Parecer Paula Ifc Final

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1 Profª Drª Maria Paula Casagrande Marimon e-mail:[email protected], fone 48-33218541 PARECER AO MINSTÉRIO PÚBLICO PARA SUBSIDIAR A DISCUSSÃO DO EIA/RIMA REFERENTE AO PROJETO ANITÁPOLIS, APRESENTADO PELA INDÚSTRIA DE FOSFATADOS CATARINENSE – IFC. DO OBJETO: Análise dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Anitápolis (EIA/RIMA), que compreende o empreendimento de mineração e fabricação de fertilizante fosfatado pela Indústria de Fosfatados Catarinense - IFC, a ser instalado no Município de Anitápolis/SC. DA PARECERISTA: Possui graduação em Geologia, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (São Leopoldo/RS) e Mestrado e Doutorado em Geoquímica Ambiental, realizados nos Institutos de Geociências da UFBA e da UFRGS, respectivamente, com estágio doutoral realizado no Umweltforschungcentrum (Centre for Environmental Research) em Leipzig- Halle, Alemanha. Realizou durante o doutoramento, estudos sobre concentrações anômalas de flúor em águas subterrâneas, fertilizantes fosfatados e implicações na poluição de solos e águas subterrâneas. Atualmente, tem participado do grupo governamental de Prevenção de Desastres e Catástrofes Naturais de Santa Catarina – GTC, como representante da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, onde atua como docente, desde 1991, no Departamento de Geografia. DOS DADOS APRESENTADOS: Os documentos analisados estão contidos em um DVD, constituído por um arquivo PDF e 15 pastas referentes ao EIA/RIMA do Projeto de Anitápolis, conforme mostrado na Figura 1 a seguir. As referências no texto se referem a estes arquivos.

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Parecer sobre EIA apresentado pelas empresas Bunge e Yara (IFC) para licenciamento ambiental para implantação de mineração de fosfato em Anitápolis SC Brasil

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PARECER AO MINSTÉRIO PÚBLICO PARA SUBSIDIAR A DISCUSSÃO DO

EIA/RIMA REFERENTE AO PROJETO ANITÁPOLIS, APRESENTADO PELA

INDÚSTRIA DE FOSFATADOS CATARINENSE – IFC.

DO OBJETO: Análise dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de

Impacto Ambiental do Projeto Anitápolis (EIA/RIMA), que compreende o

empreendimento de mineração e fabricação de fertilizante fosfatado pela

Indústria de Fosfatados Catarinense - IFC, a ser instalado no Município de

Anitápolis/SC.

DA PARECERISTA: Possui graduação em Geologia, pela Universidade do

Vale do Rio dos Sinos (São Leopoldo/RS) e Mestrado e Doutorado em

Geoquímica Ambiental, realizados nos Institutos de Geociências da UFBA e da

UFRGS, respectivamente, com estágio doutoral realizado no

Umweltforschungcentrum (Centre for Environmental Research) em Leipzig-

Halle, Alemanha. Realizou durante o doutoramento, estudos sobre

concentrações anômalas de flúor em águas subterrâneas, fertilizantes

fosfatados e implicações na poluição de solos e águas subterrâneas.

Atualmente, tem participado do grupo governamental de Prevenção de

Desastres e Catástrofes Naturais de Santa Catarina – GTC, como

representante da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, onde

atua como docente, desde 1991, no Departamento de Geografia.

DOS DADOS APRESENTADOS:

Os documentos analisados estão contidos em um DVD, constituído por um

arquivo PDF e 15 pastas referentes ao EIA/RIMA do Projeto de Anitápolis,

conforme mostrado na Figura 1 a seguir. As referências no texto se referem a

estes arquivos.

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FIGURA 1. Arquivos do EIA/RIMA da IFC, constantes no CD-ROM consultado.

Após leitura exaustiva dos documentos que constituem o relatório do

EIA/RIMA, estudos e informações complementares apresentados por

solicitação do órgão licenciador, observa-se que várias questões dúbias, ou

faltantes do relatório de EIA/RIMA inicial, foram complementadas e em parte

esclarecidas, mas em muitos casos, geraram inconsistências, que

procuraremos abordar a seguir.

Na análise que segue alguns pontos são destacados, por considerarmos

importantes para a discussão do projeto apresentado pela IFC, e que

permanecem sem os devidos esclarecimentos.

SOBRE A ESTABILIDADE DA BARRAGEM DE REJEITOS:

A disposição de rejeitos argilosos e arenosos, que representam cerca de 83 %

da massa de minério lavrado, ocorrerá em barragem construída para este fim.

A barragem de rejeito será instalada no vale do rio Pinheiros, vale em “v”,

fortemente encaixado, e é inicialmente descrita na p. 99 do arquivo 232-

EIA_FINAL-COMPLETO, no item Características e Disposição dos Rejeitos

como

“O sistema de deposição de rejeitos prevê a construção de duas bacias para a deposição dos rejeitos da concentração de apatita e uma pilha para deposição de magnetita. As lamas serão despejadas por gravidade em um canal construído para captar os efluentes do beneficiamento. A deposição da mesma acontecerá nas bacias formadas pela construção das barragens de rejeitos no vale do rio dos Pinheiros.”

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Ainda segue na p.100, a descrição da barragem com as seguintes

características

“As barragens de rejeitos serão constituídas nos primeiros anos somente por um dique de argila que servirá para represamento e sedimentação dos rejeitos do beneficiamento do minério.”

Das descrições apresentadas acima é possível apreender a idéia de que as

barragens de rejeitos se referem a construções simples, ou melhor, de baixa

complexidade. No entanto ao seguir com a leitura do texto, esta percepção

inicial vai ganhando outras definições, que apontam para uma obra de

engenharia de maior complexidade e detalhamento como o requerido a este

caso específico. Na evolução do texto, p. 121, a formação do dique inicial da

barragem de jusante na cota 600m é descrita como

“O dique inicial será executado com terra compactada, com seção homogênea, taludes de montante e de jusante com inclinação de 1V:2H. Como drenagem interna são previstos filtro vertical de areia e tapete de areia na base, com dreno de fundo, de brita e areia. Para a execução do aterro da barragem de rejeitos de jusante o terreno de fundação será limpo, com escavação do solo superficial e dos solos de baixa resistência que possam ocorrer no talvegue. Adicionalmente é prevista a execução de uma cortina de injeção de cimento na fundação da barragem. Para a execução destas obras o rio dos Pinheiros será desviado com a construção de duas ensecadeiras a montante, interligadas por um canal em terra, através de uma galeria em concreto ou de tubos de concreto, implantados na ombreira esquerda do vale, próximo ao talvegue.”

Na descrição do item Hidrogeologia, ao abordar o tema de Caracterização das

Unidades Aqüíferas, na p. 192, sobre aqüífero poroso, lê-se

“De acordo com o trabalho da Prominer (op. cit), o manto de alteração se inicia com uma camada pouco espessa de solo em torno de 5 metros onde podem ocorrer depósitos coluviais; a partir desta profundidade, o solo passa geralmente para termos mais saprolíticos, até saprolito propriamente dito, atingindo nesta faixa uma espessura de até 40 metros, onde se observa o contato com a rocha fresca.” Na mesma página, o autor ainda aponta “Vulnerabilidade e riscos de contaminação: Este aqüífero caracteriza-se por apresentar alta vulnerabilidade natural e alto risco de contaminação. É constituído por material arenoso ou rudáceo e, em menor proporção, síltico-argiloso, que apresenta facilidade de contaminação a qualquer fonte de poluição.”

Esta última descrição é mais condizente com a realidade observada

localmente, do que a descrição dos solos apresentada anteriormente, no item

Pedologia, a partir da p. 176 do EIA/RIMA da IFC. As características

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ressaltadas acima foram confirmadas durante trabalho de campo realizado no

dia 21 de setembro passado. Na base do perfil de solo, ocorre a presença de

horizontes compostos de rocha alterada saprolítica, muito espessos, com mais

de 40 metros de espessura, e que apresentam tanto nas margens da antiga

estrada que ladeia o rio dos Pinheiros, como na nova estrada que liga a

Anitápolis, uma série de deslizamentos translacionais rasos, mas de longa

extensão, tomando a encosta e expondo o perfil de solos. Estas ocorrências

evidenciam a fragilidade das rochas graníticas alteradas e dos horizontes

saprolíticos, quando ocupam posição de alta declividade na borda do vale

encaixado, e recortadas pela estrada de terra.

Os desenhos e as plantas de detalhamento das barragens de rejeitos

propostas e apresentadas no relatório não contemplam estas características,

que são imprescindíveis para agregar segurança a execução do projeto. Estas

características devem obrigatoriamente ser avaliadas e consideradas no

projeto de instalação das barragens de rejeitos no local, sob pena de

apresentarem problemas geotécnicos graves e colocar em risco a população a

jusante das mesmas. Observou-se que nem tão pouco o texto do relatório,

como um todo, destaca estas características pedológicas justificando nossa

preocupação.

SOBRE A VAZÃO DO RIO A JUSANTE DA BARRAGEM DE REJEITOS E

POSSÍVEL POLUIÇÃO DAS ÁGUAS:

O empreendimento proposto vai utilizar um consumo total de água na sua

rotina de operação, apresentado a seguir. As águas para consumo do

empreendimento serão captadas da barragem de água bruta, localizada em

afluente do rio dos Pinheiros, na vazão de 785,6 m3/h (EIA IFC-Anitápolis, v.1,

p. 117, Quadro 3.2.12.2).

Inicialmente no arquivo 232-EIA_FINAL-COMPLETO, o balanço hídrico do

empreendimento indica que não haverá excedente hídrico para manter o rio a

jusante da barragem de rejeitos, nas épocas de menor vazão do rio, como

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pode ser depreendido dos dados retirados do EIA da IFC (v.7, p. 31), conforme

abaixo apresentado na Figura 2.

FIGURA 2. Vazões características dos rios que serão utilizados para captação de águas. FONTE: EIA IFC-ANITÁPOLIS, v. 7, p. 31.

Tomando-se por base os dados de consumo de água necessário para o

empreendimento e a disponibilidade de águas locais, e transformando para

mesma unidade de medida, é possível observar que nos períodos de vazão

mínima, chamado de período crítico, não haverá água disponível para a

execução das tarefas da indústria, e muito menos para manter o rio a jusante

da barragem de rejeitos.

VAZÃO 95% do tempo = 0,239 m3/s = 860,4 m3/h (CONSUMO IFC = 91,3%);

VAZÃO MÍNIMA = 0,053 m3/s = 190,8 m3/h (MUITO MENOR QUE A DEMANDA IFC);

MÉDIA LONGO TERMO = 0,629 m3/s = 2.264,4 m3/h (CONSUMO IFC = 34,7%);

MÉDIA PERÍODO CRÍTICO = 0,510 m3/s = 1.836,0 m3/h (CONSUMO IFC = 42,8%).

Os estudos e informações complementares apresentados quando dos

questionamentos feitos pelo órgão ambiental sobre o detalhamento de estudos

hidrológicos para o estabelecimento das vazões de permanência do rio a

jusante do empreendimento são apresentadas as seguintes dados:

1 - na p. 44 do 232B01-VOL.VII_IC, lê-se

“Para o trecho situado a jusante da barragem de rejeitos, adotou-se a vazão igual a 30% da Q95 (curva de permanência de vazões médias mensais no local da Barragem), o que corresponde a 0,149 m³/s ou 537 m³/h, como residual (critério recomendado pela Agência Nacional de Águas - ANA).”

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2 -na p. 48 do mesmo arquivo, são apresentados os resultados da

simulação, que indicam:

“- A vazão de 537 m³/h (0,149 m³/s), correspondente à vazão residual, é regularizada em 100% do tempo;

- Em 99,7% do tempo o reservatório está vertendo e, conseqüentemente, seu nível se mantém na El. 595,00 m correspondente ao NA máximo normal de operação;

- O deplecionamento máximo provocado no reservatório atinge a El. 593,90 m;

- Da mesma forma, o volume armazenado no reservatório, em 99,7% do tempo, corresponde a 3,5 x 106 m³, seu volume máximo.”

3 - Na p.49 é feito o destaque para o uso das águas do reservatório de

rejeitos para suprir as falhas na captação de água nova no reservatório

de montante de maneira a não comprometer o processo industrial. No

texto abaixo, Figura 3, também evidencia-se que em parte do tempo o

rio ficará seco em alguns trechos, ao longo do curso do rio dos

Pinheiros.

FIGURA 3. Parte do texto apresentado no EIA IFC-ANITÁPOLIS, v. 7, p. 40. Dos dados apresentados acima destaca-se que a degradação do rio é evidente

pela quantidade de água disponível, seja pelo excesso ou escassez do recurso.

Outro ponto também chama atenção nos relatórios e estudos apresentados,

que refere-se a qualidade da água a jusante do empreendimento. A

caracterização geral do minério fosfático foi realizada em um número muito

reduzido de amostras (minério, concentrado e produto industrial) não sendo

suficiente para definir potencial contaminação por outros componentes

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químicos, que estarão sendo depositados como lamas ou em suspensão ou

solução nas águas da barragem de rejeitos. Nas pesquisas realizadas pela

CPRM sobre o Fosfato de Anitápolis (Vergara, 1977) são apresentados dados

de análises químicas de rochas que não são considerados na caracterização

do minério e que diferem dos dados apresentados nos relatórios do EIA da IFC,

o que permite prever que a carga química dos rejeitos não é minimamente

conhecida, e que pode vir a promover a poluição das águas que verterão para

jusante do barramento.

Com referência a questão de contaminação dos recursos hídricos a jusante da

barragem, destacamos as conclusões do documento Vol X11 – p. 6 – sobre os

ESTUDOS HIDROGEOLÓGICOS ADICIONAIS, onde

“Finalmente pode-se mencionar que, na condição extrema, em que se conclua que poderá ocorrer a alteração da qualidade da água subterrânea, esta água seria captada pelo sistema de proteção da barragem e, ao invés de ser conduzida para jusante, como é a condição normal, poderia, então, ser bombeada de volta para o reservatório. Em resumo, não se espera que venha a ocorrer a alteração da qualidade da água subterrânea no local da barragem, mas se vier a ocorrer, a vazão será captada e recuperada para o reservatório de rejeitos.”

A preocupação apontada com relação a este item é de que com a vazão

continuada do vertedouro, as ocorrências de contaminações provocadas pela

mistura na bacia dos rejeitos de contaminantes provenientes do beneficiamento

do minério, ou águas fora dos padrões exigidos pela legislação, estariam

fluindo para o rio a jusante, pois durante os períodos de cheias o tempo de

permanência das águas no reservatório é muito diminuído não cumprindo com

o tempo estabelecido mínimo nas simulações apresentadas para clarificação

das águas.

No documento 232B.03 – RELATÓRIO DE ESCLARECIMENTOS, p 12, que

apresenta os estudos sobre o questionamento se o tempo de retenção dos

efluentes no reservatório será suficiente para a clarificação, é indicado que

“Outros cálculos, considerando a vazão média de longo termo afluente à bacia de rejeitos, concluíram pelo valor aproximado entre 40 e 50 dias. Assim sendo, os tempos de residência esperados para os rejeitos e lamas, no reservatório da barragem de rejeitos, são adequados para garantir a clarificação da água a ser extravasada.”

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No entanto na p.64 destaca que se forem consideradas

“as chuvas com tempo de recorrência de 2 anos (por exemplo com chuvas de 88 mm em 12 h de duração), a vazão calculada será de 11,76 m³/s ou 42.336 m³/h, resultando em tempo de residência de 4,92 dias, ou seja, inferior mas muito próximo do valor sugerido de 5 dias”.

O que indica que águas fora das especificações legais estarão atingindo o rio a

jusante sempre que ocorrerem chuvas de maior intensidade.

No documento 232B.03 – RELATÓRIO DE ESCLARECIMENTOS, p 14, sobre

o excesso de fósforo as águas dos rios é relatado

“Assim, na operação do empreendimento, se mantido um volume mínimo de água livre na bacia de rejeitos de 500.000 m³ e tratados os rejeitos de flotação com sulfato de alumínio (o que corresponde às especificações atuais de projeto), em 100% do tempo o teor de fósforo no rio Braço do Norte ficará abaixo de 0,7 mg/l, em 95,2% do tempo abaixo de 0,4 mg/l e em 90% do tempo as concentrações ficarão abaixo de 0,33 mg/l. Nas condições atuais já foram verificados valores de concentração de fósforo na ordem de 0,4 mg/l.”

A RESOLUÇÃO CONAMA nº 357, de 17 de março de 2005, indica as

concentrações para fósforo total para águas de rios classe II, como:

a) até 0,030 mg/L, em ambientes lênticos; e, b) até 0,050 mg/L, em ambientes

intermediários, com tempo de residência entre 2 e 40 dias, e tributários diretos

de ambiente lêntico, o que pode indicar possibilidade de eutrofização no

reservatório, já para o rio pelo fluxo das águas semi-encachoeirado, esta

possibilidade fica diminuída.

No documento 232B.03_RELATÓRIO DE ESCLARECIMENTOS, p.37, ao

apresentar os estudos para Amortecimento de Onda de Cheias, destaca-se

que

“Analisando os resultados apresentados pode-se concluir que considerando a 1ª Etapa de alteamento da Barragem de Rejeitos e o volume útil inicialmente disponível a passagem da cheia decorrente da chuva de projeto com 1000 anos de tempo de retorno e duração crítica de 10 horas ocasionaria a sobrelevação no reservatório de 3,57 m, o que corresponde a uma borda livre em relação à crista da barragem de 1,43 m. Considerando o reservatório parcialmente ocupado ao final da 1ª fase, a sobrelevação máxima, igual a 3,92 m, seria causada por uma chuva com duração crítica de 8 horas, deixando uma borda livre em relação à crista da Barragem igual a 1,08 m.”

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Estes estudos e simulações devem contemplar chuvas com maior tempo de

duração e intensidade, que não são tão raras na região, e que devem apontar

para vulnerabilidade das barragens propostas.

Os estudos sobre desastres naturais causados por adversidades climáticas no

estado de Santa Catarina, destacam o município de Anitápolis como o segundo

atingido por inundações bruscas, de freqüência muito alta, que somaram entre

06 a 12 episódios para o período de 1980 a 2007, com o maior número de

casos registrados nos meses de janeiro e fevereiro (Herrmann; Cardozo;

Bauzys; Pereira, 2009). Segundo os autores as inundações bruscas ocorrem

quando precipitações intensas e concentradas causam elevação repentina do

nível dos rios, seu conseqüente transbordamento e escoamento rápido e

destruidor. Estas resultam da interação de fenômenos geográficos como a

circulação atmosférica; a fisiografia; o uso da terra; elevados totais de

precipitação em curto período de tempo; excesso de umidade no solo por

precipitações antecedentes; forma das encostas e altas declividades;

impermeabilização da superfície por técnicas urbanas e descargas repentinas

de águas represadas por barragens, açudes, etc.

Diante destes dados, mais uma vez chama-se a atenção para a necessidade

de considerar esta situação de exposição do local a eventos de inundações

bruscas, pois colocam a estabilidade da barragem em cheque e também

diminuem os tempo de residência das águas no lago da barragem, carreando

sedimentos e contaminantes para o rio a jusante desta.

SOBRE CONTAMINAÇÃO DO AR E ÁGUAS COM FLUORETO:

Pode-se também registrar a provável contaminação do ar e águas por fluoretos

e que os documentos apresentados não evidenciam este fato, como pode ser

observado a seguir:

No documento Vol X11 – p. 6 – sobre os ESTUDOS HIDROGEOLÓGICOS

ADICIONAIS, na p.8,

“O rejeito solubilizado será destinado à barragem de rejeito, onde será incorporado à água do rio dos pinheiros, que tem mostrado uma quantidade de fluoreto muito baixa, inferior a 0,05 mg/l ao longo do

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monitoramento, realizado pela IFC. A concentração final de fluoreto na água do reservatório será inferior à concentração encontrada no rejeito logo ao sair da usina. Sendo assim ainda que ocorra percolação no maciço não será um problema de contaminação.”

No Vol VII – IC , p.79, sobre a CARACTERIZAÇÃO DOS EFLUENTES, no

tópico sobre Efluentes Líquidos da Unidade de Granulação e Acidulação é

descrito

“A temperatura com que os efluentes devem chegar ao tanque de precipitação é de 55ºC. Estes efluentes devem carregar consigo uma vazão de 395kg/h de Flúor e uma quantidade de sólidos em base seca de 2.219kg/h (7,33% de sólidos em massa).”

Na estação de tratamento, estes efluentes são prensados e a parte sólida

levada para dispersão nos armazéns de cura dos fertilizante SSP. Os dados

acima evidenciam o alto teor de flúor que está envolvido no processo. E chama

atenção como este elemento quase não aparece ao longo do texto,

principalmente nas caracterizações do minério e dos efluentes que serão

depositados na barragem de rejeitos.

Existem muitos trabalhos na literatura científica que apontam para a

problemática da ocorrência de contaminações do flúor no meio ambiente,

desde a dispersão na atmosfera, até a precipitação em solos e poluição das

águas subterrâneas.

Quando lemos que determinadas operações do processo industrial não terão

pessoas circulando já dá indicativos do teor tóxico do ar. No documento _232-

EIA_FINAL_COMPLETO, na p. 45 consta que

“A tecnologia de fabricação de superfosfato simples (SSP) é amplamente aplicada no Brasil e no mundo e utilizará em Anitápolis técnicas consagradas, com aprimoramento contínuo do processo com emprego de controle por instrumentação computadorizada, o qual possibilitará o acompanhamento de todo o processo com informações em tempo real, sem qualquer exposição dos trabalhadores. Os operadores comandarão todo o processo em uma sala de comando isolada da área industrial.”

Existem vários exemplos no Brasil e exterior de programas intensivos de

monitoramento do ar para detectar níveis indesejáveis de poluentes nas

emanações industriais. Bioindicadores, como por exemplo o azevém, têm sido

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muito utilizado para o monitoramento das concentrações de flúor atmosférico

junto a complexos industriais.

No documento 232-EIA_FINAL_COMPLETO, na p.214, que trata da

QUALIDADE DO AR destaca-se

“Com a implantação do Projeto Anitápolis, poderia haver uma alteração da qualidade do ar observada atualmente no local, em função dos poluentes que poderiam ser gerados durante a operação do empreendimento. Sob esta perspectiva, foi realizado o estudo de dispersão de poluentes para a área de influência direta do PROJETO ANITÁPOLIS, apresentado no ANEXO 10.” .... “Nesse estudo, foram consideradas como principais fontes de emissão as operações de transferência, moagem e classificação, na cominuição da rocha fosfática, com a emissão de material particulado, fluoretos e amônia, provenientes da granulação, da cura e da secagem, além dos óxidos de enxofre na produção de ácido sulfúrico. Os principais elementos avaliados nesses estudos foram as emissões de material particulado, fluoretos totais e dióxido de enxofre. Os resultados obtidos nas simulações indicam que a emissão dos poluentes enquadram-se na legislação vigente (Resolução CONAMA 03/90, e Decreto Estadual 14.250/81). Dessa forma, o estudo da simulação do comportamento das emissões dos poluentes decorrentes das atividades de operação da IFC revelou que a área industrial (interna ao empreendimento) é a que sofrerá os maiores impactos, tendo em vista que a concentração estará localizada nas fontes de emissões. À medida que se afasta das fontes de emissão, as concentrações decrescem, tornando-se significativamente baixas no entorno do empreendimento.”

No EIA da IFC foram minimizados os impactos da poluição atmosférica quando

da modelagem apresentada, pois foram utilizados os dados da estação

meteorológica do aeroporto de Florianópolis, que se encontra em outro

contexto geográfico, muito diferenciado do local pretendido para a instalação

do empreendimento, na borda da Serra Geral. Somente para comparação,

quando são apresentados os dados de precipitação, medidos por estação

pluviométrica da Epagri, que existia no município até 1971, os totais de chuvas

chegam ao dobro das leituras medidas nas estações de Florianópolis, o que

demandaria a necessidade de recalcular as vazões máximas do vertedouro e

os fatores de segurança para a operação das barragens de rejeitos, sob pena

de colocar em risco as populações que habitam o vale do rio Pinheiros e Braço

do Norte a jusante do empreendimento.

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FIGURA 4. Dados da Estação Climatológica de São José. Fonte, EIA da IFC, p. 183.

FIGURA. Dados da Estação Pluviométrica de Anitápolis. Fonte, EIA da IFC, p. 184.

Inúmeras pesquisas publicadas, em nível mundial, apontam a contaminação do

ar e águas subterrâneas nos arredores de fábricas de fertilizantes. No Brasil,

estudos desenvolvidos na cidade de Rio Grande/RS, nas proximidades do

porto, onde se localiza uma das fábricas de fertilizantes da Bunge, essa tem

dispersado no ar poluentes responsáveis pelas concentrações de até 3 mg/l de

F na água da chuva e de 5 mg/l na água subterrânea (MIRLEAN &

ROISENBERG, 2006 e 2007), em níveis muito superiores aos recomendados

pela OMS para garantir a saúde humana.

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Considerando tudo o que foi apresentado e discutido até aqui, é possível

concluir que esse projeto precisa ainda de cuidadosa revisão a fim de evitar

danos irreparáveis ao meio ambiente e as populações locais.

Profª Drª Maria Paula Casagrande Marimon

e-mail: [email protected]

fone: 48- 33218541

Referências:

HERRMANN, M. L. P.; CARDOZO, F.; BAUZYS, F.; PEREIRA, G. Freqüência dos Desastres Naturais no Estado de Santa Catarina no Período de 1980 a 2007. Montevideo, Anais..., XII Egal – Encontro de Geógrafos da América Latina, 2009. (Cd-rom).

MIRLEAN, N.; ROISENBERG, A. Fluoride distribution in the environment along the gradient of a phosphate-fertilizer production emission (southern Brazil). Environ Geochem Health, 29: 170-187, 2007.

MIRLEAN, N.; ROISENBERG, A.The effect of emissions of fertilizer production on the environment contamination by cadmium and arsenic in southern Brazil. Environmental Pollution, 143: 335-340, 2006.

VERGARA, V.A. Pesquisa de Fosfato de Anitápolis. Relatório Preliminar. Porto Alegre: CPRM, 1977.