Parte 5 - Influências Religiosas e Ideológicas

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Jesuítas belgas no Brasil coloniale d d y S t o l s

‘Se existir um purgatório, deveria ser neste engenho entre tanta gente ruim’, lançou antonio Billiet aos companheiros em

Pernambuco por volta de 1590. Com este e outros ditos descrentes sobre padres, missa, confissão ou imagens de santos, vários jovens flamengos, marcados pelos questionamentos do humanismo e da reforma, desafiavam o catolicismo conformista dos portugueses (Stols, 1988). Presos nas visitações da Inquisição em Pernambu-co e na Bahia em 1592 e 1618 e remetidos ao tribunal de lisboa, foram lá assistidos por jesuítas conterrâneos seus. Foi apenas um dos episódios em que se cruzaram os percursos religiosos do Brasil e dos Países Baixos meridionais ou da atual Bélgica. estes foram, depois da tomada de antuérpia em 1585 pelas tropas espanholas de alexandre Farnese, privados da liberdade de culto e reduzi-dos à ortodoxia católica da Contra-reforma. Na mesma época, as vitórias portuguesas sobre os franceses e holandeses procuraram purgar o Brasil do pluralismo religioso, ensaiado no seu primeiro século de convivência entre gentios, cristãos, judeus e africanos.

em ambas as partes, a nova ordem jesuíta tomou as rédeas desta reconversão. Particularmente, as duas províncias jesuíticas flandro-belga e galo-belga incentivaram, com novas igrejas bar-rocas e devoções, o fervor e a ação missionários, que tomariam o lugar do sonho medieval de cruzada e reconquista, frustrado pelo avanço otomano com a tomada de Constantinopla.

a evangelização dos índios brasileiros apareceu no seu hori-zonte, pelo menos desde a publicação em lovaina em 1566 das Cartas do jesuíta Manoel da Nóbrega (Cartas). em Flandres, este pedia livros que vinham de lisboa para os estudos em seus colégios. Sua igreja em Salvador (Ba) estava, em 1567, ricamente decora-da com ‘guademecis e mapas de Flandres’, ao passo que Nóbrega comparou a paisagem brasileira a um tapiz de verdura flamenga. O padre anchieta vigiava a conduta dos feitores dos Schetz no engenho deles em São Vicente, que, em contrapartida, enviaram caixas com pinturas, estampas e imagens religiosas (Cartas; laga).

Já em 1544, Inácio de loyola enviou nove jesuítas belgas pa-ra estudar em Coimbra. O primeiro a partir como missionário na Bahia foi, em 1559, Joannes Dicius, que voltou logo em 1562 para Coimbra (leite, I, passim). em 1577 partiram mais dois, gedeão

Ilustração colorida do jesuíta Francisco Pinto entre os índios publicada no livro de Cornelius Hazart.

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lobo e João Baptista. este último serviu primeiro no colégio de Olinda e posteriormente como superior em Ilhéus até 1599. Ja-come do Vale, depois de sua entrada em 1594, estudou no rio de Janeiro, mas deixou a Ordem em 1599. O protestante converso, João Baptista, ingressado na Ordem em 1606 em Olinda, foi ativo como pintor, falecendo em 1609.

até meados do século XVIII mais algumas dezenas de belgas rumaram para o Brasil ou para as reduções fronteiriças do Para-guai através de lisboa, onde a residência dos confrades portugue-ses era uma espécie de filial da Ordem. lá mesmo, dois belgas entraram na Ordem: em 1619 remacle le gott, aliás Inácio la-gott, nativo de Marche-en-Famenne, que partiu para o Brasil em 1628, produziu pinturas na Bahia e voltou expulso de Pernam-buco pelos holandeses, e em 1639 o irmão Baltasar de Campos, nativo de ‘s-Hertogenbosch, a quem é atribuído o quadro Vida

de Cristo e outras obras na sacristia da igreja de São Francisco Xavier em Belém, Pará. gastavam geralmente bastante tempo aguardando a licença real, indispensável para padres estrangei-ros, um barco e também na preparação de mantimentos para a tripulação. Às vezes decidia-se lá mesmo a partida para a Índia ou para o Brasil. assim, Ferdinand Verbiest, o futuro astrônomo da corte celestial em Pequim, destinou-se primeiro ao Brasil para finalmente embarcar para a China. Para o Brasil, o rei deu licen-ça a uma dezena de padres flamengos.

O mais influente deles foi João Felipe Bettendorff, luxembur-guês e ingressado como noviço na província galo-belga dos jesuí-tas (arenz). Permaneceu quase todo o ano de 1658 em lisboa, no Colégio de Santo antão, antes de partir para o Maranhão junto com outro luxemburguês, gaspar Misch. Subiu várias vezes pe-lo amazonas e passou por ser o fundador de Santarém na foz do Tapajós. Com um bom olho para o potencial econômico, desco-briu o uso do guaraná pelos índios, plantou o cacau silvestre e a laranjeira da China e explorou as salinas.

Como seu confrade antônio Vieira, Bettendorff disputava com os moradores portugueses o monopólio da mão de obra indígena, que os jesuítas pretendiam agrupar em aldeias e preservá-las das influências maléficas. Bettendorff registrou as desavenças com os colonos, como também com seus superiores e confrades e com o próprio bispo do Maranhão, na Crônica da missão dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão, inédita até 1910. expulso em 1684 do Maranhão pelos colonos levantados por Be-quimão, passou nova temporada em lisboa, onde publicou em 1687 um Compendio da Doutrina Christam na lingua Portugueza & Brasilica. Pelo beija-mão e pela oferta de um mapa do amazo-nas em repetidas visitas a D. Pedro II e à rainha Sofia Maria de Neubourg, conseguiu ganhar sua confiança e negociar um novo Regimento das Missões, que lhe permitiu finalmente voltar para o Maranhão em 1688. Mais pragmático e disposto a compromissos que Vieira, mostrou-se também mais cético a respeito do interesse religioso dos índios.

Uma tese sobre a ação missionária, contrária à Vieira, foi de-fendida por outro padre nórdico, Jacobo rolandus, que, fugido de sua família protestante na Holanda e ingressado na ordem jesuíta em antuérpia, julgou a escravidão dos índios como mais segura para sua evangelização. Seu panfleto Apologia pro Paulistis, que lhe valeu como punição o exílio para a Ilha de São Tomé, o co-locou em franca oposição a outro jesuíta flamengo e filho de um mercador de antuérpia, Josse Van Suerck, aliás Mansilla. este foi em 1629 denunciar em São Paulo e até em Salvador ao go-vernador ‘las crueldades y tiranias de los Portugueses’ dos bandei-rantes paulistas liderados por amador Bueno e raposo Tavares, que invadiram as reduções jesuíticas na região do guaíra (Anais do Museu Paulista; Furlong). Não somente roubaram camisa, al-mofada, guardanapo e garfo do missionário, mataram em plena quaresma porcos e galinhas, fazendo festa noturna com tambor e cornos e zombando dos padres como ‘pobretones’, além de leva-rem também seus índios evangelizados. Os conflitos dos jesuítas com os paulistas não cessaram e foram divulgados na europa pelas

Estampa colorida do jesuíta José de Anchieta publicada no livro de Cornelius Hazart.

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a ligação mais conhecida entre a Bélgica e o Brasil no que diz respeito à cultura negra é, sem dúvida, o Terreiro do gantois.

este famoso terreiro do candomblé gêge-Nagô em Salvador, na Bahia, deve seu nome ao proprietário belga – oriundo da cidade de gand – do terreno onde o templo religioso foi construído em 1849 sob direção da ialorixá Maria Júlia da Conceição Nazaré.

a ligação belgo-brasileira no contexto da cultura negra vai, porém, muito além deste detalhe curioso. Também as atividades missionárias flamengas na África Central no século XVII influen-ciaram de forma indireta a cultura negra no Brasil. Missionários flamengos contribuíram não só para o desenvolvimento de uma variante africana do catolicismo mas até causaram o envio da população inteira de uma aldeia africana como escravos para o Brasil. Hoje, muitos milhares de brasileiros são descendentes de um grupo de africanos levados para o outro lado do Oceano atlântico devido a uma tragédia que tinha como figura central um missionário flamengo.

a chegada de missionários flamengos ao reino do Congo – que correspondia a um território que hoje se situa junto à frontei-

Litterae Annuae, as cartas ânuas destes padres. Na mesma época, fundaram-se novas missões, como Santo Ângelo pelo flamengo Diogo de Haze em 1706.

Nem todos os jesuítas belgas destinados às missões do Paraguai falaram mal dos portugueses. Um deles, o músico e pintor louis Berger, se gabou em janeiro de 1617 da boa recepção em lisboa, onde ‘querem bem à Nação flamenga’ e, na escala da Bahia, onde ‘os padres ao par de nossa chegada foram ao nosso encontro com um barco’ (Histoire du massacre). antes tiveram a agradável surpresa que ‘à quase uma légua de distância do porto nosso navio foi cerca-do por uma armada de jangadas, feitas cada uma de três peças de madeira, e algumas de uma peça só escavada como uma selha onde comem os cavalos. Em cada barquinho tinha um brasileiro e um negrinho que pescavam e era coisa admirável como ficavam em pé sobre estes paus. Fizemos entrar alguns no nosso navio, que saíram muito contentes com os presentes que lhes fizemos’. No porto, des-carregou-se muita artilharia e Berger foi honrar a sepultura de José de anchieta: ‘Tinha ouvido falar de sua vida e miráculos, quando eu estava em Tournai. É nada em comparação com as maravilhas que contam aqui deste santo padre. Tenho uma carta escrita de sua própria mão junto com um pedaço de osso, de roupa e camisa que me deu o padre reitor daqui’. Ouviu lá mais notícias sobre o padre Francisco Pinto, ‘martirizado pelos Bárbaros, e beijei o bastão com o qual lhe romperam a cabeça... os Bárbaros não querem devolver o corpo, que veneram muito. Quando falta chuva nas suas lavras, rezam para este padre’. Falou ainda ‘com um bom padre, que já foi

três vezes amarrado para ser morto pelos Bárbaros’. a última vez, já amarrado nu num tronco de árvore, foi salvo pelos neófitos. es-tes ameaçaram os bárbaros com o relâmpago, que os mataria se não desamarrassem o padre. acreditaram, e vários se converteram.

este imaginário de índios selvagens e de milagres jesuíticos foi manipulado pelos confrades belgas para suscitar um culto a anchieta com livros como a tradução francesa de sua biografia, La vie miraculeuse du P. Joseph de la compagnie de Jésus, do pa-dre Pedro rodrigues, aumentada pelo padre Sébastien Beretaire (Douai, 1619), e com as relíquias de seus escritos, conservados em antuérpia ainda no final do século XIX (Kieckens). Inspirou estampas como as de abraham a Diepenbeke na Kerckelycke His-toriae van de gheheele wereldt, de Cornelius Hazaert (antuérpia, 1652-1671). a visão de um Brasil perigoso e propício ao enaltecido martírio se fortaleceu ainda mais com a passagem por antuérpia dos jesuítas portugueses, presos pelos piratas ingleses ou holande-ses na Bahia, em 1624, e em Pernambuco, em 1630, e resgatados pelos confrades flamengos.

O prestígio dos jesuítas deve ter incitado a nova ordem dos capuchinhos a lançar-se na evangelização do Brasil com uma pri-meira participação na expedição colonial dos franceses no Mara-nhão. a província belga dos capuchinhos se deixou seduzir pelas perspectivas na África, mas recorreu para chegar lá às conexões entre lisboa, recife e angola, uma ligação triangular recorrente nas relações entre a Bélgica e o Brasil. O continente africano con-tinuaria presente em filigrana na evangelização belga do Brasil.

as missões flamengas no Congo e a cultura afro-brasileiraJ e r o e n D e w u l f

Retrato de missionário flamengo no Congo.

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ra de angola com a república Democrática do Congo – foi uma consequência direta da política colonial portuguesa que combi-nava a expansão militar com a expansão religiosa. a procura de aliados na África subsaariana por parte dos portugueses levara a um pacto com o rei do Congo, ou Manikongo, Nzinga a Nkuwu em 1485 (Vansina). Seu filho Mvemba a Nzinga (c.1456-c.1542) foi responsável pela espetacular expansão do catolicismo no Con-go. adotando o nome lusitano de afonso I, o jovem rei mandou construir igrejas e capelas, fabricar crucifixos, rosários e estátuas de santos, observar festas religiosas e fundar irmandades (Newitt, 2010). encorajada por este sucesso surpreendente, a ambição por-tuguesa de espalhar o cristianismo nos quatro cantos do mundo, no contexto de sua política colonizadora, recebeu grande supor-te por parte do Vaticano. Isto explica a atribuição ao reinado de Portugal do padroado na África Central por parte do Papa leão X, em 1514, dando-lhes o direito exclusivo de representar a Igreja Católica nessa parte do mundo (Thornton, 1992).

Os reis do Congo rapidamente perceberam que o padroado lhes impunha uma situação de dependência total de Portugal em assuntos religiosos e que os portugueses se aproveitavam dessa situação para, gradualmente, aumentar sua influência na região, em atrito com a ambição congolesa de criar uma diocese própria e de negociar assuntos religiosos diretamente com o Vaticano.

embora o Papa Urbano VIII simpatizasse com a ideia de au-mentar a influência do Vaticano na África, também percebia o perigo de apoiar publicamente uma proposta que violava o padroa-do português. a luta entre Portugal, o Vaticano e a monarquia congolesa pelo domínio religioso levaria a um compromisso em 1640: daí por diante, roma enviaria missionários da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos diretamente ao Congo, sem inter-venção portuguesa. estes capuchinhos representariam, portanto, uma força neutra no conflito entre Portugal e Congo e a garantia da manutenção do catolicismo na região (Jadin, 1975).

apesar dos capuchinhos eleitos para a missão no Congo serem predominantemente italianos, dois flamengos também participa-ram da missão: erasmus [Weyns] van Veurne e Joris [Willems] van geel. Para van Veurne, a missão acabaria cedo pois, logo após

sua chegada, em 1651, adoeceu e morreu de febre. Van geel se manteve com boa saúde, mas rumores sobre o envolvimento de capuchinhos numa conspiração impediu o início de sua missão. Van geel aproveitou o tempo para levar a cabo uma obra que aca-bou por ter uma importância histórica: a transcrição do primeiro dicionário da língua bantu, elaborado pelo mulato congolês Ma-nuel roboredo, o Vocabularium kongoense, hispanicum et latinum (1648). Quando sua missão foi finalmente liberada, van geel foi mandado para a área de Matari.

a chegada a Matari foi uma desilusão. O capuchinho flamen-go não podia aceitar que o catolicismo que se tinha desenvolvido no Congo representasse uma variante africana dessa religião. Para os congoleses, o catolicismo não funcionava como substituto da(s) velha(s) crença(s), mas, antes, como um complemento. O tipo de religião que van geel encontrara era, de fato, uma espécie de catolicismo creolizado. enquanto a presença de elementos afri-canos no catolicismo congolês pouco preocupara aos missionários portugueses, para van geel tal mistura era inaceitável.

Profundamente influenciado pelo espírito intransigente da Contra-reforma na sua nativa Flandres, van geel iniciou uma campanha feroz de purificação do catolicismo congolês, decisão esta que selaria sua sorte. Indignado pelo fato de van geel ter incen-diado um local de culto tradicional, a população da aldeia de Ulo-lo espancou o missionário até levá-lo à morte, alguns dias depois.

a tentativa por parte dos ololenses de evitar um castigo levan-do o corpo para fora da área foi em vão. O rei garcia II, que não queria ver a missão capuchinha comprometida, decidiu impor a punição máxima e condenou a população inteira da aldeia, umas 200 pessoas, à morte. após a insistência dos capuchinhos, que alegavam que van geel, antes da sua morte, tinha perdoado a po-pulação, o rei congolês revisou sua sentença e decidiu vender os habitantes como escravos. Todos eles foram então transportados para o Brasil (Hildebrand).

Não foram estes os únicos missionários flamengos que che-garam ao Congo no século XVII. Outra missão, desta vez com-posta por três franciscanos, foi à África Central a pedido do prín-cipe de Soyo. Os príncipes de Soyo, antigos vassalos do rei do Congo, utilizaram sua posição estratégica na costa africana pa-ra seguir uma política autônoma no comércio transatlântico. a venda de escravos para europeus não católicos punha, porém, um problema ético e político (Thornton, 1998). Daí as tentati-vas por parte da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais de construir uma base de confiança em Soyo por intermédio de missionários católicos flamengos. a ideia parecia trazer van-tagens para todos: os flamengos poderiam converter africanos ao catolicismo e, ao mesmo tempo, o príncipe de Soyo poderia fazer negócios com uma companhia holandesa protestante sem ter escrúpulos religiosos.

Porém, o que parecia bom no papel tornou-se um fracasso pois nem os capuchinhos italianos nem os jesuítas portugueses viam com bons olhos a chegada de uma terceira força católica à África Central, e impediram, com sucesso, que os flamengos iniciassem sua missão. após chegar em Soyo em 1673, Cornelius

O missionário incendeia a cabana de um feiticeiro em um manuscrito anônimo do início do século XVIII.

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Um padre capuchinho reza missa no Reinado do Congo, aquarela pintada pelo padre Bernardino Ignazio, 1740.

Wouters, gerardus Corluy e Willem lambrechts não puderam fazer nada senão esperar pelo primeiro navio que os levasse de volta à europa. assim terminava a ambiciosa missão flamenga na África Central (Jadin, 1966).

Dois séculos depois, porém, estes planos foram retomados em condições bem diferentes. após a criação do Congo Belga em 1908, as autoridades coloniais deram prioridade à missão católi-ca. Centenas de jovens belgas, quase todos flamengos, partiram para o Congo numa missão evangelizadora gigantesca. Pouco ti-nha ficado do antigo fervor católico, mas o encontro de crucifixos e estátuas de Santo antônio levou vários missionários belgas a se aprofundarem no estudo do antigo reinado do Congo e das raízes católicas na África Central.

Nos últimos anos, historiadores brasileiros têm mostrado ca-da vez mais interesse nos trabalhos de pesquisa de Jean Cuvelier (1941), Joseph de Munck (1956), François Bontinck (1972), louis Jadin (1965, 1975) e outros padres belgas. este interesse correspon-de a uma virada na historiografia brasileira no que diz respeito à população negra. enquanto outrora acreditava-se que os escravos africanos só se familiarizavam com o catolicismo após a chegada ao Brasil, historiadores hoje reconhecem que muitos deles trouxe-ram consigo elementos afro-católicos para o continente americano (Souza; Kiddy; Heywood e Thornton, 2007).

assim, a mistura de elementos africanos e europeus – que desde gilberto Freyre (1933) era considerada um fenômeno cul-tural tipicamente brasileiro – é hoje reconhecida como carac-terística da zona transatlântica inteira, no contexto do tráfico de escravos entre os séculos XVI e XIX. essa nova perspectiva sobre a África deu origem a um interesse crescente no impacto da obra missionária católica dos séculos XVI e XVII nos povos

bantu. Daí o reconhecimento da importância do trabalho dos padres belgas que hoje se encontra nos acervos do Museu real da África Central, em Tervuren, e nos arquivos da Universidade Católica de lovaina.

Se, à primeira vista, as relações entre a população negra do Brasil e a Bélgica não parecem ir para além de um detalhe curio-so no nome de um terreiro baiano, hoje se sabe que historiadores brasileiros poderão vir a encontrar nos arquivos belgas pistas im-portantíssimas para melhor compreensão da identidade histórica de grande parte de sua população.

Jeroen Dewulf é professor da University of California, Berkeley.

Nos três últimos decênios do século XIX a Igreja Católica lan-çou uma forte contraofensiva ultramontana para recuperar

o terreno perdido para o liberalismo e o livre-pensamento dali em diante ainda mais ameaçado pelo avanço do socialismo entre as classes populares. Orquestrada pelo Vaticano, desde 1870 sob Pio IX e com novo ímpeto sob leão XIII, uma ‘internacional negra’ (cf. lamberts) mobilizou todas as forças religiosas para impor a participação ou influência católica na educação e vida cultural, nas organizações profissionais e sociais, na imprensa e nos parti-dos políticos, na expansão econômica e colonial. Um novo ven-to missionário soprava particularmente sobre a américa latina para restaurar o predomínio católico sobre os liberais, maçons e positivistas, e preservar os emigrantes católicos destas influências perniciosas e do protestantismo em alta. a hierarquia católica re-abriu tradicionais conventos, fechados ou despovoados desde o

século das luzes, e fundou seminários e escolas, principalmente internatos com uma disciplina rigorosa e uma pedagogia bastan-te tradicional.

O Brasil entrou na mira dessa ação restauradora e regenerado-ra tanto por seu crescimento econômico como pelos avanços do positivismo entre suas elites, sobretudo quando se livrou da tutela imperial após a proclamação da república e a separação entre o estado e a Igreja. a partir dos anos de 1890 seguiu uma verdadei-ra investida de congregações, como os lazaristas, salesianos, re-dentoristas, às vezes solicitadas por bispos e sacerdotes brasileiros, que, depois da questão religiosa com Dom Vital, em 1870, postu-laram maior disciplinamento da religiosidade brasileira. Por sua vez, a Bélgica, país de tradição católica com um clero abundante, devia, nos olhos do Vaticano, desempenhar papel de liderança, tanto mais quando passou em 1884 de um governo liberal para o

Dom gerardo van Caloen e sua reconquista do Brasil beneditinoe d d y S t o l s

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predomínio de 30 anos do partido conservador católico e quando suas elites se enriqueciam com os primeiros dividendos de sua in-dustrialização exitosa.

Proeminente pioneiro nesta romanização belga do catolicis-mo brasileiro foi o beneditino belga gerardo van Caloen (1853- -1932), hoje mais conhecido por dar nome a uma rua no rio de Janeiro do que por suas façanhas no Brasil durante quase 25 anos. Sua figura, mais do que o mais citado beneditino alemão Miguel Kruse, tem o perfil dos empire builders coloniais, como Cecil rhodes, econômicos, como edouard empain ou Percival Farquhar, ou religiosos, como Mgr lavigerie. Van Caloen deixou uma pletórica correspondência e um diário bastante minucioso, conservado nos arquivos da abadia de Zevenkerken. Inspiraram ao beneditino Christian Papeians de Morchoven uma valiosa biogra-fia crítica, que aqui se resume, completa e contextualizada com outras fontes, algumas brasileiras.

Joseph van Caloen (1853-1932) foi o primogênito de pai bel-ga e mãe francesa, numa família de pequena nobreza e de ricos proprietários de terras, ativos na política na região de Bruges. Cresceu no novo castelo em estilo neogótico que seus pais man-daram construir em loppem, onde se levantaria mais tarde a abadia ‘brasileira’ de Saint-andré de Zevenkerken. Neste meio cultivado e multilingue, de saúde frágil mas curioso de tudo, com até seu ‘Petit Musée’ no parque, entusiasmou-se pela história, par-ticularmente dos monges medievais, exaltados por Montalembert como os verdadeiros fundadores do Ocidente europeu. Bastante viajado, ainda jovem, andou pela Palestina, depois pela espanha, Inglaterra e alemanha, empolgou-se pela reforma beneditina ini-ciada em 1870 em Beuron, no sul da alemanha. em 1872 se fez, sob o nome de Dom gerardo, o primeiro monge da suntuosa filial belga dessa congregação em Maredsous, custeada pela no-breza e burguesia católica belga. Diferentemente dos confrades, sonhava combinar a vida monástica com a ação missionária e fundar um mosteiro entre os ‘bárbaros’. Para isso propôs, já em 1886, ao colaborador de leopoldo II, o Barão lambermont, a fundação de uma escola apostólica para preparar a implantação dos beneditinos no Congo. ao mesmo tempo entusiasmou-se pela reconciliação das igrejas ortodoxas orientais com roma, para a qual pensava construir uma nova abadia.

Sua guinada de rumo para o Brasil seguiu um pedido de ajuda feito a roma por Frei Domingos da Transfiguração, abade da Bahia e abade-geral da congregação beneditina brasileira. esta dispunha de apenas dez monges de idade avançada em cinco abadias e sete priorados, parcialmente ocupados por seus familiares ou descen-dentes. Temia-se pelo seu descalabro total com a provável expro-priação pelo novo poder republicano. roma se sensibilizou e dele-gou em 1893 ao impetuoso van Caloen a tarefa de examinar uma restauração beneditina no Brasil. Dom gerardo aceitou, familiari-zando-se antes, durante quatro meses, com a língua portuguesa em lisboa. No Brasil constatou que os confrades brasileiros queriam apenas uma assistência temporária de Beuron para dirigir um no-viciado-geral. Finalmente aceitaram ceder a abadia de Olinda para reformá-la com uma dúzia de europeus que seriam naturalizados.

No final de agosto de 1895, Dom gerardo desembarcou em recife liderando uma caravana de 17 monges, conversos e pos-tulantes, além de dois padres seculares, Moreau e Van emelen, e o agrônomo franco-polonês Schönowsky. essa viagem custou cerca de 16.500 francos belgas, pagos por Frei Domingos. res-tauraram logo a clausura e o culto, despediram os empregados e Dom gerardo sucedeu ao abade Botelho. Os três primeiros anos foram desanimadores pelas dívidas encontradas e pelos conflitos com as autoridades sobre os regulamentos higiênicos e sobre uma escola técnica, aberta e logo fechada em 1897. Nas suas igrejas dependentes de Prazeres e de Nossa Senhora do Monte tornou-se penoso disciplinar as devoções populares arraigadas. Desgostavam da liturgia dirigida por um seminarista, da música mundana, das festas de São João e do barulho na igreja, como num ‘mercado de peixes’. estranhavam a superstição dos fiéis contra padres que, montando a cavalo, faziam este animal ‘ressecar-se’. em suas ter-ras de Prazeres o administrador Schönowsky foi suspeito de roubo. aí a preguiça dos trabalhadores deixava na saudade ‘humanidade à parte, o tempo dos escravos’. ‘Não trabalhavam antes das 7 nem depois das 5, descansavam quanto mais podiam e pela mínima re-preensão iam-se embora’. eram desonestos e todas as padarias do recife se serviam do carvão roubado dos seus bosques. religiosos belgas e alemães se desentendiam e alguns abandonaram. Vários adoeceram e dois morreram de febre amarela.

O clima mortífero motivou ainda mais Dom gerardo a con-siderar, em 1899, a fundação, no interior mais sadio do Ceará, de uma nova abadia, Santa Cruz do Quixadá. esta, mais adequada para acolher o noviciado na tradição espiritualista, começaria tu-do de novo e formaria um contrapeso às abadias urbanas. O que o visionário Van Caloen entreviu nesta primeira visita como a futura Maredsous do Brasil, começou num casario de taipa, mas deveria estender-se sobre dois morros. Um seria destinado a um colégio, que se tornaria a grande instituição do Norte do Brasil. Contava no início com a doação do terreno e o apoio da elite da província, do bispo, do chefe local, Coronel Cravo, e com dinheiro empres-tado pelo Barão de Studart.

este êxito parece ter dado vento em popa às ambições de Van Caloen, que se fez designar adjutor e sucessor de Dom Do-mingos como abade-geral da Congregação Beneditina brasileira. apenas chegavam mais alguns monges e ele os destinava à abadia da Bahia e sua dependência de Brotas, que deveriam sediar res-pectivamente uma ‘Faculdade Metropolitana’ e um orfanato ou escola agrícola. a abadia abriu suas portas aos feridos da guerra de Canudos. em 1900 foi lançado um jornal, O Estandarte Ca-tólico, com duas edições, na Bahia e em São Paulo, destinado a ser um equivalente do La Croix francês, com mais um periódico para crianças, O Anjo da Guarda. Van Caloen aconselhou em Pernambuco o prócer do paternalismo católico, Carlos alberto de Menezes, que, em sua fábrica de Camaragibe, queria aplicar a encíclica Rerum Novarum e contratou freiras e padres franceses. recuperou também a abadia da Paraíba, cobiçada pelo bispo lo-cal, Dom adauto. a morte em 1900 do ‘escandaloso’ abade Mo-reira de São Bento em São Paulo abriu o caminho do sul e dos

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priorados de Santos, Sorocaba, Jundiaí, Parnaíba e Campos. este era seu maior opositor dentro da Congregação brasileira junto com o frei secularizado Joaquim do Monte Carmelo, autor de O Brazil mystificado. acusavam os monges estrangeiros de rapacida-de e de tratar os brasileiros ‘como selvagens, ignorando sua longa história sob a cruz’. Van Caloen, entretanto, combateu sua influ-ência e conseguiu participar do capítulo geral ao mesmo tempo em que obteve o fim da autonomia das abadias. Na São Bento de São Paulo, que a prefeitura queria tomar, expulsou o liquidante, improvisou uma pequena comunidade e instalou Miguel Kruse como prior. este revidaria os ataques do positivista luiz Pereira Barreto, ex-estudante da Universidade de Bruxelas.

Faltava apenas a bela e bem localizada abadia do rio. Quan-do seu ex-abade João ramos teve seu protesto contra a invasão estrangeira rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal, Dom ge-rardo entrou, junto com o abade-geral Dom Domingos, em 12 de maio de 1903, para tomar posse. Circulavam rumores que prepara-vam uma futura invasão alemã e que fechariam a escola gratuita. aos gritos de ‘Morram os frades estrangeiros’, foram assaltados por uma malta enfurecida de partidários do ex-abade excomungado. O belga conseguiu escapar dos ‘200 assassinos’ por uma portinha traseira e refugiou-se na casa do arcebispo arcoverde. alertado, o

presidente rodrigues alves enviou uma força armada sob o co-mando do Marechal Hermes da Fonseca para escoltar e instalar Van Caloen como novo abade. O próprio Barão do rio Branco veio à rua para aplaudir sua posse. enquanto se manteve a proteção militar, ainda durante a revolta da Vacina, reorganizou o culto e a vida monástica. Construiu um novo colégio, equiparando seu programa ao ginásio nacional e aberto ‘gratuitamente’ a mais de 500 alunos. Para fugir do grande calor comprou na Tijuca várias casas e as transformou em um pequeno convento de vilegiatura com escola noturna de catecismo. assim acalmou um pouco a hostilidade geral. Numa visita de cortesia a rodrigues alves, este se declarou ‘católico de coração’, ao passo que o jornalista Carlos de laet defendia os beneditinos belgas.

Com a morte de Frei Domingos em 1908, Dom gerardo tor-nou-se o abade-geral vitalício e nomeou outro belga, Chrysostome de Saegher, como seu adjutor no rio. as quatro principais abadias estavam agora nas mãos de monges belgas ou alemães. Fez con-sertos em Santos e em Sorocaba, que oferecia mais tranquilidade aos noviços de São Paulo. em Campos reanimou a presença be-neditina na Fazenda de São Bento e no santuário de Santo amaro com o monge Mauro Desrumaux, que abriu centros de catecis-mo, batizou e celebrou casamentos (lamego, 238). Na Bahia, em

A abadia ‘brasileira’ de Saint-André, Zevenkerken, 2011.

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1905, arrancou Brotas das mãos dos posseiros com a promessa ao governo de criar um orfanato ou escola agrícola.

Como se esta reconquista fosse pouca, Van Caloen pretendia ainda missionar entre os índios. entre outubro de 1900 e final de 1901 interessou-se pelo supracitado projeto de leopoldo II para uma concessão no araguaia-Tocantins e se encontrou a este res-peito com o coronel Thys e com o próprio rei. ao mesmo tempo, em agosto de 1901, Dom gerardo defendeu em roma seu pla-no de missões entre os índios. Desarmaria as campanhas contra os frades pela utilização patriótica de suas rendas. em audiência com o Papa leão XIII junto com o embaixador brasileiro augusto Ferreira da Costa, este último manifestou seu apoio, mas o pro-jeto não vingou. Van Caloen descartou uma oferta do bispo do espírito Santo para uma missão entre os botocudos e preferiu, depois de um encontro em 1904 com o bispo de Manaus, novas perspectivas no território de rio Branco. No início de 1906 obte-ve de roma sua nomeação de bispo coadjutor de Manaus, sendo consagrado em 18 de abril daquele ano em Maredsous pelo bis-po de Belém. entretanto, as resistências do episcopado brasileiro levaram a transferir este estrangeiro, bispo de Phocéa, à Prelazia do rio Branco, criada em 1907 como dependência direta da aba-dia nullius do rio de Janeiro. Com o status de bispo, Van Caloen foi em 1908 a Manaus conhecer a amazônia, mas não seguiu até Boa Vista. Os primeiros três monges chegaram lá em 1909, Dom acário, Dom adalberto e Dom Boaventura, seguidos em 1911 por outros, acompanhados de um pedreiro flamengo, contratado por três meses. entrementes, Van Caloen não apreciou que o aba-de de Salvador, Dom Mayeul de Caigny, imitasse na Bahia seu exemplo com a fundação, em 1909, de um posto entre os índios em angelim, no rio Pardo.

Para dar fundamento e credibilidade a seu império benediti-no brasileiro, precisava recrutar mais pessoas e assegurar-lhes um mínimo de conforto em construções reformadas ou novas. Como os poucos postulantes brasileiros não pareciam idôneos ou não aguentavam a disciplina, procurou monges e noviços sobretudo nas próprias abadias de Beuron e Maredsous. Solicitou também as abadias francesas ameaçadas de expulsão e cogitou incorporar a portuguesa de Cucujães. Sem êxito, apostou na criação de ‘procu-ras’ próprias para iniciar jovens à vida monástica no Brasil. Criou uma em Siena e outra em Wessobrunn, na Baviera, mas a maior e mais querida seria Saint-andré, ressuscitando uma abadia me-dieval extinta perto de Bruges. Publicou no ‘Courrier de Bruxelles’ um apelo às vocações para o Brasil e começou, em 1899, primeiro numa casa de sua família. Um senador aparentado, Van Ocker-hout, doou um grande terreno em loppem para a nova constru-ção. em menos de dez anos, entre 1902 e 1910, surgiu, com um orçamento de 250.000 francos, a monumental Zevenkerken (Sete Igrejas), com um claustro, ladeado por alas térreas de celas, uma igreja, com torre e sinos e sete igrejas-capelas simbolizando as basílicas romanas, das quais três realizadas. Contra a vontade de Beuron e Maredsous, mas aprovada pelo papa para ‘servir ao bem do Brasil’, Saint-andré foi promovida como ‘o Brasil na Bélgica’. enquanto em 28 de abril de 1901 o jornal La Patrie jubilava-se

que ‘O Brasil fará renascer a velha abadia extinta’, o seu abade Van Caloen dizia na sua homilia da ceremônia da pedra fundamental ‘ouvir o gemido de dor dos índios’.

a nova abadia nasceu dependente juridicamente da congre-gação brasileira, inclusive com um subsídio pecuniário, e adotou mesmo o idioma português para a comunicação entre postulantes e noviços de diversas nacionalidades. estes eram, no início, sobre-tudo calabreses, já que os filhos dos camponeses da região de Bru-ges ‘resistiam aos apelos dos sinos’ (d’Ydewalle). Mesmo assim, des-de setembro de 1899 rumaram as primeiras caravanas de monges para o Brasil. Dos 280 beneditinos europeus, enviados entre 1895 e 1914 ao Brasil, 118 passaram por Saint-andré ou foram formados lá, na sua maioria belgas e alemães, mas também suíços, italianos e franceses. Tem-se notícia de apenas dois brasileiros, um noviço e um converso, Baltasar de araújo, que faleceu em rio Branco.

entretanto, Van Caloen, construtor obsessivo tal qual um em-presário imobiliário, deixou suas marcas no Brasil, de obras de sa-neamento até pinturas murais. Na abadia do rio, joia do barroco, este ‘vendaval’ (cf. ramalho rocha) reformou o telhado, instalou iluminação a gás e água encanada, desmanchou os alpendres da portaria, revestiu as escadas e os pavimentos com mármores – al-guns falsos –, restaurou o dourado das imagens, instalou estalas no coro, mas suprimiu nas celas dos monges os aprazíveis bancos de cantaria junto às janelas, mandou talhar na rocha uma nova ladeira de acesso e construiu o novo Colégio São Bento. Mais tar-de, a pedido do Sphan, foram parcialmente eliminadas estas inter-venções no estilo barroco, que o belga abominava. ao contrário, deu livre curso à sua preferência pelo neorromânico à la Beuron no claustro de Tijuca, conservado como Cela São gerardo ou Capela da casa de São Bento no alto da Boa Vista. Pode também ter influído o estilo neorromânico dos três prédios, os números 1-17, 29-33 e 51-55 da avenida Central, construídos pelo arquiteto gastão Bahiana numa sobriedade eclesiástica contrastante com o pomposo ecletismo dos outros edifícios. No entanto, Van Caloen não recusava o modernismo e para rio Branco encomendou, em Hamburgo, à casa Backhome, uma igreja e duas casas em ferro sobre planos do arquiteto Moers, que tinha desenhado o palácio episcopal de Manaus. Foi especialmente a Hamburgo, mas os planos não tinham chegado lá. em sua viagem a georgetown, encantou-se pelas construções de madeira e planejou comprar algo semelhante para rio Branco.

Todas essas viagens e obras custavam evidentemente somas colossais. Van Caloen aplicou com certeza seu próprio patrimô-nio e repetidas doações de sua mãe, como as destinadas ao altar de Saint-andré. Para custeá-la lançou uma subscrição nos jor-nais e passou a coleta entre parentes, conhecidos e os brasileiros de Paris, como os Nioaques. Uma nobre de Bruges, Peñaranda, emprestou a juro muito baixo. Se leopoldo II e o coronel Thys prometeram doar cada um 100.000 francos sob a condição de Saint-andré preparar também padres para a China e o Oriente Médio, finalmente o rei limitou-se a 5.000 francos, sem outro compromisso. além do subsídio anual, a congregação beneditina brasileira foi solicitada para pagar os juros de um empréstimo e

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garantir hipotecas. é bem provável que Van Caloen tenha trans-ferido, na sua contabilidade nada transparente, recursos brasilei-ros, ainda mais quando em 1910 o subsídio terminou em con-sequência da autonomia alcançada por Saint-andré em relação à congregação brasileira. acusações e insinuações neste sentido circularam continuamente entre seus inimigos anticlericais como também entre os próprios monges, que o responsabilizavam de dilapidar as riquezas das abadias brasileiras.

estas tinham efetivamente a reputação de serem muito ricas, alimentando cobiças por toda parte. Somente a abadia do rio era proprietária de 164 casas, se bem que pequenas, antigas e em descalabro, mais a metade da Ilha do governador, uma imensa propriedade em Iguaçu, terras em Maricá, Quissamã, Cabo Frio, Campos e São João da Barra e ainda uma zona urbana em Niterói e em Campos. Contavam com uma renda de 200 contos, que seu predecessor ramos dissipava com uma mesa diária aberta a 50 pessoas, banquetes e gastos de seus familiares. Bahia teria uma renda de 60 contos, Olinda, de 40, e Paraíba, de 80 contos. Um conto seria equivalente a 1.500 euros atuais, mas o câmbio oscilava muito. encontravam-se, frequentemente, aluguéis a preço muito baixo ou pré-pagos por vários anos e dívidas sobre impostos do go-verno, como em Pernambuco ou na Bahia. além disso, os belgas subestimavam a carestia de vida no Brasil.

No rio, Van Caloen não encontrou dinheiro em caixa e não podia vender para prevenirem-se suspeitas. em bom entendimen-to com o ministro de Obras Públicas, lauro Müller, procurou va-lorizar o patrimônio graças às generosas indenizações pelas expro-priações para as obras de modernização do prefeito Pereira Passos, alguns 1.000 contos, além de terrenos na nova avenida Central. Investiu o dinheiro nos supracitados prédios. Infelizmente, os loca-tários lloyd Brasileiro e Jornal do Brasil ficaram devendo aluguéis na faixa de 200 contos. Outras casas continuavam vazias, ao passo que indenizações insuficientes ou aluguéis atrasados sobre a Ilha do governador levaram a processos contra o governo. Na contes-tação sobre um terreno do arsenal da Marinha, o novo presidente afonso Penna se irritou, colérico com este abade estrangeiro, que interpretava dentro do viés belga qualquer oposição como obra da maçonaria. as campanhas na imprensa contra os frades redobra-ram-se com o segundo Congresso Católico, em julho de 1908, no qual participou um professor de lovaina, emiel Vliebergh, acon-selhando a formação de organizações agrícolas e partidos católicos no modelo belga. Van Caloen incitou lauro Müller a formar uma bancada católica na Câmara, mas este preferiu tornar-se sucessor do Barão de rio Branco.

enquanto circulavam rumores de falência, propagados inclu-sive pelo abade Kruse de São Paulo, Van Caloen resolveu o aper-to com pequenos empréstimos locais conseguidos com o Banco do Brasil, mas a juros altos de 8%. Como o Núncio se opôs a um grande empréstimo, foi negociar na Bélgica com a casa von Bary de antuérpia. Constatando que as financeiras belgas desconfiavam de operações com ordens religiosas e hipotecas no exterior, procu-rou a City de londres. Com cartas de apresentação do ministro Müller a outro político influente, Joaquim Murtinho, e com um

intermédiário brasileiro, g. reidy, de Paris, e seu advogado, lei-tão da Cunha, levantou do lloyd’s Bank em novembro de 1909 nada menos que 300.000 libras esterlinas a 5% sobre hipotecas de propriedades estimadas em 600.000 libras e a reembolsar a partir do quinto ano em meio século.

Isto permitiu saldar os empréstimos no Brasil, mas logo surgi-ram novas necessidades para melhorar o ginásio e readaptar um edifício da avenida Central e reparar os grandes danos sofridos entre 23 de novembro e 10 de dezembro de 1910 pela ocupação militar da abadia e pelo bombardeio dos marinheiros revoltados na Ilha das Cobras, além de gastos urgentes em rio Branco. O presi-dente Nilo Peçanha, interessado nas terras de Iguaçu para um pro-jeto de melhoramentos, mostrou-se mais benevolente e facilitou novos avanços do Banco do Brasil. Indenizou a expropriação da Ilha do governador por 1.000 contos, mas saiu do poder sem pagar.

assim, Van Caloen quis repetir em 1911, em londres, um grande empréstimo de 150.000 libras, alegando que hipotecas contratadas no exterior dificultariam o confisco dos bens das ordens religiosas como estava ocorrendo em Portugal. De fato, muitos advogavam no Brasil a expulsão dos monges, ainda mais com os conflitos em rio Branco e no próprio rio de Janeiro so-bre a ponte para a Ilha das Cobras. Sobre esta o ministro Barão

Um monge brasileiro falecido na Bélgica, fotografia de 2011.

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do rio Branco reclamou em roma, ao passo que Van Caloen solicitou a proteção e intervenção dos ministros belga e prussia-no de relações exteriores. Desta vez, se Van Caloen encontrou disponibilidade financeira do lado inglês, tardou meses a autori-zação do Vaticano, alertado pelas denúncias do Núncio no rio e de seu próprio abade adjutor, Chrysostome de Saegher. este cria ter descoberto o desaparecimento de 400 contos das recei-tas extraordinárias. além do mais, queria restringir as atividades do mosteiro e suprimir Tijuca, onde Van Caloen preferia residir para escapar da hostilidade dos monges no mosteiro. Junto com outros monges pediu a demissão de Van Caloen. este resistiu primeiro e defendeu, num relatório de 3 de junho de 1912, sua gestão, salientando que deixava um patrimônio de 99 casas em bom estado. Quis até afastar De Saegher como vigário-geral em rio Branco, mas o fim de seu reino onipotente estava chegando. Se o novo Papa Pio X ainda abençoou Van Caloen, este perdeu seus apoios tanto na Cúria vaticana como do Cardeal-arcebispo arcoverde. O abade de Seckau, Dom Zeller, foi encarregado de fazer uma visita apostólica. enquanto o segundo grande emprés-timo de londres não se efetivava, surgiu, em 1914, com a baixa do câmbio e a diminuição das rendas, novamente o espectro da falência. em desespero, Van Caloen vendeu as valiosas terras de Maricá por apenas sete contos (ramalho rocha).

a animosidade por parte de De Saegher e de outros monges devia-se não somente às suas opacas transações financeiras como também às suas frequentes viagens e longas ausências. Van Caloen atravessou 23 vezes o atlântico, de preferência nos mais modernos steamers ingleses ou franceses, em primeira classe, onde celebrava no salão missas para a alta sociedade a bordo, enriquecendo seu caderno de endereços. Suas repetidas viagens de trem pela Itália e alemanha se justificavam no seu espírito para ganhar a bene-volência dos poderosos e ricos. Teve audiências com os papas e os cardeais da Cúria, duas vezes com o rei leopoldo II, com os presidentes brasileiros, de Campos Salles a Hermes da Fonseca. Peçanha o recebeu quatro vezes em seis semanas. aonde passava, visitava abades, bispos, governadores e até o lord Mayor em lon-dres. Frequentava o rico barão bávaro von Cramer Klett e homens de negócios. em almoços com diplomatas belgas tratava dos in-teresses econômicos da Bélgica no Brasil e lhes pedia consulados para seus amigos. Fazia sua mãe convidar no castelo de loppem o embaixador Oliveira lima ou o ex-governador de Pernambuco. Nas longas viagens marítimas podia descansar e recuperar-se de suas crises cardíacas. Para a cura destas foi tomar cinco vezes um mês de banhos em Bad Neuheim na alemanha. gostava também de banhos de mar, até nadar em pleno inverno na praia de Dieppe. em toda parte fazia compras de objetos litúrgicos e livros. esta intensa vida social, mundana demais e incompatível com o ideal monástico, o afastava de seus monges, ainda mais que, no rio, dis-punha de um apartamento abacial, além de seu retiro na Tijuca.

Se nos primeiros contatos encantava seus noviços e monges, estes, pouco depois, descobriam um abade altivo e severo, que lhes recriminava continuamente falhas, neuroses ou outras indisposi-ções para a vida monástica. Tratava seus secretários com aspereza.

autocrático e algo maquiavélico, deslocava numa valsa contínua abades e priores como peões num tabuleiro de xadrez para afastar os críticos. Paralelamente se deterioravam suas relações com os bispos brasileiros. estes vieram a preferir os franciscanos a estes potentados mitrados belgas e alemães. Van Caloen ressentia parti-cularmente a hostilidade de arcoverde, para quem tinha pleiteado junto ao Papa leão XIII o chapéu cardinalício. acusava de chan-tagem o bispo da Paraíba, quando este ameaçava com o confisco da abadia pelo governo.

Oficialmente, o capítulo geral e a visita apostólica o descri-minalizaram e foi seu opositor De Saegher quem voltou à Bél-gica. Mesmo assim, van Caloen sentia-se cada vez mais isolado pelo prior e pelos outros monges e apresentou finalmente sua demissão. Foi aceita pelo Vaticano no início de 1915, sendo que van Caloen se ocuparia doravante somente de rio Branco. Na sua costumeira tática de escapatória, o bispo van Caloen já tinha ido antes, no meio da crise em maio de 1914, tomar posse de sua prelazia em rio Branco.

esta precisava mesmo de sua presença. logo no início, em 1909, os primeiros monges se desentenderam em Boa Vista com o chefe político Bento Brasil, que administrava para a diocese de Manaus a grande fazenda de gado Calungá e se negou a entregá-la junto com a contabilidade aos novos donos beneditinos (Vieira). Sua recusa em aceitar um maçom como padrinho de batismo envenenou ainda mais a relação com o Brasil. Sua casa foi me-tralhada em 10 de dezembro e os monges tiveram que fugir para a fazenda nacional de Capela. Foram viver um tempo entre os índios na Missão de Surumu, cuidando de ‘4.000 a 5.000 almas’, enquanto Van Caloen obteve proteção militar através do ministro belga de relações exteriores. a morte de dois monges por febre amarela em Belém em fevereiro de 1911 prolongou a inatividade da missão tão distante. Van Caloen foi, aliás, estudar em george-town, uma ligação através da guiana inglesa, mas preferiu ainda desta vez a rota do amazonas. Nesta segunda viagem, em plena crise da borracha, ficou bem impressionado como, perto de Ita-coatiara, esta se superava pela valorização da agricultura. esta re-dimiria, no seu entender, Manaus do seu paganismo e favoreceria a evangelização. assim seus monges deveriam transformar tanto os seringueiros como os índios em meeiros, um pouco como os agricultores nas terras de sua família perto de Bruges. em Manaus, visitou as autoridades e se aproximou do doutor amoura, um dos chefes do Serviço de Proteção aos Índios. Se opinava que rondon o tinha criado para contrariar a influência dos padres, preferia, no Brasil, flexibilizar sua aversão à maçonaria e manter relações, pe-lo menos, desde que recebesse acesso às colônias para ensinar a religião. Fez também as pazes com Bento Brasil e seus agregados e cortejou outros poderosos de rio Branco, como o comerciante J. g. araujo, que lhe facilitaram alojamento e transporte até Boa Vista. Para um sexagenário doente a longa viagem em barcos sofri-dos, até num batelão sobre 200 bois, e o contorno a pé das catara-tas se revelaram uma penosa aventura. aguentou firme, dormindo na rede, no barco, anotando no diário os batismos e casamentos a realizar e os lugares para a construção de capelas.

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Na sede de sua prelazia fez em julho sua entrada solene de bis-po, preocupou-se com a igreja a reconstruir e consagrou o primei-ro sacerdote. ainda fez expedições pelo rio e a cavalo com peões nas redondezas para sopesar o melhor lugar para a construção do mosteiro São Bonifácio no morro São Bento e para os pastos do gado. Nas fazendas Calungá e Capela teve enfim contato com os índios, que pareciam ter medo do homem branco. Pretendia evan-gelizá-los e discipliná-los. assim, proporcionaria uma mão de obra abundante e regular aos agricultores das terras demarcadas. Seu convívio pessoal se limitou a uma dúzia de curumins.

Numa noite de agosto, armando sua rede, lhe alcançou a no-tícia da deflagração da guerra e da Bélgica incendiada. logo re-solveu voltar ao rio. Passando por Manaus procurou obter uma estrada e um caminhão para contornar as cataratas do rio Branco. No rio de Janeiro, se implicou numa ‘Sociedade de Melhoramen-tos do Rio Branco’, mas que nunca funcionou. ainda, em 3 de de-zembro de 1918, numa conferência na Sociedade de agricultura, publicada no Boletim da Câmara de Comércio belga no rio de Janeiro, advogava a valorização de rio Branco. além do sanea-mento com uma missão médica, propunha demarcar as terras, dar títulos e repartir as grandes propriedades nacionais, dar trabalho

aos índios e mais recursos aos monges para sua catequese, e ainda melhorar a navegação e construir uma estrada de ferro de Manaus a rio Branco e de rio Branco a georgetown. esta era apenas uma quimera, mais de concessionários fantasiosos que chegaram a interessar até o grupo belga da Banque de l’Outremer. em Boa Vista, seu vigário-geral Bonaventure Barbier e, a seguir, o prelado Pedro eggerath conseguiram realizar algumas obras, uma escola, um hospital, um jornal e uma fábrica de charque, mas um pro-jeto em 1925 de uma Companhia agroindustrial mais ambiciosa malogrou logo. em 1948, os beneditinos entregaram o rio Branco nas mãos de uma ordem italiana.

Van Caloen regressou definitivamente à europa em 1919 e terminou seus últimos anos na Côte d’azur, em antibes, onde construiu uma capela bizantina para os emigrados russos. lá fa-leceu em 1932, não muito longe das faustuosas Villa léopold e Villa des Cèdres de leopoldo II. À primeira vista, Monsenhor Van Caloen se parece algo com um clone clerical do rei dos belgas e famigerado fundador do estado livre do Congo. Nutria uma ambição expansionista quase tão megalomaníaca e um gosto si-milar de construções, de viagens marítimas e balneários. exibia, inclusive, a mesma barba comprida do missionário, se bem que

Interior da Basílica Abacial de Nossa Senhora da Assunção do Mosteiro de São Bento, na cidade de São Paulo.

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era de estatura baixa e bem mais novo. Se leopoldo era um con-victo ensimesmado e autoritário por herança dinástica, o presun-çoso Van Caloen se sentia investido pela providência divina. esta o acordava de noite para comunicar um encargo novo. apenas chegou num Ceará castigado pela seca que choveu de imediato e tudo verdejou. escapava de navios que naufragariam, como o Sirio. Interpretava mortes imprevistas de adversários seus, como o presidente Pena ou o Núncio Bavano, como sinais providenciais.

entretanto, o diário do impávido ativista atrai alguma curio-sidade, sensibilidade e simplicidade mais humana, sobretudo na amazônia. em 1914, no Tocantins, o prelado vai morar dois dias em Pinheiro numa casinha muito simples e pôs até um curativo no pé ferido de um menino, se bem que logo pensou em levá-lo como doméstico. Na serra de araraquara, em rio Branco, voltou a ser umas horas o monge sonhador, imaginando construir seu mosteiro num promontório em meio à natureza selvagem. Quan-do os confrades belgas e alemães lhe resistiam, era às vezes capaz de humildade e obediência. Com o tempo os primeiros monges brasileiros amansaram sua voluntariosa restauração beneditina nu-ma espiritualidade tradicionalista.

Van Caloen tinha confiado o mosteiro de São Paulo a Dom Miguel Kruse em 1907, um alemão de forte personalidade e em-preendedor, que durante mais de 20 anos firmou-se na paisagem religiosa e intelectual desta futura metrópole. além de um colé-gio, bem frequentado e reputado, abriu em 1908 uma faculdade com o primeiro curso de Filosofia, para o qual contratou com um bom salário o padre belga secular Charles Sentroul, discípulo do Cardeal Mercier, capaz de malabarismos entre o neotomismo, o kantismo e a ciência, mas também brincalhão, apreciado até pe-lo jovem Oswald de andrade, e briguento durante a guerra com o abade alemão. Quando voltou à Bélgica em 1919, somente em 1922 reabriu o curso com outro belga, léonard van acker, e com o português alexandre Correa, dois leigos formados em lovaina. em 1910, Kruse começou a construção de uma nova igreja com

o projeto do arquiteto richard Berndl em estilo neorromânico e decorada pelo monge de Maredsous, adalbert gressnigt, e por um leigo, adrien van emelen, irmão do monge amaro van emelen.

O mosteiro do rio de Janeiro se estabilizou sob o abade egge-rath e manteve um colégio bem cotado; ao mesmo tempo, seria o melhor sucedido em suscitar vocações entre os próprios brasileiros e nacionalizar seu recrutamento de monges. a abadia da Bahia sofreu no conflito entre o arcebispo com seu abade, Dom Mayeul de Caigny, que acabou partindo em 1912 para fundar uma nova abadia em Barbados, Mount Saint Benedict. a de Olinda contou mais três mortes numa epidemia de febre amarela em meados de 1904. Sob seu severo abade Peter roeser, criou uma escola supe-rior de agricultura e medicina veterinária, dirigida em 1927 por amaro van emelen, conhecido por seus trabalhos sobre a apicul-tura, e mais tarde incorporada pela Universidade Federal rural de Pernambuco. Malogros seriam as abadias da Paraíba e, sobre-tudo, a de Santa Cruz de Quixadá. esta acabou fechando devido às secas repetidas, ao isolamento e aos altos e baixos de seu colé-gio em consequência de campanhas hostis em Fortaleza com sua suspensão final em 1909. Faltou-lhe um abade de pulso, segundo Van Caloen, uma vez que não conseguiu levar para lá o empre-endedor Dom Jean de Hemptinne. O abade lucas Heuzer não soube aproveitar a visita do padre Cícero, e sua difamação junto ao bispo de Crato fizeram o profeta do Cariri legar parte de sua fortuna para os salesianos.

Quanto à abadia ‘brasileira’ de Saint-andré, Van Caloen a co-nectou em 1910 com uma nova missão beneditina em Katanga, no Congo, que cresceu em importância uma vez que em 1912 se deixou substituir como abade por Dom Théodore de Neve. este ainda solicitou ajuda pecuniária do Brasil, mas o destino brasilei-ro dos monges minguou pouco a pouco no horizonte em favor de missões em outros continentes. Os poucos retornados do Brasil cultivaram algum tempo as memórias do país, hoje quase com-pletamente apagadas.

Os cônegos brancos e outras ordens belgas e d d y S t o l s

Os premonstratenses ou norbertinos, mais conhecidos como cônegos ou padres brancos, prosperavam na Bélgica em meia

dúzia de abadias. Tradicionalistas tranquilos e menos intelectuali-zados que os beneditinos, figuravam um pouco como manda-chu-vas no meio rural, mais ainda entre seus próprios arrendatários. em 1896 Van Caloen recomendou aos premonstratenses da aba-dia de averbode o pedido do bispo de São Paulo, Joaquim arco-verde, para que tomassem a direção de seu seminário.

Os dois primeiros, Vincent Van Tongel e rafael goris, che-garam em dezembro de 1896 e o bispo lhes confiou o santuário Bom Jesus de Pirapora, interior de São Paulo, que, elevado a

paróquia, poderia em parte financiar a construção de um colé-gio. este veio a ser monumental, com uma capela e a mobília em estilo neogótico, algo destoante com o barroco tradicional da igreja abaixo. logo serviu também de seminário menor, que deveria levar centenas de jovens ao sacerdócio, até 1948 quan-do este preparo lhes foi retirado. Paralelamente os cônegos pro-curavam recrutar para sua própria ordem e enviavam noviços à abadia mãe em averbode, até que, em 1930, criaram seu próprio noviciado em Pirapora.

entrementes, vieram mais religiosos de averbode, o suficiente para encarregarem-se em 1901 do Colégio do espírito Santo em

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Jaguarão, no rio grande do Sul, bem perto do Uruguai. este teve algum êxito e, depois da compra de um edifício maior, em 1903, teve mais de cem alunos, mas, por falta de equiparação com o en-sino estadual, fechou em 1912. Foram então abrir outro colégio em Jaú, estado de São Paulo, mas por falta de êxito fechou em 1968. antes, em 1909, assumiram a pedido do Núncio a direção de um colégio em Petrópolis, para o qual alugaram o Palácio Im-perial, vazio na época.

Quando, em 1939, o edifício foi requisitado pelo governo para instalar o museu imperial, construíram, em 1941, um novo prédio na estrada para o rio. este colégio fechou em 1992. Como na Bél-gica, alguns cônegos prestavam também serviço paroquial, como na igreja de São José, na cidade de São Paulo. De 1898 a 1905 partiram de averbode 35 religiosos, quase a metade de irmãos, que assistiam os cônegos como marceneiros, cozinheiros, alfaiates e domésticos. Os últimos reforços chegaram nos anos de 1950. De um total de quase cem religiosos, a grande maioria voltou à Bél-gica. as repetidas tentativas de montar uma abadia de vida regu-lar no modelo belga se frustraram, mas resultaram finalmente na

fundação de um priorado em Jaú, elevado a abadia em 2000. em Pirapora já não exploram o santuário, mas mantêm sua casa para retiros e museu de arte sacra com obras do irmão José Withofs.

Outra abadia premonstratense, ‘t Park ou abadia do Parque, na periferia de lovaina, seguiu a senda brasileira a convite do bis-po de Mariana, Silvério gomes Pimenta, e, em 1898, o próprio abade, Quirinus Nols, acompanhou os três primeiros cônegos. Primeiro assumiram o serviço pastoral em Congonhas do Campo (Mg), que, em conflito com a mentalidade local, abandonaram em pouco tempo. Tampouco persistiram no colégio aberto em 1900 em Sete lagoas (também no estado de Minas), logo fecha-do por falta de alunos. Finalmente, seduzidos pelo bispo de Dia-mantina, Joaquim Silveira de Souza, assentaram-se, em 1903, no norte de Minas, em Montes Claros. Desta base prestavam serviços pastorais em Bocaiuva, Morrinhos, Salinas, Januária, Tremedal, Jequitaí e outras missões pelo alto São Francisco. Batizaram e ca-saram, restauraram ou melhoraram diversas igrejas e organizaram novas confrarias. em Montes Claros mesmo fundaram o Colégio São Norberto, com um observatório meteorológico, compraram

Vista de Pirapora do Bom Jesus, interior de São Paulo.

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uma tipografia e lançaram o semanário A Verdade (1907-1917). Pretendiam concentrar-se na fundação de um convento, mas não resistiram a novos convites em 1919 para cuidar de paróquias na periferia do rio de Janeiro, que trocaram, em 1921, por Teresópo-lis. Por falta de mais padres belgas, priorizaram novamente Montes Claros, que, com uma escola apostólica, facilitou o recrutamento de brasileiros, a sobrevivência da ordem no Brasil e a criação re-cente de um priorado.

Se os premonstratenses enviaram mais religiosos que os bene-ditinos, seus resultados foram modestos, devidos em primeiro lu-gar à instabilidade de suas fundações e às contínuas viagens pelo Brasil ou de volta à europa. Poucos ficaram para temporadas mais longas. em Minas, quase como padres ambulantes, andavam por muitos dias a cavalo e vários sofreram problemas de saúde, inclusi-ve paludismo, com algumas mortes prematuras. Misturavam o ser-viço paroquial com o ensino, sem ter formação ou experiência pe-dagógica. Seus colégios se destacavam antes em bandas musicais ou em teatro, como o grupo São genesco, em Montes Claros. em suas cartas para a revista de propaganda ‘t Park’s Maandschrift, no seu uso da fotografia e nos livros dos padres Thomas Schoenaers, Drie jaar in Brazilië (averbode, 1904), e Maurice gaspar, Dans

le sertão de Minas (lovaina, 1910), transparecem maior convivên-cia e curiosidade com a cultura popular que entre os beneditinos. Schoenaers se deixou fascinar pela cultura negra em terras gaú-chas. gaspar, um guimarães rosa avant la lettre, se encantou pe-las andanças por serras e chapadões mineiros em caravanas com os camaradas e pela hospitalidade generosa nas fazendas. gostavam dos encontros e das entradas com fogos de artifício, das congadas de negros e de procissões, desde que as dirigissem.

Mesmo assim, segundo o antropólogo Darcy ribeiro, nativo de Montes Claros, ‘o movimento da ortodoxia romana comanda-do pelos padres de batinas brancas que nem se casavam, falavam mal português e só sabiam perseguir as formas tradicionais de re-ligiosidade popular quase matou o catolicismo em Montes Claros. Nos espaços abertos por eles se multiplicaram o espiritismo, o can-domblé e ultimamente o protestantismo, cada vez mais vigorosos’ (Confissões, rio de Janeiro, 1997, p. 58-63). efetivamente, algo prepotentes, como suas aldeias flamengas, enfrentavam tradições e líderes locais e reagiam com uma virulência, pouco brasileira, contra protestantes e maçons. em Jaguarão e Salinas, sustentaram polêmicas imprudentes sobre pretensas bíblias falsas. em Congo-nhas do Campo, mandaram desenterrar um maçom sepultado na

Ao fundo, Santuário do Senhor Bom Jesus e Seminário Premonstratense em Pirapora do Bom Jesus, interior de São Paulo, 2013.

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igreja. Paralelamente, seus projetos de vincularem-se à imigração e aos investimentos belgas, como no apelo do cônego Peffer aos industriais belgas da metalurgia, não vingaram (Peffer).

Falta examinar se a crítica de Darcy ribeiro atinge também as outras congregações, que enviaram padres belgas para o Brasil. Os Missionários do Sagrado Coração de Jesus, de origem france-sa, mas com um convento em Borgerhout, chegaram em 1911 como professores do seminário em Pouso alegre (Mg). logo se encarregaram de paróquias como a de Bauru, a partir de 1913, as de Campinas e de São Paulo e abriram, em Pirassununga, uma escola apostólica. Nos anos de 1950 se disseminaram no Paraná.

Já depois da Primeira guerra Mundial, os Josefitas, uma con-gregação belga reputada por seus prósperos colégios, empreen-deram em 1924, no sul da Bahia, em Una, uma fundação ligada

à presença de uma companhia agrícola belga. Se retiraram em 1936. Outras ordens francesas ou italianas levaram membros bel-gas para o Brasil como os lazaristas, dos quais alguns belgas se en-contram sepultados na cripta do Colégio do Caraça, em Minas gerais; os salesianos no Mato grosso, ou os barnabitas no Pará. estes últimos, expulsos da França para Mouscron, embarcaram para Belém em 1903. lá alçaram sua igreja de Nossa Senhora de Nazaré, a basílica, e relançaram o Círio. entre os irmãos das escolas cristãs ou lasallistas, que saíram da França em 1907 para organizar escolas em Porto alegre, havia belgas, como o irmão Justino, que partiu depois para o Congo. ainda foi o caso entre os maristas, que em sua escola em São luís do Maranhão tinham, em 1914, como diretor um irmão, Paul Berckmans, e um ‘time belga’ de futebol entre os alunos.

Vista da fachada posterior do Seminário Premonstratense em Pirapora do Bom Jesus, São Paulo, 2013.

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O excêntrico padre Júlio Maria de lombaerdee d d y S t o l s

Tal qual um solitário cavaleiro andante da devoção cordima-riana, abriu seu caminho o padre Julio Maria de lombaerde

(1878-1944). Filho de pequenos camponeses de Beveren, perto de Waregem, começou com apenas 17 anos um noviciado como irmão dos Pères blancs na algéria. Doente, acreditou-se curado pela Virgem Maria e decidiu dedicar-lhe doravante sua vida. Se fez padre na congregação francesa de vocações tardias, a Sagra-da Família, que o destinou ao Brasil. em 1912 chegou a recife, aprendeu o português em Natal, conheceu em São gonçalo a religiosidade sertaneja e seguiu, em 1913, para Macapá.

Percorreu essa região amazônica de pouca presença eclesiás-tica a cavalo ou de bote, relatando em crônicas Vers les Amazones suas visitas à colônia indígena dos capuchinhos e suas observações de cerimônias afro-brasileiras. Na cidade inventou seu método missionário de catecismo e escola, batismos e casamentos, assis-tência higiênica e diversões com banda, grupo teatral e até cine-ma. Para atrair os negros, lançou uma confraria de São Benedito. Às mulheres, marginalizadas numa religião popular, a seu ver, dominada por homens, oferecia seu culto da Virgem Maria. Não encontrando freiras para auxiliá-lo na fundação de um colégio, organizou sua própria congregação em 1916, as Filhas do Cora-ção Imaculado de Maria.

Já nessa época acostumou a confrontar-se com inimigos, no caso, um farmacêutico espírita. Com a morte de uma freira e de alunas, surgiram mais críticos, até que ele transferiu sua escola em 1923 para Pinheiro ou Icoaraci, bairro de Belém. Nesse colégio, o Nossa Senhora de lourdes, ainda existente, não faltou nem a répli-ca da gruta, construída com suas próprias mãos. Novos problemas, talvez financeiros, e outras desconfianças, ainda não elucidadas, levaram-no primeiro a um posto de pároco em alecrim (rN), em

O padre Júlio Maria de Lombaerde a cavalo na região amazônica.

1926, e, depois, em 1928, a convite do bispo de Caratinga, para Manhumirim, em Minas gerais.

Nessa região de imigração recente, em parte alemã, entrou lo-go em choque com o prefeito, os protestantes, maçons e espíritas e lançou suas diatribes num novo jornal, O Lutador, e em vários panfletos, como O diabo, Lutero e os protestantes, distribuídos pe-lo Brasil inteiro. alto, esbelto, com pequenos óculos, longa bar-ba e crucifixo no peito – versão nórdica do padre Cícero –, este Terror dos herejes fulminava temores escatológicos em O fim do mundo está próximo? em Anjo das trevas desmascara as seis pragas finais da maçonaria, do protestantismo, espiritismo, divorcismo, sen sualismo e comunismo. Proteção e salvação oferecia o Cora-ção de Maria, que acreditava estar presente junto com o filho no tabernáculo do sacramento.

essa devoção, algo heterodoxa, lhe inspirou a fundação de mais duas ordens, os missionários sacramentinos e as irmãs sacra-mentinas. entrementes, se revelou também um construtor incan-sável. além de concluir, em 1930, a primeira igreja em concreto armado – mas em estilo neogótico –, levantou um seminário apos-tólico, um hospital e o Colégio Santa Terezinha. No início teve um sobrinho como auxiliar por três anos, o padre Hyppolite De-poorter, e em 1931 recebeu a visita do irmão achille, missionário na Mongólia, o outro sobrevivente de nove irmãos.

em 1941 celebrou sua naturalização brasileira. Sua morte na véspera de Natal, em 1944, em acidente na direção de seu auto-móvel, alentou seus fiéis a cultuá-lo em relíquias, livros e até nu-ma opereta. Nos murais de seu museu aparece exaltado como um profeta-protetor no meio de um grupo de padres, freiras e curu-mins. O movimento dos ‘juliomarianos’ procura sua beatificação, desculpando seu fanatismo antiprotestante como comum a tantos outros líderes católicos da época.

O padre Júlio Maria de Lombaerde.

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O sonho monástico de José Moreau em Tabatinguera (Cananeia)

e d d y S t o l s

O congestionamento de vocações no final do século XIX em-purrou alguns sacerdotes diocesanos a procurar cargo e sus-

tento no Brasil, como eugène Tyck, vindo da África e ativo no rio grande do Sul em 1907-1908, ou Jean-Baptiste Van esse. este parece ter inspirado um colega seu de seminário, José Moreau, a seguir seus passos. Seu atribulado percurso brasileiro – fragmen-tário pelas poucas cartas disponíveis – destoa da história conven-cional da romanização (arquivo Saint-andré; amaeb, 2.806, IV).

Como Moreau não encontrou na Bélgica uma paróquia de renda suficiente para sustentar sua mãe e falhou na tentativa de fundar um convento no Congo, juntou-se, em 1895, ao abade Van Caloen com a intenção de se fazer beneditino no Brasil. Mais preocupado em resolver suas dívidas, deixou o noviciado e foi ga-nhar a vida como vigário de Iguape, no litoral paulista, um posto já ocupado pelo compatriota Van esse. Brigas com outros padres a respeito de emolumentos sobre batizados e casamentos e do rou-bo de uma imagem de São Miguel fizeram-no mudar para Porto alegre em 1897, onde serviu por vários anos na paróquia de Nossa Senhora dos Navegantes e reanimou sua famosa procissão fluvial. lá vieram também residir sua mãe e o irmão adolphe, farmacêuti-co. Van Caloen, que se reencontrou com Moreau no rio em 1903, sabia que seu bispo estava contente com este padre inteligente, mas demasiado preso às ‘affaires temporelles’. Segundo o cônsul belga em São Paulo, era interditado de missa e teria explorado vá-rios compatriotas ‘chamados em 1898 para uma fazenda’.

Mais do que provável, tal fazenda era a de Tabatinguará, em Cananeia, uma área de 709 alqueires ou 2.420 hectares, que Mo-reau comprou, ‘com um fim humanitário’, de Maria Isabel Ca-margo em 3 de julho de 1897, sendo vigário em Iguape. Pelas suas notas seria ‘vasta como metade da Bélgica, muito pitoresca, de clima temperado e salubre, sem epidemias, outrora visitada por Martim Afonso, rica em restos do ouro, mármore branco, sambaquis para servir de cal de construção, madeiras preciosas, pastos para gado, muito pescado, inclusive lagostas e ostras, muita caça como a anta, de carne e pele parecidas com o boi, as pacas, de carne mais fina que o porco, e até pássaros de plumagem valiosa’.

Dizia ainda que até a abolição suas terras férteis produziam arroz, açúcar, mandioca, feijão, algodão, tabaco e até trigo, mas com a falta de braços estavam abandonadas. Os proprietários te-riam migrado para a cidade e seus moradores viviam da pesca à espera de um novo empresário. assim a fazenda tinha comunica-ção fácil e podia sustentar uma comunidade numerosa. Cananeia não seria tão isolada: havia quatro vezes por mês um vapor de passagem e correio terrestre três vezes por semana. Tabatinguará se encontraria a quatro horas de canoa, que um pequeno vapor reduziria a uma hora.

Depois do malogro com os belgas, e queixando-se de ‘inimigos maçons e protestantes’, Moreau esperava vender a uma congrega-ção religiosa a metade dessa propriedade e utilizar o dinheiro na exploração do resto pelo irmão. Sua oferta ao abade Van Caloen, em 1899, para estabelecer uma comunidade ‘num lugar mais sadio que o Ceará’ foi descartada, mas logo pensou nos monges olivetanos ou trapistas. Talvez tivesse conhecimento de um proje-to anterior quando, em 1858-1859, o governo do Império aceitou uma proposta do superior trapista belga Van State para abrir um ou dois estabelecimentos coloniais no Brasil, que, a exemplo da Bélgica, exerceriam uma boa influência sobre seus vizinhos la-vradores (Relatório do Império). além das passagens, receberiam terras perto da colônia militar de Pimenteiras, em Pernambuco, mas sua vinda não se concretizou. em maio de 1903 Moreau se encontrou, na França, com Dom Chautard, que estava pro-curando para onde transferir seus monges da abadia trapista de Sept-Fons, ameaçados de expulsão pela Loi Combes. Conseguiu seduzí-los a vir para Cananeia, mas, uma vez lá, os monges jul-garam o lugar isolado demais.

Nova ideia sua, exposta numa ‘Notice sur le domaine de Taba-tinguará’, de 14 de julho de 1905, era doar a propriedade ao rei belga leopoldo II como uma ‘colonie congolaise’, onde religiosos belgas educariam umas 20 crianças para tornarem-se colonos no Congo. leopoldo II tampouco aceitou. em 1909, Moreau voltou a procurar imigrantes belgas, mas sem a confiança do cônsul de São Paulo, robyns de Schneidauer, que o conheceu nesse mesmo ano em Porto alegre, ‘possuído pelo espírito mercantil’. Pouco depois, foi à Bélgica buscar a filha do irmão, que agora atuava co-mo médico e farmacêutico em garibaldi (rS). Numa inesperada peripécia, em agosto de 1911 estava em recife (Pe) de partida para ocupar no Congo o posto de pároco em elisabethville. De lá, publicou efetivamente cartas no Bulletin des Oeuvres et Mis-sions Bénédictines au Brésil de 1911-1912. No início da Primeira guerra Mundial, reapareceu como vigário em Bananal (SP), pro-curando dinheiro e subsídios para buscar órfãos e agricultores na Bélgica, França e Inglaterra. Neste sentido pressionou, em carta de 27 de outubro de 1914, o ministro belga das colônias, que co-nhecia de elisabethville, com uma proposta sobre Tabatinguera, mas este a julgou pouco séria.

em mais um episódio misterioso, Moreau subscreveu em se-tembro de 1917 uma carta, enviada de ‘Nova Lerina’ – sem dú-vida sua fazenda de Tabatinguera –, como ‘père Marie Honorat Moreau, o. cist.’ Pelo visto, convenceu finalmente um outro aba-de trapista, Patrice léron, de Saint-Honorat na Ilha de lérins, na Costa azul, a instalar uma filial em Cananeia. Dom Patrice morreu pouco depois, mas, em 1918, Moreau dizia continuar

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sua obra como ‘superior’. após ter recebido um padre de coro e dois conversos, planejou ir a lérins para fazer sua profissão eterna, mas a saída de ‘dois falsos irmãos’, a falta de noviços e a ‘caixa vazia por causa de um traidor’ fizeram periclitar seu mos-teiro. Pensava sacar novos fundos de uma ‘Piedosa Liga para o Livramento das Almas do Purgatório’, que se estabeleceria no Bra-sil inteiro, em Campinas (SP), em Minas e no Piauí, talvez até em rio Branco. Para construir uma igreja dedicada às almas do Purgatório, servida pelos cistercienses, pediu o apoio a seu velho conhecido Van Caloen, que o convidou a vir descansar com ele. em janeiro de 1919 estava em Dakar a caminho de lourdes. Des-ta vez conseguiu atrair jovens belgas escapados da guerra, como

o futuro poeta géo libbrecht, mas estes logo se desencantaram e abandonaram Tabatinguera.

Pouco depois, em 29 de abril de 1921, o novo abade de lérins se queixou a Van Caloen que Moreau conseguira captar a confian-ça de seu predecessor abade Patrice por pelo menos 60.000 francos em numerário e mais um material considerável. Destinou o dinhei-ro para melhorar sua propriedade e estava vendendo o material. Mesmo assim, em 18 de maio de 1921, Moreau seguiu usando o hábito branco cisterciense e recolhendo inscrições para sua piedosa liga. Desvanecido o sonho monástico, teve que assumir novos car-gos paroquiais em Porto Ferreira e rio das Pedras, cidades de São Paulo, onde teria terminado a vida e provavelmente está sepultado.

a Trapa Maristela (1904-1931)J o s é e d u a r d o M . M a n f r e d i n i Jú n i o r

a Trapa Maristela foi um mosteiro da ordem cisterciense da estrita Observância, mais conhecida como ordem trapista,

fundado em 19 de agosto de 1904 na cidade de Tremembé, es-tado de São Paulo. Seu fundador foi o abade Dom Jean-Baptiste Chautard, responsável pelos mosteiros franceses de Sept-Fons e Chambarand.

em 1903, as ações da Terceira república francesa contra a Igreja e as ordens religiosas se acentuaram, fazendo com que Dom Chautard passasse a procurar um refúgio para os monges em caso de expulsão. Concentrando suas buscas na europa, não obteve sucesso. Incentivado pelo abade Moreau, de origem belga, dono de uma propriedade em Cananeia, litoral sul de São Paulo, Dom Chautard veio para o Brasil, mas descartou essa propriedade (au-drá, 1951, p. 35-36).

No início de 1904, foi escolhida em Tremembé a antiga e fa-lida fazenda de café ‘das Palmeiras’, cuja extensão ia das margens do rio Paraíba até a encosta da Serra da Mantiqueira. em maio daquele ano, a propriedade foi comprada pelo conde francês Hen-ry de legge, com quem os monges fizeram uma sociedade que contava com a participação de alguns brasileiros. em 1906, foi fundada em londres, pelo Conde de legge, a ‘Companhia Pal-meiras limitada’, que passaria a contar com acionistas ingleses. entretanto, coube aos trapistas administrar e explorar a fazenda de pouco mais de 2.500 hectares.

em 1905, a Trapa Maristela passou a produzir arroz na vár-zea – numa área chamada de Berisal –, pelo sistema irrigado por inundação. a partir da Trapa, a rizicultura se expandiu por toda a extensão da parte paulista do Vale do rio Paraíba, fazendo com que a região se tornasse uma grande produtora desse cereal. Na fazenda, a rizicultura era acompanhada da criação e seleção de diversos tipos de animais, da produção de café e de vários tipos de frutas, além de mel, vinho e cerveja. Com isso, a Maristela passou a ser considerada um polo agrícola de referência para o governo

brasileiro, uma vez que ele vinha incentivando a policultura co-mo meio de diminuir a produção de café. Para Tremembé, por exemplo, a produção de arroz traria, pela influência dos monges, a construção do desvio da estrada de Ferro Central do Brasil.

Contrariando as orientações do governo de importar mão de obra europeia, para branquear a população brasileira, optou-se por empregar o trabalhador nacional. Mão de obra barata e de fácil exploração, contudo marginalizada pela elite. No início, foram empregados cerca de 500 trabalhadores, entre homens, mulheres e crianças. Muitos destes já se encontravam na fazenda quando os monges chegaram e, na sua maioria, eram ex-escravos (gaffre, 1912, p. 293). Posteriormente, o número de trabalhadores dimi-nuiu para cerca de 300, variando de acordo com a necessidade das atividades desenvolvidas.

Seguindo as orientações da encíclica Rerum Novarum, do Papa leão XIII, a comunidade religiosa e a Companhia proporciona-ram aos trabalhadores uma série de ‘benefícios’, como meio de aumentar a produtividade e o lucro, além de colocar em prática o que a Igreja pregava. Na década de 1910, a Trapa Maristela se tornou também uma referência na utilização da mão de obra na-cional (limongi, 1916, p. 367), aumentando, ainda mais, o fluxo de visitas oficiais dos governos estadual e federal.

em 1925, com o alto custo da produção de arroz e sob a pres-são da Ordem, que havia decidido fechar os mosteiros que não tivessem conseguido vocações locais, decidiu-se vender o Berisal. No ano seguinte, os monges começaram a retornar à europa em pequenos grupos. a princípio, o destino era Portugal. Mas, devido à reconstrução da abadia de Orval, parte dos monges foi enviada para a Bélgica, onde, certamente, foi empregado o dinheiro da venda do Berisal. a outra parte voltou para Sept-Fons. No fim de 1928, a comunidade de Orval já contava com 28 religiosos.

em 1931, a parte alta da fazenda, onde se localizava o mos-teiro, foi vendida pela Companhia a um grande industrial de

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Taubaté, Mario Boeris audrá, por 150 contos de réis. Já os ani-mais, os maquinários, as ferramentas, os móveis, dentre outras benfeitorias, foram vendidos pelos monges a audrá por 160 contos de réis.

Destarte, o último grupo de monges retornou à França, fi-cando apenas um monge em terras brasileiras, o holandês irmão leonard Van lier, que se transferiu para o mosteiro de São Bento, na cidade de São Paulo, onde faleceu em janeiro de 1948. em suma, a Trapa Maristela foi uma referência durante os 27 anos de sua existência, proporcionando a Tremembé e à região grandes avanços econômicos e sociais.

atualmente, a parte alta da antiga Trapa Maristela, particular-mente o local onde era o mosteiro, é a sede de um hotel fazenda. Já no Berisal, conserva-se a capela construída pelos monges em 1917, e ainda pode-se ver, em estado de grande deterioração, o so-lar construído em 1908 para abrigar os monges que gerenciavam a produção de arroz, que ainda continua vigorosa em toda a região.

José Eduardo Manfredini Júnior, graduado em História pela Uni-versidade de Taubaté (Unitau), é professor de História na rede muni-cipal de ensino de Taubaté-SP e na rede pública de ensino do Estado de São Paulo.

Orval, uma grande abadia belga, com substrato brasileiroP e t e r H e y r m a n

a abadia trapista de Orval (Vale de Ouro) se situa efetivamente num vale pitoresco e fértil no sudeste da Bélgica, a pouca

distância da fronteira com a França, na região da gaume, que goza de um microclima de temperaturas em média mais altas que nas ardenas. Nos últimos anos sua fama cresceu bastante graças à cerveja que produz desde 1931, em quantidade limitada. entre as seis cervejas trapistas belgas reconhecidas, é apreciada pela sua qualidade artesanal, pelo menor teor de álcool e por seu gosto mais seco.

a abadia de Orval tem um longo e perturbado passado. Sua fundação dataria de 1070, em plena guerra de investidura. Os pri-meiros monges, beneditinos italianos, preferiram logo voltar para o sul mais quente. em 1132 chegaram os primeiros sete monges cistercienses, enviados e talvez acompanhados por seu fundador, Bernardo de Clairvaux. Orval foi a primeira fundação desta ordem nos Países Baixos. Nos séculos seguintes a abadia aumentou pro-gressivamente suas terras de exploração agrícola e suas fundições de ferro se destacaram entre a metalurgia europeia. a abadia par-ticipou ativamente dos movimentos de reforma da ordem depois do Concílio de Trento e adotou desde 1593 as regras severas da ‘estrita observância’. Bastante exitosa, Orval contava 130 monges em 1723. as rendas crescentes da comunidade foram investidas desde 1760 em um imponente conjunto abacial, projetado pe-lo arquiteto ‘ilustrado’, laurent-Benoît Dewez. entretanto, este nunca se concluiu, porque foi pilhado e destruído em 1793 pelas tropas revolucionárias francesas. a comunidade fugiu e as terras e as ruínas foram vendidas pelas autoridades francesas.

Durante o século XIX, período do revival religioso, numerosas comunidades religiosas conseguiram reocupar suas antigas funda-ções, mas não foi o caso de Orval. a abadia trocou várias vezes de proprietários, que exploraram sem vergonha as ruínas como pe-dreiras. estas, no meio da floresta, atraíam cada vez mais turistas, ainda mais depois das visitas de Victor Hugo em 1862-1864. Foi publicado em 1913-1914 um decreto de proteção, dando início

A abadia de Orval, no sudeste da Bélgica, vista do cláustro e da torre da igreja.

às primeiras obras de restauração. este interesse público se devia em boa parte ao pároco da aldeia vizinha de Villers-devant-Orval,

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Nicolas Tillière (1845-1916), que organizava peregrinações e co-memorações para o culto de Nossa Senhora de Orval e escrevia poesias românticas sobre o lugar, seu profundo significado reli-gioso e seu trágico passado. O tema da abadia, mártir da violência revolucionária, cultivado nos meios católicos conservadores.

Tillière esperava o regresso dos cistercienses e uma primeira ocasião se apresentou quando, em 1901, o abade Jean-Baptiste Chautard (1858-1935), da trapa de Sept-Fons, se informou sobre o estado das ruínas. ele procurava um bom lugar para fundar um priorado. O ambiente na França de crescente anticlericalismo – o Combismo – incitava a comunidade de Sept-Fons a emigrar para o exterior. Seus correspondentes belgas divergiam a respeito da excelente localização, da habitabilidade das ruínas e do potencial econômico e religioso da região. assim, Chautard começou a pros-pectar outras localizações na escócia e na Polônia, mas decidiu- -se finalmente pela fundação de um priorado no Brasil. em 19 de agosto de 1904 a abadia de Sept-Fons enviou um pequeno grupo de monges para Tremembé, perto de Taubaté, no estado de São Paulo. lá fundaram o mosteiro de Nossa Senhora de Maristela, que não se revelaria um êxito vocacional.

Na mesma época em que Chautard decidiu chamar a comu-nidade de Maristela de volta, o dossiê do destino das ruínas de Orval avançou de novo. e, desta vez, a ‘ressurreição de Orval’ prosseguiu. a figura central nesta história foi o gandense Karel Van der Cruyssen (1874-1955), empresário de decoração e cons-

trução e um dos líderes do movimento católico das classes mé-dias na Bélgica antes da Primeira guerra Mundial. em agosto de 1914, este celibatário de 40 anos se apresentou como voluntário e fez uma carreira militar notável na frente de batalha do Yser. em novembro de 1918 voltou a gand como tenente e famoso herói de guerra e retomou seu compromisso social e político. Dispu-nha de diversas e largas redes de amigos e de bons contatos na ala direita do partido católico. Como ex-combatente desfrutava efetivamente de boa reputação na corte. Podia ambicionar um mandato no parlamento. Mas em 30 de outubro de 1919, Van der Cruyssen surpreendeu amigos e inimigos por sua repentina partida de gand. Umas semanas mais tarde soube-se que entrou na la grande Trappe em Solignies (Normândia). O noviço de 45 anos recebeu o nome de Marie-albert e foi ordenado padre em dezembro de 1925. em razão de sua experiência profissio-nal, o novo monge foi encarregado pelo abade Jean-Marie Clerc (1882-1971) dos problemas materiais (cellarius).

Os dois visitaram em 8 de maio de 1926 as ruínas da abadia de Orval. Se entenderam também com os proprietários do antigo complexo abacial, a família de Harenne. esta tinha pouco antes contatado a abadia de Solignies. Seu desejo de devolver a con-trovertida propriedade à ordem se relacionou logo com os planos de reconstrução da abadia e, levando em conta o passado de Van der Cruyssen, lhe foi confiado o dossiê. ele formou, em 8 de ju-lho de 1926, com alguns bons amigos de gand, uma sociedade sem fins lucativos. Onze dias depois a família de Harenne doou sua propriedade a essa entidade jurídica. a iniciativa já corres-pondia à necessidade de um lugar para os monges de Sept-Fons, que regressavam do Brasil. em 6 de novembro foi acertado defi-nitivamente que os monges de Maristela alojar-se-iam em Orval e que Sept-Fons forneceria também o indispensável para formar a nova comunidade.

a reconstrução de Orval foi uma empreitada impressionante, dirigida por Marie-albert Van der Cruyssen de maneira enérgi-ca, mas nem sempre correta. Van der Cruyssen mobilizou para o projeto todos os seus contatos de negócios e de amizade. Sabia recolher dinheiro em todas as partes. Começou uma exitosa cer-vejaria (1931) e uma queijaria (1932). Mobilizou a nobreza e a casa real e sabia, com pregações, festivais de todo tipo, venda de selos e uma equipe de ajudantes voluntários muito ativos, envol-ver quase toda a comunidade católica belga nessa iniciativa. Orval foi, ao lado da basílica de Koekelberg, em Bruxelas, sem dúvida o projeto católico mais presente na mídia no período entre as guer-ras. realizou um conjunto monumental numa estética moderna. renomados artistas belgas, como albert Servaes (1883-1966) ou Oscar Jespers (1887-1970), foram convidados. a colaboração entre Van der Cruyssen e o arquiteto Henry Vaes (1876-1944) foi deci-siva em todo o projeto.

Van der Cruyssen, bastante ocupado com o projeto de cons-trução e seu financiamento, se encontrava frequentemente em Bruxelas e seu nome aparecia também, nos anos de 1930, em muitos dossiês políticos. O bem-estar de sua jovem comunidade religiosa o preocupava bem menos. esta nunca contaria mais de

Marie-Albert Van der Cruyssen e o arquiteto Henry Vaes na Abadia de Orval.

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58 membros, em desproporção com o monumental conjunto levantado. Os primeiros monges chegaram em 11 de março de 1927. De Sept-Fons partiram finalmente 14 religiosos para Or-val, de Maristela vieram 20 padres de coro e irmãos. em 28 de setembro lhes foi instalada uma capela de São Bernardo e, em dezembro de 1927, um noviciado. No início, os monges mora-vam em condições precárias no prédio da portaria. Somente em 1928 pôde a comunidade ocupar um edifício próprio, onde se situaria mais tarde o noviciado.

Na comunidade surgiram tensões tanto entre os padres de coro e os irmãos como entre os grupos de diferentes origens, os france-ses, os ‘brasileiros’ e as vocações belgas. Muitos monges criticavam o prior sobre como sua vida dedicada a Deus podia conciliar-se

com o barulho do gigantesco canteiro e as frequentes visitas de turistas e personalidades. Por isso o prior Van der Cruyssen e o abade Chautard entravam frequentemente em conflito. Depois do falecimento deste último, em dezembro de 1935, a comunidade foi desligada da matriz de Sept-Fons, o que abriu caminho para a consagração, em maio de 1936, de Van der Cruyssen como aba-de da ‘ressurrecta’ abadia de Orval. Se a maior parte dos monges vindos de Sept-Fons voltou para a matriz, aqueles regressados de Maristela parecem ter ficado todos em Orval.

Peter Heyrman é doutor em História e dirige a Seção de Pesquisas do Kadoc – Centro de Documentação Católica da Universidade de Lovaina.

Os colégios das freiras belgase d d y S t o l s

Tanto Van Caloen como os premonstratenses do Park empe-nharam-se bastante para trazer congregações femininas ao

Brasil. as primeiras, solicitadas pelo bispo de gand, Stillemans, foram as Irmãs de São Vicente de Paulo, de gijzegem, perto de aalst, ou vicentinas. Doze freiras, recebidas em recife por Van Caloen, em maio de 1896, instalaram-se no convento da Concei-ção, salvo a madre superiora, que caiu no desembarque e teve que voltar. abriram uma escola primária e profissional, um orfanato e intervieram numa epidemia de varíola. Já em 1897, a convite do Bispo arcoverde, de São Paulo, as primeiras se deslocaram para lá. Patrocinadas por Monsenhor Passalacqua e sua família, instalaram uma Casa Pia no bairro de Santa Cecília, cuidaram do instituto oftalmológico do doutor Pignatari para imigrantes na Vila Mariana, abriram escolas paroquiais e externatos, um dispensário e um asilo. Uma irmã contagiada pela lepra teve que voltar à Bélgica.

Como conseguiram rapidamente recrutar jovens brasileiras, começaram, em 1911, um noviciado na Penha que se tornaria sua sede principal e até monumental no Brasil. enquanto em 1915 deixaram Olinda, expandiram a partir de 1914 suas atividades para outras cidades paulistas, Mogi das Cruzes, Jundiaí, Pindamonhan-gaba, Santos e São roque.

em 1927 entraram em Mato grosso, nas cidades de Bela Vis-ta, aquidauana e Miranda, onde trabalharam em escolas e em catequização nos aldeamentos. Para tudo isso receberam reforço da Bélgica, com mais de 50 irmãs até 1956, das quais restavam sete em 1975. Naquele ano, contavam com 266 freiras brasileiras, depois de ter recrutado desde 1910 mais de 550 moças, um êxito notável, ainda mais que durante muito tempo não aceitavam ne-gras, mulatas, filhas naturais ou de pais desquitados. Às noviças brasileiras custava aceitar a língua francesa, receber pouca água para a higiene, ter a cabeça raspada careca e vestir muitos metros

de saias, além das longas rezas para santos belgas e de não falar com protestantes.

Quase simultaneamente chegaram em Olinda outras freiras belgas, as Damas da Instrução Cristã, que se notabilizaram por escolas mais elitistas. Foi o caso da terceira congregação a de-sembarcar no Brasil, em dezembro de 1906, as cônegas de San-to agostinho ou Damas de Jupille – nome de sua matriz belga. Forçadas pela concorrência dos pensionatos abertos por freiras francesas exiladas, cogitaram a expansão no Brasil, sempre com a mediação de Van Caloen. este julgou as cinco primeiras como muito ativas e de boa instrução. elas receberam logo reforço e, em 1907, compraram em São Paulo, da família Uchoa, sua Vila para abrir um internato.

este colégio Des Oiseaux ganhou rapidamente boa reputação entre as elites paulistas tanto pelo requinte das regras numa casa art-nouveau do arquiteto Victor Dubugras como pelo bom nível da educação intelectual. Também Santos ganhou, em 1924, um colégio desse tipo, o Stella Maris, e em 1933 as cônegas lança-ram até mesmo a Faculdade Sedes Sapientiae, com prédio próprio projetado por rino levi em 1941, incorporada à Pontifícia Uni-versidade Católica em 1971. Fomentavam entre suas alunas mais ambição intelectual do que costumeira e algumas, como ruth Cardoso e Marta Suplicy, se destacaram na vida pública. Conse-guiram também recrutar moças brasileiras de boa família como religiosas, algumas famosas como Madre Cristina, pioneira da psi-canálise, e Ivone gebara, teóloga feminista, capaz de enfrentar o conformismo da hierarquia brasileira.

Dentro desta ordem serviam abaixo das cônegas também dia-conisas, encarregadas dos serviços materiais. Uma delas, Irma Jehaes, uma limburguesa, chegada ao Brasil em 1934, ficou famo-sa como a Madre aline dos pobres. Fundou uma creche no bairro afastado de Itaquera para os filhos de mães trabalhadoras, susten-

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tada com donativos. Com o prêmio ganho por volta de 1960, no programa O céu é o limite, de João Silvestre na TV Tupi, Madre aline decorou a vida do Papa Pio XII.

Monitoradas por premonstratenses do Park, chegaram em Montes Claros em 1907 as quatro primeiras irmãs do Sagrado Coração de Maria de Berlaar, que já tinham experiência de ensi-no e uma primeira missão no Congo. Sua nova escola pretendia, segundo advertia o jornal A Verdade dos premonstratenses, ensinar as moças ‘alguma coisa mais do que biscoito de goma, bôlo sovado, bolo de arroz e outras saborosas mas antiquissimas guloseimas: por-tuguês, francês, aritmética, geografia, desenho, bordados, flores de pano e pintura aquarela’. O preço, de 5.000 réis para as externas, de 35.000 para as internas e de 3.000 para o curso Froebel, era alto demais e a escola acabou sendo fechada pouco depois.

Chegando mais irmãs, tentaram uma escola em Januária (Mg) em 1914, mas também abandonada em 1918. O bom fô-lego veio somente em 1919 com o convite para abrir um colégio em araguari, Minas gerais, com internato para a boa sociedade do Triângulo Mineiro e mais uma escolinha modesta para crianças pobres, um patronato e um asilo. Sob a enérgica superiora Blan-dina seu êxito estimulou a criação de mais colégios em Montes Claros (1927), Patrocínio (1928), Belo Horizonte (1941) e Pará de Minas (1942), enquanto sua escola normal preparava moças para o trabalho profissional.

a congregação Dames de Saint-André, de ramegnies-Chin, perto de Tournai, se engajou no Brasil através dos contatos do je-suíta português antonio de Menezes com o bispo de São Carlos. este enviou um cheque e assim as cinco primeiras damas chega-ram em fevereiro de 1914. Uma síntese de seu diário, hoje per-

dido, oferece uma crônica saborosa da intrusão de freiras belgas, algo altivas, na simplicidade material e na complexidade política do interior de São Paulo (Quelques notes ...).

Bem recebidas, mas com alguma curiosidade sobre suas vesti-mentas diferentes, estranharam a improvisação, as mulheres sem chapéu na igreja, a simplicidade do palácio episcopal e da catedral e as promessas financeiras incorretas. Com quase nada preparado, abriram o colégio em três casas pequenas sem conforto algum, mas felizmente apareceram somente 16 internas, em vez das 50 previs-tas. Com alguma valentia as freiras se emanciparam dos olhares dos inspetores locais, ao mesmo tempo em que pressionavam as alunas e seus parentes para uma prática religiosa regular.

erguendo a partir de 1922 um prédio próprio, suficiente pa-ra acolher mais internas, ficou difícil entrar na posse real da boa área doada e fazer chegar da Bélgica os materiais de construção. Problemático foi também o reconhecimento legal de sua escola normal em 1928. Para a solução ajudaram um padre português expulso de sua terra e o chefe político local. apesar dessas dificul-dades dos primeiros anos, logo vieram convites para abrir filiais em araraquara (1916), em São José do rio Preto (1920) e em Barretos (1936), no estado de São Paulo.

Finalmente, no rio de Janeiro havia algumas belgas, como madre de Potter, da congregação francesa Soeurs du Sacré Coeur de Jésus. esta se recolheu por causa da Loi Combes na sua filial de Bruxelas (Jette) e lá encontrou reforços para abrir um colégio no rio de Janeiro em 1904.

No conjunto a presença das freiras belgas na eduação femini-na não ficou muito atrás da francesa ou italiana. Outra questão a pesquisar é sua relação com a emancipação feminina.

as Damas da Instrução Cristã em PernambucoM a r c e l o l i n s

Jornal do Recife de 16 de outubro de 1896: Fundeou no Lama-rão... [o] vapor inglês “Nile” de 3.425 toneladas, comandante J.

Spooner, equipagem 163. O Diário de Pernambuco da mesma data trás a lista dos passageiros chegados de Southampton: Maria Loyo-la Steyaet [sic], Marie Alphose Cloes, Marie Elisabeth Dobbelaere, Maria Barbe Duchaine, Gabrielle de Vreese, Roaslie Buyens, Livi-ne Dirckx, Hubertine Schrooten, Silvie Goethals. Quando o Nile lançou âncoras diante do porto de recife naquela quinta-feira, 15 de outubro de 1896, chegava ao fim a primeira etapa da aventura das nove religiosas belgas através do atlântico e iniciava-se a his-tória das Damas da Instrução Cristã no Brasil.

No entanto, o preâmbulo desta história nos remete a 19 de novembro de 1894, quando a Madre Ignace Pollenus, superiora- -geral da ordem, atende ao convite do Monsenhor antoine Stil-lemans, bispo de gand, que leu uma carta do Papa leão XIII, na qual convocava as congregações religiosas dedicadas à educação

para que participassem da reforma da América do Sul, abalada pela ignorância e imoralidade, asseverando que o melhor meio de conse-guir esse fim é o de sacrificar-se pela educação e instrução cristã da juventude (Mesquita, 1996, p. 87).

a convocação feita pelo bispo pôs nas mãos das freiras a obri-gação de fundar um novo colégio, só que desta vez nas terras lon-gínquas da américa.

Mas onde na américa? a resposta veio em 14 de junho de 1895, quando em visita ao convento de Dooresele, o monge bene-ditino de Maredsous, Dom gerard Van Caloen, recém-nomeado prior do convento dos beneditinos belgas de Olinda, em Pernam-buco, convidou as irmãs da congregação para fundar sua escola em Olinda, com a ajuda e proteção dos beneditinos. Convite prontamente aceito. a convocação papal vinha ao encontro dos apelos dos bispos brasileiros para que as ordens europeias envias-sem religiosas e religiosos para ocupar os conventos e mosteiros

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abandonados e ajudassem na reestruturação e romanização da Igreja no Brasil (lira, 2009).

No final do século, o papel tradicional da Igreja na educação, principalmente na educação da elite, encontrava-se ameaçado pe-los avanços da educação laica. Foi dentro deste contexto que as novas congregações chegaram ao Brasil, voltando suas atividades para o trabalho educacional e para a manutenção de escolas cató-licas, internatos e externatos, masculinos e femininos.

No contexto cultural lusitano, o papel da mulher estava restrito a cuidar da casa, dos maridos e dos filhos. Voltadas exclusivamente para os afazeres domésticos, isoladas do convívio social e subme-tidas à autoridade do marido, a mulher no mundo português co-lonial estava condenada à ignorância. No início do século XIX, a transferência da família real portuguesa para o Brasil e o Decreto de abertura dos Portos às Nações amigas trouxeram novos hábitos para a sociedade brasileira.

em recife, em fins de 1811, o inglês Henry Koster nota como as damas de algumas famílias portuguesas e inglesas recém-che-gadas da europa “davam o exemplo”, as primeiras indo a pé para a igreja, enquanto as inglesas tinham o hábito de passear todas as tardes. ainda assim a educação feminina continuava direcionada para a formação de donas de casa. a lei Imperial, de 15 de outu-bro de 1827, limitava o currículo das meninas à leitura, escrita, quatro operações, moral cristã, doutrina católica e prendas do-mésticas (lira, 2009).

Só em 1875 as mulheres foram admitidas na escola Normal, até então restrita ao sexo masculino. Para a oligarquia brasileira os colégios religiosos supriam seu desejo de “educar suas filhas para a modernidade sem permitir que elas se envolvessem com as ten-dências negativas trazidas pela mesma modernidade” (lira, 2009, p. 36). entre os anos de 1872 e 1920, 58 congregações religiosas femininas europeias se estabeleceram no Brasil, entre elas, as Da-mas da Instrução Cristã, vindas da Bélgica.

Voltemos às nove religiosas belgas que sob a liderança de Ma-dre loyola Steyaert (1860-1943), ex-superiora de sua comunida-de de antuérpia, eram aguardadas no cais por Dom gerard Van Caloen. a recife do final do século XIX tinha uma população de mais de 110 mil habitantes. apesar dos esforços modernizadores das várias administrações, como a iluminação a gás carbônico, água encanada, telégrafo e o serviço telefônico, inaugurado em 1883, para as recém-chegadas à cidade, a estação e os vagões do trem pareciam-lhes sujos: é como se tivéssemos recuado ao menos meio século da nossa querida Bélgica, nas palavras da madre loyola em seu diário (Mesquita, 1996, p. 71).

Inicialmente elas instalaram-se no convento franciscano de Nossa Senhora das Neves de Olinda, fundado no ano 1585 e que se encontrava desocupado. Nesse edifício funcionou o Colégio da Sagrada Família de Olinda, primeira escola fundada pela con-gregação das Damas da Instrução Cristã no Brasil. as primeiras semanas foram dedicadas a pôr o velho edifício em condições ha-bitáveis e aos preparativos para a abertura do internato. as freiras enfrentaram, também, os problemas de adaptação ao clima e, é claro, a barreira da língua e dos costumes. Madre loyola fala da

feliz decepção que tiveram, pois “na Bélgica alertaram-nos sobre os mosquitos, mas até agora... não nos incomodam absolutamen-te” e o clima, apesar do calor forte, era amenizado “por uma brisa deliciosa” (Mesquita, 1996, p. 77).

Já o português, era outro obstáculo a ser superado. apesar dos esforços para aprender a língua, vez por outra as irmãs viam-se envolvidas em situações descritas com bom humor por madre loyola como Cenas dramáticas! Durante uma entrevista com pais que vieram matricular suas filhas ela diz: “eram quatro a explicar e três a responder. Não conseguimos entender-nos! a entrevista terminou sem ter começado”. Noutra ocasião, num café oferecido ao vigário-geral da diocese, monsenhor Marcolino, a irmã notou que faltava manteiga, enviou o funcionário à venda mais próxima com uma nota escrita. Pouco depois ele voltou, e prontamente colocou sobre a mesa um pedaço de madeira com exatamente 300 gramas. Diante da surpresa geral, a irmã com-preendeu que havia copiado a palavra errada do dicionário, pro-vocando o riso de todos.

O Colégio da Sagrada Família de Olinda iniciou oficialmen-te suas atividades em 15 de fevereiro de 1897 com o ingresso de sua primeira aluna, Filadélfia de Paula lopes. ao longo do ano o número de internas foi acrescido de mais nove alunas com ida-des que variavam entre nove e 16 anos. O currículo pedagógico daquela primeira turma incluía: História Sagrada, Instrução reli-giosa, Francês, aritmética, Inglês, geometria e Português (Silva, 2012). ao fim daquele primeiro ano letivo, o reduzido número de internas dificultava o sustento do colégio. e esta não era a única preocupação. logo no início de 1898, recebem a notícia de que o Papa havia autorizado a abertura do seminário da diocese no Convento Franciscano de Olinda, o que significava que as irmãs teriam que encontrar outro prédio para seu colégio. a solução, no entanto, foi a mudança para o antigo Palácio episcopal de Olinda, cedido às Damas pela diocese.

Mas nem tudo eram aperreios; com o início do novo ano le-tivo novas alunas ingressaram no colégio. em fins de março já eram 19 e no segundo semestre, 34. a questão da residência não estava de todo solucionada, o projeto era comprar o edifício de forma definitiva e assim evitar novas mudanças inesperadas. No entanto, a legislação não permitia que imóveis do patrimônio da diocese fossem vendidos a congregações religiosas. Fazia-se, por-tanto, necessária a busca de outro imóvel para o abrigo definitivo da residência e do colégio. em meados de 1901, foi comprado o sobrado da Ponte d’Uchoa, nos arredores de recife, local aprazí-vel, que contava com estação e linha de trem. a casa pertencera ao comerciante luiz Morais gomes Ferreira, um dos fundadores da associação Comercial de Pernambuco e falecido em 11 de dezembro de 1899. a nova casa tinha vários cômodos: salas de visita, de jantar, de bilhar, copa e sete quartos e, o mais impor-tante, um vasto terreno que permitiria os acréscimos necessários ao crescimento do colégio.

em 31 de julho daquele ano foi assentada a pedra fundamen-tal do novo pensionato a ser construído no vasto terreno. em 23 de dezembro, com o prédio já pronto, as irmãs instalaram-se de

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forma definitiva na nova residência. No dia 24 foi celebrada a primeira missa na capela do novo internato, agora denominado simplesmente Colégio Damas. em 1921, foi comprada a casa vizinha que pertencia ao Barão de Casa Forte, praticamente do-brando a área de terreno.

Sob a direção de madre loyola, as Damas expandiram-se com a fundação de novas escolas. em Pernambuco foram fundados os colégios Santa Sofia, em garanhuns (1912); Colégio Santa Cristina, em Nazaré da Mata (1922); Colégio Santa Maria, em Timbaúba (1922), e Colégio Nossa Senhora da graça, em Vitó-ria de Santo antão (1928). em 1931, o Colégio de Timbaúba foi transferido para Campina grande, Paraíba, com o nome de Ima-

culada Conceição. em 21 de janeiro de 1967, foi oficialmente inaugurado o ginásio regina Mundi, em Maringá, no Paraná.

Durante as primeiras oito décadas de Brasil, as Damas dedi-caram-se exclusivamente à educação feminina, aspecto que viria a modificar-se com a adoção do ensino para ambos os sexos em 1970. Passados 116 anos daquela pequena aventura das nove freiras belgas que cruzaram o atlântico a bordo do Nile, o projeto Damas da Instrução Cristã está mais do que solidificado no Brasil. Man-tendo a tradição de suas fundadoras, as irmãs Damas fundaram no final dos anos 90, em recife, a Universidade Damas.

Marcelo Lins é jornalista em Recife e escreve sobre a história da cidade.

Presenças belgas no catolicismo do Brasil contemporâneo (1945-2010)e d d y S t o l s

apesar dos contatos interrompidos pela Segunda guerra Mun-dial e da urgente reconstrução da Bélgica, o interesse missio-

nário pelo Brasil não tardou muito a reativar-se. Desta vez, numa conjuntura de guerra Fria, se articulou uma investida bem mais ampla, implicando as dioceses e seus padres seculares, os movi-mentos de ação católica, como a JOC, o sindicalismo cristão, as organizações caritativas, a cooperação institucionalizada, as orga-nizações patronais e os líderes políticos.

O refundado partido democrata-cristão formou com seus con-gêneres na Holanda, França, alemanha e Itália uma nova inter-nacional democrata-cristã, que esperava implantar-se na américa latina, inclusive com subsídios a partidos similares presentes na Venezuela e no Chile. Juntos, e ainda incentivados pelos norte- -americanos, como o cardeal Spellman ou a própria CIa, ergue-riam uma frente católica contra o bloco comunista, que parecia penetrar na américa latina depois da vitória de Jacobo arbenz na guatemala em 1951. Um dos primeiros a alertar sobre o perigo comunista na periferia de Buenos aires foi um sociólogo de lo-vaina, cônego François Houtart, que se faria conhecer mais tarde por posições esquerdistas. a respeito do Brasil, foi significativo o contato do democrata-cristão belga auguste De Schrijver com alceu amoroso lima.

Nesse contexto, em 1953 fundou-se em lovaina o Colégio para a américa latina (Copal), retomando um projeto de 1895 de abrir lá, junto à abadia beneditina do Keizersberg, um semi-nário orientado sobre este continente. Instalou-se o novo colégio em 1955 num antigo convento neogótico na Tervuurse Straat, em lovaina. Devia acolher seminaristas belgas, como também de países vizinhos ou mesmo latino-americanos, enviados por bispos, como eugênio Salles e José Távora, bem relacionados com a JOC belga. Num país predominantemente católico, cer-tamente durante a guerra e, salvo o curto intervalo eufórico da libertação em 1944-1947, novamente durante a guerra Fria, a

Igreja Católica manteve seu predomínio sobre o ensino e até o reforçou durante a ‘guerra escolar’ deflagrada pelo governo libe-ral-socialista em favor das escolas estatais em 1954-1958. assim, os colégios diocesanos e as escolas apostólicas forcejavam, ma-traqueando os cérebros e reprimindo a sexualidade, abundantes vocações entre seus alunos.

Paralelamente, os conventos femininos não se esvaziavam. O recrutamento somente diminuiu pouco a pouco a partir dos anos de 1960 com o mercado de trabalho em expansão, a sociedade de consumo e a liberalização de ideias e costumes. Já na Bélgica do início do século XXI, a prática católica caiu abaixo de 10% e as vocações desapareceram, ainda mais com o impacto dos escân-dalos de pedofilia.

Mesmo nos anos faustos, o Copal nunca teve muita procura como seminário, porque as dioceses e as ordens preferiam os seus próprios. assim prevaleceu, sobretudo, um curso de formação de vários meses para padres já formados, freiras e voluntários da coo-peração, belgas, mas também franceses, holandeses e poloneses. a pedido do Papa Pio XII, as dioceses belgas colocaram como Fidei Donum padres belgas à disposição dos bispos latino-americanos. entre 1955 e 1983, partiram para o Brasil 115 padres, dos quais 67 belgas. Mais alguns seguiram até meados dos anos de 1990. em 2002 o colégio foi fechado e vendido.

em pouco tempo, a primeira motivação anticomunista se transformou, através da descolonização traumática do Congo, paulatinamente em terceiro-mundismo, até mesmo à esquerda do Partido Comunista. Na Universidade de lovaina os cursos de sociologia, demografia e economia do desenvolvimento, em alta, descobriam temas como a reforma agrária e as favelas. Nessa ma-téria, alguns professores aconselharam bispos latino-americanos e montaram centros de pesquisa sociológica em Bogotá e no Chile.

No que diz respeito ao Brasil, as traduções de Geografia da fo-me, de Josué de Castro, de Barracão, de Carolina de Jesus, e dos

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romances de Jorge amado sensibilizaram jovens leitores belgas. No Copal residiram por algum tempo Camilo Torres, futuro gue-rilheiro na Colômbia, e gustavo guttierez, pioneiro da Teologia da libertação. esta fez prevalecer doravante a ‘opção preferencial pelos pobres’.

em 1970, Hélder Câmara, bem relacionado com o cardeal belga Suenens, recebeu em lovaina um doutorado honoris causa, pregando um outro ‘socialismo humano’. Seguiram mais douto-rados para Paulo Freire em 1975, Oscar romero em 1980, aloíso lorscheider em 1982 e Jon Sobrino em 1985.

Jovens idealizaram a revolução cubana de Castro, a morte de guevara, mais tarde as de belgas na guerilha em el Salvador e na guatemala. Na análise desta radicalização poderiam entrar tantos acontecimentos e fatores, desde uma pitada de nacionalismo fla-mengo – que reconvertia sua aversão à cultura latina em rejeição ao imperialismo ianque – à chegada de refugiados latino-ameri-canos ou, até, conflitos íntimos como aqueles descritos pelo ex- -seminarista Conrad Detrez no romance L’herbe à brûler. Tanto a secularização como o consumismo da sociedade belga empur-raram jovens inconformados numa fuga escapatória, com a ilusão de que o Brasil estivesse ainda a salvo desses males.

No Brasil os padres belgas se dispersaram pelo país inteiro, do Maranhão até o Paraná, mas se concentraram mais no Nordes-te, particularmente na Bahia. alguns eram recém-formados, ou-tros tinham mais idade e experiência ou mesmo uma formação profissional como agrônomo. Como vigários, tomaram conta de paróquias e engajaram-se nas comunidades eclesiais de base, na pastoral da criança, da juventude, das equipes de casais, da terra e das prisões. Construíram casas e centros comunitários, creches, jardins de infância e escolas profissionalizantes ou agrícolas, às vezes com o apoio de uma retaguarda de simpatizantes na Bélgi-ca. alguns ensinaram em seminários e em universidades católi-cas. Vale registrar que um número significativo deixou a batina e constituiu família no Brasil ou de volta, na Bélgica.

Quatro belgas assumiram a direção de uma diocese brasilei-ra: o beneditino José Cornelis – ex-arcebispo de lubumbashi, no Congo – em alagoinhas (Ba), de 1974 a 1986; eugène rixen, primeiro como auxiliar em assis (SP) em 1995 e, depois, como bispo de goiás Velho (gO) a partir de 1998; andré De Witte, co-mo bispo de ruy Barbosa (Ba) desde 1998, e Philip Dickmans em Miracema do Tocantins (TO), desde 2008. No âmbito da CNBB, Johan Konings, que ensinou exegese bíblica na Pontifícia Universi-dade Católica (PUC) de Porto alegre (rS) e passou no Brasil para a ordem jesuítica, responsabilizou-se pelas traduções da Bíblia, ao passo que outro jesuíta, Thierry linard de guertechin, demógrafo de formação, com longa vivência na favela da rocinha, no rio de Janeiro, e diretor do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, é consultor em matéria do descenso do catolicismo no Brasil.

Vários padres belgas participaram intensamente da vida inte-lectual. Carl laga, doutor em bizantinismo, em 1959 foi convi-dado para uma instituição estadual de São Paulo, a Faculdade de Filosofia, Ciências e letras de Marília, e contribuiu como titular de História antiga e Medieval durante um decênio para a valori-

zação desta disciplina no Brasil e a projeção de seu Departamen-to de História com uma revista e a primeira reunião da anpuh (associação Nacional dos Professores Universitários de História). Michel Schooyans, professor de Filosofia na PUC de São Paulo, curioso das coisas brasileiras, colecionador de livros e de obras de arte e ainda bem introduzido nos meios da burguesia industrial nacionalista de São Paulo, analisou, em Le destin du Brésil, La technocratie militaire et son idéologie (gembloux, 1973) e De-main le Brésil? Militarisme et technocratie (Paris, 1977), crítico e premonitório, os problemas do Brasil como potência emergente. entusiasta do potencial demográfico brasileiro, defendeu, de volta à Universidade Católica de louvain-la-Neuve, posições controver-tidas em matéria de ética e política populacional.

larga repercussão teve o ensaio Formação do catolicismo bra-sileiro, 1550-1800 (Petrópolis, 1974), de eduardo Hoornaert, que se enquadrou a seguir, junto com José Oscar Beozzo – que aliás estudou em lovaina – e outros, na nova História da igreja no Brasil (Petrópolis, 1977). esta pretendia romper com o tradicional insti-tucionalismo e construir uma história a partir do povo. Na prática, Hoornaert investiu menos em novas pesquisas do que recuperou e selecionou, num viés catequético e ainda clerical, uma religio-sidade, desde sempre bastante autônoma e diversa e já valorizada por historiadores leigos em edições de crônicas coloniais e de vi-sitações inquisitoriais.

em pesquisa patrocinada pelo Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Frans gistelinck estabeleceu em Carajás, usinas e favelas (São luís, 1988) um primeiro balanço crítico do Programa de Desenvolvimento do Maranhão. a obra de etienne Samain, que passou no Brasil da teologia à antropologia, se apresentou no capítulo anterior.

Paralelamente aos padres seculares, as congregações regulares se empolgaram de novo pelas perspectivas brasileiras. Nos anos de 1950 os supracitados missionários do Sagrado Coração se concen-traram no Paraná, formando uma quase província belga. em 1966, em Francisco Beltrão (Pr), Jef Caekelbergh criou a associação de estudos, Orientação e assistência rural (assesoar), particularmen-te ativa entre os pequenos agricultores junto com cooperantes bel-gas. Os Aumôniers du travail (Capelões do trabalho), que, surgidos no final do século XIX na parte industrial da Bélgica, ofereciam aos filhos dos operários escolas técnicas e albergues, abriram em 1963, com semelhante preocupação, uma escola com o nome de Universidade do Trabalho em Coronel Fabriciano (Mg). Quan-do esta foi incorporada pela diocese de Belo Horizonte, em 1976, estabeleceram outra em Conselheiro lafaiete, além de um semi-nário em Contagem, com três a quatro padres belgas.

Os missionários da ordem do Imaculado Coração de Maria (ICM), conhecida como Scheut, do nome do bairro de sua sede em Bruxelas, dirigiram-se sobretudo à China, às Filipinas e ao Congo. expulsos da China por Mao e com dificuldades no Con-go independente, aumentaram sua presença na américa latina, onde já tinham missões no Haiti (1944), na guatemala (1955) e na república Dominicana (1958). em 1963, tomaram conta de paróquias em Nova Iguaçu e, logo depois, em Volta redonda e

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Itabira. receberam assistência de freiras também da Scheut e de algumas Grauwzusters de Roeselare. estas, com muito pouco pre-paro social, ficaram desnorteadas com os contrastes brasileiros, mas pouco a pouco se engajaram em projetos sociais, inclusive em Marabá (Pa), em 1979. Com a queda das vocações belgas, Scheut trouxe para o Brasil filipinos e outras nacionalidades. Um dos belgas, com 32 anos de experiência no Brasil, gaby gheyssens foi escolhido em 2013 como vigário-geral para a reestruturação mundial de sua ordem.

Outras freiras integraram a ofensiva evangelizadora a partir de 1952-1953, como as Filles de la Croix de liège em São Paulo e as Filles de Notre-Dame du Sacré-Coeur de Bruxelas ou mesmo as contemplativas, beneditinas de Schoten em ribeirão Preto (SP) e clarissas de Flandres oriental em Porto alegre. as Zwartzusters ou irmãs negras agostinianas de Bruges escolheram a Bahia em contatos com seu arcebispo, eugênio Salles. Depois de um está-gio no Copal, as duas primeiras tomaram conta da paróquia São gonçalo do retiro, em Salvador, em 1966. a partir de casinhas, como a Casa da Paz, trabalharam com clubes de mães e centros comunitários, com ensino e enfermaria, e souberam, assim, ainda mais pelo seu nome de Irmãs negras, atrair moças negras ou mu-latas como noviças. logo pensaram em expansão, primeiro para Maragojipe (Ba) e depois para ruy Barbosa (Ba) e Oiticicas, no Ceará. as freiras brasileiras começaram a participar dos capítulos da congregação em Bruges, prontas a repovoar e rejuvenescer os conventos belgas.

este abrasileiramento ocorreu também com ordens já pre-sentes no Brasil desde o começo do século XX e em franca ex-pansão. as Dames de Saint-André, ou irmãs de Santo andré, se disseminaram por São Paulo e até em recife. Um terço de sua congregação no mundo é brasileira. as irmãs do Sagrado Cora-ção de Maria de Berlaar recrutaram uma centena de brasileiras, das quais somente as primeiras fizeram seu noviciado na Bélgica. agruparam seus colégios como Rede Berlaar de Educação, com sede em Belo Horizonte, e formaram em 1969 uma província brasileira, com um representante no capítulo geral na Bélgica.

Também as cônegas de Santo agostinho continuaram a recru-tar brasileiras.

Outro fato novo foi a presença de leigos ao lado dos religiosos. logo depois da segunda guerra, jocistas belgas vieram propagar no Brasil os métodos da JOC belga. a partir dos anos de 1960, a cooperação com o desenvolvimento foi institucionalizada com um novo Ministério do estado belga. Dezenas de jovens cooperantes vieram trabalhar como auxiliares dos padres e lhes davam maior sustentação na Bélgica.

a principal organização, Samenwerking Latijns-Amerika ou Coopération Amérique Latine (Sla e Cal), reconhecida e subsi-diada pelo governo belga como ONg em 1964, mantinha, por vol-ta de 1980-1990, de 20 a 30 voluntários em serviços variados. Foi absorvida por outra organização, Volens, que continua ativa e que leva também jovens por períodos mais curtos. Mais organismos, como Copibo, com ajudantes na construção, ou Vredeseilanden ou Îles de Paix, atentos às experiências rurais, se interessaram pe-lo Brasil, enquanto as campanhas de fraternidade de Broederlijk delen, um organismo caritativo das dioceses belgas, recolhiam sus-tento financeiro. este se beneficiava também dos contatos entre patrões católicos belgas e brasileiros.

avaliar aqui o impacto destes aportes belgas ao catolicismo brasileiro seria prematuro e presunçoso, ainda mais na atual crise da Igreja Católica, do seu descalabro na Bélgica e do avanço das igrejas evangélicas no Brasil. Faltam mais transparência e pesqui-sas. Pelo menos já se pode constatar que, em comparação com a primeira romanização, por volta de 1900, a presença belga duran-te este último meio século foi mais ampla, diversa, persistente e sobretudo se dedicou cada vez mais aos brasileiros desfavorecidos.

Neste engajamento social, frequentemente em parceria com leigos belgas, surgiram conflitos, mas com o tempo também uma convivência mais compreensiva e serena com a cultura e religio-sidade brasileiras. a trajetória mais significativa desta aculturação aos pobres brasileiros parece ter sido a do ‘teólogo da enxada’, Jo-seph Comblin. Pediu para ser sepultado no Santuário do padre mestre Ibiapina, na Paraíba.

Joseph Comblin (1923-2011) C a r l l a g a

‘J’ai décidé, il y a 30 ans, sous le regard de Dieu, de ne plus ja-mais travailler dans des séminaires. Plus jamais’ (Decidi, trinta

anos atrás, sob o olhar de Deus, nunca mais trabalhar em semi-nários. Nunca mais.). Foi o que disse Joseph Comblin aos con-gregados para lembrar os 30 anos passados desde o assassinato de Dom Oscar romero em el Salvador. ressoa a frase como tirada de um testamento e, na realidade, vem do texto que se verificará provavelmente ser o último de Comblin, falecido em 2011 com 88 anos e poucos dias. recebi o texto – gentileza de um jovem

colega – recentemente e, por ter sido companheiro – durante poucos anos – e amigo – pelo resto da vida – de Comblin, me pus a lê-lo, venerabundo. Não cabe aqui avaliar o conteudo teológi-co da conferência, mas me sinto interpelado pelo grito: ‘Nunca mais, nunca mais!’

Vejamos, pois, se, porventura, da parte de um sacerdote bem qualificado, essa aversão ao ensino teológico, praticado sempre nos estudos de preparação ao sacerdócio, tenha se manifestado antes. Não é o contrário que deveria verificar-se? antes de se apresentar

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para servir na américa latina, Joseph Comblin, recém-doutora-do em Teologia na Universidade Católica de lovaina, ensinou a Sagrada escritura no Instituto Teológico dos Seminaristas belgas aos recrutas no exército. Meus amigos que atenderam às suas aulas falam em uníssono: um grande Professor!

Chegado a Campinas, acho que no mês de junho de 1958, ou seja, no meio do ano acadêmico, estreou Comblin no ensi-no em língua portuguesa. Descobriram que ele possuía um grau ‘em ciências’ e encarregaram-no das aulinhas dessa matéria, no seminário menor. Da exegese do livro do apocalipse à elite do clero belga, à explicação da bomba para levar água aos meninos do interior paulista... não é grande elevação de posto. Mas já que tomou essa forma seu primeiro confronto com o ensino no Bra-sil, Padre José – assim foi conhecido por mais de meio século – se conformou, com uma dose de humor discretamente velado que lhe era tão típico.

a Teologia mesma ele ensinou parte dela na casa de forma-ção dos dominicanos de São Paulo, na Faculdade de Teologia da Universidad Católica de Chile – 1962 a 1965 ou 1966 –, e depois de sua volta para o Brasil, bem mais tarde, no Instituto de Teo-logia, fundado em recife por Dom Hélder Câmara, mas que ia ser suspenso por roma. Por fim, não esqueçamos que foi profes-sor em tempo parcial, até chegar a aposentadoria, da Université Catholique de Louvain. Pois bem, nenhum desses institutos era um Seminário Maior no sentido clássico. Não é impossível que José Comblin tenha ajudado num Seminário desta forma duran-te uma de suas múltiplas e breves estadas no Brasil ou num outro país latino-americano, mas conhecimento disso não temos. Não é fácil ver, então, a que experiência infeliz se referia, revelando em 2010 que tinha feito, ‘30 anos já’, a tal promessa de nunca mais trabalhar num instituto desse tipo. Seja como for, temos a impressão de que ensinar não lhe foi atividade intelectual prefe-rida. escrever, sim, foi.

a nós não cabe fazer a bibliografia completa de Joseph/José Comblin. Não temos capacidade para opinar sobre as obras mais extensas e bem planejadas. entendidos na matéria me disseram que sua Théologie de la Ville, publicada em 1968, nas Éditions universitaires, em Paris, depois dos dois volumes de sua Théologie de la Paix, é inovadora no campo; além disso, não recusou contri-buir com coleções de mais fácil acesso, visando o maior número possível de cristãos. aí pensamos na coleção Comentário Bíblico, que, na mente dele, teve também a vantagem de ser lançada por um grupo ecumênico. Nem sei quantos são seus Opera Minora separados. Do estilo do autor saudoso, livre a cada um de se fa-zer uma ideia pessoal. No que me diz respeito, tendo vivido com ele na intimidade da mesma casa e tido o privilégio de ouvir em conversações sua opinião sobre mil coisas, não posso omitir de re-petir aqui minha admiração – às vezes misturada, confesso, com um pouquinho de inveja – em sua agilidade com a pena. Tinha o dom de se concentrar num assunto e de confiá-lo ao papel com a mesma facilidade que temos, nós, de respirar. Nem lhe eram indispensáveis boas condições físicas. até agora eu o vejo escre-vendo numa parte qualquer da mesa comum de nossa casa em

Campinas, indiferente ao zumbido dos insetos e à temperatura que fazia. Uma visita inesperada? Uma vassoura intrépida? – alu-gamos a casa de uma proprietária que não permitia que padres inquilinos fizessem a limpeza – José interrompia, bem civilizado como era, seu labor, o tempo necessário para logo depois voltar, sereno, a seu mundo das ideias.

releio agora sua primeira produção impressa em português e que ali elaborou. Um ano e poucos meses depois de nossa che-gada a Campinas, propôs-nos um texto, prudentemente impres-so pro manuscripto, isto é, para não ser divulgado, com o título A Vocação Cristã do Brasil. Ter guardado essa brochura redime um pouco minha negligência para com suas obras posteriores, bem maiores e bem melhor publicadas. Que mensagem trouxe a plaqueta? Suficiência de europeu recém-chegado ao Brasil? Pois, vejamos as teses nela desenvolvidas. a primeira: a Igreja católica brasileira terá necessariamente que desempenhar o papel de líder do catolicismo mundial (p. 1). Nada menos... lemos logo depois que realizar essa vocação mundial é um desafio atualíssimo, ur-gentíssimo, pelo qual o País tem de se preparar desde já. O autor estima que o prazo outorgado para essa preparação é o espaço, no tempo, de uma geração! O catolicismo europeu, continua, não tem nenhuma possibilidade de tomar essa liderança, pois sofre de uma doença incurável: [na europa] há dois sistemas... de insti-tuições, umas cristãs, outras anticlericais e antirreligiosas (p. 10); mas, aí – nos países da europa – fracassou miseravelmente o esfor-ço da inteligência cristã de denunciar e de refutar o pensamento alheio ao cristianismo, em marcha já há três séculos. Porém, Deus reservou-a [a Igreja brasileira] para – essas – tarefas futuras (p. 17), enunciadas na primeira página. longe, então, de constituir uma expressão de ufania, o que se escutava aqui era a voz do profeta proclamando: ‘Quando soar sua hora, brasileiros, não façam como nós fizemos!’ Mais uma vez, era profeta ‘clamando no deserto’, pois conhecemos a história da Igreja brasileira, durante as duas gera-

José Comblin na Escola Missionária de Mogeiro, 2007.

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ções passadas. Quem nunca se conformou com essa ‘desistência’ brasileira foi o profeta Comblin.

Mas um profeta não transmite sua mensagem sem andar ao encontro de gente. andar... como Comblin o fazia! Permaneceu – não seria mais exato falar em passagens? – em Campinas, em São Paulo, em Santiago do Chile – bis, com cerca de dez anos de intervalo –, em recife – ou será que foi também Olinda? –, antes de encontrar seus horizontes de preferência, o Nordeste profundo, a Paraíba. e mesmo aí parecia que se tratava mais de paragens: a Capital, Serra redonda, Santa rita e Bayeux, para terminar sua odisseia na humilde diocese baiana de Barra. a postura dele, pa-recendo frágil, era de uma resistência extraordinária para viajar: memorizava alegremente os horários de avião, e as longas horas de ônibus e de carro empoeirado não lhe provocavam mal estar. Será que era andejo mesmo?

Mais ainda que andar, o profeta deve falar, e, de preferência, falar alto. a condição e a figura de Comblin, de acesso não real-mente fáceis, frequentemente dando mostras de timidez defensiva, se transformavam desde o momento que dirigia a palavra a um público. Não se esperava uma voz tão forte e consonante saindo desta figura, físicamente não muito imponente. Porém, captavam a assistência – ou a irritavam... – aquele seu discurso cáustico, su-as afirmações lapidárias e frequentemente incomodantes. e não raramente a repercussão ia além da simples assistência física, para irritar certas autoridades políticas. Pena que, por descuido nosso, perdemos o texto dos ataques no poderoso jornal O Estado de S. Paulo, que entrou numa verdadeira polêmica, citando nome e fun-ções de Comblin. Soubemos que, infelizmente, era um sacerdote húngaro, fugido de sua pátria depois da revolta de 1956, que os inspirava. Nos anos nos quais vigorava a Doutrina da Segurança Nacional com toda sua força, os sucessivos atos Institucionais im-pediam o ressurgimento da vida democrática, sempre prometida e sempre adiada. Naquela fase de suspeição generalizada, quando a polícia militar descobria ‘subversivos’ em todo campo, em 1972 José Comblin foi proibido de entrar no País ao chegar da europa, em recife. a proibição nunca foi suspensa – li em algum lugar que ela foi, sim, em... 2010 –, apesar de seu trabalho durante 38 anos no Nordeste não ter sido clandestino. então, vemos um Jo-sé Comblin, suspeito, perigoso para a nação, um Comblin que amava cada vez mais, que adorava um país que continuava ofi-cialmente considerando-o durante 40 anos como perigoso – só que não fazia nada para eliminar esse perigo. Sutileza brasileira.

Mas, entrementes, em 1968, havia se realizado a Conferên-cia episcopal da américa latina de Medelin e os horizontes não eram mais os mesmos. aquilo que ia chamar-se Teologia da liber-tação tem aí uma das suas origens. José Comblin, não há dúvida, participou ativamente dela, tinha contatos frequentes com gus-tavo gutiérrez e outros protagonistas, lutou por ela, escrevendo, discursando, explicando. Tudo isso foi importante pelo resto de sua vida. Mas do ponto de vista do autor destas linhas, que pre-tendem ser uma homenagem de amigo, assim como um olhar interrogativo sobre toda a vida de José Comblin, não se pode parar aí, como o fizeram a maioria dos comentadores na oportunidade

de sua morte. a fase da Teologia da libertação foi exaltante para Comblin, mas relativamente breve. Já a Conferência de Puebla, que seguia aquela de Medelin, dez anos depois, o decepcionou – e não só a ele ...

Como já dissemos, o golpe militar em 1964 e os temidos atos Institucionais que se sucediam afogavam em boa parte a vida po-lítica normal. Não é de se estranhar, nesse silêncio político, que umas vozes de representantes da Igreja – evitemos sugerir que a Igreja falava alto e de uma voz! –, que ousavam ocupar um lugar no palco recebiam maior atenção e encontravam bom ouvido em parte da população, que ficava quieta por medo, mas injuriada por aquela prosa continuamente repetida a respeito de um ‘Brasil que, agora sim, anda direito e progride no desenvolvimento’. em São Paulo e no recife, percebia-se este som de independência. Teve a coragem o arcebispo da maior cidade do País, Dom evaris-to arns, de dizer non licet quando a polícia militar prendia gente indiscriminadamente e torturava sem dar contas a ninguém. e no Nordeste, a eloquência de um bispo baixinho muito irritou os mi-litares, repetindo que na sua região a massa empobrecida, apesar de todas as proclamações grandíloquas de Progresso e de Patriotis-mo, só ficava um pouco mais pobre ainda. Dom Helder Câmara, homem santo – porém, ‘não rebelde’, precisava José Comblin –, era intelectual de grande curiosidade, de modo que sem dúvida já conhecia a obra de Comblin, e foi naquela época que a cola-boração do teólogo belga, oficialmente expulso do País, com um arcebispo, em vias de tornar-se o símbolo da coragem resistente, tornou-se mais intensa. Mas conosco, Comblin não pormenoriza-va o assunto e nós não temos revelação a fazer nesse ponto.

Tenho motivo para supôr, em compensação, que naqueles anos começou a surgir no peito de Comblin uma nova inclina-ção, versão que virou conversão e que pode bem ter sido a maior na sua vida brasileira, e, quem sabe, a maior da sua vida tout court. O brilhante intelectual, o autor com estupenda facilidade de con-ceber e de realizar livros, não se dava mais por satisfeito com sua produção livresca. Deve ter sido o que vamos chamar sua vocação de nordestino, vontade de deixar aí mesmo uma marca dele, de pôr ponto às grandes teologias – ‘Teologia da Revolução’, ‘Teologia da Cidade’ – para pegar na humilde ‘teologia da enxada’ – instru-mento que, naquela terra, evoca nada de grandioso mas, isto sim, o penoso, tedioso curvar-se para a terra –, vontade de construir algo com as próprias mãos, curvando-se, até pedindo ajuda financeira de outros – o que na vida anterior nunca teve de fazer, tirando do ordenado e da aposentadoria de professor de tempo parcial o su-ficiente para um sóbrio solteiro como ele. Saíram aos poucos os Centros de Formação Missionária para leigos masculinos e femi-ninos. Fato é que com esta nova atividade surpreendeu um pouco os velhos amigos europeus que o visitavam. Conseguia também – não sei como – a admirável ajuda de dona M. M. e de outras. graças a elas não passava fome, acho, mas me lembro bem de uma passagem minha de um dia e meio com aquele regime: já sonhava – parecia fartura! – com a comida que tinhamos em nossos anos de Campinas e São Paulo. Somente agora, lembrando as outras fases de sua vida, é que começo a ver que esta foi a fase mais de-

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cisiva e mais durável do seu curriculum. e bem poderia ter sido a fase mais feliz, apesar das limitações materiais evidentes. Não é repentinamente, num dia de calendário, que geralmente uma pessoa se acostuma a um novo estilo de vida. Mas proponhamos prudentemente que essa ideia bem pode ter começado a infiltrar- -se em sua cabeça a partir do momento em que, na sua intuição, a Teologia da libertação, como ele a concebia, não tinha mais futuro. Não foi muito tempo depois de ‘Puebla’ que já teve essa intuição. ‘A Teologia da Libertação? Ela já morreu!’, repetia. a partir do momento em que se convencera disso, até o fim da vida, contamos uns 25 anos. Significa que, durante a quarta parte de século, dedicou-se à sua obra, dando-lhe a melhor parte do seu tempo e de seus talentos. Os centros missionários do Nordeste – a sua pátria, agora – multiplicavam-se, partindo de ‘sua’ Serra re-donda. Na minha mesa tenho o relatório pormenorizado de um mês de Formação Pastoral intensiva em duas dioceses, Juazeiro e guarabira, respectivamente na Bahia e na Paraíba. aí, não se tratava de só passar o tempo. essas escolas de formação organiza-vam-se em qualquer lugar, onde se ofereciam boas oportunidades, conformando-se às circunstâncias diocesanas, criadas, na prática, pelas preferências pastorais do bispo local. Precisei de um bom mapa para localizar as dioceses de Juazeiro na Bahia – não aquele Juazeiro do Padre Cícero! –, de Bonfim – o Brasil está cheio de ‘Bonfins’! –, de guarabira, ‘perto da capital’, cujo título de glória é o santuário do Padre Ibiapina, um santo – proclamado pelo po-vo – paraibano, sobre o qual ler-se-á no fim deste depoimento. a fase mais penosa da vida? Bem pelo contrário, pode ter sido a fase mais feliz: nas fotografias que guardei desse período, aparece um Comblin com largo sorriso, feliz daquela vida.

Trabalhando dentro deste novo horizonte, identificando-se com a gente humilde, não por isso se tornou eremita. O Nordes-te, em nossos dias de comunicações sociais, está longe de ser um deserto egipcíaco. reuniões, assembleias, celebrações não falta-vam. a celebração dos 80 anos de sua vida, nos dias 20-22 de mar-ço de 2003, ficarão para sempre na minha memória. No campus da Universidade Paraibana estadual – acho que o ‘Padre’ nunca foi professor aí, mas sabia-se que escreveu livros e livros e ‘é dos nos-sos’ –, que punha à disposição seus salões, se entregou o Festschrift com inúmeras contribuições, nacionais e internacionais. Mas é a concelebração de ação de graças que me deixou a impressão mais profunda. a missa em si mesma nada tinha de cerimônia revolu-cionária – Comblin nunca achou que fazer pulos acrobáticos na liturgia fosse idêntico à evolução necessária e frutífera. Mas foi a dignidade, misturada com uma alegria de poder realmente par-ticipar do ato litúrgico – como a da moça, cujo pai não a tinha deixado frequentar a escola até uns três anos antes –, pronuncian-do a maioria das leituras, e, mais ainda, a do movimento lento de dança sacramental da velha pretinha, que vinha apresentar pão e vinho litúrgico da parte traseira da tenda para o altar, que me comoveu. Não me acho ser do tipo sentimental, mas, no fim da ceremônia, tinha lágrimas nos olhos. liturgia digna e comovente ao mesmo tempo, parece impraticável em nossa europa cética

e autossuficiente de hoje. e um celebrante, assistido por um par de bispos do Nordeste e por dezenas de sacerdotes, se mostrando feliz com toda a naturalidade; difícil reconhecer nele o professor europeu, ponderando tudo, hesitando em muito. a conversão ao Nordeste funcionava.

‘Preciso me converter’, se defendia, quando seus amigos pru-dentemente opinavam contra mais uma mudança de casa, desta vez num esconderijo baiano, fora do qual – excluindo sua viagem costumeira para ver sua família e uns amigos na Bélgica – uma vez só se deixou tirar. Jon Sobrino, companheirão de luta nos dias de Medelin, foi quem o convenceu, na ocasião do trigésimo aniversário – já! o prazo de uma geração inteira – do assassinato de Dom Oscar romero, em el Salvador. a alocução de Comblin já mereceu um breve comentário acima, mas dará mais trabalho aos teólogos que a lerão.

‘Preciso me converter’ – não houve tempo para isso nas vidas anteriores? Comblin queria não ficar abandonado, mesmo quan-do morto. Queria juntar-se – assim falou –, fecundando a terra, ao humilde padre – sem maiúscula – Ibiapina, declarado santo pela gente nordestina, onde ‘sempre tem gente visitando o padre... aproveitarei do movimento’ (comunicação eletrônica de Mônica Maria Muggler, 05.04.2011).

Ouso concluir com uma lembrança pessoal. Sempre vinha visitar-nos e passar um meio dia em lovaina, na ocasião da sua viagem estival – no mês de junho ou julho na Bélgica: ‘Nordestino tem medo do frio, sabe!’. Nisso, como em muitas coisas da vida, era de uma regularidade exemplar. lembro-me bem da última vez. Quando a Mônica me comunicava um novo endereço, mais uma vez, e por causa de mais uma mudança, agora porém para um lugar no interior baiano, que eu nunca ouvira mencionar e no qual, para mim, Judas podia ter lá perdido as botas, perguntei com toda inocência: ‘Não foi difícil, então, o transporte da biblio-teca tua para tal buraco?’. ‘Oh, essa!’, respondeu, ‘eu a deixei, ficou em Bayeux’. Que susto que me deu tal declaração! Fiquei sem entender. Para mim, ver Comblin abrir mão da biblioteca – ampla, variada, atualizada, mesmo em Serra redonda, onde eu o vi lutar, enfurecido, contra o cupim que a invadira... –, com a qual ele parecia ter-se identificado, era ver um artista de renome, repentino desprezador do seu instrumento preferido, jogando-o fora. Com o tempo, pouco a pouco – com José, as manifestações sobre si mesmo ficavam sempre a meio caminho entre brincadeira e afirmativa... – permeou-me o suspeito de que, nesta fase da vida, que sabia ser a última, recluir-se num buraco baiano, juntar-se a um bispo conhecido por ter tido o jejum como única arma con-tra o poder e a pobreza como único cartaz, era, para o andante, seu caminho de despojo, prova de que seu compromisso com os pobres era conclusivo.

Carl Laga, bizantinista, é Professor Emérito da KULeuven; entre 1959 e 1968 foi professor de História Antiga e Medieval na Facul-dade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília, atualmente campus da Unesp.

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a contribuição dos jocistas belgasM y r i a m Va n d e n N e s t

Com seu método de ‘ver-julgar-agir’, a JOC (Juventude Ope-rária Católica) deixou, nos anos de 1960, inegavelmente sua

marca na pastoral do povo. graças à participação de tantos jovens operários se produziu uma radical inversão dentro da Igreja Católi-ca brasileira, que resultou na elaboração e no impacto da teologia da libertação até na Bélgica (Bidegain de Uran).

Para compreender sua origem é preciso remontar aos primei-ros anos da JOC e seguir a evolução deste movimento, a partir da Bélgica, berço do jocismo e de seu mentor espiritual, Cardijn. Pa-ra realizar seu sonho de ser um sacerdote para os operários, Jozef Cardijn (1882-1967) começou, em 1919, como vigário em laken, um movimento precursor, os Jovens Sindicalistas (1925). Sua atu-ação entusiasta repercutiu rapidamente no exterior e vários países contataram o secretariado belga. Vários padres e outros visitantes na Bélgica observaram seus métodos.

assim, duas moças de São Paulo, albertina ramos e Maria Kiel, que estudavam em Bruxelas na escola Social Superior (1932- -1935), ficaram conhecendo a JOC. De volta ao Brasil, organiza-ram grupos de jovens operárias católicas, que foram as primeiras tentativas do jocismo em terras brasileiras. Não empregavam ain-da um método definitivo, mas contribuíram na sensibilização a respeito da situação social dos desfavorecidos (carta de José go-mes – aliás, Zezé – Morais, 25.04.1986). Publicaram um boletim mensal, Jocismo, a partir de maio de 1934. O padre Carlos Ortiz, que organizou a primeira JOC em Taubaté e publicou Acção Ca-

Conselho Nacional da Juventude Operária Católica (JOC) no Brasil reunido em novembro de 1961; ao centro o sacerdote Jozef Cardijn.

tholica e Jocismo, esteve em lovaina e manteve correspondência com os capelães belgas da JOC. estes enviavam suas publicações, lidas com fervor, se bem que Ortiz achava que ‘a JOC/F brasileira não podia ser uma caricatura do modelo belga’ (Ortiz).

O estado Novo (1937-1944) e a Segunda guerra Mundial perturbaram os contatos entre o Brasil e a Bélgica. Mesmo assim os esforços dos pioneiros brasileiros não foram infrutíferos: em 1942 fundou-se no rio de Janeiro a JOC/F com Odette azevedo Soares, Yolande Bettencourt e Francisco Mangabeira, que conhe-ceu a JOC durante seus estudos em Paris. Bettencourt dirigiu, por volta de 1944, a JOC/F no rio, tendo entre seus membros prin-cipalmente domésticas.

O fim da Segunda guerra Mundial abriu para Cardijn e a JOC um período de maior internacionalização: de 1946 até sua morte em 1967 Cardijn viajou pelo mundo inteiro apesar de sua idade avançada (Kadoc, Cardijn). Quando visitou pela primeira vez as três américas, de julho a setembro de 1946, ficou muito comovi-do pela pobreza, pelos contrastes chocantes e pelas condições de vida desfavoráveis dos operários na américa do Sul. Sua visão da problemática operária se ampliou para uma dimensão terceiro- -mundista. realçava a necessidade de uma solidariedade universal.

em outubro de 1948 pisou pela primeira vez em solo brasilei-ro, por ocasião da I Semana de estudos Nacional da JOC brasi-leira, em São Paulo. Das diversas dioceses afluíram cerca de 600 delegados para analisar juntos a situação da JOC. Se elegeu uma

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direção nacional: José gomes de Morais Neto como presidente da JOC, Odette azevedo Soares como presidente da JOC/F e José Távora como capelão nacional. a aprovação dos estatutos, votada na presença de Cardijn, marcou o reconhecimento oficial da JOC/F brasileira. Cardijn aproveitou sua estada para estreitar suas relações com a Igreja, num dia de estudos com 400 padres e seminaristas, no Ipiranga, e numa alocução para 75 bispos e 3 cardeais, em Porto alegre. Dizia que a JOC devia poder contar com o apoio de um grande grupo de padres e aproveitar todos os meios para lutar contra ‘esta igreja a-histórica que fugia na cari-dade’. recebeu o título de doctor honoris causa das universidades católicas do rio e de São Paulo.

Desde 1948, Cardijn se esforçou para que padres e militantes leigos viessem da europa para implantar a JOC em países como o Brasil, mas numa colaboração que não fosse colonial: ‘A JOC no Brasil deve ser brasileira’. a este apelo responderam membros da JOC, como Jacques Jerome, originário de Visé, que, com 20 anos em 1948, na difícil conjuntura do pós-guerra, planejava ir trabalhar como eletricista na argentina. Tinha sido ativo na pré-JOC de Seraing. Como o consulado do Brasil em antuérpia des-pachou mais rapidamente seu visto, acabou chegando ao rio de Janeiro, onde foi considerado uma dádiva do céu pelo capelão da JOC brasileira, Távora. alguém com tão rica experiência jocista preferiam guardar por lá! Com a equipe da JOC/F participou da supracitada semana de estudos e Cardijn conseguiu conven-cê-lo a ficar dois anos mais e instalar a JOC na região de Belo Horizonte. No ano seguinte foi liberado como propagandista da equipe de São Paulo, junto com o padre Mélanson, Zezé Morais, Bartolo Perez e Tibor Sulik. Fundou várias seções no interior e serviu de intérprete na preparação da Conferência Internacional em Braine-l’alleud. Desde fevereiro de 1952 era ativo no rio de Janeiro como responsável pelas manifestações externas, na pre-paração da conferência da JOC/F sul-americana em Petrópolis e da peregrinação a aparecida. Depois, em 1955, dedicou-se ao es-tado de Minas gerais. Jacques impressionava-se frequentemente ‘com a generosidade, religiosidade e disposição ao sacrifício dos militantes brasileiros’ (JOCI).

Voltando ao Brasil em 1951, Cardijn falou na semana de estu-dos da ação Social arquidiocesana. Se os problemas da juventude operária eram do mundo inteiro, tratou de casos especificamen-te brasileiros percebidos em suas visitas às fábricas e às seções da JOC. Fez suas palestras em francês, mas, mesmo assim, sua men-sagem era compreendida pelos jocistas brasileiros por sua fala ca-tivante e entusiasta e por seu carisma. Bartolo Perez, presidente nacional da JOC em 1952, constatou que ‘muitos jovens se com-prometeram depois do discurso de Cardijn: suas visitas tinham grande significado para a direção da JOC/F e os capelões, foi um enorme estímulo para nós encontrá-lo e nos sentimos fortalecidos na nossa obra pioneira’. Segundo angelina de Oliveira, Cardijn fez os bispos brasileiros compreenderem a dimensão da problemática operária, como também a necessidade de se organizar em nível nacional. Tudo isto colocou a hierarquia a refletir sob a direção de Hélder Câmara e José Távora. Quando a Conferência Nacio-

nal dos Bispos do Brasil adotou, em 1955, o ‘ver-julgar-agir’ como método, iniciou-se um processo que transformou radicalmente a atitude da igreja brasileira.

em 1953, o Secretariado Internacional concordou em enviar a primeira jocista belga para a américa latina a pedido da secção JOC/F do rio de Janeiro. Denise Verschueren foi recebida por uma equipe bem organizada. Sua tarefa consistia em assistir o movimento na formação de militantes e sobretudo de dirigentes. Depois de alguns meses de adaptação, padre Távora lhe encarre-gou a responsabilidade dos grupos paroquiais de operárias da Zo-na Norte. Precisamente como Cardijn, consagrava muito tempo às visitas a padres e bispos para convencê-los que jovens operárias eram capazes de se organizar. Desde novembro de 1955 explicava em todas as seções da Zona Sul em que deviam consistir as reu-niões de núcleos e direção.

Como membro da equipe nacional, Denise era também res-ponsável pelo trabalho com as domésticas. a situação das domés-ticas a tinha comovido logo no início: os baixos salários, um quar-to pequeno, a falta de liberdade, seu analfabetismo… Na Zona Norte e na Zona Sul havia centenas de milhares destas domésticas e existiam seções da JOC específicas para elas. a maior parte vi-nha do interior, sem família, para trabalhar nas casas das classes média e alta. Desde março de 1956 organizavam-se dias de estu-do com o tema ‘Também eu sou filho de Deus’ ou ‘Tenho uma resposta a oferecer’; desde abril se publicava a revista Para você, jovem doméstica. Foi neste zelo pela melhora de suas condições de vida que Denise mostrou suas grandes qualidades pedagógi-cas. Conseguia que moças analfabetas executassem, a partir de sua própria experiência de vida, tarefas importantes na JOC/F. a partir de 1959 organizaram-se no Brasil inteiro pesquisas sobre as experiências destas domésticas e seguiram campanhas como

A Juventude Operária Católica (JOC) no Brasil com o sacerdote Jozef Cardijn.

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para ‘obter uma cadeira na cozinha’. estas ações resultaram no primeiro congresso para domésticas no alto de Boa Vista (1961), que formulou o Manifesto das domésticas e deu origem ao seguro social para este grupo.

Denise se dava conta de que não veio para transplantar ao Brasil um modelo belga. ela procurou viver como uma brasileira no espírito de pobreza e evitava fazer muitas comparações com a JOC/F belga. era consciente de que a JOC brasileira já havia realizado muito durante sua curta existência e observava que os jovens brasileiros apenas tinham tido o tempo para ser crianças despreocupadas. em 1961, depois de uma estada de oito anos, voltou à Bélgica e recebeu um mandato no Secretariado Interna-cional em Bruxelas.

Na sua etapa inicial a JOC/F brasileira ficou grata pela ajuda de fora e precisava de publicações jocistas belgas. entretanto, não se tratou de uma transplantação, que seria contrária aos princípios de Cardijn e da JOC/I. Sua estratégia era seguir em cada país seu

próprio desenvolvimento. Nos anos de 1960, a JOC existia em mais de 90 países!

a situação brasileira era totalmente diferente da belga e a JOC tinha que se adaptar. O fato de a JOC/F ter sobrevivido a tantos problemas e à repressão militar prova que o movimento se adaptou realmente a esta sociedade. Na medida em que a JOC/F brasileira crescia no nível da direção e em influência, alcançou sua autono-mia, também graças ao apoio dos comitês regionais e do Centro de Informação América Latina (1955). O fato de Bartolo Perez ter sido eleito em 1961 presidente internacional no Segundo Con-selho Mundial da JOC/I, com participantes vindos de 85 países, mostra como se tinha fortalecido a JOC/F brasileira.

Myriam Vanden Nest obteve licenciatura em História na KULeuven com um trabalho de conclusão sobre “Os belgas na JOC brasileira”, é formada também em Ciências Religiosas, professora do ensino médio e ativa na pastoral da igreja católica.

a Uniapac e o Brasil P e t e r H e y r m a n

as primeiras organizações de empresários católicos surgiram no anos de 1880-1890 na França e na Bélgica. Na senda de

léon Harmel (1829-1915) e frequentemente assistidos por jesuí-tas, examinavam como podiam adaptar sua prática empresarial à doutrina social da Igreja. Na Bélgica, data de 1894 a Association des Patrons et Industriels Catholiques. a similar flamenga surgiu em 1925, o Vlaamse Algemeen Christelijk Verbond van Werkgevers.

em 12 de junho de 1931, 40 anos depois da Rerum Novarum, foi fundada a primeira internacional de patrões católicos, as Con-férences Internationales des Associations des Patrons Catholiques. Depois da guerra, em maio de 1949, esta organização foi reforça-da por holandeses, belgas, franceses, alemães e italianos na Union Internationale des Associations Patronales Catholiques, a Uniapac, com uma cúpula ainda exclusivamente europeia, mas que já nu-tria ambições mundiais. em 1962 a organização se rebatizou como International Christian Union of Business Executives.

Sem esquecer a África, a Uniapac procurava nesses anos de 1950-1960 sobretudo expansão na américa latina. através dos bons contatos com os jesuítas, os patrões católicos europeus espe-ravam encontrar lá correligionários para suas aspirações de uma ordem mundial cristã, na linha das encíclicas Mater et Magistra (1961) e Gaudium et Spes (1965). essa aproximação ocorria pa-ralelamente com o movimento operário cristão e as Nouvelles Equipes Internationales democrata-cristãs. Naturalmente, inspi-ravam-se nos interesses de negócios.

Criaram-se então associações de patrões católicos no Chile (1948), no Uruguai (1952), na argentina (1953), no Peru (1956) e no México (1957). O congresso mundial da Uniapac em Montre-

al, no Canadá, em setembro de 1957, decidiu formar uma cúpula regional (CCDal) em Buenos aires (argentina). a reunião mun-dial seguinte da organização em Santiago (Chile), em setembro de 1961, deu novo impulso. Nesse ano fundou-se também no Brasil a associação de Dirigentes Cristãos de empresas (aDCe), ten-do entre seus administradores ernesto Diederichsen (presidente), elias Corrêa de Camargo e Haroldo Falcão. Depois de São Paulo e do rio de Janeiro, seguiram seções na Bahia, em recife (Pe), na Paraíba, em Natal (rN), Fortaleza (Ce) e Belo Horizonte (Mg). a aDCe organizou a partir de setembro de 1962 seminários para empresários e pleiteou, entre outros, um sistema de salário família.

alguns belgas desempenharam papel de primeira importân-cia na expansão deste movimento empresarial cristão na américa latina. em 1955, o jesuíta e assistente espiritual da Uniapac, Je-an-Marie laureys (1897-1956), percorreu o continente e manteve conversações com várias associações de patrões católicos, como no Brasil. No seu rastro seguiram entre outros o fabricante de fios de aço léon Bekaert (1891-1961) e Jacques De Staercke (nasci-do em 1927). O professor de gand, andré Vlerick (1919-1990), cooperou desde 1959 em iniciativas para formação de empresá-rios junto com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Centro Nacional de Produtividade na Indústria (Cenpi). entre os assistentes espirituais da aDCe encontrava-se o belga Michel Schooyans (1930-), que lecionou de 1959 a 1969 na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

O mediador mais importante foi, sem dúvida, rik Vermeire (1920). graças a Bekaert e ao industrial alemão Peter H. Werhalm (1913-1996), foi nomeado em 1958 secretário-geral da Uniapac.

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esta função o levou várias vezes à américa do Sul. Mesmo de-pois de sua passagem para a empresa Bekaert, em 1965, Vermeire continuou a intermediar os contatos através da Fundação léon Bekaert (1962) e da Maison de l’Amérique Latine. a Uniapac pro-curou o fortalecimento da organização patronal latino-americana e maior colaboração com o patronato europeu e com a Comuni-dade econômica europeia. em novembro de 1962 ocorreu em Bruxelas o Fórum europeu para a américa latina, que resultou na fundação do Comité Européen pour la Coopération avec l’Amé-rique Latine (CeCal, maio de 1963). Meio ano depois se reuni-ram 400 empresários latino-americanos em São Paulo e formaram

o Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo (ClaD). a ‘Declaração de São Paulo’, de novembro de 1963, de-fendeu uma integração econômica latino-americana mais forte, algo no modelo europeu e correspondente às ideias do economista argentino raul Prebisch (1901-1986). O avanço da Uniapac na américa latina se consagrou no congresso mundial no México, em outubro de 1964.

Peter Heyrman é Doutor em História e dirige a Seção de Pesquisas do Kadoc – Centro de documentação Católica da Universidade de Lovaina.

Os vínculos entre os mundos maçônicos e laicos da Bélgica e do Brasil

N i c o l e t ta C a s a n o

Como ‘produto’ europeu, a Maçonaria foi introduzida no Bra-sil no final do século XVIII (Oliveira Marques; José Catella-

ni e William Carvalho). Figuras decisivas ou muito influentes na história do país, desde a Independência até a Proclamação da república, eram maçons, desde o próprio Imperador Pedro I e o ‘patriarca’ José Bonifácio de andrada e Silva até o Marechal De-odoro da Fonseca, os presidentes Prudente de Moraes, Campos Sales, Hermes da Fonseca, passando por tantos outros, como o Duque de Caxias, o Visconde do rio Branco e seu filho, o Barão do rio Branco.

entretanto, os historiadores brasileiros discordam sobre a con-certada direção maçônica desses eventos, ainda mais que as lojas brasileiras passaram por contínuas rivalidades e dissidências, fu-sões e novas cisões. Numa dessas, um maçom exilado na França, Francisco gomes Brandão (1794-1870), aliás, pelo seu nome in-digenizado, gê acayaba de Montezuma, conseguiu, do Conse-lho Supremo do rito escocês antigo e aceito nos Países Baixos, uma carta de legitimação em 12 de março de 1829 para instalar um Conselho Supremo semelhante no Brasil. No seu regresso foi reconhecido por outra carta vinda da Bélgica em 12 de novem-bro de 1832 como 1º Soberano grande Comendador brasileiro.

ainda em 1858, o Conselho Supremo belga confirmou o re-conhecimento do congênere brasileiro, mas naquela altura este se tinha afastado, há muito tempo, de Montezuma, e voltara à política como deputado, ministro da Justiça e dos estrangeiros e diplomata na Inglaterra. Sobre as relações deste com os maçons belgas, valeria a pena investigar, tanto mais que foi enobrecido como Visconde de Jequitinhonha, sendo o único mulato, filho de um português e uma negra, a alcançar um título e que intro-duziu no Senado as primeiras propostas para abolir a escravatura.

No final do século XIX, tanto na europa como nas américas, algumas associações maçônicas e laicas nacionais começaram a

federar-se, criando entidades internacionais. Nestas, a Bélgica de-sempenhou um papel importante. Na mesma época, a entrada do Brasil nesses contextos internacionais devia facilitar a ligação entre os mundos maçônicos e laicos dos dois países. No Bulletin du Grand Orient de Belgique desse período pode-se ler como a maçonaria belga seguia com interesse a evolução do movimento maçônico no Brasil, constantemente contestado pela propaganda clerical ultramontana. Por falta de documentos resulta difícil, por enquanto, traçar mais a fundo os vínculos anteriores a 1930. Nessa data, o grande Oriente do Brasil entrou na associação Maçônica Internacional, fundada em genebra, onde a maçonaria belga sem-pre foi muito ativa (Bulletin de l’Association Maçonnique Interna-tionale, nº 32, 1930, p. 31; nº 34, 1930, p. 4). Outra pista seriam os papéis pessoais de influentes maçons belgas e brasileiros, como o pioneiro do ensino leigo e primeiro ministro da educação Pierre Van Humbeek (1829-1890), que tinha parentes brasileiros, ou o arquiteto Francisco de Paula ramos de azevedo, que estudou em gand e manteve boas relações com empresários belgas.

Mais aparentes são os vínculos nas associações do livre-pen-samento, acercadas à maçonaria. grande parte destas, espalha-das pelo mundo, se federaram em 1880, criando em Bruxelas a Fédération Internationale de la Libre Pensée. O Brasil integrou esta Federação no início do século XX, uma vez que se cons-tituíam as ligas anticlericais em oposição à ingerência clerical na vida social e política do país. Nas cidades onde se instalaram se aproximavam muito dos meios maçônicos. em particular, a liga anticlerical do rio de Janeiro, fundada em 1911, se filiou à Federação Internacional do livre-Pensamento em 1912 (La Pensée, 17.11.1912, nº 407). Pode-se seguir a evolução e as ativi-dades destas ligas brasileiras por meio de seu semanário La Pen-sée, dirigido por seu secretário, o livre-pensador e maçom belga eugène Hins (1839-1923).

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Hins conhecia relativamente bem o Brasil por ter nele residido em 1863, quando, com 24 anos, teve que interromper seus estu-dos por problemas de vista. Tirou de sua estada como preceptor num engenho da província de Pernambuco material para as cartas publicadas na Revue de Belgique e, mais tarde, em 1884, reunidas num livro com o título Un an au Brésil.

este tratava da natureza e da sociedade escravocrata pernam-bucana e não tinha ainda nada a ver com o livre-Pensamento. a seguir, Hins partiu em 1872 para a rússia, onde lecionou numa escola militar. em 1880 participou em Bruxelas do congresso da primeira internacional.

em La Pensée, Hins assinalava regularmente as atividades dos livres-pensadores brasileiros, observando o modo como as ligas festejavam todos os aniversários do mundo laico europeu, como, por exemplo, as comemorações de Francisco Ferrer, em 13 de ou-tubro, e de giordano Bruno, em 14 de fevereiro, mas também o 20 de setembro, data da queda da Porta Pio em roma, em 1870, e do fim do estado pontifical. Vale notar que esta última data é lembrada pela liga anticlerical do rio de Janeiro por significar ‘a queda do poder temporal dos papas, […] um dos feitos mais im-portantes da história da Humanidade’. além disso, Hins publicava a correspondência de seus correligionários brasileiros a respeito da ingerência dos jesuítas na vida social do Brasil e preocupava-se com as alternativas à ofensiva ultramontana na educação da américa latina.

aliás, na própria Bélgica, depois da vitória do partido católico em 1884, os maçons e livre-pensadores se encontravam na defen-

siva em matéria escolar, mas seus educadores já elaboravam, nas escolas municipais e na Universidade de Bruxelas, novas ideias e métodos pedagógicos laicos. advogavam a coeducação e a ginásti-ca. Para quebrar o monopólio católico, pensavam na organização de orfanatos ‘racionalistas’. Muita atenção recebia o modelo das ‘escolas Modernas’ formulado pelo mártir do livre-Pensamento espanhol, Francisco Ferrer.

estas novas propostas podiam experimentar-se na américa latina e uma missão laica nesse sentido foi dirigida por georges rouma, a partir de 1909, na Bolívia e em seguida em Cuba. Na pauta deveriam surgir iniciativas no Brasil, onde os métodos ino-vadores de Ovide Decroly e, sobretudo, o livro Méthodes américai-nes d’éducation (1908), de Omer Buyse, tiveram forte impacto na nova pedagogia propugnada por lourenço Filho e anísio Teixeira. este último evoluiu assim do tradicionalismo religioso para a de-fesa da escola nova pública nos seus cargos de inspetor e diretor de ensino, o que lhe valeu acusações de comunista por parte dos católicos da revista A Ordem e que, bem mais tarde, levou à sua morte misteriosa no regime militar em 1971.

O estado de Minas gerais contratou ainda nos anos de 1930 uma missão pedagógica belga, liderada por Buyse, mas logo o es-tado Novo de getúlio Vargas e sua política mais favorável à Igreja Católica e, em seguida, a Segunda guerra Mundial interrompe-ram este diálogo entre belgas e brasileiros adeptos da laicização.

Nicoletta Casano é Doutora em História pela Universidade Livre de Bruxelas.

as igrejas brasileiras de Bruxelasa n n e M o r e l l i

Nos últimos dois decênios muitos brasileiros vieram viver na Bélgica e particularmente em sua capital. Pertencentes em

sua maioria às classes populares e frequentemente relegados a uma situação administrativa de ilegalidade, se ocupam nos nichos pro-fissionais normalmente reservados, no século XXI, aos imigrantes recém-chegados aos países menos afetados pela crise: trabalho na construção, na jardinagem, na limpeza, nos restaurantes, na as-sistência às crianças, às pessoas de idade e aos doentes, no serviço doméstico interno e na prostituição.

Como emigrantes, evidentemente, levaram consigo suas cren-ças. Se no século XX o Brasil era ainda considerado como país ca-tólico – com somente traços de sincretismo com os cultos africanos e locais –, hoje não é mais o caso. Os católicos somam 64,6% (123 milhões de brasileiros), os protestantes, 22,2% (42 milhões de pes-soas), enquanto 8% da população se define sem filiação religiosa (La Raison, nº 577, 2013, 6).

O pluralismo religioso avança. Se a Constituição brasileira de 1988 foi mesmo promulgada ‘sob a proteção de Deus’, a menção

nas cédulas brasileiras de reais da fórmula ‘Deus seja louvado’, inserida em 1986, por iniciativa do então presidente José Sarney, suscita hoje debates. O ministério público de São Paulo, pela voz do procurador Jefferson aparecido Dias, pediu que esta menção não figurasse mais a partir de março de 2013 nas cédulas, a fim de proteger a liberdade religiosa de todos os cidadãos brasileiros.

Neste clima de questionamento do monopólio católico, as di-ferentes igrejas ligadas ao protestantismo se desenvolveram rapida-mente. Trata-se essencialmente de evangélicos, de pentecostalistas ou testemunhas de Jeová que acumulam progressos sobretudo nos meios populares. a divisão religiosa dos imigrantes brasileiros na Bélgica reflete esta evolução recente. em Bruxelas, ao lado da comunidade católica brasileira reunida em torno da paróquia de Jesus Trabalhador, encontram-se os presbiterianos renovados, os testemunhas de Jeová, as igrejas pentecostalistas (Deus é Amor, Deus é Fiel) e diversas igrejas evangélicas (Semade, O Brasil pa-ra Cristo, Comunidade Cristã, Renascer em Cristo, Assembleia de Deus Missionário...).

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Presença em certos bairros

geograficamente estas igrejas se concentram, logicamente, nos bairros de Bruxelas que têm longa tradição de acolher imi-grantes recém-chegados. De fato, as comunas de Saint-gilles e anderlecht (Cureghem), depois de terem sido a moradia de nume-rosos judeus, italianos e espanhóis, acolheram muitos poloneses, marroquinos, portugueses e brasileiros. assim, a paróquia católica de Jesus Trabalhador é uma das paróquias de Saint-gilles, situada na Chaussée de Forest, ao passo que a igreja pentecostalista Deus é Amor se encontra na mesma rua (rue gheude) em que a Semade, em anderlecht, comuna onde se situam também a grande Comu-nidade Cristã (rue des Deux gares), os presbiterianos renovados e Deus é Fiel (rue Van lint para estas duas últimas). Deus é Amor tem também uma sala de culto em Ixelles (rue de la Cuve) e a Semade uma segunda sala em anderlecht (chaussée d’alsemberg).

estas igrejas procuram naturalmente os endereços de mora-dia ou, pelo menos, de encontros de seus potenciais fiéis. elas oferecem serviços sociais e os serviços religiosos são fervorosos e frequentes. assim, a paróquia católica brasileira de Saint-gilles, que todas as noites oferece sessões abertas depois das jornadas de trabalho, se sobressai sobre suas homólogas belgas, em vias de qua-se extinção da prática religiosa. Às 19h30 durante a semana, às 18 horas nos fins de semana, pode-se rezar, cantar, estudar ‘a palavra de Deus’, fazer música, se confessar ou participar da missa. Trata-se de um grupo da renovação carismática, que, confrontado com a situação de muitos de seus paroquianos, se implica ativamente nas lutas pela regularização dos “sem-papéis” e na sua ajuda social.

Pentecostalistas evangélicos

a igreja pentecostalista Deus é Amor foi fundada em 1962 por David Miranda. ela tem sua sede mundial em São Paulo e pre-tende ter construído lá o maior templo do mundo, previsto para 140.000 pessoas e inaugurado em 2004. Se as duas salas de Bruxe-las são modestas, elas oferecem o culto no sábado à noite e no do-mingo à noite e mantém laços de auxílio mútuo entre os membros (ofertas de trabalho, alojamento, babás para as crianças, roupas...), aos quais propõem também atividades religiosas excepcionais, vi-gílias de rezas, visitas às outras comunidades fora da Bélgica... a Semade é um ramo da missão da Assembleia de Deus na europa, sob invocação do espírito Santo, criada em 2000 na Bélgica por edvaldo Tavares gomes, originário da cidade de goiânia, e fale-cido prematuramente no final de 2012. a Comunidade Cristã se apresenta como jovem e moderna e, além de sua sede em Bru-xelas, que oferece quatro sessões por semana, tem também filiais em antuérpia, liège e Turnhout.

empresas familiares

Os fundadores das igrejas mencionadas geralmente gostam de empregar os membros de sua família na sua empresa religio-sa. Para tanto não é preciso debruçar-se longos anos sobre a pa-

trística, a exegese, a homilética ou a heurística antes de tornar-se pastor. Os carismas da comunicação são geralmente suficientes para o êxito do fundador. Sua esposa e seus filhos são quase sem-pre associados à sua predicação e à gestão do grupo. Deste mo-do David Miranda fundou a igreja pentecostalista Deus é Amor, sua mulher é ‘conselheira’, seu filho é pastor e sua filha, Debora Miranda, canta para a igreja. Quando o fundador da Semade na Bélgica morreu prematuramente, o magazine ilustrado AB destinado aos brasileiros da Bélgica – o mensal gratuito declara imprimir 11.000 exemplares; vive de abundantes publicidades para as diversas igrejas – anunciou muito espontaneamente que os três filhos do pastor edvaldo Tavares gomes – que apoiou o projeto da revista desde o início – vão continuar seu trabalho e já são legitimados (AB, janeiro de 2013, 54).

Uma mídia eficaz

as igrejas brasileiras de Bruxelas se dirigem a um público de trabalhadores modestos, mas que dominam a internet e geralmen-te possuem celulares, smartphones e laptops. Utilizam estes ins-trumentos para divulgar as diversas igrejas. assim existe um site para a paróquia católica da Comunidade Jesus Trabalhador (www.ccbbruxelas.be) como também para a Comunidade Cristã (www.ccbnet.eu) ou as igrejas pentecostalistas (Deus é Amor...). lá se podem encontrar as homilias, informação sobre a agenda das ati-vidades do grupo ou dos horários do culto. a Comunidade Cristã se comunica com seus fiéis através de uma rádio que transmite 24 horas diárias (www.radioccbnet.com). Durante as sessões é possível comprar os DVDs de cantos ou de predicações para ouvir em casa.

a revista dos brasileiros na Bélgica (AB Magazine) serve tam-bém de transmissora das atividades religiosas, anunciadas em ple-na página de publicidade ou até na capa. assim, a vinda a Bruxelas do cantor lázaro foi manchete da revista para anunciar seu con-certo no dia 23 de fevereiro de 2013 no Tour e Taxis, numa sala para 5.000 pessoas. Sua vinda à Bélgica foi organizada pela igreja Comunidade Cristã. ele é um embaixador cantante da igreja, como Debora Miranda o é para Deus é Amor. a morte súbita do pastor edvaldo durante sua volta momentânea a goiânia teve seu culto fúnebre filmado. alguns fragmentos do filme foram posta-dos no Youtube para permitir aos fiéis residentes em Bruxelas as-sociar-se ao culto. a cada instante é possível consultar os sites e as eventuais novidades enviadas pelo correio eletrônico. O uso desses instrumentos modernos estreita evidentemente os laços entre os membros, muitas vezes isolados durante a semana.

Os serviços sociais

Para encontrar um trabalho, um alojamento, uma solução pa-ra seus filhos, uma ajuda administrativa ou mesmo roupa quente de inverno, os brasileiros de Bruxelas podem contar com suas igrejas. Muitos fiéis vivem na precariedade e precisam de apoio. as igrejas transmitem também a seus fiéis as informações mais interessantes: Quais são os requisitos para sair da clandestinidade

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e obter papéis; Onde fazer um curso de francês; Por qual fron-teira fazer chegar sua família; Qual é o meio mais barato para enviar dinheiro; Como alugar um apartamento em Bruxelas e conseguir relógios de eletricidade e de água para quem não tem os documentos em ordem.

Para todas estas questões vitais para o recém-chegado é possível encontrar respostas nas igrejas, através de outros brasileiros que já tiveram esses problemas e podem comunicar suas experiências e seus “jeitinhos”. as mensagens fornecidas não têm nada de aber-tamente político ou, ainda menos, revolucionário. Mas não dizia alguém há 175 anos (antes de acrescentar seu celebre: a religião é o ópio do povo): A miséria religiosa é, por uma parte, a expressão da miséria real e, por outra, o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o calor de um mundo sem coração, como é o espírito de condições sociais, dos quais o espírito é excluído.

Que ligação têm os brasileiros com suas igrejas? Que papel têm estas em suas inserções? Pode surpreender que na realidade muitos brasileiros não tenham um apego exclusivo a uma única igreja, mas podem circular entre várias delas. a proximidade geo-gráfica facilita esta mobilidade. Se hoje não tem um culto na mi-nha igreja ‘habitual’ posso atravessar a rua e assistir numa outra igreja, onde vou encontrar algumas de minhas referências e... co-nhecidos brasileiros. as diferenças dogmáticas desaparecem diante das semelhanças comunitárias e sociais. O grupo religioso age aqui como um substituto do grupo familiar. Como todos os seus mem-bros se encontram numa situação parecida de desarraigamento,

pode-se encontrar nesse “ambiente familiar” interlocutores para exprimir, em seu idioma, suas alegrias, suas dores e suas saudades.

Uma questão se coloca, da mesma forma que, como para to-das as situações religiosas em migração: essas igrejas específicas favorecem a integração ou isolam seus membros da realidade bel-ga? além do papel que elas se atribuem, de que ajudam muitos brasileiros a ultrapassar situações difíceis ou mesmo a sobreviver, algumas dessas igrejas são etapas progressivas para a mistura. as-sim a grande comunidade Cristã Brasileira de anderlecht (rue des Deux gares) reúne um público internacional. Várias outras igrejas são igualmente ‘mistas’. lá se encontram, ao lado dos bra-sileiros, cidadãos portugueses ou originários das antigas colônias portuguesas na África negra ou ainda de outros países. O idioma português não é utilizado exclusivamente e dá lugar ao francês ou ao inglês. O francês pavoneia-se no letreiro em algumas fachadas. Para a incipiente segunda geração, o português muitas vezes não é o idioma de melhor compreensão. assim o ‘recuo’ sobre essas igrejas comunitárias pode também abrir portas sobre o ‘diferente’, ser ponte entre o ‘por lá’ e o ‘por aqui’.

Anne Morelli é historiadora, professora na ULB-Universidade Livre de Bruxelas, onde dirige o Centro Interdisciplinar dos Estudos das Re-ligiões e da Laicidade – CIERL. Um de seus cursos trata da História das igrejas cristãs contemporâneas. Entre suas obras sobre as minorias religiosas se destaca o livro lettre ouverte à la secte des adversaires des sectes (Carta aberta à seita dos adversários das seitas).

grupos espíritas criados por brasileiros na Bélgica e o movimento espírita belga

Fa b i o M e n d e s F u r ta d o

O movimento espírita é composto por membros que se unem em grupos para o estudo e a reflexão sobre as obras do fran-

cês allan Kardec. esses grupos espíritas não contam com nenhum tipo de apoio financeiro de outros órgãos.

em 1995 o brasileiro Franciso Bosco e sua esposa, Carolina Bosco, chegaram a Bruxelas por questões profissionais. espíritas desde criança, procuraram logo um grupo para continuar seus estudos espíritas. encontraram, assim, um grupo de amigos que se reuniam semanalmente na casa de um de seus participantes. Com o passar do tempo o grupo cresceu, os estudos e a prática da Filosofia espírita exigiram uma organização mais estruturada. Foi nesse momento que nasceu a ideia da criação de um centro de trabalho e estudos aberto ao público em Bruxelas. a ideia desse centro de estudos começou a se concretizar em fevereiro de 1996 quando alugou-se uma pequena sala. assim, o CeSaK-Centre d’études Spirites allan Kardec, o primeiro grupo espírita criado na Bélgica por brasileiros, se tornou oficialmente uma aSBl (as-

sociação sem fins lucrativos) em dezembro de 2000. atualmente encontra-se na rue louis Hap 134, em etterbeek, e conta com várias atividades semanais em francês.

em 2001 chegou à Bélgica Marcia alves, casada com o bel-ga luc Mary, nativo das ardenas. Desde a sua chegada sentia a necessidade de encontrar outros companheiros de ideal espírita, visto já ser espírita e membro do grupo Caminho da esperan-ça no rio de Janeiro. Por estar em auby-sur-Semois, longe dos grandes centros urbanos, levou vários anos para que isto acon-tecesse. em 2008 com a participação de uma amiga médica e outra enfermeira no Congresso de Medicina espiritualista em liège, o espiritismo veio à sua porta. Suas amigas solicitaram uma reunião de esclarecimentos que foi realizada em sua ca-sa, com a presença de 21 pessoas, para ouvir Jean-Paul evrard, presidente da União espírita Belga. assim, naquele dia nascia o groupe Philosophique Spirite ‘Nosso lar’, atuante na região de auby-sur-Semois.

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em 2005 um terceiro grupo espírita começa a se criar em tor-no de um grupo de amigos brasileiros que também se reuniam semanalmente em Saint gilles, Bruxelas. liderados pela brasilei-ra Flavia Veríssimo, um local foi alugado para acomodar o grupo nascente que crescia. Por volta de 2006 é criado o NeeCaFla – Núcleo de estudos espíritas Camille Flammarion. Com o crescer do grupo e de suas atividades, o NeeCaFla se torna uma aSBl em 2010, época em que o grupo contava com aproximadamen-te 10 membros ativos. atualmente encontra-se na rue d’albanie 103, em Saint-gilles, e promove diversas atividades semanais em português e em francês voltadas para o público.

esses grupos se integram e trabalham em conjunto com o mo-vimento espírita belga com a adesão à União espírita Belga, que se encontra na cidade de liège. a União espírita Belga realiza reuniões trimestrais para a reflexão e troca de experiências entre os diversos grupos espíritas existentes no país. a União espírita Belga foi criada em 1882 e mantém vivo o movimento espírita na Bél-

gica desde então. Os grupos CeSaK, NeeCaFla e Nosso lar, que foram criados por brasileiros, se únem ao movimento para o avanço das ideias espíritas neste país.

Por seu caráter livre e desprovido de hierarquias, o movimento espírita cresce pelo esforço e pela união de seus próprios membros. as atividades caritativas deste movimento se baseiam principal-mente no apoio moral e espiritual ao público participante. eventu-almente são realizadas atividades de caridade para dar apoio finan-ceiro a movimentos de auxílio ao próximo, como, por exemplo, o programa STOP Famine Corne de l’afrique e o grupo Coeurs SDF aSBl de liège.

Fabio Furtado é Engenheiro de Computação pela Universidade Fe-deral de São Carlos, atuando há vinte anos na área de desenvolvimen-to de sistemas no Brasil, França e Bélgica. Participa ativamente no Movimento Espírita Belga e é atualmente presidente do NEECAFLA – Núcleo de Estudos Espíritas Camille Flammarion em Bruxelas.

Deuses em exílio: notas biográficas de um candomblé na Bélgica a r n a u d H a l l o y

a princípio, nada predestinava alain, professor de Moral na cidade operária de la louvière, a tornar-se pai de santo e,

ainda menos, a abrir um terreiro de candomblé de caboclo em Carnières, pequena cidade valona situada próximo à cidade de Binche (conhecida por seu carnaval...). Mas os orixás lhe fixaram um outro rumo. é este percurso religioso fora do comum que pretendo relatar aqui. Todo texto biográfico, descrito em poucas linhas, encontra o desafio da escolha dos fatos a relatar, pois é nos detalhes de cada evento que se traça a trama de uma vida. Me contentarei, então, à imagem de um ‘story-bord’, em orientar a descrição naquilo que me parece terem sido os momentos de-terminantes do encontro entre alain e o mundo do candomblé.

alain é um ativo participante do carnaval de la louvière on-de desenvolveu muito cedo uma paixão pelo folclore. e foi esta paixão que o levou a viajar pela África e também pelo Brasil, on-de, em 1974, visitou pela primeira vez um terreiro de candomblé: ‘Achei engraçado... Para não dizer interessante... Sem mais’. após quatro anos, ele retornou ao Brasil, desta vez para visitar sua irmã, que havia se instalado na pequena cidade de alagoinhas, interior da Bahia. e foi durante esta segunda estadia que os eventos to-maram um rumo inesperado. Desta vez, o encontro com o can-domblé ocasionou-lhe uma verdadeira revelação espiritual: por várias vezes, alain apresentou sinais de uma ‘aproximação’– os signos precursores de uma possessão religiosa. esta situação era surpreendente pois, na época, era bastante difícil para um bran-co – salvo talvez alguns etnólogos! – ter acesso a estes cultos, e ainda mais raro que um estrangeiro fosse ‘tomado’ por uma divin-dade africana, no caso o orixá Oxóssi, a divindade da caça. esta

segunda viagem marcou o início de uma série de acontecimentos que impuseram a alain, na época ateu convicto, a integrar esta dimensão espiritual à sua própria existência.

entre os eventos importantes, podemos citar o episódio aconte-cido no dia 23 de abril de 1979, dia de São Jorge, no qual Oxóssi ‘se manifestou’ através de uma incorporação no meio da cozinha da casa dos pais de alain, que ficaram bastante impressionados com a cena. em decorrência deste evento, seus pais convenceram-no a consultar um psiquiatra. Para tranquilizá-los, alain foi consultar o doutor Jean Dierkens, professor emérito em psicologia médica na Universidade livre de Bruxelas (UlB), bastante conhecido na época por suas apresentações na televisão. O resultado dessa entrevista foi positivo, pois o eminente psicólogo encorajou alain a ‘insistir no erro’, ou seja, continuar a experiência, como conta alain com bastante humor.

Nos anos seguintes, alain realizou diversas viagens a alagoi-nhas e, a cada uma de suas visitas, ele ia gradativamente mer-gulhando no mundo do candomblé, desenvolvendo assim suas capacidades mediúnicas. Depois de uma década de frequência assídua, alain adquiriu o direito de abrir seu próprio terreiro e de iniciar seus próprios adeptos. Foi assim que pouco a pouco, e não sem dificuldades, ele edificou o que viria a ser o candomblé de caboclo de Carnières.

em consequência de uma série de decepções e dificuldades relacionais entre os membros da comunidade religiosa formada ao longo dos anos, alain decidiu fechar o terreiro de Carnières em 2000 e vender a casa familiar que abrigava o culto e também um museu dedicado à escravidão transatlântica e às religiões afro-

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-americanas. após vários anos de reflexão e hesitação, pontuadas por uma longa estada em Salvador e a abertura de um restauran-te brasileiro em Carnières, alain fundou uma nova casa de culto, desta vez em la louvière.

Como testemunham a breve história do terreiro de Carnières e também, numa escala mais ampla, a escravidão transatlântica, as crenças e práticas religiosas não têm nem fronteiras nem na-cionalidades: elas parecem, tanto quanto o ser humano desde há dezenas de milhares de anos, destinadas a migrar e a se transfor-mar ao longo dos encontros e das circunstâncias sócio-históricas. escolher a Bélgica como domicílio não é um negócio fácil para as entidades afro-brasileiras, mas este desafio foi vencido há mais de 30 anos por alain. e hoje ele pode contar também com o apoio

de seu companheiro brasileiro, ele próprio iniciado no candomblé. a eles eu exprimo aqui toda a minha admiração.

As informações mencionadas acima fazem parte de uma pesqui-sa etnográfica realizada no candomblé de Alain entre 1998 e 2000. Esta pesquisa resultou na redação de uma dissertação de Mestrado na Universidade Livre de Bruxelas (“Dieux en exil. adaptations et apprentissage rituel dans un candomblé de caboclo en Belgique”) e na publicação de um artigo (“Um candomblé na Bélgica. Traços etnográficos de uma tentativa de instalação e suas dificuldades”, na Revista de Antropologia – USP, 2004, 47(2): 453-493).

Arnaud Halloy é antropólogo na Universidade de Nice Sophia-An-tipolis.

Sobre os jesuítasJuarez Donizete ambires. ‘Jacob roland: um jesuíta flamengo na américa Portuguesa’.

Revista Brasileira de História, t. 25, n. 50, 2005, p. 201-216; Anais do Museu Paulista, I, 239-246 e II, 254-257; José de anchieta. Cartas, Informações, Fragmentos Históri-cos e Sermões. Belo Horizonte e São Paulo, 1988; Karl-Heinz arenz. De l’Alzette à l’Amazone. Jean-Philippe Bettendorff et les jésuites en Amazonie portugaise, Institut grand-ducal, luxembourg, 2008; Karl-Heinz arenz. “Do alzette ao amazonas: vida e obra do padre João Felipe Bettendorff (1625-1698)”. Revista Estudos Amazônicos, 5, 1, 2010, 25-78; João Felipe Bettendorff. Crônica da missão dos padres da Compa-nhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém, 1990; guillermo Furlong. Justo Van Suerck y su carta sobre Buenos Aires (1629). Buenos aires, 1963; Histoire du massacre de plusieurs religieux de S. Dominique, de S. François et de la Compagnie de Iesus…Item Diverses extraicts des Lettres escrites par aucuns de ladicte Compagnie, qui du Païs-bas ont esté envoyez aus Indes Occidentales en l’an 1615. Valenciennes, Ian Ver-vliet, 1620, p. 76-80; F. Kieckens. «Une sucrerie anversoise au Brésil à la fin du XVIe siècle. le vén. P. Joseph de anchieta S. J. et gaspar Schetz, seigneur de grobben-doncq’. Bulletin de la Société Royale de Géographie d’Anvers, 7, 1882, 467-499; Carl laga, ‘O engenho dos erasmos em São Vicente; resultado de pesquisa em arquivos belgas’. Estudos Históricos, Marília, I, 1963, 13-43; Serafim leite. História da Com-panhia de Jesus no Brasil. São Paulo, 2004; Manoel da Nóbrega. Cartas do Brasil. Belo Horizonte e São Paulo, 1988; eddy Stols. ‘Dutch and Flemish Victims of the Inquisition in Brazil’. Essays on Cultural Identity in Colonial Latin America, ed. Jan lechner. leiden, 1988, p. 43-62.

Sobre os capuchinhosFrançois Bontinck. Histoire du royaume du Kongo. lovaina, 1972; Jean Cuvelier. Het Ou-

d-Koninkrijk Kongo. Bruges, 194; Joseph De Munck. Kinkulu kia Nsi eto Kongo [His-tória do nosso País o Kongo]. Tumba (Kongo), 1956; gilberto Freyre. Casa-grande & senzala. Edição crítica. ed. guillermo giucci, enrique rodríguez larreta e edson Nery da Fonseca, Madri [1933] 2002; Heywood, linda M. e John Thornton. 2007. Central Africans, Atlantic Creoles, and the Foundation of the Americas. Cambridge, UK; Hildebrand, P. 1933. Een Vlaams martelaar in Oud-Kongo: Joris van Geel, Tielt; Kiddy, elizabeth W. 2005. Blacks of the Rosary: Memory and History in Minas Ge-rais. University Park, Pa; louis Jadin. ‘rivalités luso-néerlandaises du Sohio, Kongo, 1600-1675’. Bulletin de l’Institut Historique Belge de Rome., 1966, t. 37, 137-360; louis Jadin. L’Ancien Kongo et l’Angola, 1639-1655. Bruxelas, 1975; Souza, Marina de Mello e. 2002. Reis negros no Brasil escravista. História da festa de coroação de Rei Kongo. Belo Horizonte; Thornton, John. 1992. Africa and Africans in the Making of the Atlantic World. Cambridge, UK; John Thornton. The Kongolese Saint Anthony: Dona Beatriz Kimpa Vita and the Antonian Movement. Cambridge, UK., 1998; Jan Vansina. Les anciens royaumes de la savane. léopoldville-Kinshasa (Kongo), 1965.

Bibliografia geral da Parte 5

Sobre os beneditinosSaint-andré de Zevenkerken, loppem. arquivo, Fonds Van Caloen; Nouvelles bénédicti-

nes, 1895-1897, t. 12-14; gerard Van Caloen. ‘le Brésil vécu. Souvenir d’un vétéran des tropiques’. Bulletin des Missions, 1920-1923, 6, p. 13-16, 52-56, 94-98 e 138-140; gerard Van Caloen. Lettres intimes à sa famille. Bruges, 1933; gilberto Ferrez e Paulo F. Santos (eds.). Marc Ferrez, O Álbum da Avenida Central. São Paulo, 1983; emiel lamberts e.a. The Black International 1870-1878: the Holy See and militant catholicism in Europe. lovaina, 2002; alberto lamego. Efemérides da terra Goytacá, Livro II. Niterói, 1947; Christian Papeians de Morchoven. L’abbaye de Saint-André Zevenkerken, Un projet audacieux de Dom Gérard van Caloen. Tielt, 1998; Mateus ramalho rocha. O Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, 1590/1990. rio de Ja-neiro, 199; Mark Tierney e Filip Vandenbussche. Longing to belong. The Life of Dom Mayeul de Caigny. Trinidad, 2012; Jaci guilherme Vieira. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima. Boa Vista, 2007.

Sobre os premonstratensesBibliografia: godofredo Chantrain. História dos Premonstratenses Averbodienses e Jauen-

ses atuando no Brasil, 1896-2006. Idem, Florilégio Premonstratense, Pirapora, 2008; Maurice gaspar. Les Prémontrés Belges et les Missions Étrangères. lovaina, 1905; Maurice gaspar. Dans le sertão de Minas. lovaina, 1910; Maurice gaspar. Trente années d’Apostolat au Brésil par les Prémontrés du Parc. Malines, 1930; Beatriz ana loner e lorena almeida gill. ‘rio grande do Sul no nascer do século XX: Jaguarão e a fronteira brasileira pelos olhos de um padre belga’. Estudos Ibero-Americanos, 2012, 38, 253-268; Hubert Peffer. Trois mois dans l’Etat du Parana au Brésil. lovaina, 1908; Hubert Peffer. Aux capitalistes et industriels belges, comment résoudre la question du fer au Brésil? Une solution? lovaina, 1908; Hubert Peffer. Une conférence sur le Brésil, L’avenir d’un grand pays. lovaina, 1911; Thomas Schoenaers. Drie jaar in Brazilië. averbode, 1904, 2 t. Três anos no Brasil, ed. e trad. de eduardo Álvares de Souza Soares e Cornelis Van Ommeren. Pelotas, educat, 2003.

Sobre outras ordensJ. De Klerck. Brazilië, het land der toekomst. Borgerhout, 1944; Daniël Verhelst e Hyacint

Daniëls. Scheut hier et aujourd’hui, 1862-1987. lovaina, leuven U. P., 1993.

Sobre Júlio Maria de lombaerdeDiário missionário do Pe. Júlio Maria. Trad. Demerval alves Botelho. Belo Horizonte,

1991; Júlio Maria de lombaerde. Romance de um missionário no Amazonas. Trad. Ivan Fornazier Cavalieri. Belo Horizonte, 1991; anne Marie goderis. Het leven, het werk, de figuur van Padre Julio Maria de Lombaerde. antuérpia, 1984; antônio af-fonso de Miranda. Padre Júlio Maria, sua vida e sua missão. Belo Horizonte, 1991.

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Sobre José Moreauarquivo Saint-andré, Fonds Van Caloen, liasse Moreau; arquivo relações exteriores,

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Sobre Maristelaa. audrá. Maristela: O Convento da Trapa. rio de Janeiro: livraria José Olympio editora,

1951; l. a. gaffre. Visions du Brésil. Paris, aillaud, alves e Cia., 1912; J. P. limongi. ‘O Trabalhador Nacional’. Boletim do D.E.T. Secretaria da agricultura, Comércio e Obras Públicas do estado de São Paulo. São Paulo: Typografia Brasil de rothschild e Cia., ano 05, n. 20, 3º trimestre de 1916.

Sobre OrvalMarcel anfray, L’Abbaye d’Orval. Paris, Picard, 1939; P.- C. grégoire. L’Abbaye d’Orval au

fil des siècles. Metz, Serpeniose, 2002; Orval 1070-1970. Neuf siècles d’histoire. Orval, 1970; P. rion. ‘l’abbaye d’Orval comme projet de société’. l. Van Ypersele en a.-D. Marcelis eds. Rêves de chrétienté. Réalités du monde. Imaginaires catholiques. Actes du colloque, Louvain-la-Neuve, 4-6 novembre 1999. 2001, 129-140; C. Soetens dir. Orval 1926-1948. Entre restauration et résurrection. arca, louvain-la-Neuve, 2001; Nicolas Tillière, Histoire de l’abbaye d’Orval. Namur, Delvaux, 1897.

Sobre as freiras belgasInformações fornecidas pelas irmãs vicentinas Thereza Confortin e Suzanne Smedts em

1975; lira, Maria Helena Câmara. Academia das santas virtudes: a educação do corpo feminino pelas Beneditinas missionárias nas primeiras décadas do século XX. recife: Maria Helena Câmara lira, 2009; Mesquita, Madre Tarcísia P. As Damas Cristãs no Brasil: 1896-1996. recife: Damas Cristãs, 1996. O livro da madre Tarcísia de Masquita foi elaborado a partir de documentos originais manuscritos existentes no colégio do recife: Itinerário da Viagem, Diário da Casa da Sagrada Família de Olinda e diversas cartas enviadas para a Bélgica pelas fundadoras do colégio de Olinda; Nunes e Silva, ramsés. ‘as Damas da Instrução Cristã no Brasil da Transição Secular: 1897-1912’. IX Seminário ‘História, Sociedade e educação no Brasil’. Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012; Santos, Carla adriane arrieira dos. Co-légio Regina Mundi: A Construção de uma identidade (1967-1970). Maringá, 2012; Yves Segers e. a. 150 jaar Zusters van het Heilig Hart van Maria van Berlaar, 1845-1995. lovaina, Kadoc, 1995; F. Van den Berghe, J. Van den Heuvel e g. Verhelst. De Zwartzusters van Brugge. Bruges, ed. Marc Can de Wiele, 1986. Quelques notes sur les débuts de la province brésilienne de la Congrégation de Saint-André, cópia re-cebida da sua sede em ramegnies-Chin.

Sobre o jocismoana Maria de Bidegain. La organización de movimientos de juventud de acción católica en

América Latina. Los casos de los obreros y interuniversitários en Brasil y en Colombia entre 1930-1955. louvain-la-Neuve, 1979 ; Kadoc jaarboek 1982. Cardijn. Een mens, een beweging. leuven, 1982; Kadoc, lovaina, arquivo Cardijn, 388/1, rapport van 1936; 1433, diário de viagem de Cardijn, outubro de 1948; Juventude Trabalhado-ra, abril de 1956; 924, diário de Denise Verschueren e suas cartas de 21.03.1955 e 19.12.1953; 884, Pour une promotion d’une JOC véritable latino-laméricaine; Carta de Bartolo Perez, 15.05.1986; C. Ortiz. Ação católica e jocismo. Taubaté, 1936; entre-vistas com Yolande Bettencourt, 22.05.1986; com Denise Verschueren, 21.03.1986 e 09.07.1986; com angelina de Oliveira, 15.04.1986; com Jacques Jerome, 03.03.1986; M. P. Carvalheira. ‘Momentos históricos e desdobramentos da ação católica brasilei-ra’. ed. leonardo Boff, Os 50 anos da JOC, Revista Eclesiástica Brasileira, 1983, 43, fasc. 169, p. 10-28; JOCI, dossiê relações internacionais, cartas de Jacques Jerome, 09.05.1955 e 16.07.1956; Denise Verschueren. ‘Je les appelle’. Perspectives de catho-licité, 22-23, 1963-1964, p.11-14.

Sobre Uniapaclouis Brouwers. Vijftig jaar christelijke werkgeversbeweging in België / Responsables chré-

tiens d’entreprises: cinquante ans d’histoire. Bruxelas, 1974, 2 t.; Declaração de Princí-pios da Associação de Dirigentes Cristãos De Empresa (A.D.C.E.), São Paulo 17 ago. 1961; Joseph B. gremillion. The catholic movement of employers and managers. A study of Uniapac. rome, gregorian University Press, 1961; Forum Européen sur l’Amé-rique Latine. Palais des congrès, Bruxelles, 21-23 novembre 1962. Haia, 1963 ; Towards international solidarity. XIIe World congress of Uniapac. Mexico, 20-23 october 1964; rik Vemeire. Een wereld in wording/Un monde à construire. Brussel, 1968; KaDOC: arquivo andré Vlerick, 4.3.14.4.3 e arquivo rik Vermeire, 21-25.

Bibliografia sobre a maçonaria e o livre-pensamentoBulletin de l’Association Maçonnique Internationale, nº 32, 1930, p. 31; nº 34, 1930, p. 4;

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Sobre os espíritasWebsites: União espírita Belga: http://www.spirite.be; NeeCaFla aSBl: http://www.

neecafla.be; CeSaK aSBl: http://bruxelles.cesak.org

Sobre o candombléarnaud Halloy. ‘Um candomblé na Bélgica. Traços etnográficos de uma tentativa de insta-

lação e suas dificuldades’. Revista de Antropologia-USP, 2004, 47(2): 453-493.

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