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3 1 INTRODUÇÃO O fenômeno social, da população de rua, é um problema que vem crescendo no Brasil ao longo do ultimo século. Tal questão apresenta suas raízes no inicio do século XIX, no entanto foi na atualidade que se verificou índices mais alarmantes. Sob essa ótica esse relatório demonstrara o problema de uma maneira geral, dando ênfase nas omissões estatais frente à causa, e da não observação das políticas publicas acerca da moradia digna desse grupo minoritário. Sendo assim o objetivo do presente trabalho é mostrar que o tema é de extrema relevância, haja vista que moradia digna é uma previsão constitucional, além de estar descrita na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e mais que qualquer previsão legislativa, viver com dignidade é condição essencial a todo e qualquer ser humano. Para uma maior compreensão acerca do tema, será feito a descrição do perfil dos moradores de rua bem como o seu comportamento na atualidade, além de um breve histórico acerca do fenômeno social e de sua problemática. Subseqüentemente será elaborado um confronto de ideias entre a análise de dados e a realidade vivida, tendo como referência a pesquisa de campo realizada. Para o enriquecimento do relatório, a metodologia utilizada se valeu de uma pesquisa bibliográfica minuciosa, e uma pesquisa

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1 INTRODUÇÃO

O fenômeno social, da população de rua, é um problema que vem crescendo no

Brasil ao longo do ultimo século. Tal questão apresenta suas raízes no inicio do

século XIX, no entanto foi na atualidade que se verificou índices mais alarmantes.

Sob essa ótica esse relatório demonstrara o problema de uma maneira geral, dando

ênfase nas omissões estatais frente à causa, e da não observação das políticas

publicas acerca da moradia digna desse grupo minoritário.

Sendo assim o objetivo do presente trabalho é mostrar que o tema é de extrema

relevância, haja vista que moradia digna é uma previsão constitucional, além de

estar descrita na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e mais que qualquer

previsão legislativa, viver com dignidade é condição essencial a todo e qualquer ser

humano.

Para uma maior compreensão acerca do tema, será feito a descrição do perfil dos

moradores de rua bem como o seu comportamento na atualidade, além de um breve

histórico acerca do fenômeno social e de sua problemática. Subseqüentemente será

elaborado um confronto de ideias entre a análise de dados e a realidade vivida,

tendo como referência a pesquisa de campo realizada.

Para o enriquecimento do relatório, a metodologia utilizada se valeu de uma

pesquisa bibliográfica minuciosa, e uma pesquisa de campo realizada na ONG

Cidade Refúgio para Moradores de Ruas, que luta pela tutela jurídica desse grupo

minoritário em análise.

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2 REFERÊNCIAL TEÓRICO

Os Direitos humanos também conhecidos como direitos subjetivos públicos, direitos

do homem e direitos individuais, é resultado de um longo processo evolutivo que

teve origem em diversas circunstâncias, caracterizados por lutas contra o poder e a

opressão dos soberanos através dos séculos. Sendo assim os direitos humanos não

surgiram todos de uma só vez, eles foram sendo descobertos e declarados de

acordo com transformações,que ocorreram na civilização humana no decorrer dos

tempos.

A necessidade de proteger os direitos inerentes ao individuo, foi o que impulsionou o

surgimento de diversas revoluções, pois para a sociedade a construção de um

mundo justo e igualitário dava-se apenas quando esses diretos eram respeitados.

Historiadores como Dirceu Siqueira e Miguel Piccirillo,acreditam que os direitos

humanos já eram observados na Antiguidade Clássica, quando na Grécia Antiga, o

direito natural em algumas ocasiões era superior ao direito positivo.Como exemplo

disto pode-se citar a peça Antígona, de Sófocles, onde Antígona usava leis

imutáveis contra a lei particular que a impedia de enterrar o seu irmão. Outra

manifestação de proteção dos direitos humanos deu-se no inicio do cristianismo

onde o individuo passou a ser dotado de valor,por assemelhar-se à figura de Deus.

Porém tanto na Antiguidade clássica, quanto no período do inicio do Cristianismo a

proteção desses direitos era de certa forma mínima, uma vez que a pratica da

escravidão, e a segregação por classe e sexo eram comuns na sociedade dessa

época.

Foi na Idade Media que houve um salto em relação à proteção dos direitos

humanos, mais precisamente no século XII, com a publicação da Carta Magna por

João Sem Terra. Esse documento foi de extrema importância, pois reconheceu

vários direitos como a liberdade à propriedade privada, a liberdade de ir e vir,

liberdade de expressão e a desvinculação da lei a figura do monarca. Esses direitos

que vieram com a Magna Carta são os chamados de Direitos Humanos de primeira

geração.

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Em quatro de julho de 1776 foi elaborada a Declaração de Independência dos

Estados Unidos na qual os direitos a vida, a liberdade, e a busca pela felicidade

eram direitos inalienáveis de todos os homens, pois os mesmos eram iguais perante

á Deus, e por isso mereciam ser tratados com o mesmo respeito e igualdade.

Com o Welfare-States urgido no século XX,vieram os famosos direitos sociais, ou

diretos de segunda geração, que compreendem a educação, cultura, habitação,

saúde, lazer, entre outros. Essa corrente de direitos foi impulsionada pela Revolução

Industrial européia, e tem como principais documentos o Tratado de Versalhes, e a

Constituição de Weimar da Alemanha.

A declaração da terceira geração de direitos fundamentais ocorreu logo após a

Segunda Guerra Mundial, onde inúmeras atrocidades foram cometidas contra os

seres humanos. Essa geração de direitos engloba os direitos à paz, qualidade de

vida saudável, à proteção ao consumidor, e à preservação do meio-ambiente.

Seguindo essa mesma corrente, em 10de Dezembro de 1948, a Assembléia Geral

das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que

como o próprio nome já diz são declaratórios, ou seja, não foram criados, já são

inerentes ao individuo:

Esses direitos declarados são os que derivam da natureza humana, são

naturais, portanto. Ora, vinculados à natureza, necessariamente são abstratos,

são do homem, e não apenas de franceses, de ingleses etc. São imprescritíveis,

não se perdem como o passar do tempo, pois se prendem á natureza imutável

do ser humano. São inalienáveis, pois ninguém pode abrir mão da própria

natureza. São individuais, porque cada ser humano é um ente perfeito e

completo, mesmo se considerado isoladamente, independentemente da

comunidade (não é um ser social que só se completa na vida em sociedade).

Por essas mesmas razões, são eles universais – pertencem a todos os homens,

em consequência estendem-se por todo o campo aberto ao ser humano,

potencialmente o universo. (Bertramello 2013)

Com essa declaração, os direitos Humanos passaram a ganhar destaque, tanto na

esfera internacional, quanto no ordenamento jurídico interno de cada Estado.Um

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desses estados foi o Brasil que inseriu em seu texto constitucional os preceitos da

Declaração Universal dos Direitos Humanos, como direitos fundamentais. Para

Fernandes (2013, p. 311) os direitos fundamentais são todos aqueles direitos

positivados e protegidos pelo Direito Constitucional interno de cada Estado. O

ordenamento jurídico brasileiro adotou uma teoria literal dos direitos fundamentais,

os agrupando e organizando em cinco estruturas, compreendendo: os direitos

individuais e coletivos, os sociais, de nacionalidade, os políticos, e os de

organização em partidos políticos.

Dentre os direitos fundamentais a nossa Constituição Federal (1988)deu uma

atenção especial quanto aos direitos sociais, estabelecendo uma série de

dispositivos que assegurassem ao cidadão todo o básico e necessário para uma

existência digna.Para isso aprofunda José Afonso da Silva que os direitos sociais

são:

Prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. (SILVA, 2009, p. 286-287)

Após a promulgação da emenda constitucional de numero 26 no ano de 2000, que

será retratada posteriormente, o direito a moradia,mesmo já sendo um direito

previsto implicitamente, foi inserido na Constituição Federal, o tornando assim,

necessário e inquestionável para gerar a igualdade dentre os brasileiros.

Partindo desse ponto, o direito à moradia é um direito social, sem o qual não há a

proteção à dignidade do ser humano, e para isso Carbonari advoga que:

A proteção da dignidade humana deve efetivar-se em vários aspectos: naqueles que dizem respeito a saúde, alimentação, educação, lazer, moradia, os quais envolvem uma complexidade de situações e peculiaridades. (CARBONARI, 2007, pag. 35)

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O site do Centro em Referência em Direitos Humanos¹ Considera sem moradia

digna a população que não possua um lar, e que vivam nas ruas, ou aquela parte da

população que não contam com infraestrutura básica como água, esgoto e coleta de

lixo para ter habitação de qualidade. Ainda segundo o site, dentre as pessoas sem

uma moradia digna destaca-se a população de rua, grupo heterogêneo composto de

pessoas de diferentes realidades cuja renda per capita é inferior à linha de pobreza,

que não possuem domicílio e pernoitam nos logradouros da cidade, nos albergues

ou qualquer outro lugar não destinado à habitação.

Por ser um fenômeno recorrente das grandes cidades, os mendigos ou pedintes

como são chamados em geral a população de rua, deixaram de ser notados

por parte da população, que se tornaram indiferentes ao problema social. É o

que relata Delano Augusto Corrêa de Almeida:

Para indivíduos que caem no esquecimento da própria sociedade. Tornam-se invisíveis aos olhos dos cidadãos, ora provocando estranheza como se não fossem seres humanos ora piedade. Estereotipados em imagens de pessoas sujas, fedorentas, doentes, viciadas, criminosas e violentas. (ALMEIDA, 2011, p.80)

Em artigo publicado em 2010, pelo professor da Faculdade de Filosofia da

USP,José de Souza Martins,os moradores de rua são considerados migrantes

temporários, morando em condições precaríssimas em favelas e cortiços, e com

uma modalidade extrema e dramática de desempregado, com pouca chance de

ressurreição (MARTINS, 2010).

Sendo assim o respeito ao direito a moradia digna, passou a ser objeto de ampla

proteção estatal, fato que será demonstrando com mais detalhes no tópico a seguir.

_____________________________

¹http://www.uniaoplanetaria.org.br/direitoshumanos/seus-direitos/direitos-dos-moradores-de-rua

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3 MARCO LEGAL E JURISPRUDENCIAL

A moradia adequada é um direito humano universal. Foi previsto inicialmente em

1948 com a declaração Universal dos Direitos Humanos. A partir desta previsão este

direito passou a ser aplicável em todo o mundo como direito fundamental. Surgiram,

a partir de então, tratados internacionais que reafirmaram a obrigação dos Estados

signatários em promover e manter este direito. O direito a moradia nos dias atuais

está previsto em mais de 12 textos diferentes da ONU.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece um padrão de vida

mínimocomo direito de qualquer cidadão e inclui como forma de alcançá-lo, o

requisito de direito a moradia equiparada com a habitação.

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.  (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948)

Foi em 1966 com o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

que a declaração de direito à moradia passou a ser uma declaração normativa de

força obrigatória e coativa. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais (PIDESC) é um tratado multilateral adotado pela Assembleia Geral das

Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966 e entrou em vigor desde 3 de janeiro

de 1976.O PIDESC é parte da Carta Internacional dos Direitos Humanos,

juntamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP). O PIDESC reafirmou o

reconhecimento de um direito de moradia universalmente assegurado e impôs aos

Estados signatários que ratificassem. O Brasil teve em 1992 o último documento

ratificado através do Decreto nº 591 reconhecendo de forma inequívoca o direito a

moradia no plano interno do nosso Direito.

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O Brasil, através da Constituição da República, em 1988 internalizou este direto

dentre os chamados direitos sociais no Art 6º como um direito social básico do

individuo:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988)

Em 15 de fevereiro de 2000 a moradia passou a constar expressa, autônoma e

formalmente do rol de direitos fundamentais de nossa Constituição, pois a emenda

de n. 26 alterou a redação original do artigo 6º para passar a enunciar o seguinte:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988)

Existem ainda diversos diplomas legais que garantem e regulamenta o direito a

moradia nas esferas federal, estadual, distrital e municipal além de programas

habitacionais implantados pelo governo federal como, por exemplo, Programa Minha

Casa Minha vida, Sistema Financeiro de Habitação (SFH) Programa de

Arrendamento Residencial (PAR) entre outros.

Existem ainda, nas normas constitucionais, previsões implícitas da proteção ao

direito à moradia tais como as que fazem a vinculação da propriedade à sua função

social bem como a necessidade de o salário-mínimo ser suficiente para custear as

despesas com moradia e ainda a competência comum dos entes federativos para

“promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições

habitacionais e de saneamento dentre outras”.

Em 2001 foi aprovado e promulgado o Estatuto da Cidade, lei 10.257/2001 e

também a Medida Provisória 2.220. Nesta Medida Provisória foi incluído em 2007

no Código Civil o direito real de uso especial para fins de moradia.

Art. 1o - Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam

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o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. (BRASIL, 2001)

O Estatuto da Cidade prevê uma série de instrumentos urbanísticos que concernem

direta ou indiretamente ao direito à moradia, seu artigo 2º, I e XIV, expressamente

aponta como diretriz a ser seguida pelo desenvolvimento das funções sociais da

cidade e da propriedade urbana, a garantia do direito à terra urbana e à moradia,

assim como a regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por

populações de baixa renda.

Dentre os diplomas legais referentes ao direito a moradia, temos também artigo 1º

da Medida Provisória n. 2.220, por sua vez, estabelece requisitos para a concessão

de uso especial para fins de moradia aos possuidores de imóveis públicos até a data

de 30 de junho de 2001 que estivessem nessa condição há mais de cinco anos.

 Art. 1o  Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. (BRASIL, 2002)

Em 23 de dezembro de 2009 com o Decreto nº 7053 o Brasil institui a Política

Nacional para a População em situação de rua:

Parágrafo único:  Para fins deste Decreto, considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória. (BRASIL, 2009)

Constatamos, portanto, existência em tese de um considerável arcabouço normativo

a proteger o direito à moradia.

  

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4 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

O fenômeno social, acerca dos moradores de rua no Brasil tem seu início ligado á

inconstância econômica do pais. Tal situação se arrastou por todo o século XIX,

quando pessoas se deslocavam aos grandes centros á procura de melhores

condições de vida.

O grande número de moradores de rua é reflexo dos movimentos migratórios

internos, que ocorreram no Brasil no século XIX, estes movimentos atenderam

principalmente a questões econômicas e sociais. Um exemplo de migração foi a que

ocorreu devido às secas que assolaram o Nordeste brasileiro na década de 1960,

esta fez com que milhares de pessoas abandonassem suas casas no sertão

brasileiro por falta de alternativa agrícola e políticas sociais na região. Outro exemplo

histórico foi a migração de nordestinos para a região Norte do Brasil no fim do século

XIX, esta se deu por dois motivos: o início do Ciclo da Borracha, e a grande seca

que assolou a região Nordeste. A elevada taxa de urbanização (72,8) na Região

sudeste, em 1970, foi o fator que mais contribuiu para transformar o Brasil em pais

urbano, ou seja, sua população urbana (56%) superou a rural (44%).

Nos censos de 1960 e 1970, apenas a Região Sudeste aparecia como urbana. Foi

só a partir do Censo de 1980 que as demais regiões se incluíram nessa categoria,

de acordo com o IBGE.

No inicio do século XX com a multiplicação do setor industrial no Brasil na região

sudeste, foi grande a imigração interna aos grandes centros urbanos em busca de

emprego. A princípio, as grandes cidades ofereciam condições de vida vantajosas,

emprego na indústria, na construção civil, melhorias na saúde e educação, desta

maneira atraia- se a população rural. Entretanto esse crescimento da população

urbana foi muito rápido e não foi acompanhado com a necessária criação de

políticas públicas, capazes de se garantir uma existência digna aos novos

moradores dos grandes centros, há difusão de uma enorme desigualdade social e

começam a se formar favelas nas periferias das grandes cidades. Segundo o IBGE,

em 2000, o percentual de população urbana elevou-se para 81,2, bem próximo dos

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percentuais encontrados em países desenvolvidos 137,6 milhões de pessoas viviam

em áreas urbanas no Brasil.

Com o passar dos anos e terminada a necessidade de se ter uma mão de obra não

qualificada, há um enorme crescimento de pessoas desempregadas, agora o

mercado passa a ser mais exigente e seleciona quais pessoas serão empregadas,

há uma procura por trabalhadores qualificados. Como consequência dessa nova

exigência, surgem famílias inteiras que se transformam em moradores de rua,

pessoas essas que vieram as metrópoles em busca de melhores condições de vida

e agora passam fome e vivem a margem da sociedade.

Atualmente no Brasil há cerca de 192 milhões de habitantes, segundo o CENSO do

IBGE. Entre 0,6% à 1% são população de rua.

Em Pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate á

Fome em Abril de 2008 foram identificadas quase 32 mil pessoas vivendo em

situação de rua, foram pesquisadas 71 cidades brasileiras. Desse total, fizeram parte

48 municípios com mais de 300 mil habitantes e 23 capitais, independentemente de

seu porte populacional.

Segundo a pesquisa essas pessoas vivem em calçadas, praças rodovias, parques,

viadutos, prédios abandonados, ou pernoitando em albergues ou abrigos. Os dados

estatísticos também mostram que a população em situação de rua é predominante

masculinas sendo 82% do total. Em relação á escolaridade, 74% dos entrevistados

sabem ler e escrever tendo a maioria estudado até o 1° Grau incompleto, 35,5%

disseram que os motivos por estarem ali se referem a problemas com alcoolismo e

drogas, 29,5% por causa do desemprego e 29,1% por causa de desavenças

familiares. Os municípios brasileiros que possuem mais moradores em situação de

rua são: Rio de Janeiro (4.585), Salvador (3.289), Curitiba (2.776), Brasília (1.734),

Fortaleza (1.701), São José dos Campos (1.633), Campinas (1.027), Santos (713),

Nova Iguaçu (649), Juiz de Fora (607) e Goiânia (563).

Diante dos diferentes perfis dos moradores de rua há uma dificuldade em se realizar

políticas públicas que atendam as diferentes particularidades. Desse modo na

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tentativa de resolver esse impasse, está sendo feito na cidade de Belo Horizonte

uma pesquisa com parceira entre Prefeitura e a Universidade Federal de Minas

(UFMG), esta fará o levantamento do número de moradores de rua na capital

mineira. O censo vai também traçar características desta parcela da população, com

o objetivo de aprimorar políticas públicas. Segundo a coordenadora Soraya Romina,

o trabalho de campo será feito por cerca de 20 equipes, constituídas por estudantes

de medicina, ciências humanas, técnicos da prefeitura e pessoas que já viveram a

trajetória de rua e superaram esta condição. Ao todo o trabalho deve envolver 200

pesquisadores. A abordagem será feita embaixo de viadutos e marquises, nas ruas,

em abrigos e albergues da capital mineira. A partir da coleta de dados, o governo do

município afirma que será possível aprimorar as políticas na área de segurança

alimentar e nutricional, de acolhimento institucional, como vagas em abrigos,

albergues e repúblicas, de saúde e de habitação.

Devido a ineficácia das políticas públicas, historicamente se destacou o trabalho das

Organizações Não Governamentais (ONGs) e das Instituições religiosas. Como

exemplo temos a instituição Cidade Refugio para moradores de rua, situada em Belo

Horizonte. Este abrigo foi criado pelo pastor Júlio Flávio Lacerda em 2007 e hoje

atende cerca de cento e cinquenta homens que viviam nas ruas. Além de oferecer

alimentação, auxilio a saúde e outras condições básicas de existência eles também

oferecem cursos de capacitação profissional aos seus moradores.

Tais políticas, cujo objetivo é amparar as pessoas que delas necessitam, são

insuficientes e geralmente não atacam a causa do problema, apenas tentam suprir

as necessidades básicas de sobrevivência.

Portanto, esse desinteresse do Estado pelas pessoas que se encontram na referida

situação influencia diretamente no comportamento da sociedade, sendo que os

moradores de rua são tratados ora com compaixão, ora são expostos à violência,

ora se quer são lembrados, sendo tratados com grande indiferença.

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5 CRUZAMENTO E ANÁLISE DE DADOS

Como podemos observar no presente trabalho, temos entre os vários avanços

proporcionados pelo desenvolvimento das garantias trazidas ao longo da história

pelos Direitos Humanos, o direito à moradia digna, como um dos componentes

fundamentais para que se garanta a plenitude dos direitos sociais, bem como levá-lo

em consideração como proteção e dignidade da pessoa humana.

É de se destacar também, que podemos contar atualmente com um relevante

conteúdo teórico-científico, assim como legislação e jurisprudência, que vem no

sentido de defender tanto os que ainda necessitam da moradia digna, e ainda não

conquistaram esse direito, mas encontram-se alcançados por algum programa

estatal, ou de alguma outra estrutura social cuja posse de alguma modalidade de

moradia, mesmo que de forma precária, poderá futuramente se transformar em

posse definitiva, como prevê a nossa própria Constituição de 1988 e o Estatuto das

Cidades. Como proteger também aqueles que têm essa necessidade, porém estão

em uma posição muito menos privilegiados socialmente, são os que se apresentam

abaixo da linha de pobreza, e por vários fatores e características, estão em uma

posição mais distanciada no que diz respeito a serem alcançados pelo direito,

inalienável, da moradia digna.

Fenômeno crescente, principalmente nos grandes centros urbanos, os moradores

em situação de rua por vezes tratados como ”invisíveis”, ignorados, simplesmente

como se não fossem pessoas merecedoras de tratamento digno tanto por parte da

sociedade como por parte do estado, que quando não ignoram totalmente os tratam

como “sub-cidadãos”, rotulando-os como mendigos, fedorentos, drogados, pedintes,

entre outros. Porem esses mesmos estereótipos e rotulações vêm de certa forma se

transformando na mesma proporção que tal fenômeno crescente vem mudando seu

próprio perfil de atuação, como consequência do desenvolvimento da atual fase da

sociedade capitalista já no século XXI, tendo na acentuação das causas da pobreza

e da miséria, tendo como uma das consequências a moradia dessa parcela da

população em condições de quase absoluta precariedade, ocupando logradouros

públicos, se afastando cada vez mais do que conhecemos como vida digna.

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Infelizmente alguns dos principais fatores ao qual podemos conferir no que se trata

dessa “invisibilidade” dessa significante parcela da população em situação de rua

são a ineficácia e a omissão do aparelho estatal, em todos os níveis (União, Estados

e Municípios) o que vem abrindo espaço para a atuação das ONGs e outras

instituições que vem, mesmo que de forma precária atuando na tentativa de corrigir

esse erro histórico na preservação e garantia dos Direitos Humanos e dignidade que

vem sendo negado a essa parcela da população.

Nesse contexto, tanto Estado como Sociedade, podem e devem exercer papeis

diferentes no que se refere aos moradores em situação de rua, tanto no

levantamento e compreensão de quais são as causas que faz desse fenômeno uma

realidade crescente, como um primeiro passo, para modificar o olhar e a atuação, de

forma positiva e transformadora em uma nova realidade que traga mais dignidade

para as pessoas e para a própria cidade de forma geral.

Como podemos ver a existência fundamental de uma normatização sistematizada

pelo poder estatal, e importante no que diz respeito à garantia de moradia digna, no

que se refere essencialmente a fração populacional totalmente desassistida, não

tem surtido na prática políticas que tenham sido praticadas com o êxito que seria

razoavelmente desejável pela sociedade, em consonância com o nosso sistema

constitucional vigente, como norma garantidora fundamental.

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6 CONCLUSÃO

A sociedade Brasileira é marcada por desigualdades sociais que afetam uma grande

parte de sua população. Nesse contexto apresentamos a população em situação de

rua, e evidenciamos que esta parcela de nossa sociedade vem aumentando

consideravelmente como mostra as pesquisas consultadas.

Evidenciamos também que a existência de mecanismos públicos previstos para

atender ou solucionar estes problemas ainda são precários e incapazes de

atenderem esta demanda. Como cidadãos nossa legislação lhes atribuem direitos

que garantem a igualdade e a dignidade de todas as pessoas. Contudo, estas

pessoas, muitas vezes não conseguem ter seu valor humano garantido.

Existem projetos e pesquisas que estão sendo elaborados para identificar as

particularidades referentes a estas pessoas para quantificar e facilitar novas

medidas de aprimoramento.

O que a Constituição e as leis definem como direito são, muitas vezes, violados pelo

próprio Estado através de seus servidores ou através de políticas públicas que

restringem o acesso a saúde, a segurança e ao trabalho. O Estado atua com

desinteresse por estas pessoas e acaba por influenciar o comportamento da

sociedade gerando desrespeito e até violência contra esta camada da população.

O presente trabalho mostrou que a moradia digna é condição para dignidade

humana e está atrelado a direitos e garantias sociais tais como o trabalho, a

educação e a saúde, sem os quais não é possível viver dignamente.

As políticas públicas existentes em nosso país, embora criadas para concretizar os

direitos na vida destas pessoas são ainda insuficientes e mal aplicadas, visto que

não encontram apoio necessário do poder público, que deveria providenciar verbas

e assegurar os demais direitos necessários para que uma pessoa possa viver e

habitar dignamente.

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ANEXO

Page 19: Parte Textual Corrigida, Paty

21

ENTREVISTA REALIZADA NA PESQUISA DE CAMPO NA ONG CIDADE

REFÚGIO PARA MORADORES DE RUA

Direção: Pr. Júlio Flávio Lacerda

Entrevistada: Flávia Eller – Psicóloga e coordenadora do projeto

Depoimento do Acolhido: Paulo

1 – GRUPO: Como e por quem foi criada a ONG?

FLÁVIA: Fundada em 2007, por Júlio Flávio Lacerda, ex-usuário de drogas, hoje

casado, 45 anos, pastor integral com um chamado de Deus. Que tem no coração

uma vontade enorme de fazer algo por aqueles que ficavam a margem da

sociedade, no caso os moradores de rua.

Para que isso acontecesse, ele morou por três dias nas ruas de Belo Horizonte, sem

banho, comida, passou frio, sede, ficou sem ter um banheiro pra usar e com muito

medo. Precisava saber na realidade, o que essas pessoas passavam. E com todas

as pragas de rua, a maior dificuldade foi o desprezo. A falta de cidadania mesmo. O

que fez com que amasse ainda mais cada morador de rua, pois percebeu que em

cada um deles existia uma decepção, uma ausência, uma frustração, uma dor.

2 – GRUPO: O que leva essas pessoas à rua?

FLÁVIA: Eles não estão na rua por que querem. A grande e maior parte é devido a

dependência do álcool, drogas, decepção com a família.

3 – GRUPO: Além da falta de moradia, a fome, o frio, quais são os maiores

problemas enfrentados por eles?

FLÁVIA:As pragas, doenças e principalmente o crime, etc.

4 – GRUPO: As estatísticas que são mostradas pela impressa com a realidade?

Page 20: Parte Textual Corrigida, Paty

22

FLÁVIA: Não. A realidade é que hoje em são três mil moradores de rua, segundo

dados de 2005. Está previsto uma nova pesquisa ainda pra este ano, que

provavelmente deverá ser muito superior a isso.

5 – GRUPO: Como vocês têm acesso aos que são acolhidos? Vocês os

buscam nas ruas?

FLÁVIA: Não temos equipe suficiente. Por isso, não fazemos abordagens nas ruas,

normalmente eles mesmos veem até a ONG,ou são trazidos pelos próprios

familiares que os encontram perambulando, pelos serviços sociais de hospitais, mas

a maior parte é trazida pelas igrejas ou ainda até trazidos pelo SOS DROGAS,

entidade estatal.

6– GRUPO: Como pode descrever o trabalho de vocês aqui? Desde a retirada

desses moradores das ruas?

FLÁVIA: Buscamos trazer de volta a sua dignidade, primeiramente os ajudamos

com a documentação, tiramos novos documentos de identidade, CPF. O que pra

eles são de grande importância. Inclusive, temos um bom exemplo, acolhemos um

senhorzinho, que quando entregamos a sua segunda via de identidade, ele ficou tão

feliz que tudo que ele queria era o restante dos seus documentos, rindo, diz que ele

não dava mais paz,queria por que queria tirar o restante. Era tudo que ele tinha de

mais precioso.

7 – GRUPO: Qual o perfil principal das pessoas atendidas pela ONG e qual o

perfil econômico?

FLÁVIA: São pessoas de famílias totalmente desestruturadas, não tem nenhum

padrão de família. Padrão de extrema MISÉRIA, extrema pobreza. (frisa bem).

8 – GRUPO:Onde estão localizados os abrigos, já que em BHfica apenas este

escritório?

Page 21: Parte Textual Corrigida, Paty

23

FLÁVIA: Nós temos uma unidade em Caeté, uma em Sabará e outra em Raposos,

onde são acolhidos apenas homens, que ficam por 6meses. Onde nosso objetivo é

ofertar a eles cursos profissionalizantes.

9 – GRUPO: Quantos abrigados vocês têm hoje?

FLÁVIA: Hoje temos três unidades, que acolhem 150 homens com idade de 18 a 55

anos. Não trabalhamos com mulheres, nem crianças. Porque não temos estrutura

para eles, devido as mulheres serem mais vulneráveis, sofrem abusos, menstruam,

tem filhos e essa demanda está cada dia maior. Mas, a visão do pastor Júlio é criar

mais fazendas para atender este público, a terceira idade e os deficientes físicos.

Os homens ao chegarem passam por uma triagem feita pela assistente social, que é

muito pouco criteriosa, mas se avalia a motivação voluntária, porque alguns são

muitos manipuladores, então precisa saber se está pessoa quer realmente ir, ou se

só está se fugindo de algum traficante ou da polícia, por exemplo, senão, se

realmente querem tentar a recuperação, após está triagem vão para a fazenda.

Onde recebem toda orientação de horários da casa, da rotina, do trabalho que é

preciso ser feito. Alguns chegam muito debilitados de saúde, então os deixam

descansando e se recuperando.

Também, recebem todo atendimento médico, psicológico, odontológico, temos

enfermeiras, ou seja, nós contamos com equipe multidisciplinar, muito pequena e

muito recente. Onde alguns destes profissionais são voluntários e outros pagos por

nós.

10 – GRUPO: Quais são as maiores dificuldades encontradas por vocês? A

ONG busca algum tipo de apoio junto aos Direitos Humanos, entidades ou

instituições não governamentais, ou até junto a órgãos governamentais

(Município, Estado, União)?

FLÁVIA:A maior dificuldade é que não temos apoio, parceria, manutenção, nem a

cooperação do Estado e da União. Do município poderíamos ter, iríamos precisar

nos afiliar a política, e isso não queremos, porque só burocratiza tudo. Ficaríamos

Page 22: Parte Textual Corrigida, Paty

24

engessados, tornando mais difícil nosso trabalho, não temos reconhecimento algum,

e quando precisamos do SUS, com atendimento médico, não temos suporte. Para

impressão de documentos, ao buscarmos taxas mais baratas, também não temos

suporte. E ainda muitas outras necessidades, o Estado se omite da sua

responsabilidade totalmente.

11 – GRUPO: Qual a incidência de recuperação? Há muita desistência?

FLÁVIA: A recuperação deles é o nosso maior desejo. Olha, o tratamento dura 6

meses. E na verdade são dois períodos cruciais:

Primeiro período – é a adaptação, que são os primeiros 15 a 20 dias, muitos não

suportam e saem.

Segundo período– é a segunda fase de 3 a 4 meses. Nessa fase, eles retornam o

contato com a família e por eles acharem que estão pronto, acabam recaindo e

saem.

Agente até acredita que a recaída faz parte do tratamento. Aqueles que suportam

essas duas etapas, passam com dificuldade e ficam livres das ruas.

No período de reinserção após os 6 meses, eles saem durante o dia para

conseguirem trabalho e voltam a noite para dormirem. Muitos voltam aos seus

trabalhos anteriores por conta própria, alguns é preciso dar aquela forcinha,eu

mesma ligo para as empresas em que eles trabalhavama maior parte os aceita de

volta na hora, dizendo que a pessoa era ótimo funcionário, o que atrapalhava era a

bebida ou as drogas. Tem ainda aqueles que ingressam em atividades apreendidas

na fazenda, como padeiros, marceneiros, costureiros, etc. Retomam suas vidas de

volta resgatando sua dignidade como ser humano. Há ainda aqueles que recaindo

voltam pra fazenda, por duas ou três vezes. Apesar de serem instruídos na entrada

que não podem voltar por mais de duas vezes, eles também não podem negar a

chance de voltarem e tentar novamente, se fizerem isso estariam desacreditando no

fazem.

12 – GRUPO: Como vocês se mantêm?

Page 23: Parte Textual Corrigida, Paty

25

FLÁVIA:Como não há ajuda do governo, nós sobrevivemos pela graça e com

iniciativa privada de pessoa física e jurídica, onde empresas, igrejas e a população

em geral nos doam. Temos um jornal de prestação de contas, onde encaminhamos

para população via correio, como número da conta da ONG, e assim recebemos

contribuições de várias pessoas. Não só financeira, mas também, coisas materiais

como mantimentos, é gasto mais de 1300 kg de arroz no mês, carne, insumos,

equipamentos e matéria-prima para as oficinas Inclusive nosso foco é manter essas

doações.

Ganhamos da embaixada da Austrália, uma máquina para marcenaria de fazer

caixas. Ganhamos alguns equipamentos para fábrica de blocos. Oferecemos para

terapia do trabalho, atividades que fará com que eles produzam, e vendem o que foi

produzido da maneira mais profissional possível, com quantidade e prazo pra

entregar as encomendas. Na realidade nossa visão é nos tornarmos

autossustentáveis.

13 – GRUPO: Sobre a omissão do poder público e da sociedade? Qual a visão

da ONG sobre isso?

FLÁVIA: Realmente há uma grande omissão. E infelizmente, eles mesmos nos

manda uma demanda muito grande. Mas, o maior problema, é que o governo não

tem estrutura, não está preparado para lidar com isso. Quero dizer, não sabem

como tratar, eles na verdade nem acreditam no tratamento, assim como toda a

sociedade, eles acreditam mais na prevençãoem longo prazo. Preferem trabalhar

com a prevenção. Se você falar que tem um projeto e que irá trabalhar com

crianças, na hora você consegue muitos voluntários, para isso consegue verba

facilmente, mas tratar com moradores de rua ninguém quer. Existe uma falta de

respeito muito grande pelo próprio Estado. Eles veem o nosso trabalho como

segregação vê nosso trabalho como manicômio. Ninguém acredita na recuperação

deles. Por isso, depois que saem, é muito difícil voltar a vida normal, são muito

julgados e desacreditados. Por exemplo, na cidade de Raposos a polícia não gosta

enem da nenhum suporte a ONG, porque pensam que tiraram marginais das ruas e

levando-os para cidade deles. Eles não veem que estão fazendo trabalho para eles

também, tirando pessoas das ruas que fazem furtos para se manterem.

Page 24: Parte Textual Corrigida, Paty

26

14 – GRUPO: Qual é a visão da ONG em relação a moradia digna que o Estado

poderia dar?

FLÁVIA: Para se ter uma moradia digna é preciso ter o básico, como as que dão na

fazenda tudo muito simples, mas o necessário pra sobreviver, como uma casa bem

construída, com cerâmica, janela bem arejadas, um quarto, com roupas de camas,

cama e colchões limpos, comida e capacitação de trabalho.

15 – GRUPO: O que o Estado tem feito em relação a esses moradores?

FLÁVIA: O Estado dá bolsa crack, onde se cadastra esses moradores nas

instituições como o SOS DROGAS. Essa bolsa é um auxílio no valor de R$ 900,00

pago as famílias para internar o familiar dependente químico. O que não resolve,

porque eles têm uma relação doentia com dinheiro. E ainda, tanto a pessoa, quanto

os familiares deixam de trabalhar e se tratar para não perder a bolsa auxílio. Esse

projeto é focado nas drogas e não no sujeito em si.

Mas, não resolve, porque a demanda é muito além dos poucos casos em que

atuam. Tanto, que encaminha pra gente vários homens. Eles não sabem como já

disse lidar com tratamento. Pois, existe ai um tratamento trio corpo, alma e espírito.

O Estado também possui albergues, mas estão todos lotados. Eles são cadastrados,

mas como só dormem, ficam perambulando o dia todo pra dar um corre.

16 – GRUPO: O que significa essa gíria “dar um corre”?

FLÁVIA: Correratrás de dinheiro, catando papelão, latinhas até mesmo roubando pra

sustentar o vício e a comida. Muitos atravessam a cidade pra comer no restaurante

popular da cidade.

17 – GRUPO: Quantos anos você tem?

PAULO (ACOLHIDO):28 anos.

18 - Você tem família? Profissão? E porque deixou tudo?

Page 25: Parte Textual Corrigida, Paty

27

PAULO (ACOLHIDO): Tenho sim, só não tenho pai, ele morreu. Tenho mãe e

irmãos que ainda tenho contato. Sou ajudante de pedreiro. Deixei tudo, por causa da

bebida e do cigarro.

19 - GRUPO: Como você veio parar no abrigo? E há quanto tempo você está lá

na fazenda?

PAULO (ACOLHIDO): Tem três meses. O Adriano me encontrou na rua andando e

me trouxe.

20 – GRUPO: Quem é o Adriano?

PAULO (ACOLHIDO): Ele trabalha com dedetização. Parou-me na rua, perguntou

se eu queria ir pra lá, eu aceitei. Ai, ele me falou que ia dar um jeito. Fiquei dormindo

três dias na porta da casa dele.

21 - GRUPO: Como você foi parar nas ruas?

PAULO (ACOLHIDO): Saí com 13 anos de casa. Comecei a beber nas festas que ia

com meus amigos. Usava drogas e brigava muito com minha família. Parei de usar

crack tem 8 anos, deixei na rua mesmo. O meu problema é só a bebida.

22 – GRUPO: Você já estudou?

PAULO (ACOLHIDO): Parei na 3ª série. Ia fazer um supletivo do 3º e 4º ano em

seis meses, pra voltar a estudar no 5º, mas não terminei.

23 - GRUPO: Como você se via e se sentia nas ruas?

PAULO (ACOLHIDO):Ruim né? As pessoas olham pra gente achando que agente é

ladrão. Sou tímido, tinha vergonha de pedir comida. Agente fica triste né, ficava

andando e pensando né.Ficava com mais gente de dia, mais a noite ficava mais

sozinho, porque é perigoso né, tem muita gente ruim também.

Page 26: Parte Textual Corrigida, Paty

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Nem sentia frio, porque vivia turbinado. Tem muita gente que dá comida pra nós,

leite quente e pão, comida em vários lugares.

24 - GRUPO: Agora que tá na fazenda, qual seu maior sonho?

PAULO (ACOLHIDO):Voltar a trabalhar né. Recuperar tudo que perdi né? Quero

sair bom pra voltar a trabalhar. Ter minha casinha né?

Análise sobre o acolhido Paulo: é um rapaz jovem, tímido e bonito. Cheio de

sonhos, preso no terrível vício do álcool.