipos de risco pode determinar o

fracasso de um projecto, pelo que a repartição do risco entre a Administração

Pública e o sector privado tem um reflexo directo no value for money e no

alcance dos objectivos da política de PFI. Considera-se que existe um nível de

transferência de risco óptimo, que corresponde ao ponto onde é maior o value

for money (Gil, 2004: 75-76). O value for money teoricamente é incrementado

na medida em que se transferem mais riscos para o sector privado. Tal não

pode, contudo, significar uma transferência excessiva de riscos que o sector

privado não seja capaz de controlar. De acordo com um documento da House

119 “Output based specification” é um resumo dos requisitos necessários que será distribuído à “short list” de candidatos.

Page 197: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

169

of Commons, de 2001, os riscos deveriam ser transferidos para o sector

privado apenas se e até ao nível em que aquele é capaz de gerir esse risco.

Embora a transferência de risco varie de projecto para projecto, quer

porque os riscos não são os mesmos em todos os projectos, quer porque os

efeitos da transferência são distintos, considera-se que nos contratos de

PFI/PPPs, um dos elementos essenciais é estabelecer com clareza qual das

partes deve assumir determinado risco e identificar e construir matrizes de

risco adequadas ao ciclo de vida dos projectos. Quanto mais detalhada e

completa for a análise dos riscos e das probabilidades da sua ocorrência em

cada uma das fases da vida do projecto, mais fácil se torna avaliar o impacto

da distribuição do risco para ambos os parceiros. Uma correcta distribuição do

risco permite atribuir cada risco à parte que melhor o pode gerir, o que

constitui um dos factores chave no sucesso de uma PFI/PPP. Se bem que

transferir riscos para o sector privado é um dos objectivos da PFI, a

transferência de riscos que o sector privado tem dificuldades em assumir será

contraproducente pois acabaria por ser mais onerosa para a administração

pública. No Reino Unido, aquando da aprovação do projecto, é realizado um

teste que consiste em calcular os custos de todo o projecto, quer recorrendo a

PFI/PPPs, quer seguindo o modelo de financiamento tido como tradicional,

outorgando-se valores ao risco que o sector público mantém em ambos – é o

designado Public Sector Comparator (PSC) (Vázquez, 13)120.

6. As áreas de intervenção de PFI/PPPs no Reino Unido

6. 1. Os vários sectores

O Reino Unido é o país com o espectro mais amplo de aplicação

sectorial de PFI/PPPs. Os projectos encontram-se desde os serviços

tradicionais, como infra-estruturas de transporte, escolas, hospitais, tribunais,

120 O Public Sector Comparator consiste num modelo financeiro que permite estimar o custo para o Estado da construção, com recurso ao modelo tradicional de empreitada e da exploração/conservação, por administração directa, durante um período longo de tempo. A construção do PSC é, em regra, uma das tarefas mais importantes e decisivas do processo de concepção e lançamento do concurso público que antecede a execução de projectos.

Page 198: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

170

prisões, esquadras de polícia e quartéis de bombeiros, habitação social, até

serviços relacionados com o ambiente, equipamento militar, sistemas de

informação tecnológica e centros de lazer.

O Gráfico IV.3 mostra a percentagem de projectos de PFI em valor de

capital celebrados por cada departamento governamental. Refira-se que os

investimentos em PFI têm sido realizados em todos os sectores de actividade

do Governo e celebrados por mais de uma centena de entidades diferentes. O

Quadro 1 mostra que os maiores utilizadores dos projectos de PFI têm sido o

Departamento de Saúde (DoH), com um investimento de 6 biliões de libras e

146 projectos, o Departamento de Educação (DfES), com um total de 144

projectos cujo valor de capital ascende a 4,1 biliões de libras, o Departamento

de Transportes (DfT), com 41 projectos e um valor de capital de 4,7 biliões de

libras e o Ministério da Defesa, com um total de 53 projectos e um valor de

capital de 4,7 biliões de libras (HM Treasury, 2006).

Gráfico IV. 3

Contratos de PFI nas diversas áreas por valor de capital (até 2005)

Fonte: HM Treasury, 2006

Legenda:

DEFRA – Department for Environment, Food and Rural Affairs DfT – Department for Transport DfES – Department for Education and Skills DoH – Department of Health DWP – Department for Work and Pensions MOD – Ministry of Defence ODPM – Office of the Deputy Prime Minister HMRC – Her Majesty´s Revenue and Customs

Page 199: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

171

Os contratos na área dos transportes são os mais vastos e os que

envolvem montantes mais avultados, como é o caso do projecto de

modernização do Metropolitano de Londres, que implicou a celebração do

maior contrato de PFI, assim como os da expansão da rede viária e de

construção de grandes pontes e alguns projectos militares (cf. Quadro IV.1).

Os grandes projectos são implementados em conjunto com o Governo central.

Contudo, a maioria dos projectos de PFI envolve os governos locais.

Quadro IV. 1

Os maiores contratos de PFI (1987-2006)

Fonte: International Financial Services

Os investimentos com recurso a PFI/PPPs encontram-se em todo o

território do Reino Unido, desde o Nordeste, ao Noroeste de Inglaterra, ao

País de Gales, à Irlanda do Norte e à Escócia (cf. Gráfico 4). De acordo com o

HM Treasury, todas as regiões do Reino Unido celebraram, pelo menos, 30

contratos de PFI, recebendo, cada região, um investimento na ordem de 600

milhões de libras. Na Escócia foram celebrados 98 projectos, com um total de

Page 200: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

172

valor de capital de 3 biliões de libras, no País de Gales foram assinados 39

contratos com um valor de capital de 600 milhões de libras e na Irlanda do

Norte cerca de 40 projectos foram celebrados, com um valor de capital de 700

milhões de libras (cf. Gráfico 1) (HM Treasury, 2006: 18-19).

Gráfico IV. 4

Projectos de PFI por região e valor

Fonte: HM Treasury, 2006

6. 2. Projectos de PFI/PPPs na área da justiça

6. 2. 1. PFI/PPPs nos tribunais

O Department for Constitutional Affairs (DCA), departamento

governamental de administração da justiça, tem vindo a apostar em PFI/PPPs

para o melhoramento de edifícios e de serviços dos tribunais, tanto dos

tribunais dependentes do Her Majesty’s Court Service, como dos Magistrates

Courts. Aquele Departamento, através do Court Service, financia e gere os

Crown Courts e os County Courts. Quanto aos Magistrates Courts, as

autoridades locais são responsáveis pelos edifícios.

Page 201: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

173

Os projectos PFI/PPPs podem envolver um ou mais tribunais e dizem

respeito ao fornecimento de serviços respeitantes a tecnologias de

informação, à construção, à remodelação e ao restauro de edifícios de

tribunais, assim como à gestão, manutenção e prestação de serviços conexos

aos edifícios (o denominado facilities management)121. Os contratos têm,

geralmente, uma duração média de 25 anos122.

Houve a preocupação de criar estruturas efectivas para apoio e controlo

do processo. Estas estruturas são constituídas pelos elementos seguintes: um

project board ou steering group, que geralmente compreende um senior

budget holder e um senior user, com poderes de acção durante as fases

centrais do projecto; um project manager, que dirige o desenvolvimento do

projecto e assegura que tudo é praticado no tempo devido e dentro do

orçamento previsto; e o designado project team, constituído por pessoas com

competências nas áreas financeira, técnica e de consultoria jurídica123.

Nas fontes consultadas são referenciados dez projectos relativos a

tribunais a decorrer124. Mais concretamente, estão em causa nove projectos

de edifícios ou conjuntos de edifícios de tribunais (Avon & Somerset

Magistrates Courts, Derbyshire Magistrates’ Courts, East Anglia Courts, Exeter

Combined Courts, Hereford and Worchester Magistrates Court, Humberside

Magistrates Courts, Manchester Magistrates Courts, Northen Ireland Courts

New Courts Complex e UK Supreme Court – Middlesex Guildhall).

Avon & Somerset Magistrates Courts

Trata-se de uma PFI para a construção de dois novos complexos de

Tribunais em Bristol e em Worle, no condado de Somerset. O parceiro público 121 O “facilities management” ou “FM” inclui as modalidades Hard FM (englobando, tradicionalmente, a manutenção do edifício, sistemas de gestão do edifício, planificação e configuração do espaço, etc.) e Soft FM (englobando, tradicionalmente, serviços de informação e de recepção, de limpeza, de restauração, de segurança, de reprografia, de estafeta e de estacionamento, etc.). 122 Cf. Department for Constitucional Affairs. In http://www.dca.gov.uk/courtbuild/courtbuild fr2.htm (Julho de 2007). 123 Idem. 124 Cf. Partnerships UK. In http://www.partnershipsuk.org.uk/ (Agosto de 2007).

Page 202: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

174

neste projecto é o Somerset County Council e o parceiro privado um consórcio

criado para o efeito125. A construção do edifício, o projecto de arquitectura e o

facilities management cabe a diferentes empresas, sendo a entidade

financiadora um banco. Os parceiros público e privado apresentam diferentes

consultores financeiros, de consultoria jurídica e em matéria de seguros.

Este projecto envolveu a construção de novos palácios da justiça em

Bristol126 e em Worle127, assim como, em Worle, a construção de um segundo

edifício, destinado ao exercício de funções executivas, de apoio e de

formação. Este contrato foi celebrado pelo prazo de 27 anos e o seu valor

global ascende a 54 milhões de libras.

Derbyshire Magistrates’ Courts

Este projecto diz respeito à construção de novos edifícios para os

Magistrates’ Courts no condado de Derbyshire, mais concretamente, em

Derby, Chesterfield e New Mills. Além da construção dos edifícios, o projecto

inclui também a gestão, manutenção e prestação de serviços conexos

(facilities management), bem como a renovação do antigo edifício do tribunal

de St. Mary’s Gate, em Derby.

O parceiro público desta PFI é o Derbyshire County Council128. O valor

global deste projecto é de 31 milhões de libras.

East Anglia Courts

Este projecto de PFI diz respeito a novas instalações para os tribunais

de East Anglia, em Ipswich e em Cambridge129.

125 O consórcio é denominado Services Support (Avon & Somerset) Ltd.. 126 Este edifício possui, designadamente, doze salas de audiência e uma área para o Probation Service. O projecto implicou, ainda, a deslocação da estação central de autocarros e o realojamento de funcionários do tribunal. O edifício de Worle é menor, possuindo cinco salas de audiência. 127 O edifício de Worle é menor, possuindo cinco salas de audiência. 128 O parceiro privado é a multinacional Babcock & Brown. 129 Em cada edifício existem instalações adaptadas para pessoas portadoras de deficiências motoras (juízes, jurados, arguidos e utentes em geral); áreas de espera separadas para

Page 203: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

175

A entidade pública envolvida nesta PFI é o Court Service, enquanto que

o parceiro privado é um consórcio de empresas130.

Este contrato terá a duração de 25 anos e o seu valor global ascende a

25 milhões de libras.

Exeter Combined Courts

Trata-se de um projecto de PFI, a decorrer no condado de Devon, que

diz respeito aos Crown Courts e aos County Courts de Exeter. Mais

concretamente, implicou a criação de um novo edifício131 que entrou em

funcionamento em Abril de 2004.

A entidade pública envolvida nesta PFI é o Court Service, enquanto que

o parceiro privado é um consórcio de empresas132.

Hereford and Worchester Magistrates Court

Este é um projecto de PFI a decorrer no condado de Worcester que diz

respeito a novos edifícios de tribunais em Kidderminister, Hereford e em

Worcester, bem como ao restauro do edifício do tribunal já existente em

Redditch.

O parceiro público neste projecto é o Worcester County Council e o

parceiro privado um consórcio de empresas133. O valor global deste projecto

ascende a 25 milhões de libras.

Humberside Magistrates Courts

membros do público; salas de consulta de dimensões variadas; área de restauração; e instalações para o Judiciário (Judiciary), para funcionários do Court Service e para outras organizações fexternas ao Court Service. 130 O consórcio é denominado Modern Courts East Anglia. 131 Este edifício é composto por quatro salas de audiência para processos-crime e de uma sala de audiência para processos cíveis, bem como instalações para o Exeter Probate Sub-Registry e o Court Service Group manager’s office. 132 Este consórcio denomina-se Enterprise Civic Buildings Limited e UK Ltd.. 133 O consórcio é constituído por duas empresas, tendo ficado a concepção e obras de construção/restauro dos edifícios a cargo de uma terceira empresa.

Page 204: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

176

Esta PFI refere-se a novos edifícios de tribunais em Hull, Beverley and

Bridlington, bem como a serviços conexos. Estes edifícios estão operacionais

desde Novembro de 2001.

O parceiro público desta PFI é o East Riding of York County Council, e

o parceiro privado é um consórcio de empresas134.

Este contrato terá a duração de 27 anos, ascendendo o seu valor global

a 19 milhões de libras.

Manchester Magistrates Courts

Trata-se de um projecto de PFI respeitante à construção de um novo

edifício para o Magistrates Court de Manchester, o qual se encontra

operacional desde Abril de 2004.

O parceiro público neste contrato é o Manchester City Council, e o

parceiro privado também é um consórcio de empresas.

O valor global deste projecto é de 30 milhões de libras.

Northern Ireland Courts New Courts Complex

Este é um contrato de PFI para a construção, na Irlanda do Norte, de

um novo edifício para o tribunal de Laganside – Belfast, localizado junto do

parque judiciário já existente. Trata-se de um edifício que inclui dezasseis

salas de audiência. Encontra-se operacional desde Dezembro de 2001.

A entidade pública envolvida nesta PFI é o Northern Ireland Court

Service, enquanto que o parceiro privado é um consórcio de empresas135.

São várias as entidades bancárias envolvidas neste projecto.

Este contrato terá a duração de 25 anos, ascendendo o seu valor global

a 28,2 milhões de libras.

UK Supreme Court – Middlesex Guildhall

134 O consórcio criado para o efeito denomina-se Modern Courts of Humberside Limited. 135 O consórcio denomina-se Consul Services (NI) Limited. Trata-se de um projecto premiado: obteve o Private Finance Initiative Award 2000 e o Building of the Year Award 2002, na RSUA Design Award 2002 Ceremony.

Page 205: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

177

Este é o projecto mais recente no Reino Unido em matéria de PPPs e

PFIs respeitantes a tribunais. Trata-se de uma PPP para um novo edifício que

albergará o Supremo Tribunal do Reino Unido (Supreme Court for the United

Kingdom), no centro da cidade de Londres136.

O parceiro público desta PPP é o DCA. O contrato terá a duração de 30

anos, estimando-se o seu valor global em 30 milhões de libras.

Sheffield Family Hearing Centre

Também para o Family Hearing Centre de Sheffield, South Yorkshire,

foi celebrado um contrato de PFI. Está, aqui, em causa uma infra-estrutura de

tecnologias de informação e de telecomunicações para o grupo de tribunais de

Sheffield (Sheffield Court Group), fornecendo aos district e circuit judges meios

para realizarem as suas tarefas de forma mais eficiente e eficaz. No projecto

inclui-se, também, a criação de novas instalações para o Family Hearing

Centre137.

Neste projecto o parceiro público é o Court Service. A duração do

contrato será de 30 anos e o seu valor global está estimado em 5 milhões de

libras.

6. 2. 2. PFI/PPPs no sector prisional

O sistema prisional é, na área da justiça, o sector que mais cedo

recorreu a contratos de PFI/PPPs. De facto, tem-se lançado mão de contratos

136 Para responder à necessidade de um espaço suficientemente grande e com dignidade adequada para o funcionamento do Supreme Court, o DCA optou pela renovação de um edifício histórico do centro de Londres, Middlesex Guildhall, onde antes funcionou um Crown Court. O projecto de renovação do edifício implicará o melhoramento completo dos interiores, incluindo a colocação de rampas para cadeiras de rodas e elevador, bem como a instalação de estruturas para os meios informáticos e de comunicação. Prevê-se que as instalações estejam operacionais em Março de 2009. A concepção e planificação do projecto ficará a cargo de uma empresa que manterá o seu papel de consultora durante o tempo de duração do contrato, por forma a garantir que o projecto corresponde aos objectivos e standards acordados (cf. DCA - In http://www.dca.gov.uk/supreme/index.htm). 137 As novas instalações previstas no projecto são duas salas de audiência (courtrooms) e duas salas de depoimentos (hearing rooms),estando, ainda incluída a manutenção, limpeza, gestão energética, catering, e serviços de segurança e de recepção. Neste projecto os parceiros privados são uma empresa e autoridades locais.

Page 206: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

178

de PFI/PPPs por forma a responder às necessidades de infra-estruturas no

sector prisional, quer de estabelecimentos prisionais, quer de centros de treino

(polidesportivos) para jovens delinquentes. De referir que os estabelecimentos

prisionais que operam em regime de PPPs albergam mais de 10% da

população carcerária do Reino Unido (cf. UK Trade & Investment).

Referimos seguidamente os vários projectos relativos ao sector

prisional que se encontram a decorrer e/ou em processo de planificação138.

Dá-se, ainda, conta de dois projectos de estabelecimentos prisionais,

com capacidade para 600 reclusos cada, em Liverpool (mais concretamente,

em Maghull) e em Londres (em Belmarsh West), e que se prevê que serão

objecto de contratos de PFI. Nesses projectos, o parceiro privado será

responsável pela concepção, construção, gestão e financiamento das

instalações, as quais serão enquadradas em complexos prisionais já

existentes. Os contratos serão celebrados pelo prazo de 25 anos, prevendo-se

que as instalações se encontrem operacionais em 2010.

Os projectos de PFI/PPPs relativamente a estabelecimentos prisionais

em curso são, actualmente, os seguintes: HMP& YOI Ashfield, HMP Altcourse

(Fazakerley), HMP Bronzefield (Ashford), HMP Dovegate, HMP Forest Bank,

HMP Lowdham Grange, HMP Parc, HMP Peterborough e HMP Rye Hill (todos

da responsabilidade do Prison Service) e HMP Kilmarnock (da

responsabilidade do Scottish Prison Service)139.

No que concerne a centros de treino (polidesportivos) para jovens

delinquentes, são referenciados os seguintes projectos: STC Cookham Wood

(Medway), STC Hassockfield, STC Oakhill – Milton Keynes e STC Onley140.

HMP & YOI Ashfield

Trata-se de uma PFI respeitante a um estabelecimento prisional com

capacidade para 400 jovens reclusos em Pucklechurch, na zona de Bristol. As

138 Cf. Partnerships UK. In http://www.partnershipsuk.org.uk/ (Agosto de 2007). 139 A sigla HMP corresponde a Her/His Majesty’s Prison. 140 Uk Trade & Investment. 2004. In https://www.uktradeinvest.gov.uk/ukti/fileDownload/ppp brouchureenglish.pdf?cid=388159 (Julho de 2007).

Page 207: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

179

instalações encontram-se em funcionamento desde Novembro de 1999. Este

contrato tem a duração de 25 anos.

As entidades públicas envolvidas neste projecto são o HM Prison

Service e o Home Office141. O valor global do contrato ascende a 30,7 milhões

de libras.

HMP Altcourse (Fazakerley)

Este projecto de PFI consiste na concepção e gestão de um

estabelecimento prisional em Fazakerley, Liverpool, com capacidade para 600

reclusos, tendo, ainda, capacidade adicional para 300 reclusos142.

Este foi o primeiro grande projecto de edificação a estar sujeito a uma

PFI, sendo considerado um marco na evolução dessa figura contratual. Na

verdade, este projecto criou novos standards em matéria de concepção,

eficácia de custos e gestão de população prisional. Em comparação com

projectos de complexos prisionais sujeitos a modelos contratuais ditos

tradicionais, o HMP Altcourse comportou gastos mais reduzidos para o HM

Prison Service. Merece, também, referência o facto de ter ficado operacional

cinco meses antes do previsto.

O HMP Altcourse é dirigido por conta do HM Prison Service, sendo

parceiros públicos o HM Prison Service e o Home Office143.

Este complexo prisional encontra-se operacional desde Dezembro de

1997, vigorando o contrato de PFI pelo prazo de 25 anos. O seu valor global

ascende a 88 milhões de libras.

HMP Bronzefield (Ashford)

141 O parceiro privado é um consórcio, denominado Pucklechurch Custodial Services Ltd.. 142 O complexo prisional é constituído por seis blocos habitacionais, cada um com capacidade para 150 reclusos, com um sétimo bloco adicional para mais 180 reclusos. O projecto contém, também, um muro circundante e um sistema de alarme de tecnologia de topo, bem como edifícios de apoio, incluindo área de entradas e de visitas, um centro médico, e áreas destinadas aos serviços administrativos, educação, restauração, exercício físico e lavandaria. 143 O parceiro privado é uma empresa titular de uma concessão, pelo prazo de 25 anos, abarcando a concepção, construção, gestão e financiamento do novo estabelecimento prisional.

Page 208: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

180

Esta é uma PFI respeitante a um estabelecimento prisional para

mulheres a cumprir penas de prisão de curta duração ou a aguardar colocação

em outro estabelecimento, possuindo instalações com capacidade para 450

reclusas144.

Os parceiros públicos deste projecto são o HM Prison Service e o Home

Office145. O estabelecimento prisional encontra-se operacional desde Junho de

2004., tendo o contrato sido celebrado pelo prazo de 26 anos. O seu valor

global ascende a 47,1 milhões de libras.

HMP Dovegate

Trata-se de uma PFI relativa a uma prisão em Marchington, condado de

Staffordshire, com lotação de para 800 reclusos146.

Os parceiros públicos deste projecto são o HM Prison Service e o Home

Office147.

Este contrato foi celebrado prazo de 25 anos, encontrando-se as

instalações operacionais desde Julho de 2001. O valor global deste projecto é

de 64 milhões de libras.

HMP Forest Bank

Este projecto de PFI diz respeito a um estabelecimento prisional com

alojamento para 800 reclusos, que serve os tribunais da região Norte-Oeste de

Inglaterra148.

Como parceiros públicos deste projecto temos o HM Prison Service e o

Home Office149.

144 Para além das habituais instalações de cuidados de saúde ou para serviços religiosos, este estabelecimento prisional também dispõe de uma unidade infantil, para mães reclusas e respectivos filhos. 145 O parceiro privado é uma empresa constituída para o efeito. 146 Este estabelecimento prisional inclui, também, instalações para actividades terapêuticas e comunitárias. 147 O parceiro privado é uma sociedade constituída para o efeito. 148 As instalações deste estabelecimento prisional foram construídas numa antiga central eléctrica em Manchester (Agecroft Power Station), situando-se dentro de um parque florestal.

Page 209: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

181

As instalações encontram-se operacionais desde Janeiro de 2000,

tendo o contrato sido celebrado pelo prazo de 25 anos. O valor global do

projecto ascende a 38,6 milhões de libras.

HMP Lowdham Grange

Trata-se de uma PFI respeitante a um novo estabelecimento prisional

com capacidade para 500 reclusos, em Lowdham, perto de Nottingham,

Sherwood150.

As entidades públicas envolvidas são o HM Prison Service e o Home

Office151.

Este estabelecimento prisional encontra-se em funcionamento desde

Fevereiro de 1998. O contrato foi celebrado pelo prazo de 25 anos. O valor

global deste projecto ascende a 32 milhões de libras.

HMP Parc

Este projecto é relativo ao primeiro complexo prisional privado no País

de Gales. Trata-se de um projecto de PFI respeitante a uma prisão com

instalações para cerca de 900 reclusos adultos do sexo masculino, bem como

para jovens delinquentes, em Bridgend152.

Esta prisão é gerida pela empresa Securicor Custodial Services, em

representação do Prison Service. As entidades públicas envolvidas são o

National Offender Management Service e o Home Office153.

149 O parceiro privado é um consórcio constituído para o efeito. 150 Trata-se de uma prisão dedicada ao cumprimento de penas de longa duração. 151 O parceiro privado é, também, uma empresa constituída para o efeito. 152 Neste estabelecimento prisional salienta-se a qualidade das instalações: todas as celas são equipadas com instalações sanitárias, ventilação, electricidade e mesmo televisão, para certos regimes; todas as alas se encontram equipadas com telefones, mesas de snooker e ténis de mesa (excepto zona de isolamento), e serviços de bar; e ainda zonas de duches, de lavandaria e de convívio. Para além disso, as instalações encontram-se ergonomicamente adaptadas a pessoas portadoras de deficiencies motoras, designadamente, celas, instalações sanitárias, rampas, elevadores e estacionamento adaptados, tanto para reclusos como para visitas. Possui, ainda, um sistema telefónico adaptado a pessoas com aparelhos auditivos. 153 O parceiro privado é um consórcio, denominado Bridgend Custodial Services Limited.

Page 210: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

182

O valor global deste projecto ascende a 74 milhões de libras. Este

estabelecimento prisional encontra-se em funcionamento desde Novembro de

1997, tendo o contrato sido celebrado pelo prazo de 25 anos.

HMP Peterborough

Este projecto de PFI diz respeito a um complexo prisional misto, com

capacidade para 840 reclusos, em Peterborough154.

As entidades públicas envolvidas são o HM Prison Service e o Home

Office155.

O valor global deste projecto ascende a 64,4 milhões de libras. Este

estabelecimento prisional encontra-se em funcionamento desde Março de

2005, sendo que o contrato vigorará durante 25 anos.

HMP Rye Hill

Este projecto de PFI refere-se a um estabelecimento prisional com

capacidade para 600 reclusos, localizado em Willoughby, no condado de

Northampton.

As entidades públicas envolvidas são o HM Prison Service e o Home

Office, o parceiro privado é um consórcio constituído para o efeito, sendo o

projecto financiado por uma entidade bancária.

O valor global deste projecto é de 34,7 milhões de libras. O

estabelecimento prisional encontra-se operacional de Janeiro de 2001, tendo o

contrato a duração de 25 anos.

HMP Kilmarnock

154 Trata-se da primeiras instalações a serem construídas no Reino Unido para albergar uma para uma população prisional mista (480 homens e 360 mulheres), o que levantou bastantes desafios do ponto de vista da planificação dos espaços, bem como da própria gestão. Quanto às instalações propriamente ditas, é de referir que a ala feminina possui celas individuais e duplas, assim como uma unidade infantil, para mães reclusas estarem com os seus filhos. 155 O parceiro privado é um consórcio, denominado Peterborough Prison Management Ltd..

Page 211: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

183

Este projecto é relativo a um estabelecimento prisional submetido a

uma PFI em Kilmarnock, na Escócia. Está em causa uma prisão com

capacidade para 500 reclusos.

O parceiro público deste projecto é o Scottish Prison Service (SPS)156.

Por meio deste contrato de PFI, o parceiro privado foi encarregado da

concepção, construção, manutenção, financiamento e gestão do projecto (está

em causa a modalidade DBFOM – design, build, finance, operate and

maintain) pelo período de 25 anos. O risco de construção, de manutenção, de

gestão e de disponibilidade correm por conta do parceiro privado durante a

vigência do contrato. Os pagamentos são efectuados pelo SPS com base no

número de vagas disponíveis para reclusos nas instalações, estando sujeitos

a deduções em caso de falha nos níveis acordados de performance.

STC Cookham Wood (Medway)

Trata-se de uma PFI respeitante a um centro de treino (polidesportivo)

para jovens delinquentes localizado em Rochester, no Condado de Kent.

O parceiro público é o Youth Justice Board157.

As instalações encontram-se em funcionamento desde Abril de 1998,

sendo o valor global deste projecto de 8 milhões de libras. Estas instalações

foram, posteriormente, objecto de um projecto de expansão, também sob uma

PFI, no valor de 6,3 milhões de libras.

STC Hassockfield

156 O parceiro privado é um consórcio denominado Kilmarnock Prison Services Limited (KPSL). Este projecto revestiu-se de vantagens consideráveis para o parceiro público. Desde logo, porque foi construído muito rapidamente, entrando em funcionamento num curto espaço de tempo, mais concretamente, em menos de 17 meses após a celebração do contrato – encontra-se operacional desde Março de 1999. Por outro lado, é referido que implicou uma poupança significativa, em comparação com modalidades contratuais ditas tradicionais, tanto no que concerne os custos de capital como os custos de gestão. 157 O parceiro privado é um consórcio constituído por empresas.

Page 212: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

184

Este é, também, um projecto respeitante a um centro de treino para

jovens delinquentes, submetido a um contrato de PFI. Este polidesportivo está

situado em Medomsley, em Durham, e encontra-se operacional desde

Setembro de 1999.

O parceiro público é o Youth Justice Board158. O contrato foi celebrado

pelo prazo de 15 anos, encontrando-se as instalações em funcionamento

desde Setembro de 1999. O valor global deste projecto é de 10 milhões de

libras.

STC Oakhill – Milton Keynes

Trata-se de mais um projecto de um centro de treino para jovens

delinquentes submetido a uma PFI. Este Centro situa-se em Oakhill, Milton

Keynes, e encontra-se operacional desde Agosto de 2004.

O parceiro público é o Youth Justice Board159.

Este contrato foi celebrado prazo de 25 anos e o valor global é de 19,54

milhões de libras.

STC Onley

Temos aqui mais uma PFI relativa a um centro de treino para jovens

delinquentes. Estas instalações situam-se em Rugby, Warwickshire, e

encontram-se operacionais desde Julho de 1999. O contrato foi celebrado pelo

prazo de 15 anos.

O parceiro público é o Youth Justice Board160, o privado uma sociedade

constituída para o efeito e a entidade financiadora é um banco.

O valor global deste projecto é de 8 milhões de libras. Este Centro foi

objecto de um projecto de expansão, em 2001-2002, o qual também foi sujeito

a uma PFI. Esse contrato foi celebrado, entre as mesmas entidade, pelo prazo

de um ano. O valor deste projecto de expansão foi de 6,3 milhões de libras.

158 O parceiro privado é um consórcio, denominado Medomsley Training Services Ltd.. 159 O parceiro privado é um consórcio constituído para o efeito, denominado STC (Milton Keynes) Limited. 160 O parceiro privado é uma sociedade constituída para o efeito.

Page 213: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

185

7. As PFI/PPPs no Reino Unido: um breve balanço

Na perspectiva da administração pública, comparativamente com a

forma tradicional de prestação de serviços públicos, as PFI/PPPs apresentam

vários benefícios, conferindo aos sectores público e privado vantagens mútuas

a longo prazo. São identificados como principais benefícios os seguintes161:

aumento das expectativas positivas em relação aos serviços públicos;

introdução do factor competitivo com o desmantelamento de situações de

monopólio; melhoria de prestação dos serviços públicos, permitindo que o

Governo disponibilize mais serviços públicos, mais eficientes e com mais

qualidade162; reforço das infra-estruturas; construção de edifícios e criação de

serviços que de outra forma não estariam disponíveis; manutenção dos bens

públicos com elevados padrões de qualidade; poupança; partilha do risco

inerente; melhor mobilização do capital; value for money; transparência

financeira e eliminação dos custos com atrasos nos projectos; e, finalmente,

inovação e uma nova cultura organizacional do serviço público.

De acordo com a National Development Finance Agency, da República

da Irlanda, que realizou um estudo sobre os projectos de PPP - UK National

Audit Office (NAO) Survey of 38 PPP Projects - , 20% dos projectos excediam

os valores orçamentados e 24% apresentavam um atraso na sua finalização.

Contudo, quando se comparava com a contratação clássica destes projectos,

73% dos projectos excediam o orçamento e o atraso na entrega era da ordem

dos 70% (Counihan, 2004).

O Governo britânico, num relatório de 2000, concluía que as PPP

proporcionavam um melhor value for money e que, em média, permitiam uma

economia superior a 17%, em comparação com as formas tradicionais de

contratação. Uma avaliação de performance concluída em 2003 constatou que

161 How to access UK expertise in Public Private Partnerships – A brief guide from UK Trade & Investment. 2004. UK Trade & Investment, in http://www.ppp.mg.gov.br/download/uk_brail ia.pdf, pág. 12 ss. (Julho de 2007). 162 Public Private Partnerships. The Government´s Approach. The Stationery Office: London, in http://www.hm-treasury.gov.uk/mediastore/otherfiles/ppp2000.pdf (Julho de 2007), 35. Para mais detalhe, ver pág. 35.

Page 214: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

186

o tempo de atraso no cumprimento dos prazos foi reduzido em relação à

contratação tradicional, tendo os projectos sido concretizados no prazo em

cerca de 90% dos casos163. Estes resultados foram confirmados pelo National

Audit Office (NAO).

O relatório Value for Money Drivers in the Private Finance Initiative, de

2000164, que avalia a existência de value for money nos projectos cuja fase de

construção já decorrera e se encontravam em fase operacional concluiu,

relativamente aos factores que influenciam o value for money dos contratos de

PFI/PPPs, designadamente, o seguinte: (1) quanto à transferência do risco, o

factor que mais importância tem para aumentar o value for money é a

transferência dos riscos que, por comparação com o sector público, possam

ser melhor geridos pelo sector privado; (2) um dos elementos que é tido como

condição essencial para se obter value for money é os contratos serem de

longa duração, visto durante a execução do contrato ser possível a

recuperação do investimento inicial, desenvolver novos meios de provimento

do serviço e centrar a gestão nos custos totais do projecto, equilibrando a

estrutura de receitas e encargos numa perspectiva de longo prazo; (3) a

medição do desempenho e incentivos actua como garante da obtenção do

value for money assegurado aquando da adjudicação; (4) a competição é

outro elemento a ter em conta, pois quanto maior for a concorrência na fase

de concurso, melhor será o preço e, logo, maior será o value for money; (5) e,

outro factor determinante para o sucesso de uma PPP, é a capacidade de

gestão do sector privado para conseguir reduzir as ineficiências operacionais.

Apesar do reconhecimento de vantagens várias, a aposta nas PFI/PPPs

nos últimos anos tem vindo a diminuir no Reino Unido, sobretudo, porque se

tornou evidente que muitas das vantagens apontadas às PFI/PPPs não se

concretizaram. São apontadas várias razões, entre elas: a relativa falta de

atenção dispensada aos aspectos organizacionais em detrimento dos lucros; o

facto de o sector público não dispor de conhecimentos e experiência 163 Nas escassas situações em que os projectos não foram cumpridos no prazo estabelecido - em regra devido a alterações dos requisitos por parte do sector público – foi o sector privado que suportou os encargos daí decorrentes. In UK Trade & Investment. 2004. 164 Arthur Andersen and Enterprise LSE. 2000. Value for Money Drivers in the Private Finance Initiative, apud Campos: 2007, 39-41.

Page 215: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência do Reino Unido: o pioneirismo das parcerias público-privadas

187

suficientes, até mesmo para seleccionar os consultores qualificados; a

redução do investimento em inovação; a política de definição de prioridades

de investimento165.

A avaliação da poupança efectiva é um dos principais factores de

controvérsia. Após ter analisado 121 projectos, o National Audit Office, em

2001, concluiu que, no caso dos hospitais, o recurso a PFI em vez do

financiamento tradicional implica, em média, uma poupança de custos na

ordem apenas de 1,7% (Vázquez, 2006: 13).

Uma forte objecção aos projectos de PFI/PPPs prende-se com a

renegociação dos projectos. Uma vez terminada a construção da infra-

estrutura, é frequente que o parceiro privado consiga um re-financiamento

muito mais vantajoso do que o financiamento inicial, uma vez que uma grande

parte do risco já foi eliminado e o devedor do arrendamento é a Administração,

o que significa um risco muito baixo. Ora, essas vantagens apenas beneficiam

o parceiro privado, o que leva a que muitos considerem que o parceiro privado

está a “fazer negócio à custa do sector público”. Há, contudo, quem considere

que esta objecção não tem grande fundamento. Por um lado, é razoável que o

promotor, precisamente por assumir o risco, beneficie da boa gestão do

projecto; por outro, participar ou não nos benefícios do re-financiamento

depende das condições do contrato e não por se ter optado pela PFI/PPP. As

orientações emanadas pelo Office of Government Comerce já incluem uma

cláusula sobre re-financiamento nos contratos padrão (Vázquez, 2006: 13).

Diga-se, ainda, que o Reino Unido foi criticado o uso de PFI no National

Health Service por se considerar que tal implicava uma redução no número de

camas nos novos hospitais construídos por meio de PFI. Contudo, a Câmara

dos Comuns, em 2002, elaborou um relatório onde esta questão é analisada,

concluindo-se que não havia qualquer relação entre o recurso a projectos de

PFI e o número de camas de um hospital, apesar de admitir que, em regra, os

novos hospitais têm menos camas do que os antigos hospitais, mas que

165 Public Private Partnerships. The Government´s Approach. The Stationery Office: London. In http://www.hm-treasury.gov.uk/mediastore/otherfiles/ppp2000.pdf, 27. (Julho de 2007).

Page 216: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

188

atribui a outros factores, como o controlo mais eficaz de custos (Vázquez,

2006: 14).

Page 217: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

189

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

Na República da Irlanda, a opção governamental por PPPs está intimamente ligada ao

exponencial crescimento económico do país a partir de meados dos anos noventa do século

passado. Perante a necessidade de investimentos avultados em infra-estruturas, o modelo

contratual de PPPs foi considerado uma solução viável. O processo iniciou-se com um estudo,

encomendado pelo Governo em 1998, cujo objectivo central era avaliar a possibilidade de utilização

de parcerias público-privadas. Os primeiros projectos-piloto tiveram início no ano seguinte. As PPPs

adquiriram grande relevo na execução do Plano de Desenvolvimento Nacional 2000-2006, em

particular no âmbito do Programa Operacional de Infra-estruturas Económicas e Sociais. O Plano de

Desenvolvimento Nacional 2007-2013 confere igual preponderância às PPPs: do investimento global

previsto de 76,2 biliões de euros, cerca de 12 biliões de euros dizem respeito a projectos PPP.

Não existe no ordenamento jurídico irlandês um diploma legal que, de forma exclusiva e

global, regulamente a contratação sob a forma de PPP, embora em 2002 tenha sido publicado um

diploma (The State Authorities Act 2002- Public Private Partnership Arrangements) considerado

fundamental para a consolidação das PPPs na Irlanda. A Unidade Central de PPP define,

complementarmente, directivas, bem como notas técnicas mais detalhadas, relativamente ao

processo de adjudicação de PPPs e aos procedimentos a adoptar, o mesmo fazendo as várias

unidades de PPP dos diferentes departamentos governamentais. O Departamento de Finanças

estabelece, igualmente, directivas nesse âmbito.

O Governo considerou que uma efectiva implementação de PPPs no país requereria a

criação de órgãos governamentais especializados nesta matéria, com competência e conhecimentos

adequados para gerir esta nova abordagem à contratação pública, o que levou à criação de vários

organismos com o objectivo de tornar mais eficaz essa implementação. Como estruturas centrais de

fiscalização e controlo de PPPs, foram criadas a Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional

(NDFA), como centro especializado de aconselhamento financeiro, e a Unidade Central de PPPs

(Central PPP Unit), com competência para coordenar o processo de implementação de PPPs.

Dentro deste organismo, a gestão dos processos é feita através de dois grupos: um Grupo

Interdepartamental de PPPs e um Grupo Informal de Consultoria de PPPs. Existem, também,

unidades responsáveis pelas PPPs em determinados departamentos governamentais. Foi, ainda,

criado no seio do Governo um Sub-Comité para as Infra-estruturas e Parcerias Público-Privadas.

São várias as modalidades de parcerias público-privadas utilizadas nos diferentes sectores.

No sector da justiça, as modalidades utilizadas são a designada DBFOM, que transfere para o

parceiro privado a concepção, construção, financiamento, gestão e manutenção da infra-estrutura

ou DBFM, que exclui a gestão. Existem, actualmente, contratos em execução ou em processo de

adjudicação em diferentes sectores, designadamente, educação, ambiente, habitação, transportes e

redes viárias e ferroviárias. No sector da justiça, o recurso a esta forma de contratação é mais

recente e menos relevante. Os primeiros projectos, da responsabilidade do Courts Service e do

Prison Service, encontram-se, actualmente, em fase de adjudicação ou de construção. Estão em

curso os seguintes projectos: um relativo à construção de um complexo de tribunais, um outro a

obras de ampliação, conservação e restauro de edifícios de diversos tribunais e outros dois relativos

à construção de dois estabelecimentos prisionais.

Page 218: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

190

Page 219: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

191

Introdução

Na República da Irlanda, a opção governamental por PPPs está

intimamente ligada ao exponencial crescimento económico do país, a partir de

meados dos anos noventa do século passado. Nesse contexto de rápido

crescimento, e perante a necessidade de investimentos avultados em infra-

estruturas, o modelo contratual de PPPs foi considerado uma solução viável.

O recurso a parcerias público-privadas na República da Irlanda é, assim,

recente. O processo iniciou-se com um estudo, encomendado pelo Governo

em 1998, cujo objectivo central era avaliar a possibilidade de utilização de

parcerias público-privadas. Os primeiros projectos-piloto tiveram início no ano

seguinte.

A possibilidade de recurso a parcerias público-privadas na República da

Irlanda vinha sendo discutida pelos vários parceiros sociais quando, em 1998,

o Governo encomendou um estudo às consultoras Farrell Grant Sparks and

Goodbody Economic Consultants e Chesterton Consulting, com vista a

explorar o potencial das parcerias público-privadas no país. Em Julho desse

mesmo ano, aquelas consultoras apresentaram o respectivo relatório, no qual

recomendaram, em especial, o desenvolvimento de projectos-piloto em

diferentes sectores e a criação de Unidades de PPP (PPP Units) em sectores-

chave do Estado, que viessem a supervisionar os processos de adjudicação e

o cumprimento dos futuros contratos. Na sequência daquelas recomendações,

foram criadas Unidades de PPP no Departamento166 de Finanças (Unidade

Central de PPPs), bem como unidades especializadas nos Departamentos do

Ambiente e Administração Local, da Educação e Ciência, e das Obras

Públicas (Departments of Finance, Environment and Local Government,

Education and Science, and Public Enterprise).

Em Junho de 1999, foram aprovados pelo Governo vários projectos-

piloto de parceria público-privada no sector das estradas, nos serviços de

166 Correspondem sensivelmente aos nossos Ministérios. Não obstante, optou-se por manter a nomenclatura original, já que também existe a palavra ”ministry” em inglês. Na República da Irlanda, ao contrário do Reino Unido, optou-se por “department” e não por “ministry”.

Page 220: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

192

água e saneamento, de recolha de lixo, no sector da educação e no sector dos

transportes públicos167.

Em Setembro desse mesmo ano, o Governo encomendou à consultora

Price Waterhouse Coopers um novo estudo referente à implementação de

parcerias público-privadas na Irlanda. Outro estudo complementar foi, ainda,

encomendado pelo Departamento de Finanças à mesma Consultora em 2001.

Na sequência desses estudos, o então Ministro das Finanças, Charlie

McCreevy, apresentou, no dia 1 de Novembro de 2001, o Plano para PPPs na

Irlanda (Framework for PPP in Ireland). Trata-se de um documento no qual é

delineado o escopo, princípios estruturantes e objectivos do programa de

introdução de parcerias público-privadas no país. Nele é feita a identificação

das principais questões que se colocam na implementação de projectos de

parcerias público-privadas, designadamente, a necessidade de uma

coordenação centralizada por uma Unidade Central de PPPs (Central PPP

Unit) e o reconhecimento do papel dos parceiros sociais e da importância da

auscultação das suas posições168.

Em 12 de Dezembro de 2001, teve lugar, em Cork, o primeiro de uma

série de seminários regionais informativos. Esses seminários revestiram-se de

particular importância, já que tiveram como objectivo esclarecer os membros

das audiências regionais sobre as vantagens das parcerias público-privadas,

explicando o conceito e apresentando o referido Plano de PPPs na Irlanda.

Em Dezembro desse mesmo ano, foi promulgado o Transport (Railway

Infrastructure) Act 2001. Trata-se do primeiro diploma a referir a utilização de

parcerias público-privadas e a regulamentar a sua adjudicação, no sector dos

167 Cf. “Briefing Note Number 5: PPP Programme (May 2000)”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 168 Cf. ”Framework for Public Private Partnerships” e “Briefing Note Number 13: The Framework for Public Private Partnership in Ireland”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). Cf., igualmente, http://finance.irlgov.ie/Viewprnt.asp?DocID=-1&CatID=17&StartDate=01+January+1999 (Julho de 2007).

Page 221: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

193

transportes169.

Em Março do ano seguinte, o State Authorities (Public Private

Partnership Arrangements) Act 2002 veio introduzir oficialmente as PPPs no

ordenamento jurídico irlandês, a que se seguiram outros diplomas

regulamentadores. Este diploma define o conceito de parceria público-privada

e as modalidades que esta pode revestir. Prevê, também, a constituição de

Special Purpose Vehicles (SPVs)170 com o objectivo de realizar parcerias

público-privadas171. No início de 2002 foram, ainda, criadas Unidades de PPP

no Courts Service e no Departamento de Saúde e Infância (Department of

Health and Children). Em Julho desse ano iniciaram-se os primeiros projectos-

piloto no sector da saúde.

As parcerias público-privadas adquiriram enorme relevo na execução do

Plano de Desenvolvimento Nacional 2000-2006 (National Development Plan

2000-2006 – plano de investimento governamental), em particular no âmbito

do Programa Operacional de Infra-estruturas Económicas e Sociais (Economic

and Social Infrastructure Operational Programme)172.

O Plano de Desenvolvimento Nacional 2007-2013 confere igual

preponderância às parcerias público-privadas: do investimento global previsto

de 76,2 biliões de euros, cerca de 12 biliões de euros dizem respeito a

projectos de parcerias público-privadas173. Deste montante global, quase 9,5

milhões de euros serão aplicados na construção de infra-estruturas, em

especial redes viárias (sobretudo estradas e vias férreas) mas, também, infra- 169 Cf. “Briefing Note Number 2: The development of PPP in Ireland”, disponível no site do Governo Irlandês de PPPs (The Irish Government Public Private Partnership website), in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 170 Os contratos de parceria público-privada são realizados por meio de SPVs. Trata-se de sociedades para cujo capital social contribuem as empresas promotoras do empreendimento em causa. São criadas com a única função de gestão do projecto. Em caso de incumprimento, apenas respondem os capitais próprios dessa SPV. 171 Cf. State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act 2002, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 172 Cf. Plano de Desenvolvimento Nacional 2000-2006, NDFA Annual Repport 2006 e “Briefing Note Number 3: Public Private Prtenership and the National Development Plan 2002-2006”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 173 Cf. Sumário Executivo do Plano de Desenvolvimento Nacional 2007-2013 e NDFA Annual Repport 2006, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).

Page 222: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

194

estruturas de cariz social, nos sectores da justiça, da educação e da

habitação174.

1. O enquadramento legal

Não existe no ordenamento jurídico irlandês um diploma legal que, de

forma exclusiva e global, regulamente a contratação sob a forma de PPP/PFI,

estabelecendo o seu enquadramento legal.

O enquadramento legal das PPPs é, assim, definido, de forma parcelar,

pelos seguintes diplomas: o Transport (Railway Infrastructure) Act 2001; o

State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act, 2002 (No. 1 of

2002); e o National Development Finance Agency Act 2002 e a sua Emenda, o

National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007.

A Unidade Central de PPP (Central PPP Unit) define,

complementarmente, directivas, bem como notas técnicas mais detalhadas,

relativamente ao processo de adjudicação de parcerias público-privadas e aos

procedimentos a adoptar. O mesmo fazendo as várias unidades de PPP dos

diferentes departamentos governamentais175. O Departamento de Finanças

(Department of Finance) estabelece, igualmente, directivas nesse âmbito.

1. 1. The Transport (Railway Infrastructure) Act 2001

Merece referência o Transport (Railway Infrastructure) Act de 2001 pela

sua relevância histórica: neste diploma foi feita a primeira referência a

parcerias público-privadas no ordenamento jurídico irlandês. O Transport

174 Cf. http://www.cityandfinancial.com/assets/documents/20070504165955IrishPPP2007_WEB. pdf (Julho de 2007). 175 Por exemplo, foi publicado, em Abril de 2000, pela Unidade de PPP do Department of Environment Heritage and Local Government, um “Policy Framework for Public Private Partnerships” in http://www.environ.ie/DOEI/DOEIHome.nsf), no qual são dadas informações genéricas sobre parcerias público-privadas, bem como directivas de procedimento mais específicas a respeito da realização de projectos de infra-estruturas por meio de PPPs. (cf. The International Comparative Legal Guide to: PFI / PPP Projects 2007. A practical insight to cross-border PFI / PPP Projects work. Chapter 9 – Ireland. Stowe, Richard e O’Brien, Peter).

Page 223: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

195

(Railway Infrastructure) Act veio, assim, facilitar a participação do sector

privado no desenvolvimento do sector ferroviário, estabelecendo a Railway

Procurement Agency (RPA). Trata-se se uma agência estatal independente,

com competência na adjudicação de projectos para a construção de novas

infra-estruturas na área dos transportes (metropolitano e vias férreas), bem

como de serviços, quer através de parcerias público-privadas (e é devido a

esta referência que a sua importância se justifica no âmbito desta resenha),

quer através de joint ventures ou de outros modelos de contratação176.

1. 2. The State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act, 2002

Como já referimos, o State Authorities (Public Private Partnership

Arrangements) Act introduziu formalmente as parcerias público-privadas no

ordenamento jurídico irlandês. Nele é definido o conceito de parceria público-

privada, incluindo as modalidades que esta pode revestir. Este normativo

também permite a criação de SPVs para a execução de uma parceria público-

privada e permite, igualmente, a contratação com financiadores privados no

âmbito de uma PPP. Clarifica-se, assim, as competências das entidades

públicas para participar em parcerias público-privadas e joint ventures. Estes

poderes complementam os poderes já conferidos a estas entidades por outros

normativos177.

Esta lei é considerada um passo decisivo no desenvolvimento do

processo de PPPs na República da Irlanda, consolidando o interesse do

Governo em utilizar o potencial das parcerias público-privadas no

desenvolvimento de infra-estruturas no âmbito dos Planos de

Desenvolvimento Nacional 2000-2006 e 2007-2013 (National Development

Plans – NDPs).

176 Cf. The Transport (Railway Infrastructure) Act 2001, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 177 Cf. The State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act 2002, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).

Page 224: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

196

1. 3. The National Development Finance Agency Act 2002 e The National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007

Estes normativos regulamentam a Agência Financeira de

Desenvolvimento Nacional (National Development Finance Agency – NDFA).

O National Development Finance Agency Act estabeleceu a NDFA, com

o objectivo de criar uma agência governamental que forneça aconselhamento

financeiro a todas as entidades públicas que levem a cabo grandes projectos

de infra-estruturas, quer por meio de parcerias público-privadas, quer por uma

forma contratual dita tradicional178. A Emenda introduzida em 2007 a esta lei

veio alargar as funções da NDFA, confirmando o seu papel como Centro

Estatal Especializado em PPPs. Esta Emenda veio, ainda, aumentar o número

de membros dessa entidade179.

O conceito de PPP no ordenamento jurídico irlandês

As parcerias público-privadas são definidas como parcerias entre

organismos do sector público e entidades do sector privado, com o objectivo

de conceber, construir, gerir, manter e/ou financiar projectos de serviços

públicos ou de infra-estruturas do Estado, em projectos tradicionalmente

realizados através de formas contratuais tradicionais180. Envolvendo a

prestação de serviços (respeitantes à infra-estrutura objecto de parceria), esta

durará por um período não inferior a cinco anos.

É de referir que, na prática, podem existir projectos que não são

adjudicados como parcerias público-privadas na sua totalidade, podendo

incluir partes do projecto em que se utilizarão formas contratuais tradicionais.

Sucede, por exemplo, em alguns projectos que os lotes de terreno onde são

178 Cf. The National Development Finance Agency Act 2002, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 179 Cf. The National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 180 Artigo 3, n.º 1, alínea a), do State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act 2002, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).

Page 225: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

197

construídas as infra-estruturas objecto de parcerias público-privadas são

previamente adquiridos pela entidade estatal responsável e a sua aquisição

não está incluída no contrato de PPP.

2. As modalidades de parceria público-privada

A utilização de parcerias público-privadas pressupõe que o Estado

considere a totalidade das diferentes componentes do projecto e as configure

num só contrato. Essas componentes podem ser as seguintes: concepção do

projecto, construção, financiamento, gestão e manutenção que, em cada

projecto, se podem conjugar de formas variada, o que leva a diferentes

modalidades de parceria público-privada.

Até Novembro de 2006, as modalidades de parceria público-privada

utilizadas na República da Irlanda foram as seguintes: Concessão; DBFOM –

design, build, finance, operate and mantain (concepção, construção,

financiamento, gestão e manutenção; DBFM – design, build, finance and

maintain (concepção, construção, financiamento e manutenção; DBOM –

design, build, operate and maintain (concepção, construção, gestão e

manutenção); e DBM – design, build and maintain (concepção, construção e

manutenção)181.

Concessão

Nesta modalidade, a entidade pública estabelece um acordo com uma

entidade privada para que esta projecte, construa, financie, seja responsável

pela gestão e manutenção de uma dada infra-estrutura, com o objectivo de

prestar serviços, permitindo, em alguns casos, ao privado cobrar aos

respectivos utentes pela utilização do serviço em causa. Assim, o parceiro

181 Cf. State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act 2002 e “Assessment for Projects for Procurement as Public Private Partenership”, pp. 20 e ss., in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).

Page 226: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

198

privado recupera parte do seu investimento cobrando aos utentes pelo serviço

prestado. O montante pago pelos utentes é, geralmente, fixado pela entidade

pública em momento prévio à adjudicação. Dependendo do objecto da PPP, o

pagamento ao parceiro privado pode ser também feito directamente pela

entidade pública.

Nesta modalidade de parceria público-privada, o risco da procura é,

normalmente, atribuído ao parceiro privado. A entidade estatal deverá, então,

antever a possibilidade de a procura exceder o previsto, gerando lucros

anormais, e incluir no contrato, designadamente, uma cláusula de distribuição

dos lucros atingido que seja determinado patamar.

DBFOM – design, build, finance, operate and maintain (concepção,

construção, financiamento, gestão e manutenção)

Este modelo distingue-se da concessão pelo facto de não depender de

rendimentos externos. Na maioria dos projectos sujeitos a esta modalidade de

PPP, o Estado possui ou adquire previamente o local da construção e

concede ao parceiro privado uma licença de longa duração pelo período de

duração do contrato, cabendo a este fornecer os serviços solicitados.

DBFM – Design, build, finance and maintain (concepção,

construção, financiamento e manutenção)

Esta modalidade distingue-se da anterior (DBFOM) pois não inclui a

gestão do projecto por parte do parceiro privado. Tem sido utilizada no

desenvolvimento de redes de transportes ou, mais recentemente, na área da

justiça, em complexos prisionais.

DBOM – design, build, operate and maintain (concepção,

construção, gestão e manutenção)

Modalidade bastante semelhante à DBFOM. A diferença reside no facto

Page 227: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

199

de o parceiro privado não ser o financiador do projecto. O parceiro privado

elabora o projecto e constrói a infra-estrutura, de modo a que esta responda

às exigências do parceiro público. O parceiro privado é remunerado

directamente pela entidade pública na parte correspondente a esta fase do

projecto, como se se tratasse de uma forma contratual dita tradicional. O

parceiro privado é, ainda, responsável por gerir e manter a infra-estrutura por

um período de tempo predefinido. No termo do contrato, a responsabilidade

pelo bem é devolvida à entidade pública. A propriedade do bem mantém-se

sempre na titularidade do sector público.

DMB – design, build and maintain (concepção, construção e

manutenção)

Esta modalidade de PPP distingue-se da anterior (DBOM) pelo facto de o

parceiro privado não gerir os serviços que estão associados à infra-

estrutura/bem em questão182.

3. O processo de adjudicação de uma PPP

O esquema que seguidamente se apresenta mostra as diferentes fases

do processo de adjudicação de parcerias público-privadas na Irlanda183 184.

182 Cf. “Assessment for Projects for Procurement as Public Private Partenership”, pp. 23-25, in www.ppp.gov.ie. (Julho de 2007). 183 Sobre os processos de contratação pública em geral, cf. The International Comparative Legal Guide to: PFI / PPP Projects 2007. A practical insight to cross-border PFI / PPP Projects work. Chapter 9 – Ireland. 184 In “Guidelines for the Provision of Infrastructure and Capital Investments through Public Private Partnerships: Procedures for the Assessment, Approval, Audit and Procurement of Projects”, pg. 3. Julho de 2006 in http://www.ppp.gov.ie/keydocs/guidance/central/Main%20P PP%20Guidelines%20-%20Amended.doc#_Toc144719254 (Julho de 2007).

Page 228: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

200

Figura IV. 1

PPP Procurement Steps within the Capital Appraisal Guidelines framework

1. Preliminary Appraisal

4. Detailed Appraisal (including PPP Procurement Assessment)

5. Approval to proceed and appoint client advisors

2. NDFA assistance

6. Establish Project Management Structure

Capital Appraisal Guidelines

PPP Guidelines

Planning Stage Im

plementation stage

7. Accountable Officer appoints a Process Auditor (PA). PA reports

directly to the Accountable Officer.

9. Procurement Process

8 Compile Output Specifications and Public Sector Benchmark

(PSB)

10. Tender Evaluation (including Value for Money Comparison)

Design Brief

Costs of Project

Changes in Circumstances / Timescale

Pre-Tender Review

Procurement

Review Using Tender Price

Approval to Procure

Audit Process Auditor / Sponsoring Agency

Responsible party

Approval Sanctioning Authority

Project Assessment

Sponsoring Agency / Project Board

Key

3. Approval to Proceed (if significant staff resources

involved in Detailed Appraisal)

Page 229: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

201

Fonte: Governo Irlandês185

Como a figura anterior mostra, o processo de adjudicação de uma

parceria público-privada passa por várias etapas, num total de treze, com

várias sub-etapas. Note-se que as três primeiras etapas são comuns a todos

os processos de adjudicação, quer esteja em causa uma parceria público-

privada ou um mecanismo contratual dito tradicional, enquanto que duas

últimas só terão lugar, como se verificará, em determinados contratos de

parceria público-privada.

O processo inicia-se com uma avaliação preliminar, na qual o

departamento ou agência governamental responsável/interessado deve

especificar as necessidades em causa e em que medida se procura responder

a tais necessidades; identificar todas as opções que se colocam; efectuar uma

avaliação preliminar dos custos e dos benefícios de todas as opções;

seleccionar a opção preferida de entre as hipóteses elencadas previamente e

avaliar se os benefícios que se prevêem serão suficientes para cobrir os

custos; e, com base nessa avaliação, decidir se o processo continua.

Estando completa a avaliação preliminar, e antes de se passar à fase de

avaliação detalhada, é obrigatória a avaliação financeira pela NDFA.

185 Cf. “Guidelines for the Provision of Infrastructure and Capital Investments through Public Private Partnerships: Procedures for the Assessment, Approval, Audit and Procurement of Projects”, pp. 18 e ss.

11. Award of Contract

13. Ongoing Contract Management 12. Post Project Review

Contract Placement

Monitoring & Evaluation

Approval to Implement if Tenders Exceed Appraisal Limits

Page 230: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

202

A fase de avaliação detalhada possui uma sub-fase, na qual se avalia a

opção por uma PPP. É, nesse momento, que o processo de adjudicação de

um projecto de PPP se distingue do de outros modelos contratuais. Assim,

como referimos, no âmbito da avaliação detalhada, a entidade pública

contratante deverá determinar o melhor mecanismo contratual para o caso

concreto e, considerada a opção por uma PPP, a avaliação deverá incidir

sobre determinados aspectos em particular, designadamente, os seguintes.

Desde logo, se o projecto tem uma envergadura e/ou um risco associado

que justifiquem a opção por uma parceria público-privada, e se o projecto será

rentável se contratado sob a forma de PPP. A entidade pública deverá,

também, determinar qual a modalidade de parceria público-privada que

proporcionará mais benefícios para o Estado. Naturalmente, é também

necessário averiguar se a entidade pública em causa tem competência para

contratar parcerias público-privadas. Por outra banda, é, igualmente, avaliado

se o investimento por parte de uma entidade terceira pode reduzir

significativamente o nível de financiamento com dinheiros públicos. É, ainda,

necessário que todas as questões referentes a políticas públicas, que por

qualquer modo, possam afectar o projecto estejam clarificadas e haja acordo

sobre as mesmas. Finalmente, terá de haver estabilidade no sector em causa,

nomeadamente, ao nível tecnológico, e que não seja de esperar modificações

relevantes num futuro próximo.

É de destacar o papel da NDFA nesta fase, na análise financeira do

projecto, bem como dos riscos associados, auxiliando, assim, as entidades

públicas na selecção do mecanismo contratual mais adequado ao caso

concreto.

De seguida, a entidade pública interessada requer autorização para a

prossecução do projecto sob a forma de uma PPP ao organismo com

competência para, no sector em causa, implementar as políticas

governamentais.

Posteriormente, é criada a estrutura de gestão do projecto, o que

Page 231: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

203

geralmente envolve a nomeação de um Conselho do Projecto (project board)

para monitorizar o projecto, de um gestor de projecto (project manager) e de um auditor186.

Nesta fase, são, ainda, traçadas, detalhadamente, as especificações da

infra-estrutura objecto de PPP. É, também, elaborado o Public Sector

Benchmark (PSB), instrumento considerado de grande importância no

processo de adjudicação de contratos de parceria público-privada (indicador

monetário com a estimativa do custo total, rendimentos e risco), fornecendo-

se, assim, às entidades privadas que se candidatam aos projectos quais os

custos, lucros e riscos que estarão em causa naquele contrato de PPP.

Decorridos aqueles procedimentos, é aberto concurso de adjudicação, a

que se segue a avaliação dos candidatos e respectivas propostas (incluindo-

se aqui a value for money comparison). O projecto é adjudicado ao candidato

seleccionado, celebrando-se o contrato entre a entidade pública (agora

parceiro público) e a entidade privada (agora parceiro privado).

Decorrido determinado tempo de vida do contrato são feitas avaliações

do projecto. A avaliação incide, tanto sobre os resultados obtidos, como sobre

os procedimentos levados a cabo pela entidade gestora.

No caso de se tratar de uma parceria público-privada em que o

pagamento depende do cumprimento de determinadas obrigações/resultados

por parte do parceiro privado, a performance deste é constantemente

monitorizada. Essa monitorização será preferencialmente efectuada por uma

entidade terceira ao contrato. Caso se verifique a necessidade de renegociar

qualquer cláusula do contrato, é sempre obrigatório obter um parecer da

NDFA, a respeito das implicações financeiras, do risco ou da segurança

jurídica de eventuais alterações às cláusulas contratuais.

Igual parecer da NDFA é necessário no caso de refinanciamento e/ou

186 Para uma exposição técnica e detalhada das suas funções, ver “Central Guidance 3: Guidelines for the Reporting Arrangements, Role and Function of a Process Auditor in a Public private Partnership Project”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).

Page 232: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

204

reestruturação do projecto durante a vida do contrato de parceria público-

privada, por alteração substancial das circunstâncias. Note-se que tais

alterações não podem agravar a posição do Estado no contrato de parceria

público-privada187.

4. O financiamento nas parcerias público-privadas

A fonte de financiamento mais utilizada nos projectos de parceria

público-privada na Irlanda é através de consórcios de investidores irlandeses

e/ou britânicos, europeus ou norte-americanos. A República da Irlanda é

considerada como particularmente atraente para o investimento directo

estrangeiro, em especial norte-americano, pelo facto de a língua oficial ser o

inglês; não haver restrições de acesso ao vasto mercado comum europeu;

possuir um ambiente macroeconómico estável; possuir uma regulamentação

interna favorável aos negócios; possuir um regime fiscal atractivo; e existir

uma atitude geral de aceitação do investimento estrangeiro188. A título de

exemplo, o contrato de parceria público-privada respeitante à estrada N1/M1

Dundalk Western Bypass foi adjudicado a um consórcio constituído por quatro

sociedades comerciais, das quais duas são estrangeiras: uma empresa

espanhola, uma empresa britânica e duas empresas irlandesas.

5. Estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de PPP

O Governo irlandês considerou que uma efectiva implementação de

parcerias público-privadas no país requereria a existência de órgãos

governamentais especializados nesta matéria, com responsabilidade e

conhecimentos para gerir essa nova abordagem à contratação pública. Assim,

187 Cf. “Guidelines for the Provision of Infrastructure and Capital Investments through Public Private Partnerships: Procedures for the Assessment, Approval, Audit and Procurement of Projects”, pg. 3 e ss.; “Assessment of Projects for Procurement as Public Private Partnership”, pg. 20 e ss.; e “Guidelines for the Appraisal and Management of Capital Expenditure Proposals in the Public Sector”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 188Couniham, Anne (2004), Ireland’s Infrastructure – the role of the National Development Agency and Public Private Partnerships. NDFA, Budapest, 2 Junho.

Page 233: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

205

foram sendo criados vários organismos e estruturas com o objectivo de tornar

mais fácil e eficaz a implementação de parcerias público-privadas.

Logo em 1999, foi criada a Unidade Central de PPPs (Central PPP Unit),

no Departamento de Finanças, para dirigir e coordenar o processo de

introdução das PPPs, a que se seguiu a criação de unidades de PPP (PPP

Units) em vários departamentos governamentais. Posteriormente, em 2002, foi

criada a Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional (National

Development Finance Agency – NDFA), que iniciou a sua actividade em 2003

e cuja composição e funções como órgão consultivo em matéria financeira no

âmbito das PPPs foram sendo alargadas ao longo dos anos189.

Foi, ainda, criado no seio do Governo um Sub-Comité do Gabinete para

as Infra-estruturas e Parcerias Público-Privadas (the Cabinet Sub-Committee

on Infrastructure and Public-Private Partnership), presidido pelo Primeiro-

Ministro, do qual fazem parte o Vice-Primeiro Ministro, o Ministro das

Finanças, o Attorney General (Procurador-Geral da República) e vários

Ministros. Este comité, que funciona, como se depreende, ao mais alto nível

governamental, é apoiado por uma equipa inter-departamental dos sectores

mais relevantes.

5. 1. Estruturas centrais de fiscalização e controlo de PPPs

Como estruturas centrais de fiscalização e controlo de parcerias público-

privadas, existem, assim, a Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional

(National Development Finance Agency – NDFA) e a Unidade Central de

PPPs (Central PPP Unit).

189 Cf. “Briefing Note Number 2: The development of PPP in Ireland”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).

Page 234: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

206

5. 1. 1. A Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional (National Development Finance Agency – NDFA)190

A Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional (National

Development Finance Agency – NDFA) foi criada em 2002 (entrando em

funções em Janeiro de 2003), sob a égide do National Treasury Management

Agency (NTMA), como centro especializado de aconselhamento financeiro

para todas as entidades públicas envolvidas em grandes projectos de infra-

estruturas, quer por meio de parcerias público-privadas, quer através de

formas contratuais ditas tradicionais.

A NDFA tem um papel consultivo, aconselhando as autoridades estatais

acerca dos meios considerados mais adequados para o financiamento (e

refinanciamento) de projectos, bem como em matéria de seguros, de análise

de risco e de investimentos públicos. Concretamente, a NDFA auxilia as

entidades públicas a avaliar os custos e o risco financeiro de projectos

relativos a infra-estruturas, de forma a seleccionar o método de financiamento

mais adequado a cada caso concreto; e a obter financiamento para projectos.

Note-se que, na sua actividade consultiva, a NDFA deve sempre ter em linha

de conta as directivas ministeriais e as políticas seguidas no sector em causa.

No âmbito do seu papel de consultoria, a NDFA deve ter acesso a toda a

informação e documentação relevantes para cada projecto. Pode,

inclusivamente, representar as entidades públicas nele envolvidas em

reuniões e negociações, designadamente, de âmbito financeiro. O parecer

financeiro prévio da NDFA é obrigatório em todos projectos que impliquem um

capital superior a 20 milhões de euros. A NDFA tem, ainda, competência para

adiantar capital até 5 biliões de euros para financiar projectos. Contudo, em

2006, não tinha sido ainda financiado directamente qualquer projecto191.

Para além das referidas funções de aconselhamento financeiro e em

matéria de risco, o papel da NDFA foi alargado em 2005. Esta agência passou 190 Cf. The National Development Finance Agency Act 2002 e The National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007, e, ainda, o documento “Briefing Note Number 14: The National Development Finance Agency (NDFA)”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 191 Cf. o NDFA Annual Repport 2006, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).

Page 235: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

207

a intervir activa – e obrigatoriamente – em todos os processos de adjudicação

de PPPs, com excepção dos relativos a redes viárias, da responsabilidade do

Departamento de Transportes e da sua Unidade de PPP.

Para tanto, foi criado um Centro Especializado para a adjudicação de

PPPs (Centre of Expertise for PPP Procurement) para coordenar os processos

de adjudicação dos projectos até então a cargo dos Departamentos de Saúde

e Infância; da Justiça, Igualdade e Reformas Legais; e da Educação e Ciência.

Com este novo organismo pretendia-se centralizar conhecimentos

especializados, o que permitia apoiar mais eficazmente a implementação e

controlo dos projectos de parceria público-privada.

Em 2007, foi introduzida uma Emenda à National Development Finance

Agency Act (Lei da Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional), que

veio alargar as funções da NDFA, (con)firmando o seu papel como centro

estatal especializado em parcerias público-privadas, também alargado aos

processos até então a cargo dos Departamentos de Artes, Desporto e

Turismo192.

5. 1. 2. A Unidade Central de PPP (The Central PPP Unit)

Existe, também, no Departamento de Finanças, uma Unidade Central de

PPP (The Central PPP Unit), com competência para conduzir e coordenar a

implementação de parcerias público-privadas193. Constituem funções deste

organismo o desenvolvimento do enquadramento legal e técnico, de políticas

de apoio ao processo de parceria público-privada, bem como a disseminação

de boas práticas, procurando-se estandardizar diferentes práticas e, por essa

via, assegurar, designadamente, que os riscos dos projectos de parceria

público-privada sejam avaliados de forma coerente e consistente nos vários 192 Este diploma veio, ainda, adicionar mais três membros ao seu Conselho, o qual é constituído por um Presidente e sete membros ordinários. O Presidente da NDFA é o Chief Executive da National Treasury Management Agency. Os seus membros são nomeados, pelo período de cinco anos, pelo Ministro das Finanças. É o Conselho da NDFA que elege um dos seus membros (outro que não o Presidente) para Chief Executive da NDFA. 193 Cf. http://www.ppp.gov.ie/about/index_html e http://www.finance.gov.ie/viewdoc.asp?DocID= 1250 (Julho de 2007).

Page 236: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

208

sectores.

A gestão dos processos de PPPs é feita através de dois grupos: um

Grupo Interdepartamental de PPPs (InterDepartmental Group on PPPs – IDG)

e um Grupo Informal de Consultoria de PPPs (Public/Private Informal Advisory

Group on PPPs).

Integram o Grupo Interdepartamental de PPPs (IDG) representantes de

todos os sectores da administração pública194. O seu papel centra-se na

identificação das questões mais relevantes que se colocam nos processos de

parcerias público-privadas, na recolha e avaliação das diferentes experiências

e na identificação das melhores práticas no sector. Todo esse know-how é

centralizado e fornecido às entidades públicas envolvidas em parcerias

público-privadas, conferindo consistência e coerência aos procedimentos.

Essa informação é, também, considerada relevante para uma adequada

definição de políticas sobre esta matéria195.

Quanto ao Grupo Informal de Consultoria, este inclui representantes de

várias entidades públicas, das entidades patronais (representatives of the

employers organisations – IBEC), the Trade Union Congress – Irish Congress

of Trade Unions (ICTU), e representantes dos sectores da construção civil (the

construction and engineering sectors – CIF). Este grupo informal é dirigido

pelo Departamento de Finanças, sendo chefiado pelo Presidente da Unidade

Central de PPP (Head of the Central PPP Unit). Trata-se de um fórum

privilegiado de auscultação e de discussão de todos os assuntos relacionados

com parcerias público-privadas, promovendo o desenvolvimento de políticas

nesta matéria. 194 O IDG é dirigido pelo Presidente da Unidade Central de PPP (Head of the Central PPP Unit). São, igualmente, membros os directores das Unidades de PPP dos principais departamentos governamentais. 195 Cf. “Interdepartmental Group on Public Private Partnership – Framework for PPP Awareness and Training: Background and Explanatory Note”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).

Page 237: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

209

5. 2. Unidades de PPP no âmbito de Departamentos Governamentais

Como já referimos, em vários departamentos do governo foram sendo,

paralelamente, criadas Unidades específicas de PPP. Assim, para além da

Unidade Central de PPP, existem também unidades responsáveis pelas

parcerias público-privadas em determinados departamentos governamentais,

caso do Departamento de Ambiente e Administração Local (Department of

Environment and Local Government); do Departamento da Educação e

Ciência (Department of Education and Science); do Departamento de Obras

Públicas, actualmente, transposta para o entretanto criado Departamento de

Transportes (Department of Public Enterprise ,– agora Department of

Transport); do Departamento da Saúde e Infância (Department of Health and

Children); e no Courts Service.

A criação destes organismos veio permitir uma condução sectorial mais

eficiente dos processos de parceria público-privada, embora sempre

dependente do aval financeiro do Departamento de Finanças e das suas

linhas orientadoras, bem como dos pareceres da NDFA.

6. As áreas de intervenção das PPPs

6. 1. Áreas de intervenção geral

Os contratos de parceria público-privada, embora tenham sido

recentemente introduzidos pelo Governo no ordenamento jurídico irlandês,

são já utilizados em vários sectores. Existem, actualmente, projectos de

parceria público-privada a decorrer ou em processo de adjudicação, nas áreas

da educação e da ciência; da saúde e infância; do ambiente, património e

administração local (serviços de água e saneamento, de tratamento de

resíduos sólidos, e os serviços de habitação); dos transportes públicos; das

redes viárias e ferroviárias e de outras obras públicas, tais como pontes e

portagens; e, na área da justiça, relativamente a edifícios de tribunais e

Page 238: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

210

complexos prisionais.

Para se ter uma ideia do âmbito de aplicação dos contratos de parceria

público-privada, a tabela que se segue mostra o investimento previsto pelo

Governo irlandês em PPPs para o período 2004-2008196. Note-se que este

período se encontra entre os dois Planos de Desenvolvimento Nacional (NDP

2000-2006 e NDP 2007-2013), pelo que os projectos aqui incluídos se

iniciaram durante a vigência do Plano 2000-2006 e terminarão já na vigência

do Plano 2007-2013 e, consequentemente, os valores aqui apresentados não

são reconduzíveis por simples cálculo aritmético aos dados apresentados

sobre estes Planos supra.

Quadro IV. 2

Investimento previsto em PPPs para o período 2004-2008

Fonte: NDFA

Pela análise do Quadro, verifica-se que, do investimento previsto pelo

Governo irlandês em PPPs para o período 2004-2008, cerca de 10% (3,6

biliões de euros) está reservado para projectos de parceria público-privada

financiados tanto pelo sector, como pela Agência Financeira de

Desenvolvimento Nacional (National Development Finance Agency – NDFA).

A estimativa prevê, ainda, a probabilidade de existirem 1,4 biliões de

euros de capital gerado pela cobrança directa aos próprios utilizadores. O que

196 Cf. “Ireland’s Infrastructure –The Role of the National Development Finance Agency and Public Private Partnerships”.

Page 239: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

211

se aplica, em especial, no sector das estradas.

6. 2. As PPPs no sector da justiça197

No sector da justiça, a utilização de parcerias público-privadas é muito

recente. De facto, os primeiros projectos, da responsabilidade do Courts

Service e do Prison Service, encontram-se, actualmente, em fase de

adjudicação ou de construção. O objecto da parceria é a construção e, em

alguns casos, também manutenção e/ou gestão de edifícios de tribunais e de

complexos prisionais.

As modalidades de parceria público-privada utilizadas na área da justiça

são a DBFOM, que, como foi supra referido, transfere para o parceiro privado,

a concepção, construção, financiamento, gestão e manutenção da infra-

estrutura, e a DBFM, que transfere a concepção, construção, financiamento e

manutenção da infra-estrutura por parte daquele.

6. 2. 1. Tribunais (entidade responsável – Courts Service)

Existem dois projectos em curso, no que respeita a tribunais. Trata-se do

Complexo de Tribunais Criminais, em Dublin, e outro relativo a obras de

aumento, conservação e restauro de edifícios de diversos tribunais em vários

locais do país198.

Complexo de Tribunais Criminais de Dublin

O Complexo de Tribunais Criminais de Dublin é um projecto de grande 197 Cf. “Strategic Plan 2005-2008” – Courts Service; e Press Release do Courts Service de 26.07.2006 “Once in a Century Investment in a Courthouse – Final details of the €120 million Dublin Criminal Courts Complex Revealed”, in www.courts.ie; e “NDFA Annual Repport 2006”; “PPP Projects”; “Update on PPP Projects, June 2007”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 198 Cf. “Strategic Plan 2005-2008” – Courts Service; e Courts Service Press Release de 26.07.2006 “Once in a Century Investment in a Courthouse – Final details of the €120 million Dublin Criminal Courts Complex Revealed”, in www.courts.ie; e “NDFA Annual Repport 2006”; “PPP Projects”; “Update on PPP Projects, June 2007”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).

Page 240: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

212

importância na área da administração da justiça, desde logo, pela abrangência

do projecto. Este projecto envolve a construção de um complexo de grandes

dimensões, que juntará no mesmo edifício todos os tribunais com competência

criminal até agora espalhados por vários locais da cidade de Dublin: o Court of

Appeal, o Special Criminal Court, o Central Criminal Court, o Circuit Criminal

Court e serviços conexos199.

O Complexo encontra-se actualmente em fase de construção. Prevê-se

que a construção do edifício tenha uma duração de 34 meses, encontrando-se

agendado o início do seu funcionamento para 2010.

A construção e manutenção do Complexo será efectuada através de

uma PPP entre o Courts Service e uma multinacional. O contrato terá a

duração de 28 anos (cerca de três anos para a construção do edifício e os

restantes 25 anos de manutenção).

Trata-se de uma parceria público-privada da modalidade DBFOM (cf.

supra), o que implica que o parceiro privado é responsável pela obtenção do

financiamento, pelo projecto de construção civil e respectiva construção, e

pela gestão e manutenção do edifício construído. O parceiro privado terá a

seu cargo, designadamente, a realização de obras de manutenção e restauro

do edifício, equipamento – colocação do mobiliário e meios tecnológicos – e,

ainda, a prestação de serviços de apoio, tais como restauração e

estacionamento. O custo total do projecto ao longo dos 28 anos de duração

será de 291 milhões de euros, sendo que, destes, 120 milhões de euros dizem

respeito à construção do Complexo.

Projecto relativo a vários tribunais

O outro projecto de parceria público-privada da responsabilidade do

199 O Complexo, com uma área de cerca de 7.620 m2, será constituído por 22 salas de audiência; 100 celas de segurança; secção para reuniões de júri e salas de jurados; áreas específicas para utentes, testemunhas (incluindo testemunhas em perigo), vítimas, arguidos e representantes dos meios de comunicação social; áreas para os magistrados e advogados (barristers e solicitors); salas de consulta; biblioteca; e instalações do Bar Council. Todas as divisões possuirão os meios e materiais tecnológicos adequados, com tecnologia de ponta.

Page 241: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

213

Courts Service consiste em obras de aumento, conservação e restauro de

edifícios de diversos tribunais. Esta parceria público-privada reveste a

modalidade DBFM, pelo que o parceiro privado será responsável pela

elaboração dos projectos, pelas obras de construção e restauro dos edifícios,

e pela sua manutenção, bem como pelo seu financiamento.

Prevê-se que as obras tenham o seu início em meados de 2008,

terminando dois anos depois (em meados de 2010). Os serviços retomarão a

sua actividade nos edifícios em causa até ao final de 2010. Esta parceria

vigorará pelo prazo de 25 anos. Estima-se que o valor final deste projecto de

aumento e restauro seja de 20 a 50 milhões de euros.

6. 2. 2. Estabelecimentos Prisionais (entidade responsável: Prison Service/Department of Justice, Equality and Law reform)

No que concerne a estabelecimentos prisionais, encontram-se em

processo de adjudicação dois grandes projectos de PPP, da responsabilidade

do Prison Service, que serão os primeiros no âmbito do sistema prisional

irlandês: um respeitante ao Estabelecimento Prisional de Thornton Hall e outro

ao Estabelecimento Prisional de Munster200.

Estabelecimento Prisional de Thornton Hall

No caso do Estabelecimento Prisional de Thornton Hall, o objecto da

PPP é a construção de um novo complexo prisional, que substituirá o

Complexo Prisional de Mountjoy, actualmente em funcionamento. Será uma

parceria público-privada da modalidade DBFM, pelo que o parceiro privado,

neste caso, um consórcio de empresas, denominado Leargas, ficará

responsável pela concepção, construção, financiamento e manutenção da

200 Cf. “NDFA Annual Repport 2006”; “PPP Projects”; e “Update on PPP Projects, June 2007”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).

Page 242: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

214

infra-estrutura201. O complexo será construído num terreno previamente

adquirido pelo Prison Service.

Estima-se que o valor global do projecto seja superior a 250 milhões de

euros. Prevê-se que as obras de construção se iniciem ainda em 2007 e que

as instalações comecem a funcionar no final de 2010. A duração do contrato

será de 25 anos.

Apesar de o parceiro privado ter já sido seleccionado em Abril de 2007, o

processo de adjudicação ainda se encontra a decorrer202.

Estabelecimento Prisional de Munster

Encontra-se, igualmente, a decorrer (na fase de avaliação preliminar) o

processo de adjudicação de um contrato de parceria público-privada relativa a

um novo complexo prisional misto (para reclusos do sexo feminino e do sexo

masculino) na região de Munster.

O Prison Service pretende executar o projecto através de uma PPP da

modalidade DBFM, o que significa que o parceiro privado será responsável

pela concepção do projecto e pela construção das instalações, bem como pela

sua manutenção, e, ainda, pelo respectivo financiamento. O contrato vigorará

pelo prazo de 25 anos, estando o seu valor global estimado entre 100 e 250

milhões de euros.

Este Complexo Prisional irá substituir a Penitenciária de Cork,

actualmente em funcionamento, e terá acomodação para cerca de 450

reclusos. O início da construção encontra-se agendado para o final de 2008,

201 Projecta-se que possua celas para 1.400 reclusos, jovens adultos e adultos, do sexo masculino e do sexo feminino. Pretende-se que as instalações incorporem tecnologia de ponta, tanto em termos de segurança como de controlo do edifício.

Entre outras instalações, este Complexo terá um centro de avaliação, bem como unidades de alta, média e baixa segurança. Deverá possuir infra-estruturas adequadas à realização de programas de reabilitação, de ensino e de formação profissional. Pretende-se, ainda, a existência de celas individuais e dotadas instalações sanitárias. Finalmente, terá também um sistema adequado a evitar a entrada ilícita de substâncias psicotrópicas e outros materiais. 202 Cf. “NDFA Annual Repport 2006”, “PPP Projects” e “Update on PPP Projects, June 2007”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007).

Page 243: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

215

decorrendo até ao final de 2011. Prevê-se que as instalações entrem em

funcionamento a partir dessa data203.

7. As parcerias público-privadas em avaliação

A introdução deste novo modelo contratual na República da Irlanda tem

sido, até agora, vista tendencialmente como um sucesso. O principal factor

apontado para esse sucesso prende-se com a decisão do Governo de

centralizar o know-how relativo ao processo de adjudicação de PPP num

número muito restrito de entidades.

Em 2004, após uma avaliação dos projectos-piloto lançados em 1999, a

Unidade Central de PPP publicou um relatório de avaliação, Briefing on Public

Private Partnerships for the Committe of Public Accounts, documento no qual

se afirma que “...as PPPs são agora uma opção viável de contratação para o

desenvolvimento de infra-estrutras” 204, sendo dado como exemplo os

primeiros projectos de estradas, pelos quais foi demonstrado o potencial da

transferência do risco e value for money205. Também a Secretária-Geral do

Departamento de Transportes afirmou que o contrato de PPP da Circular

Externa de Dundalk era “um óptimo negócio do ponto de vista do Estado”206,

devido à elevada transferência de risco para o parceiro privado e ao facto de o

Estado não ter que adiantar capital para o arranque do projecto.

Embora a experiência irlandesa em matéria de parcerias público-

privadas seja, como vimos, muito recente, o Governo considera que as

parcerias público-privadas possuem potencial para oferecer better value for

money, fundamentalmente pelos seguintes factores: a) permitem distribuir o

risco à parte que melhor o poderá gerir; b) pagamentos baseados na 203 Cf. “PPP Projects” e “Update on PPP Projects, June 2007”, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 204 Cf. Briefing on Public Private Partnerships for the Committee of Public Accounts, pg. 2, in www.ppp.gov.ie (Julho de 2007). 205 O contrato de parceira público-privada envolvendo a via N4/N6 Kilcock – Kinnegad foi nomeado o Projecto de Infra-estrutura de Finança Internacional (PFI) do ano de 2003 e Euromoney/Project Finance magazine Transport Deal of the Year for Europe 2003. 206 Idem.

Page 244: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

216

performance e nos resultados; c) permitem beneficiar de inovações do sector

privado, bem como de melhor conhecimento da área comercial e de gestão; d)

maior rapidez na finalização e entrega dos projectos; e) aumento da

competitividade; f) melhoria na gestão e qualidade dos serviços públicos207.

Tem sido apontada uma outra vantagem ao desenvolvimento de um

programa de PPPs para economias de pequenas dimensões, como a

irlandesa, relacionada com o facto de as parcerias público-privadas poderem

facilitar a prossecução de projectos de infra-estruturas de maior envergadura e

complexidade do que seria possível por meio de um contrato dito tradicional.

Estes projectos de maiores dimensões tornam-se mais atractivos para

empresas multinacionais, sendo que a entrada de concorrência exterior num

mercado pequeno, como o irlandês, poderá gerar a transferência de

conhecimentos através de cooperação e de joint ventures. Por esta outra via,

também para o sector privado esta modalidade contratual se apresenta como

atractiva.

Uma outra vantagem apontada é o facto de o contribuinte vir a pagar

apenas os serviços que são efectivamente prestados, uma vez que a

remuneração do parceiro e das entidades financiadoras depende do nível de

serviços acordado e efectivamente prestado.

Apesar dos efeitos positivos, reconhece-se, contudo, que existem

obstáculos que é necessário superar208. Está, desde logo, em causa a

complexidade e a duração dos concursos de adjudicação de projectos de

parceria público-privada.

Os contratos são tecnicamente complexos, tanto para os parceiros

privados como para os parceiros públicos, e os custos dos concursos públicos

para a adjudicação de PPPs são substanciais e, por isso, proibitivos para

207 Cf. “Ireland’s Infrastructure –The Role of the National Development Finance Agency and Public Private Partnerships”. 208 Cf. Keynote Address by the Minister of State at the Department of Finance, Martin Cullen, T.D., proferido no 2nd Annual Public Private Partnership / Private Finance Initiative Global Summit, que teve lugar de 10 a 12 de Outubro de 2001, no Burlington Hotel, em Dublin, in http://www.finance.gov.ie/viewdoc.asp?DocID=1250 (Julho de 2007).

Page 245: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A Experiência da Irlanda: uma experiência em crescimento

217

muitas das empresas209.

Uma outra objecção prende-se com a possibilidade de este tipo de

contratação provocar contestação social e movimentos de oposição, em

especial a partir dos sindicatos, pelo facto de muitos trabalhadores da função

pública poderem ser transferidos para o sector privado no âmbito de PPP,

perdendo estes, por essa via, várias regalias.

Finalmente, é de referir que autores como Martin Kay e Eoin Reeves

consideram que “(…) não há transparência na comparação dos custos da

contratação pública por meio destes mecanismos do sector privado. O que

significa, em primeiro lugar, que a eficiência e a inovação que aí são ganhas,

reclamadas pelo sector público e essenciais para se estabelecer value for

money, nunca são sujeitas ao escrutínio público; e, em segundo lugar, não

são prestadas contas pelas decisões que são tomadas” (Kay e Reeves. 2004:

76). Estes autores são da opinião de que, em matéria de debate público sobre

as PPPs na Irlanda, se tem assistido a uma falta generalizada de intervenção

e de contraditório por parte dos agentes políticos e da sociedade civil, tecendo

críticas ao facto de apenas se conhecerem e prevalecerem as opiniões oficiais

do Governo a esse respeito. Para tanto, concorrerá, não só a complexidade do

assunto, como a falta de publicação de dados e/ou relatórios oficiais210.

209 Idem. 210 Making PPPs Accountable: The case of Ireland. In Public Private Partnerships – Policy and Experience, ed. Ghobadian, Abby. Gallear, David. O’Regan, Nicholas. Viney, Howard. 2004. Palgrave Macmillan. Nova York. Pp. 71 e ss.

Page 246: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

218

Introdução....................................................................................................................191 1. O enquadramento legal........................................................................................194

1. 1. The Transport (Railway Infrastructure) Act 2001.......................................194 1. 2. The State Authorities (Public Private Partnership Arrangements) Act, 2002 195 1. 3. The National Development Finance Agency Act 2002 e The National Development Finance Agency (Amendment) Act 2007 .........................................196

2. As modalidades de parceria público-privada.......................................................197 3. O processo de adjudicação de uma PPP ..............................................................199 4. O financiamento nas parcerias público-privadas.................................................204 5. Estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de PPP......................204

5. 1. Estruturas centrais de fiscalização e controlo de PPPs................................205 5. 1. 1. A Agência Financeira de Desenvolvimento Nacional (National Development Finance Agency – NDFA) .............................................................206 5. 1. 2. A Unidade Central de PPP (The Central PPP Unit) ...........................207

5. 2. Unidades de PPP no âmbito de Departamentos Governamentais ...............209 6. As áreas de intervenção das PPPs .......................................................................209

6. 1. Áreas de intervenção geral ..........................................................................209 6. 2. As PPPs no sector da justiça........................................................................211

6. 2. 1. Tribunais (entidade responsável – Courts Service) .............................211 6. 2. 2. Estabelecimentos Prisionais (entidade responsável: Prison Service/Department of Justice, Equality and Law reform) .................................213

7. As parcerias público-privadas em avaliação .......................................................215

Figura IV. 1 .................................................................................................................200 PPP Procurement Steps within the Capital Appraisal Guidelines framework ............200 Quadro IV. 2 ................................................................................................................210 Investimento previsto em PPPs para o período 2004-2008.........................................210

Page 247: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

219

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

A Austrália é, na experiência comparada, um dos países de referência das PPPs,

possivelmente o principal depois do Reino Unido. Algumas empresas e bancos especializaram-se

nesta matéria, desenvolvendo inovações, como o modelo de PPP de liderança financeira (financier-

led model), em que os bancos organizam e concentram a propriedade da SPV (sociedade criada

para determinado projecto de PPP). A dispersão institucional marca as PPPs australianas: estas são

enquadradas por legislação e estruturas regionais, mais que nacionais. Um panorama das PPPs na

Austrália é, sobretudo, um panorama das PPPs nas suas regiões. Em contraste com a dispersão

institucional, há uma acentuadíssima concentração geográfica, em algumas regiões. As PPPs têm,

sobretudo, expressão em Vitória e Nova Gales do Sul. Foi naquele primeiro estado que se

verificaram as primeiras experiências e se desenvolveram instituições e quadros jurídicos que

serviram de modelo a outras regiões. O falhanço de alguns projectos levou a uma inflexão desta

política em finais da década de 90 do século passado, que, depois de alguns reajustamentos, volta,

nos anos mais recentes, a ser retomada.

A nível nacional, a institucionalização deste modelo é incipiente, apesar de o Governo

Central ser contraente em PPPs e estimular o seu alargamento. Em 2004, foi criado o National PPP

Forum, órgão constituído por representantes do governo central e dos governos regionais, com o

objectivo de harmonizar as diversas experiências regionais, sistematizar o enquadramento jurídico e

organizativo e criar um verdadeiro mercado nacional de PPPs. Em cada região são os respectivos

ministérios das finanças que apoiam, fiscalizam e controlam os projectos de PPPs.

O Governo australiano tem mantido uma abordagem flexível desta figura contratual. Os

termos dos contratos de PPP variam muito de projecto para projecto, embora seja referenciada a

tentativa de se procurar criar cláusulas contratuais standard. Aquela flexibilidade reflecte-se no

enquadramento legal das PPPs, pelo que não existe no ordenamento jurídico australiano um quadro

legal específico para os contratos de PPP. Têm, no entanto, vindo a ser publicados vários

documentos dos governos regionais estabelecendo linhas de orientação aplicáveis àqueles

contratos. Um dos principais documentos foi publicado pelo governo do estado de Vitória, que

estabelece um conjunto de princípios contratuais standard. Acresce que para projectos de grande

envergadura são publicadas normas específicas.

As PPPs são, em termos sectoriais, bastante abrangentes e homogeneamente distribuídas.

Para além de áreas tradicionais como os transportes, e água e saneamento, encontram-se projectos

na educação, saúde, justiça, segurança pública, defesa, habitação social, até nos sistemas de

informação, sector que, após diversos fracassos, vem sendo considerado “impróprio” para o modelo.

Uma tal abrangência só encontra paralelo possivelmente no Reino Unido. Há, também, uma certa

homogeneidade entre áreas no número de projectos existentes.

O sector da justiça, embora não muito representativo no número de contratos de PPP, revela

a peculiaridade de ser o mais distribuído geograficamente. Para além de Vitória (com os projectos

respeitantes a duas prisões e ao County Court de Vitória) e da Nova Gales do Sul (South Australia

Police and Courts Project), encontram-se projectos de prisões e tribunais na Austrália do Sul (CBD

Courts Complex) e na Austrália Oeste (Complexo Long Bay Prison and Forensic Hospitals). Todos

os projectos incluem, também, a transferência da gestão da infra-estrura para o parceiro privado.

Page 248: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

220

Page 249: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

221

Introdução

A Austrália é, na experiência comparada, um dos países de referência

das PPPs, possivelmente o principal depois do Reino Unido. Justifica-se, por

isso, a inclusão deste país no nosso estudo.

A dispersão institucional marca as PPPs australianas: estas são

enquadradas por legislação e estruturas regionais, mais que nacionais. Um

panorama das PPPs na Austrália é, sobretudo, um panorama das PPPs nas

suas regiões

211. Em contraste com a dispersão institucional, há uma acentuadíssima

concentração geográfica, em algumas regiões. As PPPs têm, sobretudo,

expressão em Vitória e Nova Gales do Sul. Nas restantes regiões são

residuais ou inexistentes.

O estado de Vitória lidera a experiência sobre PPPs. Foi neste estado

que se verificaram as primeiras experiências e se desenvolveram instituições

e quadros jurídicos que serviram de modelo a outras regiões. A experiência de

Vitória é reconhecida e estudada não só internamente, mas também a nível

internacional.

Os primeiros exemplos de financiamento privado de infra-estruturas

públicas em Vitória surgem nos finais dos anos 80, confessadamente como

forma de financiamento extra-orçamental, para evitar os limites de

endividamento público impostos pelo Australian Loan Council212. Exemplos

dessa época são a renovação do hospital de St. Vincent e o Magistrates’ Court

211 A Austrália é um Estado federado constituído por diversas regiões com autonomia legislativa: seis estados – Nova Gales do Sul, Vitória, Austrália do Sul, Austrália Oeste, Queensland e Tasâania – dois territórios continentais (mainland territories) – Território do Norte e território da Capital da Austrália – e alguns territórios exteriores. Os estados têm autonomia legislativa em áreas como a saúde, educação, polícia e magistratura, estradas e transportes públicos. As regiões com maior densidade populacional são Nova Gales do Sul, Vitória e Queensland, com respectivamente 6,8, 5 e 3,9 milhões de habitantes. Juntas concentram cerca de ¾ da população nacional. 212 O Australian Loan Council é um Conselho Ministerial da Commonwealth que coordena o sector da dívida pública, integrado pelo Ministro das Finanças australiano (que exerce as funções de presidente) e pelos ministros das finanças das regiões e territórios.

Page 250: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

222

de Melbourne. Face à novidade do conceito213, o Estado, numa posição

negocial mais débil, necessitou de oferecer garantias acrescidas para vencer a

relutância privada, assumindo a maioria do risco. Conseguiu, assim, realizar

investimentos considerados inacessíveis pela via tradicional, mas à custa de

negócios pouco proveitosos para o erário público.

Seguiu-se uma segunda fase, entre 1993 e 1999, enquadrada pela

Infrastructure Investment Policy for Victoria (1994), em que se transferiu para

os privados o máximo de tarefas e de riscos, nomeadamente o risco de

procura. São representativos dessa fase o Melbourne Citylink, circular

portajada em torno do centro da cidade, várias estações de tratamento de

água e esgotos, os hospitais de Latrobe e Mildura, as prisões de Port Philip,

Fulham, e o Metropolitan Womens’ Correctional Centre.

Alguns projectos vieram a revelar-se insustentáveis sem cobertura

pública de riscos e acabaram reabsorvidos pelo Estado (por exemplo, o

hospital de Mildura e o Metropolitan Womens’ Correctional Centre), o que

levou a nova inflexão. De 2000 em diante, período liderado pela Partnerships

Victoria214, abandona-se aparentemente apriorismos quanto a quem é mais

eficiente. A prioridade torna-se o value for money (desenvolve-se o custo

público comparável), o custo do ciclo-de-vida, a transferência “óptima” de

risco, ao invés de máxima transferência; o privado recentra-se nas tarefas

acessórias, o Estado reassume as tarefas centrais (Maguire e Malinovitch,

2004).

De Vitória, as PPPs espalharam-se para a Nova Gales do Sul. Este

estado, à imagem do estado de Vitória, já dispunha de normas orientadoras

sobre financiamento privado de infra-estrutura pública desde 1989, mas

apenas em 2001 formulou uma política específica sobre a matéria. Os

213 O termo PPP não era sequer corrente. Falava-se mais em project finance, com que a banca designava as técnicas de financiamento de grandes infraestruturas pagas pelos utilizadores, por exemplo auto-estradas portajadas. As PPPs podem ser consideradas o desenvolvimento ulterior e a consagração política da project finance. 214 A Partnerships Victoria é uma agência governamental do estado de Vitória, responsável pelo enquadramento de projectos relativos a infra-estruturas públicas mediante parcerias público-privadas.

Page 251: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

223

primeiros cinco contratos foram fechados em 2002-2003 para a construção de

estradas e escolas. Entre eles, destaca-se o Cross City Tunnel (túnel

rodoviário portajado sob o centro de Sidney), que veio a revelar-se um

projecto problemático, como veremos adiante. Tal terá porventura contribuído

para um hiato de contratos em 2004. O processo foi retomado em 2005 (5

contratos) e prossegue desde então (3 contratos em 2006, 3 projectados para

2007). Neste momento, Nova Gales do Sul conta com 14 PPPs contratadas e

2 pendentes, em áreas como os transportes (6), saúde (4), educação (2,

abrangendo 19 escolas), estabelecimentos prisionais e policiais (2)215.

O período 2005-2006 é ambíguo, revela tanto sinais de crise como de

expansão na utilização de parcerias. Sucederam-se notícias de problemas em

alguns projectos que prejudicaram a imagem das PPPs. Nuns casos, a

procura revelou-se demasiado escassa e levou mesmo à insolvência do

consórcio privado (Cross City Tunnel e Rail Link, Sidney), noutros, todos os

prazos e orçamentos foram ultrapassados (Spencer Street Station, Melbourne)

(Infra-news, 2006). Mas, é também em 2005 que as PPPs se estendem a

novas regiões: Queensland, Território do Norte, Austrália do Sul e Austrália

Oeste fecham os seus primeiros contratos.

Queensland parece ter-se decidido pelas PPPs após anos de hesitação

(Standard & Poors, 2006: 47). O primeiro acordo, a remodelação das

instalações do Southbank Institute of Technology216, firmado em 2005, surge

seis anos após a publicação da política estadual na matéria. No entanto, a

expansão parece acelerar-se desde então: actualmente estão em concurso ou

estudo oito projectos de PPPs no sector dos transportes, saúde, educação e

sistemas de informação217.

Nas restantes regiões australianas, as PPPs permanecem residuais (1-2

projectos) ou inexistentes. Curiosamente, em três regiões a única PPP em

funcionamento é na área das prisões e tribunais (Austrália do Sul, Austrália

215 In www.treasury.nsw.gov.au/wwg/projects (Agosto de 2007). 216 In http://www.southbank.tafe.net/site/epicentre (Agosto de 2007). 217 In http://www.coordinatorgeneral.qld.gov.au/pp_partnerships (Julho de 2007).

Page 252: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

224

Oeste e Tasmânia). A Austrália do Sul, a Austrália Oeste e o Território da

Capital da Austrália estão a considerar lançar mais PPPs nas áreas da justiça

(prisões e tribunais), hospitais, escolas e tratamento de água218.

A nível nacional, a institucionalização é incipiente, apesar de o governo

central ser contraente em PPPs (duas celebradas, três previstas) e estimular o

seu alargamento. Em 2004 foi criado o National PPP Forum219, órgão

constituído por representantes do governo central e dos governos regionais,

com o objectivo de harmonizar as diversas experiências regionais,

sistematizar o enquadramento jurídico e organizativo e criar um verdadeiro

mercado nacional de PPPs. A produção documental deste órgão permanece

todavia escassa.

Apesar da concentração geográfica dos projectos de PPPs, da dispersão

e incipiência institucional, o mercado australiano de PPPs é considerado

extremamente desenvolvido (Greer e Flynn, 2005: 35-38). Algumas empresas,

nomeadamente bancos de investimento, especializaram-se na área,

produziram inovações organizativas e expandiram-se para o exterior. O

Macquarie Bank e a Babcock & Brown são actualmente grupos financeiros de

importância mundial na organização e financiamento de PPPs. Surgiram na

Austrália inovações como o modelo de PPP de liderança financeira (financier-

led model), em que os bancos organizam e concentram a propriedade da

sociedade-veículo da PPP (SPV), ao contrário do modelo dominante, em que

bancos, empresas de construção e outros intervenientes dividem a

propriedade. A Austrália é vista como um laboratório de experiências para

futuros modelos de PPP (Palmer, Greer e Flynn, 2006: 44-47).

218 In http://pppforum.gov.au/national_pipeline/potential_projects (Agosto de 2007). 219 In http://pppforum.gov.au (Agosto de 2007).

Page 253: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

225

1. Enquadramento legal: principais linhas orientadoras220

Na Austrália, a estrutura de PPP geralmente utilizada envolve a criação

de uma Special Purpose Vehicle (SPV)221, sem a prévia existência de bens ou

garantias.

É celebrado um acordo entre a SPV e o governo relativamente a um

projecto, pelo qual o estado efectua pagamentos de serviços em troca do

financiamento, desenvolvimento e gestão do projecto. De seguida, a SPV

celebra um contrato com um construtor, para a concepção e construção do

projecto, e com um gestor de infra-estruturas para a gestão do projecto. O

estado celebra, também, acordos directos com os construtores, por forma a

assegurar-se de que tem o direito de intervir no caso de ocorrer qualquer

vicissitude em vida do contrato.

A Figura seguinte apresenta o esquema típico de uma PPP australiana

respeitante a uma infra-estrutura social:

220 Seguimos de perto, neste ponto, o Relatório do Global Legal Group. 221 Trata-se de uma sociedade para cujo capital social contribuem as empresas promotoras do empreendimento em causa. É criada com a única função de gestão do projecto. Em caso de incumprimento, apenas respondem os capitais próprios da SPV.

Page 254: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

226

Figura IV. 2

Esquema de uma PPP australiana respeitante a uma infra-estrutura social

Fonte: Global Legal Group (GLG)

As SPV são financiadas em parte pelo capital investido pelos accionistas

e por investidores, embora a maioria do financiamento seja efectuado com

recurso a dívida financeira, sob a forma de empréstimos ou obrigações. É o

que sucede, designadamente, nos projectos respeitantes a infra-estruturas

sociais, nos quais até 90% do financiamento chega a ser efectuado por meio

de débito financeiro.

Os projectos têm, em média, a duração de 20 a 30 anos. No termo do

prazo, os bens tornam-se, normalmente, propriedade do Estado. Uma das

excepções é o County Court de Vitória (cf. infra), em que o parceiro privado

manterá a titularidade do direito de propriedade sobre o edifício no termo do

contrato.

O Governo australiano tem mantido uma abordagem flexível desta figura

contratual. Assim, ao contrário de outras experiências, que têm investido no

desenvolvimento de contratos padrão, os termos dos contratos de parceria

público-privada, tais como a estrutura, a duração e a titularidade do direito de

Page 255: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

227

propriedade, variam de projecto para projecto222. Esta flexibilidade reflecte-se

no enquadramento legal das parcerias público-privadas.

Com efeito, não existe no ordenamento jurídico australiano um quadro

legal específico para os contratos de PPP. Têm, no entanto, vindo a ser

publicados vários documentos dos governos regionais estabelecendo políticas

e fornecendo linhas de orientação específicas, aplicáveis aos contratos de

PPP. Assim, temos para Nova Gales do Sul, o “Working with Government

Policy for Privately Financed Projects”; para Vitória, o “Partnerships Victoria

Policy”; para Queensland, o “Public Private Partnership Policy” e o “Value for

Money Framework”; para a Austrália do Sul, o “Partnerships South Australia

Policy”; para a Austrália Oeste, o “Partnerships for Growth Policy”; para a

Tasmânia, o “Private Sector Participation in Public Infrastructure Provision

Policy”; para o Território do Norte, o “Territory Partnerships Policy Framework”;

e, para o Território da Capital da Austrália, o “Private Provision of Public

Infrastructure”. De âmbito federal existe, ainda, o “Commonwealth Policy

Principles for the Use of Private Financing”.

Apesar de não existir legislação específica, a maioria dos estados

australianos possui, porém, legislação especialmente dirigida à agilização dos

processos respeitantes a projectos de obras públicas de maior complexidade,

centralizando, organizando e simplificando o respectivo processo de

aprovação e de utilização de terrenos de construção. Um exemplo desses

diplomas é o Project Development and Constitution Management Act, de 1994,

do Estado de Vitória. Esses mecanismos normativos têm sido também

utilizados em processos de adjudicação de PPPs.

Para determinados projectos de maior envergadura, optou-se por

produzir normas específicas ajustadas às especificidades de cada projecto –

não constituindo um quadro jurídico geral para PPPs –, e a ele apenas

aplicável. A título de exemplo, refere-se, pela sua importância, o Mitcham-

Frankston Project Act 2004, também de Vitória, relativo ao projecto de PPP de

uma auto-estrada, a EastLink. De entre os propósitos do diploma específico 222 Há, no entanto, um projecto de desenvolvimento de cláusulas contratuais standard.

Page 256: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

228

deste projecto, destaca-se: o aumento de poderes do Estado, por forma a

participar em acordos respeitantes a projectos conexos; proporcionar um

aumento das portagens; regular a aquisição de terrenos necessários para a

implementação do projecto; e proporcionar procedimentos adequados para

lidar com a relação entre agências governamentais no âmbito do projecto.

O contrato de parceria público-privada

Embora se encontrem modelos contratuais diferenciados nos vários

estados australianos, a tendência é para seguir a política definida pela

Partnerships Victoria. O governo estadual de Vitória publicou, em Junho de

2005, um conjunto de Princípios Contratuais Standard (Standard Commercial

Principles) 223, com o objectivo de servir de guia orientador para a prossecução

da política de PPP da Partnerships Victoria. Não se trata propriamente de um

conjunto de cláusulas contratuais, mas sim dos princípios básicos que devem

estar na base e orientar todos os contratos de PPP. Há, não obstante,

referência ao projecto futuro de criação de cláusulas contratuais standard

(minutas contratuais standard) pelo governo de Vitória.

2. Estruturas de apoio, fiscalização e controlo

O aparato institucional das PPPs está fortissimamente regionalizado,

como se viu atrás. A nível nacional, a única estrutura significativa é o National

PPP Forum, que parece limitar-se por ora a um papel consultivo. É, assim, a

nível das regiões que se leva a cabo o apoio, fiscalização e controlo.

A institucionalização australiana é simples: em cada região, a tutela

sectorial adjudica, o Ministério das Finanças (Treasury) prepara, avalia e

223 Estes Princípios Contratuais Standard foram desenvolvidos com o principal propósito de aplicação a projectos de PPP nos quais o pagamento ao sector privado se baseia na disponibilidade da infra-estrutura e em que o direito de propriedade sobre esta será eventualmente transferido para o Estado. No Preâmbulo desse documento lê-se que os princípios são aplicados a todos os projectos e que as alterações propostas pelo parceiro privado apenas serão consideradas se este demonstrar fortes razões para tanto, para além de value for money para o parceiro público.

Page 257: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

229

fiscaliza através de um departamento especializado. Não há referência a

organismos autónomos de âmbito nacional especificamente para as PPPs,

públicos ou mistos (como a Partnerships UK).

São os respectivos ministérios das finanças que, em cada região,

apoiam, fiscalizam e controlam os projectos sujeitos a parcerias e, bem assim,

o respectivo processo de adjudicação224.

3. O processo de adjudicação

O processo de adjudicação de um contrato de PPP varia de estado para

estado.

Tendo em conta a importância da experiência do estado de Vitória, em

especial no que concerne os projectos na área da justiça, bem como o próprio

relevo que essa experiência assume no âmbito nacional, far-se-á uma análise

mais detalhada do processo de adjudicação, tal como tem vindo a ser

efectuado nesse Estado. Ademais, embora as políticas seguidas e os trâmites

do processo possam diferir, em alguns detalhes, de estado para estado, o

procedimento é, em geral, similar.

O Guia de Boas Práticas da Partnerships Victoria (Partnerships Victoria

Practitioners' Guide) refere oito fases principais no desenvolvimento de um

projecto de PPP.

224 · Nova Gales do Sul: New South Wales Treasury (Private Projects Branch);

· Vitória: Victorian Department of Treasury and Finance (Commercial and Infrastructure Risk Management Group);

· Queensland: Queensland Treasury, em colaboração com o Queensland Co-ordinator General e o Queensland Department of State Development, Trade and Innovation;

· Austrália do Sul: South Australian Department of Treasury and Finance (Projects and Government Enterprises Branch);

· Austrália Oeste: West Australian Department of Treasury and Finance;

· Tasmânia: Tasmanian Department of Treasury and Finance;

· Territórios do Norte: Northern Territory Department of the Chief Minister;

· Território da Capital da Austrália: Australian Capital Territory Department of Treasury;

· Federal: Department of Finance and Administration (bem como o Department of Defence para PPPs na defesa).

Page 258: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

230

Em primeiro lugar, deverão ser diagnosticadas as razões que justificam o

empreendimento. Segue-se a análise das diferentes opções e a avaliação dos

respectivos risco e impacto. Em terceiro lugar, é feita a confirmação dos

benefícios líquidos do projecto, isto é, uma avaliação do seu potencial de

desenvolvimento sob a forma de PPP, de acordo com as políticas relevantes.

Em quarto lugar, faz-se a planificação do projecto de PPP em si mesmo,

constituindo-se as equipas que o irão desenvolver.

Tem, depois, lugar o concurso propriamente dito, o qual se inicia com a

publicação de uma “Declaração de Interesse” (Expression of Interest) por

parte do governo, seguindo-se a entrega, por parte das entidades privadas

interessadas, das respectivas Declarações de Interesse e a selecção prévia

dos candidatos. Nesta fase é, ainda, efectuada uma súmula do projecto, bem

como uma proposta do próprio contrato. Realizam-se, ainda, sessões de

esclarecimento e, por último, são avaliadas as propostas.

Posteriormente, tem lugar uma avaliação final do projecto, com a

confirmação do value for money, bem como da adequação às políticas

governamentais relevantes na área. Segue-se a constituição de uma equipa

de negociação e o respectivo framework, a que se segue a finalização e a

execução dos contratos e o encerramento do programa financeiro

(achievement of financial close).

Em último lugar, são formalizadas as responsabilidades pela gestão do

projecto, pelo seu acompanhamento e pela gestão das vicissitudes

contratuais.

Distribuição do risco

No que concerne a distribuição do risco nos contratos de PPP, a política

contratual procura que tal distribuição se faça de forma optimizada, isto é,

correndo cada risco específico por conta da parte mais eficiente na gestão

desse mesmo risco.

Page 259: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

231

Os tipos de risco que tradicionalmente se mantêm na esfera do sector

público são os seguintes:

O risco de incumprimento das obrigações assumidas no contrato por

parte do Governo;

O risco do valor residual do bem – se o valor do bem aquando da

transferência, no final do contrato, para o parceiro público for inferior ao

inicialmente previsto; e

O risco respeitante a direitos especiais dos aborígenes – por exemplo, no

caso de determinado grupo obter o reconhecimento de direitos em relação ao

local afecto ao projecto de PPP e que implique o pagamento de

indemnizações ou acesso especial ao local em questão.

O parceiro público mantém, ainda, outros tipos de risco que, de outro

modo, seriam distribuídos ao parceiro privado, tais como: riscos respeitantes

às condições do local, quando as condições geotécnicas em locais de grande

concentração de poluição resultem em custos adicionais para o parceiro

privado e não tenha sido possível a este avaliar tais riscos antecipadamente;

certos riscos ambientais, designadamente, quando seja descoberta

contaminação do solo já anteriormente existente, mas que ainda não tenha

sido identificada, ou quando sejam necessárias autorizações ambientais para

a utilização do local em causa; risco de atraso na construção, quando tal

atraso resulte de acontecimentos sobre os quais o governo tem controlo

directo; e risco de alterações/modificações, quando estas sejam encetadas

pelo parceiro público.

Há, também, riscos que são, frequentemente, partilhados pelos parceiros

público e privado. Entre estes incluem-se: riscos associados a alterações

legislativas; riscos de acontecimentos de força maior, com excepção dos

associados a danos directos a bens e perdas directas de rendas (que são

tipicamente suportadas pelo parceiro privado); riscos ambientais e de

aprovação; e riscos referentes à taxa de juro, enquanto está em curso a

construção.

Page 260: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

232

Quanto aos tipos de risco, em regra, atribuídos ao parceiro privado nos

contratos que envolvem PPPs, salientam-se os seguintes:

Risco das condições do local – por exemplo, se as condições do solo ou

de estruturas pré-existentes vêm a considerar-se desadequadas ao projecto

(note-se que aqui não se incluem os riscos supra referidos, como os

relacionados com a reivindicação de direitos indígenas, que ficam geralmente

a cargo do parceiro público);

Risco de contaminação ambiental (tratando-se de contaminação

previamente identificada ou provocada por qualquer modo);

Risco de desenvolvimento, de construção e de subcontratação – por

exemplo, se a concepção ou a construção não são adequadas à prossecução

dos serviços especificados (excepto quando a causa dessa desadequação

resulte de regulamentação do governo, cf. supra o referido quanto ao risco de

alterações legislativas);

Riscos de tesouraria – por exemplo, se o financiamento não é

disponibilizado quando e como requerido;

Riscos de natureza fiscal – por exemplo, aumento da carga fiscal sobre

os resultados;

Riscos operacionais – por exemplo, se os custos reais são superiores

aos previstos, ou se uma entidade subcontratada não presta adequadamente

o serviço acordado;

Riscos de mercado – por exemplo, quando o pagamento depende da

procura e os proveitos são reduzidos devido a um aumento da concorrência

e/ou diminuição da procura devido a recessão económica;

Riscos industriais – por exemplo, se os custos operativos aumentam de

forma inesperada devido a greves ou outros factores industriais;

Risco de planificação – por exemplo, se surgem custos adicionais devido

ao atraso ou não provimento de um pedido de aprovação; e

Page 261: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

233

Risco inerente ao direito de propriedade sobre o bem (independente do

risco do valor residual) – por exemplo, se o parceiro privado aceita a obrigação

de manter o bem e de o substituir se este se danificar ou for destruído.

Das fontes consultadas, parece registar-se uma pressão do sector

privado, procurando devolver alguns tipos de risco para o sector público. Igual

pressão por parte dos parceiros privados se regista para alteração das regras

em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso, no sentido de as

circunscrever à redução do pagamento.

Quanto à gestão do risco atribuído ao parceiro privado, o que sucede é

que a SPV constituída para a PPP procurará distribuir a maioria das

responsabilidades pelas empresas subcontratadas. É, ainda, habitual que a

SPV celebre contratos de seguro com prémios superiores aos requeridos pelo

parceiro público e também requeira o mesmo por parte das empresas

subcontratadas.

Considerando o elevado financiamento, que ronda os 90% para projectos

de carácter social, as entidades financeiras requerem garantias elevadas e

complexas. É frequente estas entidades financeiras assumirem parte das

garantias da SPV, acedendo desta forma aos proveitos do projecto. O encargo

é, geralmente, estipulado nos próprios contratos do projecto (incluindo o

próprio contrato de PPP e subcontratos posteriores). Inclui, por exemplo,

direitos sobre direitos de reclamar garantias dadas à SPV por subcontratados.

As entidades financeiras geralmente estabelecem contas de garantia (para o

débito de serviços, seguros, manutenção, entre outros) suportadas pela

tesouraria gerada e definem o projecto de financiamento por forma a que

sejam deixados de 18 meses a 2 anos no final do projecto sem qualquer

serviço de dívida.

As entidades financeiras entram em negociação directa com o parceiro

público antes do início do projecto para regular os seus direitos aquando do

termo do contrato (ao contrário do que sucede, por exemplo no Reino Unido,

onde a negociação com os bancos é apenas feita na fase final da

adjudicação).

Page 262: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

234

4. Áreas de intervenção de parcerias público-privadas

4. 1. Nos vários sectores

A tabela seguinte mostra as áreas em que se registaram projectos de

PPP225.

225 As fontes utilizadas – o National PPP Forum e os ministérios das finanças de cada região – referem apenas projectos na presente década.

Page 263: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

235

Quadro IV. 3

PPPs na Austrália por sector e região, Julho de 2007

Transportes

Vitória: • Southern Cross Station (anteriormente Spencer Street Station) (2002)

• Eastlink (2004)

Nova Gales do Sul • Cross City Tunnel (2002)

• Western Sidney Orbital (2002)

• Lane Cove Tunnel (2003)

• Chatswood Transport Interchange (2005)

• Railcorp New Electric Suburban Rail Carriages (2006)

Água, saneamento, lixo

Vitória: • Wodonga Wastewater Treatment Upgrade Project (2000)

• Echuca Rochester Wastewater Treatment Plant (2002)

• Enviro Altona (2003, cancelado em 2005 por insolvência)

• Central Highlands Water/Ballarat North Water Reclamation (2006)

Nova Gales do Sul: • Eastern Creek Alternative Waste Technology Facility (2003)

Saúde

Vitória: • Casey Community Hospital (2002)

• Royal Womens’ Hospital (2005)

Nova Gales do Sul: • Newcastle Mater Hospital (2005)

• Newcastle Community Health Centre (2005)

Educação

Nova Gales do Sul: • New Schools Project #1 (2002) e #2 (2005)

Queensland: • Southbank Education & Training Precinct (2005)

Justiça

VitÓria:

• County Court (2000)

• Correctional Facilities(2003)

Nova Galles do Sul: • Long Bay Prisons and Forensic Hospitals (2006)

Austrália do Sul: • Regional Police Stations & Courts’ Admin. Authority Facilities (2005)

Austrália Oeste: • CBD Courts Complex (2005)

Tasmânia: • Risdon Prison Development

Outros

Vitória: • Mobile Data Network (2003)

• Film and TV Studios (2004)

• Melbourne Convention Centre (2004)

Page 264: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

236

• Mobile Metropolitan Radio (2004)

• Emergency Alerting System Project (2004)

Nova Gales do Sul: • Bonnyrigg Living Communities Proj/Social & Affordable Housing (2007)

Território do Norte: • Darwin Convention & Exhibition Centre (2005)

Fonte: National PPP Forum, ministérios das finanças das regiões australianas

As PPPs australianas, apesar de pouco numerosas (rondam as quatro

dezenas), são em termos sectoriais bastante abrangentes e homogeneamente

distribuídas. Para além de áreas tradicionais como os transportes, a água e

saneamento, encontra-se projectos na educação, saúde, justiça, segurança

pública, defesa, habitação social, até nos sistemas de informação, sector que

após diversos fracassos vem sendo considerado “impróprio” para o modelo.

Uma tal abrangência só encontra paralelo possivelmente no Reino Unido. Há,

também, uma certa homogeneidade entre áreas no número de projectos

existentes.

O sector da justiça revela, neste contexto, a peculiaridade de ser o mais

distribuído geograficamente. Para além de Vitória e da Nova Gales do Sul,

encontra-se projectos de prisões ou tribunais na Austrália do Sul e na Austrália

Oeste, onde são a única PPP existente.

4. 2. As parcerias público-privadas no sector da justiça

4. 2. 1. Estado de Vitória

Quanto a projectos de PPP/PFI na área de justiça, dá-se conta de dois

grandes projectos no Estado de Vitória, um respeitante a um tribunal (mais

Page 265: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

237

concretamente, o County Court de Vitória)226 e o outro a estabelecimentos

prisionais (Victorian Correctional Facilities)227.

County Court de Vitória

Este projecto diz respeito às novas instalações do County Court de

Vitória. Trata-se do maior complexo de edifícios judiciais da Austrália (o

County Court é o tribunal com maior movimento processual do Estado de

Vitória). É de referir que se tratou do primeiro grande projecto de infra-

estruturas sociais a ser realizado sob a égide da Partnerships Victoria.

Destaca-se, ainda, que neste projecto foram respeitados o prazo de entrega e

o orçamento previstos. O parceiro público é o Department of Justice do Estado

de Vitória, enquanto que o parceiro privado é um consórcio de empresas228 229.

Por meio desta parceria público-privada, o parceiro privado é

responsável pela concepção, construção e financiamento do projecto, bem

como pela gestão do edifício, segurança e pelos sistemas de tecnologias de

informação. As instalações entraram em funcionamento em Maio de 2002230.

Este contrato de parceria foi celebrado pelo prazo de 20 anos, embora

associado a contratos acessórios com prazos mais reduzidos para outros

serviços. Sublinha-se que, diferentemente do que sucede na maioria dos 226 Cf. Partnerships Victoria. County Court Project Summary. In http://www.partnerships.vic.g ov.au/CA25708500035EB6/0/697F64ABEF277E01CA2570DC001311CD. S/ data. (Agosto de 2007). 227 Cf. Partnerships Victoria. Victorian Correctional Facilities Project Summary. In http://www.partnerships.vic.gov.au/CA25708500035EB6/0/7931755EAE199A4ACA2570D900014D66?OpenDocument. S/ data (Agosto de 2007). 228 Este consórcio denomina-se The Liberty Group Pty Ltd.. 229 Cf. http://www.countycourt.vic.gov.au/CA256D8E0005C96F/page/About+the+Court-Contact-The+Liberty+Group?OpenDocument&1=10About+the+Court~&2=0Contact~&3=0The+Liberty+Group~ e http://www.partnerships.vic.gov.au/CA25708500035EB6/0/697F64AB EF277E01CA 2570DC001311CD (Julho de 2007). 230 As instalações possuem 46 salas de audiência, sendo estas de diferentes tipologias (mais concretamente, 12), em razão do tamanho, capacidade e funcionalidades. Todas as salas de audiência estão equipadas com tecnologia variada, incluindo dispositivos de videoconferência. Existem, também, várias salas de reuniões, bem como uma sala de informática.

Page 266: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

238

contratos deste tipo, o edifício do tribunal manter-se-á propriedade do parceiro

privado no termo do contrato. O terreno no qual o edifício foi construído é

propriedade da Coroa e foi objecto de um leasing com a duração de 99 anos,

em que a renda paga tem um valor meramente nominal.

Nos termos da política seguida pela Partnerships Victoria, de acordo com

a qual os serviços centrais devem ser prestados directamente pelo governo,

todos os serviços respeitantes à administração da justiça mantêm-se sob

controlo governamental. Os serviços prestados pelo consórcio (parceiro

privado) são-no executados em parceria com agências governamentais, tais

como o Department of Justice, o County Court, o Juries Commissioner's

Office, a Victoria Police, o Victorian Government Reporting Service, e o

Corrections Victoria.

Merece, ainda, destaque o facto de no contrato se prever que o parceiro

privado disponibilize salas de audiência que não estejam a ser utilizadas para

a realização de sessões de arbitragem, de mediação e de outros mecanismos

de resolução alternativa de litígios, bem como para seminários e conferências,

entre outros231.

Victorian Correctional Facilities

Neste projecto incluem-se duas instalações diferentes: uma prisão de

alta segurança com capacidade para 600 reclusos do sexo masculino,

localizada em Ravenhall, na região de Melbourne; e uma prisão de média

segurança, adstrita a programas correccionais, com capacidade para 300

reclusos do sexo masculino, localizada junto de uma outra prisão já existente

em Lara.

O parceiro público é o Department of Justice, enquanto que o parceiro

privado é um consórcio denominado Victorian Correctional Infrastructure

231 Cf. http://www.countycourt.vic.gov.au/CA256D8E0005C96F/page/About+the+Court-Contact-The+Liberty+Group?OpenDocument&1=10-About+the+Court~&2=0-Contact~&3=0-The+Liberty+Group~ e http://www.thelibertygroup.com.au/html/s01_home/home.asp?dsb=269 (Julho de 2007).

Page 267: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

239

Partnership Pty Ltd. Por meio deste contrato, o parceiro privado ficou

encarregado da concepção, construção e financiamento, bem como pela

gestão das instalações e alguns serviços de segurança. Os estabelecimentos

prisionais são geridos pelo sector público, através da agência governamental

Corrections Victoria232, de acordo com a política governamental de que a

administração dos serviços prisionais deve ser realizada directamente pelo

Governo.

Após a construção, o contrato vigorará pelo prazo de 25 anos, no termo

do qual o parceiro privado transferirá as instalações, que deverão estar em

boas condições, para o Estado233.

4. 2. 2. Austrália do Sul

South Australia Police and Courts Project

Também no Estado da Austrália do Sul se tem optado pela celebração

de contratos de parceria público-privada para a área da justiça.

Foi celebrado, sob a égide do State Government’s Partnerships SA

framework, um contrato, denominado South Australia Police and Courts

Project, entre o Minister for Infrastructures do Estado da Austrália do Sul e um

consórcio denominado Plenary Justice para a concepção, construção, gestão

e manutenção de várias infra-estruturas (complexos de tribunais e esquadras

de polícia).

Mais concretamente, no que se refere à construção e gestão de infra-

estruturas judiciais, estão em causa quatro novos edifícios de tribunais nas

cidades de Berri, Port Lincoln, Port Pirie e Victor Arbor.

Após a construção e durante a vigência do contrato, os serviços a prestar

pelo parceiro privado incluem a gestão do edifício (incluindo-se aqui a

232 Trata-se da agência do Department of Justice responsável pelo sistema prisional para adultos. 233 Cf. http://www.partnerships.vic.gov.au/CA25708500035EB6/0/697F64ABEF277E01CA2570 DC001311CD (Agosto de 2007).

Page 268: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

240

manutenção dos edifícios e dos jardins, serviços de apoio e, ainda, serviços

de desinfestação); instalação das redes de electricidade, de água e

saneamento, e de telecomunicações; serviços de limpeza; serviços de

segurança e protecção (inclui-se aqui a manutenção das infra-estruturas de

segurança e demais materiais de segurança passiva do edifício – protecção

contra incêndios e outros); fornecimento da mobília e equipamento; gestão da

recolha de lixo; e gestão e planificação de dispositivos de emergência. A fonte

oficial234 indica que as obras foram concluídas dentro do prazo e orçamento

estabelecidos. É, igualmente, referido que os serviços de manutenção não têm

sido alvo de quaisquer reclamações nem de consequentes reduções no

pagamento.

Quanto ao financiamento deste projecto, o parceiro privado obteve o

financiamento necessário por meio de uma mistura de capital e dívida

privilegiada, esta última sob a forma de obrigações no total de 37,65 milhões

de dólares australianos indexadas à inflação. Estas obrigações serão

integralmente pagas no termo da concessão do projecto. Durante a fase de

construção deste projecto, essa dívida privilegiada foi garantida por uma carta

de crédito à construção, com o objectivo de eliminar o risco de conclusão da

construção da infra-estrutura235.

4. 2. 3. Austrália Oeste

CBD Courts Complex

Trata-se de um projecto respeitante a dois novos edifícios para o District

Court e para a secção criminal do Supreme Court.

Este projecto é objecto de um contrato de parceria público-privada,

desenvolvido ao abrigo da State's Partnerships for Growth policy, celebrado

entre o Governo Estatal e um consórcio denominado Western Liberty Group.

O parceiro privado procede à construção de ambos os edifícios e à prestação

234 Cf. Infrastrucuture Partenerships Australia – Case Studies. S/ data. Policopiado. 235 Idem.

Page 269: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

241

de serviços básicos, pelo prazo de 25 anos, bem como à prestação de

serviços respeitantes a meios audiovisuais pelo prazo de 12 anos.

O início do funcionamento encontra-se agendado para Junho de 2009.

Os edifícios foram idealizados tomando em consideração a futura

expansão dos serviços, minimizando o investimento inicial do Estado, mas

também permitindo o crescimento das instalações em caso de necessidade

dos serviços nas próximas décadas.

4. 2. 4. Nova Gales do Sul

Complexo Long Bay Prison and Forensic Hospitals

Este é um projecto respeitante a duas prisões hospitalares com

capacidade para 85 e 135 pacientes, respectivamente, objecto de um contrato

de parceria público-privada.

As entidades públicas envolvidas são a NSW Health, Corrections Health

Service e o Department of Corrective Services. O parceiro privado é um

consórcio denominado PPP Solutions.

Por meio deste contrato de parceria público-privada, o parceiro privado

ficou encarregado da concepção, construção, financiamento, manutenção e

prestação de serviços acessórios (não clínicos) até Julho de 2034 ou até ao

termo antecipado do contrato. Nessa data, as instalações serão devolvidas ao

sector público. Em contrapartida, o parceiro privado recebe, por parte do

Estado de Nova Gales do Sul e da Health Administration Corporation, um

pagamento ao terminar a construção dos edifícios e pagamentos mensais,

determinados pela sua performance, durante o tempo de duração do

contrato236.

236 Cf. Summary of contracts – Long Bay Forensic and Prison Hospitals privately financed project. S/ data. Policopiado.

Page 270: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

242

5. A avaliação do recurso às parcerias público-privadas

A evolução das PPPs na Austrália revela uma motivação política forte

para esta forma de contratualização. Logo nos anos 80, quando as PPPs eram

ainda largamente desconhecidas em muitos países, já havia projectos muito

análogos às PPPs actuais. No caso de Vitória, esses projectos pioneiros,

como o Hospital de St. Vincent e o Magistrates’ Court de Melbourne,

desenvolveram-se mesmo perante o cepticismo dos agentes privados, a quem

se concedeu, como estímulo, garantias face à grande maioria dos riscos,

muito para além do que é hoje corrente. Estas PPPs pioneiras desenvolveram-

se numa base ad-hoc.

Apesar de se registarem vários falhanços, a aposta política manteve-se.

Por exemplo, nos anos 90, os problemas registados com os projectos do

hospital de Mildura e do Metropolitan Women’s Correctional Centre levaram o

estado de Vitória a reformular a política de PPPs à imagem do modelo

britânico, que então começava a afirmar-se, mas não a abandoná-la. Na

verdade, assiste-se, no início do séc. XXI, a uma multiplicação de projectos e

à extensão a novas regiões, como a Nova Gales do Sul.

Também na Nova Gales do Sul se conheceu dificuldades de

implementação. O Cross City Tunnel de Sidney foi um fracasso com grande

repercussão pública. O túnel sob o centro da cidade levou ao fecho de vias

alternativas gratuitas, o que o tornou impopular e atraiu pouca procura uma

vez inaugurado. O governo subsequente sugeriu um abaixamento das

portagens e até a reabsorção do projecto. Já este ano, a sociedade

proprietária declarou insolvência e foi adquirida por uma sociedade

especializada em recuperação de empresas, face à recusa do governo

regional em reabsorver o projecto.

Estes fracassos não parecem abalar, todavia, o dinamismo do mercado

de PPPs australiano. A maioria das PPPs tem sido considerada um sucesso

na opinião dos governos regionais, dos parceiros privados e dos analistas de

mercado. Contudo, a avaliação objectiva do sucesso ou insucesso das PPPs

na Austrália é considerada difícil pelo facto dos dados oficiais estarem

Page 271: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Austrália: entre a crise e a expansão das parcerias público-privadas

243

fragmentados por região, tanto no tipo de dados registados como na sua

organização. O comparador de custos públicos encontra-se muito longe da

formalização britânica, ela mesma não isenta de críticas (cf. Cap. I). A título de

exemplo, o relatório Review of Partnerships Victoria Provided Infrastructure

(Fitzgerald, 2004), encomendado pelo governo regional, concluiu que o

método de cálculo do comparador estava distorcido a favor das PPPs, e que

em muitos projectos (Spencer Street Station, Victorian County Court) não se

verificava value for money. Fitzgerald propunha, por isso, uma reformulação

do método de cálculo do comparador. Com essa reformulação, vários

projectos não teriam avançado. Outro exemplo eloquente da carga política dos

indicadores é o comentário de uma advogada da Blake Dawson Waldron,

segundo o qual os governos regionais continuam interessados nas PPPs após

as dificuldade de 2005-2006, mas que convém que a decisão seja baseada

em indicadores de poupança objectivos (Infra-news, 2006: 6).

O debate australiano, face à escassez de informação empírica, surge

mais como ideológico. Por exemplo, o debate britânico, apesar dos

argumentos de teor ideológico-político, revela também uma componente

empírica de escrutínio de dados técnicos, contabilísticos, operacionais, etc.,

que parece não encontrar correspondente na Austrália. Este debate parece

polarizar-se com argumentos análogos aos apresentados em capítulos

anteriores: de um lado, agentes do mundo financeiro (bancos, consultoras), do

outro, os sindicatos (Spoehr et al., 2002).

Page 272: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

244

Page 273: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

245

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

No ordenamento jurídico francês, as PPPs, em sentido lato, englobam as figuras designadas

mercados públicos, delegações de serviço público, contratos de parceria assimilados, outros tipos

de contratos administrativos criados para contornar os limites daquelas figuras contratuais, como os

contratos de arrendamento administrativo ou os contratos de autorização temporária de ocupação

do domínio público, e os contratos de parceria (CP), o novo instrumento jurídico no qual a França

está a apostar no âmbito das PPPs. Este tipo de contrato prevê várias possibilidades de associação

de operadores privados a projectos públicos, cujo objectivo principal consiste em construir infra-

estruturas e gerir os serviços públicos a elas associados.

Além do aperfeiçoamento do regime legal das PPPs, o Governo procedeu à publicação de

um conjunto de normas regulamentares em matérias directamente ligadas às PPPs, como é o caso

da aplicação das regras do Eurostat, e a criação de uma estrutura de apoio aos projectos de

parcerias público-privadas. Foi, ainda, publicado um guia prático, intitulado “os contratos de parceria

– princípios e métodos”, cujo objectivo é orientar e esclarecer os parceiros envolvidos num contrato

de PPP. A importância do tema levou à criação, no âmbito do Parlamento, de um grupo de trabalho

com o objectivo de proceder à avaliação das experiências em curso, promover a divulgação de boas

práticas e de propor recomendações ou alterações do quadro legal.

Em França, o processo de PPP dá especial ênfase à partilha do risco. Considera-se que a

optimização da partilha do risco entre os parceiros é, não só essencial para o sucesso da parceria,

como, também, para o cumprimento das regras do Eurostat. A identificação dos riscos é,

normalmente, feita com recurso a uma matriz de riscos, da qual consta uma lista exaustiva dos

riscos do projecto e da repartição dos mesmos entre os parceiros. Através desta matriz é possível

conhecer, de forma imediata e transparente, o conjunto dos riscos e a sua distribuição.

As estruturas de apoio dos contratos de PPP são a Missão de Apoio à Realização de

Contratos de Parceria (MAPPP), com competência para produzir e divulgar orientações e apoiar os

parceiros públicos na preparação, negociação e execução de contratos de PPP; o Instituto de

Gestão Delegada, que elabora estudos e recomendações sobre a gestão dos serviços públicos; e,

para o sector da justiça, a Agence de Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la Justice

(AMOTMJ), cuja competência foi alargada em 2006, passando a gerir os contratos de parceria no

sector. Em Junho de 2006, foi criado um centro de peritagem e de análise das PPPs: o Centro de

Peritagem Francês para a Observação das PPPs (CEFO-ppp).

As áreas de intervenção das PPPs estão dispersas pelos diversos sectores, podendo incidir

na construção e gestão de infra-estruturas várias. A abrangência da PPP depende do tipo de

contrato utilizado, embora os Contratos de Parceria, que permitem o alargamento da parceria à

gestão da infra-estrutura, sejam cada vez mais utilizados. No sector da justiça, o sistema prisional foi

um dos sectores pioneiros na utilização de PPPs. Desde 2002, o Ministério da Justiça tem recorrido

a vários tipos de contratos de PPP para a construção de dez novos estabelecimentos prisionais

(através do reagrupamento de projectos em três lotes), estando, também, previsto a reconstrução de

um centro de detenção em Paris e a construção e reestruturação de dois palácios da justiça, estes

sob a forma de Contrato de Parceria, que inclui a gestão da infra-estrutura e um conjunto de

serviços.

Page 274: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

246

Page 275: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

247

Introdução

Em França, nos finais do século XX, existiam duas principais categorias

de contratos públicos: os mercados públicos (marchés publics

237) e as delegações de serviço público (délégations de service public238).

Os mercados públicos são contratos através dos quais uma entidade pública

adquire, de forma imediata, bens ou serviços necessários para o exercício das

suas funções, através do pagamento de um preço determinado. O preço pago

pela entidade pública é a contrapartida imediata da prestação da entidade

privada e as relações contratuais entre ambos são quase imutáveis até ao

final do contrato. Por seu lado, as delegações de serviço público são contratos

através dos quais uma entidade pública confia e delega a gestão e exploração

de um serviço público da sua responsabilidade a uma outra entidade pública

ou privada, cuja remuneração depende directamente do resultado dos

serviços prestados.

Veio, no entanto, a considerar-se que estes dois tipos de contrato não

davam resposta às novas necessidades da administração pública,

nomeadamente às decorrentes da expansão do seu domínio de acção, da

crescente complexidade dos investimentos e dos projectos futuros, e da uma

cada vez maior contenção orçamental. Para colmatar essas dificuldades e

com o objectivo de contornar os limites das figuras contratuais então

existentes (mercados públicos e delegações de serviço público) foram criadas

três categorias de instrumentos jurídicos que se incluem num grupo

denominado de contratos de parceria assimiláveis (CPA).

Em primeiro lugar, os “mercados de empresa de trabalhos públicos”

(marchés d’entreprise de travaux publics - METP) – contratos posteriormente

considerados pela jurisprudência francesa como irregulares – cujo objecto

237 Os mercados públicos estão definidos, actualmente, pelo Decreto n.º 2004-15, de 7 de Janeiro de 2004. 238 As delegações públicas estão regulada na Lei MURCEF – Lei 2001-1168, de 11 de Dezembro de 2001.

Page 276: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

248

visava atribuir, a longo prazo, a um contraente único a construção e

exploração de uma obra contra o pagamento em prestações de uma

remuneração pela entidade pública.

Em segundo lugar, a “venda em estado futuro de finalização” (vente en

état futur d’achèvement – VEFA): contrato de compra e venda imediata de um

imóvel ainda não construido sob a condição de o vendedor o construir e

transferir a respectiva propriedade para o Estado numa data posterior à data

de finalização da obra.

Em terceiro lugar, apareceram outros tipos de contratos administrativos,

cuja criação foi directamente incentivada pelo legislador francês para

contornar os limites das figuras contratuais acima referidas: 1) os contratos de

arrendamento administrativos (baux emphytéotiques administratifs - BEA)239:

contratos administrativos inspirados no direito rural que possibilitam o

financiamento de equipamentos públicos por uma entidade privada e

autorizam, para esse fim, derrogações parciais às regras de regulação dos

bens do domínio público (a inalienabilidade, a não prescrição do direito e a

não cessão do direito). Este tipo de contrato permite ao seu titular (a entidade

privada) ser titular de um direito real, podendo ser objecto de hipoteca, por um

prazo de 18 a 99 anos; 2) as autorizações de ocupação temporária do domínio

público (autorisations d’occupation temporaire du domaine public - AOT240);

que, tal como no BEA, o ocupante é o proprietário e responsável da obra, mas

em contrapartida e diferentemente do BEA, a AOT permite a celebração pelo

seu titular de contratos de leasing sobre a construção e instalações, objecto do

contrato; 3) os chamados contratos de arrendamento administrativos

“sectoriais” por terem sido criados para áreas específicas da administração

pública, incidindo não apenas na construção e exploração de infra-estruturas,

mas também na sua concepção, manutenção, gestão e financiamento.

239 Esta figura contratual foi criada pela Lei n.º 88-13, de 5 de Janeiro de 1988. 240 Este contrato administrativo foi criado pela Lei n.º 94-631, de 25 de Julho de 1994.

Page 277: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

249

Estes contratos administrativos “sectoriais” foram criados para três

sectores específicos no sentido de permitir a participação do sector privado na

construção, financiamento e manutenção das infra-estruturas a eles afectas.

Foi o caso das polícias, através da Lei n.º 2002-1094, de 29 de Agosto de

2002, denominada de Lei de Orientação e de Programação para a Segurança

Interna (LOPSI)241. Esta Lei veio permitir ao Estado “confiar a uma pessoa ou

a um agrupamento de pessoas, de direito público ou privado, uma missão

relativa à concepção, construção, manutenção e conservação de imovéis

afectos às diferentes polícias nacionais” (artigo 3º da LOPSI).

Na área da justiça, e em particular no que respeita aos estabelecimentos

prisionais, a Lei n. º 2002-1138, de 9 de Setembro de 2002, denominada de

Lei de Orientação e Programação para a Justiça (LOPJ) para o período 2002-

2007, veio permitir ao Estado “confiar a uma pessoa ou a um agrupamento de

pessoas, de direito público ou privado, uma missão sobre a concepção,

construção, manutenção e conservação de estabelecimentos penitenciários”

(artigo 3º da LOPJ) 242.

E, na área da saúde pública, através da publicação da Ordonnance n.º

2003-850, de 4 de Setembro de 2003, com a criação de um novo contrato

administrativo denominado de contrato de arrendamento hospitalar (Bail

emphythéotique hospitalier – BEH) através do qual uma entidade pública

celebra um contrato com uma entidade privada para a construção ou

renovação, e manutenção de hospitais públicos.

Atendendo ao facto de estes últimos contratos de parceria assimiláveis

(CPA) terem um âmbito de aplicação limitado, o Governo francês,

considerando a experiência de outros países, em especial a do Reino

241 In http://senat.fr/rap/103-073-1/103-073-119.html (Agosto de 2007). 242 In http://cubitus.senat.fr/rap/l04-074-327/l04-074-3278.html (Agosto de 2007).

Page 278: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

250

Unido243, acabou por adaptar, em inícios de 2003, o sistema inglês das PFI

(Private Finance Iniciative) à realidade francesa.

Um ano e meio depois, foi publicada a Ordonnance n.º 2004-559, de 17

de Junho, que veio colmatar a ausência de enquadramento legal específico

nesta matéria, surgindo, assim, uma nova categoria de contratos

administrativos: os contratos de parceria (CP).

Assim, no ordenamento jurídico francês, as PPPs, em sentido lato,

englobam as figuras dos mercados públicos, as delegações de serviço

público, os contratos de parceria assimilados (CPA) e os contratos de parceria

(CP), estes últimos criados sob a égide da Ordonnance n.º 2004-559, de 17 de

Junho de 2004. Os contratos de parceria são o novo instrumento jurídico mais

utilizado neste tipo de contratação.

1. O enquadramento legal e institucional dos contratos de parceria

Como acima referimos, a Ordonnance n.º 2004-559, de 17 de Junho,

veio instituir um novo tipo de contrato administrativo: o contrato de parceria e,

deste modo, aperfeiçoar o regime geral das parcerias público-privadas.

De acordo com esta Lei, o contrato de parceria caracteriza-se como “um

contrato administrativo pelo qual uma entidade pública confia a um terceiro,

por um período determinado em função da duração da amortização dos

investimentos ou das modalidades de financiamento estabelecidas, uma

missão global relativamente ao financiamento de investimentos imateriais, de

obras ou equipamentos necessários para o serviço público, à construção ou

transformação de obras ou equipamentos, bem como à sua manutenção,

exploração ou gestão, e se for caso disso, outras prestações de serviços que

243 Como já referimos, em matéria de parcerias público-privadas, a experiência britânica tem sido considerada por muitos países como uma experiência pioneira com resultados positivos no geral. Aliás, além da França, vários outros países europeus e não europeus são seguidores dessa experiência na área das PPPs (Espanha, Irlanda, Brasil, etc.).

Page 279: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

251

se enquadram na execução da missão de serviço público da responsabilidade

da entidade pública” (art. 1º da Ordonnance de 17 de Junho de 2004).

Assim, de acordo com esta definição legal, o conceito de CP prevê várias

possibilidades de associação de operadores privados a projectos públicos,

cuja missão principal consiste em criar infra-estruturas públicas e gerir os

serviços públicos associados.

Nos termos da Ordonnance de 17 de Junho de 2004, o CP é um contrato

global244 e de longa duração, cujo objectivo consiste em confiar ao parceiro

privado o financiamento, a construção e manutenção dos investimentos

materiais ou imateriais necessários para o exercício de funções públicas, em

troca de uma remuneração por parte da entidade pública.

De acordo com a lei, o contrato de parceria apresenta as seguintes três

características: transferência da entidade pública para uma entidade privada

do cumprimento, total ou parcial, de uma determinada missão

(financiamento245, realização, manutenção, exploração ou gestão de bens

materiais ou imateriais); longa duração do contrato246 (podendo ter um prazo

de vinte ou trinta anos); modalidades de pagamento repartidas ao longo da

duração do contrato, que podem depender da realização de determinados

objectivos, a performance ou da disponibilidade do bem ou do serviço em

causa. Os pagamentos efectuados pela entidade pública visam cobrir as

despesas de exploração, o reembolso da dívida subscrita para financiar o

244 A expressão “contrato global” significa que o seu objecto incide sobre as diferentes fases de realização de um projecto (por exemplo, para um hospital, pode ir desde a sua concepção arquitectural à sua gestão, passando pela sua construção). Este tipo de contrato compreende necessariamente três elementos: o financiamento de investimentos imateriais, de obras ou de equipamentos necessários para o serviço público; a construção ou transformação das obras ou dos equipamentos ou de outros investimentos (incluíndo imateriais); e a sua conservação e/ou manutenção e/ou a sua exploração e/ou sua gestão. Cf. Institut de la Gestion Déléguée. Dez. 2006. “Les partenariats public-privé en France”. In http://www.fondation-igd.org/pdf/PPP_en_France.pdf (Agosto de 2007). 245 Compete ao parceiro privado assumir os custos sobre os estudos, obras e gestão do pessoal respeitante ao objecto do CP, sendo que o parceiro público, ao longo do contrato, paga àquele uma remuneração. 246 Um contrato de parceria só se justifica se tiver uma longa duração, determinada em função da duração da amortização dos investimentos ou das modalidades de financiamento fixadas.

Page 280: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

252

investimento em causa, bem como remunerar o capital investido pelo parceiro

privado.

Todos os órgãos e entidade públicas (Estado, organismos locais e

estabelecimentos públicos), bem como as entidades privadas responsáveis

por um serviço público podem recorrer a este tipo de contrato. No que diz

respeito ao sector privado, todas as pessoas colectivas com as suas

obrigações legais, fiscais ou sociais cumpridas podem candidatar-se a este

tipo de contrato.

Todo o CP deve conter um conjunto de cláusulas obrigatórias sob pena

de o contrato vir a ser declarado nulo. Todavia, é deixada aos contratantes

uma certa liberdade na redacção dessas cláusulas. Devem, assim, constar de

um CP cláusulas contratuais referentes à duração do contrato; à partilha dos

riscos entre o parceiro público e o parceiro privado; aos objectivos de

performance exigidos ao co-contratante, designadamente, no que se refere à

qualidade do serviço prestado, à qualidade das obras e dos equipamentos247;

às modalidades de pagamento do co-contraente tendo por base os custos do

investimento, de funcionamento e de financiamento e, se for caso disso, de

outras receitas que o co-contratante pode receber na exploração das obras ou

dos equipamentos respondendo a outras necessidades que não sejam só da

entidade pública248, bem como a causas e modalidades que possam justificar

variações de remuneração; ao respeito pela missão de serviço público; ao

controlo por parte da entidade pública da execução do contrato,

designadamente, no que respeito aos objectivos de desempenho, bem como

quanto às condições em que o co-contratante pode recorrer a outras

entidades privadas para a execução do contrato; às sanções e penalidades no

caso de incumprimento das obrigações contratuais; à modificação de aspectos

247 É indispensável que a performance esperada num CP seja claramente definida para a clareza e equilíbrio das relações contratuais. 248 A inserção desta cláusula obrigatória pretende uma maior transparência da remuneração estabelecida no contrato.

Page 281: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

253

do contrato por parte da entidade pública249; ao controlo pela entidade pública

da cessão do contrato; à manutenção das condições de continuidade do

serviço público; à propriedade da obra e dos equipamentos no termo do

contrato; e às formas de prevenção e de recurso a mecanismos de resolução

alternativa de litígios250 (artigo 11.º da Ordonnance de 17 de Junho de 2004).

No que diz respeito especificamente ao Estado e aos seus organismos

públicos, a celebração de um CP exige o acordo formal do Ministro da

Economia, Finanças e Indústria, entidade responsável pela verificação da

compatibilidade do projecto com os objectivos de equilíbrio das finanças

públicas251.

Foram, ainda, publicados dois novos diplomas legais complementares da

Ordonnance de 17 Junho de 2004. O primeiro (Decreto n. º 2004-1119) veio

criar um órgão administrativo dependente do Ministério da Economia,

Finanças e Indústria, denominado Missão de Apoio à Realização dos

Contratos de Parceria (MAPPP), cuja função consiste no apoio e

aconselhamento na preparação, negociação e execução dos contratos de

parceria. O segundo (Decreto n.º 2004-1145) veio definir as modalidades de

publicidade aplicáveis a estes contratos.

Além da criação e aperfeiçoamento do regime legal das PPPs, o

Governo procedeu, também, à sua regulamentação em várias áreas: finanças

públicas (modificação da LOLF), contabilidade (aplicação dos princípios do

Eurostat) e organizacional (criação de um organismo que presta assistência

aos organismos públicos no âmbito das PPPs: a MAPPP).

É de referir, ainda, que foi elaborado, em Maio de 2005, pelo Ministério

da Economia, Finanças e Indústria, em colaboração com a MAPPP, um guia

prático intitulado “Os contratos de parceria – Princípios e métodos”. Este

249 Esta possibilidade existe para que a entidade pública possa adaptar o contrato à evolução das necessidades, das inovações tecnológicas ou das modificações nas condições do financiamento obtido pelo co-contratante. 250 A lei prevê a possibilidade de recurso à arbitragem. 251 Cf. Willot, Didier. 2004. Cahiers Industries n.º 97 – Julho-Agosto 2004 (p. 12-16).

Page 282: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

254

documento tem como objecto orientar e esclarecer os diferentes agentes

públicos e privados envolvidos em contratos de parceria sobre as principais

características, conteúdo e vantagens na celebração de um contrato de

parceria252.

Em 2006, foi criado, no âmbito do Parlamento, um grupo de trabalho

sobre as parcerias público-privadas, liderado pelo Deputado Hervé Novelli,

com o objectivo, designadamente, de proceder a uma avaliação das primeiras

experiências, comparar a legislação francesa com a de alguns países

europeus próximos, analisar os limites do contrato de parceria, melhorar o seu

enquadramento legal (em especial, definir com maior rigor os conceitos de

urgência e complexidade impostos pelo Conselho de Estado francês),

desenvolver boas práticas que permitam melhorar as relações entre os

decisores públicos e os actores económicos envolvidos, e promover o

conhecimento das parcerias junto dos decisores públicos nacionais e locais.

Aquele Grupo de trabalho apresentou uma Proposta de Lei que pretende

alcançar três objectivos principais: facilitar o recurso aos contratos de parceria

explicitando o critério de urgência253; “tornar seguro”, no plano jurídico, o

recurso a este tipo de contratos254, e alcançar a neutralidade fiscal255.

252 In http://www.ppp.minefi.gouv.fr/guide_contrat_partenariat.pdf (Julho de 2007). 253 Esta Proposta de Lei determina que “a urgência seja avaliada pela entidade pública em função (…) das características do projecto em causa e da prioridade dada à sua realização” (artigos 1º e 2º da Proposta). 254 A segurança jurídica preconizada pela Proposta baseia-se na exigência de que o controlo da legalidade destes contratos seja transferido para a Missão de Apoio à Realização de parcerias público-privadas (MAPPP), à qual fora atribuída a competência de dar, a montante, pareceres aos organismos locais quando por eles solicitados. A “unicidade” deste controlo garante, deste modo, uma doutrina uniforme e uma maior coerência e eficácia deste controlo sem prejudicar a prossecução do contrato (artigos 3º, 4º e 5º da Proposta). 255 O então Ministro das Finanças reconheceu que “as parcerias público-privadas tornaram-se numa prática de gestão em expansão. Assim, é legítimo que se reflicta na forma de integrar os seus custos financeiros, como ocorre para as “maitrises d’ouvrage” clássicas”. Comprometeu-se, então, “a obter num prazo razoável uma informação fiscal sobre esta questão”, de modo a “encontrar uma solução globalizando a operação, integrando, assim, os custos financeiros” In JO Sénat – Sessão de 28 de Novembro de 2006, p. 8994.

Page 283: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

255

2. As estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de

parceria público-privado

2. 1. A Missão de Apoio à realização de contratos de parceria

(Mission d’Appui à la Réalisation de Contrats de Partenariat -

MAPPP)

Em França, tal como em outros países, existe um organismo

especializado na área das PPPs, denominado Missão de Apoio à Realização

dos contratos de parceria (Mission d’Appui à la Réalisation de Contrats de

Partenariat - MAPPP)256. Criado em Outubro de 2004, tem como principais

funções a assistência e o aconselhamento dos órgãos da Administração

Pública ao longo das diferentes etapas dos contratos de parceria. Este

organismo está sob a dependência funcional do Ministro da Economia,

Finanças e Indústria e é constituído por seis peritos vindos de diferentes áreas

do sector público, com uma experiência profissional diversificada.

O MAPPP tem uma tripla missão: 1) divulgar aquele novo instrumento

jurídico junto dos diferentes agentes interessados, designadamente, através

da criação e manutenção de um site na Internet, da organização de colóquios

e seminários e da participação em diversos grupos de trabalho; 2) apoiar na

preparação, negociação e execução dos contratos de parceria,

nomeadamente, auxiliando as entidades públicas na avaliação prévia,

produzindo recomendações práticas, complementares à informação constante

do Guia Prático; 3) propor ajustamentos ou melhoramentos na

regulamentação em vigor; e validar os projectos de contratos propostos pelo

Estado ou pelos seus organismos públicos (à excepção do Ministério da

Defesa por possuir um órgão especializado nesta matéria)257.

256 Cf. http://www.ppp.minefi.gouv.fr/ (Julho de 2007). 257 O parecer emitido pelo MAPPP não é vinculativo, sendo apenas um requisito necessário para o andamento do processo. O contrato de parceria celebrado pelo Estado ou por um dos seus organismos públicos exige sempre o acordo do Ministro da Economia, Finanças e Indústria.

Page 284: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

256

Este organismo é auxiliado por um comité consultivo, composto por 37

membros, com experiência profissional em áreas conexas com esta matéria.

Este organismo tem por função principal propor temas a analisar e validar o

relatório anual elaborado pelo MAPPP.

2. 2. O Instituto de Gestão Delegada (Institut de la Gestion

Déléguée)

O Instituto de Gestão Delegada (Institut de la Gestion Déléguée) é uma

fundação sem fins lucrativos, criada em 1996, que agrupa uma pluralidade de

actores relacionados com as PPPs, nomeadamente empresas, representantes

do Estado, consumidores, peritos, operadores e instituições financeiras. Tem

por missão promover o melhoramento da qualidade e performance dos

serviços públicos, em especial quando a sua gestão é delegada. Elabora

estudos, pesquisas e apresenta propostas sobre a gestão dos serviços

públicos258.

É de referir que a MAPPP e o IGD decidiram criar, em Junho de 2006,

um centro de peritagem e de análise das PPPs: o Centro de Peritagem

Francês para a Observação das PPPs (Centre d’Expertise Français pour

l’Observation des Partenariats Public-Privé - CEFO-ppp)259. Este Centro tem

por missão estabelecer “ficheiros PPP”, dos quais constarão as características

essenciais de um contrato de parceria ou de um contrato semelhante do ponto

de vista jurídico, económico e financeiro. O acesso a estes ficheiros será

restrito, limitado aos parceiros e utilizadores desta rede de informação.

258 Cf. Relatório do Instituto de Gestão Delegada “Gouvernance, partenariat et financement pour les services essentiels”. Março de 2006. In http://www.fondation-igd.org/pdf/00_fran cais.pdf (Agosto de 2007). 259 In http://www.cefoppp.org/pages/?arb_n_id=1 (Julho de 2007).

Page 285: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

257

2. 3. A Agence de Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la

Justice (AMOTMJ)

A Agence de Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la Justice

(AMOTMJ) é um organismo público, sob a tutela do Ministério da Justiça, cuja

principal missão é a de construir, renovar e restaurar os tribunais e os

estabelecimentos prisionais franceses260. Este organismo, criado em Agosto

de 2001, tem competência para realizar estudos e proceder a avaliações

preliminares relativamente a investimentos imobiliários e à conservação e

valorização do património do Ministério da Justiça; assegurar a realização de

obras de construção, renovação ou conservação; e prestar apoio na área da

gestão e valorização do património imobiliário judiciário.

É composto por equipas pluridisciplinares (engenheiros, arquitectos,

funcionários de serviços administrativos, jurídicos e financeiros), que preparam

estudos prévios ou acompanham o desenvolvimento de contratos

(empreitadas, concessões, parcerias público-privadas). No exercício das suas

funções podem recorrer a diferentes interlocutores nos serviços do Ministério

da Justiça (magistrados, secretários de justiça, Director-Geral da Direcção-

Geral dos Serviços Prisionais, directores de estabelecimentos prisionais), bem

como a empresas de consultadoria.

Em Fevereiro de 2006, foi publicado o Decreto 2006-208 que veio alterar

o estatuto da AMOTMJ, alargando as suas competências em matéria de

assistência e fiscalização, passando a ser não só a entidade responsável

pelas obras no âmbito do Ministério da Justiça, como a entidade que deve

gerir os contratos de parceria no sector, quer como parceiro público o Estado,

quer as autoridades locais.

260 In http://www.amotmj.justice.fr/ (Agosto de 2007).

Page 286: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

258

3. O processo de adjudicação de um contrato de parceria

As entidades públicas que pretendam recorrer a um contrato de parceria

devem, obrigatoriamente, proceder a uma avaliação prévia do projecto,

demonstrando que o projecto ou é demasiado complexo para ser realizado por

um organismo público, ou é urgente. Devem, também, comparar e ponderar

as várias soluções possíveis, isto é, a possibilidade da realização do projecto

através de um contrato de parceria ou através de um outro tipo de contrato

administrativo. As razões da opção podem ser de ordem económica,

financeira, jurídica ou administrativa.

Tendo-se decidido pelo recurso a um contrato de parceria, segue-se a

divulgação pública de um aviso de proposta, do qual deve constar,

designadamente, a natureza da operação, os objectivos esperados, as

performances pretendidas e os critérios de selecção.

As empresas que pretendem concorrer à parceria dispõem de um prazo

de 40 dias para preparar o dossier de candidatura. Após a recepção das

respectivas candidaturas (não podendo o seu número ser inferior a três ou a

cinco261) segue-se uma fase de discussão, denominada de diálogo

competitivo, entre o contratante público e cada sociedade candidata. Este

“diálogo” pode incidir sobre os meios técnicos, jurídicos, financeiros ou

administrativos, sem prejuízo do respeito pela confidencialidade,

transparência, igualdade de tratamento e da livre concorrência (artigos 5.º e

6.º da Ordonnance de 17 de Junho de 2004).

Depois desta fase, as sociedades em concurso são convidadas a

elaborar, no prazo de um mês, uma proposta final de acordo com os

objectivos definidos (artigo 7.º).

O contrato deve ser atribuído à sociedade candidata, cuja proposta seja

a mais vantajosa a nível económico, respeitando os critérios previamente

261 O número mínimo de candidatos é de cinco quando o projecto tiver um carácter de urgência. Nestes casos, a entidade pública deve recorrer ao processo denominado de concurso de propostas restrito appel d’offres restreint.

Page 287: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

259

estabelecidos no regulamento de consulta do processo, designadamente o

valor técnico do projecto, o seu carácter inovador, o prazo de realização da

obra ou a sua qualidade estética. A lei determina os critérios estabelecidos

devem ser ponderados e hierarquizados, sendo que dos critérios de

adjudicação devem, obrigatoriamente, constar o custo final do projecto, os

seus objectivos de desempenho e a parte do projecto que a sociedade

candidata se propõe entregar a pequenas e médias empresas. (artigo 8.º)262.

O contrato de parceria e o risco

Como referirmos no Capítulo I, a questão do risco e da sua partilha é

uma das questões centrais dos contratos de parceria público-privada. Nesse

sentido, considera-se que o sucesso de um CP depende, em grande medida,

da correcta definição dos riscos e da sua partilha entre os dois contraentes.

De facto, o princípio geral dos contratos de parceria é o de repartir os riscos

entre os co-contraentes de acordo com a melhor capacidade de suportar os

riscos a nível técnico, económico e financeiro. Contudo, esta partilha deve ser

equilibrada porque o custo associado a cada risco varia consoante a entidade

que o suporte. É, por isso, essencial num CP proceder-se a uma optimização

da alocação dos riscos entre os diferentes parceiros. Além disso, a repartição

de alguns riscos (nomeadamente os riscos de construção, da procura e da

disponibilidade) é fundamental para avaliar os compromissos da entidade

pública à luz das normas do Eurostat.

A Ordonnance de 17 de Junho de 2004 veio dar especial ênfase a esta

questão, considerando fundamental proceder, ao longo do processo de

execução do contrato, a uma avaliação precisa dos riscos do projecto,

avaliação que pode ocorrer em diferentes fases, isto é, aquando da

262 Após a selecção da sociedade, a empresa seleccionada e os candidatos excluídos são notificados dessa decisão. Procede-se, ainda, à publicação, num prazo de 30 dias, no Jornal Oficial da União Europeia de um aviso de atribuição do CP à empresa seleccionada (artigo 9.º).

Page 288: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

260

elaboração da avaliação prévia, durante a fase do diálogo competitivo, e na

fase de elaboração das cláusulas contratuais.

O risco deve ser avaliado, caso a caso, de acordo com as características

de cada projecto e dos objectivos pretendidos pela entidade pública,

prevendo-se várias categorias de riscos: a) os riscos suportados, normalmente

a 100%, por uma das partes; b) os riscos transferíveis para o sector privado; c)

os riscos partilhados entre o sector público e o privado. Os riscos são, ainda,

em geral, analisados em função do período durante o qual deverão ocorrer,

podendo ser temporários (relacionados com uma fase do projecto) e/ou

permanentes.

A identificação detalhada dos riscos é, normalmente, feita através de um

instrumento de análise financeira denominado matriz de riscos. Consiste numa

matriz na qual é apresentada uma lista exaustiva dos riscos do projecto e a

repartição dos mesmos entre os diferentes parceiros. Estas matrizes permitem

visualizar o conjunto de riscos e ter conhecimento, de forma imediata, a quem

competem.

Page 289: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

261

Quadro IV. 4

Exemplo de uma matriz de riscos

Page 290: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

262

Page 291: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

263

Fonte: Ministério da Economia, Finanças e Indústria/MAPPP(2005)

A elaboração de uma matriz de riscos tem vários objectivos, entre eles,

guião para a fase do diálogo competitivo, elemento de diferenciação dos

candidatos e elemento fundamental de análise do equilíbrio da operação263.

Considera-se que três tipos de risco devem ser cuidadosamente

avaliados aquando de uma avaliação prévia de um CP: o risco operacional, o

risco de volume e o risco da evolução do quadro legal.

No que se refere ao risco operacional, chama-se a atenção para o facto

de o custo de um CP poder aumentar inutilmente se a administração pública

impuser ao parceiro privado obrigações de resultado superiores às suas

próprias necessidades. Deste modo, é essencial, por um lado, definir

correctamente os objectivos e as performances esperadas, e, por outro, que

as penalidades aplicadas ao parceiro privado, em caso de incumprimento,

sejam proporcionais às dificuldades concretas encontradas durante a

execução do contrato.

O risco de volume pode estar relacionado com um risco de procura ou

um risco “de preço” ou com uma combinação de ambos. Este tipo de risco

pode ter efeitos sobre dois tipos de remuneração: a remuneração paga pela

entidade pública pode variar consoante a procura do bem ou do serviço

263 Cf. Majza, Béatrice e Bayard, Serge. 2005. “Le contrat de paternariat et le risque”. 2005. In Contrats Publics, nº 56. Junho de 2005 (p. 60-65).

Page 292: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

264

colocado à disposição do sector público. Por exemplo, em alguns projectos

relativos a auto-estradas com portagem virtual, a remuneração a pagar ao

parceiro privado varia em função do número de veículos que utilizam a auto-

estrada.

O risco de evolução do quadro legal refere-se à possível alteração de

diplomas regulamentadores de determinadas matérias, como ambientais e

fiscais, ou a aplicação de normas europeias ou nacionais ao projecto e que

possam inviabilizá-lo264.

No que se refere à distribuição dos riscos, o parceiro privado deve

assumir, nomeadamente, os riscos de dimensionamento, de má concepção

funcional e de arquitectura, de construção, de conservação, de exploração e

de disponibilidade final do projecto. Quanto aos chamados riscos “exógenos”,

como, por exemplo, os riscos decorrentes de autorização administrativa

(licenças de construção, autorizações de exploração, aval das comissões de

segurança, etc.), alterações regulamentares e todas as situações de força

maior, considera-se que os mesmos devem ser equitativamente partilhados

entre parceiros público e privado.

A distribuição do risco reflecte-se de sobremaneira no projecto financeiro

do contrato. A análise, pelos potenciais parceiros financeiros, do conjunto de

riscos possíveis de um projecto de PPP será determinante, quer para a

capacidade da parceria atrair o interesse dos parceiros financeiros, quer para

a definição do projecto financeiro265.

O financiamento das parcerias público-privadas em França

264 Cf. Guia prático da MAPPP. Maio de 2005. “Os contratos de parceria – Princípios e métodos” (p. 33-40). In http://www.ppp.minefi.gouv.fr/guide_contrat_partenariat.pdf (Agosto de 2007). 265 Existem diferentes tipos de projectos financeiros que variam em função dos seguintes factores: a transferência do risco e a forma como este é gerido pelo parceiro privado, e a dimensão do projecto

Page 293: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

265

De acordo com o relatório do Instituto de Gestão Delegada de Outubro

de 2006, o financiamento de uma PPP depende essencialmente das

características do projecto em causa.

A duração do financiamento é determinada pela duração do contrato de

PPP, mas pode não exceder a duração de vida dos principais equipamentos

que fazem parte do projecto. É de referir que a duração do financiamento é, na

maioria dos casos, inferior à do contrato, uma vez que este deve,

normalmente, prever um período durante o qual a exploração manter-se-á

apesar da dívida estar (normalmente) liquidada266.

4. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas

4. 1. Áreas de intervenção em geral

As formas tradicionais de PPP, como os mercados públicos e os

contratos de arrendamento administrativos (BEA) têm sido, em geral,

utilizadas em projectos ligados à construção de infra-estruturas rodoviárias e

fluviais. No que se refere aos denominados contratos “sectoriais”, cujo âmbito

de aplicação, como já foi acima referido, é específico a determinadas áreas da

Administração Pública, têm incidido na construção de infra-estruturas na área

da defesa e segurança (nos termos previstos pela LOPSI) com a construção

de esquadras de polícia; na área da justiça (nos termos previstos na LOPJ)

com a construção de estabelecimentos prisionais, e na área da saúde com a

construção de hospitais (BEH). A figura criada pela Ordonnance de 17 de

Junho de 2004, denominada de contrato de parceria, vocacionada para

projectos de grande dimensão, está a difundir-se em França. Foram lançados

vários projectos-piloto (cerca de 35), anunciados em Outubro de 2005 pelo

Comité Interministerial de ordenamento e de competitividade dos territórios

(Comité Interministériel d’Aménagement et de Compétitivité des Territoires –

266 Neste ponto seguimos de perto o Relatório do Instituto de Gestão Delegada: “Le financement des PPP en France” de Outubro de 2006. In http://www.fondation-igd.org/pdf/rapport_ppp.pdf (Agosto de 2007).

Page 294: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

266

CIACT), abrangendo os seguintes sectores: estradas, caminho-de-ferro,

modernização de barragens, radiocomunicações, e também na área da

justiça267 268.

4. 2. As parcerias público-privadas no sector da justiça

Na área da justiça, o sistema prisional foi um dos sectores pioneiros na

utilização de PPPs. Já na década de 80, confrontado com a sobrelotação

prisional e a falta de recursos financeiros, o então Ministro da Justiça solicitou

uma autorização à Assembleia Nacional para que a gestão de alguns

estabelecimentos prisionais fosse delegada a entidades privadas. A

intervenção do sector privado passou, assim, a abranger não só a concepção

e construção de prisões, mas, também, um conjunto de serviços, tais como a

manutenção, limpeza, lavandaria, transporte, etc. A administração

penitenciária mantinha, contudo, competências próprias para as funções

entendidas pelo Conselho de Estado francês como não delegáveis, como a

direcção e vigilância dos estabelecimentos prisionais e o controlo dos serviços

administrativos.

A promulgação da Lei de Orientação e de Programação para a

Segurança Interna (LOPSI269) e da Lei de Orientação e de Programação para

267 In http://www.europe-international.equipement.gouv.fr/rubrique.php3?id_rubrique=232 (Maio 2005) e carrefourlocal.senat.fr/dossiers/contrats_partenariat_partenar/index.html (Junho de 2007). 268 De entre os projectos anunciados, constam a construção do canal Sena-Norte Europa, a criação de um centro de formação de luta contra o terrorismo, a construção de um palácio de justiça, a modernização da Prisão da Saúde (Maison d’Arrêt de la Santé), a construção de estradas, a construção de uma escola secundária, a construção de três estabelecimentos prisionais, e o lançamento do projecto GSM-R, rede de telecomunicações GSM em substituição da actual rede analógica pela Rede de Caminhos-de-ferro de France (RFF). In http://www.assemblee-nationale.fr/12/propositions/pion3730.asp (Julho de 2007) e Relatório de actividade (2005-2006) da Mission d’Appui à la réalisation des contrats de partenariat (MAPPP), in http://www.ppp.minefi.gouv.fr/rapp_activite2006.pdf (Julho de 2007). 269 Esta Lei previa o recurso a um contrato de PPP, contrato de autorização de ocupação temporária do domínio público e contrato de locação com opção de compra (AOT-LOA). Este tipo de contrato previa que a construção, manutenção e financiamento de um edifício fosse confiado a sociedades privadas, cujo locatário seria o Estado. Nos termos do contrato

Page 295: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

267

a Justiça (LOPJ) vieram, não só preconizar o aumento da capacidade dos

estabelecimentos prisionais, o reforço da sua segurança e humanização, e um

melhor acompanhamento dos detidos, bem como aprofundar o recurso a

PPPs270.

Com a promulgação desta Lei, o Ministério da Justiça francês tornou-se

um precursor na utilização de parcerias público-privadas, recorrendo a vários

tipos de contratos de PPPs para a construção de um conjunto de novos

estabelecimentos prisionais, prevendo-se o reagrupamento de projectos

denominados lotes.

4. 2. 1. Os projectos em curso na área da justiça

Com o recurso a projectos de PPP, o Ministério da Justiça francês está a

construir dez estabelecimentos prisionais. Este programa pretende atingir,

entre outros, os seguintes objectivos: reforçar as condições de segurança do

estabelecimento, no respeito pela dignidade dos detidos, melhorar as

condições de visita das família, preservar os laços familiares e favorecer a

reinserção dos reclusos.

Como já referimos, este projecto de construção de vários

estabelecimentos prisionais pressupõe o reagrupamento de projectos em três

lotes. Em Fevereiro de 2006, foi realizada a assinatura do primeiro grande

contrato de PPP do programa penitenciário para adultos, denominado Lote 1,

estabelecendo a construção de quatro estabelecimentos (Roanne, Lyon-

Corbas, Nancy-Maxéville, Béziers). Seguiu-se a assinatura do segundo grande

contrato de PPP, em Outubro de 2006, para a construção de um segundo lote

relativo a três estabelecimentos prisionais (Poitiers-Vivonne, Le Havre, le

Mans-Coulaines), e, em Junho de 2006, iniciou-se o processo de consulta

(decorrido, 20 ou 30 anos), o Estado poderia ficar com a propriedade plena do edifício exercendo uma opção de compra. 270 Previa-se a construção de sete estabelecimentos prisionais para menores com 420 lugares; dezoito centros de detenção para adultos e de duas prisões centrais (9 200 lugares no total).

Page 296: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

268

para a construção do terceiro lote de prisões (Île de France-Réau, Lille-

Annoeullin, Nantes), estando prevista a assinatura do respectivo contrato em

finais de 2007271.

É de referir, ainda, que está a decorrer até Dezembro de 2007 o

processo de consulta para a concretização de um CP com o objectivo de

renovar um centro de detenção (Maison d’Arrêt de la Santé) e para a

construção e reestruturação de dois palácios da justiça de Bourgion-Jallieu e

de Toulon, sendo estes dois últimos projectos considerados como uma

experiência-piloto nesta área272.

A Figura seguinte ilustra o conjunto de projectos em curso e os previstos

na área da justiça com recurso a PPPs.

271 In http://www.amotmj.justice.fr/rubrique.php3?id_rubrique=17&par=4 (Agosto de 2007). 272 In http://www.amotmj.justice.fr/IMG/pdf/commPPP10juilletCB.pdf (Agosto de 2007).

Page 297: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

269

Figura IV. 3

Os projectos de PPPs da responsabilidade da AMOTMJ

Lote 1: a construção de quatro estabelecimentos prisionais para

adultos (Roanne, Lyon-Corbas, Nancy-Maxéville, Béziers)

A AMOTMJ assinou, em 23 Fevereiro de 2006, o primeiro grande

contrato de PPP do programa penitenciário para a construção de quatro

estabelecimentos penitenciários para adultos, denominado de Lote 1.

Page 298: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

270

Este contrato assenta num contrato de Autorização de Ocupação

Temporária do Domínio do Estado e de arrendamento (Locação com opção de

compra) (AOT-LOA) regido pelo Decreto da LOPSI, tem por objectivo a

concepção, construção e financiamento de 2 790 lugares para detidos adultos

em quatro locais (Roanne, Lyon-Corbas, Nancy-Maxéville, Béziers), bem

como a sua gestão e conservação durante um período de 27 anos

(fornecimento de serviços de manutenção e limpeza).

A conclusão do estabelecimento de Roanne está prevista para o

segundo trimestre de 2008 e dos três restantes para 2009273.

Lote 2: a construção de três estabelecimentos prisionais para

adultos (Poitiers-Vivonne, Le Havre, le Mans-Coulaines)

A AMOTMJ consolidou o recurso às PPPs, através da assinatura em 12

de Outubro de 2006, de um segundo grande contrato de PPP no âmbito do

programa penitenciário para adultos através da construção de mais três

estabelecimentos penitenciários, denominado de Lote 2.

Esta PPP assenta, novamente, num contrato de Autorização de

Ocupação Temporária do Domínio do Estado e de arrendamento com opção

de compra (Autorisation d’Occupation Temporaire du Domaine de l’État d’un

Bail / Location avec Option d’Achat – AOT-LOA) e tem por objectivo a

273 O novo centro de detenção de Roanne tem uma superfície de 30 800 m2 e prevê 600 lugares para adultos (In http://www.amotmj.justice.fr/IMG/pdf/Dossier_de_presse_Roanne.pdf (Agosto de 2007).

O novo centro penitenciário de Nancy tem uma superfície de 32 000 m2 e será constituído por 690 lugares para adultos (In http://62.210.190.156/IMG/pdf/Dossier_d_information_Nancy_lig ht.pdf (Agosto de 2007).

O novo estabelecimento prisional de Lyon tem uma superfície de 33 000 m2 e será constituído por 690 lugares para adultos (In http://62.210.190.156/IMG/pdf/Dossier_de_presse_maison_ d_arret_de_Lyon.pdf (Agosto de 2007).

Quanto ao novo estabelecimento prisional de Béziers, a única informação disponível neste momento sobre a construção deste estabelecimento prisional é a de que será constituído por 810 lugares.

Page 299: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

271

concepção, construção e financiamento de 1 690 lugares para detidos em três

locais (Poitiers-Vivonne, Le Havre, le Mans-Coulaines), bem como a gestão e

conservação do estabelecimento durante um período de 27 anos

(fornecimento de serviços de manutenção e limpeza).

A conclusão do estabelecimento de Poitiers-Vivonne está prevista para o

primeiro semestre de 2009 e dos dois outros estabelecimentos até finais de

2009274 275.

Lote 3: a construção de três estabelecimentos prisionais para

adultos (Île de France-Réau, Lille-Annoeullin, Nantes)

Este terceiro lote de estabelecimentos prisionais será construído através

de um contrato de parceria nos termos da Ordonnance de 17 de Junho de

2004.

Este tipo de parceria público-privada difere dos dois contratos acima

referidos por o parceiro privado ficar com uma responsabilidade acrescida,

uma vez que além de lhe caber o financiamento, concepção, construção e

manutenção do estabelecimento, também, é responsável pelos serviços de

restauração, lavandaria, transporte e formação penitenciária.

No conjunto, as três construções terão uma capacidade para 2 058

pessoas, sendo o estabelecimento prisional da île de France-Réau constituído

274 In http://62.210.190.156/IMG/pdf/PPP_lot_2-2-2.pdf (Agosto de 2007). 275 O novo centro penitenciário de Poitiers-Vivonne tem uma superfície de 32 000 m2 e será constituído por 600 lugares para adultos (In http://62.210.190.156/IMG/pdf/Dossier-information-VivonneW.pdf (Agosto de 2007).

O novo estabelecimento penitenciário de Le Havre-Seine-Maritime será constituído por 690 lugares para adultos (In http://www.amotmj.justice.fr/IMG/pdf/presentation_AMOTMJ-Seine-Maritime-061106-2.pdf (Agosto de 2007).

O novo estabelecimento penitenciário do Mans-Coulaines será constituído por 400 lugares para adultos (In http://www.amotmj.justice.fr/IMG/pdf/presentation_AMOTMJ-Sarthe-171006_2_-3.pdf (Agosto de 2007).

Page 300: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

272

por 798 lugares, o de Lille-Annoeullin por 690 lugares e o de Nantes por 570,

com um sector para penas de curta duração com 60 lugares276.

A reestruturação do estabelecimento penitenciário parisiense

(Maison d’ Arrêt de la Santé)

A renovação deste estabelecimento prisional faz parte do programa de

renovação dos maiores estabelecimentos penitenciários franceses.

Este projecto de renovação está a decorrer através de um CP no âmbito

da Ordonnance de 17 de Junho de 2004, tendo sido proferido o parecer

favorável da MAPPP sobre a avaliação prévia em Dezembro de 2006,

seguindo-se a divulgação do aviso público de proposta de PPP. A fase do

diálogo competitivo para a escolha de um parceiro privado está calendarizada

para decorrer entre 2007 e 2008, estando a assinatura do contrato prevista

para meados de 2008 e o arranque das obras para meados de 2009277.

4. 2. 2. Os projectos futuros

O Ministério da Justiça, na continuação dos projectos acima referidos,

decidiu aplicar aos programas de construção ou ampliação de palácios da

justiça o contrato de parceria criado pela Ordonnance de Junho de 2004.

Neste sentido, estão a decorrer até Dezembro de 2007 processos de consulta

para a realização de um CP para a construção de um novo palácio da Justiça

(o Palácio da Justiça de Bourgoin-Jailleu) e a extensão e reestruturação do

Palácio da Justiça de Toulon.

276 Cf. Relatório de actividade da AMOTMJ de 2006. p. 36. In http://www.amotmj-justice.fr/IMG/pdf/RA_AMOTMJ_2006.pdf (Agosto de 2007). 277 Cf. Relatório de actividade da AMOTMJ de 2006. p. 48. In http://www.amotmj-justice.fr/IMG/pdf/RA_AMOTMJ_2006.pdf (Agosto de 2007).

Page 301: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

273

A construção do Palácio da Justiça de Bourgoin-Jallieu278

Este projecto visa concentrar três tribunais (o Tribunal de Grande

Instância, o Tribunal de Instância e o Tribunal de Trabalho) num só edifício.

Trata-se de um projecto-piloto com recurso a uma parceria público-privada,

nos termos da Ordonnance de 17 de Junho de 2004, para realizar uma

operação denominada de “alta qualidade ambiental”. Este contrato terá a

duração de 25 a 30 anos e prevê que o financiamento, construção, gestão e

manutenção do futuro palácio da justiça, bem como a prestação de um

conjunto de serviços (serviço de vigilância, segurança, etc.) seja da

responsabilidade do parceiro privado.

Em 2006/2007, decorreram os estudos de programação e definição do

projecto. No final do ano de 2007, está previsto o lançamento do processo de

PPP.

A reestruturação do Palácio da Justiça de Toulon279

O segundo projecto-piloto a decorrer em simultâneo com o anterior,

também com recurso a uma PPP, nos termos da Ordonnance de 17 de Junho

de 2004, consiste na reestruturação de uma área de 5 500 m2, correspondente

ao actual palácio da justiça de Toulon, e na construção de uma área nova de

cerca de 6 000 m2 com o objectivo de concentrar dois tribunais judiciais (o

Tribunal de Grande Instancia e o Tribunal de Instância).

Em 2006, decorreram os estudos de programação e definição do

projecto, tendo sido finalizados em 2007. Igualmente no final deste ano, está

programado o lançamento do processo de PPP.

É de referir que estes dois projectos são considerados como duas

experiências-piloto, porque com elas se pretende avaliar os resultados da

delegação para o sector privado de um conjunto de serviços anteriormente da

278 In http://www.amotmj.justice.fr/article.php3?id_article=264 (Agosto de 2007). 279 In http://www.amotmj.justice.fr/article.php3?id_article=265 (Agosto de 2007).

Page 302: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

274

competência das instituições judiciárias, estando previsto confiar ao parceiro

privado o financiamento, a construção, a manutenção e gestão destes dois

futuros palácios da justiça, bem como um conjunto de serviços (vigilância,

segurança, etc.).

5. O balanço das parcerias público-privadas em França

Apesar do aumento gradual do recurso aos contratos de parceria,

regista-se, contudo, alguma reserva e levantam-se algumas questões na

utilização deste instrumento jurídico. A, ainda, recente entrada em vigor do

novo regime legal; a ambiguidade dos requisitos de urgência e complexidade

exigidos para os contratos de CP, o que pode constituir um factor potenciador

de processos contenciosos, envolvendo a responsabilidade dos organismos

locais e dos seus agentes; a complexidade dos projectos objecto de um

contrato de parceria; e o custo da fase de avaliação prévia, são vistos como

factores que limitam o recurso a este tipo de PPP.

No que se refere ao financiamento das PPPs, a Câmara de Comércio e

Indústria de Paris, num relatório elaborado em 23 de Novembro de 2006,

chama a atenção para a necessidade de salvaguardar a transparência

financeira deste tipo de contrato. Apesar das PPPs permitirem a priori uma

diminuição do custo das infra-estruturas, reflectindo-se positivamente no erário

público, existe, todavia, um custo indirecto para os contribuintes. Enquanto as

entidades públicas contraem empréstimos à taxa de juro mais baixa do

mercado, as empresas privadas estão sujeitas a taxas mais elevadas. Esta

diferença, bem como a margem de lucro das empresas, terão repercussões no

pagamento das rendas pela administração. Ora, este acréscimo financeiro não

é considerado um custo directo, e nem é do conhecimento público, pondo

deste modo em causa o princípio da transparência das contas públicas. A

Page 303: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da França: o pioneirismo das parcerias público-privadas na Europa Continental

275

Câmara de Comércio e Indústria de Paris aconselha, ainda, que as

recomendações do Eurostat sejam postas em prática280.

Na opinião do Director-Geral da AMOTMJ, as PPPs apresentam, na

prática, alguns problemas e questões que é importante resolver.

No que diz respeito à fase de discussão dos projectos, identifica dois

tipos de problemas. Por um lado, as dificuldades e longa duração desta fase

provoca perdas de tempo e custos que poderiam ser evitados se fosse

preparada, avaliada e conduzida de uma forma mais eficaz, eliminando-se de

forma mais rápida as propostas sem interesse. Por outro, quando a entidade

pública elabora um caderno de encargos sem uma matriz de repartição dos

riscos, a discussão acerca da sua repartição entre parceiros privados e público

torna-se complexa porque, quando são apresentadas diferentes matrizes, por

vários candidatos, a entidade pública tem grandes dificuldades em analisar e

decidir qual a melhor proposta.

Considera, ainda, que, tratando-se de um contrato de longa duração, tem

que ter em conta a evolução das necessidades ao longo desse tempo, sendo

que, na área das prisões e do judiciário, os objectivos definidos em cada

legislatura sofrem, em regra, alterações com consequências sobre as

respectivas infra-estruturas e seu funcionamento (Cléret. 2007).

Contudo, para o Director-Geral da AMOTMJ, apesar de não ser ainda

possível uma avaliação total acerca do sucesso ou insucesso das actuais

PPPs na área da justiça por estarem ainda numa fase inicial, “é possível

afirmar, que nesta fase, o balanço parcial que pode ser apresentado confirma

e ultrapassa as expectativas e previsões” (Cléret. 2007). Na sua opinião, as

PPPs têm, à partida, um sucesso garantido, pelos elementos inovadores que

as constituem, obrigando, designadamente, à análise de diferentes hipóteses

de repartição dos riscos e das suas consequências económicas.

280 Cf. Relatório da Câmara de Comércio e da Indústria de Paris de 23 de Novembro de 2006. “Promouvoir le développement des partenariats public-privé – Propositions de la CCIP” (p.19-20). In http://www.etudes.ccip.fr/archrap/pdf06/partenariat-public-prive-kre0611.pdf (Agosto de 2007).

Page 304: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

276

Para além disso, os contratos de parcerias ao abrigo da Ordonnance de

17 de Junho de 2004 não apresentam as mesmas limitações que os contratos

de autorização de ocupação temporária do domínio público e do contrato com

opção de compra (AOT-LOA) resultantes da Lei de Orientação e de

Programação para a Segurança Interna (LOPSI), uma vez que têm um objecto

mais alargado, possibilitando a incorporação de serviços praticados

directamente por terceiros privados. Por exemplo, no âmbito do sistema

prisional, os CP abrangem, também, serviços de restauração, lavandaria,

formação, trabalho, etc.281.

281 In http://www.amotmj.justice.fr/article.php3?id_article=237 (Agosto de 2007).

Page 305: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas

277

A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas

A Bélgica é um Estado federal composto por três regiões (a região flamenga, a região de

Bruxelas e a região de Valona). O regime legal das PPPs é tributário daquela divisão administrativa,

quer no que respeita ao enquadramento legal, quer à definição de prioridades de cada região.

No direito “federal” belga não existe nenhum diploma legal que especialmente enquadre os

contratos de PPP. Sempre que uma entidade pública pretenda celebrar um contrato que envolva

uma cooperação entre o Estado ou uma entidade pública e uma entidade privada, deverá recorrer a

uma destas três figuras jurídicas: mercado público (marché public), concessão de obras públicas

(concession de travaux publics) ou convenção sui generis (convention sui generis). Estas figuras

jurídicas têm-se revelando, contudo, insuficientes para dar resposta aos contratos de PPP, tendo

surgido, na prática, algumas dificuldades de ordem normativa, nomeadamente quanto à constituição

de direitos reais sobre os bens do domínio público, objecto de uma PPP. As soluções normativas

para superar essas dificuldades estão a ser desenvolvidas pelas próprias regiões belgas, tendo a

região flamenga publicado legislação específica em matéria de PPP (o Decreto flamengo de 18 de

Julho de 2003). O objectivo central deste diploma é o de incentivar a utilização de PPPs. Para tal, é

alargada a possibilidade da sua utilização a vários sectores públicos, nomeadamente ao sector

ambiental, ensino, renovação urbana ou cultural, não circunscrevendo o objecto dos contratos

apenas à área da construção de infra-estruturas e alargando as possibilidades de associação dos

parceiros público e privado.

Além de um novo enquadramento legal, aquele diploma criou uma estrutura de apoio: o

Centro de Conhecimento flamengo de PPP. Justifica-se a criação desta estrutura por se considerar

tratar-se de uma matéria complexa, que requer a criação de uma entidade especializada para

coordenar e tornar coerente a política a desenvolver em matéria de PPP. Constituem principais

competências deste órgão, a preparação e avaliação das políticas de PPPs, a coordenação e o

parecer final de projectos de PPP e o auxílio à negociação e execução do contrato.

As áreas de intervenção das PPPs belgas variam em função da sua divisão administrativa. A

nível federal, o Governo não dispõe de um programa específico de PPPs. Regista-se, contudo, o

recurso sectorial a contratos de PPP, como é o caso de um projecto relativo a redes ferroviárias.

A nível das regiões belgas, a região flamenga tem sido a região que mais recorre a PPPs,

quer para prestação de serviços públicos, quer para a construção de infra-estruturas (aeroporto de

Antuérpia, alojamentos sociais, estradas, águas, etc.). A região Valona também tem recorrido a este

instrumento, principalmente, em obras de revitalização urbana. E há referências no sentido da sua

intensificação.

Na área da justiça, o recurso a PPPs é ainda muito residual e, do nosso conhecimento,

encontra-se em fase de discussão. Na região flamenga foi construído, com recurso a uma parceria

pública-privada, um Palácio da Justiça.

Page 306: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

278

Page 307: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas

279

Introdução

Na Bélgica, são apontadas três causas principais para a emergência das

PPPs como instrumento de investimento no sector público, idênticas às que

podemos encontrar em outros países. Em primeiro lugar, a dificuldade das

entidades públicas disporem de meios financeiros suficientes para se

envolverem em projectos de grande dimensão e que exigem recursos

avultados, associada às limitações orçamentais impostas pelo Pacto de

Estabilidade e Crescimento da União Europeia. Em segundo lugar, a

possibilidade de aproveitamento do know-how do sector privado,

nomeadamente no que se refere às questões mais complexas. E, em terceiro

lugar, o declínio do Estado-Providência, cujo actual papel se considera mais

vocacionado para a regulação e controlo do mercado282.

1. Enquadramento legal dos contratos de parceria público-privadas

A Bélgica é um Estado federal composto por três regiões (a região

flamenga, a região de Bruxelas e a região de Valona). Estas regiões estão, por

sua vez, divididas em províncias (provinces) e estas em comunidades

(communes). De acordo com a Constituição belga, estas várias entidades

administrativas têm competências próprias, incluindo legislativas.

O regime legal das PPPs é tributário daquela divisão administrativa, quer

no que respeita ao enquadramento legal, quer à definição de prioridades de

cada região. De acordo com a Constituição belga, o Estado federal tem a

responsabilidade de um conjunto de sectores (infra-estruturas nos caminhos-

de-ferro, justiça, aeroporto internacional de Bruxelas e defesa). As regiões e

as comunidades têm competências no âmbito do sector dos transportes (à

excepção do caminho-de-ferro), energia, águas, habitação social e infra-

estruturas.

282 Cf. Philippe, Denis & Nihoul, Pierre (Dir). 2006. “Les contrats de partenariat entre le secteur public et le secteur privé en Belgique. Aperçu de droit français ». Mai 2006. In http://www.philippe-law.com/Upload/File/Contrats_partenariats.pdf (Outubro de 2007).

Page 308: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

280

No direito “federal” belga, não existe nenhuma legislação

especificamente dirigida aos contratos de parceria público-privada sobre PPP

e a expressão PPP não tem uma definição legal283. Sempre que uma entidade

pública pretenda celebrar um contrato que envolva uma cooperação entre o

Estado ou uma entidade pública e uma entidade privada, deverá recorrer a

uma destas três figuras jurídicas: mercado público (marché public), concessão

de obras públicas (concession de travaux publics) ou convenção sui generis

(convention sui generis).

É de referir que, apesar de existir o princípio da livre repartição de

responsabilidades entre os parceiros de uma PPP, essa repartição deve

sempre seguir as seguintes três orientações: não violar legislação específica

sobre a matéria, devendo o objecto da PPP ser analisado caso a caso;

assegurar a conformidade do projecto às normas do Eurostat; e não exceder

nem ficar aquém das suas competências na área.

Os mercados públicos (marchés publics), regulados pela Lei de 24

Dezembro de 1993, são contratos que têm por objecto a realização de obras,

a prestação de serviços ou a entrega de bens mediante o pagamento de um

determinado preço.

As concessões de obras públicas, por seu lado, são contratos pelos

quais se atribui a um parceiro denominado concessionário o direito de explorar

mediante o pagamento de um preço, os serviços ou a obra que este se

compromete a executar.

A execução de uma PPP também pode ser levada a cabo através do que

se chama uma convenção sui generis. Esta figura exige, contudo, o

cumprimento dos princípios gerais do direito, em especial do direito

administrativo, e o respeito pelos princípios gerais do Tratado de Roma,

283 Como mais adiante se verá, apenas a ordem normativa da região flamenga apresenta alguma especificidade nesta matéria.

Page 309: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas

281

designadamente, dos princípios da transparência, publicidade, livre

concorrência, proporcionalidade, e escolha objectiva do parceiro284.

Apesar da previsão legal destas três figuras consideradas, como formas

de PPP, têm surgido, na prática, algumas dificuldades de ordem normativa,

nomeadamente, quanto à constituição de direitos reais sobre os bens do

domínio público, objecto da PPP. As soluções para superar essas dificuldades

têm sido criadas pelas próprias regiões belgas.

A Região Flamenga criou uma regulamentação específica em matéria de

PPP, com a publicação do Decreto flamengo de 18 de Julho de 2003, cujo

âmbito de aplicação é limitado à região flamenga. O objectivo central daquele

diploma é o de incentivar a utilização de PPPs. Para tal é alargada a

possibilidade da sua utilização a vários sectores públicos, nomeadamente ao

sector ambiental, ensino, renovação urbana ou cultural, não circunscrevendo a

aplicação dos contratos apenas à área da construção de infra-estruturas.

Nos termos deste Decreto, define-se como PPP um projecto realizado,

em conjunto, por entidades de direito público e de direito privado, num quadro

de uma parceria com vista a obter um valor acrescido para ambas as partes

(artigo 2.º). De acordo com esta definição, a PPP deve pressupor um projecto

concreto, que crie uma relação de longa duração entre os diferentes parceiros,

levando à união de diferentes interesses envolvidos. O valor acrescido

subjacente à parceria pode ser de carácter financeiro, social, ou operacional

(por exemplo, tornar a realização do projecto eficaz e menos complexa).

Este Decreto distingue dois tipos de PPPs: as PPPs que envolvem toda

a comunidade flamenga e as PPPs locais, com regimes jurídicos

diferenciados.

As PPPs “flamengas” são “projectos de PPPs da Comunidade flamenga,

da Região flamenga, das entidades internas autónomas com personalidade

jurídica e das entidades externas autónomas de direito público e de direito

privado, reconhecidos, através de parecer do Centro Flamengo de

284 Idem, p. 63-67.

Page 310: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

282

Conhecimento PPP, pelo Governo flamengo como projectos PPP flamengos”

(artigo 2.º). Assim, este tipo de PPP só é considerado uma PPP flamenga

quando for formalmente reconhecida pelo Governo flamengo, após a

elaboração de um parecer de um órgão especializado na matéria: o Centro

Flamengo de Conhecimento PPP (Centre de Conaissance flamand PPP /

Vlaams Kenniscentrum PPS).

Por seu lado, as PPPs locais são “projectos PPP das administrações

locais e das entidades públicas com competência para realizar esse tipo de

PPPs” (artigo 2.º). Não se exige qualquer reconhecimento formal por parte de

uma autoridade pública que não sejam as autoridades locais respectivas.

Esta regulamentação legal veio, também, trazer algumas inovações de

natureza legal. Assim, veio permitir a venda de bens imóveis pertencentes ao

domínio privado da Região flamenga e a constituição de direitos reais sobre

eles (artigo 8.º); autorizar a constituição de direitos reais sobre bens imóveis

do domínio público da região flamenga, sob a condição de que estes direitos

não sejam incompatíveis com o destino dos bens (artigo 10.º); possibilitar a

edificação de certas construções ou instalações nas auto-estradas pelo

parecer privado, desde que essa(s) obra(s) não ponha(m) em causa a

funcionalidade da respectiva auto-estrada (artigo 12.º); e permitir ao Governo

flamengo criar estabelecimentos, associações e empresas de direito privado,

ou permitir a sua participação nestas entidades, desde que não ocorra uma

transferência de competências, nem daí resulte um acréscimo de despesa

pública para o Governo (artigo 13.º). Estas inovações também se aplicam às

administrações locais.

No que se refere à Região Valona e à Região de Bruxelas, não existe em

nenhuma dessas regiões legislação específica aplicável às PPPs. É, contudo,

de referir que o Conselho Económico e Social da Região Valona num parecer

emitido em Abril de 2006 propôs a criação de uma unidade dedicada e dirigida

para as PPPs com o objectivo de iniciar uma política racional e estrutural

Page 311: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas

283

nesta matéria. Do nosso conhecimento, este projecto ainda não foi

concretizado285.

2. A estrutura de apoio de parceria público-privada na região flamenga:

o Centro de Conhecimento flamengo de PPP

Como já foi acima referido, a única regulamentação específica na Bélgica

em matéria de PPP é um Decreto de 18 de Julho de 2003, aplicável à região

flamenga. Este Decreto, além de estabelecer o regime jurídico das PPPs para

esta região, veio, também, criar uma estrutura de apoio: o Centro de

Conhecimento flamengo de PPP. O legislador flamengo considerou que se

trata de uma matéria complexa, que justificava a criação de uma entidade

especializada para coordenar e tornar coerente a política a desenvolver na

área das PPPs: o Centro de Conhecimento flamengo de PPP.

Este órgão tem três missões principais: preparar e avaliar as políticas

relativas a projectos de PPP flamengos, controlar e proferir o parecer final

sobre todos os projectos e actuar como mediador entre a entidade pública e o

parceiro privado envolvidos numa PPP (artigo 4.º do Decreto de 18 de Julho

de 2003). Este Centro pode, ainda, fornecer à administração local belga a

informação sobre esta matéria, desempenhando, também, funções de

consultoria.

3. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas

3. 1. As parcerias público-privadas nos diferentes sectores

Como já foi referido, as áreas de intervenção das PPPs belgas variam

em função da sua divisão administrativa.

285 Cf. Philippe, Denis & Nihoul, Pierre (Dir). 2006. “Les contrats de partenariat entre le secteur public et le secteur privé en Belgique. Aperçu de droit français ». Mai 2006. p. 72-81. In http://www.philippe-law.com/Upload/File/Contrats_partenariats.pdf (Outubro de 2007).

Page 312: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

284

A nível federal, o Governo não dispõe de um programa específico de

PPPs. Contudo, além do processo de privatização de alguns serviços

públicos, como a Companhia do Aeroporto Internacional de Bruxelas (2004) e

os Correios Belgas (2005) e de contratos de intervenção do sector privado,

designadamente contratos de leasing de edifícios governamentais, regista-se

o recurso sectorial a contratos de PPP, como é o caso do Projecto ‘Diabolo’

para a construção de uma linha-férrea de ligação entre o aeroporto

internacional de Bruxelas a uma rede ferroviária de alta velocidade. A duração

desta PPP é de 35 anos e o seu custo ronda os 280 milhões de euros,

estando previsto o prazo final de construção para Dezembro de 2010.

Estão também em vias de concretização, mas ainda em discussão,

projectos relativos ao desenvolvimento da infra-estrutura ferroviária nos portos

de Antuérpia e de Zeebrugge, bem como o melhoramento da ligação

ferroviária entre Bruxelas e o Luxemburgo.

A nível das regiões, como já referimos, a região flamenga tem sido a

região que mais recorre a PPPs, quer para prestação de serviços públicos,

quer para a construção de infra-estruturas. Assim, em 2002, esta região

recorreu a uma PPP para o aumento da pista de aterragem do aeroporto de

Antuérpia, bem como para a ampliação das suas instalações. Em Maio de

2003, foi também decidida a construção e manutenção através de uma PPP

de 600 alojamentos sociais. O parceiro privado obrigava-se a construir e a

fazer a manutenção desses alojamentos durante um período de 27 anos.

Além destes dois projectos de PPPs, existe ainda um ambicioso projecto

de PPP denominado “MasterPlan for Mobility”, cujo objecto é a construção de

uma grande infra-estrutura de tráfego que englobará estradas, águas e infra-

estruturas públicas de transporte. O valor deste projecto ronda os 3,5 biliões

de euros. No conjunto de infra-estruturas previstas, consta a concepção,

construção, financiamento, operacionalidade e manutenção de um túnel

debaixo do rio Scheldt. Por último, foi também recentemente anunciado pelo

Ministro da Educação flamengo um projecto de PPP para a construção e

Page 313: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas

285

renovação das escolas dessa região, rodando um investimento de 1,1 bilião

de euros286.

No que se refere à Região Valona, apesar de não existir enquadramento

legal específico para as PPPs, esta região também tem recorrido a este

instrumento, principalmente, em obras de revitalização urbana. Assim, são de

mencionar vários projectos no âmbito da habitação social e da construção de

estradas287.

A partir de Abril de 2006, a área de aplicação das PPPs foi alargada,

designadamente, à construção de edifícios escolares, infra-estruturas

hospitalares, infra-estruturas desportivas, infra-estruturas de transporte e de

aparcamento, infra-estruturas ambientais, infra-estruturas portuárias e restauro

do património.

De acordo com um parecer do Conselho Económico e Social da Região

Valona (CESRW), de 24 de Abril de 2006, o sucesso de uma PPP depende,

essencialmente, da verificação dos seguintes factores:

- o projecto tem de ser considerado de qualidade e tecnicamente

concretizável;

- o recurso a mecanismos de PPPs por parte dos poderes públicos não

deve basear-se apenas em razões de natureza orçamental, mesmo quando

estejam preenchidas as condições impostas pelo Eurostat quanto à partilha

dos riscos, levando a que este tipo de investimentos públicos não conste da

contabilidade pública;

- verificação de uma verdadeira partilha dos riscos entre o parceiro

público e o parceiro privado com base em dois princípios: o risco deve ser

suportado pelo parceiro com melhor capacidade para o gerir; e o risco a

assumir teoricamente pelo parceiro privado deve ser um risco real;

286 Cf. Deringer, Freshfields Bruckaus. 2005. “PPP in Europe: an overview”. December 2005. p. 6-8. In http://www.freshfields.com/publications/pdfs/2005/13655.pdf (Outubro de 2007). 287 Cf. Deringer, Freshfields Bruckaus. 2005. “PPP in Europe: an overview”. December 2005. p. 8. In http://www.freshfields.com/publications/pdfs/2005/13655.pdf (Outubro de 2007).

Page 314: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

286

- as entidades públicas devem definir o projecto com precisão, bem como

o papel a desempenhar pelos parceiros privados (pré-financiamento,

realização de obras e/ou prestação de serviços, a construção, manutenção,

etc.) e deve existir uma verdadeira concorrência;

- a complexidade e os custos do projecto (preparação, controlo, etc.) não

devem ser menosprezados pelas entidades públicas; e

- a opinião das entidades financiadoras deve ser tida em consideração,

se possível desde a negociação do contrato288.

Como já referimos, na região de Bruxelas também não existe nenhuma

legislação específica referente às PPPs, nem estava previsto até 2006

nenhum programa específico baseado neste instrumento. É, contudo, de

referir que, em 2001, foi assinado um contrato de concessão para a

concepção, construção, financiamento e operacionalidade de uma estação de

tratamento de águas. Este projecto ronda os 250 milhões de euros e o prazo

de concessão é de 20 anos, sendo posteriormente transferido para o governo

desta região289.

Contudo o recurso às PPPs parece-nos ter um bom acolhimento por

parte do Governo Regional, como resulta do plano regional de

desenvolvimento recentemente adoptado por esta região, onde

expressamente se refere que “afim de acelerar o processo de revitalização

iniciado nestes últimos anos, a Região [de Bruxelas] e o sector privado devem

desenvolver uma verdadeira cultura de parceria, baseada em objectivos claros

e estáveis. Os projectos de investimento com alguma dimensão, submetidos

pelo sector privado, devem beneficiar de um acompanhamento específico de

qualidade. Esta cultura de parceria deve atender aos constrangimentos de

288 Cf. Avis A. 812. Adoptado pelo Gabinete do CESRW a 24 de Abril de 2006. “Sur les partenariats public-privé”. In http://www.cesrw.be/pics/2006425111245xIU.pdf (Outubro de 2007). 289 Cf. Deringer, Freshfields Bruckaus. 2005. “PPP in Europe: an overview”. December 2005. p. 8. In http://www.freshfields.com/publications/pdfs/2005/13655.pdf (Outubro de 2007).

Page 315: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência da Bélgica: a emergência das parcerias público-privadas

287

rentabilidade do sector privado, e simultaneamente, levar este sector a

encontrar os objectivos de interesse geral definidos pelos poderes públicos”290.

3. 2. As parcerias público privadas no sector da justiça

Como já foi acima referida, o recurso a PPPs na área da justiça é ainda

muito residual na Bélgica.

É do nosso conhecimento apenas um projecto. Na região flamenga, foi

construído um novo palácio de justiça em Gand com recurso a uma PPP. As

obras foram concluídas em Junho de 2007 e o seu custo ronda os 140 milhões

de euros, sendo pago uma renda de 8,17 milhões de euros por ano a um

parceiro financeiro (KBC Bank) durante 27 anos. No final desse prazo, é dado

ao organismo público (Régie des Bâtiments) a opção de compra do edifício291.

4. O balanço das parcerias público-privadas

A emergência das parcerias público-privadas no país de forma localizada

é uma das razões que determina a escassez de avaliação sobre esta matéria.

Para o Conselho Económico e Social da Região Valona, no parecer

acima referido de Abril de 2006, as PPPs são consideradas uma “forma

interessante de aumentar o volume de trabalhos públicos e permitir às

autoridades públicas que não dispõem de grandes margens orçamentais, de

financiar novas construções, em especial, para responder às crescentes

necessidades sociais na área dos equipamentos colectivos (alojamento,

estradas, edifícios escolares, centros desportivos, infra-estruturas ambientais

e de transporte, etc.)”. Considera-se, também, que toda a PPP deve gerar um

290 Cf. Moniteur Belge, 15 de Outubro de 2002, sp, p. 46.942. In Flamme, Philippe. 2005. «Quel est l’état des lieux des partenariats public-privé en Belgique?» Bureau d’Etudes Flamme S.P.R.L. In http://www.flamme.be/site/fr/actualite/partenariatspublicprive (Outubro de 2007).

291 In http://www.buildingsagency.be/realisatieberichten_fr.cfm?key=62 e http://www.building sagency.be/persberichten_fr.cfm?key=189 (Outubro de 2007).

Page 316: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

288

ganho global para a colectividade que a ela recorre, tornando-se uma

vantagem relativamente a um investimento público clássico, quer a nível da

rapidez de realização do projecto, quer do custo global do investimento292.

Também de acordo com um parecer de Philippe Flamme, um académico

da Universidade Livre de Bruxelas, a figura jurídica da PPP apresenta um

conjunto de vantagens comparativas relativamente a outras figuras contratuais

tradicionais como os mercados públicos e as delegações de serviço público

em França. Salienta as seguintes: duração da relação de parceria; existência

de objectivos comuns; carácter global do contrato, uma vez que o seu objecto

não está apenas limitado à construção de infra-estruturas, mas também pode

abranger a gestão dos serviços públicos; criatividade e inovação; o facto de o

custo suplementar poder ser compensado pela experiência do parceiro

privado, pela qualidade dos seus serviços e, sobretudo, pela celeridade da

realização do projecto; a importância da intervenção do parceiro privado na

concepção e execução do projecto, cabendo ao parceiro público a definição

das necessidades e dos objectivos, bem como o seu controlo; o facto de o

financiamento, mesmo se parcial, poder provir do parceiro privado; e a

existência de uma partilha, mesmo se desigual, dos riscos, das

responsabilidades e das vantagens contratuais293.

292 Cf. Avis A. 812. Adoptado pelo Gabinete do CESRW a 24 de Abril de 2006. “Sur les partenariats public-privé”. In http://www.cesrw.be/pics/2006425111245xIU.pdf (Outubro de 2007): 293 Cf. Flamme, Philippe. 2005. « Quel est l’état des lieux des partenariats public-privé en Belgique ? » Bureau d’Etudes Flamme S.P.R.L. In http://www.flamme.be/site/fr/actualite/parten ariatspublicprive (Outubro de 2007).

Page 317: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas

289

A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-

privadas

A Espanha é considerada um dos países europeus com maior activismo na área das PPPs.

O recurso a esta forma de contratação tem acompanhado o esforço do país na construção de infra-

estruturas, designadamente redes viárias e ferroviárias.

O regime legal dos contratos de PPPs é tributário da organização administrativa do Estado

espanhol. A nível central, o regime legal aplicável é o da Lei dos contratos das administrações

públicas. A Lei 13/2003 veio alterar e complementar aquele regime jurídico, criando uma nova figura

jurídica: o contrato de concessão de obras públicas, e novas regras que atendam aos critérios do

Eurostat, evitando o impacto das PPPs na dívida pública. Em fase de preparação está uma nova

regulamentação, especialmente dirigida aos contratos de PPP.

A nível das regiões autónomas, algumas Comunidades têm legislação específica que rege a

contratação pública no âmbito das suas competências, onde se incluem os contratos de parceria

público-privada, em complemento das normas de aplicação nacional.

Não existe nenhum organismo, a nível nacional, com competência específica para o apoio e

controlo dos contratos de PPPs. As entidades públicas responsáveis pela celebração de PPPs

desempenham essas funções. Merece, no entanto, referência a criação de uma agência pública

para promover as PPPs no sector das estradas e dos caminhos-de-ferro.

A supervisão de natureza financeira das PPPs está a cargo de um grupo de trabalho

constituído por peritos, que inclui profissionais do Banco Central de Espanha e do Tribunal de

Contas. Merece, ainda, referência a criação de uma associação privada, denominada ForoPPP para

a promoção e desenvolvimento de parcerias público-privadas nas várias regiões espanholas.

A nível das regiões autónomas, a entidade pública responsável pela celebração de um

contrato de PPP, desempenha também funções de controlo e da execução do contrato.

As áreas de intervenção das PPPs são muito diversas. A primeira e principal área de

intervenção é o sector dos transportes e comunicações que, desde a década de 90, tem visto

crescer o número de projectos de PPP. Mais, recentemente, a utilização de PPPs tem sido alargada

a outras áreas, em especial, à área da saúde (hospitais) e na construção de aeroportos. A área da

justiça só muito recentemente foi considerada como uma potencial área para a utilização deste

mecanismo contratual, em parte em resultado das alterações legais de 2003. A construção de uma

prisão na Comunidade da Catalunha está a ser feita com recurso a uma PPP.

Ainda na área da justiça, salientam-se dois grandes projectos, em execução, com recurso ao

investimento privado: os projectos relativos à construção do Campus da Justiça de Madrid e da

Cidade Judiciária de Valência. Refira-se que para a concretização daquele primeiro projecto foi

criada a empresa pública, Sociedad Campus de la Justitia de Madrid, S.A, e o investimento estima-

se em cerca de 516 milhões de euros.

Page 318: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

290

Page 319: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas

291

Introdução

A proximidade geográfica do nosso país e a frequente referência à

construção do Campus da Justiça de Madrid e da Cidade Judiciária de

Valência com a intervenção de investimento privado justificava que se

incluísse alguma análise sobre o recurso às parcerias público-privadas em

Espanha.

Diga-se, desde já, que apesar de pesquisa exaustiva, não foi possível

conhecer em concreto o modelo de contratualização utilizado para a

construção daquelas infra-estruturas judiciais. Para a execução daquele

projecto, foi criada a empresa pública denominada Sociedad Campus de la

Justicia de Madrid, S.A., propriedade da Comunidade de Madrid, rondando o

seu investimento cerca de 516 milhões de euros. De acordo com informações

recolhidas, uma parte do financiamento necessário para a construção destas

infra-estruturas será obtida através da venda de edifícios judiciais da

propriedade da Comunidade de Madrid, que neste momento albergam

edifícios judiciais, que serão entregues à Sociedade Campus de la Justicia de

Madrid para a sua alienação.

O recurso a PPPs tem, contudo, vindo a ser intensificado,

acompanhando o esforço do país na construção de infra-estruturas,

designadamente, redes viárias, ferroviárias e portos.

1. O enquadramento legal das parcerias público-privadas

O regime legal dos contratos de PPPs varia em função da organização

administrativa existente em Espanha.

A nível central, o regime legal aplicável às PPPs é o da Lei dos contratos

das administrações públicas (Decreto Real Legislativo 2/2000, de 16 de

Junho), que veio a ser regulamentado pelo Decreto Real 1098/2001, de 12 de

Outubro. Posteriormente, a Lei 13/2003, de 23 de Maio, veio alterar e

complementar o regime jurídico dos contratos das administrações públicas,

criando uma nova figura jurídica: o contrato de concessão de obras públicas,

Page 320: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

292

no âmbito dos contratos das administrações públicas, introduzindo uma

regulamentação especial para essa nova figura com a introdução de um novo

Título (Título V) na Lei 2/2000, de 16 de Junho. Esta inovação legal teve por

objectivo reunir o conjunto de disposições legais fragmentárias então

existentes sobre o regime jurídico da concessão, de forma a criar um marco

legal comum para todas as administrações (central e autónomas); incorporar

de forma coerente diferentes mecanismos de financiamento de equipamentos

públicos; e implementar, em Espanha, algumas regras da União Europeia

sobre esta modalidade contratual, designadamente, as definidas pelo

Eurostat.

É de mencionar que está em fase de preparação uma nova Lei dos

Contratos das Administrações Públicas, a qual pretende incluir normas

específicas e inovadoras relativamente aos contratos de PPPs,

designadamente, em matéria de transferência do risco, de mecanismos de

financiamento, da avaliação prévia de value for money ou de um mínimo de

standard type of provisions exigíveis para a celebração desse tipo de contrato.

O tipo de PPP mais utilizada em Espanha é a denominada concessão de

obras públicas. Através deste contrato, a entidade concessionária

compromete-se a realizar a construção ou exploração de uma determinada

obra em troca de um pagamento (participação nos lucros da exploração e/ou

outro tipo de pagamento).

A entidade concessionária fica responsável pelo risco da construção e

pelo risco da procura e deve obter o seu próprio financiamento. No caso de

ocorrerem circunstâncias de força maior ou por acção da Administração

Pública que venham prejudicar a estabilidade económica da concessão, a

Administração Pública tem a obrigação de proceder ao seu reequilíbrio

económico. Para tal, pode aumentar o prazo da concessão ou o preço a pagar

à entidade privada inicialmente estipulado no contrato.

A concessão é compatível, quer com a forma de pagamento denominada

shadow toll financing structures, quer com o pagamento efectuado por parte

do utilizador final.

Page 321: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas

293

De acordo com um parecer do Parlamento Europeu, publicado num

estudo de Fevereiro de 2006294, em Espanha, a expansão e o maior acesso

aos mercados de capitais internacionais em matéria de PPPs ficou a dever-se,

sobretudo, às inovações da Lei 13/2003, de 23 de Maio, relativamente à figura

das concessões de obras públicas, em especial no que se refere às fontes de

financiamento e à flexibilidade do processo de licitação e à clarificação de

alguns problemas de interpretação.

A nível autonómico, algumas Comunidades têm legislação específica

que rege toda a contratação pública por elas efectuada no âmbito das suas

competências, em complemento das normas de aplicação nacional. Apesar

das comunidades autónomas e das entidades locais terem uma autonomia

administrativa em matéria de implementação de projectos no âmbito das PPPs

na sua área territorial, qualquer projecto que se estenda fora desse limite

territorial é sempre da competência do Governo central.

O regime legal do contrato de concessão de obras públicas

A Lei dos Contratos das Administrações Públicas, com as alterações

introduzidas pela Lei 13/2003, de 23 de Maio, define o regime legal do

contrato de concessão de obras públicas. De acordo com esta Lei, trata-se de

um contrato pelo o qual “a Administração Pública ou uma entidade de direito

público autoriza, durante um determinado prazo, a construção e exploração,

ou apenas a exploração, de obras previstas no artigo 120.º295 ou, em geral, de

aquelas que sendo susceptíveis de exploração, sejam necessárias para a

prestação de serviços públicos de natureza económica ou para o

294 Cf. European Parliament. 2006. “Public-private partnerships national experiences in the European Union 10.02.06”, in http://www.europarl.europa.eu/comparl/imco/studies/0602_ppp0 2_briefingnote_en.pdf (Julho de 2007). 295 As obras previstas no artigo 120.º são as seguintes: “(…) construção de estradas, caminhos de ferro, portos, canais, barragens, edifícios, fortificações, aeroportos, bases navais, defesa do litoral e sinalização marítima, monumentos, instalações várias, bem como qualquer outra análogo de engenharia civil; realização de obras que modifiquem a forma ou substância do terreno ou do subsolo; e melhoramento, reparação, conservação ou demolição dos mesmos”.

Page 322: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

294

desenvolvimento de actividades ou de serviços económicos de interesse geral,

sendo reconhecido ao concessionário o direito de receber uma remuneração

baseada na exploração da própria obra acompanhada do pagamento de uma

determinada retribuição” (artigo 220.º).

Uma das inovações mais importantes que esta nova Lei trouxe foi a

introdução do princípio do equilíbrio económico da concessão (artigo 248.º).

Este princípio tem relevância, sobretudo, para a ponderação da distribuição do

risco num contrato de concessão. Considerava-se que a anterior

regulamentação legal era sempre mais favorável para o concessionário, uma

vez que ocorriam, com frequência, situações em que, apesar da

responsabilidade em matéria do risco caber ao concessionário, este conseguia

desresponsabilizar-se da mesma. Para evitar essas situações e para que a

concessão mantenha a sua natureza e finalidade, a actual Lei estabelece que,

quando se verificam determinadas situações legalmente previstas296, deve ser

possível determinar efectivamente os riscos e benefícios da entidade

concessionária, de acordo com o referido equilíbrio económico contratual, nos

termos do qual deve ser respeitado o que foi contratualmente estabelecido

entre a Administração Pública e essa entidade concessionária.

A Lei também estabelece, expressamente, um conjunto de direitos e

obrigações do concessionário. Assim, em matéria de direitos, estabelece,

designadamente, o direito de o concessionário explorar a obra pública e

receber uma remuneração económica; o direito de manter o equilíbrio

económico da concessão nos termos legais; o direito de utilizar os bens do

domínio público da Administração concedente necessários para a construção,

modificação, conservação e exploração da obra pública; o direito de transmitir

296 De acordo com o artigo 248.º, n.º 1, da Lei 13/2003, “o contrato de concessão de obras públicas deverá manter o seu equilíbrio económico nos termos estabelecidos para a sua adjudicação, tendo em conta o interesse geral e o interesse do concessionário, de acordo com o estabelecido no n.º 2 deste artigo”. O n.º 2 deste artigo determina que “a Administração deverá restabelecer o equilíbrio económico do contrato em benefício da parte a que corresponde, de acordo com os seguintes pressupostos: a) quando a Administração modifique, por razões de interesse público, as condições de exploração da obra; b) quando causas de força maior ou actuações da Administração determinaram, de forma directa a ruptura substancial da economia da concessão; c) quando se verifiquem as situações previstas no próprio contrato para a sua revisão”.

Page 323: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas

295

e de constituir hipotecas sobre esta; e o direito de titularizar os seus direitos de

crédito (artigo 242.º). No que se refere às obrigações, estipula,

nomeadamente, o dever de executar a obra de acordo com os termos

previstos no respectivo contrato; o dever de gerir a obra pública, assumindo o

risco económico da sua gestão ao longo do contrato; o dever de conservação

e de manutenção da obra; o dever de indemnizar terceiros por danos

causados pela execução das obras ou pela sua exploração, quando estes lhe

sejam imputáveis; e, o dever de proteger e preservar os valores ecológicos e

ambientais do domínio público ligados à concessão (artigo 243.º).

No que diz respeito aos direitos da Administração, é de destacar o direito

de interpretar os contratos e de esclarecer as dúvidas que se levantem; o

direito de impor ao concessionário as penalizações do incumprimento das

obrigações deste; e o direito de controlar o cumprimento das obrigações do

concessionário, podendo inspeccionar o serviço prestado, as obras, as

instalações e os locais, bem como a documentação relacionados com o

objecto da concessão (artigo 249.º).

Relativamente ao prazo das concessões, a lei estabelece para as

concessões de construção e exploração de obras públicas um prazo máximo

de quarenta anos e, para as concessões cujo objecto seja apenas a

exploração, um prazo mínimo de quinze anos e um máximo de vinte. Estes

prazos máximos poderão, todavia, ser prorrogados até aos sessenta anos e

até aos vinte e cinco anos, respectivamente, quando for necessário

restabelecer o equilíbrio económico do contrato ou, excepcionalmente, para

cumprimento dos direitos dos credores (artigo 263.º).

2. As estruturas de apoio, fiscalização e controlo dos contratos de

parceria público-privada

Em Espanha, não existe, a nível nacional, nenhum organismo com

competência específica para o apoio, fiscalização e controlo dos contratos de

PPPs. As entidades públicas responsáveis pela celebração de PPPs

desempenham, igualmente, funções de apoio e de controlo.

Page 324: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

296

A nível central, a entidade pública, em geral, responsável é o Ministro ou

o respectivo Secretário de Estado do Ministério contratante. Para a aprovação

de determinados contratos, em especial quando o seu montante excede um

determinado valor, é sempre necessário uma autorização por parte do

Governo Central. É de referir que foi recentemente criada uma agência pública

– a Sociedade Estadual de Infra-estruturas do Transporte Terrestre (Sociedad

Estatal de Infraestruturas del Transporte Terrestre) SEITT297 – para promover

e incentivar as PPPs no sector das estradas e dos caminhos-de-ferro.

Contudo, esta agência é, essencialmente, uma agência especializada em

engenharia civil298.

Ao nível das comunidades autónomas, a entidade pública responsável

pela celebração da PPP é, em geral, o governo autonómico ou o respectivo

departamento ministerial.

No que diz respeito à administração local, as entidades públicas dos

governos locais competentes nesta matéria são os munícipios locais

(Ayuntamientos) relativamente às cidades e as Diputaciones Provinciales no

que se refere às províncias299.

Em Espanha, compete ao Instituto Nacional de Estatísticas (Instituto

Nacional de Estadística) supervisionar as questões relacionadas com a

contabilidade das PPPs. Esta tarefa está a cargo de um grupo de trabalho

constituído por peritos oriundo deste Instituto, mas também do Banco Central

de Espanha e do Tribunal de Contas.

É de referir, também, que foi recentemente criada uma associação

privada denominada ForoPPP constituída por sociedades privadas

interessadas na promoção da colaboração entre as várias administrações

297 In http://www.seitt.es/seitt/LANG_CASTELLANO/default.htm (Setembro de 2007). 298 Cf. Bult-Spiering, Mirjam & Dewulf, Geert. 2006. “Strategic Issues in Public-Private Partnerships – An internacional perspective” p. 79 299 Estas entidades públicas têm uma forte intervenção em algumas zonas de Espanha, como por exemplo, no País Basco, ou nas ilhas espanholas (Ilhas Canárias e Ilhas Baleares).

Page 325: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas

297

públicas espanholas e o sector privado para o desenvolvimento de projectos

de infra-estruturas públicas no âmbito das PPPs300.

3. O processo de adjudicação da concessão de obras públicas

O processo de adjudicação de um contrato de concessão de obras

públicas é constituído por diferentes fases.

Inicia-se com um estudo prévio de avaliação, a executar pela

Administração Pública, no qual se incluem dados, análises, informações ou

estudos sobre a finalidade e justificação da obra; sobre as suas principais

características; estudos sobre a viabilidade do projecto (relatório de impacto

ambiental, relatórios preliminares financeiros e técnicos); e um esboço do

projecto incluindo as condições técnicas, legais e financeiras (artigo 227.º).

Segue-se a abertura de um processo de adjudicação, mediante a

convocatória para licitação301. A convocatória far-se-á através da publicação

de anúncios do projecto de concessão (artigo 231.º).

Os projectos de concessão devem, necessariamente, conter na fase de

adjudicação do projecto, um conjunto de cláusulas. São elas: a caracterização

do objecto do contrato; o processo e forma de adjudicação do contrato, bem

como os critérios para a selecção da entidade privada e a identificação do

órgão público adjudicador302; os requisitos de capacidade e solvência

financeira, económica e técnica exigíveis aos licitadores; os conteúdos a que

devem obedecer as propostas303; a forma de retribuição do concessionário; os

300 Cf. http://www.foroppp.com/ (Setembro de 2007). 301 O prazo máximo para a apresentação de candidaturas é de 52 dias desde a data de publicação do anúncio (artigo 231.º). 302 Os critérios usados na selecção das propostas estão relacionados com os custos, a concepção, a manutenção e a performance técnica. 303 Os conteúdos das propostas referem-se à indicação dos promotores da futura sociedade concessionária; ao plano de realização das obras com a indicação das datas previstas para o seu início, termo e início de actividade; ao plano económico-financeiro da concessão, no qual é indicado a tabela de preços, o investimento e custos de exploração, as obrigações de pagamento e os gastos financeiros, directos ou indirectos previstos; e ao compromisso de que a sociedade concessionária adoptará o modelo de contabilidade estabelecido no contrato (cf. artigo 233.º da Lei 13/2003).

Page 326: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

298

benefícios económico-financeiros e tributários; as características específicas

da sociedade concessionária, prazos para a elaboração do projecto, para a

execução e exploração das obras; os direitos e obrigações das partes durante

a fase de execução das obras e sua exploração; o regime de penalidades; e o

lugar, data e prazo para apresentação de ofertas (art. 230.º).

A fase seguinte é a de avaliação das propostas dos licitadores, os quais

devem reunir um conjunto de requisitos relacionados com a sua capacidade e

solvência económica, financeira e técnica, bem como constituir um fundo de

garantia não inferior a 2% do montante do investimento previsto (artigo 232.º).

O processo de selecção dos candidatos culmina com a adjudicação do

contrato pela Administração Pública. Esta fase não deve exceder o prazo de

seis meses e rege-se pelos princípios da transparência, publicidade e

igualdade com remissão para o regime dos contratos das Administrações

Públicas (artigo 235.º).

Se a entidade pública adjudicadora de um contrato de concessão for

uma Comunidade Autónoma ou uma entidade local, poderão surgir algumas

diferenças na adjudicação do contrato de concessão, uma vez que estas

entidades podem regulamentar os seus métodos de adjudicação, em especial

quando a PPP se aplica ao sector das estradas. Contudo, na prática, estas

diferenças não são substanciais e não afectam os princípios gerais acima

descritos304.

O contrato de concessão de obras públicas e o risco

De acordo com as alterações introduzidas pela Lei 13/2003, de 23 de

Maio, relativa ao contrato de concessão de obras públicas, cabe ao

concessionário assumir o risco da construção, conservação e exploração da

obra (cf. Preâmbulo). É de referir, contudo, que num contrato de longa

duração, perante a impossibilidade de previsão de uma margem razoável de

erro para o futuro, a assunção do risco por parte do concessionário, não pode

304 Cf. www.iclg.co.uk (Julho de 2007).

Page 327: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas

299

limitar a participação do capital e da iniciativa privada em investimentos, cujo

volume deve exigir o esforço partilhado entre a entidade pública e a entidade

privada, pelo que se considera necessário moderar de forma adequada os

limites do risco (artigo 239.º).

Esta nova formulação pretende responder às recomendações da

Comissão Europeia (Comunicação 2000/C 121 02, publicada no Diário Oficial

da Comunidade Europeia de 29 de Abril de 2000) sobre a distribuição do risco.

Diga-se que a mesma preocupação é, em Espanha, referenciada para outros

tipos de PPP, às quais não se aplica este regime jurídico, de forma a que se

tenha em consideração os critérios do Eurostat, evitando o impacto das PPPs

na dívida ou défice público do Estado. Para tal, grande parte do risco de

construção ou da procura é atribuído ao sector privado.

A distribuição do risco é gerida em função do tipo de risco em causa. No

que se refere ao risco de construção, este será, em geral, da responsabilidade

da entidade concessionária quando lhe for imputável (atraso no cumprimento

dos prazos, falta de respeito pelos standards pré-estabelecidos, custos

adicionais, deficiências técnicas, etc.). Quando estiver em causa o risco da

procura, foram criados alguns mecanismos para mitigar a sua

responsabilidade, uma vez que a sua determinação é frequentemente

complexa. Assim, estabelece-se a utilização de portagens como forma de o

concessionário poder receber uma remuneração pela utilização da infra-

estrutura em causa. Prevê-se, ainda, um mecanismo denominado de

reequilíbrio económico da concessão, o qual é utilizado quando a

Administração Pública modifica, por razões de interesse público, as condições

de exploração da concessão ou quando, por razões de força maior ou por

acção da Administração, ocorre uma alteração que agrave, de forma

substancial, os custos financeiros da concessão (artigo 239.º n.º 2 e 3).

O financiamento da concessão de obras públicas

As alterações introduzidas pela Lei 13/2003, de 23 de Maio, vieram

permitir a diversificação de fontes de financiamento deste tipo de PPP,

Page 328: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

300

tornando este tipo de contratos mais apelativo para o capital privado. Assim,

além de se prever a possibilidade de transmissão ou de constituição de uma

hipoteca sobre a concessão, também se facilita a abertura da sociedade

concessionária ao mercado de capitais, quer através do financiamento por

instituições financeiras com o recurso a empréstimos bancários (na sua

maioria, Project finance), à emissão de obrigações, títulos de crédito ou outros

títulos semelhantes, quer através de financiamento privado como a

titularização de direitos de crédito vinculados à exploração da obra (artigos

224º e 253º).

4. Áreas de intervenção das parcerias público-privadas

4. 1. Áreas de intervenção em geral

A Espanha é considerada um dos países europeus com maior activismo

na área das PPPs. A primeira e principal área de intervenção foi o sector

rodoviário, inicialmente aplicado às estradas com portagens (em especial no

início da década de setenta) e, posteriormente, em outros tipos de estradas e

em estruturas denominadas “shadow toll structures”.

Na verdade, no que se refere ao sector dos transportes, o número de

projectos tem vindo a crescer desde a década de 90. Em Março de 2000, o

Governo espanhol desenvolveu um ambicioso plano de infra-estruturas para o

período 2000-2007, prorrogável até 2010. Este Plano tinha por objectivo o

investimento financeiro em cerca de 103 milhões de euros na área dos

transportes ferroviários e rodoviários, com maior enfoque no sector ferroviário.

No cumprimento deste Plano, em Dezembro de 2004, o Ministério dos

Transportes e Comunicações (Ministério de Fomento) apresentou um novo

plano sobre infra-estruturas e transportes para o período 2005-2020 da

competência do Governo central (Plan Estratégico de Infraestruturas y

Transporte – PEIT305). Este Plano prevê, para um período de quinze anos, um

305 In http://www.fomento.es/MFOM/LANG_CASTELLANO/_ESPECIALES/PORTUFUTUROH OY/BALANCE/ (Setembro de 2007).

Page 329: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas

301

investimento público em infra-estruturas na área dos transportes, com especial

destaque para o transporte ferroviário, de cerca de 250.000 milhões de euros.

A estratégia de financiamento prevista neste Plano inclui o recurso a diversas

fontes e instrumentos de financiamento, com a intervenção do sector privado

em cerca de 20% do investimento através de mecanismos de parceria público-

privada306. Há, no entanto, notícia de terem surgido algumas dificuldades em

angariar parceiros privados.307

Recentemente, a utilização de PPPs tem sido alargada a outros sectores

da administração pública. Assim, na área da saúde, surgiu o Programa Madrid

Nuevas Infraestruturas Sanitárias 2007 que projectou a construção de oito

hospitais em Madrid. Em 2006, para três projectos dos oito hospitais previstos

para a Comunidade de Madrid (Vallecas, Majadahonda e Coslada) estava

concluída a elaboração do projecto financeiro. Estes três projectos,

contratados por esta Comunidade, seguem de perto o modelo das PFI do

Reino Unido em matéria de distribuição da responsabilidade e do risco entre

os sectores público e privado com algumas adaptações específicas. Dos

restantes cinco projectos em curso, quatro deverão seguir este modelo. O

oitavo projecto (Valdemoro) inclui também a prestação de serviços médicos.

Outras comunidades autónomas estão a recorrer, também, a este

instrumento na área da saúde. Assim, Maiorca e Valência estão a avaliar

projectos de PPPs na área da saúde, mas com a exclusão da prestação de

serviços médicos. A Comunidade de Castilha e Leão celebrou um contrato de

concessão para a construção, manutenção e exploração do Hospital de

Burgos.

Os aeroportos têm sido, recentemente, também objecto de algumas

PPPs. É o caso da adjudicação de uma concessão (com um prazo de 50

306 Cf. Relatório da PriceWaterHouse e Coopers. Nov. 2005. “Delivering the PPP promise. A review of PPP issues and activities”. p. 38-39, in http://www.nzcid.org.nz/downloads /Pricewaterhouse%20Coopers%20(2005)%20Delivering%20the%20PPP%20promise%20%20A%20review%20of%20PPP%20issues%20and%20activities.pdf (Setembro de 2007). 307 Cf. European Parliament. 2006. “Public-private partnerships national experiences in the European Union 10.02.06”. p. 8, in http://www.europarl.europa.eu/comparl/imco/studies /0602_ppp02_briefingnote_en.pdf (Julho de 2007).

Page 330: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

302

anos) para a construção e funcionamento de um novo aeroporto regional perto

de Castellon em Valência, bem como da concessão do aeroporto de Múrcia,

para a construção, funcionamento e exploração de todas as áreas comerciais.

4. 2. As parcerias público-privadas na área da justiça

A área da justiça só muito recentemente foi considerada como uma

potencial área para a utilização do mecanismo de PPP, em parte por ser vista

como pouco apelativa para a intervenção do sector privado. As alterações

legislativas da Lei 13/2003, de 23 de Maio, acima referidas, que vieram criar a

figura da concessão de obras públicas, criaram um novo contexto legal que

permitiu que a área da justiça seja, actualmente, vista como um potencial

sector de sucesso na colaboração entre o sector público e o sector privado. É

do nosso conhecimento que o projecto “Brians II Prison” na Comunidade da

Catalunha é um exemplo de recurso a uma PPP, cujo objecto é a construção e

gestão de uma nova prisão pelo prazo de 30 anos, sendo que os serviços de

controlo e de manutenção são da responsabilidade da entidade regional308.

5. O balanço dos recurso às parcerias público-privadas

De acordo com a opinião de Guillermo Massó, membro da

PriceWaterHouseCoopers309 “Espanha tem-se revelado como um dos países

com maior intervenção no mercado das infra-estruturas por meio do

financiamento privado, contudo, ainda existem necessidades a resolver

através desta fórmula e ainda existem áreas relacionadas com as infra-

estruturas susceptíveis de melhoramento relativamente ao seu custo,

financiamento e operacionalidade, pelo que se prevê um crescimento contínuo

308 Cf. DLA Piper’s PPP Team. 2006. “European PPP Report 2007”. Madrid. Abril de 2006. In http://www.dlapiper.com/files/Publication/34d8ee56757a423881af0102bc35cc79/Presentation/PublicationAttachment/60378925-ce10-4299-88e2-1155edfdb670/European-PPPReport2007.pdf (Outubro de 2007). 309 A Pricewaterhousecoopers é uma rede de sociedades que presta serviços de auditoria, assessoria legal e fiscal, consultadoria de negócios, assessoria em transacções empresariais e consultadoria de recursos humanos especializados em cada sector. In http://www.consultoras.org/frontend/plantillaAEC/noticia.php?id_noticia=4776&PHPSESSID=964 (Julho de 2007).

Page 331: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

A experiência de Espanha: uma aposta crescente nas parcerias público-privadas

303

em número e valores de projectos. (…) É importante reconhecer-se as

preocupações do sector em relação ao papel da União Europeia na promoção

de políticas a favor da efectiva dinamização do mercado, na aplicação das

normas internacionais de contabilidade, ou as mudanças que a nova

regulamentação nacional de contratação pública exige. Não obstante, estamos

perante um sector muito sólido com um futuro promissor”.

Bult-Spiering e Dewulf (2006) consideram que as PPPs, do lado da

administração pública espanhola, são referenciadas como mecanismos de

contratação pública que apresentam mais mais vantagens, comparativamente

à contratação tradicional, pelos seguintes motivos:

- minimização do custo, destacando especialmente as poupanças na

manutenção de estradas;

- maior transparência e flexibilidade das cláusulas contratuais;

- maior disciplina na colaboração entre o sector privado e o sector

público.

Do lado do sector privado, referem que são, em geral, considerados

como factores positivos, os seguintes:

- o processo de licitação e adjudicação do projecto é relativamente

rápido: no máximo quatro meses para a proposta e quatro meses para a

decisão (comparativamente com outros países europeus, o processo de

licitação espanhol é considerado muito mais célere);

- o regime legal da concessão contém critérios claros para decidir a

adjudicação: os pontos são atribuídos em função de critérios técnicos

específicos (manutenção, níveis de serviço).

- existe uma grande transparência do processo de adjudicação, uma vez

que cada candidato pode ter acesso ao processo de candidatura dos vários

candidatos e pode rever a sua proposta ao longo do processo de selecção, o

que proporciona um aumento da competitividade (os licitadores ao terem

conhecimento das propostas dos outros concorrentes, podem reformular a sua

proposta). O candidato pode proceder à modificação completa das propostas,

Page 332: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

304

o que pode levar a que qualquer incongruência sendo do conhecimento de um

dos candidatos, seja levada ao conhecimento da entidade pública. A

transparência do processo permite que seja, efectivamente, seleccionada a

melhor proposta de acordo com os critérios pré-definidos310.

310 Cf. Bult-Spiering, Mirjam & Dewulf, Geert. 2006. “Strategic Issues in Public-Private Partnerships – An internacional perspective” p. 92-93; 96-97.

Page 333: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

305

Capítulo V

Conclusões e Recomendações

I. Conclusões

1. A evolução histórica dos serviços públicos subjaz, de certa forma, à

das parcerias pública-privadas (PPPs). Parte das importantes infra-estruturas

do Estado moderno foram construídas segundo formas que hoje seriam

classificadas como parcerias público-privadas. Os caminhos-de-ferro são

talvez o símbolo cimeiro de uma época, o séc. XIX, em que os agentes

privados foram os grandes protagonistas na criação da infra-estrutura

capitalista moderna, a concessão seu método principal, tanto nos países

centrais como nos periféricos.

Com a entrada no século XX, a estatização de infra-estruturas essenciais

generalizou-se. Os abalos económicos da grande depressão (1929) e de duas

guerras mundiais, assim como a influência do comunismo, deixaram o capital

esgotado, incapaz de fazer face às necessidades sociais, crescentemente

identificadas como necessidades públicas, incompatíveis com o interesse

privado. Na Europa, sucederam-se vagas de nacionalizações. Em França, por

exemplo, as concessões transmutam-se em concessões públicas, concessões

ainda mas a empresas estatais, em regime de monopólio tendencialmente

nacional. As grandes empresas públicas de electricidade (EDF), caminhos-de-

ferro (SNCF), transportes urbanos (RATP) datam desta época.

Após a Segunda Guerra Mundial, consolidara-se o Estado centralizador,

que assumia agora a construção e manutenção de infra-estruturas e mesmo a

produção mercantil em sectores considerados estratégicos – energia,

telecomunicações, construção naval, metalurgia, petróleo (ainda hoje bastião

público em vários países) – ao mesmo tempo que alargava e sistematizava a

protecção social no que viria a ser chamado de Estado-Providência.

Page 334: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

306

É face ao Estado centralizador que as PPPs se irão diferenciar a partir

dos anos setenta do século XX, consolidar na transição para os anos oitenta e

expandir nos anos noventa. Com as crises económicas da década de setenta

do século passado, conceitos de monetarismo, supply-side economics,

economia neoclássica, recuperam terreno político sob uma forma que viria a

ser conhecida como neoliberalismo, anunciada pela chegada ao poder dos

Governos de Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos EUA. O

Estado passara de solução a problema na esfera pública. Era associado a

monopólios, ineficiência, burocracia, impossibilidade de escolha e a um sem

número de outros males. A prioridade era, pois, reduzi-lo. As privatizações,

começando pelo sector produtivo mercantil público, tornam-se o imperativo

categórico de uma era marcada por outros termos como rigor fiscal, comércio

livre, câmbio livre, desregulação (em matéria económica), descentralização

política, externalização. Na fase inicial dos anos setenta-oitenta, privatizações

e PPPs confundem-se, ou antes, o entusiasmo em torno das privatizações

ofusca as parcerias. As PPPs existem, sobretudo, como instrumento de

políticas de desenvolvimento local. As iniciativas são pontuais, sem que

estejam integradas num plano estratégico.

2. A Private Finance Initiative (PFI) britânica foi o primeiro programa

político sistemático de PPPs. Introduzido em 1992 pelo Governo de John

Major, após algumas experiências satisfatórias nas obras públicas, foi

amplamente prosseguida depois de 1997 pelo New Labour de Tony Blair. Esta

nova política provocou uma alteração relevante da lógica e expectativas em

torno dos serviços públicos, que passaram a recorrer sistematicamente ao

sector privado para o seu financiamento, concepção, construção, manutenção

e gestão.

Na Europa Continental as PPPs têm tido um desenvolvimento mais lento

e mais heterogéneo do que no Reino Unido. No panorama geral da Europa

Continental, sobressaem certas regularidades regionais. Os países

mediterrânicos enveredaram mais cedo pelas PPPs por via de concessões

Page 335: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

307

rodoviárias. A França assume-se como pioneira das concessões. Os países

germânicos e escandinavos surgem como países relativamente avessos às

PPPs. A Holanda é destacada, por vezes, pelas suas experiências pioneiras,

mas no cômputo geral apresenta uma situação análoga à germânica e à

escandinava.

3. Têm sido várias as motivações avançadas para a nova vaga de

parcerias público-privadas que surgiu na última década do séc. XX. A

diminuição de meios públicos e os limites ao défice e dívida pública são

consideradas razões fundamentais que impelem os governos para as PPPs.

No caso europeu, o Pacto de Estabilidade colocou o limite de 3% ao défice

público, o que obrigou a cortes no investimento público. Ora, as PPPs

permitem realizar investimentos públicos sem que estes contem no imediato

para a despesa pública. Naturalmente, com a expansão das PPPs, vai-se

tornando evidente que o défice público é escamoteado com a “manobra”, pelo

que se começa a exigir que se incluam certas PPPs no cálculo. Daí uma série

de alterações aos critérios de avaliação das contas públicas, por exemplo pelo

Eurostat, ou pelo governo britânico, cujos critérios contabilísticos incluem parte

considerável das PPPs na despesa pública.

A poupança é, teoricamente, apresentada como outra grande motivação

das PPPs. Também aqui o New Public Management merece referência

adicional. As PPPs devem o seu protagonismo recente à tendência geral,

associada ao neoliberalismo, de enfraquecimento (para uns) ou

emagrecimento (para outros) do Estado nas últimas três décadas. A

necessidade política de manter serviços públicos, cujo desaparecimento seria

impopular, aliada à dificuldade de os sustentar como outrora, levam os

governos a recorrer ao sector privado, desejoso de novas áreas de

investimento, dotado de capacidade de engenharia institucional e financeira,

que possibilitam empreendimentos antes considerados demasiado arriscados.

Page 336: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

308

4. De um ponto de vista teórico, as parcerias público-privadas são uma

forma de organização híbrida, que subsume um espectro amplo de contratos

entre o Estado e agentes privados, remetendo para uma divisão de trabalho

entre público e privado, em que este assume a realização de tarefas públicas.

O seu traço distintivo em relação à contratação pública tradicional reside no

carácter relacional da PPP. Diferentemente da via tradicional, que é

tendencialmente transaccional (por exemplo, uma compra e venda pontual

entre actores independentes e mesmo antagónicos), a PPP é tendencialmente

relacional: dilata e regulariza no tempo as transacções, acrescenta uma

dimensão de colaboração, dilui as fronteiras do antagonismo público-privado.

A abrangência do conceito, integrando diversos tipos de relações

contratuais, leva à identificação de diferentes definições de PPPs. No entanto,

as definições de diversos autores convergem nos seguintes pontos: contrato

de colaboração entre actores públicos e privados autónomos; a longo prazo;

para a provisão de serviços públicos; compreendendo diversas tarefas e

etapas, do planeamento, construção e financiamento, ao fornecimento de

serviços; visando valor acrescentado mútuo, ou seja, lucro para o parceiro

privado e poupança (value for money) para o parceiro público; com partilha de

responsabilidades – riscos, custos, proveitos – entre os actores; contra

remuneração ao parceiro privado, em função dos resultados, pelo Estado e/ou

os utentes.

De forma resumida, haverá uma PPP sempre que estejamos em face de

um contrato de colaboração entre actores públicos e privados para a produção

de bens ou prestação de serviços públicos, com uma distribuição de receitas e

despesas predefinida, que define a partilha do risco. Em regra, esta relação

contratual envolve uma ou várias das seguintes operações: o Estado

especifica serviços a fornecer; o privado constrói ou renova a infra-estrutura

necessária e fornece-os por um período, a preço e qualidade regulamentados.

Pode acontecer que, em certas PPPs, o Estado se mantenha proprietário de

infra-estrutura e transfira para o privado as actividades que ela sustenta;

noutras, poderá transferir durante a vigência do acordo as prerrogativas de

proprietário para o privado, reavendo-as no final; noutras, ainda, cuja

Page 337: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

309

classificação, enquanto PPP, não é unânime, pode transferir

permanentemente a propriedade para mãos privadas. Mas, em regra, a infra-

estrutura e o serviço revertem para o Estado no final do contrato.

5. O conceito de PPP é aplicado a uma gama vasta de arranjos

contratuais entre Estado e privados. Há diversas caracterizações de um

espectro público-privado de enquadramento das PPPs, algumas bastante

amplas, o que leva a que a classificação como PPP de determinada relação

contratual nem sempre seja consensual. As joint ventures, as concessões e

concessões sem transferência são os tipos de PPP mais consensuais. O FMI

elenca três categorias de contratos PPP: a) uma em que o sector privado

assegura todas as tarefas (concepção, construção, operação, gestão), sem

obrigação de transferir a propriedade para o Estado; b) outra em que o sector

privado compra ou arrenda (leasing) um activo público existente, renova-o,

moderniza-o, expande-o, e passa a explorá-lo, sem obrigação de transferir a

propriedade para o Estado; c) finalmente, uma em que o sector privado

concebe, constrói e explora um activo, transferindo-o para o Estado ao fim de

um determinado período. No Capítulo I deste relatório, damos conta de uma

tipologia mais vasta de PPPs no espectro público-privado.

6. No que respeita às instituições que enquadram os programas e

projectos de PPPs, confirma-se o avanço britânico e irlandês, surgindo uma

institucionalização ainda incipiente das PPPs no resto da Europa. Em termos

de organismos públicos, o Reino Unido e a Irlanda – mas também a Holanda e

a Áustria, onde as PPPs são escassas – possuem uma agência nacional

especializada em PPPs, com competências executivas, consultivas e

avaliativas. Em outros países, como Portugal, Itália e Alemanha tais agências

existiam, mas apenas com competências consultivas.

Merece especial referência a Alemanha por constituir um país onde o

enquadramento institucional vai à frente dos projectos no terreno, ainda

relativamente escassos, como se se procurasse preparar tudo antes de fazer

Page 338: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

310

e ganhar experiência na prática. Para remover múltiplos obstáculos

burocráticos, promulgou-se em 2005, com o apoio da indústria e sob vasto

consenso político, uma lei de aceleração das PPPs (Beschleunigungsgesetz)

e aguarda ratificação uma lei de simplificação (Vereinfachungsgesetz). Prevê-

se a criação, em 2008, de um órgão central de coordenação, constituído à

imagem britânica, pelo Estado federal e por privados, a Partnerschaften

Deutschland, substituindo uma unidade especializada do Ministério das Obras

Públicas, até aqui principal coordenadora e impulsionadora das PPPs.

7. Em relação à organização procedimental, isto é, aos procedimentos e

etapas que um projecto segue, as PPPs têm um procedimento de organização

próprio com etapas definidas, aliás como qualquer método de contratação

pública. O procedimento varia de país para país dependendo de um

enquadramento legal mais definidor ou de procedimentos standard. Envolvem

quase sempre concurso público. O concurso pode ser aberto, por convite,

através de listas registadas, através de pré-qualificação ou negociado. A

União Europeia tem estimulado a sistematização dos diversos procedimentos

nacionais. São consideradas, em geral, etapas fundamentais as seguintes:

definição das necessidades do sector; avaliação (por exemplo,

financiamentos, riscos e outros impactos); definição do modelo; anúncio

público; propostas; negociação; revisão final do projecto; negociação final;

operação e manutenção; transferência; e gestão do contrato.

8. O parceiro privado, face à dimensão de uma PPP em termos de

capital e competências, raramente é uma empresa individual, assumindo,

normalmente, a forma de Special Purpose Vehicle (SPV), um consórcio de

empresas – construtoras, bancos, assessoras, empresas de serviços

acessórios – organizado especificamente para determinado projecto. As SPVs

têm poucos, por vezes nenhum activo. Os privados usam esta figura por três

razões. Em primeiro lugar, porque apenas a SPV está sujeita a execução em

caso de colapso, portanto os investidores arriscam apenas a sua participação

Page 339: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

311

na SPV, não o resto do seu património. Em segundo lugar, porque os

investidores evitam, assim colocar a SPV nos seus próprios activos e

passivos. Terceiro, os investidores protegem o seu nome em caso de

fracasso, ao mascará-lo por trás do nome da SPV. Esta circunstância tem

levantado várias questões quanto à real transferência de risco que o Estado

obtém numa PPP, sobretudo nos casos mais dramáticos de colapso.

9. No contexto europeu, as PPPs começaram por ser essencialmente

concessões de obras públicas, nomeadamente rodoviárias. A experiência

rodoviária facilitou a extensão a outras infra-estruturas de transportes como a

ferroviária, portos, transportes urbanos. A energia, água e saneamento

constituíram a outra grande via de expansão. Estas infra-estruturas pesadas,

digamos de mobilidade e de abastecimento básico, constituem a esmagadora

maioria das PPPs na Europa Continental. No Reino Unido, sem dúvida o

“reino” das PPPs, tentou-se ir ainda mais além nas áreas da saúde, educação,

defesa, segurança pública, embora estes sectores tenham gerado bastante

mais resistência. Na Europa Continental, as PPPs nestas áreas têm, em geral,

um peso residual.

No sector da justiça, as PPP incidem, essencialmente, nas prisões e

tribunais. Também neste sector, o Reino Unido e a Irlanda desenvolveram

bastantes projectos. A França, por exemplo, parece apostada nesta área, com

alguns projectos prisionais em andamento, a inaugurar entre 2008 e 2010, e

está a preparar dois projectos-piloto de tribunais. Há projectos-piloto de

prisões na Alemanha. Os projectos consistem na renovação ou construção,

manutenção e gestão de infra-estruturas, incluindo uma gama variável de

serviços acessórios (tendencialmente maior nas prisões), por períodos entre

20 e 30 anos. Fora da Europa, a Austrália é referenciada como um dos países

onde as PPPs estão mais desenvolvidas.

10. Portugal é visto por alguns como o país que mais entusiasticamente

adoptou as PPPs de modelo britânico, o que fez em finais dos anos 90. As

Page 340: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

312

concessões rodoviárias têm dominado as PPPs. O grande salto veio com o

Plano Rodoviário Nacional de 2000, que previa decuplicar em seis anos a rede

de auto-estradas, de cerca de 400 para 3 000 km, exclusivamente por via de

concessão. A nova figura de portagem virtual (SCUT), correspondente a 1/3

das novas concessões, veio, posteriormente, a gerar receios de

insustentabilidade para as contas públicas, indício de que o value for money

não fora acautelado.

Ao nosso país é, ainda, referenciada uma outra questão: passou, em

escassos anos, de uma para catorze concessões rodoviárias, ao mesmo

tempo que o então Instituto de Estradas de Portugal diminuía os seus quadros

técnicos. Esta circunstância gerou uma transferência dos melhores quadros

para o sector privado, que se julga poder afectar a longo prazo a capacidade

estatal de defender o interesse público na avaliação de concessões futuras e

na regulação das actuais.

É, ainda, salientado o caso das PPPs na saúde em Portugal. Em 2002, o

Governo anunciou um programa para a construção de dez hospitais em

regime PPP. À época, apenas o Reino Unido tinha experiência consolidada.

As poucas experiências nos outros países passavam por projectos-piloto

restritos. Portugal queria lançar dez projectos de uma vez e incluir neles, não

só as infra-estruturas, como os serviços clínicos, algo sem precedente na

Europa. Contudo, nenhum dos projectos foi ainda fechado, e os primeiros

concursos acabaram cancelados.

11. Em Portugal, o regime legal das parcerias público-privadas encontra-

se regulado pelo Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril, revisto pelo Decreto-

Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho. Aquele diploma estabeleceu, pela primeira

vez, o quadro legal das parcerias público-privadas, consagrando as normas

gerais aplicáveis à intervenção do Estado na definição, concepção,

preparação, concurso, adjudicação, alteração, fiscalização e

acompanhamento global das parcerias público-privadas. O legislador justifica

a criação desta figura pelas transformações recentes ocorridas na sociedade e

Page 341: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

313

no Estado, que implicaram a assunção por este de novas funções para

satisfação de necessidades sociais e públicas com um consequente elevado

aumento da despesa e endividamento públicos, sem que se tenha verificado o

equivalente aumento da qualidade dos serviços prestados aos cidadãos. O

legislador estabelecia, assim, dois objectivos essenciais: concretização das

políticas públicas sem aumento da despesa pública, maior eficiência na

afectação dos recursos públicos e melhoria dos serviços.

12. A lei define uma parceria público-privada como um contrato ou a

união de contratos, por via dos quais entidades privadas, designadas por

parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro

público, a assegurar o desenvolvimento de uma actividade tendente à

satisfação de uma necessidade colectiva e em que o financiamento e a

responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou

em parte, ao parceiro privado. As parcerias podem desenvolver-se através de

vários instrumentos de regulação jurídica entre públicos e privados. A

repartição de encargos e de riscos entre as entidades públicas e privadas é

um dos elementos centrais que caracteriza as PPPs, devendo essa partilha

figurar, de forma clara, no contrato elaborado.

A decisão sobre o lançamento da parceria é da competência dos

Ministros das Finanças e da tutela sectorial. O lançamento da parceria será

feito com recurso ao procedimento adjudicatório, que se venha a considerar

aplicável, de acordo com a legislação relativa à contratação pública. Os

poderes de fiscalização e controlo são exercidos por entidades ou serviços a

indicar pelo Ministro das Finanças para as matérias económicas e financeiras

e pelo ministro da tutela sectorial para as demais.

13. A União Europeia, particularmente a Comissão Europeia, surgiu nos

últimos anos com uma agenda de promoção das PPPs. A Comissão, num dos

seus comunicados – “Uma política de coesão para apoiar o crescimento e o

emprego: orientações estratégicas comunitárias, 2007-2013” –, considera que

Page 342: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

314

as parcerias entre o sector público e o sector privado podem revelar-se “um

método adequado para financiar os investimentos quando existe uma margem

significativa para a participação do sector privado, especialmente nos sectores

em que não é viável ou adequado excluir o sector público nem contar

exclusivamente com o mercado.” Para a Comissão, as PPPs, para além de

poderem funcionar como uma alavanca financeira, também podem contribuir

para melhorar a qualidade da execução e a gestão dos projectos.

O Livro Verde (2003) e, posteriormente, o Livro Branco (2004) da

Comissão sobre os serviços de interesse geral, incluem as PPPs na sua

reflexão. O segundo Livro Verde “sobre as parcerias público-privadas e o

direito comunitário em matéria de contratos públicos e concessões” (2004)

tinha um objectivo bem definido: o de lançar um debate sobre uma eventual

harmonização europeia do seu enquadramento jurídico, dado que as parcerias

público-privadas não se encontram definidas, nem regulamentadas no âmbito

do direito comunitário, e sobre o estabelecimento de uma agência europeia

para as PPPs.

Acresce que os resultados de uma consulta sobre questões várias

relacionadas com esta matéria foram apresentados e analisados num relatório

(Report on the public consultation on the green paper on public-private

partenerships and community law on public contracts and concessions-

Brussels) de 2005 e, entre as conclusões mais consensuais, destaca-se a

defesa de uma maior intervenção comunitária nesta matéria e da criação de

uma estrutura organizacional de nível comunitário que ajude a conhecer

experiências e melhores práticas no espaço da União.

Apesar de não existirem normas do direito comunitário, especificamente

dirigidas às parcerias público-privadas, algumas formas de PPPs estão

sujeitas à legislação europeia sobre os procedimentos de celebração dos

contratos públicos. Qualquer acto através do qual uma entidade pública confie

a prestação de uma actividade económica a um terceiro deve ser executado

de acordo com as regras e princípios do Tratado CE, em matéria de liberdade

Page 343: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

315

de estabelecimento e de livre prestação de serviços incluindo a transparência,

a igualdade de tratamento, a proporcionalidade e o reconhecimento mútuo.

14. São várias as recomendações de diferentes organismos

comunitários sobre esta matéria. Destacam-se os pareceres do Comité das

Regiões, do Comité Económico e Social Europeu, da Comissão de

Desenvolvimento Regional e da Comissão de Transportes de Turismo.

O Comité das Regiões, em parecer publicado no Jornal Oficial da União

Europeia, em 23/03/2005, faz as seguintes recomendações: a) os princípios

da transparência, da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e do

reconhecimento mútuo devem servir de base a todas as formas de parcerias;

b) o papel das autarquias locais e regionais na definição, organização,

financiamento e controlo dos serviços de interesse geral deve ter um papel

nuclear; c) é fundamental alcançar um consenso político ao nível local ou

regional quando são celebrados contratos de duração indeterminada; d) a

perspectiva dos cidadãos deve ser particularmente acentuada, uma vez que é

a estes que os serviços de interesse geral se destinam; e) os projectos de

PPPs devem ser acessíveis a todos, reforçando a ideia da importância de um

diálogo amplo entre os organismos adquirentes e as empresas fornecedoras;

f) a legislação em vigor, em regra, é bastante complexa e não propícia a

flexibilidade e ideias inovadoras, o que deve ser objecto de reflexão.

15. O Comité Económico e Social Europeu (CESE) emitiu um Parecer,

intitulado “O papel do Banco de Investimento Europeu (BEI) nas parcerias

público-privadas e consequências para o crescimento”, propondo a

generalização de comparações sistemáticas entre os projectos realizados

pelas autoridades públicas e pelas empresas privadas (custo, desempenho,

etc.) e a coordenação europeia através de um grupo de peritos de alto nível.

Recomenda, ainda, que o BEI garanta o respeito pelas normas sociais,

sanitárias e de acesso às infra-estruturas realizadas através das PPPs que co-

financia; e o dever de incentivar uma rigorosa igualdade de competição,

Page 344: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

316

jurídica e fiscal, entre as entidades públicas e privadas, em todos os projectos

em que participe.

16. A Comissão de Desenvolvimento Regional emitiu, em 28/04/2006,

um Parecer destinado à Comissão do Mercado Interno e da Protecção dos

Consumidores relativo às Parcerias Público-Privados e ao Direito Comunitário

sobre contratos públicos e concessões. De entre as recomendações,

destacamos as seguintes: a) as normas que regem a criação e o

funcionamento das PPPs institucionalizadas e o novo processo de diálogo no

domínio da concorrência devem ser esclarecidas no quadro de uma

comunicação da Comissão; b) necessidade de eliminar a insegurança jurídica

na sequência de acórdãos do Tribunal de Justiça quanto ao processo de

adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos

públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços; c) apelo à

Comissão para que esta crie, em colaboração com o BEI, um Centro Europeu

de Especialização em PPPs, a fim de proceder à avaliação regular dos

progressos e resultados das PPPs, de promover a troca de experiências

relativas a práticas de excelência na organização de PPPs nos múltiplos

sectores de actividade e, ainda, à realização de projectos-piloto; d)

envolvimento dos representantes dos interesses regionais e locais na

elaboração de normas no âmbito das PPPs.

17. O Parecer da Comissão dos Transportes e do Turismo sobre as

PPPs, datado de 31/08/2006, igualmente destinado à Comissão do Mercado

Interno e da Protecção dos Consumidores, chama a atenção para os

seguintes aspectos: a) necessidade de adopção pela Comissão de um

instrumento jurídico que defina orientações sobre as diferentes modalidades

de PPPs, a fim de garantir o respeito pelos princípios de igualdade de

tratamento e de uniformidade entre os Estados-Membro, deixando, no entanto,

aos Estados-Membro a máxima liberdade em termos de modalidades de

aplicação, em conformidade com o princípio de subsidiariedade; b) definição

Page 345: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

317

das “melhores práticas” e das “práticas a banir”, particularmente no que se

refere à fase da escolha do contraente, privado, público ou misto; c) no que

respeita às PPPs contratuais, sugere-se que sempre que seja lançado um

projecto, se proceda à elaboração de um termo de comparação prévio no

sector público e à análise do custo/benefício para o sector público; d)

assegurar que a Comissão, por meio do controlo comunitário dos auxílios

estatais, garanta que a concessão de subvenções não comporte

discriminações entre os operadores, sejam eles privados, públicos ou mistos.

18. Mais recentemente, em 31 de Outubro de 2006, o Comité das

Regiões voltou a emitir um novo Parecer sobre parcerias público-privadas.

Neste Parecer, o Comité chama a atenção para o facto de o recurso às PPPs

nem sempre ser a solução mais adequada. Considera que esta opção apenas

se justifica nos casos em que a parceria público-privada representa uma

melhoria da qualidade do serviço prestado aos cidadãos no concreto contexto

de um determinado projecto. Considera que são os órgãos do poder local e

regional, mais próximos dos utentes dos serviços públicos a prestar, que se

encontram em melhor posição para decidir como financiar esses mesmos

serviços, ou, ainda, a forma que deve assumir a PPPs. Chama-se, ainda, a

atenção para a necessidade de existirem condições financeiras sólidas,

transparência e clareza das disposições contratuais, estimativas financeiras

exactas dos projectos e garantia de protecção jurídica para ambos os

parceiros.

Considerando que a prioridade num projecto de PPP é garantir aos

cidadãos a continuidade do serviço público a prestar, aquele Comité destaca,

ainda, a necessidade de efectivo controlo pelas autoridades públicas da

prestação desses serviços.

19. O tratamento contabilístico das PPPs tem levantado grandes

questões, não só no contexto europeu, mas por todo o mundo. Como refere

um documento do Fundo Monetário Internacional (2004), as PPPs são

Page 346: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

318

percepcionadas com uma forma de mascarar défice (temporariamente) e

dívida pública (permanentemente) e de efectuar investimento efectivamente

público sob uma forma nominalmente privada. Iniciou-se, assim, em vários

países um movimento no sentido de estabelecer orientações por forma a

enquadrar correctamente a contabilização das PPPs, quer nas contas

públicas, quer nas contas privadas, dotando de maior transparência aquelas

contas.

No contexto europeu, destaca-se o Sistema Europeu de Contas

Económicas Integradas (SEC 95) e a New decision of Eurostat on deficit and

debt - Treatment of public-private partnerships de 11 de Fevereiro de 2004

sobre a partilha de risco e sobre a inscrição no balanço público ou privado dos

activos relacionados com uma PPP.

A entrada em vigor do Sistema Europeu de Contas Económicas

Integradas (SEC 95), aprovado pelo Regulamento do Conselho de 25 de

Junho de 1996, juridicamente vinculativo na União Europeia, teve como

objectivo fornecer um instrumento contabilístico que possibilite a descrição

detalhada das economias nacionais, bem como a comparação entre as

mesmas e a avaliação da convergência.

20. O Eurostat, Gabinete de Estatística das Comunidades Europeias,

publicou o Manual do SEC 95 sobre dívida e défice da Administração Pública,

com o objectivo de facilitar a sua aplicação para o cálculo do défice

orçamental e da dívida pública, dedicando um ponto exclusivamente às infra-

estruturas públicas financiadas e exploradas pelo sector das sociedades.

Em face da persistência de algumas dúvidas, o Eurostat, com o propósito

de clarificar as regras contidas no SEC 95, publicou, em Fevereiro de 2004,

uma decisão relativamente ao tratamento das parcerias público-privadas nas

contas públicas (New decision of Eurostat on deficit and debt - Treatment of

public-private partnerships de 11 de Fevereiro de 2004), referindo-se a

contratos de PPP da modalidade DBOF – Design, Build, Operate and Finance

(concepção, construção, operação e financiamento) em que o Governo é o

Page 347: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

319

principal pagador. De acordo com essa decisão, o parceiro privado deve

suportar o risco de construção e também o risco de disponibilidade ou da

procura.

Nessa Decisão recomenda-se que os activos relacionados com uma

parceria público-privada sejam classificados como activos não públicos, não

sendo lançados no balanço da administração, desde que se verifiquem

cumulativamente duas condições: o parceiro privado suporte o risco de

construção, que engloba a demora na entrega, a falta de respeito de normas

específicas, os custos acrescidos, a deficiência técnica, etc.; e tome sob a sua

responsabilidade um dos seguintes riscos: o risco da disponibilidade, que

corresponde, nomeadamente, à situação em que o parceiro privado não

consegue entregar o volume contratualmente estabelecido ou não consegue

atender às normas de segurança ou de certificação públicas ligadas à

prestação de serviços para com os utilizadores finais, conforme estipulado no

contrato; ou o risco ligado à procura, que cobre a variação da procura (mais

alta ou mais fraca do que a prevista na assinatura do contrato) quando esta

não é imputável à gestão do parceiro privado.

A Decisão chama a atenção, no entanto, para a possibilidade de

existirem situações de classificação dúbia quanto à avaliação do risco. O

Eurostat adverte, assim, para situações em que, por exemplo, a partilha do

risco entre as duas entidades seja equilibrada ou baseada em hipóteses

frágeis, apontando para a possibilidade de serem tidos em linha de conta

outros elementos contratuais, nomeadamente, o financiamento público e o

efeito das garantias ou provisões públicas relacionadas com a aquisição final

dos bens.

Neste contexto, segundo o Eurostat, se, no final da parceria, não houver

transferência da propriedade para a administração pública, continuando o bem

com um valor económico significativo, então o mesmo deve ser classificado no

balanço do parceiro privado. Se, pelo contrário, a administração pública

assumir a obrigação de adquirir o bem no final do contrato a um preço pré-

determinado, que não reflicta o seu valor económico à data, ou se a

Page 348: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

320

administração pública já tiver pago pelo direito de adquirir o bem ao longo do

contrato, através de pagamentos regulares que sejam superiores aos que

seriam inexistindo aquele direito, então pode existir uma razão para inscrever

aqueles bens nas contas públicas, se outros elementos da análise do risco

não derem uma resposta clara.

21. Na análise comparada, o Reino Unido é considerado o país pioneiro

na adopção de parcerias público-privadas e no seu alargamento aos sectores

sociais. As novas regras, surgidas em 1992, marcam o relançamento do

financiamento privado, agora sob a forma de Private Finance Initiative. A

Private Finance Initiative (PFI) foi o primeiro programa político sistemático de

parcerias público-privadas. Os objectivos governamentais eram (1) o aumento

da capacidade do investimento público recorrendo a mecanismos do sector

privado, (2) a melhoria da qualidade dos serviços públicos (3) e a diminuição

da despesa pública, beneficiando da competência e da capacidade de

inovação do sector privado.

A Private Finance Initiative insere-se num processo mais amplo de

reformas do sector público no Reino Unido, que inclui diversas iniciativas que,

em comum, prevêem uma maior participação do sector privado no sector

público. As PPPs têm sido consideradas um elemento-chave do programa de

modernização do Governo e de promoção da qualidade dos serviços públicos

no Reino Unido. A PFI provocou uma alteração relevante da lógica e

expectativas em torno dos serviços públicos, que passaram a recorrer

sistematicamente ao sector privado para o seu financiamento, concepção,

construção e gestão.

Os contratos de PFI englobam acordos tripartidos: um contrato de PFI

principal entre o parceiro público e o parceiro privado; um contrato de

financiamento entre a entidade encarregue de gerir o projecto e a entidade

financiadora; e um acordo directo (direct agreement) entre a entidade

financiadora e a administração. De acordo com o relatório de 2006 do HM

Treasury, a PFI enquadrou até 2005 cerca de 700 contratos, no valor total de

Page 349: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

321

46 biliões de libras e prevê-se que até 2010 se concluam mais 200 contratos,

no valor de 26 biliões de libras. Contudo, apesar do aumento significativo,

estes projectos representavam, em 2005-2006, apenas 10% do investimento

em activos públicos, face a 40% por métodos tradicionais, e previa-se que

estabilizasse no intervalo 10-15%.

22. Em consonância com o desenvolvimento das PPPs, há a referir, no

Reino Unido, a publicação de vários relatórios, a criação de organismos de

apoio e controlo das PPPs e de grupos de trabalho, e o desenvolvimento de

contratos standard de PFI.

De entre as organizações criadas, destaca-se a Partnerships UK (PUK),

criada em 2000, ela própria uma joint venture entre o HM Treasury e o sector

privado. A PUK também disponibiliza recursos financeiros para projectos que

não os conseguem reunir nos mercados financeiros, assumindo-se, assim,

como um verdadeiro promotor de projectos. O HM Treasury constitui a

principal instituição pública para as PFI/PPPs. Um departamento específico do

HM Treasury - Office of Government Commerce - assume as funções de

sistematização e supervisão contratual. As funções de auditoria pública da

PFI/PPP são da responsabilidade do National Audit Office, auxiliado pelo

Public Accounts Committee. Existem, ainda, unidades sectoriais específicas,

como a Partnerships for Health, criada em 2001, e a Partnerships for Schools,

criada em 2004. Está, ainda, prevista a criação de uma outra organização: a

PFI Operational Taskforce, que terá como tarefas principais a assessoria dos

parceiros, a avaliação de projectos e a sistematização contratual -

melhoramento nos contratos-padrão de PFI e elaboração de um código de

conduta sobre renegociação de dívida.

23. No Reino Unido não existe uma lei especificamente dirigida à

regulação das PFI. A maioria das regras relativas a PFI encontra-se em

orientações emanadas pelo HM Treasury. Os contratos de DBFO, isto é, de

concepção, realização, financiamento e gestão de uma infra-estrutura,

Page 350: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

322

constituem o modelo padrão dos contratos de PFI, a partir do qual se

desenvolvem variantes.

De acordo com aquelas orientações, desenvolveu-se um modelo de

negociação de projectos de PFI, conhecido como modelo anglo-saxónico,

seguido por muitos outros países. A negociação decorre, em regra, por um

período de tempo entre 12 e 24 meses, desde a data da publicação do

anúncio até à assinatura do contrato, com os passos seguintes: (1) fase prévia

do processo de negociação - são definidos os objectivos e delineado o

projecto para produzir value for money; analisa-se a viabilidade do projecto

com recurso a PFI ou através de outro método (é realizado um teste que

consiste em calcular os custos de todo o projecto, quer recorrendo a

PFI/PPPs, quer seguindo o modelo de contratação tradicional, outorgando-se

valores ao risco que o sector público mantém em ambos – é o designado

Public Sector Comparator); avalia-se o interesse do mercado; é obtida

aprovação para o projecto; e é criada a equipa do projecto; (2) publicação no

Jornal Oficial das Comunidades Europeias – inicia-se oficialmente o processo

de adjudicação; (3) pré-qualificação das propostas - informação e discussão

sobre as propostas apresentadas e selecção de seis candidatos para a fase

seguinte; (4) entrevistas competitivas, selecção de três concorrentes; (5)

propostas e negociação – um completo resumo de especificações circulará

para os candidatos apresentarem propostas detalhadas – selecção da

proposta; (6) adjudicação do contrato; (7) e início da prestação dos serviços

contratados.

24. O Reino Unido é o país com o espectro mais amplo de aplicação

sectorial de PFI/PPPs: desde os serviços tradicionais, como infra-estruturas de

transporte, escolas, hospitais, tribunais, prisões, esquadras de polícia e

quartéis de bombeiros, habitação social, até serviços relacionados com o

ambiente, equipamento militar, sistemas de informação tecnológica e centros

de lazer. Os investimentos em PFI têm sido realizados em todos os sectores

de actividade e promovidos por mais de uma centena de entidades diferentes.

Page 351: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

323

Uma das áreas mais relevantes, nos últimos anos, na utilização de projectos

de PFI é a área da saúde, com um investimento de 6 biliões de libras.

Contudo, a existência de poupança efectiva e a redução do número de camas

nos hospitais são dois dos principais factores de controvérsia sobre o recurso

a PPPs nesta área.

Também o sector da justiça tem vindo a apostar em PFI/PPPs, tanto no

que respeita aos tribunais, como ao sistema prisional. Os projectos PFI/PPPs

podem envolver um ou mais tribunais. Os contratos podem incluir a concepção

do projecto, o financiamento, a construção, a gestão e a manutenção dos

equipamentos e a prestação de serviços conexos, como serviços de limpeza,

de segurança, relacionados com tecnologias de informação, entre outros. As

funções de âmbito judicial, designadamente as desempenhadas por

magistrados, funcionários judiciais ou por outros operadores em que esteja em

causa a independência judicial, não são incluídas nos projectos.

25. Na República da Irlanda, a opção governamental pela intensificação

do recurso a parcerias público-privadas está intimamente ligada ao

exponencial crescimento económico do país, a partir de meados dos anos

noventa do século passado. Perante a necessidade de investimentos

avultados em infra-estruturas, o modelo contratual de PPPs foi considerado

uma solução adequada. O processo iniciou-se com um estudo, encomendado

pelo Governo em 1998, cujo objectivo central era avaliar a possibilidade de

utilização de parcerias público-privadas. Os primeiros projectos-piloto tiveram

início no ano seguinte.

As parcerias público-privadas adquiriram grande relevo na execução do

Plano de Desenvolvimento Nacional 2000-2006, em particular no âmbito do

Programa Operacional de Infra-estruturas Económicas e Sociais. O Plano de

Desenvolvimento Nacional 2007-2013 confere igual preponderância às

parcerias público-privadas: do investimento global previsto de 76,2 biliões de

euros, cerca de 12 biliões de euros dizem respeito a projectos de parcerias

público-privadas.

Page 352: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

324

26. Não existe no ordenamento jurídico irlandês um diploma legal que,

de forma exclusiva e global, regulamente a contratação sob a forma de PPP,

embora em 2002 tenha sido publicado um diploma (The State Authorities Act,

2002 - Public Private Partnership Arrangements), considerado fundamental

para a consolidação das PPPs na Irlanda. A Unidade Central de PPP define,

complementarmente, directivas, bem como notas técnicas mais detalhadas,

relativamente ao processo de adjudicação de PPPs e aos procedimentos a

adoptar, o mesmo fazendo as várias unidades de PPP dos diferentes

departamentos governamentais. O Departamento de Finanças estabelece,

igualmente, directivas nesta matéria.

27. O Governo irlandês considerou que uma efectiva implementação de

parcerias público-privadas no país requereria a existência de organismos

governamentais especializados nesta matéria, com responsabilidade e

conhecimentos para gerir essa nova abordagem à contratação pública, o que

levou à criação de vários organismos com o objectivo de tornar mais fácil e

eficaz a implementação de PPPs. Como estruturas centrais de fiscalização e

controlo de parcerias público-privadas, foram criadas a Agência Financeira de

Desenvolvimento Nacional (National Development Finance Agency – NDFA),

como centro especializado de aconselhamento financeiro, e a Unidade Central

de PPPs (Central PPP Unit), com competência para coordenar o processo de

implementação das PPPs. No âmbito deste último organismo, a gestão dos

processos é feita através de dois grupos: um Grupo Interdepartamental de

PPPs (InterDepartmental Group on PPPs – IDG) e um Grupo Informal de

Consultoria de PPPs (Public/Private Informal Advisory Group on PPPs).

Existem, também, unidades de PPP (PPP Units) em vários departamentos

governamentais. Foi, ainda, criado no seio do Governo um Sub-Comité do

Gabinete para as Infra-estruturas e Parcerias Público-Privadas (the Cabinet

Sub-Committee on Infrastructure and Public-Private Partnership).

Page 353: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

325

28. Existem, actualmente, na Irlanda, projectos de parceria público-

privada a decorrer ou em processo de adjudicação em diferentes sectores,

designadamente educação, ambiente, e redes viárias e ferroviárias.

No sector da justiça, o recurso a esta forma de contratação é mais

recente. Os primeiros projectos, da responsabilidade do Courts Service e do

Prison Service, encontram-se, actualmente, em fase de adjudicação ou de

construção. Estão em curso os seguintes projectos: um relativo à construção

de um complexo de tribunais, um outro relativo a obras de ampliação,

conservação e restauro de edifícios de diversos tribunais e outros dois

relativos à construção de dois estabelecimentos prisionais.

São várias as modalidades de parcerias público-privadas utilizadas nos

diferentes sectores. No sector da justiça, as modalidades utilizadas são a

designada DBFOM, que transfere para o parceiro privado a concepção,

construção, financiamento, gestão e manutenção da infra-estrutura ou DBFM,

que exclui a gestão.

29. A Austrália é, na análise comparada de experiências, um dos países

de referência das PPPs, possivelmente o principal depois do Reino Unido.

Algumas empresas e bancos especializaram-se nesta matéria, desenvolvendo

inovações organizativas e contratuais, como o modelo de PPP de liderança

financeira (financier-led model), em que os bancos organizam e concentram a

propriedade da SPV, sociedade criada para determinado projecto PPP.

A dispersão institucional marca as PPPs australianas: estas são

enquadradas por legislação e estruturas regionais, mais do que nacionais. Um

panorama das PPPs na Austrália é, sobretudo, um panorama das PPPs nas

suas regiões. Em contraste com a dispersão institucional, há uma

acentuadíssima concentração geográfica, em algumas regiões. As PPPs têm,

sobretudo, expressão nos estados de Vitória e Nova Gales do Sul. O estado

de Vitória lidera a experiência sobre PPPs. O falhanço de alguns projectos

levou a uma inflexão desta política em finais da década de noventa do século

Page 354: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

326

passado, que, depois de alguns reajustamentos, voltou, anos mais tarde a ser

retomada.

30. A nível nacional, a institucionalização é incipiente, apesar de o

Governo Central ser contraente em PPPs e estimular o seu alargamento. Em

2004, foi criado o National PPP Forum, organismo constituído por

representantes do Governo Central e dos governos regionais, com o objectivo

de harmonizar as diversas experiências regionais, sistematizar o

enquadramento jurídico e organizativo e dinamizar o mercado nacional de

PPPs. Em cada região são os respectivos ministérios e o departamento de

finanças que apoiam, fiscalizam e coordenam os projectos de PPPs. A

institucionalização australiana é simples: em cada região, a tutela sectorial

adjudica, o Ministério das Finanças (Treasury) prepara, avalia e fiscaliza

através de um departamento especializado.

31. Os governos estaduais têm mantido uma abordagem flexível desta

figura contratual. Os termos dos contratos de PPP variam muito de projecto

para projecto, embora seja referenciada a tentativa de se procurar criar

cláusulas contratuais standard. Aquela flexibilidade reflecte-se no

enquadramento legal das PPPs, pelo que não existe no ordenamento jurídico

australiano um quadro legal específico para os contratos de PPP. Têm, no

entanto, vindo a ser publicados vários documentos dos governos regionais

estabelecendo linhas de orientação aplicáveis àqueles contratos. Um dos

principais documentos foi publicado pelo governo do estado de Vitória, em

2005, que estabelece um conjunto de princípios contratuais standard, com o

objectivo de servir de guia orientador para a prossecução da política de

implementação das PPPs. Acresce que para projectos de grande envergadura

são publicadas normas específicas.

Os projectos têm, em média, a duração de 20 a 30 anos. No termo do

prazo, os bens tornam-se, normalmente, propriedade do Estado. Uma das

Page 355: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

327

excepções é o County Court de Vitória, em que o parceiro privado manterá a

titularidade do direito de propriedade sobre o edifício no termo do contrato.

32. Nos estados que recorrem a esta figura contratual, as PPPs são, em

termos sectoriais, bastante abrangentes e homogeneamente distribuídas. Para

além de áreas tradicionais como os transportes, a água e o saneamento,

encontram-se projectos na área da educação, saúde, justiça, segurança

pública, defesa, habitação social, até nos sistemas de informação, sector que,

após diversos fracassos, vem sendo considerado “impróprio” para o modelo.

Uma tal abrangência só encontra paralelo possivelmente no Reino Unido. Há,

também, uma certa homogeneidade entre áreas no número de projectos

existentes.

O sector da justiça, embora não muito representativo no número de

contratos de PPP, revela a peculiaridade de ser o mais distribuído

geograficamente. Para além de Vitória (com os projectos respeitantes a duas

prisões e ao County Court de Vitória) e da Nova Gales do Sul (South Australia

Police and Courts Project), encontram-se projectos de prisões e tribunais na

Austrália do Sul (CBD Courts Complex) e na Austrália Oeste (Complex Long

Bay Prison and Forensic Hospitals). Todos os projectos incluem, também, a

transferência da gestão da infra-estrutura para o parceiro privado.

33. No ordenamento jurídico francês, as PPPs, em sentido lato,

englobam as figuras, designadas de mercados públicos, delegações de

serviço público, contratos de parceria assimilados, outros tipos de contratos

administrativos criados para contornar os limites daquelas figuras contratuais,

como os contratos de arrendamento administrativo ou os contratos de

autorização temporária de ocupação do domínio público, e os contratos de

parceria (CP) o novo instrumento jurídico no qual a França está a apostar no

âmbito das PPPs. Este tipo de contrato, criado em 2004, prevê várias

possibilidades de associação de operadores privados a projectos públicos,

cujo objectivo principal consiste em transferir para o parceiro privado o

Page 356: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

328

financiamento, a construção e manutenção de uma infra-estrutura públicas em

troca de uma remuneração por parte da entidade pública, admitindo, ainda, a

possibilidade de o parceiro privado gerir os serviços públicos a elas

associados.

Além do aperfeiçoamento do regime legal das PPPs, o Governo

procedeu à publicação de um conjunto de normas regulamentares em

matérias directamente ligadas às PPPs, como é o caso da aplicação das

regras do Eurostat, e à criação de uma estrutura de apoio aos projectos de

parcerias público-privada. Foi, ainda, publicado um guia prático, intitulado “Os

contratos de parceria – princípios e métodos”, cujo objectivo é orientar e

esclarecer os parceiros envolvidos num contrato de PPP.

A importância do tema levou à criação, no âmbito do Parlamento, de um

grupo de trabalho com o objectivo de proceder à avaliação das experiências

em curso, promover a divulgação de boas práticas e de propor

recomendações ou alterações do quadro legal.

34. Em França, o processo formal de PPP dá especial ênfase à partilha

do risco. Considera-se que a optimização da partilha do risco entre os

parceiros é não só essencial para o sucesso da parceria, como, também, para

o cumprimento das regras do Eurostat. A identificação dos riscos é,

normalmente, feita com recurso a uma matriz de riscos, da qual consta uma

lista exaustiva dos riscos do projecto e da repartição dos mesmos entre os

parceiros. Através desta matriz é possível conhecer, de forma imediata e

transparente, o conjunto dos riscos e a sua distribuição.

No que se refere à distribuição dos riscos, o parceiro privado deve

assumir, nomeadamente, os riscos de dimensionamento, de má concepção

funcional e de arquitectura, de construção, de conservação, de exploração e

de disponibilidade final do projecto. Quanto aos chamados riscos “exógenos”,

como, por exemplo, os riscos decorrentes de autorização administrativa

(licenças de construção, autorizações de exploração, aval das comissões de

segurança, etc.), alterações regulamentares e todas as situações de força

Page 357: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

329

maior, considera-se que os mesmos devem ser equitativamente partilhados

entre parceiros público e privado.

35. Quanto ao procedimento de constituição de uma PPP, as entidades

públicas que pretendam recorrer a esta figura devem, obrigatoriamente,

proceder a uma rigorosa avaliação prévia do projecto, demonstrando que o

projecto ou é demasiado complexo para ser realizado através de modelos

tradicionais ou é urgente. Tomada a decisão de recurso a um contrato de

parceria, é feita a sua divulgação pública. Após a recepção das respectivas

candidaturas, há uma fase de discussão, denominada de diálogo competitivo,

entre o contratante público e cada sociedade candidata. Depois desta fase, as

sociedades em concurso são convidadas a elaborar uma proposta final de

acordo com os objectivos definidos. Segue-se a fase de selecção de acordo

com critérios prévia e objectivamente definidos.

36. As estruturas de apoio aos projectos de PPP são a Missão de Apoio

à Realização de Contratos de Parceria (MAPPP), com competência para

produzir e divulgar orientações e apoiar os parceiros públicos na preparação,

negociação e execução de contratos de PPP; o Instituto de Gestão Delegada

IGD), que elabora estudos e recomendações sobre a gestão dos serviços

públicos, em especial dos serviços públicos cuja gestão foi delegada, no

sentido de promover a sua qualidade; e, para o sector da justiça, a Agence de

Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la Justice (AMOTMJ), cuja

competência foi alargada em 2006, passando a gerir os contratos de parceria

no sector. Em Junho de 2006, foi criado um centro de peritagem e de análise

das PPPs: o Centro de Peritagem Francês para a Observação das PPPs

(CEFO-ppp). Este Centro tem por missão, entre outros objectivos, estabelecer

“ficheiros PPP”, dos quais constarão as características essenciais dos

contratos de parceria.

Page 358: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

330

37. As áreas de intervenção das PPPs estão dispersas pelos diversos

sectores, como, por exemplo, saúde, redes viárias, transportes, podendo

incidir na construção e gestão de infra-estruturas várias. A abrangência de

determinada parceria depende do tipo de contrato utilizado, embora os

contratos CP, que permitem o alargamento da parceria à gestão da infra-

estrutura, sejam cada vez mais utilizados.

No sector da justiça, o sistema prisional tem sido um dos sectores

pioneiros na utilização de PPPs. Desde 2002, o Ministério da Justiça tem

recorrido a vários tipos de contratos de PPP para a construção de novos

estabelecimentos prisionais (através do reagrupamento de projectos em três

lotes) estando, também, previstas a reconstrução de um centro de detenção

em Paris e a construção e reestruturação de dois palácios da justiça

(considerados como experiências-piloto, estes sob a forma de contrato CP,

que inclui a gestão da infra-estrutura e de um conjunto de serviços). A parceria

referente ao terceiro lote de estabelecimentos prisionais transfere também

para o parceiro privado a responsabilidade pelos serviços de restauração,

lavandaria, transporte e formação profissional dos reclusos.

38. Na Bélgica, o regime legal das PPPs é tributário da divisão

administrativa existente (região flamenga, a região de Bruxelas e a região de

Valona), quer no que respeita ao enquadramento legal, quer à definição de

prioridades de cada região. No direito “federal” belga não existe nenhum

diploma legal que especialmente enquadre os contratos de PPP. Sempre que

uma entidade pública pretenda celebrar um contrato que envolva uma

cooperação entre o Estado ou uma entidade pública e uma entidade privada,

deverá recorrer a uma destas três figuras jurídicas: mercado público (marché

public), concessão de obras públicas (concession de travaux publics) ou

convenção sui generis (convention sui generis). Estas figuras jurídicas têm

vindo, contudo, a ser consideradas insuficientes para dar resposta aos

contratos de PPP, tendo surgido, na prática, algumas dificuldades de ordem

Page 359: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

331

normativa, nomeadamente quanto à constituição de direitos reais sobre os

bens do domínio público objecto de uma PPP.

As soluções normativas para superar essas dificuldades estão a ser

desenvolvidas pelas próprias regiões belgas, tendo a região flamenga

publicado legislação específica em matéria de PPP, o Decreto flamengo de 18

de Julho de 2003, cujo objectivo central é o de incentivar a utilização de PPPs.

Para tal, é alargada a possibilidade da utilização desta figura a vários sectores

públicos, nomeadamente ao sector ambiental, ensino, renovação urbana ou

cultural, não circunscrevendo o objecto dos contratos apenas à área da

construção e manutenção de infra-estruturas, mas alargando as possibilidades

de associação dos parceiros público e privado.

39. As áreas de intervenção das PPPs belgas variam em função da sua

divisão administrativa. A nível federal, o Governo não dispõe de um programa

específico de PPPs. Regista-se, contudo, o recurso sectorial a contratos de

PPP, como é o caso de um projecto relativo a redes ferroviárias.

A nível das regiões belgas, a região flamenga tem sido a região que mais

recorre a PPPs, quer para prestação de serviços públicos, quer para a

construção de infra-estruturas (aeroporto de Antuérpia, alojamentos sociais,

estradas, águas, etc.). A região Valona também tem recorrido a este

instrumento, principalmente, em obras de revitalização urbana, e há

referências no sentido da sua intensificação.

Na área da justiça, o recurso a PPPs é ainda muito residual e, do nosso

conhecimento, encontra-se em fase de discussão. Na região flamenga foi

construído, com recurso a uma parceria pública-privada, um Palácio da

Justiça.

40. Espanha é considerado um dos países europeus com maior

activismo na área das PPPs, embora com uma forte concentração sectorial. O

Page 360: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

332

recurso a esta forma de contratação tem acompanhado o esforço do país na

construção de infra-estruturas, designadamente redes viárias e ferroviárias.

O regime legal dos contratos de PPPs é tributário da organização

administrativa do Estado espanhol. A nível central, o regime legal aplicável é o

da Lei dos Contratos das Administrações Públicas. A Lei 13/2003, de 23 de

Maio, veio alterar e complementar este regime jurídico, criando uma nova

figura jurídica – o contrato de concessão de obras públicas – e novas regras

que atendem aos critérios do Eurostat evitando o impacto das PPPs na dívida

pública. Em fase de preparação está uma nova regulamentação,

especialmente dirigida aos contratos de PPP.

A nível das comunidades autónomas, algumas comunidades têm

legislação específica que rege a contratação pública no âmbito das suas

competências, onde se incluem os contratos de parceria público-privada, em

complemento das normas de aplicação nacional.

41. Não existe nenhum organismo, a nível nacional, com competência

específica para o apoio e controlo dos contratos de PPPs. As entidades

públicas responsáveis pela celebração de contratos de PPPs desempenham

essas funções. A supervisão de natureza financeira está a cargo de um grupo

de trabalho constituído por peritos, que inclui profissionais do Banco Central

de Espanha e do Tribunal de Contas. Merece referência a criação de uma

agência pública para promover as PPPs no sector das estradas e dos

caminhos-de-ferro e a criação de uma associação privada, denominada

ForoPPP para a promoção e desenvolvimento de parcerias público-privadas

nas várias regiões espanholas.

A nível das comunidades autónomas, a entidade pública responsável

pela celebração de um contrato de PPP desempenha também funções de

controlo e da execução do contrato.

Page 361: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

333

42. As áreas de intervenção das PPPs são muito diversas. A primeira e

principal área de intervenção é no sector dos transportes e comunicações que,

desde a década de noventa, tem visto crescer o número de projectos de PPP.

Mais, recentemente, a utilização de PPPs tem sido alargada a outras áreas,

em especial, à área da saúde (hospitais) e à construção de aeroportos.

A área da justiça só muito recentemente foi considerada como uma

potencial área para a utilização deste mecanismo contratual, em parte em

resultado das alterações legais de 2003. Estas alterações criaram um novo

contexto legal que permitiu que a área da justiça seja, actualmente, vista como

um potencial sector de sucesso na colaboração entre o sector público e o

sector privado. A construção de uma prisão na Comunidade da Catalunha está

a ser feita com recurso a uma PPP. Salientam-se, ainda, dois grandes

projectos, em execução, com recurso ao investimento privado: os projectos

relativos à construção do Campus de Justiça de Madrid e da Cidade Judiciária

de Valência. Refira-se que para a concretização daquele primeiro projecto foi

criada a empresa pública, Sociedad Campus de la Justitia de Madrid, S.A, e o

investimento estima-se em cerca de 516 milhões de euros.

43. Apesar da crescente intensidade, um pouco por todo o lado, do

recurso às parcerias público-privadas como via de desenvolvimento dos

serviços públicos, a sua utilização, sobretudo em alguns sectores, como é o

caso da saúde, tem suscitado alguma controvérsia e questionamento, quer

sobre as verdadeiras razões que a sua utilização encobre, quer sobre o

cumprimento efectivo dos objectivos que lhes subjazem.

Assim, contra a visão promissora de governos e das grandes empresas

mundiais de consultadoria, dos bancos investidores e das empresas de

construção, outras vozes se lhe opõem ou, pelo menos, revelam-se menos

confiantes, chamando a atenção para vários aspectos a considerar, quer na

fase de preparação do contrato, quer na sua execução, algumas, como vimos

neste relatório, de organismos oficiais de diferentes países ou da União

Europeia.

Page 362: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

334

44. Algumas das questões mais discutidas relacionam-se com a

potencialidade (ou não) de superação da lógica e interesses historicamente

conflituantes que orientam os dois actores envolvidos (Estado e sector

privado); a possibilidade de gerar value for money, quer numa acepção lata,

ou seja, enquanto vantagem colaborativa ou comparativa, quer numa acepção

mais restrita, permitindo ao Estado poupar e ao privado lucrar; a possibilidade

de partilhar os riscos entre sector público e sector privado; a mudança do

ênfase dos activos para os serviços e dos métodos para os resultados; a

possibilidade de estimular a inovação, ao especificar resultados em vez de

métodos; o maior envolvimento e incentivo do parceiro privado através da

integração de tarefas (bundling); e a possibilidade de ter em conta o ciclo de

vida de um serviço, não só no que respeita à concepção e construção de

equipamentos, mas também à sua manutenção.

45. Uma crítica frequente às PPPs é que diminuem a margem de

manobra pública e o espaço de decisão política do Estado. Considera-se,

ainda, que tendem a alterar os equilíbrios e inércias institucionais entre Estado

e sector privado. Nos sectores mais “rentáveis” para as PPPs, mais e

melhores quadros estarão no sector privado. Um Estado desprovido de

conhecimentos sobre concepção, construção, manutenção de infra-estruturas,

terá dificuldade em defender o interesse público quando tenha de decidir a

esse respeito.

46. O debate económico orbita quase exclusivamente em torno da

poupança, do problema do value for money. A poupança é, como vimos nos

vários capítulos deste relatório, um dos principais argumentos justificativos das

PPPs e é, também, um dos mais escrutinados. Os dados são díspares. Desde

logo, falta tempo, pois só no final dos contratos se poderão retirar conclusões

sólidas. O debate gira, por isso, em torno de estimativas e dados parciais. As

estimativas têm de partir de vários pressupostos, eles próprios sujeitos a

Page 363: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

335

críticas. As muitas questões levantadas em torno do custo público comparado,

principal medida de poupança, reflectem-no. Para vários autores, é

virtualmente impossível provar em termos técnicos ou económicos a

superioridade do modelo PPP. Consideram, por isso, a questão

eminentemente política.

47. Outra questão, recorrentemente discutida, relaciona-se com a

constatação da dificuldade de superação do conflito de interesses, sempre

existente, entre público e privado. Daí que o carácter relacional seja visto

como tendencialmente tenso. A relação contratual deve, por isso, tão cedo

quanto possível, definir claramente os papéis e responsabilidades de cada

parceiro. Neste contexto, merece especial referência um outro patamar de

conflitos de interesse: o papel duplo dos assessores. Estes actores, cruciais

na organização de uma PPP, prestam os seus serviços, tanto ao sector

público, como ao sector privado. É por isso que uma das principais

recomendações vai no sentido de os governos criarem equipas próprias de

especialistas nesta matéria.

48. Os projectos de PPPs significam, em geral, esquemas bastante

complexos, por isso, morosos e de elevado custo, sobretudo quando falta

experiência. Este problema de organização é também um problema

económico (problema de custos de organização) que se junta ao custo de

financiamento privado como mais um elemento que a priori prejudica a

poupança das PPPs. Para alguns autores, os elevados custos de organização

devem-se aos conflitos de interesse entre quatro grandes actores: adjudicante,

candidato, financiador e assessores, considerando que, por vezes, estes

últimos têm mesmo interesse numa negociação complexa para justificar altas

comissões.

49. As PPPs introduzem uma outra questão de difícil resolução. Se, por

um lado, os elevados custos de organização de uma parceria levam a que

Page 364: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

336

esta só compense a partir de determinada escala – 20 milhões de libras,

segundo o Governo britânico (HM Treasury, 2006), por outro, a escala afecta a

concorrência – quanto maior a escala de um projecto, menor a concorrência.

O debate sobre o bundling é uma expressão mais específica, na esfera

funcional, dos problemas de escala vs. concorrência. O bundling é a

concentração no parceiro privado do grosso das etapas de produção de um

serviço, normalmente desde a concepção até à exploração. Isso pode

restringir a tarefa a um número muito limitado de privados com grandes

recursos, aniquilando a concorrência e os seus benefícios. A esta luz, a

contratação pública tradicional, com a separação de etapas, surge até como

mais concorrencial.

50. Num projecto de parceria público-privada, o Estado transfigura-se de

provedor directo de bens e serviços (à luz da contratação pública tradicional)

em regulador dos serviços de utilidade pública, o que impõe atenções

acrescidas em sede de fiscalização e controlo da execução dos contratos de

PPP, por parte do parceiro público, potenciando, assim, as vantagens que são

genericamente atribuídas às parcerias com privados, como, por exemplo, a

maior eficiência destes. Esta questão assume particular relevância quando

analisada conjuntamente com uma outra crítica frequente às PPP: a da

transferência dos quadros técnicos qualificados do sector público para o sector

privado e consequente desguarnecimento do Estado de conhecimentos

especializados. Todas as recomendações salientam, como vimos, a

necessidade de uma adequada fiscalização por parte do Estado do

desempenho do parceiro privado, necessitando, para o efeito, de

conhecimentos técnicos adequados.

51. Muitas das questões, acima enunciadas, valem certamente para o

caso português. Ao criar, na lei, a figura das parcerias público-privadas, o

legislador português estabelecia três objectivos essenciais: concretização das

politicas públicas sem aumento da despesa pública, maior eficiência na

Page 365: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

337

afectação dos recursos públicos e melhoria dos serviços. Em que medida tais

objectivos estarão ou virão a ser concretizados? Uma efectiva avaliação, com

recurso a metodologias adequadas, dos contratos de parceria em curso dar-

nos-ia respostas mais concretas, embora sempre parciais, dada a longa

duração destes contratos. Contudo, para que tais objectivos efectivamente

ocorram, é fundamental, ter em conta, na prática, um conjunto de aspectos,

muitos deles constantes dos pareceres do Tribunal Contas, de que demos

conta no Capítulo II, nomeadamente, a necessidade de melhor preparação

dos projectos de PPP, enfatizando a importância da definição prévia dos

objectivos, da justificação da prioridade do projecto, da viabilidade orçamental

numa perspectiva de longo prazo e da avaliação de todos os custos indirectos;

da clara definição contratual quanto à partilha de riscos; da necessidade de

diminuir a excessiva dependência de consultores externos; e de criar

adequadas e sustentadas linhas de orientação. O Tribunal de Contas

considera, ainda, imprescindível implementar um sistema metódico, regular e

público que identifique, estude, recolha e divulgue a experiência adquirida ao

longo dos vários processos de parceria público-privadas.

II. Algumas Recomendações

A análise comparada de diferentes experiências, quer de influência

anglo-saxónica, quer da Europa Continental mostra que diferentes governos

consideram o recurso às parcerias público-privadas como uma via adequada

para ultrapassar os constrangimentos de vária ordem, que acima enunciámos.

Mas, a análise comparada mostra, também, que esta é uma matéria que

levanta muitas questões e suscita preocupações de diversa natureza,

circunstância que tem levado as autoridades públicas a um maior investimento

no seu conhecimento, procurando, não só analisar outras experiências,

sistematizar processos de boas práticas, produzir orientações e alterações

legais, mas também apostar na criação de organismos públicos que possam

fomentar o conhecimento especializado em várias vertentes (económico-

financeira, jurídica, de engenharia, etc.).

Page 366: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

338

A ausência, em geral, de uma política de monitorização exigente e

independente deste tipo de contratos, as dificuldades de realização dessa

monitorização, quer pela sua complexidade, exigindo, por exemplo, um

adequado sistema de custo público comparado, quer pelo facto de se tratar de

contratos com um longo ciclo de vida, sem que ainda se conheçam

experiências com o ciclo do contrato completo, leva a que muitos autores

considerem que a decisão de opção por uma parceria público-privada para o

desenvolvimento de determinado serviço público, seja uma decisão

eminentemente política.

O estudo que se apresenta neste relatório permite conhecer, não só os

sectores mais relevantes de utilização das PPPs e, concretamente, as áreas

em que se recorre a esta figura no sector da justiça e o tipo e amplitude destes

contratos em vários países, mas também alguns problemas que emergiram

com a sua utilização, as medidas que têm vindo a ser desenvolvidas para os

ultrapassar, bem como recomendações de vária ordem no sentido de ser

possível, de facto, concretizar políticas públicas sem aumento de despesa

pública, com maior eficiência na afectação de recursos públicos e efectiva

melhoria dos serviços.

Assim, à luz da investigação realizada, parecem-nos adequadas as

seguintes recomendações de carácter geral, admitindo-se que, algumas delas,

já estejam a ser tidas em consideração.

a) A análise comparada mostra que o sector da justiça é, em geral, um

dos sectores em que a utilização de parcerias público-privadas é mais recente

e menos relevante. E é mais relevante no sistema prisional que nos tribunais.

Em muitos países estão a iniciar-se as primeiras experiências-piloto. A

utilização de parcerias público-privadas na área da justiça está a ser

considerada, um pouco por todo o lado, uma potencial via para o sector,

sobretudo para a construção ou renovação de infra-estruturas, tendo em conta

que as modalidades de contratação tradicional não permitem ultrapassar os

Page 367: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

339

constrangimentos existentes, determinando a impossibilidade de dotar o

serviço público de infra-estruturas necessárias e adequadas.

b) As especificidades do sector da justiça, nomeadamente a natureza

dos seus agentes, as políticas que desenvolve e as características da procura

que lhe é dirigida fazem com que, além dos serviços relacionados com o

exercício da função judiciária, que sempre estariam excluídos,

tendencialmente não seja aconselhado o alargamento dos contratos de PPPs

à prestação de serviços conexos, a não ser de serviços que não tenham

relação directa com a actividade nuclear desenvolvida, designadamente

serviços de limpeza, de lavandaria, de cafetaria. O objecto das parecerias

deve, assim, limitar-se, sobretudo, à construção, à renovação/alargamento de

edifícios e à sua manutenção.

c) Considera-se fundamental a definição de uma estratégia global para o

sector, quer considerando as infra-estruturas necessárias, obrigando a um

levantamento de todas as necessidades públicas e à definição de prioridades,

quer considerando as vias a seguir (modalidade de contratação tradicional ou

PPP) para satisfazer essas mesmas necessidades, procurando, assim, evitar-

se os problemas ocorridos em outros sectores.

d) Deverão identificar-se de forma muito precisa as vantagens que o

modelo comporta para o parceiro público relativamente a outras formas

alternativas de alcançar os mesmos fins. Nesse sentido, os estudos e

avaliações efectuadas deverão especificar, de forma o mais detalhada

possível, os custos, directos e indirectos, e as vantagens que a parceria traz,

tanto para o Estado, como para o parceiro público. Deverão, por isso, ser

efectuados estudos económicos e financeiros que projectem, na medida do

possível, as várias opções possíveis de concretização das finalidades que se

pretendem atingir.

Page 368: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

340

Tal como acontece em outros países, um dos instrumentos essenciais é

a existência, para o sector, de um sistema de custo público comparado.

e) A definição de uma estratégia global é, também, importante por razões

de escala e de concorrência. Um dos problemas que a utilização de PPPs

levanta decorre da dificuldade em optimizar «escala» e «concorrência». Os

projectos têm que ser suficientemente dimensionados para serem atractivos

aos parceiros privados e gerarem concorrência (como vimos, é frequente os

governos recorrerem a uma parceria para a construção ou reparação de vários

edifícios), mas não em demasia que impeça essa mesma concorrência,

considerando a capacidade empresarial. Deve, assim, no âmbito da

preparação do processo ser feita uma avaliação do mercado, identificando

potenciais interessados. A análise das condições de mercado deverá sempre

ser efectuada globalmente, de forma que permita um conhecimento profundo

do mercado, levando em conta os princípios subjacentes à concorrência, não

privilegiando qualquer grupo ou interesse instalado. Deverá, ainda, levar-se

em conta o facto de o mercado nacional ser um mercado global e,

especificamente um mercado europeu.

f) A rigorosa avaliação prévia de um conjunto de factores antes do

lançamento da parceria é, como mostra a análise comparada e advertem

todas as recomendações, condição central do sucesso de determinado

contrato de PPP. Os fins de interesse público subjacentes à parceria devem

ser identificados de forma precisa no início do processo, condicionando toda a

actuação da administração durante o processo de preparação, avaliação e

lançamento da parceria. Acresce que as finalidades e interesses públicos que

sejam identificados devem sempre pressupor o cumprimento das normas de

programação financeira plurianual constantes da lei de enquadramento

orçamental;

Page 369: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

341

g) A avaliação prévia deve demonstrar que o recurso à PPP conduz a

uma efectiva poupança para o sector público (value for money), garantindo-se

que o potencial valor que possa ser gerado seja efectivamente transferido

para o Estado e utilizadores do serviço público.

h) Todos os encargos e responsabilidades dos parceiros que decorrem

de um determinado projecto de PPP devem ser rigorosamente discriminados,

nomeadamente quanto à sua natureza, à sua extensão e a quem devem ser

imputados. No caso dos encargos a assumir pela entidade pública devem ser

detalhadamente especificados com todas as consequências que importem em

termos de responsabilização futura. Merece especial destaque a identificação

das obrigações financeiras resultantes da parceria. Nesta avaliação não se

pode perder de vista o efeito inter-geracional deste tipo de contratos que, pela

sua longa duração, podem afectar futuros orçamentos e investimentos

públicos.

i) Pelas razões que deixámos enunciadas ao longo deste relatório, e

como resulta das conclusões supra, a distribuição do risco é uma questão

central num contrato de parceria público-privada. De uma correcta e eficaz

distribuição do risco depende o sucesso da parceria, mas também a efectiva

poupança do parceiro público e, no caso dos países da União Europeia, a

contabilização ou não de determinado activo nas contas públicas. Todas as

questões relativas à distribuição do risco devem constar expressamente, e de

forma clara, do clausulado do contrato. O presente estudo dá vários exemplos

de partilha do risco entre os parceiros. Deve ser ponderada a utilização do

método francês, construindo-se para o sector e, especificamente para cada

contrato, uma matriz de riscos o mais detalhada possível.

j) Deve, igualmente, ser dada especial atenção às cláusulas definidoras

da penalização do parceiro privado em caso de incumprimento das suas

obrigações decorrentes da parceria, designadamente das relativas à

Page 370: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

342

disponibilidade da infra-estrutura pelo período de duração do contrato em

condições que permitam potenciar a qualidade de prestação do serviço

público. Aquelas cláusulas são, como demonstrámos no Capítulo III, também

importantes para a aplicação das regras do Eurostat.

l) A eficácia da avaliação prévia depende do conhecimento profundo e

especializado da área a desenvolver. Deverá, por isso, o sector assegurar a

existência de técnicos especializados independentes nas várias vertentes

relacionadas com a parceria e que possam emitir os pareceres adequados de

forma unicamente técnica e de acordo com os conhecimentos mais actuais da

arte.

Caso não seja possível efectuar a avaliação técnica por técnicos

especializados próprios, no processo de consulting a efectuar deverá

observar-se rigorosamente o disposto na lei, quer no que respeita à

fundamentação da necessidade de escolha dos consultores, quer ao processo

de escolha, quer ainda quanto aos encargos que isso comporta para o

Estado/parceiro público. Deverão impor-se regras e cláusulas que

salvaguardem a confidencialidade da informação tratada como também que

impeçam a prestação de serviços idênticos aos parceiros privados durante um

período suficientemente longo para que se não criem quaisquer suspeições ou

conflitos de interesses. De igual modo, se deverão controlar essas situações

através do impedimento de situações de subcontratação de consultores.

m) Igual recomendação deve ser tida em conta no que respeita à

fiscalização e controlo do contrato de parceria e da prestação das obrigações

do parceiro privado. Independentemente da fiscalização e controlo feita por

entidades oficiais externas, como o Tribunal de Contas, o sector da justiça

deve criar, à semelhança do que está acontecer em outros sectores e em

outros países, a sua própria task force especializada de acompanhamento dos

contratos de PPPs que venham a ser celebrados;

Page 371: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Conclusões e Recomendações

343

n) Independente da fiscalização e controlo sectorial, deve, no

cumprimento da lei, no que respeita à fiscalização e acompanhamento global,

para além da entidade designada pelo Ministro das Finanças, ser comunicado

ao Tribunal de Contas, como entidade que controla as contas públicas do

Estado, todo o processo de modo a que o mesmo possa a ser acompanhado

durante toda a sua execução.

o) Decorre da análise comparada que os tipos de contratos mais

frequentes no sector da justiça implicam que a propriedade sobre a infra-

estrutura seja transferida para o parceiro público no final do contrato. Por

várias razões, quer decorrentes da natureza do serviço público, quer de

efectiva poupança para o Estado, parece aconselhável que assim seja. No

caso dos países da União Europeia, esta circunstância pode implicar a

inscrição do activo nas contas públicas. Para que tal não ocorra, é

fundamental, como acima referimos, que se tenha em atenção o clausulado

quanto à distribuição do risco e quanto às penalidades em caso de não

cumprimento por parte do parceiro privado.

p) A comissão de avaliação das propostas na avaliação quantitativa dos

encargos para o parceiro público ou para o Estado, para além de todos os

elementos que constam no artigo 9º nº 2 do Decreto Lei nº 86/2003 – e que

deverá fazer de uma forma especificada e minuciosa em relação a todas as

propostas – deve, assim, levar em consideração e proceder a uma correcta

avaliação do impacto das propostas em relação às normas europeias relativas

ao impacto das PPP nas contas públicas estabelecidas pelo EUROSTAT.

q) A comportabilidade dos encargos globais estimados, nomeadamente

para a parceiro público deve ser profundamente ponderada e apreciada,

permitindo uma maior legitimação política da decisão.

Page 372: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante
Page 373: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante
Page 374: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Anexo 1 As PPPs no sector da justiça (Reino Unido, República da Irlanda, Austrália, França, Bélgica e Espanha)

PPPs no sector da justiça

Países Legislação

específica

Principais

organismos de

apoio, controlo e

fiscalização

Sectores/áreas de

intervenção

mais relevantes

Projectos em

curso Tipo de contratos Duração média

Reino Unido

- Sem legislação

específica

- Orientações do Hm

Treasury

- Office of

Government

Commerce

- National Audit Office

- Partnerships UK

- PFI Operational

Taskforce

- 4P´s

- Obras públicas

(transportes, redes

viárias e ferroviárias,

pontes e túneis)

- Educação

- Saúde

- Habitação social

- Sistemas de

tecnologias de

informação

- Centros de lazer

- Ambiente

- Segurança

(esquadras de polícia

e quartéis de

bombeiros,

equipamento militar)

- Justiça

- 9 tribunais

- 10 estabelecimentos

prisionais

- 4 centros de treino p/

jovens delinquentes

PFI/PPP

Contratos de DBFO 25 anos

345

Page 375: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

PPPs no sector da justiça

Países Legislação

específica

Principais

organismos de

apoio, controlo e

fiscalização

Sectores/áreas de

intervenção

mais relevantes

Projectos em

curso Tipo de contratos Duração média

República da

Irlanda

Embora não

regulamente as PPPs

de forma exclusiva e

global, existe um

diploma de 2002

- National

Development Finance

Agency

- Central PPP Unit

- PPP Units

- Obras públicas

(transportes, redes

viárias e ferroviárias e

pontes)

- Educação e ciência

- Saúde e infância

- Ambiente

- Património

- Administração local

- Justiça

- 2 projectos relativos

a vários tribunais

- 2 estabelecimentos

prisionais

DBFM DBFOM

25 anos

Austrália

- Sem legislação

específica

- Orientações e

princípios contratuais

standard dos

governos regionais

- Normas específicas

para grandes

projectos

- Ministérios das

Finanças

- National PPP Forum

- Transportes

- Água e saneamento

- Educação

- Saúde

- Segurança pública

- Defesa

- Habitação social

- Sistemas de

informação

- Justiça

- 3 projectos relativos

a tribunais e

esquadras de polícia

- 2 projectos relativos

a estabelecimentos

prisionais

DBFO 25 anos

347

Page 376: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

PPPs no sector da justiça

Países Legislação

específica

Principais

organismos de

apoio, controlo e

fiscalização

Sectores/áreas de

intervenção

mais relevantes

Projectos em

curso Tipo de contratos Duração média

França

Legislação vária

aplicável a diversos

tipos de contrato

- Mission d´Appui à la

Réalisation de

Contrats de

Partenariat (MAPPP)

- Institut de la Gestion

Déléguée

- Agence de Maîtrise

d´Ouvrage des

Travaux du Ministère

de la Justice

(AMOTMJ)

- Centre d’Expertise

Français pour

l’Observation des

Partenariats Public-

Privé (CEFO-PPP)

- Transportes

- Segurança interna

- Saúde

- Justiça

-Projectos relativos a

11 estabelecimentos

prisionais (10

projectos englobados

em 3 lotes);

- 2 tribunais

Vários tipos de

contratos,

maioritariamente

contratos de parceria

(CP)

25 a 30 anos

349

Page 377: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

PPPs no sector da justiça

Países Legislação

específica

Principais

organismos de

apoio, controlo e

fiscalização

Sectores/áreas de

intervenção

mais relevantes

Projectos em

curso Tipo de contratos Duração média

Bélgica

- Sem legislação

específica

de nível federal

- Legislação

específica na Região

flamenga

- Centre de

Connaissance

flamand de PPP

- Obras públicas

(aeroportos, redes

viárias) - Transportes

-Habitação social

- Água

- 1 tribunal

Informação não

disponível

Parceiro público c/

opção de compra no

fim do contrato

27 anos

Espanha

Legislação específica

a nível central e a

nível das

Comunidades

Autónomas

- Ministérios do sector

- Departamentos

sectoriais das

Comunidades

Autónomas

- Grupo de Peritos

para a Supervisão

Financeira

- Foro PPP

- Sociedad Estatal de

Infraestruturas del

Transporte Terrestre

(p/ o sector dos

transportes)

- Obras públicas

(aeroportos, redes

viárias)

- Transportes

- Saúde

- Justiça

1 estabelecimento

prisional

- 2 projectos relativos

a tribunais

-Informação não

disponível

- Um dos projectos

relativo a tribunais

recorre também ao

financiamento público

30 anos

(estabelecimento

prisional)

Fonte: OPJ

351

Page 378: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Anexo 2 As PPPs no sector da justiça em outros países da Europa

PPPs na Justiça Fase dos projectos

País Tribunais Prisões

Em discussão

Em curso

Alemanha x x

Áustria x x

Grécia x x x

Holanda x x

Hungria x x

Itália x X

Polónia x x

República Checa x x x

Noruega x x

Dinamarca x x

Fonte: OPJ

Adaptação de Bult-Spiering e Dewulf (2006), Deringer (2005), DLA Piper (2007), ICLG (2007), Parlamento Europeu (2006), PPP Centrum e PricewaterhouseCoopers (2005).

353

Page 379: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Referências Bibliográficas

355

Referências Bibliográficas

Agence de Maîtrise d’Ouvrage des Travaux du Ministère de la Justice.

2006. «Rapport de 2006». In http://www.amotmj-justice.fr/IMG/pdf/RA_AMO

TMJ _2006.pdf (Agosto 2007).

Baumstark, Luc; Hugé, Albane; Marcadier, Catherine; e, Maubert,

Catherine. 2005. «Partenariats Public-privé et actions locales». In

http://lesrapports.ladocumentationfrancaise.fr/BRP/054000493/0000.pdf (Julho

2007).

Bezançon, Xavier. 2004. 2000 ans d'histoire du partenariat public-privé

pour la réalisation des équipements et services collectifs. Paris: Presses de

l'École Nationale Des Ponts et Chaussées.

Bing, Li, Akintoye, A., Edwards, P. J., e Hardcastle, C. 2005. «The

allocation of risk in PPP/PFI construction projects in the UK», International

Journal of Project Management, 23(1). 25-35.

Bult-Spiering, Miriam e Dewulf, Geert. 2006. Strategic Issues in Public-

private Partnerships: An International Perspective. Oxford, UK: Blackwell Pub.

Campos, Pedro Guedes de. 2007. Comparador Público-Privado no

Sector das Águas em Portugal. Dissertação de Mestrado. Instituto Superior de

Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa. Policopiado.

Centre d´Expertise Français pour l´Observation des Partenariats Public-

Privé. (CEFO-ppp). In http://www.cefoppp.org (Julho 2007).

Page 380: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

356

Chambre de Commerce et d´Industrie de Paris. 2006. «Promouvoir le

développement des partenariats public-privé – Propositions de la CCIP». In

http://www.etudes.ccip.fr/archrap/pdf06/partenariat-public-prive-kre0611.pdf

(Agosto 2007).

Chung, D. 2003. Public Private Partnerships - A Case Study Survey.

Macquarie University. In http://www.ronaldhenderson.org.au/Documents/Public

%20Private%20Partnerships.pdf (Setembro 2007).

Cléret, Christian. 2007. «L’usage des PPP pour les constructions

immobilières de la Justice: mode ou avenir?», Revue du Trésor. In

http://www.amotmj.justice.fr/article.php3?id_article=235 (Agosto 2007).

Comissão Europeia. 2003. European Economy. Public Finances in EMU

2003.

Comissão Europeia. 2004. «Contratos públicos. Livro Verde sobre as

parcerias público-privadas». In http://europa.eu/scadplus/leg/pt/lvb/l22012.htm

(Agosto 2007)

Comité das Regiões. 2005. «Parecer do Comité das Regiões sobre o

“Livro Verde sobre as PPPs institucionalizadas e o direito comunitário em

matéria de contratos públicos e concessões”, (2005/C 71/05)», Jornal Oficial

da União Europeia, 22/03/2005, C 71/19 a C71/21.

Comité Económico e Social Europeu. 2005. Parecer do Comité

Económico e Social Europeu sobre “O papel do BEI nas parcerias público-

Page 381: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Referências Bibliográficas

357

privadas (PPP) e consequências para o crescimento”, (2005/C 234/12), Jornal

Oficial da União Europeia, 22/09/2005, C 234/52 a C 234/59.

Conseil Economique et Social de la Région Wallonne. 2006. «Avis A.

812. “Sur les partenariats public-privé”». In http://www.cesrw.be/pics/2006

4251112 45xIU.pdf (Outubro 2007).

Corry, Dan. 2004. «New Labour and PPPs», Public-Private Partnerships.

Policy and Experience. Basingstoke: Palgrave Macmillan. 24-36.

Cossalter, Philippe. 2001 Introduction à la Private Finance Initiative. In

http://www.fondation-igd.org/pdf/8.pdf (Agosto 2007).

Counihan, Anne. 2004. «Ireland´s Infrastructure – The Role of the

National Development Finance Agency and Public Private Partnerships».

National Development Finance Agency. Budapeste. In http://www.ndfa.ie/Pu

blications/Hungary_presentations.pdf (Julho 2007).

Department for Constitucional Affairs. Public Private Partnerships and the

Private Finance Initiative. In http://www.dca.gov.uk/courtbuild/courtbuildfr2.htm

(Julho 2007).

Deringer, Freshfields Bruckaus. 2005. “PPP in Europe: an overview”. In

http://www.freshfields.com/publications/pdfs/2005/13655.pdf (Outubro 2007).

DLA Piper’s PPP Team. 2006. “European PPP Report 2007”. Madrid. In

http://www.dlapiper.com/files/Publication/34d8ee56757a423881af0102bc35cc7

Page 382: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

358

9/Presentation/PublicationAttachment/60378925ce10429988e21155edfdb670/

European-PPP-Report2007.pdf (Outubro 2007).

Faulkner, Keith. 2004. «Public-Private Partnerships» in Ghobadian, Abby

et al. Public-Private Partnerships. Policy and Experience. Basingstoke:

Palgrave Macmillan. (65-70).

Fitzgerald, P. 2004. Review of Partnerships Victoria Provided

Infrastructure.

Final Report to the Treasurer. Melbourne: Growth Solutions Group. In

http://ww

ww.partnerships.vic.gov.au. (Outubro 2007).

Flamme, Philippe. 2005. «Quel est l’état des lieux des partenariats public-

privé en Belgique?», Bureau d’Etudes Flamme S.P.R.L. In

http://www.flamme.be/site/fr/actualite/partenariatspublicprive (Outubro 2007).

ForoPPP. Madrid. In http://www.foroppp.com/ (Setembro 2007).

Ghobadian, Abby; Gallear, David; O'Regan, Nicholas e Viney, Howard

(Orgs.). 2004. Public-private Partnership: Policy and Experience. Basingstoke:

Palgrave Macmillan.

Gil, José Basilio Acerete. 2004. «Financiación y gestión privada de

infraestructuras y servicios públicos. Asociaciones público-privadas. Instituto

de Estudios Fiscales». In http://www.ief.es/Publicaciones/Investigaciones/Inv

es2004_02.pdf (Julho 2007).

Page 383: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Referências Bibliográficas

359

Goldsmith, Hugh. 2007. «Specification, Innovation and Value for Money

in EU PPPs». European Investment Bank. Parpublica Workshop, Lisboa. In

http://www.parpublica.pt/docs/PPP20070705slidesHughGoldsmithSpecification

InnovationVfM.pdf (Setembro 2007).

Gomes, Conceição. 2001. A administração e gestão da justiça – Análise

comparada das tendências de reforma. Coimbra: Centro de Estudos Sociais /

Observatório Permanente da Justiça.

Gonçalves, Pedro. 2005. Entidades Privadas com Poderes Públicos.

Colecção teses. Coimbra: Almedina.

Grimsey, Darrin e Lewis, Mervin (Orgs.). 2005. The Economics of Public

Private Partnerships. UK/USA: Edward Elgar.

Grimsey, Darrin e Lewis, Mervyn. 2004. Public Private Partnerships: The

Worldwide Revolution in Infrastructure Provision and Project Finance.

Cheltenham: Edward Elgar.

Grout, Paul A. 1997. «The economics of the Private Finance Initiative»,

Oxford Review of Economic Policy, 13(4). 53-66. In Grimsey, Darrin e Lewis,

Mervyn K. 2005. The Economics of Public Private Partnerships. UK/USA: The

International Library of Critical Writings in Economics 183. (332-345).

Grout, Paul A. 2003. «Public and private sector discount rates in public-

privata partnerships», Economic Journal, 113(486). C62-C68. In Grimsey,

Darrin e Lewis, Mervyn K. 2005. «The Economics of Public Private

Partnerships», UK/USA: The International Library of Critical Writings in

Economics, 183. (422-428).

Page 384: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

360

Hall, John. 1998. «Private opportunity, public benefit?», Fiscal Studies,

19(2). 121-140. In Grimsey, Darrin e Lewis, Mervyn K. 2005. «The Economics

of Public Private Partnerships», UK/USA: The International Library of Critical

Writings in Economics, 183. (360-379).

Hammerschmid, Gerhard. 2005. «Le pénible parcours des partenariats

public-privé en Autriche», Télescope. Revue d'analyse comparée en

administration publique. 12, Nº 1. 65-79.

Hart, Oliver. 2003. «Incomplete contracts and public ownership: remarks,

and an application to public-private partnerships», Economic Journal,

113(486). C69-C76. In Grimsey, Darrin e Lewis, Mervyn K. 2005. «The

Economics of Public Private Partnerships», UK/USA: The International Library

of Critical Writings in Economics 183. (295-302).

HM Treasury. 2003. «PFI: Meeting the Investment Challenge». London:

HM Treasury. In http://www.hm-treasury.gov.uk/media/F/7/PFI_604a.pdf (Julho

2007).

HM Treasury. 2006. «PFI: Strengthening Long-Term Partnerships».

London: HM Treasury. In http://www.hm-treasury.gov.uk/media/7/F/bud06_pfi

_618.pdf (Julho 2007).

HM Treasury. 2007. «Standardisation of PFI Contracts». Version 4.

London: HM Treasury. In http://www.hm-treasury.gov.uk./documents/pub

lic_private_partnerships/ppp_standardised_contracts.cfm (Julho 2007).

Page 385: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Referências Bibliográficas

361

HM Treasury. «Project Review Group - Process and Code of Practice».

London: HM Treasury. In http://www.hm-treasury.gov.uk./media/B/B/PRG_

Code_of_Practice_v2.0.pdf (Julho 2007).

HM Treasury. «Public Private Partnerships». London: HM Treasury. In

http://www.hmtreasury.gov.uk/documents/public_private_partnerships/ppp_ind

ex.cfm (Julho 2007).

HM Treasury. «Public Private Partnerships. The Government´s

Approach». The Stationery Office: London. London: HM Treasury. In

http://www.hm-treasury.gov.uk/mediastore/otherfiles/ppp2000.pdf. (Julho

2007).

Hodge, Graeme A.; Greve, Carsten. 2007. «Public-Private Partnerships:

An International Review of Performance», Public Administration Review. 67

(3). 545–558.

Hood, Christopher. 1995. «The “New Public Management” in the 1980s:

variations on a theme», Accounting, Organizations and Society, 20(2/3). 93-

109. In Grimsey, Darrin e Lewis, Mervyn K. 2005. «The Economics of Public

Private Partnerships», UK/USA: The International Library of Critical Writings in

Economics 183. (43-59).

Infra-news. 2006. «Australian PPPs ride the storm». In

http://www.nzcid.org.nz/downloads/Australian%20PPPs%20ride%20the%20sto

rm%20-%20Infranews%20Aug%2006.pdf (Setembro 2007).

Infrastrucuture Partenerships Australia – Case Studies. S/ data.

Policopiado.

Page 386: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

362

Institut de la Gestion Déléguée. 2006. «Gouvernance, partenariat et

financement pour les services essentiels». In http://www.fondation-

igd.org/pdf/00_francais.pdf (Agosto 2007).

Institut de la Gestion Déléguée. 2006. «Le financement des PPP en

France». In http://www.fondation-igd.org/pdf/rapport_ppp.pdf (Agosto 2007).

International Comparative Legal Guide to: PFI/PPP Projects 2007.

Londres: Global Legal Group. In www.iclg.co.uk (Julho 2007).

International Financial Services. 2007. PFI in the UK & PPP in Europe.

Londres. In http://www.ifsl.org.uk/uploads/PB_PFI_2007.pdf (Setembro 2007).

International Monetary Fund. 2004. «Public-Private Partnerships». In

http://www.servicesforall.org/html/Privatization/IMF_Public_Private_Partnership

s.pdf (Setembro 2007).

Irish Government. Finance website. Dublin: Irish Government. In

http://www.finance.gov.ie (Julho 2007).

Irish Government. Public Private Partnership (PPP) website. Dublin: Irish

Government. In http://www.ppp.gov.ie (Julho 2007):

- Briefing Note Number 2: The development of PPP in Ireland

- Briefing Note Number 3: Public Private Partnership and the National

Development Plan 2002-2006

- Briefing Note Number 5: PPP Programme (May 2000)

Page 387: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Referências Bibliográficas

363

- Briefing Note Number 13: The Framework for Public Private Partnership

in Ireland

- Framework for Public Private Partnerships

- Assessment for Projects for Procurement as Public Private Partnership

NDFA Annual Repport 2006

- National Development Plan 2000-2006

- Executive Summary of the National Development Plan 2007-2013

- Guidelines for the Provision of Infrastructure and Capital Investments

through Public Private Partnerships: Procedures for the Assessment, Approval,

Audit and Procurement of Projects

- Central Guidance 3: Guidelines for the Reporting Arrangements, Role

and Function of a Process Auditor in a Public private Partnership Project

- New Technical Note: Compilation of a Public Sector Benchmark

- Guidelines for the Provision of Infrastructure and Capital Investments

through Public Private Partnerships: Procedures for the Assessment, Approval,

Audit and Procurement of Projects

- Assessment of Projects for Procurement as Public Private Partnership

- Guidelines for the Appraisal and Management of Capital Expenditure

Proposals in the Public Sector

- Briefing Note Number 14: The National Development Finance Agency

(NDFA)

- Interdepartmental Group on Public Private Partnership – Framework for

PPP Awareness and Training: Background and Explanatory Note

- Strategic Plan 2005-2008” – Courts Service

- Press Release do Courts Service de 26.07.2006 “Once in a Century

Investment in a Courthouse – Final details of the €120 million Dublin Criminal

Courts Complex Revealed”,

- PPP Projects

Page 388: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

364

- Update on PPP Projects, June 2007

- Briefing on Public Private Partnerships for the Committee of Public

Accounts.

Ireland’s Infrastructure –The Role of the National Development Finance

Agency and Public Private Partnerships. NDFA.

Kay, Martin e Reeves, Eion. 2004. «Making PPPs accountable: the case

of Ireland», Public-Private Partnerships. Policy and Experience. Basingstoke:

Palgrave Macmillan. 71-81.

Klein, Michael. 1997. «The risk premium for evaluating public projects»,

Oxford Review of Economic Policy, 13(4). 29-42. In Grimsey, Darrin e Lewis,

Mervyn K. 2005. «The Economics of Public Private Partnerships», UK/USA:

The International Library of Critical Writings in Economics, 183. (346-359).

Knight, Allen, Fox, Ian. 2004. «Why is it so expensive to bid for PFI

contracts?», Public-Private Partnerships. Policy and Experience. Basingstoke:

Palgrave Macmillan. 189-197.

Linder, Stephen H. 1999. «Coming to terms with the public-private

partnership: a grammar of multiple meanings», American Behavioural

Scientist, 43(1). 35-51. In Grimsey, Darrin e Lewis, Mervyn K. 2005. «The

Economics of Public Private Partnerships», UK/USA: The International Library

of Critical Writings in Economics, 183. (75-91).

Local Government´s Project Delivery Specialist. 4 P´s. In http://www.4p

s.gov.uk/PageContent.aspx?id=28&tp= (Julho 2007).

Page 389: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Referências Bibliográficas

365

Maguire, G., Malinovitch, A. 2004. «Development of PPPs in Victoria»,

Australian Accounting Review, 14, n.º 2. 27-33.

Majza, Béatrice e Bayard, Serge. 2005. «Le contrat de paternariat et le

risque», Contrats Publics, nº 56.

McQuaid, Ronald W. 2000. «The theory of Partnerhsip: why have

partnerships?», Public-Private Partnerships. Theory and Practice in

International Perspective. 9-35.

Merna, A., Smith, N. J. (1996) Privately Financed Concession Contract.

Hong Kong: Asia Law and Practice.

Miller, R., Lessard, D. R. 2000. The Strategic Management of Large

Engineering Projects: Shaping Institutions, Risks, and Governance.

Cambridge, Mass.: MIT Press.

Minister of State at the Department of Finance - Cullen, Martin. 2001.

Intervenção proferida no 2nd Annual Public Private Partnership / Private

Finance Initiative Global Summit. In http://www.finance.gov.ie/vi01ewdoc.asp

?DocID=1250.

Ministerio de Fomento. In http://www.fomento.es/mfom/lang_castellano/

default.htm/ (Setembro 2007).

Mission d’Appui à la réalisation des contrats de partenariat (MAPPP). In

http://www.ppp.minefi.gouv.fr/ (Julho 2007).

Page 390: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

366

National Assembly for Wales. «Private Finance Information Service». In

http://www.pfu.wales.gov.uk/scripts/pfilist.asp (Agosto 2007).

Osborne, Stephen P. (Org.). 2000. Public Private Partnerships: Theory

and Practice in International Perspective. London. Routledge.

Owen, G. e Merna, A. 1997. «The Private Finance Initiative»,

Engineering, Construction and Architectural Management, 4 (3) (163-177). In

Grimsey, Darrin e Lewis, Mervyn K. 2005. «The Economics of Public Private

Partnerships», UK/USA: The International Library of Critical Writings in

Economics, 183. (317-331).

Parker, David e Hartley, Keith. 2003. «Transaction costs, relational

contracting and public-private partnerships: a case study of UK defence»,

Journal of Purchasing and Supply Management, 9(3). 97-108. In Grimsey,

Darrin e Lewis, Mervyn K. 2005. «The Economics of Public Private

Partnerships», UK/USA: The International Library of Critical Writings in

Economics 183. (303-314).

Parlamento Europeu. 2006. Public-Private Partnerships National

Experiences in the European Union. DG Intrenal Policies of the Union. In

http://www.europarl.europa.eu/comparl/imco/studies/0602_ppp_briefingnote_e

n.pdf (Julho 2007).

Partnerships UK. In http://www.partnershipsuk.org.uk (Agosto de 2007).

Page 391: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Referências Bibliográficas

367

Partnerships Victoria. County Court Project Summary. In

http://www.partnerships.vic.gov.au/CA25708500035EB6/0/697F64ABEF277E0

1CA2570DC001311CD. S/ data. (Agosto 2007).

Partnerships Victoria. Victorian Correctional Facilities Project Summary.

In http://www.partnerships.vic.gov.au/CA25708500035EB6/0/7931 755EAE199

A4ACA2570D900014D66?OpenDocument. S/ data. (Agosto 2007).

Peters, B. G. 1997. With a little help from our friends: public-private

partnerships as institutions and instruments. In Partnerships in Urban

Governance: European and American Experiences. London: Macmillan. 11-33.

Philippe, Denis e Nihoul, Pierre. 2006. «Les contrats de partenariat entre

le secteur public et le secteur privé en Belgique. Aperçu de droit français». In

http://www.philippe-law.com/Upload/File/Contrats_partenariats.pdf (Outubro

2007).

Pombeiro, António. 2003. As PPP/PFI: parcerias público-privadas e a sua

auditoria. Lisboa. Áreas.

Portal do Governo. Concorrência e regulamentação nos transportes

terrestres de passageiros. 2005. In http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Go

vernos/Governos_Constitucionais/GC17/Ministerios/MOPTC/Comunicacao/Int

ervencoes/20050908_MOPTC_Int_SET_Transportes_Passageiros.htm (Julho

2007).

PPP Centrum. Pilot projects. República Checa. In http://www.pppcen

trum.cz/ (Setembro 2007).

Page 392: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

368

PPP Forum. Austrália. In http://pppforum.gov.au (Agosto de 2007).

PriceWaterhouseCoopers. 2004. Developing Public Private Partnerships

in New Europe. In http://www.pwc.com/Extweb/service.nsf/docid/6FDD654B

E69A4B3385256BDC00527C30/$file/pwc_PPP_report_final.pdf (Setembro

2007).

PriceWaterhouseCoopers. 2005. «Delivering the PPP Promise», A

Review of PPP Issues and Activity. In www.pwc.com/igu/ppp_promise/

(Outubro 2007).

PriceWaterhouseCoopers. S/ data. La solución de la Cooperación

Publico Privada. Realidad y futuro de las infraestruturas de Europa. In

www.pwc.com/es (Outubro 2007).

Project Review Group - Process and Code of Practice. In http://www.hm-

treasury.gov.uk./media/B/B/PRG_Code_of_Practice_v2.0.pdf (Setembro

2007).

Redwood, John. 2004. «Public-Private Partnerships and Private Finance»

in Ghobadian, Abby et al. Public-Private Partnerships. Policy and Experience.

Basingstoke: Palgrave Macmillan. (14-23).

Régie des Bâtiments. In http://www.buildingsagency.be/index2_fr.cfm

(Outubro 2007).

Reijniers, J. J. A. M. 1994. «Organization of public-private partnership

projects: the timely prevention of Pitfalls», International Journal of Project

Page 393: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Referências Bibliográficas

369

Management, 12(3). 137-142. In Grimsey, Darrin e Lewis, Mervyn K. 2005.

«The Economics of Public Private Partnerships», UK/USA: The International

Library of Critical Writings in Economics 183. (196-201).

Verzekeraars, Verbond Van. 2002. Report of the Seminar Public-Private

Partnership. In http://www.coess.org/documents/seminar_public-private_partn

ership.pdf (Agosto 2007).

Rosenau, Pauline V. (Org.). 2000. Public-private Policy Partnerships.

Cambridge, Mass: MIT Press.

Salamon, L. M. 1987. «Partners in public service: the scope and theory of

government-nonprofit relations», The Nonprofit Sector: a Research Handbook.

New Haven. Yale University Press.

Santos, António Carlos; Gonçalves, Maria Eduarda; Marques, Maria

Manuel Leitão. 2004. Direito Económico. Coimbra: Almedina.

Scholten, E. G. 2001. The Monitoring of Risks in Project Financed

Integrated Projects. University of Twente.

Scottish Executive Private Finance Unit. PPP Data Sheet. In

www.scotland.gov.uk/pfi (Julho 2007).

Standard e Poors. 2006. Public Private Partnerships. Global Credit

Survey. London: Standard e Poors.

Page 394: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

370

Starr, Paul. 1988. «The meaning of privatization», Yale Law and Policy

Review, VI(1). 6-41. In Grimsey, Darrin e Lewis, Mervyn K. 2005. «The

Economics of Public Private Partnerships», UK/USA: The International Library

of Critical Writings in Economics, 183. (7-42).

Summary of contracts – Long Bay Forensic and Prison Hospitals privately

financed project. S/ data. Policopiado.

Tomé, Sofia D'Alte. 2007. A nova configuração do sector empresarial do

Estado e a empresarialização dos serviços públicos. Coimbra: Almedina.

Tribunal de Contas. 2005. «Encargos do Estado com as Parcerias

Público Privadas - Concessões Rodoviárias e Ferroviárias», Relatório de

Auditoria n.º 33/05. In http://www.tcontas.pt (Julho 2007).

Tribunal de Contas. 2007. «Auditoria aos Encargos do Estado com as

Parcerias Público-Privadas – Concessões Rodoviárias e Ferroviárias»,

Relatório nº 04/2007, 2ª secção. Lisboa: Tribunal de Contas.

Tribunal de Contas. S/ data. O controlo externo das Parcerias Público-

Privadas (A experiência Portuguesa). In http://www.tcontas.pt (Julho 2007).

Trujillo, José A.; Cohen, Remy; Freixas, Xavier e Sheehy, Robert. 1998.

«Infrastructure financing with unbundled mechanisms», The Financier, 5(4).

10-27. In Grimsey, Darrin e Lewis, Mervyn K. 2005. «The Economics of Public

Private Partnerships», UK/USA: The International Library of Critical Writings in

Economics 183. (258-275).

Page 395: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

Referências Bibliográficas

371

UK Trade & Investment. 2004. How to access UK expertise in Public

Private Partnerships – A brief guide from UK Trade & Investment. In

http://www.ppp.mg.gov.br/download/uk_brasilia.pdf,

https://www.uktradeinvest.gov.uk/ukti/fileDownload/ppp_brouchure.(Portugues

e).pdf?cid=388011 (Julho 2007).

UNISON. 2001. Refinancing. Profiteering from Public Services. In

http://www.unison.org.uk/acrobat/B1062.pdf (Setembro 2007).

UNISON. 2003a. Stitched Up: How the Big Four accountancy firms have

PFI under their thumbs. London. UNISON. In

http://www.unison.org.uk/acrobat/B681.pdf (Setembro 2007).

UNISON. 2004. PFI: Against the Public Interest. Why a 'license to print

money' can also be a recipe for disaster. UNISON. In

http://www.unison.org.uk/acrobat/B1457.pdf (Setembro 2007).

UNISON. 2005. PFI. A Policy built on Sand.. London: UNISON. In

http://www.unison.org.uk/acrobat/B2062.pdf (Setembro 2007).

Vázquez, Pablo. 2006. Copagos, nuevas formas de gestión y PFIs:

Ganar en responsabilidad sanitaria. FEDEA e Universidad Complutense. In

http://www.cesmadrid.es/documentos/dt_001.pdf (Setembro 2007).

Vernon, Philip e Sanders, Jan. 2007. «England & Wales - Ashurst. A

pratical insight to cross-border PFI/PPP Projects work», The International

Comparative Legal Guide to: PFI/PPP Projects 2007. Londres: Global Legal

Group. In www.iclg.co.uk (Julho 2007).

Page 396: Parcerias Público-Privadas e Justiça Uma análise comparada ...opj.ces.uc.pt/pdf/rel_parcerias_publico_privadas_justica.pdf · Figura IV. 2 Esquema de uma PPP australiana respeitante

As Parcerias Público-Privadas. Uma análise comparada de diferentes experiências

372

Williamson, Oliver E. 1975. Markets and Hierarchies, Analysis and

Antitrust Implications: A Study in the Economics of Internal Organization. New

York: Free Press.

Willot, Didier. 2004. Cahiers Industries. n.º 97. 11-18.