PARECER Nº 06/2015 -...
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SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO PARANÁ
COMISSÃO DE DEFESA
DE PRERROGATIVAS DOS DELEGADOS DE POLÍCIA
E DE DIREITOS DOS CIDADÃOS
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PARECER Nº 06/2015
INTERESSADO
Presidente da Comissão de Defesa de Prerrogativas dos Delegados de Polícia e de Direitos dos
Cidadãos
ASSUNTO
Atuação da Polícia Militar na apuração de crimes comuns, por meio da criação de cartórios de
investigação criminal, da lavratura de termo circunstanciado de ocorrência e da condução de
civis a destacamentos militares, ignorando a divisão constitucional de atribuições
EMENTA
Criação, pela Polícia Militar, de cartórios de investigação de crimes comuns, lavratura de
termo circunstanciado de ocorrência e condução de civis a destacamentos militares.
1. As atribuições de polícia judiciária e investigação de crimes comuns incumbem à Polícia
Civil, comandada por Delegado de Polícia, sendo a esfera de atuação da Polícia Militar bem
diversa, qual seja, a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.
2. O discurso contra a impunidade não pode justificar a mitigação irresponsável de direitos
fundamentais e a escancarada afronta à divisão de atribuições. A perseguição do crime pode e
deve ser feita sem necessidade de ultrapassar os limites de atuação dos órgãos estatais.
3. A repartição orgânica de atribuições, o princípio da legalidade e a competência do ato
administrativo impedem que qualquer outro agente público diverso do Delegado de Polícia
exerça a função de Autoridade Policial. Cuida-se de garantia do cidadão, no sentido de que na
investigação criminal os fins não podem justificar os meios e a pessoa investigada não pode ser
colocada na condição de objeto.
4. O conceito legal de Autoridade Policial remete única e exclusivamente ao Delegado de
Polícia.
5. O Delegado de Polícia pertence a uma carreira jurídica, diversamente do miliciano, que
consiste em agente da Autoridade Policial.
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6. Sequer o policiamento ostensivo deve ser realizado pela Polícia Militar, que deve ser
desmilitarizada, segundo recomendações do Conselho de Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas e da Comissão da Verdade, o que também impede que prevaleça um
regime castrense de investigação criminal.
7. O sistema processual penal pátrio não autoriza a Polícia Militar a lavrar termo
circunstanciado de ocorrência, a criar cartórios de investigação de crimes comuns ou a
conduzir civis a destacamentos militares, porquanto a atribuição de apuração de infrações
penais comuns é outorgada ao Delegado de Polícia. Qualquer acordo em sentido contrário
reveste-se de evidente inconstitucionalidade.
8. A lavratura de TCO pelo policial militar, além de acarretar ineficiência do Estado, gera
ilicitude das eventuais provas colhidas, bem como todos os elementos dela decorrentes,
possibilitando a futura condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
9. A atuação do policial castrense à margem do ordenamento jurídico caracteriza, por parte
do executor e mandante, crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade, bem
como improbidade administrativa.
1. RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Defesa de Prerrogativas dos Delegados de
Polícia e de Direitos dos Cidadãos, Dr. Cláudio Marques Rolim e Silva, tomou conhecimento que
desde maio de 2015 as Companhias do 13º Batalhão de Polícia Militar, pertencente ao 1º Comando
Regional da PM, estão a lavrar termo circunstanciado de ocorrência, com o conhecimento do
Presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa, a despeito da divisão
constitucional de atribuições. Como se não bastasse, foi anunciado pelo site do referido parlamentar
que foram criados cartórios nesses destacamentos militares, onde se realizam investigação de crimes
comuns, e para onde são levados civis.
Por se tratar de matéria de alta relevância para a carreira dos Delegados de Polícia e para
o sistema de persecução penal como um todo, gerando reflexos nos direitos fundamentais dos
cidadãos, foi designado este parecerista a fim de analisar os contornos jurídicos do projeto
legislativo à luz da Constituição Federal, dos tratados internacionais de direitos humanos e da
legislação infraconstitucional, bem como do entendimento da melhor doutrina e da jurisprudência,
especialmente dos Tribunais Superiores.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. ATRIBUIÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA E APURAÇÃO DE INFRAÇÕES
PENAIS COMUNS
Tomando como base a distinção entre polícia administrativa e polícia judiciária, temos
que a polícia investigativa possui função de caráter repressivo, abrangendo as funções de polícia
judiciária e de apuração de ilícitos penais. Sua atuação ocorre depois da prática de uma infração
penal e tem como objetivo precípuo colher elementos probatórios e de informação relativos à
materialidade e à autoria do delito, sirvam à acusação ou à defesa.
As atribuições dos órgãos públicos que atuam na persecução penal são elencadas na
própria Constituição Federal, sendo também confirmadas pela legislação infraconstitucional, não
deixando margens para dúvidas de qual é o papel de cada agente público na tarefa de prevenir e
reprimir infrações penais.
A Carta Maior estabelece:
Art. 144. §4º. às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais, exceto as militares.
Em igual sentido prevê o Código de Processo Penal:
Código de Processo Penal, Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas
autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim
a apuração das infrações penais e da sua autoria.
De forma semelhante coloca a Lei da Investigação Criminal, também chamada de Lei do
Delegado de Polícia (em razão de ser esta a autoridade estatal incumbida de conduzir as apurações
criminais):
Lei 12.830/13, Art. 2º. § 1º. Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade
policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial
ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das
circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
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2.2. ATRIBUIÇÃO DE POLÍCIA OSTENSIVA E PRESERVAÇÃO DA ORDEM
PÚBLICA
A função de investigação de crimes comuns pertence à Polícia Judiciária, cabendo à
vetusta Polícia Militar a importante missão de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública,
admitindo-se aos milicianos a apuração apenas dos delitos militares, conforme expressa previsão
constitucional confirmada pela legislação especial:
Constituição Federal, Art. 144. § 5º. às polícias militares cabem a polícia ostensiva
e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das
atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
Código de Processo Penal Militar, Art. 8º Compete à polícia judiciária militar:
a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à
jurisdição militar, e sua autoria;
Decreto-Lei 667/69, Art. 3º. Instituídas para a manutenção da ordem pública e
segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às
Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:
a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças
Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade
competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem
pública e o exercício dos poderes constituídos;
b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas
específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;
O Decreto 88.777/83 define os conceitos de polícia ostensiva e preservação da ordem
pública, sendo fácil perceber que se revelam como atividades absolutamente distintas da
investigação criminal:
Art. 2º Para efeito do Decreto-Lei n. 667, de 2 de julho de 1969, modificado pelo
Decreto-Lei n. 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto-Lei n. 2.010, de 12
de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são estabelecidos os seguintes conceitos:
(...)
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19 - Manutenção da Ordem Pública: é o exercício dinâmico do Poder de Polícia,
no campo da segurança pública, manifestado por atuações predominantemente
ostensivas, visando a prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir eventos que violem a
ordem pública; (...)
27 - Policiamento Ostensivo: ação policial, exclusiva das Polícias Militares, em
cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de
relance, quer pela farda, quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a
manutenção da ordem pública.
2.3. DEVIDA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
A eficácia da intervenção estatal penal não pode estar associada a uma irresponsável
relativização das garantias individuais, uma vez que os direitos fundamentais não consistem em
favores do Estado. Pelo contrário, a observância da carta básica de direitos constitui nada mais do
que irrecusável exigência para o ente público:
Os direitos e garantais fundamentais, na investigação criminal, desempenham uma
função negativa do âmbito de investigação, sobretudo no contexto de descoberta,
pois limitam ou condicionam os meios de obtenção de provas. (...) Em outras
palavras, os direitos e garantias fundamentais atuam como disposições legais de
caráter negativo, na medida em que dizem o que não se pode fazer na investigação
criminal.1
A investigação preliminar, como atividade ligada ao exercício do jus puniendi
estatal, frequentemente invasiva de direitos fundamentais quer do investigado,
quer do ofendido ou de terceiros, deve também observância às regras esculpidas na
Constituição e nas declarações de direitos humanos exaradas em diplomas
internacionais, a fim de que se possa conferir legitimidade ao início da persecução
penal, sem vícios nem ranhuras aos direitos fundamentais do imputado.2
1 PEREIRA, Eliomar da Silva. Teoria da investigação criminal. São Paulo: Almedina, 2010, p. 185.
2 CAVALCANTI, Danielle Souza de Andrade e Silva. A investigação preliminar nos delitos de competência originária
de tribunais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 29.
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A investigação preliminar é o ponto de partida para uma persecução penal bem sucedida,
que persiga o interesse da sociedade de elucidar crimes sem abrir mão do respeito aos direitos
fundamentais dos investigados.
O fundamento da legitimidade da persecução conduzida pelo Estado-Investigador reside
na obediência aos direitos fundamentais dos suspeitos, dentre os quais se inclui a repartição
constitucional de atribuições. A investigação deve se curvar à Constituição, e não vice-versa. Nessa
linha se encontra a explicação da doutrina:
Na prática, em mais de um caso, afigura-se menos importante, até certo ponto, a
aplicação das normas garantísticas à atividade desenvolvida em juízo. O momento
em que várias delas assumem especial relevo é o da investigação policial,
mormente no que concerne a medidas de coerção sobre pessoas ou coisas.3
O dever de investigar com ética impõe que os agentes estaduais, na busca da
elucidação de crimes, não desrespeitem a dignidade humana, nem atropelem os
mais básicos direitos dos indivíduos.4
Por isso mesmo é que se sustenta que a investigação formalizada pela Polícia Judiciária
atende a uma função de salvaguarda da sociedade, manifestando-se como um freio aos excessos da
perseguição policial.5
Em tempos de uma sociedade cada vez mais acuada pela criminalidade, não é simples a
tarefa de manter íntegro o respeito à tábua constitucional de valores, sendo tentador cometer
transgressões das mais diversas a pretexto de proteger a sociedade.
Em suma: o discurso contra a impunidade não pode justificar a mitigação irresponsável
de direitos fundamentais. A perseguição do crime pode e deve ser feita com espeque nos
instrumentos legais à disposição do Estado-investigação, sem necessidade de ultrapassar os limites
de atuação dos órgãos estatais.
A investigação criminal desenfreada, realizada de maneira informal e açodada,
ridicularizando a Constituição Federal, consiste numa das formas mais evidentes de violação de
direitos humanos. Apurar infrações penais por meio da transgressão das regras constitucionais de
3 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O processo penal norte-americano e sua influência. Revista de Processo, São Paulo,
v. 26, n. 103, jul./set. 2001, p. 96. 4 MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2014, p. 169/171.
5 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro; Lumen Juris,
2008, p. 50.
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atribuição afronta a dignidade da pessoa humana, de modo que o cidadão deixa de ser um homem
para vir a ser uma coisa que se possa pôr a prêmio.
A investigação criminal não deve ser um anfiteatro para abusos, rebaixando-se a mero
ato de vingança pública. O exercício da função investigatória demanda doses cavalares de
imparcialidade, serenidade e respeito à dignidade da pessoa humana. Se o próprio Estado passar a
violar os direitos fundamentais, quando na verdade deveria garanti-los, o Estado Democrático de
Direito é colocado em sério risco.
2.4. REPARTIÇÃO ORGÂNICA DE ATRIBUIÇÕES, PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE E COMPETÊNCIA DO ATO ADMINISTRATIVO
De início, diga-se que a divisão orgânica de atribuições revela-se não apenas como
pressuposto da organização do Estado, como também verdadeiro direito fundamental do cidadão e
base da organização das democracias ocidentais. Não tem como objetivo resolver disputas de
vaidades, senão preservar as liberdades e combater a concentração de poder, minimizando os riscos
de abuso de poder.
Essa clara divisão nas atribuições dos agentes públicos inibe arbitrariedades, no contexto
de um sistema equivalente ao de freios e contrapesos, uma vez que a pluralidade de órgãos
envolvidos, agindo com interdependência, permite que o poder seja limitado pelo próprio poder.
O constituinte originário, ao concretizar a divisão de atribuições entre seus diversos
órgãos, cada qual com sua importância na persecução penal, pretendeu evitar o regresso ao Estado
de Polícia, no qual o Estado podia tudo em nome da promoção da segurança pública.
De outro lado, sabe-se que, para que os atos administrativos sejam válidos, são
necessários certos pressupostos. Isto é, praticado o ato sem a observância dessas balizas, estará ele
contaminado de vício de legalidade. O primeiro dos requisitos é a competência, entendida como
círculo definido por lei dentro do qual podem os agentes exercer legitimamente sua atividade.
A competência é sempre determinada por lei, não podendo ser alterada por arbítrio do
sujeito, tendo em vista que não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma legal.6
O amparo legal da matéria se encontra nos seguintes dispositivos:
Lei 9.784/99
6 TÁCITO, Caio. O abuso do poder administrativo no Brasil. Rio de Janeiro, DASP, 1959.
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Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a
que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente
admitidos.
Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:
III – as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício
de legalidade, e pode revoga-los por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos.
Lei 4.717/65
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no
artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
De outra banda, o princípio da legalidade é a base do Estado de Direito, possuindo
relevância ímpar no âmbito da Administração Pública:
Constituição Federal, Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência.
Lei 9.784/99, Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos
princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e
eficiência.
Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei
(Resolução 34/169 da ONU)
Artigo 1º
Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem sempre cumprir o dever
que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra
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atos ilegais, em conformidade com o elevado grau de responsabilidade que a sua
profissão requer.
Artigo 2º
No cumprimento do dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei
devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos
humanos de todas as pessoas.
Desse modo, em se tratando da prática de atos invasivos e potencialmente restritivos dos
direitos e liberdades individuais, o agente estatal deve necessariamente observar a estrita legalidade,
sendo possível agir apenas nos exatos limites da lei. A legalidade traduz postulado congênito ao
Estado de Direito, sendo justamente aquele princípio que o qualifica e lhe dá identidade própria,
verdadeiro antídoto do poder monocrático ou oligárquico, possuindo como raiz a noção de soberania
popular.7
Por isso é que, nem sequer por unanimidade pode o povo decidir, à margem da devida
investigação levada a efeito pelo órgão competente, que um homem tenha violada sua intimidade ou
liberdade.8
Acerca da importância do respeito às regras de competência, nada melhor que a
abalizada lição da doutrina:
O instituto da competência funda-se na necessidade de divisão do trabalho, ou
seja, na necessidade de distribuir a intensa quantidade de tarefas decorrentes de
cada uma das funções básicas (legislativa, administrativa ou jurisdicional) entre os
vários agentes do Estado. (...) O elemento da competência administrativa anda
lado a lado com o da capacidade no direito privado. Capacidade, como não
desconhecemos, é a idoneidade de atribuir-se a alguém a titularidade de relações
jurídicas. No direito público há um plus em relação ao direito privado: naquele se
exige que, além das condições normais necessárias à capacidade, atue o sujeito da
vontade dentro da esfera que a lei traçou. Como o Estado possui, pessoa jurídica
que é, as condições normais de capacidade, fica a necessidade de averiguar a
condição específica, vale dizer, a competência administrativa de seu agente.9
7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 97.
8 CADEMARTORI, Sergio. Estado de direito e legitimidade: uma abordagem garantista. Campinas: Millenium, 2007, p.
208-209. 9 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2014, p. 106-107.
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Nos Estados de Direito como o nosso, a Administração Pública deve obediência à
lei em todas as suas manifestações. Até mesmo nas chamadas atividades
discricionárias o administrador público fica sujeito às prescrições legais quanto a
competência, finalidade e forma, só se movendo com liberdade na estreita faixa da
conveniência e oportunidade administrativas.
O poder administrativo concedido à autoridade pública tem limites certos e forma
legal de utilização. Não é carta branca para arbítrios, violências, perseguições ou
favoritismos governamentais. Qualquer ato de autoridade, para ser irrepreensível,
deve conformar-se com a lei, com a moral da instituição e com o interesse público.
Sem esses requisitos o ato administrativo expõe-se a nulidade. (...)
O poder é confiado ao administrador público para ser usado em benefício da
coletividade administrada, mas usado nos justos limites que o bem-estar social
exigir. (...)
Excede, portanto, sua competência legal e, com isso, invalida o ato, porque
ninguém pode agir em nome da Administração fora do que a lei lhe permite. O
excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo. É uma forma de abuso de
poder que retira a legitimidade da conduta do administrador público, colocando-o
na ilegalidade e até mesmo no crime de abuso de autoridade.10
Quando se exige que um poder seja legítimo, pergunta-se se aquele que o detém
possui um justo título para detê-lo; quando se invoca a legalidade de um poder,
indaga-se se ele é justamente exercido, isto é, segundo as leis estabelecidas. O
poder legítimo é um poder, cujo título é justo; um poder legal é um poder, cujo
exercício é justo, se legítimo.11
Estabelecidos todos esses conceitos, cabe sublinhar que o Supremo Tribunal Federal
possui posição pacífica, fruto de diversos julgados do Plenário, no sentido de que nenhum outro
agente público está autorizado a exercer função de Autoridade Policial:
A Lei n. 10.704/94, que cria cargos comissionados de Suplentes de Delegados, e a
Lei n. 10.818/94, que apenas altera a denominação desses cargos, designando-os
10
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 96-99. 11
BOBBIO, Norberto. Sur le príncipe de légitimité. in P. Bastid et al, p. 49 apud SILVA, José Afonso da. Curso de
direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 425.
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"Assistentes de Segurança Pública", atribuem as funções de delegado a pessoas
estranhas à carreira de Delegado de Polícia.
Este Tribunal reconheceu a inconstitucionalidade da designação de estranhos à
carreira para o exercício da função de Delegado de Polícia, em razão de afronta ao
disposto no artigo 144, § 4º, da Constituição do Brasil. Precedentes.12
Em frontal violação ao § 4º do art. 144 da Constituição, a expressão impugnada
faculta a policiais civis e militares o desempenho de atividades que são privativas
dos Delegados de Policia de carreira. De outra parte, o § 5º do art. 144 da Carta da
Republica atribui às polícias militares a tarefa de realizar o policiamento ostensivo
e a preservação da ordem pública. O que não se confunde com as funções de
polícia judiciária e apuração de infrações penais, estas, sim, de competência das
polícias civis.13
Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público
e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e §
4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia.14
O Superior Tribunal de Justiça não destoa:
O administrador deve agir de acordo com o que estiver expresso em lei, devendo
designar cada servidor para exercer as atividades que correspondam àquelas
legalmente previstas. (...) Apesar da alegação (...) referente ao número insuficiente
de servidores (...), não é admissível que o recorrente exerça atribuições de um
cargo tendo sido nomeado para outro, para o qual fora aprovado por meio de
concurso público.15
A doutrina também repele qualquer investida de órgão diverso da Polícia Civil nas
atribuições de apuração de infrações penais e polícia judiciária:
É certo dizer que as atividades investigatórias devem ser exercidas precipuamente
por autoridades policiais, sendo vedada a participação de agentes estranhos à
12
STF, Tribunal Pleno, ADI 2.427, Rel. Min. Eros Grau, DJ 30/08/2006. 13
STF, Tribunal Pleno, ADI 3441, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 09/03/2007. 14
STF, Tribunal Pleno, ADI 1570, Rel. Min. Mauricio Corrêa, DJ 12/02/2004. 15
STJ, RMS 37.248, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 27/08/2013.
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autoridade policial, sob pena de violação do art. 144, §1º, IV da CF/1988, da Lei nº
9.833/1999, e dos arts. 4º e 157 e parágrafos do CPP.16
Observe-se que a Constituição incumbe às polidas civis as funções de polícia de
atividade judiciária para apuração de infrações penais, dizendo que quem irá
dirigir esta atividade são os delegados de polícia de carreira.17
A Polícia Militar é instituição reconhecida pela Constituição da República e,
embora possamos ter divergências quanto à militarização do cotidiano, merece o
respeito por suas funções, dentro dos limites legais. No Estado Democrático de
Direito o exercício do poder estatal está limitado pela lei. Quando transborda é
ilegal. (...) É de se concluir, que a Polícia Militar, por força do art. 144 da
Constituição da República, possui a função tão somente de realização de
policiamento ostensivo e, como qualquer outro cidadão, prender em flagrante
delito. A Polícia Judiciária é da Civil, frise-se. Logo, ao se realizar a apreensão de
um cidadão, esse deve ser levado à presença da Autoridade Policial, a qual não se
confunde com Sargento ou Tenente da Polícia Militar. (...) Evidentemente, não
estamos aqui satanizando a Polícia Militar, apenas indicando seu lugar. (...) É
preciso abandonar a crença infundada na bondade do poder punitivo. A contenção
do poder punitivo é uma exigência irrenunciável para a concretização do Estado
Democrático de Direito. Cuida-se de colocar cada personagem do sistema penal
em seu lugar respectivo.18
Especialmente nas hipóteses que representarem restrições ao exercício do jus
puniendi, a atuação dos órgãos oficiais dentro dos limites estatuídos pela
Constituição da República é pressuposto de convalidação da ordem democrática.
(...) O artigo 144 não configura simples aconselhamento ou opinião, cuja
observância esteja adstrita à vontade pessoal dos agentes, mas em sentido oposto,
no que diz respeito a regras constitucionais, eventuais lapsos, descuidos ou
negligências no adimplemento de atos oficiais do Estado, por mais singelos ou
16
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 76. 17
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 173-174 18
ROSA, Alexandre Morais da; KHALED JUNIOR, Salah H.. Polícia Militar não pode lavrar Termo Circunstanciado:
cada um no seu quadrado. Justificando.com. 07/01/2014.
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insignificantes que possam transparecer, introduzem um nocivo precedente apto a
deflagrar a subversão da ordem e a corrosão do modelo político-jurídico do
Estado. (...) A atuação dos órgãos estatais, necessariamente, deve ser pautada pelo
princípio da legalidade, seguindo com rigor a definição prévia de atribuições e
limites previstos para cada função. (...) Evidente, portanto, que os agentes
públicos, uma vez que submetidos ao regime jurídico da administração pública,
têm suas atribuições estritamente vinculadas à lei, devendo agir nos exatos limites
estabelecidos por esta. (...) A estrita submissão à lei é fundamental para que o jus
puniendi estatal possa se realizar com o necessário respeito aos direitos e garantias
constitucionalmente previstos.19
A Carta Republicana relaciona, no art. 144, os órgãos que exercem a segurança
pública, quais sejam a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia
Ferroviária Federal, as polícias civis, militares e os corpos de bombeiros militares.
Há uma sensível divisão entre as polícias civis e militares, aquelas com atribuição
de investigação criminal e estas, preponderantemente, com funções ostensivas de
segurança. A atividade investigativa prévia (salvante a apuração de infrações
penais militares que, pela Constituição, encontra-se nas atribuições da própria
Polícia Militar) é legada às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira.20
Quando a Constituição indica as atribuições das polícias civis, "dirigidas por
Delegados de Polícia de Carreira", declara que a elas incumbe as funções de
polícia judiciária, salvo em duas exceções: a) infrações cuja apuração seja da
competência da União (ilícitos federais); b) infrações militares. Ora! Se
constitucionalmente existe esta última vedação, como admitir que um policial
militar (cabo, sargento, capitão ou detentor de outra hierarquia) possa "conhecer" e
"diligenciar" a respeito de infração de direito penal comum? Se à Polícia Civil não
19
FREITAS, Jéssica Oníria Ferreira de; PINTO, Felipe Martins. Da ilegitimidade dos atos probatórios desenvolvidos
pela Polícia Militar: uma análise sob a ótica do princípio da legalidade. Revista Duc In Altum - Caderno de Direito. v. 4.
n. 6. jul-dez. 2012. 20
CAVALCANTI, Danielle Souza de Andrade e Silva. A investigação preliminar nos delitos de competência originária
de tribunais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 88.
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é deferida atribuição de apurar as infrações penais de natureza militar, a recíproca
é também verdadeira.21
A apuração das infrações penais é atribuída constitucionalmente à polícia civil.
(...) O papel da polícia militar, de relevância inconteste para a segurança social,
não se confunde com a atuação da polícia civil, nem é direcionado a esse
objetivo.22
Em muitos casso, essa transferência implícita e descontrolada de atribuições à
Polícia Militar é fomentada por um Poder Executivo inerte, que renuncia a
estruturação e a qualificação dos profissionais da Polícia Civil. No entanto, mesmo
nesses casos, a possibilidade de a Polícia Militar investigar crimes de pessoas civis
não só se mostra flagrantemente inconstitucional, como também dificulta o
trabalho da Polícia Civil por existir uma concorrência de informações decorrentes
da investigação sem um diálogo entre as instituições. (...) Do mesmo modo que a
Polícia Civil não possui atribuição para investigar crimes militares, a Polícia
Militar, pelo mesmo fundamento, não possui atribuição para investigar crimes
civis.23
Duas espécies bem precisas: polícia administrativa e polícia judiciária. A primeira,
igualmente denominada polícia preventiva, possui como escopo impedir as
transgressões às normas jurídicas e manter a ordem pública, mediante intervenção
imediata nas relações, com a finalidade de evitar ou sustar a ocorrência de ilícitos.
A segunda, impropriamente conhecida como polícia judiciária, ocupa-se em
investigar os crimes que escaparam do patrulhamento preventivo e interventivo da
polícia administrativa. (...) Veja-se que a Constituição de 1988, no capítulo que
trata da segurança pública, teve o cuidado de extremar as duas faces daquela
função: aquela que é prévia e mesmo exercida para sustar a ação delituosa de um
lado e, de outro, a investigativa ou de apuração dos ilícitos praticados. Na
21
DOTTI, René Ariel. A autoridade policial na Lei 9099/95. Boletim IBCCRIM. n. 41. maio/1996. 22
ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p.
174. 23
SANTOS, Cleopas Isaías; ZANOTTI, Bruno Taufner. Delegado de polícia em ação. Salvador: Juspodivm, 2013, p.
34-35.
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qualidade de órgão policial, cuja ocupação se concentra na apuração das infrações,
ou melhor, de polícia judiciária, o constituinte elegeu a polícia federal e as civis.
Para o exercício da função de polícia administrativa, ou seja, para encetar as ações
preventivas e repressivas quanto à prática dos crimes, o constituinte concebeu de
ordinário a polícia militar e, para casos específicos, as polícias rodoviária e
ferroviária federais, além dos corpos de bombeiros e mesmo das guardas
municipais.24
Enquanto a Polícia de Segurança visa a impedir a turbação da ordem pública,
adotando medidas preventivas, de verdadeira profilaxia do crime, a Policia Civil
intervém quando os fatos que a Polícia de Segurança pretendia prevenir não
puderam ser evitados. . ou, então, aqueles fatos que a Polícia de Segurança nem
sequer imaginava poderem acontecer... (...) A Polícia Civil (...) desenvolve a
primeira etapa, o primeiro momento da atividade repressiva do Estado, ou, como
diz Vélez Mariconde, ela desempenha uma fase primária da administração da
Justiça Penal. A função precípua da Polícia Civil consiste em apurar as infrações
penais e a sua autoria.25
A apuração de crime comum presidida apenas pela Autoridade Policial, pré-definida
segundo regras de circunscrição (princípio do delegado natural), é mais do que uma prerrogativa do
Delegado de Polícia. Revela-se verdadeiro direito fundamental do cidadão, garantia decorrente da
dignidade da pessoa humana no sentido de que ninguém será investigado arbitrariamente, da mesma
maneira como ninguém pode ser acusado ou julgado com desrespeito às normas vigentes.
Somente pelo respeito à divisão constitucional de atribuições o indivíduo terá a certeza
de que o Estado não realizará investigações criminais a qualquer custo, por meio de agentes públicos
sem legitimidade para a função. Já ensinava a doutrina jurídica clássica que:
A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é o direito
impotente; completam-se mutuamente: e, na realidade, o direito só reina quando a
força dispendida pela justiça para empunhar a espada corresponde à habilidade que
emprega em manejar a balança.26
24
SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 310-311. 25
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 237-238. 26
IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 2.
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No sistema jurídico, e na persecução penal em especial, os fins não pode justificar os
meios, e a pessoa investigada não pode ser colocada na condição de objeto. É preciso combater a
chamada ideologia do repressivismo saneador, sistema de ideias que justifica a repressão custe o que
custar:
O utilitarismo está relacionado à ideia do combate à criminalidade a qualquer
custo, a um processo penal mais célere e eficiente, no sentido de diminuir as
garantias processuais do cidadão em nome do interesse estatal de mais
rapidamente apurar e apenas condutas. (...) Sacrificam-se direitos fundamentais em
nome da incompetência estatal em resolver os problemas que realmente geram a
violência.27
Quando um responsável pela aplicação da lei viola a lei, o resultado é, não apenas
um atentado à dignidade humana e à própria lei, mas também um erguer de
barreiras à eficaz atuação da polícia. (...) Pelo contrário, o respeito dos direitos
humanos por parte das autoridades responsáveis pela aplicação da lei reforça de
fato a eficácia da atuação dessas autoridades.28
Permitir esse tipo de atuação estatal corresponde a facultar que o processo penal,
ao invés de limitar o exercício do poder de punir os crimes, seja utilizado como
forma de aparelhar o Estado de mecanismo eficiente a permitir a mais ampla
utilização de sua força, em detrimento mesmo de direitos consagrados ao longo
dos tempos.29
E não se diga que o desrespeito à repartição de atribuições configura violação mínima ou
imperceptível do ordenamento jurídico. Nos detalhes é que percebemos o estágio de
desenvolvimento da persecução penal de um país, conforme lição tradicional extraída da doutrina:
Os homens sabem erguer diques bastante fortes contra a tirania declarada; mas
com frequência não enxergam o inseto imperceptível que mina sua obra e que
27
LOPES JUNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.
XXVI e 23. 28
Direitos humanos e aplicação da lei: Manual de Formação em Direitos Humanos para as Forças Policiais. Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. p. V. 29
SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 273
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abre, finalmente à torrente impetuosa, uma estrada tanto mais certa quanto mais
escondida.30
Nunca se pode esquecer que, na persecução penal, forma significa garantia31
. A
observância do rito representa verdadeira condição necessária da confiança dos cidadãos na
Justiça.32
O direito à segurança pública da sociedade não pode ser uma senha para toda sorte de
abusos e arbitrariedades praticadas pelo Estado. A Polícia Militar não tem legitimidade para se
tornar órgão persecutório do Estado, por melhor que sejam as intenções. Aliás, historicamente nas
ditaduras o que mais se viu foram bons desígnios. A Constituição Federal não deve ser violada,
ainda que com o melhor dos propósitos.
Daí o alerta feito por dois dos maiores penalistas que a humanidade já conheceu:
A segurança e a liberdade de cada um são, com efeito, ameaçadas não apenas
pelos delitos, mas também, e frequentemente, em medida ainda maior, (...) pelos
controles arbitrários e invasivos de polícia, vale dizer, por aquele conjunto de
intervenções que se denomina "justiça penal", e que talvez, na história da
humanidade, tenha custado mais dores e injustiças do que todos os delitos
cometidos.33
Cuida-se de nítida aplicação do chamado sistema penal subterrâneo, no qual as
agências executivas exercem poder punitivo à margem de qualquer legalidade, o
que produz um verdadeiro paradoxo: o poder punitivo se comporta excitando
atuações ilícitas.34
Noutro giro, não pode o legislador ordinário conferir novas atribuições a quaisquer das
Polícias, e muito menos os próprios órgãos policiais pretenderem ampliar seu leque de funções
sponte sua. Apenas o legislador constituinte, incluindo-se obviamente o constituinte derivado, pode
alterar essa divisão de poderes e responsabilidades.
30
BECCARIA, Beccaria. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 75. 31
HASSEMER, Winfried. Critica al derecho penal de hoy. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 82. 32
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: RT, 2002, p. 496. 33
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: RT, 2002, p. 277. 34
ZAFFARONI, Eugenio Raul; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal Brasileiro.
Rio de Janeiro: Revan, 2003. p.52.
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As competências e atribuições que resultam diretamente do texto constitucional
tampouco podem ser ampliadas por interpretação extensiva da Constituição, que almeje encontrar
funções implícitas num rol taxativo de funções. Trata-se do entendimento do Supremo Tribunal
Federal:
A competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como
um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente,
constitucional - e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida — não
comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os limites
fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo.35
A matéria não admite discussão mínima, por se cuidar de regra de competência
constitucional expressa, que não possibilita interpretação extensiva.36
Ademais, a investigação criminal consiste, por natureza, em atividade de restrição de
direitos fundamentais, o que exige que a interpretação das normas nessa seara seja feita
restritivamente. Segundo a própria Corte Constitucional, ―não há como admitir-se interpretação
extensiva, por tal implicar restrição a direito fundamental‖.37
O respeito às regras do jogo não é sinônimo de impunidade. O fato de órgão distinto da
Polícia Judiciária não deter atribuição investigativa quanto a crimes comuns não significa que,
quando receber a delatio criminis, a investigação estará fadada ao insucesso. Basta o
encaminhamento formal da informação à Polícia Civil ou à Polícia Federal.
Tampouco retira de forma alguma a importância do outro órgão policial, engajado na
árdua e subvalorizada função de policiamento, mas apenas reforça a necessidade de serem
respeitados os limites constitucionais, convencionais e legais das intervenções estatais nos direitos
dos indivíduos.
2.5. CONCEITO DE AUTORIDADE POLICIAL
A Lei 12.830/13, que trata do gênero investigação criminal (materializado em quaisquer
de seus procedimentos), foi além e deixou bem claro que o Delegado de Polícia é quem possui a
qualidade de autoridade policial:
35
STF, Plenário, AR na Pet 1.738, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 01/10/1999. 36
STF, ACO 1856, Rel. Min. Carmen Lúcia, DJe 10/02/2014 37
STF, MS 22.934, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJE 09/05/2012.
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Lei 12.830/13, Art. 2º. § 1º. Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade
policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial
ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das
circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
Nesse passo, sempre que a lei cita a Autoridade Policial, obviamente se refere ao
Delegado de Polícia, referência encontrada no CPP (arts. 6º, 282, §2º e 304) e em toda a legislação
especial, como por exemplo a Lei 9.099/95 (art. 69), o ECA (art. 172), a Lei 9.296/96 (art. 3º, I), a
Lei 9.613/98 (art. 17-B), e a Lei 11.340/06 (art. 12).
O próprio Legislativo da União, na Exposição de Motivos da Lei 9.099/95, oriunda do
Projeto de Lei 1.480/89, explicitou que o documento legislativo possui filosofia que:
Se insere no filão que busca dar efetividade à norma penal, ao mesmo tempo em
que privilegia os interesses da vítima, sem descurar jamais das garantias do devido
processo legal. (Exposição de Motivos da Lei 9.099/95, Deputado Federal Michel
Temer, 16/02/89).
O Congresso Nacional chegou a discutir eventual necessidade de se mencionar
expressamente na Lei dos Juizados Especiais que Autoridade Policial é o Delegado de Polícia,
apesar da obviedade dessa constatação. Na ocasião, manifestou-se o Parlamento da seguinte forma,
como era de se esperar:
A Constituição Federal define, no §4º de seu art. 144, que as funções de polícia
judiciária são privativas da Polícia Civil, dirigida por delegado de polícia, únicos
funcionários, portanto, competentes para estabelecer ligações com outros órgãos
ou com o Poder Judiciário em assuntos daquela natureza. Desta forma,
entendemos não haver qualquer necessidade de que a lei defina, para o caso da Lei
9.099, a autoridade policial envolvida. (Parecer no Projeto de Lei do Senado
316/95, elaborado pelo congressista e constitucionalista Michel Temer).
Tanto que o legislador, ao editar a posterior Lei 11.343/06, cujo crime elencado no art.
28 é de menor potencial ofensivo e se sujeita à disciplina da Lei 9.099/95, utilizou a expressão
―autoridade de polícia judiciária‖, novamente demonstrando que tal autoridade inequivocamente é o
Delegado de Polícia.
A doutrina, como não poderia deixar de ser, confirma essa conclusão:
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―Autoridade policial‖ é apenas o delegado de polícia. Sendo assim, qualquer ato
normativo que fizer menção à figura da ―autoridade policial‖ estará referindo-se ao
delegado de polícia.38
A legislação processual comum, em seu conjunto, refere-se somente a duas
autoridades: a autoridade policial, que é o delegado de polícia, e a autoridade
judiciária, que é o magistrado.39
A autoridade policial é o delegado de polícia, responsável pelos fins teleológico-
jurídicos da apuração, qualquer que seja a forma de sua materialização no âmbito
da polícia judiciária, quer seja ela levada a efeito por meio de inquérito policial,
quer por outro instrumento legalmente previsto.40
2.6. CARREIRA JURÍDICA DO DELEGADO DE POLÍCIA
Além de se constituir agente público especial, o Delegado de Polícia integra carreira
jurídica. Essa conclusão decorre não apenas da análise das atribuições constitucionais e legais da
Autoridade Policial, mas da própria análise histórica do cargo.
O cargo de Delegado de Polícia foi criado pela Lei Imperial 261 de 1841, e
regulamentado pelo Decreto 120 de 1842 (que alterou dispositivos do Código de Processo Criminal
de 1832). A Autoridade era nomeada pelo Imperador na capital, e nas províncias era nomeada por
seus Presidentes:
À polícia judiciária de então, quase sempre exercida por magistrados togados,
competia mais que a apuração das infrações penais (função criminal), cabendo -
lhe também o processo e o julgamento dos chamados ―crimes de polícia‖ (função
correcional) [...] Falhou a reforma, destarte, precisamente por não realizar a
separação, já há tempo veementemente reclamada, entre as funções judiciais e
policiais (executivas), que continuaram em mãos únicas [...] Quase três decênios
38
SANNINI NETO, Francisco. Inquérito policial e prisões provisórias. São Paulo: Ideias & Letras, 2014, p. 46. 39
NUCCI, Guilherme de Souza. Juizados Especiais Criminais Federais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 57. 40
DEZAN, Sandro Lúcio. In: DEZAN, Sandro Lúcio; PEREIRA, Eliomar da Silva (Org.). Investigação criminal.
Curitiba: Juruá, 2013, p. 82.
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de protestos e inúmeros projetos legislativos foram necessários para reverter os
excessos perpetrados por meio das mudanças em comento.41
Dada essa inegável importância, afirma a doutrina:
A função de polícia judiciária, muito embora não figure expressamente no capítulo
das funções essenciais à Justiça (arts. 127 a 135, CRF/1988), implicitamente trata-
se de função essencial à justiça em razão de fortalecer o sistema acusatório na
medida em que o juiz está despido da função de investigar o que está entregue a
órgão próprio para tanto.42
O Plenário da Corte Constitucional confirmou a natureza jurídica do cargo de Delegado
de Polícia, constituindo-se em agente político:
De se ver que, desde o primitivo §4º do art. 144 da Constituição Federal, o cargo
de Delegado de Polícia vem sendo equiparado àqueles integrantes das chamadas
―carreiras jurídicas‖, a significar maior rigor na seletividade técnico-profissional
dos pretendentes ao desempenho das respectivas funções. E essa exigência
constitucional tem a sua explicação no fato de que incumbe aos delegados de
polícia exercer funções de polícia judiciária, além de presidir as investigações para
a apuração de infrações penais, o que requer amplo domínio do ordenamento
jurídico do país.
Em palavras outras, para cumprir o seu mister constitucional de apurar as infrações
criminais, o Delegado de Polícia de carreira tem de presidir o inquérito policial,
modalidade de investigação que tem seu regime jurídico traçado a partir da própria
Constituição Federal, mecanismo que é das atividades genuinamente estatais de
―segurança pública‖. Segurança que, voltada para a preservação dos superiores
bens jurídicos da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, é
constitutiva do explícito ―dever do Estado, direito e responsabilidade de todos‖
(art. 144, cabeça, da CF).43
41
ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático de Direito. São Paulo, Brazilian Books.
2005, p. 60- 61. 42
NICOLITT, André, Manuel de processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 73. 43
STF, Tribunal Pleno, ADI 3441, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 09/03/2007.
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O cargo de Delegado de Polícia é exercido por cidadão com curso superior de
direito, após aprovação em concurso público. Exerce atividades em que lhe são
exigidos conhecimentos técnicos específicos.44
Se a atividade policial diz respeito ao cargo de delegado, ela se define como de
caráter jurídico.45
A natureza jurídica da atividade de Delegado de Polícia possui previsão constitucional e
legal:
Constituição do Estado do Paraná, art. 46, § 4º. O cargo de Delegado de Polícia
integra, para todos os fins, as carreiras jurídicas do Estado.
Lei 12.830/13, art. 2º, caput: As funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica,
essenciais e exclusivas de Estado.
A legislação que trata da Polícia Federal não destoa:
Lei 9.266/96, art. 2o-A. (...) Parágrafo único. Os ocupantes do cargo de Delegado
de Polícia Federal, autoridades policiais no âmbito da polícia judiciária da União,
são responsáveis pela direção das atividades do órgão e exercem função de
natureza jurídica e policial, essencial e exclusiva de Estado.
No mesmo sentido diversas constituições estaduais, que também fazem questão de
reafirmar a importância do cargo, integrante de carreira jurídica detentora de independência
funcional: CEES, art. 128; CEAM, art. 115; CETO, art. 116; CESC, art. 106; CESP, art. 140; CEAP,
art. 44; CERJ, art. 188; CEMG, art. 140; CECE, art. 184; CEMA, art. 115; CEGO, art. 123; CEPA,
art. 197.
44
STF, Tribunal Pleno, ADI 2427, Rel. Min. Eros Grau, DJ 30/08/2006. 45
STF, Tribunal Pleno, ADI 3460, Rel. Min. Ayres Brito, DJ 31/08/06.
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2.7. POLÍCIA MILITAR COMO CARREIRA NÃO JURÍDICA
Disse o Supremo Tribunal Federal que as atividades policiais podem ser consideradas
como carreira jurídica, porém não todas elas, especificando que o único cargo policial que é
considerado jurídico é o de Delegado de Polícia:
Se a atividade policial diz respeito ao cargo de delegado, ela se define como de
caráter jurídico. (...) Desde o primitivo §4º do art. 144 da Constituição que o cargo
de delegado de polícia é tido como equiparável àqueles integrantes das chamadas
―carreiras jurídicas‖.46
Nessa toada, a Corte Superior já afirmou, com clareza solar, que, mesmo nos Estados em
que os oficiais da Polícia Militar tenham formação de grau superior, não podem exercer funções de
Delegado de Polícia. As funções desempenhadas pelos milicianos não são sequer parecidas com
aquelas típicas de uma carreira jurídica:
Não é possível reconhecer à carreira dos Oficiais de Polícia Militar atribuições
sequer assemelhadas às da carreira jurídica.47
Na mesma linha entende o Superior Tribunal de Justiça:
A atividade de oficial da polícia militar não é privativa de bacharel em direito e,
por isso, à luz da jurisprudência do STF, não caracteriza atividade relacionada a
carreiras jurídicas. Precedentes: MS 27606, Relator Min. Ellen Gracie, Tribunal
Pleno, julgado em 12/08/2009; MS 27609, Relator Min. Cármen Lúcia, Tribunal
Pleno, julgado em 19/02/2009; ADI 3460, Relator Min. Carlos Britto, Tribunal
Pleno, julgado em 31/08/2006.48
Pretender enxergar juridicidade em carreira puramente administrativa representa odiosa
tentativa de militarizar a investigação criminal, absurdo rechaçado pelos Tribunais Superiores e pela
doutrina a fim de não permitir a reaproximação com o triste período da ditadura militar.
46
STF, Tribunal Pleno, ADI 3460, Rel. Min. Ayres Brito, DJ 31/08/06. 47
STF, RE 401243, Rel. Min. Marco Aurelio, DP 18/10/2010. 48
STF, RMS 26.546, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ 09/03/2010.
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2.8. POLICIAL MILITAR ENQUANTO AGENTE DA AUTORIDADE
POLICIAL
Resta fora de dúvidas que todo miliciano, do mais raso soldado ao mais antigo coronel, é
considerado um agente da Autoridade Policial. Nesse ponto, elucidativas as considerações lançadas
pelo Poder Judiciário de São Paulo:
Na estrutura da Secretaria de Segurança Pública, as autoridades administrativas
hierarquizadas são o Governador do Estado, seu Secretário da Segurança Pública e
o Delegado de Polícia Judiciária. Todos os demais integrantes dessa complexa
estrutura são ―agentes da autoridade policial‖ que os doutos chamam de ―longa
manus‖, em substituição ao particípio presente do verbo agir para tal fim
substantivado.
Assim, são agentes da autoridade policial judiciária, que é o Delegado de Polícia,
toda a Polícia Militar, desde seu Comandante Geral até o mais novo praça e todo o
segmento da organização Polícia Civil, bem assim o I.M.L., I.P.T etc… e nenhuma
dessas categorias podendo influenciar os atos da autoridade policial, enquanto
―atos de polícia judiciária‖ sujeitos a avaliação jurídico-subjetiva.49
A doutrina caminha no mesmo sentido:
Autoridade policial: na realidade, é apenas o delegado de polícia, estadual ou
federal. Policiais civis ou militares constituem agentes da autoridade policial.50
Nem todo funcionário de polícia é autoridade, mas somente aquele que está
investido do poder de mando, que exerce coerção sobre pessoas e coisas, que
dispõe do poder de polícia, isto é, que pode discricionariamente restringir certos
bens jurídicos alheios (ex.: ordenar prisões, buscas, apreensões, arbitrar fianças,
"intimar" testemunhas, mandar identificar indiciados, etc, tudo nos casos previstos
em lei). Há funcionários que são sempre autoridade, isto é, cuja função precípua é
a de exercer o poder de polícia (ex.: os delegados).51
49
Processo 253/2002, Comarca de Rio Claro/SP, Juiz de Direito Julio Osmany Barbin, DP 14/01/2003. 50
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010,
p. 827. 51
TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 406.
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A autoridade policial, o delegado de policia, dispõe de agentes da autoridade para
a consecução do interesse público. (...) Estes exercem funções dignas e
importantes para a investigação criminal, assim como todo ocupante de arte ou
ofício tem sua importância no seio da sociedade, entretanto, estes agentes não têm
autoridade para praticar atos por iniciativa própria, mas agem (agentes) a mando
da autoridade. São agentes da autoridade, v.g., o agente de polícia, o escrivão
policial, os servidores policiais em geral, o perito, os integrantes da força
pública.52
A própria legislação processual penal esclarece essa questão quando utiliza (art. 301 do
CPP) o termo agente da autoridade pra se referir a outros policiais que, por não serem autoridades,
atuam sob o comando e supervisão do Delegado de Polícia.53
Exatamente por isso é que, quando um policial fardado captura algum suspeito em
possível flagrante delito, deve conduzi-lo à presença da Autoridade Policial, para que a análise da
flagrância e dos requisitos do crime seja feita pelo Delegado de Polícia, que decidirá pela prisão ou
não. Logo, tecnicamente o miliciano não prende ninguém, mas apenas captura, já que a prisão
consiste em poder conferido apenas ao Delegado e ao Juiz.
Não há dúvidas que o ordenamento jurídico concedeu a palavra final ao Delegado de
Polícia, e não ao miliciano, quanto às questões jurídicas que se desenrolam na fase policial e que não
estão sobre o manto da cláusula de reserva de jurisdição. Essa evidente constatação não desmerece
de forma alguma a importante função desempenhada pelos componentes da Polícia Administrativa.
2.9. NECESSIDADE DE DESMILITARIZAÇÃO DA POLÍCIA CASTRENSE
O Brasil se livrou apenas recentemente, se considerada a escala temporal histórica, das
arbitrariedades levadas a efeito pela Ditadura Militar. Como é público e notório, naquela obscura
época, civis eram investigados, conduzidos coercitivamente a destacamentos militares e submetidos
a toda sorte de medidas cautelares, até mesmo a prisão, dando ensejo a abomináveis práticas
policiais que reduziam a nada os direitos fundamentais do cidadão, ferindo de morte a dignidade da
pessoa humana.
52
SANTOS, Célio Jacinto dos. In: DEZAN, Sandro Lúcio; PEREIRA, Eliomar da Silva (Org.). Investigação criminal.
Curitiba: Juruá, 2013, p. 64. 53
PERAZZONI, Franco. In: DEZAN, Sandro Lúcio; PEREIRA, Eliomar da Silva (Org.). Investigação criminal.
Curitiba: Juruá, 2013, p. 244.
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Admitir, em pleno século XXI, a investigação de crimes comuns pela Polícia Militar,
configura verdadeira repristinação do Ato Institucional 5/68 e do Decreto-Lei 898/69, que
possibilitavam a condução, prisão e investigação de civis por militares.
Irretocável é a doutrina escrita por ninguém menos do que um tenente-coronel da Polícia
Militar, que por vivenciar a realidade castrense conseguiu fornecer, em sua dissertação de mestrado,
uma visão bastante fidedigna do militarismo:
Se veem em constante guerra com os denominados agressores da sociedade. Cada
dia de serviço é um dia de batalha. Diante desse quadro, eles avocam para si
poderes que outras pessoas não possuem. A partir de um dado momento, movidos
pelo sentimento de revolta com a situação deparada, eles personificam todos os
órgãos do Estado responsáveis pela aplicação da Justiça. Como heróis anônimos
buscam fazer justiça com suas próprias mãos de acordo com critérios por eles
estabelecidos. 54
O prestigiado Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, por meio de editorial, também
se manifestou da seguinte forma:
É da história do processo penal brasileiro que, ao tempo imperial, objetivando dar
cobro às devassas policiais aleatórias e incontroladas, é que se criou a Polícia
Judiciária, sendo os primeiros delegados de Polícia recrutados dentre os membros
mais diligentes da Magistratura. (...)
O grande equívoco tem sido tratar a disciplina legal de atribuições investigatórias
como meras desavenças corporativas. A muitos parece que a pretensão militar à
investigação criminal, hoje legalmente com sua congênere civil, seja relegada ao
palco das disputas institucionais policiais, e não que seja tratada com a seriedade
científico-legislativa como desejável, e é desejável. (...)
Os fundamentos operativos da Polícia Judiciária não são aqueles da férrea
hierarquia verticalizada, mas, sim, da estrita obediência à legalidade, pois deve
esse órgão curvar-se não aos interesses contingentes do transitório poder político
local, mas, sim, aos ditames jurídicos do devido processo legal de inspiração e
demarcação constitucionais. Seu centro não é a caserna, mas, sim, a praça pública
com a transparência que ela invoca. (...)
54
SOUZA, Adilson Paes de. A educação em direitos humanos na Polícia Militar. 2012. 156 f. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
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Já é passada a hora de o Estado restituir à sociedade a polícia que a última ditadura
lhe subtraiu. Caso contrário, a presidência da Polícia Judiciária, outrora
envergando a toga, estará prestes a apresentar-se de farda à sociedade, a dano da
boa administração da justiça criminal que há tempos se aguarda.55
Por essas e outras, juristas e estudiosos de outras ciências sociais já há algum tempo vêm
alertando acerca da necessidade de desmilitarização da polícia:
O militarismo se justifica pelas circunstâncias extremas de uma guerra, quando a
disciplina e a hierarquia militares são essenciais para manter a coesão da tropa. O
foco do treinamento militar é centrado na obediência e na submissão, pois só com
estas se convence um ser humano a enfrentar um exército inimigo, mesmo em
circunstâncias adversas, sem abandonar o campo de batalha. Os recrutas são
submetidos a constrangimentos e humilhações que acabam por destituí-los de seus
próprios direitos fundamentais. E se o treinamento militar é capaz de convencer
um soldado a se deixar tratar como um objeto na mão de seu comandante, é natural
também que esse soldado trate seus inimigos como objetos cujas vidas podem ser
sacrificadas impunemente em nome da sua bandeira.
A sociedade reclama do tratamento brutal da polícia, mas insiste em dar
treinamento militar aos policiais, reforçando neles, a todo momento, os valores de
disciplina e hierarquia, quando deveria ensiná-los a importância do respeito ao
Direito e à cidadania. (...) Se queremos uma polícia que trate suspeitos e
criminosos como cidadãos, é preciso que o policial também seja treinado e tratado
como civil (que, ao pé da letra, significa justamente ser cidadão).56
A segurança pública, para se harmonizar com o Estado democrático de direito,
deve ser concebida como serviço público, a ser prestado ao cidadão. Não pode ser
entendida como estratégia de guerra, destinada ao ―combate‖ a ―inimigos‖; e é
para isso que as Forças Armadas são preparadas. (...) Muitos sustentam a
conveniência de se extinguir a Polícia Militar sob o argumento de que se trata de
instituição incompatível com a concepção democrática de segurança pública. A
militarização da polícia levaria à conformação de um modelo bélico de política de
55
Editorial do Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n. 199, jun. 2009. 56
VIANNA, Túlio. Desmilitarizar e unificar a polícia. Revista Fórum. 09/01/2013.
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segurança. O argumento, formulado em abstrato, é procedente. Em um estado
democrático de direito, o melhor é ter organizações policiais de caráter civil.57
Adota uma posição antagônica com a população. Busca não adquirir o respeito,
mas sim impor o medo. (...) Infelizmente não ocorreu, com o fim de regime
militar, idêntico fim da doutrina que lhe embasou. (...) Eles estão numa guerra e,
nesse contexto, instala-se a lógica da eliminação do inimigo no campo de batalha.
Confundem justiça com vingança e esse sentimento norteia suas ações. (...) Eles
mesmos assumiram, num só corpo, o papel de juiz, promotor, delegado e
advogado. (...) Há de um lado, amplo espectro normativo, nacional e internacional,
de proteção dos direitos humanos e de outro lado a sistemática violação desses
mesmos direitos, praticada, muitas vezes, por policiais militares. Justamente eles
que receberam o múnus público de proteger a sociedade.58
As políticas de segurança ―pública‖, que mantêm os mesmos moldes de ação
repressiva da ditadura militar contra certos segmentos, têm obtido apoio de outro
considerável segmento da sociedade (...), criando condições para a criação de
territórios de exceção nos quais seus habitantes aumentam cada vez mais o
contingente de desprovidos de cidadania.59
No outro lado da guerra aparecem os policiais, que deveriam estancar a sangria na
batalha. (...) Julgam e executam sentenças de morte, numa tentativa de limpar o
mundo e ao mesmo tempo aplacar seu ódio pelos marginais. A farda, no caso dos
policiais acaba legitimando a ação. (...) Como soldados no campo de batalha, eles
veem o assassinato quase como um direito adquirido.60
57
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A segurança pública na Constituição Federal de 1988: conceituação
constitucionalmente adequada, competências federativas e órgãos de execução das políticas. Atualidades Jurídicas,
Brasília, n. 1, mar/abr. 2008. 58
SOUZA, Adilson Paes de. A educação em direitos humanos na Polícia Militar. 2012. 156 f. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. 59
MOURÃO, Janne Calhau. Só nos resta a escolha de Sofia? In: Tortura, Brasília, Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República, 2010, p. 215-216. 60
MANSO, Bruno Paes. O homem x. Uma reportagem sobre a alma do assassino em São Paulo. Rio de Janeiro: Record,
2005, p. 220-221/249.
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Na mesma linha está o entendimento do Conselho de Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas, que em 2012, ao aprovar parte do relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho
sobre o Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil, sugeriu a abolição do ―sistema separado de
Polícia Militar, aplicando medidas mais eficazes (…) para reduzir a incidência de execuções
extrajudiciais‖.
Em idêntico sentido, recentemente a Comissão Nacional da Verdade propôs a
desmilitarização das polícias militares estaduais:
A atribuição de caráter militar às polícias militares estaduais, bem como sua
vinculação às Forças Armadas, emanou de legislação da ditadura militar, que
restou inalterada na estruturação da atividade de segurança pública fixada na
Constituição brasileira de 1988. (...) Parte delas ainda funcione a partir desses
atributos militares, incompatíveis com o exercício da segurança pública no Estado
democrático de direito, cujo foco deve ser o atendimento ao cidadão. Torna-se
necessário, portanto, promover as mudanças constitucionais e legais que
assegurem a desvinculação das polícias militares estaduais das Forças Armadas e
que acarretem a plena desmilitarização desses corpos policiais.61
Ora, se a sociedade moderna, por meio de organizações internacionais e nacionais de
proteção aos direitos humanos, juristas e estudiosos das ciências sociais, defende que sequer o
policiamento ostensivo deve ser feito por instituição militar, com maior razão não pode prevalecer
um regime castrense de investigação criminal.
2.10. IMPOSSIBILIDADE DE ELABORAÇÃO DE TERMO
CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA PELA POLÍCIA MILITAR
A Lei dos Juizados Especiais instituiu uma nova espécie de procedimento investigatório
da Polícia Judiciária, qual seja, o termo circunstanciado de ocorrência. Como não poderia deixar de
ser, manteve nas mãos da Autoridade Policial a função de conduzir a investigação criminal:
Lei 9.099/95. Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência
lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o
autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais
necessários.
61
Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Volume I. Parte V. Conclusões e recomendações. p. 971
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Art. 92. Aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código Penal e de
Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei.
O termo circunstanciado de ocorrência é mais uma espécie de procedimento policial,
possuindo, portanto, a mesma finalidade do inquérito policial, qual seja, elucidar a verdade. O fato
de não exigir todas as formalidades do inquérito policial em nada afeta sua natureza jurídica.
Vejamos o regramento da Lei 12.830/13:
Art. 2º. § 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a
condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro
procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das
circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
Como se sabe, cabe apenas ao Delegado de Polícia, na condição de verdadeira
Autoridade Policial, presidir a investigação de infrações penais. E o termo circunstanciado de
ocorrência, assim como a verificação preliminar de informações, nada mais é do que outro
procedimento previsto em lei para materializar uma investigação criminal.
Essa conclusão foi registrada pelo próprio legislador, por meio Parecer acerca do Projeto
de Lei 132/12, que após aprovação foi convertido na Lei 12.830/13:
Quando nós falamos em outros procedimentos previstos em lei, em termos de
investigação, nós estamos falando, em primeiro lugar, da chamada verificação
preliminar de informações: quando o delegado recebe uma informação ou uma
denúncia de alguém do povo e, obviamente, antes de iniciar uma investigação,
procede a um processo preliminar de informação para ver que tipo de fundamento
têm aquelas denúncias. Isso é previsto no art. 5º, §3º do Código de Processo Penal.
E o outro procedimento é o termo circunstanciado de ocorrência, que se aplica
para aqueles casos de delitos de menor potencial, e que está previsto na Lei nº
9.099/95. (Parecer 409/2013, Rel. Senador Humberto Costa, DP 29/05/2013).
Destarte, a Lei de Investigação Criminal deixou bem claro que o Delegado de Polícia
conduz a investigação criminal, seja por meio do inquérito policial, seja por qualquer outro
procedimento previsto em lei. E o termo circunstanciado de ocorrência certamente traduz outro
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procedimento policial que materializa investigação criminal, muito embora a apuração de infração
de menor potencial ofensivo seja mais simples. Daí a consideração da doutrina no sentido de que:
O termo circunstanciado de ocorrência consiste em uma investigação simplificada
(...). Objetiva-se, como se infere, coligir elementos que atestem autoria e
materialidade delitiva, ainda que de forma sintetizada.62
O termo circunstanciado busca substituir o inquérito policial, com profundidade
proporcional à escassa gravidade do crime.63
Ao comparar o inquérito policial, o termo circunstanciado de ocorrência é
notadamente uma investigação procedimental simplificada.64
Prevalece o entendimento de que, cuidando-se de procedimento de caráter
investigatório, sua realização só pode ficar a cargo da autoridade de polícia
investigativa (ou polícia judiciária, como prefere a maioria da doutrina).65
A lavratura de um Termo Circunstanciado, tal como a de um Inquérito Policial, é
atividade estritamente de natureza investigatória criminal.66
Termo circunstanciado. Trata-se de procedimento investigativo presidido por
delegado de polícia, criado pela Lei 9.099/95 para apurar infrações de menor
potencial ofensivo (contravenções penais e crimes com pena máxima não superior
a dois anos).67
62
ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p.
942. 63
FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Legislação penal especial. V. 1. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 480. 64
DEZAN, Sandro Lúcio. In: DEZAN, Sandro Lúcio; PEREIRA, Eliomar da Silva (Org.). Investigação criminal.
Curitiba: Juruá, 2013, p. 88. 65
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 1444 66
MOREIRA, Rômulo de Andrade. A polícia rodoviária federal pode lavrar o termo circunstanciado? JusBrasil. Abr.
2015. 67
SILVA, Márcio Alberto Gomes. Inquérito policial. Campinas: Millennium, 2013, p. 89.
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Com efeito, não convence referir-se ao termo circunstanciado de ocorrência por meio de
eufemismos como ―mero registro de fatos‖ ou ―boletim de ocorrência mais robusto‖. O fato de a
investigação ser simples não desnatura seu caráter investigativo.
Cabe sublinhar que a confecção do termo circunstanciado de ocorrência não consiste em
mera atividade mecânica. Trata-se de atividade eminentemente jurídica e investigativa,
procedimento complexo em que o Delegado de Polícia deve decidir sobre a tipificação formal e
material da infração penal, o concurso de crimes, as qualificadoras e causas e aumento de pena, o
nexo de causalidade, a tentativa, a desistência voluntária, o arrependimento eficaz e o
arrependimento posterior, o crime impossível, as justificantes e as dirimentes, o conflito aparente de
leis penais, a incidência ou não de imunidade, o erro de tipo, a condição objetiva de procedibilidade
da ação penal, a apreensão dos objetos arrecadados, a restituição de objetos apreendidos, a
requisição de perícia, a requisição de documentos e dados cadastrais, a representação por medidas
assecuratórias, a representação por busca e apreensão domiciliar, a reprodução simulada dos fatos,
entre outras atribuições de polícia judiciária e de apuração de infrações penais comuns.
Caso se constate delito envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, lesão
corporal culposa de trânsito em circunstâncias específicas ou concurso de crimes de menor potencial
ofensivo em que se supere o patamar do Juizado Especial Criminal, além de todas as análises já
mencionadas, a Autoridade Policial deve deliberar acerca da existência do estado de flagrância, da
concessão da liberdade provisória mediante fiança, da presença de requisitos da prisão temporária
ou preventiva ou de outras medidas cautelares, do indiciamento, dentre outras medidas restritivas da
liberdade do cidadão.
Demais disso, além do conhecimento jurídico para concretizar tais providências, é
preciso possuir a atribuição outorgada pela Constituição Federal. A afronta à Carta Constitucional
provocaria situações teratológicas, tais como suspeitos sendo interrogados em quartéis ou postos em
rodovias, e advogados tendo que frequentar esses locais para ter acesso aos elementos
investigativos.
De mais a mais, que os princípios da celeridade, da informalidade e economia processual
(art. 62 da Lei 9.099/95) não têm o condão de revogar a Constituição Federal. Não se pode almejar a
simplicidade por meio do desrespeito às normas constitucionais de repartição de atribuições.
De outro lado, dizer que com o TCO não há restrição à liberdade do suspeito traduz
falácia que não se sustenta. Necessário lembrar que o suspeito da prática de infração penal de menor
potencial ofensivo, em que pese estar em situação de flagrância, só não é preso em flagrante por ser
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beneficiado por uma espécie de liberdade provisória sem fiança e sem vinculação, hospedada no art.
69, parágrafo único, da Lei 9.099/95.68
E o ordenamento jurídico brasileiro (confira-se, além das Leis 9.099/95, 11.343/06 e
9.503/97, a disciplina geral dada pelo CPP) só autoriza 2 autoridades a concederem a liberdade
provisória: o Juiz de Direito e o Delegado de Polícia. Eis o ensinamento da doutrina:
Se, todavia, o agente se recusar a comparecer imediatamente ao Juizado ou a
assumir o compromisso de a ele comparecer, deve a autoridade policial proceder à
lavratura do auto de prisão em flagrante, o que também não significa que o agente
permanecerá preso, porquanto é possível que lhe seja concedida liberdade
provisória com fiança pelo próprio delegado de polícia, caso a infração seja punida
com pena máxima não superior a 4 (quatro) anos (CPP, art. 322, com redação
determinada pela Lei n° 12.403/11).69
Dessa maneira, o autor de infração penal de menor potencial ofensivo pode
perfeitamente ser preso, caso não assuma o compromisso de comparecer ao Juizado Especial
Criminal. A real possibilidade da lavratura de auto de prisão em flagrante contra suspeito que não
preencher os requisitos legais impede que o procedimento transcorra em instituição diversa da
Polícia Judiciária. O agente público competente para lavrar o termo circunstanciado é
necessariamente o mesmo para lavrar o auto de prisão em flagrante, qual seja, o Delegado de
Polícia.
E caso se encontre em flagrante, será submetido às 2 primeiras fases da prisão em
flagrante, a saber, captura e condução coercitiva, o que inegavelmente representa restrição à
liberdade. Só não serão efetivadas as fases seguintes, lavratura do auto e recolhimento à prisão70
,
caso o suspeito cumpra a exigência da Lei 9.009/95.
Sem fechar os olhos a todas essas considerações, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal
Federal consolidou entendimento no sentido de que à Polícia Militar não incumbe a apuração de
infrações penais comuns, não podendo, portanto, elaborar termo circunstanciado de ocorrência ou
praticar qualquer outro ato de polícia judiciária:
A questão que me parece complicada é a transferência das funções para pessoas
que não integram o cargo e que têm funções muito específicas. (...) Tenho medo de
68
ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p.
794. 69
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 216. 70
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 860.
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que o desvio de função, algo inaceitável no sistema administrativo, esteja sendo
legitimado. (Min. Carmen Lúcia).
O problema grave é que, antes da lavratura do termo circunstanciado, o policial
militar tem de fazer um juízo jurídico de avaliação dos fatos que lhe são expostos.
É isso o mais importante do caso, não a atividade material de lavratura. É que,
quanto a esse tal de termo circunstanciado a que se refere o artigo 5º, das duas
uma: ou não é atividade de policia judiciária, ou é atividade de policia judiciária
(Min. Cezar Peluso).
O que se mostra grave, aí, são as consequências jurídicas que decorrem,
exatamente, da elaboração do termo circunstanciado de ocorrência (Min. Celso de
Mello). É exatamente dessa avaliação jurídica. Isso que é grave (Min. Cezar
Peluso).
Há consequências jurídicas severíssimas pelo preenchimento de um termo de
ocorrência por uma pessoa que não tenha nenhuma formação para isso. Quem já
militou na advocacia criminal, nas delegacias de policia, sabe muito bem o que
ocorre com o termo de ocorrência mal formulado, mal redigido, mal identificado,
mal tipificada a circunstancia que causou o termo de ocorrência (Min. Menezes
Direito).
Parece-me que ele está atribuindo a função de polícia judiciária aos policiais
militares de forma absolutamente vedada pelos artigos 144,§§ 4º, e 5º da
Constituição (Min. Ricardo Lewandowski).
Tem-se, no artigo 144 da Constituição Federal, balizas rígidas e existentes há
bastante tempo sobre as atribuições das Polícias Civis e Militares. No caso da
Polícia Militar, está previsto que cabe a ela a polícia ostensiva e a preservação da
ordem, mas não a direção de uma delegacia de polícia (Min. Marco Aurélio).
Creio que as duas polícias, civil e militar, têm atribuições, funções muito
específicas e próprias, perfeitamente delimitadas e que não podem se confundir
(Min. Ellen Gracie).71
Julgado posterior confirmou a posição institucional da Corte Suprema, em decisão cuja
autoridade não pode ser desrespeitada:
71
STF, Tribunal Pleno, ADI 3614, Rel. Min. Carmen Lúcia, DJ 23/11/2007.
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A atribuição de polícia judiciária compete à Polícia Civil, devendo o Termo
Circunstanciado ser por ela lavrado, sob pena de usurpação de função pela Polícia
Militar.72
A doutrina de peso é farta e não diverge da Corte Suprema:
A apuração das infrações penais é atribuída constitucionalmente à polícia civil, e o
TCO é peça preliminar correspondente no âmbito dos juizados. Ademais, de regra,
ele é o supedâneo para a proposta de transação penal e até mesmo da denúncia, no
procedimento dos juizados especiais, exigindo a colheita de lastro probatório
idôneo, por autoridade legítima, o que não pode ser generalizado. O papel da
polícia militar, de relevância inconteste para a segurança social, não se confunde
com a atuação da polícia civil, nem é direcionado a esse objetivo.73
O princípio da hierarquia das leis em nosso ordenamento jurídico impede que
normas infraconstitucionais – seja de âmbito federal, estadual ou municipal –
disciplinem de forma diversa qualquer matéria constante do bojo da Constituição.
Quando for o caso, ao disciplinarem matérias reguladas pela Constituição, devem
faze-lo nos limites do texto constitucional, sem contrariá-lo, sob pena de revestir-
se da pecha de inconstitucionalidade. Pois é sob essa ótica que se deve analisar a
expressão ―autoridade policial‖ utilizada no art. 69 da Lei 9.099/95. É indiferente
o sentido, alcance ou definição que o legislador ordinário tenha pretendido dar-lhe,
já que não tem competência nem legitimidade para alterar as atribuições da polícia
civil e militar definidas no Texto Constitucional. Aliás. A legislação processual
comum, em seu conjunto, refere-se somente a duas autoridades: a autoridade
policial, que é o delegado de polícia, e a autoridade judiciária, que é o
magistrado.74
Portanto, exercício de polícia de atividade judiciária deve ser feito por delegado de
polícia, salvo quando a lei determinar que estas funções possam ser realizadas por
autoridades administrativas (cf. parágrafo único do art. 4º do CPP). A única
72
STF, RE 702.617, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 31/08/2012. 73
ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p.
174. 74
NUCCI, Guilherme de Souza. Juizados Especiais Criminais Federais. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 57.
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exclusividade de exercício de polícia de atividade judiciária é a da União e
pertence à Polícia Federal, mas, sempre, o exercido é por delegado de polícia.
Destarte, basta observar o que diz o art. 69 do JECRIM acima citado para perceber
que a lei referiu-se à autoridade policial e não à, simplesmente, autoridade
administrativa. Desta forma, a Lei do JECRIM (art. 69) não se encaixa na hipótese
legal do parágrafo único do art. 4º do CPP.75
Somente o delegado de polícia pode dispensar a autuação em flagrante delito, nos
casos em que se pode evitar tal providência, ou determinar a autuação quando o
autor do fato não se comprometerão comparecimento em Juízo, arbitrando fiança
quando for o caso. Somente ele poderá determinar as diligências imprescindíveis à
instauração da ação penal quando as provas da infração penal não foram colhidas
por ocasião da prisão em flagrante delito. Assim, numa interpretação literal, lógica
e mesmo legal, somente o delegado de polícia pode determinar a lavratura do
termo circunstanciado a que se refere o art. 69... Em suma, a Lei que trata dos
Juizados Especiais em nenhum de seus dispositivos, mesmo remotamente, refere-
se a outros agentes públicos que não a autoridade policial.
Conclui-se, portanto, que, à luz da Constituição Federal e da sistemática jurídica
brasileira, autoridade policial é apenas o delegado de polícia, e só ele pode
elaborar o termo circunstanciado referido no art. 69. Desta forma, os agentes
públicos que efetuarem prisão em flagrante devem encaminhar imediatamente as
partes à autoridade policial da delegacia de polícia da respectiva circunscrição.76
A decorrência lógica e inafastável dessas exigências e circunstâncias (formação
técnica jurídica, investidura em cargo público destinado a tal função e
responsabilidade pela coação processual) é a de que a única autoridade que pode
lavrar o auto circunstanciado é o Delegado de Polícia de carreira da Polícia Civil,
nos termos do art. 144, § 4o, da Constituição da República.
Insista-se que a questão não é apenas formal, de interpretação da letra do texto
constitucional, mas da substância da garantia constitucional do devido processo
legal e da ampla defesa. O suspeito, o indiciado ou o acusado têm o direito de
75
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 173-174. 76
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro: Atlas, 1997, p. 61.
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somente assim ser colocados pela autoridade que tenha a formação técnica
especializada, a investidura e a responsabilidade constitucional e tal direito está
ligado à garantia das liberdades públicas e da dignidade da pessoa humana. (...)
E no mesmo sentido José Afonso da Silva, Antônio Evaristo de Morais Filho e
Julio Fabbrini Mirabete, para os quais apenas a Polícia Civil pode desempenhar a
função de Polícia Judiciária e a lavratura do termo circunstanciado da Lei n.
9.099/95, que faz parte dessa atribuição.
Não são argumentos sustentáveis nem a eventual formação jurídica acadêmica do
Policial Militar que atende o local, porque lhe falta a investidura e a
responsabilidade legal funcional garantidoras da melhor formulação da imputação,
ainda que incipiente e provisória, da prática de infração penal a alguém, nem o
argumento da celeridade ou informalidade que inspirou a Lei n. 9.099/95, porque
sobre elas prevalece a garantia da liberdade das pessoas, do devido processo legal
e da dignidade da pessoa humana.77
A autoridade (e essa autoridade, a nosso juízo, na esfera estatual, outra não é senão
o Delegado de Polícia, e, na Federal, o Delegado Federal) que tomar conhecimento
da ocorrência lavrará termo circunstanciado.78
Autoridade policial: na realidade, é apenas o delegado de polícia, estadual ou
federal. Policiais civis ou militares constituem agentes da autoridade policial.
Portanto, o correto é que o termo circunstanciado seja lavrado unicamente pelo
delegado.79
Prevalece o entendimento de que, cuidando-se de procedimento de caráter
investigatório, sua realização só pode ficar a cargo da autoridade de polícia
investigativa (ou polícia judiciária, como prefere a maioria da doutrina) – Polícia
Federal e Polícias Civis-, nos termos do art. 144, §1º, I e §4º da Constituição
Federal. Afinal, somente o Delegado de Polícia possui, em tese, formação técnica
profissional para classificar infrações penais, requisito indispensável para que o
77
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123-124. 78
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 118. 79
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010,
p. 827.
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ilícito seja incluído (ou não) como infração de menor potencial ofensivo. Logo, a
Polícia Militar não pode lavrar termo circunstanciado, pois tal função não está
inserida dentre aquelas inerentes ao policiamento ostensivo e à preservação da
ordem pública.80
Há uma interpretação que parece absurda, dizendo que a autoridade policial, que
tem a atribuição para lavrar o termo circunstanciado, abrange também o secretário
dos Juizados Especiais Criminais e policiais militares. Achamos que o soldado, o
cabo da Polícia Militar, não são autoridades policiais, eles têm de levar à
autoridade policial e esta lavrar o termo circunstanciado.81
De acordo com o disposto nos arts. 69 e 77, §1º, da Lei 9.099/95, o inquérito
policial é substituído por um simples boletim de ocorrência circunstanciado,
lavrado pela autoridade policial (delegado de polícia), chamado de ―termo
circunstanciado‖.82
A fase preliminar se dá no âmbito da polícia judiciária, nas delegacias de polícia.
Constatado o cometimento de delito de menor potencial ofensivo, a autoridade
policial deverá proceder à lavratura de termo circunstanciado de ocorrência. Não
há que se falar em inquérito policial para crimes de menor potencial ofensivo, cuja
pena máxima não excede dois anos. O inquérito, todavia, poderá ser realizado, em
face da conexão com outro delito que náo seja de menor potencial ofensivo, ou se
não for conhecido o agressor, quando a investigação regular (inquérito) será
instaurada para apuração da autoria.
O termo circunstanciado de ocorrência consiste em uma investigação simplificada,
com o resumo das declarações das pessoas envolvidas e das testemunhas, e
eventualmente com a juntada de exame de corpo de delito para os crimes que
deixam vestígios. Objetiva-se, como se infere, coligir elementos que atestem
autoria e materialidade delitiva, ainda que de forma sintetizada. Nos autos do
termo circunstanciado de ocorrência, o delegado tomará o compromisso do
80
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 1444 81
JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 357. 82
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 125.
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autuado de comparecer ao juizado especial em dia e horário designados
previamente.
Concluído o termo circunstanciado de ocorrência, o delegado de polícia o
encaminhará ao juizado especial criminal.83
A Polícia Militar, cada vez mais, arvora-se numa função que não é sua: lavrar
Termos Circunstanciados e protagonizar investigações. (...) A Polícia Militar é
instituição reconhecida pela Constituição da República e, embora possamos ter
divergências quanto à militarização do cotidiano, merece o respeito por suas
funções, dentro dos limites legais. No Estado Democrático de Direito o exercício
do poder estatal está limitado pela lei. Quando transborda é ilegal. (...) É de se
concluir, que a Polícia Militar, por força do art. 144 da Constituição da República,
possui a função tão somente de realização de policiamento ostensivo e, como
qualquer outro cidadão, prender em flagrante delito. A Polícia Judiciária é da
Civil, frise-se. Logo, ao se realizar a apreensão de um cidadão, esse deve ser
levado à presença da Autoridade Policial, a qual não se confunde com Sargento ou
Tenente da Polícia Militar. (...) Evidentemente, não estamos aqui satanizando a
Polícia Militar, apenas indicando seu lugar. (...) Deve ser destacado que os limites
da autoridade prevista no art. 69 da Lei 9.099/95 não deve contrariar a sistemática
estabelecida pelo Poder Constituinte (originário), na medida em que este, por
previsão expressa, atribuiu à Polícia Judiciária a competência para exercer atos de
investigação. Como se sabe, o Termo Circunstanciado, conquanto diverso
tecnicamente do Inquérito Policial, integra a fase pré-processual, com
possibilidade inclusive de requerimento de diligências (exame pericial etc.), e,
portanto, faz parte do rol de competências atribuídas à Polícia Civil. (...) É preciso
abandonar a crença infundada na bondade do poder punitivo. A contenção do
poder punitivo é uma exigência irrenunciável para a concretização do Estado
Democrático de Direito. Cuida-se de colocar cada personagem do sistema penal
em seu lugar respectivo.84
83
ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2014, p.
942. 84
ROSA, Alexandre Morais da; KHALED JUNIOR, Salah H.. Polícia Militar não pode lavrar Termo Circunstanciado:
cada um no seu quadrado. Justificando.com. 07/01/2014.
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Seria um contrassenso e uma ligeireza de raciocínio admitir que qualquer agente
ou servidor policial possa conhecer da ocorrência, lavrar termo circunstanciado e
requisitar os exames necessários, bem como praticar ao atos acima referidos, sem a
habilitação funcional e técnica indispensáveis para o bom desempenho de tais
encargos. Essas e outras são atribuições da polícia judiciária que deve ter, na
pessoa do delegado, o responsável para todos os efeitos: processuais, penais, civis
e administrativos.
Seria, também, um disparate, admitir-se que um policial militar possa praticar tais
atos tratando-se de infração de direito penal comum. Aliás, quando a Constituição
indica as atribuições das polícias civis, "dirigidas por Delegados de Polícia de
Carreira", declara que a elas incumbe as funções de polícia judiciária, salvo em
duas exceções : a) infrações cuja apuração seja da competência da União ( ilícitos
federais ) ; b) infrações militares. Ora! Se constitucionalmente existe esta última
vedação, como admitir que um policial militar (cabo, sargento, capitão ou detentor
de outra hierarquia) possa "conhecer" e "diligenciar" a respeito de infração de
direito penal comum? Se à Polícia Civil não é deferida atribuição de apurar as
infrações penais de natureza militar, a recíproca é também verdadeira.85
O art. 69 da Lei nº. 9.099/95 utilizou-se da expressão ―autoridade policial‖ como
aquela com atribuições para lavrar o Termo Circunstanciado, quando se tratar de
infrações penais de menor potencial ofensivo.
Aquela expressão, a nosso ver, restringe-se aos Delegados da Polícia Civil e da
Polícia Federal, dentro de suas atribuições específicas insculpidas nos §§ 4º. E 5º.,
do art. 144, CF/88. (...)
A lavratura de um Termo Circunstanciado, tal como a de um Inquérito Policial, é
atividade estritamente de natureza investigatória criminal.86
A atividade de condução ou de presidência da investigação criminal,
independentemente de se tratar de inquérito policial ou de outro procedimento
investigativo, defere ao delegado de polícia o dever-poder de comando e
85
DOTTI, René Ariel. A autoridade policial na Lei 9099/95. Boletim IBCCRIM. n. 41. maio/1996. 86
MOREIRA, Rômulo de Andrade. A polícia rodoviária federal pode lavrar o termo circunstanciado? JusBrasil. Abr.
2015.
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direcionamento de todos os fatores circunstanciais e jurídicos atinentes ao
procedimento.87
Qualquer ato normativo que fizer menção à figura da ―autoridade policial‖ estará
referindo-se ao delegado de polícia. Sendo assim, podemos concluir, por exemplo,
que o termo circunstanciado previsto na Lei 9.099/1995 só pode ser lavrado por
delegado de polícia.88
Noutro giro, importante mencionar a inconstitucionalidade dos acordos entre a Polícia
Militar e o Ministério Público, geralmente formalizados como termo de convênio ou de cooperação,
que objetivam autorizar a lavratura de termo circunstanciado de ocorrência pelos policiais
ostensivos, sem precisar encaminhar o infrator até a Polícia Civil ou à Polícia Federal.
De igual maneira qualquer norma estadual, materializada como Resolução, Portaria ou
mesmo Lei, porquanto o poder legiferante estadual não é ilimitado, devendo respeitar as balizas
estabelecidas pela própria Lei Fundamental. E dentre esses limites com certeza está o respeito à
divisão de competência legislativa e de atribuições dos órgãos atuantes na persecução penal.
Nessa linha, o acordo ou a norma não se presta a legitimar a usurpação de função,
porquanto o ato infralegal não se sobrepõe à Constituição Federal. O ato normativo
infraconstitucional deve ser compatível com a Lei Maior, e não o contrário. Configura verdadeiro
estelionato jurídico a pretensão de redefinir a repartição constitucional de atribuições por meio de
mero acordo bilateral, como se emenda constitucional fosse.
A inconstitucionalidade da Resolução 309/05 da Secretaria de Segurança Pública do
Estado do Paraná (atual Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária) é patente.
2.11. IMPOSSIBILIDADE DE CONDUÇÃO DE CIVIS A DESTACAMENTOS
MILITARES E DE CRIAÇÃO DE CARTÓRIOS DE INVESTIGAÇÃO DE CRIMES
COMUNS
Segundo entendimento da Corte Suprema89
, os tratados internacionais de direitos
humanos sem aprovação mediante o quórum previsto no art. 5º, §3º da CF, tais como o Pacto de San
87
DEZAN, Sandro Lúcio. In: DEZAN, Sandro Lúcio; PEREIRA, Eliomar da Silva (Org.). Investigação criminal.
Curitiba: Juruá, 2013, p. 90. 88
SANNINI NETO, Francisco. Inquérito policial e prisões provisórias. São Paulo: Ideias & Letras, 2014, p. 46. 89
STF, Tribunal Pleno, RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05/06/2009.
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Jose da Costa Rica, possuem status hierárquico supralegal. É dizer, a Convenção Americana de
Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto 678/92, apesar de não possuir força constitucional,
encontra-se hierarquicamente acima das leis.
Pois bem. Existe norma expressa na CADH exigindo que qualquer suspeito detido ou
retido seja apresentado imediatamente à autoridade competente:
Direito à Liberdade Pessoal
Art. 7.5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença
de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem
direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem
prejuízo de que prossiga o processo.
Dispositivo semelhante encontra-se plasmado no art. 9.3 do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos. Surge então a necessidade de se definir qual seria a ―ou outra autoridade
autorizada pela lei a exercer funções judiciais‖. A interpretação do dispositivo – seja legal,
doutrinária ou jurisprudencial – indica que tal autoridade é o Delegado de Polícia.
Há arcabouço normativo internacional a ser utilizado de amparo para essa tarefa
interpretativa. O Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer
forma de Detenção ou Prisão (Resolução 43/173 da ONU) traz uma série de conceitos, dentre eles
exatamente o termo ora discutido:
Terminologia
Para efeitos do Conjunto de Princípios:
f) A expressão "autoridade judiciária ou outra autoridade" designa a autoridade
judiciária ou outra autoridade estabelecida nos termos da lei cujo estatuto e
mandato ofereçam as mais sólidas garantias de competência, imparcialidade e
independência.
Princípio 11
1. Ninguém será mantido em detenção sem ter a possibilidade efetiva de ser
ouvido prontamente por uma autoridade judiciária ou outra autoridade.
3. A autoridade judiciária ou outra autoridade devem ter poderes para apreciar, se
tal for justificável, a manutenção da detenção.
A legislação nacional não diverge. O CPP faculta ao Delegado de Polícia a tomada de
certas decisões tipicamente judiciais, tais como a prisão em flagrante e a liberdade provisória.
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A própria Corte Internacional deixa claro que o detido deve ser apresentado incontinenti
ao juiz o ao Delegado de Polícia:
Este Tribunal considera que, para satisfazer a garantia estabelecida no artigo 7.5 da
Convenção em matéria migratória, a legislação interna deve assegurar que o
funcionário autorizado pela lei para exercer funções jurisdicionais cumpra as
características de imparcialidade e independência que deve reger todo órgão
encarregado de determinar direitos e obrigações das pessoas. Nesse sentido, o
Tribunal já estabeleceu que ditas características não só devem corresponder aos
órgãos estritamente jurisdicionais, senão que as disposições do artigo 8.1 da
Convenção se aplicam também às decisões de órgãos administrativos. Toda vez
que em relação a essa garantia corresponder ao funcionário a tarefa de prevenir ou
fazer cessar as detenções ilegais ou arbitrárias, é imprescindível que dito
funcionário esteja facultado a colocar em liberdade a pessoa se sua detenção for
ilegal ou arbitrária.90
A doutrina explica:
Neste caso concreto, dentre outras fundamentações sobre violações sobre direitos
humanos, ressaltou, conforme o trecho transcrito acima, a importância da
autoridade administrativa exercer a função materialmente jurisdicional de forma
imediata para que o judiciário e a defensoria pudessem atuar, bem como sua prisão
pelo Diretor (Delegado) fosse necessariamente fundamentada.
Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a proteção dos direitos
humanos fundamentais, desde o início da análise imediata da condução realizada
pela polícia e sua análise pelo órgão administrativo, que exerce função
materialmente jurisdicional, com direito ao judiciário e a defesa técnica, tudo de
forma fundamentada, seria a maneira pela qual lhe seria assegurado o acesso à
justiça.91
Como se não bastasse, o próprio CPP possui regra expressa nesse sentido:
Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e
colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de
90
CIDH, Caso Velez Loor vs Panamá, Sentença de 23/11/2010. 91
MARREIROS, Ruchster. A Autoridade Policial e as Garantias do Preso nos Tratados de Direitos Humanos. Jusbrasil,
08/2014.
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Página: 44
entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o
acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita,
colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade,
afinal, o auto.
Nesse contexto, a recusa da PM em apresentar o conduzido ao Delegado de Polícia, ou
mesmo a injustificada demora do policial castrense, além de afrontar um sem número de garantias
constitucionais, materializa nítido abuso de autoridade (art. 4º, a e b, da Lei 4.898/65). Qualquer
outra interpretação viola a franquia constitucional de liberdades públicas e coloca em risco o Estado
Democrático de Direito.
O Brasil inclusive já foi condenado pela CIDH, no Caso Escher, porque um policial
militar do Estado do Paraná usurpou as atribuições da polícia judiciária, o que gerou uma
indenização de U$ 30.000,00, paga, em última análise, pela população brasileira:
O Estado deve pagar (...) o montante fixado no parágrafo 235 da presente Sentença
a título de dano imaterial [US$ 20.000,00] (...). O Estado deve publicar no Diário
Oficial, em outro jornal de ampla circulação nacional, e em um jornal de ampla
circulação no Estado do Paraná, uma única vez, a página de rosto, os Capítulos I,
VI a XI, sem as notas de rodapé, e a parte resolutiva da presente Sentença, bem
como deve publicar de forma íntegra a presente Decisão em um sítio web oficial
da União Federal e do Estado do Paraná. (...) O Estado deve investigar os fatos que
geraram as violações do presente caso, nos termos do parágrafo 247 da presente
Sentença. O Estado deve pagar o montante fixado no parágrafo 259 da presente
Sentença por restituição de custas e gastos [US$ 10.000,00], dentro do prazo de
um ano contado a partir da notificação da mesma e conforme as modalidades
especificadas nos parágrafos 260 a 264 desta Decisão.92
Além desse caso emblemático envolvendo o Brasil, motivo de vergonha para todos os
brasileiros, a CIDH possui outros julgados condenando os Estados que ousam promover
investigações militares de crimes comuns.93
92
CIDH, Caso Escher e Outros vs Brasil, Sentença de 06/07/2009. (tradução livre) 93
CIDH, Caso Nadege Dorzema e Outros vs Republica Dominicana, Sentença de 24/10/2012; CIDH, Caso Castillo
Petruzzi e Outros Vs. Perú, Sentença de 30/05/1999; CIDH, Caso Vélez Restrepo e Familiares vs Colombia, Sentença de
03/09/2012.
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Inclusive está em curso, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, investigação
sobre o homicídio e tortura do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975. Foi instaurado inquérito
policial militar, que concluiu pela ocorrência de suicídio.
A doutrina, comentando a posição da Corte Internacional no caso Nadege Dorzema e
Outros vs Republica Dominicana, explica:
Entendeu que a intervenção militar em investigações de civis é medida
excepcional, tendo o país violado as próprias leis internas quando permitiram que
a investigação fosse militar, ao revés de uma investigação civil. (...) Por este
sentido, a Corte estabeleceu que o Estado descumpriu sua obrigação de adotar
disposições de direito interno, situação que foi remediada posteriormente pelo
Estado, o que não tem sido realizado aqui no Brasil, quando nos deparamos com a
polícia militar, polícia rodoviária federal e a polícia militar "conveniada" com o
Ministério Público, em seus famigerados "procedimentos de investigação penal".94
Os estudiosos repelem a condução de civis a destacamentos militares:
Quando alguém é surpreendido cometendo uma contravenção, ou crime cuja pena
máxima não supere um ano [segundo a antiga redação da Lei 9.099/95], é levado
obviamente à Delegacia de Polícia. Não se lavrará, entretanto, auto de prisão em
flagrante, mas sim um termo circunstanciado, encaminhando- se, em seguida, o
autor do fato ao Juizado Especial Criminal Ainda que não seja encaminhado
incontinenti, se ele assumir o compromisso de comparecer ao Juizado, também
não se lavrará o auto, nos termos do parágrafo único do art. 69 da Lei n.
9.099/95.95
Flagrado alguém pelo cometimento de um crime, deve o PM conduzir o cidadão à
delegacia (e jamais a um quartel) a fim de que a autoridade policial analise a
situação e, se for o caso, o encaminhe ao presídio, onde permanecerá à disposição
do poder judiciário.96
94
MARREIROS, Ruchster. A Autoridade Policial e as Garantias do Preso nos Tratados de Direitos Humanos. Jusbrasil,
08/2014. 95
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 495. 96
NEVES, Antonio Marcio Campos. Boletins de ocorrência lavrados pela PM: quem ganha com isso?. Revista Jus
Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3039, 27 out. 2011.
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Até que o Delegado de Polícia colha termo do suspeito no sentido de se apresentar ao
Juizado Especial Criminal, a situação flagrancial persiste, ensejando a lavratura do auto de prisão
em flagrante, de atribuição da Polícia Judiciária. Por isso é que ensina a doutrina que:
Os agentes públicos que efetuarem prisão em flagrante devem encaminhar
imediatamente as partes à autoridade policial da delegacia de polícia da respectiva
circunscrição.97
Imediatamente após a detenção, deverá o preso ser apresentado à autoridade
policial. A demora injustificada poderá constituir o crime de abuso de autoridade
(Lei n. 4-898), em se tratando de agentes do Estado, ou, caso a prisão tenha sido
realizada por particular, estaremos diante, em tese, dos delitos de constrangimento
ilegal (art. 146) ou seqüestro e cárcere privado (art. 148), conforme o caso.98
Buscando evitar a militarização da investigação criminal no Brasil, o que abrange a
condução forçada de civis a destacamentos militares, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos
editou a Resolução 8/12, a qual enuncia que:
Art. 2º. (...) XI. Os Comandantes das Polícias Militares nos Estados envidarão
esforços no sentido de coibir a realização de investigações pelo Serviço Reservado
(P-2) em hipóteses não relacionadas com a prática de infrações penais militares;
Apesar da clareza dos comandos da Constituição Federal, de tratados internacionais de
direitos humanos e da legislação infraconstitucional, há militares se colocando acima do
ordenamento jurídico. Por afrontas como essas o Ministro Celso de Mello se viu obrigado a alertar:
É preciso advertir esses setores marginais que atuam criminosamente na periferia
das corporações policiais que ninguém, absolutamente ninguém – inclusive a
Polícia Militar – está acima das leis.99
A insistência em desrespeitar os comandos jurídicos levou à edição de norma pela
Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Estado de Mato Grosso do Sul, após provocação da
Ordem dos Advogados do Brasil, materializada na Resolução SEJUSP MS 544/11:
97
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro: Atlas, 1997, p. 61. 98
LOPES JÚNIOR. Aury Lopes. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012,
p. 811. 99
STF, ADI 1494, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 09/04/97.
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Art. 1º. Os policiais militares ou os policiais civis que encontrarem pessoas em
flagrante delito deverão efetuar a prisão e apresentar o preso, imediatamente, à
Delegacia de Polícia de plantão.
§ 1º Fica vedado o encaminhamento do preso a qualquer unidade de segurança
pública que não a Delegacia de Polícia de plantão.
A condução de civis a destacamentos militares é uma incomensurável aberração, e
motivou o Ministério Público, no exercício do controle externo, a confeccionar recomendações nos
estados em que essa prática absurda estava a ocorrer:
Na hipótese excepcional de ser efetuada qualquer prisão ou detenção de qualquer
pessoa, esta deverá ser imediatamente conduzida à autoridade policial ou
judiciária, conforme o caso, mais próxima do local da ocorrência ou aquela
especialmente designada para atender a ocorrência, vedada a condução de detidos
para outros órgãos estranhos à estrutura da polícia judiciária ou poder judiciário.100
Constituem abuso de autoridade e usurpação de função: a condução de pessoa civil
atuada em flagrante delito, bem como sua retenção e interrogatório, em qualquer
unidade militar, Batalhão, Companhia e Posto de Vigilância ou Patrulha, não
sendo justificável qualquer ponderação em contrário.101
De mais a mais, a criação de cartórios em destacamentos militares, a fim de concretizar
investigação de crimes comuns e conduzir suspeitos civis, representa uma afronta sem limites à
democracia brasileira. Cuida-se de verdadeira ―Delegacia de Polícia Militar‖, onde o policial
fardado, com treinamento militar, faz as vezes de Delegado de Polícia, realizando análises jurídicas
para as quais não possui competência e colocando em risco a liberdade do cidadão.
2.12. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
PARA O CIDADÃO – INEFICIÊNCIA DO ESTADO
100
Recomendação Conjunta do Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul,
09/06/2014. 101
Recomendação 03/2011 do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, 27/10/2011.
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Não é aceitável que, a pretexto de combater a criminalidade, a Polícia Militar, com a
chancela de quem quer que seja, viole as normas constitucionais, amparando-se no falacioso
argumento da defesa do interesse público.
Amparar tais medidas sob a escusa das máculas estruturais das Polícias Judiciárias
corresponde à adoção do famoso jeitinho brasileiro no âmbito jurídico, em prejuízo da franquia de
liberdades constitucionais da pessoa humana.
Pretender solucionar a falta de efetivo da Polícia Judiciária permitindo a outros
servidores públicos o exercício das atribuições dos policiais civis configura demagogia barata que
brinca com a vida do cidadão brasileiro. Seria o mesmo que, a pretexto de resolver a carência de
Promotores e Juízes, autorizar ao Delegado de Polícia a possibilidade de promover a ação penal e de
sentenciar alguém, excrescência que ninguém sequer cogita.
Permitir, sob a frágil desculpa de falta de recursos humanos e materiais de outros órgãos,
que policiais ostensivos devassem a vida alheia, representa duro golpe na democracia brasileira,
conquistada à duras penas, e um atentado á cidadania. Antes de fazer Justiça, tais atitudes
promovem a impunidade, como será visto no tópico acerca da ilicitude de provas.
Além de escancarada violação da repartição constitucional de atribuições, a investigação
feita pela PM gera inúmeros problemas práticos.
Quando um agente público exerce atribuição para a qual não está legalmente autorizado,
deixa de cumprir suas funções precípuas com eficiência, malferindo esse postulado constitucional
exigido de forma genérica para toda a Administração Pública (art. 37 da CF) e em especial dos
organismos de segurança pública (art. 144, §7º da CF):
Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas
atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno
princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada
apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e
satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. (...)
A eficiência funcional é, pois, considerada em sentido amplo, abrangendo não só a
produtividade do exercente do cargo ou da função como a perfeição do trabalho e
sua adequação técnica aos fins visados pela Administração, para o que se avaliam
os resultados, confrontam-se os desempenhos e se aperfeiçoa o pessoal através de
seleção e treinamento.102
102
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 93.
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Golpeia não apenas os comandos constitucionais, mas o próprio bom senso, desviar para
função alheia um efetivo policial que não consegue cumprir integralmente sequer o seu próprio
dever de prevenção à criminalidade:
Sobre essa questão não é cabível a invocação de argumentos utilitaristas ou
tecnicamente maquiavélicos no sentido de que ―os fins justificam os meios‖,
mesmo em face da carência de efetivo dos órgãos de polícia judiciária ou da
reconhecida necessidade de incremento da segurança pública no seio social.103
Utilizar policiais ostensivos na investigação criminal significa um inaceitável
decréscimo na efetividade da função repressiva. Mesmo que houvesse autorização constitucional a
tanto, de nada adiantaria um incremento na função investigatória do Estado se para isso o Poder
Público negligencia sua função prévia de manutenção da ordem pública.
A alegação da Polícia Castrense de que a lavratura de termo circunstanciado de
ocorrência promoveria mais eficiência à persecução penal é frágil, e cai por terra ao se considerar
que cada policial militar que realiza indevidamente a função investigativa e cartorária representa
menos um policial fardado nas vias públicas para inibir a prática de delitos.
Caso queira de fato contribuir com o sistema de persecução penal, basta que o agente
público se concentre em cumprir sua função precípua, que é a de prevenção do crime. Se executar
essa missão com êxito, o Estado-Investigação nem chegará a ter a preocupação com a investigação
do delito não ocorrido.
Cada instituição envolvida na segurança pública é responsável por um papel relevante na
equação do combate à criminalidade, não havendo interesse público ou tampouco previsão
constitucional autorizando que as funções se sobreponham.
As demais atribuições constitucionais, como a de policia ostensiva, são igualmente
nobres, e todo policial deve ter orgulho ao desempenhar sua função. Caso se sinta frustrado com seu
dever legal por algum motivo, possui como saída a exoneração do cargo e o ingresso no cargo
almejado por meio de concurso público.
2.13. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
PARA A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - ILICITUDE DE PROVAS
103
CABRAL, Bruno Fontenele; SOUZA, Rafael Pinto Marques de. Manual prático de polícia judiciária. Salvador:
Juspodivm, 2013, p. 212.
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Sempre que um agente público incompetente se imiscui em questões relativas à
investigação, quer colhendo elementos informativos ou probatórios, quer desejando exercer o poder
decisório nas questões jurídicas, as consequências para a persecução penal são desastrosas.
Todos os elementos informativos e probatórios produzidos por instituição diversa da
Polícia Judiciária são inválidos, porquanto o ordenamento jurídico veda a utilização da prova ilícita,
bem como os elementos derivados em razão da teoria dos frutos da árvore envenenada:
CF, Art. 5º, LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos;
CPP, Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as
provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais
ou legais.
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas
puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
Os Tribunais Superiores igualmente entendem que são nulas as provas colhidas com
desrespeito à divisão constitucional de atribuições, em manifesto abuso de poder:
A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art.
5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma
sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja
obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem
constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que
resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual),
não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em
matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene
retentum". (...)
Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente,
em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude
por derivação.104
104
STF, RHC 90.376, Rel. Min. Celso de Mello, DP 03/04/2007.
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No caso em exame, é inquestionável o prejuízo acarretado pelas investigações
realizadas em desconformidade com as normas legais, e não convalescem, sob
qualquer ângulo que seja analisada a questão, porquanto é manifesta a nulidade
das diligências perpetradas (...)
Portanto, inexistem dúvidas de que tais provas estão irremediavelmente
maculadas, devendo ser consideradas ilícitas e inadmissíveis, circunstâncias que as
tornam destituídas de qualquer eficácia jurídica, consoante entendimento já
cristalizado pela doutrina pacífica e lastreado na torrencial jurisprudência dos
nossos tribunais.105
A doutrina se manifesta especificamente quanto aos elementos colhidos em investigação
presidida por órgão distinto da Polícia Judiciária:
Todos os elementos produzidos arbitrariamente pela Polícia Militar
consubstanciam-se em provas ilícitas, que devem ser amputadas dos autos. Essa
exclusão dos elementos imprestáveis é claramente uma forma de garantir o
respeito a direitos fundamentais, e de evitar que os tribunais se tornem cúmplices
da ilegalidade, assegurando ao povo que o Estado agirá dentro da lei e não poderá
ter benefícios quando agir fora dela.106
Cabe também o trancamento da investigação criminal por meio do remédio heroico,
como sinaliza a doutrina:
Se a ação penal indevida e sem justa causa já significa coação ilegal passível de
ser trancada por meio de habeas corpus, assim também o inquérito policial e a
lavratura do termo circunstanciado na medida em que este último submete alguém
ao ônus de comparecer em juízo sob a ameaça da lavratura do flagrante ou de ser
compelido a prestar fiança. Com a lavratura do flagrante ou do Termo
Circunstanciado, a autoridade assume a coação processual e torna-se autoridade
coatora, responsável para ser o impetrado no writ constitucional do habeas
corpus.107
105
STJ, HC 149.250, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 23/03/2011. 106
CARVALHO, Ricardo Cintra Torres de. A inadmissibilidade da prova ilícita no processo penal. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, ano 3, n. 12, p. 172, ou./dez. 1995. 107
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123.
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Nesse prisma, afronta a incontáveis garantias fundamentais a pretexto de combater o
crime produz uma sucessão de atos nulos, que não legitimam o agir estatal, mas o desqualificam.
Isso significa que, antes de fazer Justiça, tais atitudes promovem a impunidade. Não se trata de
disputa corporativista, senão de respeito a preceito constitucional.
2.14. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
PARA O ESTADO – CONDENAÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS
Segundo entendimento da Corte Suprema108
, os tratados internacionais de direitos
humanos sem aprovação mediante o quórum previsto no art. 5º, §3º da CF, tais como o Pacto de San
Jose da Costa Rica, possuem status hierárquico supralegal. É dizer, a Convenção Americana de
Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto 678/92, apesar de não possuir força constitucional,
encontra-se hierarquicamente acima das leis.
A importância do referido diploma normativo é inconteste. Ocorre que, conforme
entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Estado que leva adiante
investigações arbitrárias afronta diversas normas plasmadas na CADH, a saber:
Obrigação de Respeitar os Direitos
Art. 1.1. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os
direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a
toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição (...).
Direito à Liberdade Pessoal
Art. 7.5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença
de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem
direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem
prejuízo de que prossiga o processo.
Proteção da Honra e da Dignidade
Art. 11.2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua
vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem
de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.
108
STF, Tribunal Pleno, RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 05/06/2009.
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Cláusula Federal
Art. 28.1. Quando se tratar de um Estado-Parte constituído como Estado federal, o
governo nacional do aludido Estado-Parte cumprirá todas as disposições da
presente Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce
competência legislativa e judicial.
Art. 28.2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à
competência das entidades componentes da federação, o governo nacional deve
tomar imediatamente as medidas pertinentes, em conformidade com sua
constituição e suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas
entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta
Convenção.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos segue a mesma linha:
Art. 2.1. Os Estados-Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar e a
garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeito
à sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto (...).
Art. 9.3. Qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá
ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada
por lei a exercer funções e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser
posta em liberdade.
Art. 17. 1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua
vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de
ofensas ilegais às suas honra e reputação.
Como mencionado, o Brasil foi condenado pela CIDH, no Caso Escher, exatamente
porque um policial militar do Estado do Paraná usurpou as atribuições da polícia judiciária, o que
gerou uma indenização de U$ 30.000,00. Quem arcou com o custo não foi o miliciano usurpador,
mas sim a inocente população brasileira.
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Além desse caso emblemático envolvendo o Brasil, motivo de vergonha para todos os
brasileiros, a CIDH possui outros julgados condenando os Estados que ousam promover
investigações despóticas.109
2.15. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
PARA OS AGENTES PÚBLICOS – CRIMES E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
As consequências do desrespeito à Constituição Federal, aos tratados internacionais de
direitos humanos e à legislação infraconstitucional não ficam somente no campo da ilicitude da
persecução penal. Os agentes públicos que se arvoram no direito de exercer atribuição não conferida
pela Lei Maior praticam ato ilícito, tanto penal como civil.
A doutrina indica que o policial que insistir na inconstitucionalidade poderá incorrer no
crime de usurpação de função pública (art. 328 do CP) e abuso de autoridade (art. 3º, a da Lei
4.898/65)110
, como já assentou inclusive o Supremo Tribunal Federal:
A atribuição de polícia judiciária compete à Polícia Civil, devendo o Termo
Circunstanciado ser por ela lavrado, sob pena de usurpação de função pela Polícia
Militar.111
Quanto ao delito estampado no art. 328 da Lei Repressiva, ensina a doutrina:
O Estado tem interesse em preservar incondicionalmente a escolha e a investidura
das pessoas a quem são confiados os cargos públicos e o exercício das funções
públicas. Destarte, não se admite o comportamento daquele que afronta esta
prerrogativa do Poder Público, sujeitando-se o infrator às sanções cabíveis. Entra
em cena o crime de usurpação de função pública.
Usurpar o exercício de função pública é investir-se nela e executá-la
indevidamente, arbitrariamente, sem possuir motivo legítimo para tanto. (...)
109
CIDH, Caso Nadege Dorzema e Outros vs Republica Dominicana, Sentença de 24/10/2012; CIDH, Caso Castillo
Petruzzi e Outros Vs. Perú, Sentença de 30/05/1999; CIDH, Caso Vélez Restrepo e Familiares vs Colombia, Sentença de
03/09/2012. 110
BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1997, p. 58; MOREIRA, Rômulo de Andrade. A polícia rodoviária federal pode lavrar o termo
circunstanciado? JusBrasil. Abr. 2014. 111
STF, RE 702.617, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 31/08/2012.
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DE PRERROGATIVAS DOS DELEGADOS DE POLÍCIA
E DE DIREITOS DOS CIDADÃOS
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O funcionário público pode ser autor do delito, desde que usurpe função distinta da
sua, como no exemplo em que um escrivão realiza atos privativos do Delegado de
Polícia. Em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.112
Com relação ao crime plasmado na Lei 4.898/65, eis a lição doutrinária:
Agem as autoridades no intuito de prevenir e reprimir a prática de crimes, hipótese
em que está configurado o estrito cumprimento do dever legal. Obviamente que
elas devem agir dentro dos rígidos limites de seu dever, fora dos quais desaparece
essa excludente da ilicitude.113
Noutro giro, saindo da esfera penal, tem-se que a Lei 8429/92 prevê três espécies de atos
de improbidade administrativa: 1) os que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º), 2) os que
causam prejuízo ao erário (art. 10) e 3) os que atentam contra os princípios da Administração
Pública (art. 11).
Vejamos a modalidade trazida pelo art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres
de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele
previsto, na regra de competência;
A doutrina ensina que:
O art. 11 da Lei Federal n. 8.429/92 funciona como regra de reserva, para os casos
de improbidade administrativa que não acarretam lesão ao erário nem importam
em enriquecimento ilícito do agente público que a pratica. Compreende-se que
assim seja, visto que o bem jurídico tutelado pelo diploma em questão é a
probidade administrativa, objetivo revelado no art. 21, quando aventa a
possibilidade de se caracterizar ato de improbidade, ainda que sem a ocorrência do
efetivo prejuízo.114
112
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. v. 3. São Paulo: Método, 2013, p. 722-733. 113
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 26. 114
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Improbidade Administrativa. São Paulo: Atlas, 1998.
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Para a configuração da referida improbidade, a doutrina e jurisprudência majoritárias
exigem a presença do elemento volitivo consubstanciado no dolo, de modo que nem toda ilegalidade
é sinônimo de improbidade.
Não se falaria em dolo, e consequentemente em improbidade administrativa, apenas se o
agente público apresentasse justificativa razoável para a ilicitude praticada, explicação essa que
ocorre geralmente em casos de condutas omissivas, não sendo o caso em tela.115
Na situação em exame, em que o agente público é avisado para que se abstenha de
usurpar função a ele não conferida constitucionalmente, porém delibera em continuar na esfera da
ilicitude, resta evidente a má-fé. Confira-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
O réu menospreza os princípios constitucionais aos quais deve obediência no
exercício do múnus público que lhe foi outorgado, demonstrando não ter a
moralidade necessária àqueles que devem ocupar ou permanecer em cargos
públicos. Nesse contexto, a pena de suspensão dos direitos políticos não se mostra
desproporcional, mas, ao contrário, necessária.116
3. CONCLUSÃO
Com arrimo em todos os fundamentos expostos, conclui-se que o ato questionado tem o
potencial de ferir o ordenamento jurídico constitucional, supralegal e legal, estando também em
desacordo com o preconizado pela doutrina e jurisprudência.
Em síntese, não há dúvidas que: a) as atribuições de polícia judiciária e investigação de
crimes comuns incumbem à Polícia Civil, comandada por Delegado de Polícia, sendo a esfera de
atuação da Polícia Militar bem diversa, qual seja, a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; b) o discurso contra a impunidade não pode justificar a mitigação irresponsável de direitos
fundamentais e a escancarada afronta à divisão de atribuições. A perseguição do crime pode e deve
ser feita sem necessidade de ultrapassar os limites de atuação dos órgãos estatais; c) a repartição
orgânica de atribuições, o princípio da legalidade e a competência do ato administrativo impedem
que qualquer outro agente público diverso do Delegado de Polícia exerça a função de Autoridade
Policial. Cuida-se de garantia do cidadão, no sentido de que na investigação criminal os fins não
podem justificar os meios e a pessoa investigada não pode ser colocada na condição de objeto; d) o
115
STJ, REsp 1230352, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJ 27/08/2013. 116
STJ, REsp 1424418, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 19/08/2014.
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conceito legal de Autoridade Policial remete única e exclusivamente ao Delegado de Polícia; e) o
Delegado de Polícia pertence a uma carreira jurídica, diversamente do miliciano, que consiste em
agente da Autoridade Policial; f) sequer o policiamento ostensivo deve ser realizado pela Polícia
Militar, que deve ser desmilitarizada, segundo recomendações do Conselho de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas e da Comissão da Verdade, o que também impede que prevaleça
um regime castrense de investigação criminal; g) o sistema processual penal pátrio não autoriza a
Polícia Militar a lavrar termo circunstanciado de ocorrência, a criar cartórios de investigação de
crimes comuns ou a conduzir civis a destacamentos militares, porquanto a atribuição de apuração de
infrações penais comuns é outorgada ao Delegado de Polícia. Qualquer acordo em sentido contrário
reveste-se de evidente inconstitucionalidade; h) a lavratura de TCO pelo policial militar, além de
acarretar ineficiência do Estado, gera ilicitude das eventuais provas colhidas, bem como todos os
elementos dela decorrentes, possibilitando a futura condenação do Brasil na Corte Interamericana de
Direitos Humanos; i) a atuação do policial castrense à margem do ordenamento jurídico caracteriza,
por parte do executor e mandante, crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade,
bem como improbidade administrativa.
Destarte, com o desiderato de preservar o sistema jurídico pátrio e salvaguardar os
direitos fundamentais dos cidadãos, sugere-se a adoção das seguintes medidas:
3.1. Peticionar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que, após análise
de admissibilidade, submeta o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos a fim de que o
Brasil condenado por violação ao Pacto de São José da Costa Rica.
3.2. Peticionar à Corregedoria da Polícia Militar do Estado do Paraná para que apure a
conduta dos milicianos usurpadores, bem como do comandante do respectivo Batalhão que
eventualmente tenha lhe determinado a usurpação de função.
3.3. Oficiar à Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa para que
confirme se tem conhecimento da violação de direitos humanos e se abstenha de incentivar tal
prática.
3.4. Sugerir aos Delegados de Polícia que atuem na circunscrição que, respeitada a
independência funcional: a) não utilize as provas manifestamente ilícitas produzidas pela Polícia
Militar ou elementos delas decorrentes para tomar qualquer medida restritiva contra os investigados;
b) instaure inquérito policial por crime de usurpação de função pública (art. 328 do CP) em concurso
com abuso de autoridade (art. 3º da Lei 4.898/65) e eventuais outras infrações penais cometidas, em
desfavor dos milicianos usurpadores, bem como do comandante do respectivo Batalhão que
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eventualmente tenha participado dos delitos, além de remeter cópia do expediente ao Ministério
Público para apuração da improbidade administrativa (art. 11, I da Lei 8.429/92).
3.5. Solicitar gestão do Exmo. Secretário de Segurança Pública e Administração
Penitenciária do Estado do Paraná a fim de que determine que a Polícia Militar do Estado do Paraná
se abstenha da prática de qualquer ato de polícia judiciária e apuração de infrações penais comuns,
sugerindo a edição de ato normativo estadual nesse sentido e a emissão de ordem direcionada a
todos os comandantes de Batalhões a fim de que instruam e fiscalizem a tropa nesse sentido.
3.6. Solicitar gestão do Exmo. Delegado Geral da Polícia Civil do Estado do Paraná
junto ao Comandante da Polícia Militar do Estado do Paraná para que instrua os comandantes de
Batalhões e todo o efetivo policial militar a não extrapolar suas atribuições constitucionais e legais.
3.7. Publicar o presente parecer nos meios de comunicação pertinentes, inclusive no site
do Sindicato dos Delegados de Polícia do Paraná, a fim de que a população em geral tome ciência de
seus direitos, estampados nas prerrogativas dos Delegados de Polícia, e dessa forma tenha condições
de cobrar o seu respeito das autoridades competentes.
3.8. Remeter cópia do presente parecer à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República, à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, à Comissão
de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, ao Conselho Nacional de
Justiça, ao Conselho Nacional do Ministério Público, à Comissão Nacional de Direitos Humanos da
Ordem dos Advogados do Brasil, à Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da Assembleia
Legislativa do Estado do Paraná, ao Conselho Permanente dos Direitos Humanos do Estado do
Paraná da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, à Comissão de Defesa dos Direitos
Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Paraná, à Defensoria Pública do Estado do
Paraná, à Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e à Procuradoria Geral de Justiça
do Ministério Público do Estado do Paraná, com a finalidade de que os órgãos de defesa dos direitos
humanos possam tomar as medidas cabíveis a fim de proteger a população em seu direito
fundamental a ser investigada pelo órgão devido.
À consideração da Presidência da Comissão de Defesa de Prerrogativas dos Delegados
de Polícia e de Direitos dos Cidadãos, para conhecimento e adoção das providências que
compreender necessárias.
Apucarana/PR, 1º de junho de 2015
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Assinado no original
Henrique Hoffmann Monteiro de Castro*
* Professor Coordenador da Pós-Graduação em Ciências Criminais da FACNOPAR e do Curso CEI. Professor
Convidado da Escola da Magistratura do Paraná, da Escola do Ministério Público do Paraná, da Escola de Governo de
Santa Catarina (Curso de Formação de Defensores Públicos), da Escola Nacional de Polícia Judiciária e da Escola
Superior de Polícia Civil do Paraná. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Gama Filho, e
em Segurança Pública pela UNIESP. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Colunista do
Conjur. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal, da Associação Internacional de Direito Penal e da
International Police Association. Delegado de Polícia Civil do Paraná. Assessor Jurídico da Federação Nacional dos
Delegados de Polícia Civil. Ex-Delegado de Polícia Civil do Mato Grosso. Ex-Advogado em Minas Gerais.