PARTICIPAÇÃO UM ESTUDO SOBRE IDOSOS

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO

    CENTRO DE CINCIAS JURDICAS E ECONMICAS

    PROGRAMA DE PS GRADUAO EM POLTICA SOCIAL

    TNIA MARIA BIGOSSI DO PRADO

    PARTICIPAO:UM ESTUDO SOBRE IDOSOS

    Vitria2006

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    TNIA MARIA BIGOSSI DO PRADO

    PARTICIPAO:UM ESTUDO SOBRE IDOSOS

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Poltica Social do Centro deCincias Jurdicas e Econmicas da UniversidadeFederal do Esprito Santo, como requisito parcialpara obteno do grau de Mestre em PolticaSocial.Orientadora: Maristela Dal Moro

    Vitria

    2006

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    Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)(Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)

    Prado, Tania Maria Bigossi do, 1959-P896p Participao : um estudo sobre idosos / Tania Maria Bigossi do Prado.

    2006.228 f.

    Orientadora: Maristela Dal Moro.Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Esprito Santo,

    Centro de Cincias Jurdicas e Econmicas.

    1. Envelhecimento. 2. Poltica social. 3. Participao. 4. Idosos. I. DalMoro, Maristela. II. Universidade Federal do Esprito Santo. Centro deCincias Jurdicas e Econmicas. III. Ttulo.

    CDU: 36

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    TNIA MARIA BIGOSSI DO PRADO

    PARTICIPAO:UM ESTUDO SOBRE IDOSOS

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Poltica Social doCentro de Cincias Jurdicas e Econmicas da Universidade Federal do EspritoSanto, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Poltica Social.Orientadora: Maristela Dalmoro.

    Aprovada em_____de________________de ___________

    COMISSO EXAMINADORA

    _________________________________________________Prof Dr Maristela Dal MoroUniversidade Federal do Rio de JaneiroOrientadora

    _________________________________________________Prof Dr Alacir Ramos SilvaUniversidade Federal do Esprito Santo

    ____________________________________________Prof Dr Alejandra PastoriniUniversidade Federal do Rio de Janeiro

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    LISTA DE SIGLAS

    ACEPI Associao Cearense pr-idoso

    ANG Associao Nacional de Gerontologia

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BPC Benefcio de prestao continuada

    CAP Caixa de aposentadoria e Penso

    CEP Comit de tica de Pesquisa

    CF Constituio Federal

    CGT Central Geral dos TrabalhadoresCGT Confederao Geral dos Trabalhadores

    CNS Conselho Nacional de Sade

    COPAB Confederao Brasileira de Aposentados e Pensionistas e Idosos

    DATAPREV Dados da Previdncia Social

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    IAPs Instituto de Aposentadoria e penses

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaINAMPS Instituto de Assistncia Mdica e Previdncia Social

    INPS Instituto Nacional de Previdncia Social

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    LBA Legio Brasileira de Assistncia

    LOAS Lei Orgnica da Assistncia Social

    MPAS Ministrio de Previdncia e Assistncia Social

    ONGs Organizaes no-governamentaisONU Organizao das Naes Unidas

    PAI Programa de Assistncia ao Idoso

    PAIF Programa de Ateno Famlia

    PMV Prefeitura Municipal de Vitria

    PNI Poltica Nacional do Idoso

    PNSI Poltica Nacional de Sade do idoso

    PRORURAL Programa de Assistncia ao Trabalhador Rural

    SBGG Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia

    SEJUC Secretaria de Justia e Cidadania

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    SESC Servio Social do Comrcio

    UFES Universidade Federal do Esprito Santo

    URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

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    RESUMO

    Objetiva analisar a contribuio do Programa Vivendo a Melhor Idade da Prefeitura

    Municipal de Vitria na conquista da participao efetiva do idoso na sociedade, pormeio dos objetivos especficos: a) identificar se o programa inclui o idoso numa

    gesto participativa; b) verificar se o programa subsidia a participao poltica dos

    idosos na luta pela consecuo de direitos e a garantia dos direitos j conquistados;

    c) conhecer se o programa est viabilizando a preservao da autonomia, a

    promoo da integrao e do envelhecimento ativo e saudvel. Os procedimentos

    tcnicos utilizados foram pesquisas bibliogrfica, documental e de campo. Para a

    pesquisa de campo, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com idosos eassistentes sociais inseridos no programa e o material coletado foi analisado numa

    abordagem qualitativa. Foi possvel identificar alguns elementos que indicam que

    esse Programa tem dado uma resposta relativamente positiva quelas questes; h,

    porm algumas superaes necessrias para viabilizar a conquista de participao,

    autonomia e integrao. Nesse Programa os idosos tm oportunidade de inserir-se

    em atividades fsicas, artsticas, ldicas, educativas e de lazer, dentre outras. Todas

    essas atividades so de grande importncia para experienciar o processo de

    envelhecimento de forma positiva; no entanto, no comparece um empenho acerca

    da conquista da participao do idoso, seja na gesto do programa, seja em

    espaos pblicos de reivindicaes. No se verificou trabalho algum em uma

    perspectiva intergeracional, envolvendo a famlia e a comunidade. Todos os idosos

    afirmam ter o controle de suas prprias vidas e decises, de onde se pode obter um

    indicador de que a autonomia est preservada/resgatada. Embora no haja registros

    da contribuio efetiva do Programa nesse sentido, inegvel que subsidia de

    alguma maneira essa atitude dos idosos frente as suas questes cotidianas. Quanto

    promoo do envelhecimento ativo e saudvel, essa perceptvel na fala, no olhar

    e nas atitudes das pessoas e se expressa quando os idosos entrevistados falam da

    motivao de sair de casa, da superao de estados depressivos, da melhora das

    condies fsicas e fica implcito, tambm, quando apontam a condio de ser idoso

    como uma importante etapa da vida, mencionam as conquistas em relao s

    geraes passadas e da possibilidade da concretizao do sonho de liberdade. Em

    sntese, embora o Programa Vivendo a Melhor Idade possa contribuir para promover

    a participao efetiva do idoso na sociedade, esta se encontra incipiente, pois ainda

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    no se percebe que haja uma contribuio efetiva para consolidar a participao

    poltica da pessoa idosa e ainda insuficiente a articulao desses grupos na

    defesa de direitos e da ao poltica. H limites e entraves estruturais para tal,

    advindas em uma sociedade que, alm de marcada por uma desigualdade inqua,

    apresenta uma incipiente cultura poltica - inexperincia e distanciamento do

    exerccio de participao - resultado de dcadas de prticas autoritrias.

    Palavras-chaves: envelhecimento, poltica social, participao.

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    ABSTRACT

    This work aims to analyze the contribution of Programa Vivendo a Melhor Idade

    (Living the Best Age Program) of Vitria City Hall, in the conquest of effective

    participation of elderly in society, by means of the specific objectives: ) to identify if

    the program it includes the elderly in a participating management; b) to verify if the

    program subsidizes the political participation of the elderly in the struggle for

    achievement of rights and guarantee of the already conquered ones; c) to know if the

    program is making possible the preservation of autonomy, the promotion of integrity

    and the active and healthful aging. The technical procedures used were

    bibliographical, documentary and field researches. For the field research, half-structuralized interviews were made with the elderly and social assistants inserted in

    the program and the collected material was analyzed in a qualitative approach. It was

    possible to identify some elements which indicate that this Program has given a

    relatively positive response to those questions. However, there are some obstacles

    to make possible the conquest of participation, autonomy and integration. In this

    Program the elderly have chance to insert themselves in physical, artistic, playful,

    educating and leisure activities, among others. All of them have great importance toexperiment the process of aging in a positive way; however, a persistence

    concerning the conquest of the elderly participation does not appear, either in the

    program management or in public space for claiming. It was not observed any work

    on a perspective between different ages which could involve family and community.

    All the elderly state that they take account of their own proper lives and decisions,

    and that may a signal that their autonomy has been rescued and preserved. Although

    there are not registers of any effective contribution of the Program in this direction, itis undeniable that it subsidizes their attitude front to their daily questions. Regarding

    to the promotion of active and healthy aging, it is easily noticeable in their way of

    speaking, looking and act. It expresses itself when interviewed elderly speak of the

    motivation to go out and to overcome depressive states, the improvement of physical

    conditions and it is also implicit when they point out the condition of being aged as an

    important stage of the life, when they mention their conquests in relation to the latest

    generation and the possibility of fulfilling their freedom dream. In synthesis, even

    though the Living the Best Age Program can contribute to promote the effective

    participation of the elderly in society, it is still found incipient, because one cannot

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    perceive either an effective contribution to consolidate the political participation of the

    elderly or an articulation of these groups in the aspects of citizenship, right defense

    and political action. It has structural limitations for such achievements in a society

    that, besides marked for an iniquitous inequality, presents an incipient culture in

    Politics - inexperienced and distant from the participation exercise - resulted from

    decades of authoritarian practices.

    Keywords: aging. social politics. participation.

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    DEDICATRIA

    Dedico este trabalho ao meu marido,

    que soube compreender minha ausncia

    e faz dos meus sonhos os seus objetivos h 30 anos.

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    AGRADECIMENTO

    Agradeo a todos aqueles que estiveram presentes em minha caminhada, e em especial :- Profa. Maristela Dal Moro pela orientao e, acima de tudo, pela compreenso;

    - Profa. Alejandra Pastorini por ter aceitado contribuir com este trabalho;

    - Profa. Alacir Ramos Silva que me enxergou mestranda - foi a primeira a embarcar

    nessa trajetria e permaneceu durante todo o trajeto;

    - A Prof Graa, Prof Cenira E Profa. Madalena pelo apoio incondicional.- Aos idosos e as assistentes sociais que foram muito solcitos nas entrevistas;

    - Aos meus pais, pelo cuidado e por acreditarem em mim SEMPRE;

    - s minhas filhas Violeta e Catarina por compreenderem minha ausncia;

    - minha filha Juliana pelo companheirismo e pela abstinncia musical;

    - minhas netas Heloisa, Emanuella e Sofia que trouxeram a tnica da renovao;- Aos meus genros Julio e Marcos Vinicius que fazem a nossa famlia ainda mais

    unida e feliz;

    - todo(as) amigo(as) com quem partilhei minhas alegrias e angstias.

    - Agradeo tambm, a todos aqueles que me olharam como folha se pensando raiz .

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    SUMRIO

    1 INTRODUO.................................................................................. 141.2 O PROCESSO DA PESQUISA........................................................ 20

    2

    CAPTULO I

    O BRASIL ENVELHECIDO.............................................................. 26

    2.1 A TRANSIO DEMOGRFICA ..................................................... 27

    2.2 PERFIL SCIO-ECONMICO DOS IDOSOS BRASILEIROS........ 32

    2.2.1 A feminizao da velhice................................................................ 32

    2.2.2 Escolaridade.................................................................................... 332.2.3 Renda................................................................................................ 33

    3

    CAPTULO II

    A EXPERINCIA BRASILEIRA DE PROTEO SOCIAL.............. 36

    3.1 A TRAJETRIA DAS POLTICAS SOCIAS NO BRASIL.................. 38

    3.2 A PROTEO SOCIAL PESSOA IDOSA..................................... 50

    3.2.1 Da dcada de 20 de 70................................................................. 50

    3.2.2 Os anos 80 e a Constituio de 1988............................................ 54

    3.2.3 Marco Legal: Anos 90..................................................................... 57

    3.2.4 O sculo XXI: Estatuto do Idoso.................................................... 62

    3.3 CONTEXTUALIZAO DO MUNICPIO DE VITRIA..................... 64

    3.3.1 POLTICA MUNICIPAL DO IDOSO DE VITRIA............................. 65

    4

    CAPTULO III

    O PROGRAMA VIVENDO A MELHOR IDADE E APARTICIPAO DO IDOSO............................................................

    75

    4.1 O IDOSO E A GESTO PARTICIPATIVA........................................ 77

    4.2 A PARTICIPAO POLTICA DO IDOSO........................................ 82

    4.3 AUTONOMIA, INTEGRAO E ENVELHECIMENTO ATIVO ESAUDVEL.......................................................................................

    90

    5 CONSIDERAES FINAIS.............................................................. 104

    6 REFERNCIAS................................................................................. 110

    APNDICES................................................................................................. 118

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    APNDICE A Roteiros de entrevistas.................................................... 119

    APNDICE B Termo de Consentimento livre e esclarecido................ 122

    ANEXOS....................................................................................................... 124

    ANEXO A Poltica Nacional do Idoso (Lei 8842/94).............................. 125

    ANEXO B Regulamentao da PNI (Decreto 1948/96).......................... 129

    ANEXO C Plano Integrado de ao governamental para odesenvolvimento da PNI............................................................................ 134

    ANEXO D Poltica Nacional de Sade do Idoso (Portaria 1.395/99).... 165

    ANEXO E Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03).......................................... 174

    ANEXO F Resumo das Cartas Abertas.................................................. 196

    ANEXO G Organograma do Programa Vivendo a Melhor Idade/PMV 200ANEXO H Projeto Terceira Idade/PMV................................................... 201

    ANEXO I Projeto Viver Centro de Vivncia........................................ 209

    ANEXO J Poltica Municipal do Idoso/PMV (Lei 6.043/03)................... 219

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    1 Introduo1 Introduo1 Introduo1 Introduo

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    O envelhecimento populacional um fenmeno mundial, no entanto nos pases em

    desenvolvimento, incluindo o Brasil, apresenta-se de maneira distinta. Enquanto nos

    pases centrais essa transio deu-se de forma lenta, gradual e acompanhada de

    progresso socioeconmico, no Brasil foi de forma vertiginosa e acompanhada de

    agravantes econmicos, polticos e sociais decorrentes da alterao do modelo de

    acumulao fundado no aprofundamento da industrializao a partir da dcada de

    70.

    No Brasil, inicia-se nesse perodo e consolida-se na dcada de 90, um processo de

    busca de novos paradigmas tecnolgicos e organizacionais que possibilitassem a

    retomada do padro de acumulao capitalista. Destaca-se a lgica financeira doregime de acumulao: investimentos especulativos em detrimento da produo; as

    transformaes no mundo do trabalho: acumulao flexvel; a reforma de Estado,

    que sob a alegao de uma crise fiscal, reduz suas intervenes no campo social.

    Isso implica visvel aprofundamento da questo social, que apreendida como o

    conjunto das expresses das desigualdades social concebidas na sociedade

    capitalista madura, portanto indissocivel ao processo de acumulao, produo e

    distribuio de riquezas (IAMAMOTO, 1999; IAMAMOTO, 2001; YASBEK, 2001;

    CARDOSO et al., 2000).

    As expresses da questo social: aumento da pobreza, do desemprego estrutural,

    da precarizao do trabalho, da violncia, da excluso, etc., abrangem todos os

    segmentos mais vulnerveis da sociedade e, dentre eles, a populao idosa, pois a

    grande maioria dos idosos no Brasil se constitui como pobre e continua

    empobrecendo. Assim, as necessidades dos idosos so indissociveis das

    configuraes assumidas pela forma de organizao do capital, pela diviso socialdo trabalho e pela forma de distribuio de riqueza. Em outras palavras, as

    condies em que a populao vive e envelhece dependem, direta ou

    indiretamente, da forma de produo e de distribuio da riqueza.

    No Brasil, segundo Censo do IBGE 2000, os idosos j representam quase 10% da

    populao. A projeo para 2020 de 27,2 milhes, e que em 2025 ser o sexto

    pas com maior populao de idosos do mundo, com a expressiva quantidade de 31,

    8 milhes de idosos.

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    A preocupao com o envelhecimento populacional no Brasil, numa situao

    socioeconmica adversa tem se traduzido - principalmente a partir da dcada de

    1980 - em polticas, programas e projetos para atender as demandas decorrentes e

    instituir direitos sociais.

    Dentre as iniciativas formais de proteo pessoa idosa, outorgadas pelo Estado

    decorrentes das presses dos idosos e de suas representaes, ressalta-se a

    Constituio Federalde 1988 que certificou o amparo social aos idosos; a Poltica

    Nacional do Idoso, a Poltica Nacional de Sade do Idoso, na dcada de 90, e o

    Estatuto do Idoso em 2003. (BRASIL, 1988; Brasil, 1994; BRASIL, 1999; BRASIL,

    2003). Nesses instrumentos a pessoa idosa definida como sendo de idade igual ousuperior a sessenta anos, mas alguns direitos so adquiridos somente aps os

    sessenta e cinco anos.

    A maioria desses direitos institudos formalmente nesses documentosainda no se

    efetivaram. Os que se efetivaram tiveram como mola propulsora o protagonismo da

    pessoa idosa e das entidades civis que atuam na defesa desses direitos, dentre elas

    a Associao Nacional de Gerontologia, a Sociedade Brasileira de Geriatria e

    Gerontologia, o Sindicato dos Aposentados e outros. Portanto, a participao poltica

    tem se mostrado um recurso eficiente para que haja ampliao formal,

    reconhecimento e operacionalizao desses direitos.

    A participao efetiva do idoso perpassa a Poltica Nacional do Idosoe o Estatuto do

    Idoso. Consta como objetivo da PNI assegurar os direitos sociais do idoso, criando

    condies para promover sua autonomia, integrao e participao efetiva na

    sociedade e que o idoso deve ser o principal agente e o destinatrios dastransformaes a serem efetivadas atravs dessa poltica (Art. 1 e 3).

    No Estatuto do Idoso, aparece no artigo terceiro, Inciso IV, que obrigao da

    famlia, da comunidade, da sociedade e do poder pblico a viabilizao de formas

    alternativas de participao, ocupao e convvio dos idoso com as demais

    geraes. Dentre essas estratgias esto os Centros de Convivncia e os Grupos

    de Convivncia de Idoso, que na Prefeitura Municipal de Vitria, tm a denominao

    de Programa Vivendo a Melhor Idade . Esse programa tem objetivo igual ao da PNI

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    assegurar os direitos sociais do idoso, criando condies para promover sua

    autonomia, integrao e participao efetiva na sociedade (VITRIA, 2003).

    Destarte, justifica-se a pretenso deste trabalho em analisar a contribuio doPrograma Vivendo a melhor idade - Grupos de Convivncia e Centro de Convivncia

    - na conquista da participao efetiva do idoso na sociedade. Os objetivos

    especficos so: a) identificar se o programa inclui o idoso numa gesto participativa;

    b) verificar se o programa subsidia a participao poltica dos idosos na luta pela

    consecuo de direitos e pela garantia dos j conquistados; c) conhecer se o

    programa est viabilizando a preservao da autonomia, a promoo da integrao

    e do envelhecimento ativo e saudvel.

    Para tal, o ponto de partida o pressuposto de que uma das vias possveis para o

    enfrentamento da situao de vulnerabilidade do idoso na sociedade brasileira

    contempornea por meio da promoo participao dos idosos na sociedade e

    que esses espaos de convivncia podem se apresentar como locusprivilegiados

    para tal empreendimento. H aqui o entendimento de que essa participao o

    acesso organizao que poder contribuir na efetivao dos direitos da pessoa

    idosa previstos em leis.

    Segundo Bredemeier (2003, p. 99),

    O idoso organizado, principalmente pode abrir caminhos: articular,reinvindicar, pressionar, fazer e aparecer. No o tem alcanado ainda nasua plenitude. Na medida em que estas aes se concretizem,paulatinamente sero estabelecidas, tanto por parte do poder pblico,como da sociedade civil, novas formas de dar cidadania velhice.

    importante ressaltar que pesquisas realizadas anteriormente em Cuiab, DistritoFederal e no Estado do Rio de Janeiro concluram que nesses espaos de

    convivncia no se percebe uma contribuio efetiva para consolidar a participao

    poltica da pessoa idosa e que ainda incipiente a articulao desses grupos no

    aspecto da cidadania, da defesa de direitos e da ao poltica (PAZ, 2001; SILVA

    2001;ALMEIDA, 2002).

    Paz (2001, p.30) ressalta que

    [...] No se percebe nos grupos que congregam cada vez mais idosos nosEspaos de Convivncia uma maior apreenso ou aes que concedam

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    maior importncia ao carter scio-poltico que estes poderiam produzir.[...] Esse distanciamento de grupos e entidades, preocupadas em atenderas demandas mais imediatas da populao diante dos graves fatoressociais e econmicos que atingem uma maioria de idosos, dificulta umamaior adeso das entidades e grupos na participao dos fruns e de

    outras formas de defesa do segmento, contribuindo, assim no processo dedesmobilizao. Desse modo, tambm, compromete maiores avanos naformulao e implementao de polticas sociais, na garantia de direitos eampliao da cidadania[...].

    Esse autor acrescenta ainda que a discusso da questo do idoso tem ficado no

    mbito dos sindicatos, das organizaes de trabalhadores aposentados e das

    entidades e especialistas porta-vozes dos idosos. H falta de protagonismo do

    segmento idoso em seus palcos de luta e, consequentemente, nos espaos

    sciopolticos Fruns e Conselhos, dentre outros ainda so frgeis e precrios,pela pouca ou inexpressiva participao social do prprio idoso e de sua pouca

    organizao (PAZ, 2001).

    Participao, para o trabalho aqui apresentado, refere-se concepo de

    participao qualificada e processual tambm denominada de ampliada. Demo,

    (1993) afirma que participao conquista, e deve ser entendida como processo,

    em constante vir-a-ser, sempre se fazendo. [...]Assim, participao em essncia

    autopromoo e existe enquanto conquista processual. No existe participao

    suficiente, nem acabada[...] (DEMO, 1993, p.18).

    Demo, (1993), conclui ainda que, nesse sentido, a participao no pode ser

    entendida como ddiva, pois no seria conquista; nem como concesso, visto que

    se tornaria um expediente para obscurecer o carter de conquista e nem como algo

    preexistente, porque o espao de participao no cai do cu por descuido. E

    acrescenta que a participao nesse entendimento base da construo dacidadania e exerccio democrtico, [...] atravs dela aprendemos a eleger, a

    deseleger, a estabelecer rodzio no poder, a exigir prestao de contas, a

    desburocratizar, a forar os mandantes a servirem comunidade, e assim por

    diante[...] (DEMO, 1993, p. 71).

    Dagnino (1994), ao relacionar a noo de cidadania com as experincias dos

    movimentos sociais no final dos anos 80, contribui para essa discusso e lana luz

    reflexo quando afirma que a cidadania entendida como o direito de participar

    efetivamente da prpria definio de um sistema poltico: o direito de definir aquilo

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    no qual queremos ser includos, e que no diz respeito apenas s conquistas legais,

    mas tambm inclui a inveno criativa de novos direitos e surge de baixo para cima

    como uma estratgia dos no-cidados.

    Marilena Chau (2006) tambm ilumina este debate. A autora compreende a

    cidadania brasileira em duas esferas: de um lado a cidadania passiva, ou seja,

    concedida pelo Estado, levando os sujeitos a esperar a garantia dos direitos atravs

    da mediao deste, com a funo tutelar. Por outro lado, a autora define a cidadania

    ativa como um processo de criao de direitos, de garantia desses direitos e de

    interveno, de participao direta no espao da deciso poltica. Nesse caso o

    processo ocorre de forma coletiva, pois, para exercitar a cidadania ativa, necessrio participar da elaborao e decises da vida social, compreender e saber

    situar a prpria existncia e, de forma coletiva, lutar por interesses e benefcios

    tambm coletivos.

    Na reflexo desses autores reside o entendimento da materializao de uma

    participao efetiva na sociedade, no entanto a participao ampla e aprofundada,

    capaz de fazer presso em busca de transformaes, no simples para nenhum

    segmento subalterno da sociedade. E, um grande desafio para uma populao

    que envelheceu sem oportunidades diante da ideologia dominante. E que, no seu

    cotidiano, vive o tipo de vida que foi possvel construir numa sociedade marcada por

    uma desigualdade inqua, e que apresenta uma incipiente cultura poltica

    traduzindo-se na inexperincia e distanciamento do exerccio de participao,

    resultado de dcadas de prticas autoritrias.

    A prpria condio da grande maioria dos idosos, numa sociedade que tem secaracterizado por uma viso utilitarista do ser humano e onde as transformaes

    ocorrem com muita velocidade, j o coloca numa posio de desvantagem. A

    sociedade capitalista busca o novo, e o velho torna-se descartvel; e embora tenha

    um discurso de valorizao e respeito ao idoso no possibilita a este igualdade na

    forma de tratamento e oportunidades de participao.

    A garantia de um rendimento - aposentadoria ou BPC na maioria dos casos com

    valor defasado - mesmo numa sociedade marcada pela misria e pelo desemprego

    - no suficiente para garantir a grande parte dos idosos a sada da condio

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    marginal, visto que muitas vezes este direito tem uma conotao contraditria, pois

    preciso estar excludo para pleitear incluso.

    O conceito de sociedade dos descartveis, como aquela que enaltece o produtivoe o novo, utilizado por Arruda(1986), para definir o papel secundrio protagonizado

    pelos idosos, continua atual e indica um desafio para a efetivao do artigo terceiro

    do pargrafo quarto na Poltica Nacional do Idosos: o idoso deve ser o principal

    agente e o destinatrio das transformaes a serem efetivadas atravs desta

    poltica (BRASIL, 1994).

    Bosi (1994, p.77-78) faz uma anlise sobre a velhice no Brasil, que na sociedade

    industrializada sofre por no ter mais serventia. Fala assim:

    A sociedade rejeita o velho, no oferece nenhuma sobrevivncia a suaobra. Perdendo a fora de trabalho ele j no produtor e nem reprodutor.[...] O velho no participa da produo, no faz mais nada: deve sertutelado como um menor. [...] No se discute com o velho, no seconfrontam opinies com a dele, negando-lhes a oportunidade o dedesenvolver o que s se permite aos amigos: a alteridade, a contradio, oafrontamento, ou mesmo o conflito [...].

    O carter improdutivo do idoso ressaltado numa sociedade capitalista. Situaes

    de desrespeito e violncia so cada vez mais comuns no cotidiano especialmente

    aos segmentos sociais de baixa renda, que se defrontam com a agudizao da

    pobreza, da segregao e da misria crescente e expansiva (PAZ, 2001, p.66).

    Toda adversidade estrutural da sociedade contempornea coloca o idoso em

    condio desfavorvel, sobretudo o idoso pobre, pois ao abastado oportunizada a

    participao em todos os nveis de deciso da sociedade e a ocupao de cargos de

    concentrao de poder. No obstante, os idosos, por meio de suas organizaestiveram muitas de suas demandas outorgadas pelo Estado, como veremos ao longo

    desse trabalho.

    1.2. O PROCESSO DA PESQUISA

    Muito embora o marco formal dessa pesquisa seja em 2005 minha aproximao como tema polticas sociais e envelhecimento anterior. Desde o ano de 2000, aps

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    minha insero na Universidade Aberta Terceira Idade/UFES como estagiria,

    interessei-me por esse assunto no campo da interveno e da pesquisa. A minha

    vivncia no campo interventivo, que se iniciou nos quatro perodos de estgio

    supervisionado na UNATI/UFES, permanece at hoje.1Esse assunto permeia minha

    trajetria profissional como assistente social e tambm como pesquisadora.

    Esta investigao parte de uma inquietao que tenho acerca dos grupos de

    convivncia para pessoas idosas. Esses espaos so interessantes, pois esto

    consolidados na sociedade existem h mais de 30 anos e tm uma grande

    freqncia de idosos em todo o Brasil. Portanto, necessrio saber se esto sendo

    aproveitados para contribuir na ressignificao da velhice e da pessoa idosa,ultrapassando o molde tradicional de convivncia em que foram criados sob a gide

    do regime militar.

    Esse interesse, que se expressou em 2003 no meu trabalho de Concluso de Curso

    Servio Social/UFES - onde busquei conhecer A proposta terico-metodolgica

    do Servio Social na Universidade Aberta Terceira Idade/UFES, agora se reflete

    nessa pesquisa, onde busco conhecer a contribuio do programa Vivendo a Melhor

    Idade da Prefeitura Municipal de Vitria para a conquista da participao efetiva do

    idoso na sociedade, atravs das seguintes questes: Esse Programa inclui o idoso

    numa gesto participativa? Tem subsidiado a participao poltica dos idosos na luta

    pela consecuo de direitos e pela garantia dos j conquistados? Viabiliza a

    preservao da autonomia, a promoo da integrao e do envelhecimento ativo e

    saudvel?

    A escolha desse campo Programa Vivendo a Melhor Idade de Vitria justificada tendo em vista que a ao da poltica voltada para os idosos mais

    expressiva e consolidada de Vitria, foi implantada h mais de 20 anos e,

    atualmente, congrega cerca de 1.200 idosos com atividades regulares.

    1Desde fevereiro de 2005 estou na coordenao do Projeto de Extenso na Escola de Ensino Superior da SantaCasa de Misericrdia/Emescam, denominado Sade e Qualidade de Vida do Idoso, e, no Departamento de

    Servio Social dessa Escola, ministro a disciplina Polticas e Prticas Sociais de Ateno Pessoa Idosa. Atuo,desde maro de 2006, na Prefeitura Municipal de Vitria na coordenao dos Grupos de Convivncia. Alm deser Conselheira no Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Idosa do Estado do Esprito Santo na gesto2005/2006.

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    Para responder s questes formuladas inicialmente realizei uma pesquisa

    exploratria, que teve como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos

    e idias acerca do processo do envelhecimento populacional imbricado aos

    fenmenos polticos, sociais e econmicos; das polticas de ateno aos idosos no

    Brasil; e da promoo da participao, integrao e autonomia do segmento

    envelhecido da populao.

    Como procedimentos tcnicos, utilizei para este estudo a pesquisas: bibliogrfica,

    documental e de campo:

    A pesquisa bibliogrfica etapa indispensvel ao aprofundamento terico -

    conceitual - foi utilizada como estratgia para levantamento de informaes capazes

    de contextualizar o objeto da pesquisa a partir da produo (livros, artigos, teses)

    que dizem respeito s polticas sociais no Brasil, s polticas de ateno velhice,

    tendncia demogrfica no mundo e no Brasil, participao e assuntos correlatos.

    Na rea do envelhecimento e das polticas de ateno ao idoso j havia um acmulo

    anterior de informao, o que facilitou a pesquisa, no entanto a busca intensa foi no

    sentido de contextualizar o fenmeno do envelhecimento com as condies

    formatadas pela sociedade capitalista para se viver e envelhecer, de imbricar as

    polticas sociais com a cultura poltica existente no Brasil e para explicar a

    participao como categoria importante para a consecuo e garantia de direitos.

    A pesquisa documental foi elaborada a partir de diversas fontes: Leis, Decretos,

    Constituio Federal e estatsticas oficiais (IBGE, IPEA). E, para compreender a

    estrutura organizacional do Programa Vivendo a Melhor Idade acessei os

    documentos produzidos pela Prefeitura Municipal de Vitria acerca da poltica deAteno ao Idoso: Leis, relatrios, e toda a documentao disponvel e acessvel do

    Programa Vivendo melhor a Terceira Idade, ou seja, o projeto e a proposta do

    programa, relatrios de atividades, avaliaes e ficha de cadastro dos idosos

    inseridos.

    Embora no tenha encontrado resistncia ao acesso dos documentos o entrave que

    surgiu foi que os relatrios de atividades so muito sintticos e pouco qualitativos,

    alguns profissionais resumem em uma nica lauda todas as atividades anuais de

    seu trabalho com os idosos, a riqueza do processo fica perdida.

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    Para a pesquisa de campo realizei entrevistas com idosos e assistentes sociais

    inseridos no programa. Essa tcnica apresenta algumas vantagens consideradas

    adequadas a esse processo: possibilidade de serem utilizadas com pessoas de

    diferentes nveis de escolaridade, inclusive analfabetas, como foi o caso; a

    oportunidade de repetir ou esclarecer a pergunta, formulando-a de maneira

    diferente; alm disso permitiu a observao as atitudes, gestos, reaes que

    confirmavam ou colocavam em dvida as informaes.

    Foi escolhida para a pesquisa de campo a entrevista semi-estruturada. Minayo,

    (2000), caracteriza a entrevista semi-estruturada como articulao entre a entrevista

    estruturada e no-estruturada, isto , uma entrevista mais ou menos dirigida. Destaforma elaborei um roteiro com perguntas abertas e fechadas para nortear os

    dilogos com os entrevistados; no entanto, durante as entrevistas fiz algumas

    adaptaes para que eu pudesse entender e me fazer entender pelos entrevistados,

    considerando as peculiaridades dos idosos com grau de escolaridade baixo. O

    roteiro das entrevistas, que foi elaborado considerando os objetivos da pesquisa,

    segue como apndice neste trabalho.

    Ludke e Andr ressaltam o carter de interao que permeia a entrevista:

    [...] a relao que se cria de interao, havendo uma atmosfera deinfluncia recproca entre quem pergunta e quem responde. Especialmentenas entrevistas no totalmente estruturadas, onde no h a imposio deuma ordem rgida de questes, o entrevistado discorre sobre o temaproposto com base nas informaes que ele detm e que no fundo so averdadeira razo da entrevista. Na medida em que houver um clima deestmulo e de aceitao mtua, as informaes fluiro de maneira notvel eautntica[...] (LUDKE ; ANDR,1997, p.33,34).

    A entrevista uma conversa a dois com propsitos definidos, no entanto permite

    uma flexibilidade para que o outro, aqui no caso o idoso, comparea por inteiro. Esta

    pesquisa me possibilitou o entendimento de que o entrevistador deve ter uma

    relativa sensibilidade para respeitar os limites e as reservas dos idosos, ou seja,

    perceber essas pessoas dentro da sua singularidade, mantendo uma atitude de

    respeito, e que esses no devem ser vistos como meros objetos de estudo que

    podem proporcionar o alcance dos objetivos propostos. Nesse sentido foi

    interessante que, aps desligar o gravador, a conversa continuava e muitos outros

    assuntos foram trazidos pelos entrevistados, eles desejavam continuar conversando,

    contando casos de tempos atrs ou fatos do cotidiano.

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    Os sujeitos para a pesquisa foram escolhidos por amostragem aleatria, perfazendo

    um total de entrevistados 20 idosos, de um universo de aproximadamente 500 com

    mais de dois anos de insero no Programa, e, 03 assistentes sociais de um

    universo de 06.

    Todas as falas foram gravadas em fitas magnticas de registro de udio (cassetes) e

    em seguida transcritas, considerando as determinaes das Resolues

    196/96/CNS e 016/2000/CEP, as quais regulam a tica em pesquisa com seres

    humanos e do termo de consentimento, cujo modelo segue como apndice.

    Aps a transcrio dos dados, fiz uma leitura atenta com a finalidade de encontrar o

    que parecia mais significativo nas respostas. Explorei as diferenas e as

    similaridades e finalmente ordenei e classifiquei os dados num quadro esquemtico

    contemplando os eixos que constam nos objetivos especficos: gesto participativa;

    participao poltica; autonomia; integrao e envelhecimento ativo e saudvel.

    Procedi anlise dos dados procurando estabelecer articulaes entre esses dados

    e os referenciais tericos da pesquisa num confronto entre a teoria e a prtica e

    entre o abstrato e o concreto, com a inteno de responder s questes formuladas.

    Analisei o material coletado numa abordagem qualitativa, que para Minayo (2000, p.

    22), trabalha com o universo de significados, motivaes, aspiraes, crenas,

    valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais profundo das relaes, dos

    processos e dos fenmenos que no pode ser reduzidos operacionalizao de

    varivel. Essa modalidade de anlise possibilitou a compreenso de que o processo

    de envelhecimento e o advento das polticas de proteo ao idoso encontram-se

    emolduradas pelas condies estruturais de uma determinada sociedade marcadapor preceitos de desigualdades e isso relevante na anlise da promoo da

    participao do idoso na sociedade.

    Retornei s questes mencionadas, anteriormente, numa tentativa de explicar a

    questo, determinar em que medida o exerccio de obter as respostas foi exitoso e

    apontar o alcance e os limites deste estudo, e tambm para abrir novos horizontes,

    pois Minayo (2000, p. 79), afirma que [...] reforamos a ttulo de concluso que o

    produto final da anlise de uma pesquisa, por mais brilhante que seja, deve ser

    sempre encarada de forma provisria e aproximativa[...].

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    Apresento a sistematizao deste estudo em captulos:

    No primeiro captulo, trato do processo de envelhecimento populacional como um

    fenmeno mundial, que no pode ser analisado desvinculado das relaes sociais

    de produo, da diviso do trabalho, tanto em mbito nacional quanto internacional.

    Fao nesse captulo tambm, a caracterizao das condies de vida do idoso

    brasileiro, a partir de trs eixos: a feminizao da velhice, escolaridade e renda.

    No segundo captulo, abordo a experincia de proteo social ao idoso no Brasil,

    compreendida de maneira articulada experincia brasileira de proteo social, s

    suas especificidades histricas, econmicas, polticas, sociais e culturais e tambmfao uma abordagem da Poltica Municipal do idoso de Vitria apresentando as

    aes de ateno aos idosos nesse municpio.

    No terceiro captulo, trago os resultados e a anlise dos dados coletados sobre a

    contribuio do Programa Vivendo a Melhor Idade, identificando os entraves e as

    possibilidades desse programa na promoo da conquista da participao efetiva do

    idoso, de sua autonomia, da co-gesto e de sua integrao.

    Finalmente, apresento algumas consideraes finais com a inteno de pontuar o

    que de significativo foi encontrado na pesquisa empreendida num esforo de

    responder s questes iniciais propostas e tambm para apontar novos horizontes

    possveis que se abrem a partir de ento.

    Com este trabalho pretendo contribuir com o Servio Social, que tem nas polticas

    sociais a sua base de sustentao funcional-ocupacional (MONTAO, 2005, p.15);

    com gestores e profissionais que exercem trabalho direcionado aos idosos; com

    estudiosos sobre o assunto, com a prpria populao idosa e demais interessados.

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    Captulo 1Captulo 1Captulo 1Captulo 12 O Brasil envelhecido2 O Brasil envelhecido2 O Brasil envelhecido2 O Brasil envelhecido

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    2.1 TRANSIO DEMOGRFICA

    O envelhecimento populacional processo de crescimento do percentual dapopulao idosa em relao s outras faixas etrias um fenmeno mundial, no

    entanto, se apresenta de forma distinta entre os pases centrais e os perifricos. No

    bloco dos pases centrais, tal processo se deu de forma lenta e gradual - ao longo de

    mais de 100 anos - acompanhado de progresso socioeconmico e da melhoria das

    condies de vida da populao, e nos pases em desenvolvimento, incluindo o

    Brasil, essa transio foi vertiginosa e alguns agravantes, que veremos mais

    frente, tornam ainda mais complexa essa transio e colocam o idoso numa situaode vulnerabilidade. (BERZINS, 2003; VERAS, 2003; PAPALEO, 1986).

    O envelhecimento populacional no Brasil um tema bastante contemporneo.

    Somente nos ltimos anos essa questo ganhou visibilidade. Isso por uma srie de

    questes que sero detalhadas posteriormente, tais como o aumento da

    longevidade, com isso a ampliao do nmero de idosos no pas, e tambm ao

    protagonismo desse segmento, que d visibilidade a essa problemtica e coloca na

    agenda do Estado a necessidade de dar respostas s mais diversas demandas

    dessa populao. A compreenso disso s possvel situando esse fenmeno no

    conjunto das relaes que historicamente se estabeleceram na sociedade brasileira

    e a forma particular de desenvolvimento do capitalismo.

    Um determinante fundamental na alterao da estrutura etria foi o avano da

    medicina, do maior acesso aos servios de educao e sade, antibiticos, vacinas,

    nutrio adequada e saneamento, que reduziu a mortalidade - principalmente ainfantil viabilizou o aumento da expectativa de vida e a queda da natalidade.

    (BERZINS, 2003; VERAS, 2003; PAPALEO NETO, 1986).

    Especificamente no Brasil,a esperana de vida ao nascer aumentou em cerca de 30

    anos entre 1940 e 1998, como resultado da queda da mortalidade infantil. Os

    ganhos foram para ambos os sexos, porm mais expressivos entre as mulheres,

    que apresentaram em 1998, uma esperana de vida ao nascer superior em 7,5 anos

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    importante aqui abrir um parntese e ressaltar que h profundas diferenas

    regionais no Brasil, como, por exemplo, a distribuio de renda, o nvel de

    urbanizao e industrializao, as condies de trabalho e a migrao rural, o que

    faz do envelhecimento da populao brasileira um processo heterogneo.

    Veras(1994) expressa isso ao analisar o indicador esperana de vida ao nascer.

    Esse autor concluiu que, se calculado como um todo, este coloca o pas em posio

    intermediria em relao ao restante do mundo, e superior em relao a alguns

    pases perifricos. J se calculado com base nas regies mais ricas, coloca-o muito

    bem posicionado em relao aos pases centrais. Esse fato ocorre porque a

    expectativa de vida na regio nordeste , em mdia, 50 anos, em decorrncia depiores condies de vida, enquanto na regio sudeste de 70 anos. Assim tambm,

    os indicadores de condies de vida da populao idosa no Brasil escolaridade,

    consumo e renda, dentre outros podem sofrer algumas variaes, mais positivas

    nas regies sul e sudeste em detrimentos das demais regies.

    O efeito combinado da reduo dos nveis de fecundidade e da mortalidade no Brasil

    resultou na transformao da pirmide etria da populao, sobretudo a partir de

    meados dos anos 80. O formato tipicamente triangular, com base alargada, est

    cedendo lugar a uma pirmide populacional caracterstica de uma populao em

    franco processo de envelhecimento.

    GRFICO 1 PIRMIDE ETRIA ABSOLUTA BRASIL 1980

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    Fonte: IBGE, 2000.

    GRFICO 2 PIRMIDE ETRIA ABSOLUTA BRASIL 2000

    Fonte: IBGE, 2000.

    GRFICO 3 PIRMIDE ETRIA ABSOLUTA BRASIL 2020

    Fonte: IBGE, 2000.

    Segundo o censo do IBGE 2000, os idosos no Brasil j representam quase 10% da

    populao e, enquanto em 1980 a populao era de 7,2 milhes, em 1991 era de

    10,7 milhes; em 2000 a populao idosa cresceu para 15 milhes. A projeo para

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    o ano de 2020 de 27,2 milhes. Esses dados colocam o Brasil entre os dez pases

    com maior populao de idosos do mundo. Estima-se que em 2025 ter chegado ao

    sexto lugar, com a expressiva quantidade de 31,8 milhes de idosos (IBGE, 2000;

    IBGE, 2004).

    O processo de envelhecimento populacional no Brasil muito rpido, como j

    mencionado anteriormente, traz conseqncias para a sociedade e para o segmento

    que compe essa faixa etria, que ultrapassam o campo biofisiolgico. H uma

    incorporao de novas demandas afetivas, psicolgicas, por sade, educao, lazer,

    acessibilidade, previdncia e assistncia social para as quais as famlias, a

    sociedade e o Estado no tiveram tempo de se preparar adequadamente.

    Segundo Papalo Netto (1986), no Brasil o impacto social potencializado pelos

    seguintes agravantes: m distribuio de renda - a quarta pior distribuio de renda

    do planeta, os 10% mais ricos se apropriam de quase metade do total dos

    rendimentos dos ocupados (SOARES, 2000) -; supervalorizao da juventude em

    detrimento ao potencial do idoso, tpico de uma sociedade utilitarista e com grandes

    progressos tecnolgicos; e a brusca passagem de sociedade rural para urbana, na

    qual as famlias so menores e as mulheres saem de casa para trabalhar. O rpido

    processo de migrao e urbanizao no Brasil - em 1930, da populao estava

    na rea urbana e na rea rural; no ano 2000, houve uma inverso: da

    populao vive na rea rural e em reas urbanas acarretou problemas sociais

    para toda a populao e em especial a grupos mais vulnerveis, dentre os quais

    esto os idosos, visto que o envelhecimento, para grande parte da populao

    brasileira, um processo que envolve perdas no plano biolgico, scioafetivo e

    poltico.A diminuio do tamanho das famlias e o novo papel social da mulher quesai de casa para trabalhar so algumas das mudanas que agravam a condio do

    membro idoso da famlia e que, juntamente com a quebra dos vnculos matrimoniais,

    so apontadas como os principais fatores de risco de solido/abandono. (PAPALEO

    NETTO, 1996; PAPALEO NETTO, 2003; IBGE, 2004).

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    2.2 PERFIL SCIO-ECONMICO DOS IDOSOS BRASILEIROS

    2.2.1 A feminizao da velhice

    Um aspecto relevante no processo de envelhecimento no Brasil que observado

    em quase todos os pases - a feminizao da velhice, visto que na populao

    idosa esse segmento representa 55%, o que significa que para cada 100 mulheres

    h 81,6 homens. Esse fenmeno explicado pelo fato de que no Brasil as mulheres

    vivem em mdia 8 anos a mais do que os homens, o que pode ser atribudo a

    fatores biolgicos: proteo hormonal de estrgeno; e diferena de exposio aos

    fatores de risco de mortalidade: insero diferenciada no mercado de trabalho,

    consumo diferente de tabaco e lcool, e tambm a diferena de postura em relao

    sade/doena e uma busca maior aos servios de sade o que mostra maior

    preocupao com auto cuidado. (BERZINS, 2003;VERAS, 2003).

    As implicaes da feminizao da velhice em termos sociais so evidentes, a

    maioria das mulheres idosas de hoje no teve um trabalho remunerado durante a

    vida adulta e, consequentemente, apresenta uma situao socioeconmica

    desvantajosa e devido maior durao de vida da mulher em relao do homem -as mulheres idosas so mais pobres, e tm menor grau de escolaridade(IBGE 2000)

    - elas esto expostas por perodos mais longos a doenas crnico-degenerativas,

    viuvez e solido, tendo como conseqncias o aumento de estados depressivos.

    [...] Em estudo realizado no Rio de Janeiro, constatou-se que os problemasmais significativos entre as mulheres mais idosas so a solido, a pobrezae a privao social, sobretudo entre as vivas mais velhas e as mulheresno casadas que vivem sozinhas e dependem de ajuda para sobreviver. Atrade pobreza, solido e doena ocorre frequentemente entre as mulheresidosas.[...] (VERAS, 2003, p.8).

    Por outro lado, mulheres idosas procuram visibilidade e ressignificao de seus

    interesses em espaos associativos. Elas participam mais do que os homens em

    atividades extradomsticas, de organizao e movimento de mulheres, fazem

    cursos, viagens. A comprovao deste fato que as mulheres tm tido uma

    participao muito significativa nas atividades em programas voltados para a

    populao idosa e esto inseridas nos Conselhos, fruns e demais espaos

    pblicos. (GOMES e ABREU, 2001; PAPALEO NETTO, 2003; CAMARANO, 2004).

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    2.2.2 Escolaridade

    A escolaridade dos idosos baixa, principalmente entre as mulheres e o contingente

    de analfabetos expressivo, representando 5,1 milhes de idosos. A sntese deindicadores sociais-2004 do IBGE aponta um ndice de 36,9% para as pessoas com

    mais de 60 anos sem instruo e com menos de um ano de escolaridade. Se

    confrontado com a taxa de analfabetismo de pessoas com mais de 15 anos de

    idade, que consta nessa mesma fonte, que de 11,6% possvel observar a

    desvantagem em que se encontram os idosos, conseqncia da poltica educacional

    do passado.

    Esses dados so muito heterogneos, variando em grande escala nas Unidades de

    Federao; em algumas o percentual de idosos analfabetos ultrapassa a 60 %, em

    outras no chega a 20%. O Esprito Santo apresenta um lastimvel ndice o mais

    baixo da regio Sudeste 40,8%.

    Na sociedade contempornea, que concede primazia ao conhecimento e

    informao saber ler e escrever fator primordial de incluso, portanto esses dados

    ratificam a vulnerabilidade dos idosos brasileiros.

    2.2.3 Renda

    A grande maioria dos idosos no Brasil pobre e continua empobrecendo. O que no

    difere das condies da maioria da populao brasileira. Essa situao econmica

    do idoso est conectada da populao em geral. Segundo relatrios de pesquisas

    empreendidas recentemente, o Brasil a quarta pior distribuio de renda do

    planeta, aproximadamente 24 milhes de trabalhadores esto margem domercado formal de trabalho e 10 milhes esto em situao de desemprego, consta

    ainda que o rendimento mdio das pessoas ocupadas vem caindo desde 1997.

    (LAURELL, 2000; BEHRING, 2003). A desigualdade social, a ampliao do

    desemprego, a precarizao do trabalho e a excluso social, abrange todos os

    segmentos mais vulnerveis da sociedade e, dentre eles, a populao idosa.

    As pesquisas oficiais demonstram que uma das caractersticas da populao que

    envelhece no Brasil a pobreza. A maior parte da renda dos idosos, em 2003,

    provinha da Seguridade Social (aposentadoria, penses e benefcios da Assistncia

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    Social), para a populao masculina esse percentual de 51,3% e para a feminina

    75,3%(CAMARANO,2005).

    O Censo do IBGE em 2000 destacou uma pequena melhora entre os idosos dasclasses mais baixas Pode-se considerar que a universalizao dos benefcios da

    seguridade social, ocorrida na dcada passada, foi um dos fatores primordiais para

    explicar a evoluo positiva desses rendimentos. O IBGE apontou tambm um

    declnio da proporo de idosos que recebiam em mdia at 5 salrios mnimos. A

    despesa mdia da Previdncia vem apresentando, com raras excees, variao

    negativa, defasando os valores das aposentadorias e penses. De acordo com

    dados da Previdncia Social, os 20,2 milhes de aposentados ganham em mdia R$305,00 por ms. Estas constataes indicam que a melhoria da situao econmica

    dos idosos encontra-se extremamente concentrada nas classes de rendimentos

    inferiores. (IBGE,2000).

    semelhana dos paises desenvolvidos, o idoso brasileiro tem , ao final desua vida, uma situao pior do que quando trabalhava, pois o valor de suaaposentadoria, na maioria das vezes, inferior aos seus ganhos durante operodo produtivo. Em outras palavras, o crescimento da populao idosasignifica, no que se refere aos valores atuais da aposentadoria, o aumento

    da massa de cidados pobres do Brasil (VERAS, 1999, p. 45).

    Embora pobre e empobrecendo, o segmento idoso - num cenrio de crise

    econmico e de desemprego aparece em cena de maneira diferenciada. A

    relao estabelecida entre envelhecimento e dependncia econmica relativizada.

    Foi apontado pelo IBGE em 2000, o aumento da contribuio do rendimento do

    idoso na renda familiar e que, 62,4% dos idosos eram responsveis por domiclios e

    20% dos domiclios tinham idosos como responsveis (IBGE, 2000).

    O significativoaumento do nmero de idosos responsveis por domiclios brasileiros

    e da contribuio do rendimento do idoso na renda familiar, no pode ser

    considerado como um avano na melhoria das condies de vida do idoso, e que

    agora ele ganha o suficiente para manter a si e a seus dependentes, na verdade

    esse fato demonstra o aumento da condio de pobreza e de misria do restante da

    populao. Filhos e netos desempregados vem na pequena renda do idoso uma

    tbua de salvao, num pas onde se estima que existam 26 milhes de indigentes e

    53 milhes de pobres (IBGE, 2000).

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    Em conseqncia do baixo valor dos benefcios, a soluo encontrada pelos

    aposentados retornar ou permanecer no mercado de trabalho, frequentemente no

    mercado informal e em atividades mal remuneradas. No entanto pesquisas apontam

    uma diminuio dessa participao no mercado formal.

    CAMARANO(2004) faz uma anlise da taxa de participao da populao brasileira

    idosa no mercado de trabalho formal no perodo de 1980 a 2000. Essa autora traz o

    seguinte:

    [...] No perodo, a taxa de participao da populao masculina idosadiminuiu de 44% para 37,3%, refletindo o aumento da cobertura daseguridade social e a feminina aumentou de 7,4% para 11%

    (CAMARANO, 2004, p. 61).

    A diminuio dessa participao, que a autora caracteriza como reflexo do aumento

    da cobertura da seguridade social, deve ser analisada tambm por outro ngulo, ou

    seja, num pas onde as taxas de desemprego so altssimas, razovel ponderar

    que essa diminuio se deve, tambm, pela incapacidade do mercado em absorver

    a mo de obra dessa faixa etria.

    Portanto, embora o idoso seja alvo de diversos segmentos interessados no seupotencial de consumidor - emprstimos, planos de sade, previdncia privada,

    cosmticos, turismo, alimentao especial, dentre outros - a grande maioria

    encontra-se em situao econmica precria e, s vezes, dividindo o pouco que

    recebem com seus descendentes que esto em situao ainda pior.

    O Brasil no mais um pas de jovens. um pas com muitos jovens que

    envelhecem rpida e drasticamente (VERAS, 1994). O envelhecimento populacional

    num cenrio socioeconmico desfavorvel, acarretou o comparecimento deste

    fenmeno nas agendas das polticas pblicas como um desafio a ser enfrentado,

    somando-se a uma lista de outras mazelas, tais como, a pobreza, a excluso, a

    violncia, que se entrecruzam potencializando-se. Decorrentemente, tem se

    traduzido no desenvolvimento de polticas pblicas para atender s demandas desse

    segmento por sade, assistncia social, educao, cultura, lazer e integrao social.

    No entanto, essa garantia no plano formal encontra grandes entraves em sua

    efetivao.

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    Captulo 2Captulo 2Captulo 2Captulo 23 A experincia brasileira de proteo social3 A experincia brasileira de proteo social3 A experincia brasileira de proteo social3 A experincia brasileira de proteo social

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    Estudar a experincia brasileira de proteo social significa entender em primeiro

    lugar algumas especificidades histricas, econmicas e culturais que deram s

    polticas sociais no Brasil um contorno peculiar. importante retroceder um pouco

    no tempo para a compreenso do Brasil contemporneo e entender a formao

    poltica do Brasil no contexto da Amrica Latina e da Europa.

    Sabemos que o Brasil sofreu, ao longo dos sculos, e ainda vem sofrendo

    transformaes de cunho macroeconmico, uma vez que ocupa posio na diviso

    do trabalho internacional, cujas diretrizes so reproduzidas nas polticas internas.

    Como colnia de Portugal, sua economia pautava-se na exportao de matria-

    prima, algodo, acar e extrao de minerais (ouro, pedras preciosas, entre outras)e no privilgio para os senhores, donos de capitanias hereditrias.

    A frase para que se prestem utilidade desejada, as colnias no podem ter o

    necessrio para subsistir por si, sem dependncia da Metrpole, que est no

    contedo de uma carta que o Marqus de Pombal, em 1796, escreveu ao

    embaixador da Frana, justificando certas medidas tomadas pelo governo portugus

    em relao ao Brasil, nos auxilia a compreender a relao desigual e desfavorvel

    mantida por Portugal e as suas colnias, em especial ao Brasil, durante quase

    quatro sculos. Essa subservincia parasitria retardou o processo de construo de

    uma identidade nacional.

    Na Amrica Latina, onde se inclui o Brasil, os nefastos efeitos desse colonialismo

    parasitrio, segundo Bonfim (1993), so os efeitos comuns a todos os parasitismos:

    enfraquecimento dos hospedeiros (no caso as colnias latino-americanas); as

    violncias praticadas pelos parasitas para a extrao de todo o lucro possvel e aadaptao do parasitado s condies de vida que lhes so impostas. Os reflexos

    desse regime predatrio colonial so perceptveis na vida poltica das novas

    sociedades, incluindo o Brasil. [...] o aparelho poltico administrativo foi disposto

    com o pensamento exclusivo de sugar toda a riqueza e produo colonial [...]

    (BONFIM, 1993, p. 15). Segundo Fiori (2001), essa realidade retratou o uso do

    campo econmico das polticas mercantilistas primeiro pelo imprio da Unio

    Ibrica e, mais tarde, pelos Estados nacionais j constitudos na Europa que, com opassar o tempo, foram dividindo entre si os territrios coloniais.

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    Essas relaes assimtricas de poder materializaram-se na institucionalizao do

    coronelismo, clientelismo e corporativismo, que ao longo desses quinhentos anos,

    vm estruturando os laos polticos entre sociedade e Estado.

    O coronelismo concretizou-se como um sistema poltico, uma complexa rede de

    relaes que ia desde o coronel at o presidente da repblica, envolvendo

    compromissos recprocos, baseados em barganhas. O coronel hipotecava seu apoio

    ao governo, sobretudo na forma de votos, e em troca recebia o controle dos cargos

    pblicos. Essa relao era intermediada pelos governadores de Estado, que para

    baixo garantia poderes aos coronis e para cima apoiavam o presidente da

    repblica. Esse sistema surge junto com o federalismo implantado pela repblica(1889) e perde foras em 1930 com o processo de centralizao poltica que

    enfraquece a figura do governador de Estado e os polticos passam a negociar,

    numa relao clientelista, diretamente com os setores da populao(os eleitores). O

    clientelismo aqui entendido como modo dominante de articulao entre sociedade

    e sistema poltico; nesse h sempre uma troca, uma solidariedade mtua entre

    desiguais com assimetria de poder. Sua marca o favor, a proteo e a gratido. E

    o patrimonialismo indica a apropriao de bens pblicos em benefcio prprio(CARVALHO, 1997; LEAL, 1986).

    3.1 A TRAJETRIA DAS POLTICAS SOCIAIS NO BRASIL

    Autores, entre eles Vieira (1983), Faleiros (2000) e Pereira (2002), utilizam como

    marco inicial da poltica social no Brasil o ano de 1930, denominando o perodo

    anterior de laissefariano, uma vez que o Estado quase no exercia o papel deagente regulador da rea social, deixando por conta do mercado, que atendia a

    preferncias e demandas individuais; da iniciativa privada no mercantil, que dava

    respostas tpicas e informais aos reclamos da pobreza; e da polcia, que

    repressivamente controlava a questo social emergente.

    A partir de 1930, numa contextualizao internacional com a crise de 29, que

    repercute diminuindo os nveis do comrcio exterior h um declnio do modelo

    econmico e poltico da repblica velha, representando a superao do modelo

    econmico monopolista monocultura/agricultura/exportao e da hegemonia

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    poltica imposta at ento pela elite dominante cafeeira (FAUSTO, 1968). Embora

    no tenha havido contradies entre o setor agrrio e o industrial emergente, o

    cenrio outro, entrando em cena uma elite ex-agrria que se lana no setor

    industrial.

    A partir da, h uma presso para a mudana na postura trabalhista e social do

    Estado, impulsionada pela crise internacional do capitalismo de 1929, que colocou

    em risco as economias dependentes; pela organizao crescente, atravs dos

    sindicatos, do movimento operrio pauperizado (nesse ano foi criada a Central Geral

    dos Trabalhadores - CGT); e tambm pela experincia socialista real na URSS em

    1917. Essa conjuntura mundial criou condies para que algumas reivindicaes dostrabalhadores fossem aceitas e fosse ampliada a participao do Estado, que se

    afasta do carter liberal, cresce e amplia o seu poder.

    [...] O governo tinha dois fortes motivos para intervir nos assuntos ligadosao trabalho: conter o avano do movimento dos trabalhadores e criarmercado para alguns setores da indstria nacional. Por isso, passou acuidar da questo social. Sua principal atitude foi a criao de umalegislao trabalhista e previdenciria que, embora tenha provocado reaodos empresrios no prejudicava seus interesses[...] (ALENCAR, 1986, p.261).

    O Estado nacional, a partir de 1930, num processo de centralizao poltica, passa

    aos poucos a se constituir no ncleo organizador da sociedade e na alavanca da

    construodo capitalismo industrial no pas. Verificou-se no Brasil uma associao

    entre um processo de desenvolvimento econmico e um conjunto de polticas

    sociais que tinham como eixo principal o trabalho. Foi nessa poca criado o

    Ministrio do Trabalho (1930) e, posteriormente, aprovada a Consolidao das LeisTrabalhistas (1943).

    A conjuntura caracterizada pelo aumento da populao urbana, advinda da

    migrao rural devido crise da produo das lavouras de caf. Essa populao

    objetivava conseguir emprego nas indstrias, porm as mesmas no absorveram

    toda a mo-de-obra disponvel. Assim, uma parte significativa dessa populao no

    se inseriu no mercado de trabalho, ocasionado um processo de pauperizao econseqentemente, ocorre um aprofundamento dasexpresses da questo social,

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    que passam a ser responsabilidade do Estado, cujo equacionamento ganha

    dimenso poltica.

    Na constituio de 1934, as expresses da questo social comearam a ser

    admitidas pelo Estado atravs do amparo maternidade, infncia e aos

    desvalidos.A velhice foi considerada pela primeira vez numa Carta Magna, mesmo

    assim apenas dentro da Ordem Econmica e Social, dispondo acerca da

    previdncia e da proibio de discriminao salarial por motivo de idade (PINHEIRO,

    2006). Esto garantidos:

    A assistncia mdica e sanitria do trabalhador e gestante, assegurando

    a esta descanso, antes e depois do parto, sem prejuzo do salrio e doemprego, e instituio de previdncia, mediante contribuio igual daUnio, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, damaternidade e nos casos de acidente de trabalho ou de morte (CF, 1934,art. 21, 1, letra h).

    No entanto, o carter das polticas sociais nessa poca fica muito claro na fala de

    Getulio Vargas Na luta, vencer adaptar-se, isto , condicionando-se ao meio,

    apreender as foras ambientes, para melhor domin-lo. A forma encontrada para

    dominar foi a incorporao de algumas das reivindicaes do proletariado, porintermdio de polticas assistenciais, estabelecendo um processo de falsificao e

    burocratizao, numa explcita inteno de atender aos interesses das classes

    hegemnicas.

    Faleiros (2000, p. 46) denomina de getulista o modelo de proteo social

    construdo dos anos 30 at 1964. Segundo esse autor, esse modelo era

    fragmentado em categorias de trabalhadores ligados a grandes empresas, limitado e

    desigual na implementao de benefcios e exercido em troca de um controle social

    das classes trabalhadoras. Algumas demandas das classes subalternas eram

    reconhecidas e incorporadas, com a inteno de desmobilizar a luta de classes.

    Aps a morte de Getulio Vargas, na era desenvolvimentista de Juscelino

    Kubistcheck, que foi de 1955 a 1960, a poltica social tambm no recebeu

    tratamento especial, [...] A poltica social vivia unicamente de uma srie de decises

    dominantemente setoriais na Educao, na Sade Pblica, na Habitao popular, na

    Previdncia Social e na Assistncia Social [...] (VIEIRA, 1983, p. 128).

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    Numa referncia ao clientelismo nesse governo, Nunes (2003) afirma que JK

    utilizava a poltica tradicional do empreguismo para consolidar o apoio poltico, tendo

    feito perto de sete mil nomeaes polticas somente no primeiro ano de seu

    mandato, e que, no final desse, segundo a imprensa, tentou garantir a lealdade

    poltica atravs de 15 mil nomeaes apressadas. Joo Goulart - que fez a maior

    parte dessas contrataes nos Ministrios do Trabalho e da Agricultura e em suas

    autarquias foi eleito em 1960, em chapa autnoma como candidato do PTB a

    vice-presidente e assume a presidncia em 1961 aps a renncia de Jnio Quadros.

    Goulart continua o iderio de luta pela moralizao e austeridade pblica, peloaperfeioamento da democracia e pela continuidade do desenvolvimento

    econmico propagado por Jnio Quadros durante a campanha eleitoral e os poucos

    meses em que governou o Brasil. A inteno de Joo Goulart em realizar

    [...] reformas de base, reivindicada pela sociedade, e mudanas no sistemaeleitoral, na organizao urbana, na educao superior e na relaoprevalecente do pas com o capital estrangeiro, provocou inquietaesconservadoras, levando a burguesia industrial e a classe mdia (que

    temiam o socialismo) a se articularem com velhas foras agromercantispara agir contra Goulart. Resultado: o golpe militar de 1964 e ainaugurao de um outro padro (autoritrio) poltico-administrativo[...](PEREIRA, 2002, p. 134).

    A poltica social nesses dois mandatos - Joo Goulart e Jnio Quadros - era

    denominada de bem-estar social ou de justia social, porm no se viam

    transformaes no pas, visto que receberam, como herana de Juscelino

    Kubistchek, a estagnao econmica: endividamento externo, incapacidade de

    inverses privadas em novas atividades produtivas e presso inflacionria - fruto deum programa de governo voltado para a implantao de um novo padro de

    investimento do capital externo no Brasil (VIEIRA, 1983; PEREIRA 2002).

    Em 31 de maro de 1964, com a trplice finalidade: adequar o desenvolvimento do

    pas aos moldes capitalistas; neutralizar as investidas socialistas e imobilizar as

    foras democrticas e populares que se potencializavam no pas atravs das

    camadas urbanas e rurais que se inseriam no cenrio poltico implantado o regime

    militar no Brasil (NETTO, 1998). Aps uma conspirao o Presidente Joo Goulart

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    deposto e o General Castello Branco eleito, pelo Congresso Nacional, para o

    cargo de presidente.

    Esse perodo tecnocrtico militar vai de 1964 a 1985 e tem um modelo econmicoconcentrador e excludente, com grande valorizao do capital estrangeiro e uma

    direo poltica autoritria. Dessa maneira explicitaram-se no pas as seguintes

    tendncias: menosprezo pelas massas, valorizao do capital estrangeiro e a

    concepo de poltica social como uma decorrncia do desenvolvimento econmico

    (PEREIRA, 2002; FALEIROS 2000; VIEIRA, 1983). A ditadura militar, ao suprimir os

    mecanismos que permitiam o confronto de interesses, no fez definhar o

    clientelismo, que apareceu como instrumento de legitimidade poltica para evitar oantagonismo que poderiam refletir as verdadeiras clivagens na sociedade brasileira

    (NUNES, 2003). Do ponto de vista econmico, o pas apresentava um crescimento:

    Entre 1945 e 1980 o Produto Interno Bruto cresceu uma taxa de anualmdia de 7,1%, o crescimento do setor manufatureiro foi de 9% ao ano, e aparticipao do setor industrial na Renda Interna passou de 26% em 1949,para 33,4% em 1970. Nesse perodo, assistiu-se, igualmente, uma notveldiversificao da pauta de exportaes, e os produtos manufaturadoschegaram a representar, no final dos anos 80, mais de 60% do total

    exportado pelo Brasil. Essas mudanas fizeram com que a populaoeconomicamente ativa empregada pelo setor secundrio passasse de10,3%, em 1940, para 25,3%, em 1980 (FIORI, 2001, p.192).

    Com a abertura para o capital estrangeiro sem a promoo de reformas sociais, o

    Brasil se distancia ainda mais da autonomia e, apesar de gerar saltos de

    crescimento, no consegue, at mesmo porque no era esse o objetivo, espraiar os

    ganhos de produtividade para a sociedade como um todo. Ao contrrio, promoveu a

    ampliao imensa da desigualdade social e concentrao de renda (PREBISCH,

    2000), aprofundando a crise econmica e agravando os problemas sociais. O

    resultado desse modelo econmico concentrador e excludente foi o achatamento

    dos salrios, a concentrao de renda sem precedentes e o aumento da dvida

    externa; alm disso, o modelo poltico autoritrio consolidou a excluso da massa do

    povo no direcionamento da vida popular.

    [...] Entre 1964 e 1984, a ditadura militar destruiu a economia,institucionalizou a corrupo e fez da tortura uma prtica poltica. Envileceu

    a nao e abalou o carter brasileiro. Alienou as novas geraes, tornando-as incapazes de entender a sociedade em que vivem [...] (CHIAVENATO,1994, p. 5).

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    A poltica social nesse perodo foi utilizada, mais do que nunca, como uma cortina

    de fumaa para encobrir as verdadeiras intenes de um regime que relutava em

    sair de cena.No contexto sciopoltico e econmico que se implantou no Brasil a

    partir de 1964, as expresses da questo social passaram a ser tratadas sob um

    modelo de represso e assistncia, objetivando aumentar o poder de regulao do

    Estado sobre a sociedade e atenuar as tenses sociais.

    [...] a poltica social desde 1964 reduziu-se a uma srie de decisessetoriais na educao, na sade pblica, na habitao popular, naprevidncia social e na assistncia social, servindo geralmente paradesmobilizar as massas carentes da sociedade. Ela ofereceu servios, semantes perguntar quais eram as necessidades reais. Duvida-se de que issose chame de poltica social [...] (VIEIRA, 1983, p. 232).

    [...] a ditadura utilizou a poltica social para legitimar o regime e comomecanismo de controle social para conter a insatisfao da populao emrelao aos efeitos perversos do padro de desenvolvimento excludente doperodo[...] (SILVA, 2001 a , p. 23).

    Isso explica por que surgiu no perodo de autoritarismo militar, marcado pela

    limitao de direitos civis e polticos, como uma tentativa de auto-legitimao do

    governo militar, uma ampliao dos direitos sociais, inclusive da pessoa idosa.

    A transio democrtica - aps um longo perodo de crises polticas do regime

    ditatorial militar - finalmente desemboca na convocao da constituinte em 1986 e

    na promulgao da Constituio em 1988, num esforo de legitimar a democracia,

    instituindo a participao da sociedade civil nas decises polticas. Exemplos de

    esforo em direo participao popular foram as emendas populares2 da

    Constituio, a descentralizao da gesto de polticas pblicas e o controle social.Esse esforo faz sentido pela necessidade de superar a herana recebida do

    perodo tecnocrtico militar que o precedeu: o legado de uma grande parcela da

    populao sem qualquer experincia de participao e de vivncia democrtica.

    2As emendas populares na Constituinte representaram a vitria da participao popular na Constituio. Por essa

    via a populao obtinha o direito a uma participao mais direta na Constituinte. Foram 122 emendas propostasque alcanaram um total de 122.265.854 assinaturas. Embora as foras conservadoras tenham apresentadoemendas, as de origem popular foram de nmero muito mais expressivo e obtiveram um total de assinaturasmuito maior (MICHILES, 2004).

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    Essa transformao poltica dos anos oitenta no fenmeno com limite temporal,

    isto , no se restringe dcada de 80, pois comea em 1973, com a escolha do

    General Ernesto Geisel para ocupar a Presidncia da Repblica. Tambm no tem

    um limite espacial, pois aconteceu em diversos pases da Amrica Latina, onde

    dominavam regimes autoritrios, mais ou menos na mesma poca. E, por fim, no

    se limita somente esfera poltico-institucional, compreendendo mudanas nas

    relaes entre poder poltico, estrutura social e economia (SALLUM JUNIOR, 1995).

    A derrubada do autoritarismo e a questo democrtica na Amrica Latina tm sido

    tema de grandes debates, nos quais muitos autores concordam que a nica

    democracia possvel a democracia liberal dbil, visto que a chamadaredemocratizao da Amrica Latina veio acompanhada pela pauperizao de

    extensas faixas da sociedade civil.

    [...]a democracia no convive pacificamente com os extremos: ageneralizao da extrema pobreza e sua contrapartida, o fortalecimento daplutocracia, so incompatveis com seu efetivo funcionamento. Quando ospobres se transformam em indigentes e os ricos em magnatas sucumbema liberdade e a democracia[...] (BORON, 1994, p.13).

    A Constituio de 1988 trouxe uma contradio ao se colocar como liberal-

    democrtica e universalista. Recebeu o apelido de Constituio Cidad, pois foi

    sucessorado regime de governo ditatorial pelo democrtico, graas mobilizao

    poltica de vrios setores representativos das classes populares. Houve neste ato

    um grande avano no plano social: a universalizao dos direitos, a eqidade e

    defesa da justia social, sem ferir, contudo, a ordem burguesa, o que lhe d um

    carter dbio e nos remete percepo da democracia liberal dbil, porm comavanos.

    [...] Para as massas dos trabalhadores a sua implantao representavaalternativa para reverter as conseqncias econmicas-sociais maisdramticas da herana da ditadura; para os setores ligados ao grandecapital tratava-se precisamente de inviabilizar essa alternativa. Da que naseqncia da entrada em vigor da Constituio, a burguesia e seus sciostenham jogado tudo para desqualific-la[...] (NETTO,2000).

    A Carta Magna alavancou mudanas na organizao do Estado Nacional e na

    garantia dos direitos sociais por meio da democratizao e da participao da

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    sociedade no aparelho estatal atravs da formulao de polticas e do controle das

    aes, enfatizando a descentralizao. A partir de ento, a participao social ganha

    uma nova dimenso e outros personagens entram na cena poltica (SADER 1988)

    redefinindo o cenrio de lutas coletivas pela redemocratizao social e poltica,

    donde surgem espaos de representao poltica tais como os Conselhos, fruns -

    e de publicizao dos conflitos sociais, inaugurando um novo entendimento de

    controle social, que passa a ser o processo de regulao do Estado feita pela

    sociedade. (RAICHELIS, 2000).

    O estabelecimento da seguridade social, no trip previdncia-sade-assistncia, foi

    um grande avano da Constituio de 1988. A previdncia social instituda comoum sistema de proteo ao trabalhador com carter de redistribuio de renda, e

    mantida por contribuio do trabalhador e de toda a sociedade. Foi estabelecida a

    equivalncia de benefcios urbanos e rurais o que beneficiou os idosos

    aposentados da rea rural. O direito sade universalizado e de responsabilidade

    do Estado. At ento a poltica de sade exclua os trabalhadores rurais e os do

    setor informal urbano, alm dos pobres e dos indigentes. O Ministrio da Sade

    responsabilizava-se pelas aes do tipo preventivo para toda a populao e as

    aes curativas faziam parte dos servios oferecidos aos assegurados dos planos

    de previdncia do Instituto de Assistncia Mdica da Previdncia Social (INAMPS).

    As entidades filantrpicas prestavam servios aos pobres e indigentes (FALEIROS,

    2000; NETTO, 2000; CAMARANO, 2004; CABRAL, 2000). Quanto assistncia

    concebida como direito do cidado que dela necessitar e dever do Estado. Portanto,

    no contributiva e prestada a quem dela necessitasse:

    V A garantia do benefcio de um salrio mnimo mensal a pessoaportadora de deficincia e ao idoso que comprovem no possuir meios deprover a prpria manuteno ou de t-la provida por sua famlia, conformedispuser a lei (Art. 203).

    Para regulamentar os princpios constitucionais referentes assistncia social aos

    segmentos da sociedade vulnerabilizados, em dezembro de 1993 foi instituda a Lei

    8742, conhecida como Lei Orgnica de Assistncia Social. Essa lei estabeleceu,

    dentre outros, programas e projeto de ateno ao idoso e regulamentou a

    concesso do benefcio de prestao continuada s pessoas maiores de 70 anos de

    idade com carncia comprovada, o que equivale a uma renda per capitainferior a

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    do salrio mnimo. A idade mnima para esse recebimento passou a ser de 67 anos

    em 1998 e em 2004, com o advento do Estatuto do Idoso, para 65 anos (BRASIL,

    1994; BRASIL, 2003).

    O resultado que houve, nas dcadas de 80 e 90, uma extenso da esfera dos

    direitos na rea da assistncia social, trabalhista, educao, sade, previdncia

    social, porm, [...]uma coisa falar de direitos novos e cada vez mais extensos,e

    justific-los com argumentos convincentes; outra coisa garantir-lhes uma proteo

    efetiva [...] de boas intenes o inferno est cheio (BOBBIO, 1992, p. 63-64).

    O impasse est posto: por um lado, a presso da sociedade civil organizada, com

    espaos reivindicatrios formais garantidos em lei, exigindo respostas s suas

    necessidades, e por outro, um Estado pautado sob as diretrizes da poltica

    neoliberal, que alega uma crise fiscal e minimiza-se na ao construtora desses

    direitos (SOARES, 2000;LAURELL, 2000).

    Os governos dos pases perifricos, inclusive o Brasil, principalmente a partir da

    dcada de 90, vm empenhando grande esforo para a adequao do pas s

    demandas da nova ordem internacional por uma globalizao comercial, econmicae financeira sem precedentes. Nesse sentido, esto seguindo orientaes exgenas

    que expressam sintonia com as metas neoliberais. Esse modelo de poltica exgena

    provocou seqelas abominveis no Brasil, e as conseqncias do modelo poltico

    neoliberal foram: o desemprego estrutural; a precarizao do trabalho; a excluso

    social e o aumento da pobreza (SOARES, 2000).

    Dentre essas orientaes, ressaltam-se as concluses da reunio realizada em

    1989, que ficaram conhecidas como Consenso de Washington. Contando com a

    presena de membros dos organismos de financiamento internacional (FMI, BID,

    Banco Mundial), de funcionrios do governo americano e de economistas latino-

    americanos, o objetivo dessa reunio foi avaliar as reformas econmicas

    empreendidas pelos pases latino-americanos e fazer recomendaes de medidas

    para o equilbrio fiscal.

    Os programas de ajuste estrutural recomendados no Consenso como necessriasao fortalecimento das polticas macroeconmicas, so compostos por trs elementos

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    bsicos: reduo dos gastos pblicos, realocao de recursos necessrios ao

    aumento de supervits na balana comercial e reformas visando a aumentar a

    eficincia do sistema econmico.

    Em sntese, a orientao uma drstica reduo da atuao estatal e uma abertura

    total e irrestrita do mercado, em nome da concorrncia, que estimule

    produtividade/competitividade, ou seja, a soberania do mercado. As recomendaes

    feitas, todas no sentido de reduzir gastos sociais para superar a crise fiscal,

    abrangem dez reas: disciplina fiscal, priorizao dos gastos pblicos, reforma

    tributria, liberalizao financeira, regime cambial, liberalizao comercial,

    investimento direto estrangeiro, privatizao, desregulao e propriedade intelectual(CARCANHOLO, 1998; SOARES, 2000; PEREIRA, 2002).

    Nesse modelo neoliberal, as estratgias adotadas para a implantao das polticas

    sociais, as quais o Brasil tem cumprido de maneira exemplar, so: a) cortes dos

    gastos sociais - deliberado desfinanciamento das instituies pblicas, gerando

    demanda desta oferta para o setor privado. b) privatizao - transferncia para a

    iniciativa privada dos servios sociais lucrativos (re-mercantilizao) e para asociedade civil os no lucrativos (re-filantropizao). Os ricos compram na iniciativa

    privada os servios de qualidade, os pobres se bastam com servios de qualidade

    duvidosa prestado pelo Estado. c) focalizao - programas seletivos contra a

    pobreza. d) descentralizao - estratgia embasada num discurso de defesa da

    eqidade, do controle social e da aproximao entre a oferta dos servios sociais e a

    demanda; na verdade, o que se observou foi uma forma de exportar a crise para

    baixo, transferindo a responsabilidade da questo social aos Estados e Municpios,

    sem o repasse de recursos e autonomia (LAURELL, 1997; FERREIRA, 2000).

    A descentralizao se apresenta como um mecanismo poltico-administrativo que,

    estabelecendo novas formas de relao entre o Estado e a sociedade civil, visa

    potencializar a participao e a construo dos direitos de cidadania das classes

    emergentes. Um dos mecanismos de descentralizao a municipalizao, ou seja,

    a transferncia de atribuies das esferas Federal e Estadual para a Municipal, na

    tentativa de aproximar os servios dos usurios e aumentar a eficcia, a eficincia ea efetividade desses servios. Embora nem sempre a descentralizao/

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    municipalizao implique, de maneira direta e imediata, partilha de poder decisrio e

    efetivao da participao popular, conforme crticas de diversos autores.

    Soares (2000) chama de descentralizao destrutiva a fase da operacionalizaodesse princpio durante a dcada de 1990 at hoje, pois tem provocado, em muitos

    casos, o desmonte de estruturas/equipamentos sociais Federais e/ou Estaduais pr-

    existentes, sem que as prefeituras sejam capazes de mant-los ou substitu-los por

    algo equivalente.

    Diante desse quadro de enorme complexidade, no entanto, ao invs deevoluirmos para um conceito e uma estratgia no sentido de constituir umarede universal de proteo social que explicite o dever do Estado nagarantia de direitos sociais, retrocedemos a uma concepo de que o bem-estar pertence ao mbito privado, ou sejam as famlias, a comunidade, asinstituies religiosas e filantrpicas, devem responsabilizar-se por ele,numa rede de solidariedade que possa proteger os mais pobres(SOARES apud MONTAO, 2005, p.12).

    Assim, uma nova estrutura de relaes vem sendo construda atravs do chamado

    Terceiro Setor, dominado pelo crescimento das organizaes no-governamentais

    (ONGs). Segundo Soares (apud MONTAO, 2005, p.12), essas organizaes no

    vm apresentando um carter complementar e, sim, substitutivo do Estado,

    financiadas com recursos pblicos.

    Aliados a essa estratgia substitutiva esto os movimentos dedescentralizao e privatizao dos servios pblicos. Os governosnacionais desobrigaram-se totalmente da responsabilidade pelaimplementao de programas sociais, delegando-os aos governos locaisem parceria com as ONGs ou outras organizaes sociais(preferencialmente aquelas mais prximas dos prefeitos), ou simplesmenteentregando os servios mais lucrativos (como os de assistncia mdica) aosetor privado tout court(SOARES apud MONTAO, 2005, p.12).

    Nesse sentido, a poltica social no Brasil, no entendimento Yasbek (2001), funciona

    de forma ambgua, buscando acomodar as relaes entre Estado e sociedade civil.

    A autora, acrescenta ainda, que, servem para acomodar os interesses de classe e

    so compatveis com o carter obsoleto dos aparatos do Estado frente questo.

    [...] Assim, o modelo um Estado que reduz suas intervenes no camposocial e que apela solidariedade social, optando por programas focalistase seletivos caracterizados por aes tmidas, errticas e incapazes dealterar a imensa fratura entre necessidades e possibilidades efetivas de

    acesso a bens, servios e recursos sociais[...] (YAZBEK, 2001, p. 37).

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