Partido Estrutural Enquanto Linguagem Na Arquitetura Contemporanea

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Partido Estrutural Enquanto Linguagem na Arquitetura Contemporânea. Daniel Hummel Bittencourt Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Dr. Carlos Egídio Alonso São Paulo 2007

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partido estrutural enquanto linguagem

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  • UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

    Partido Estrutural Enquanto Linguagem na Arquitetura Contempornea.

    Daniel Hummel Bittencourt

    Dissertao apresentada ao programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie para obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

    Orientador: Dr. Carlos Egdio Alonso

    So Paulo2007

  • Aos professores da Ps-Graduao e da Graduao em Arquitetura e Urbanismo que se fizeram presentes e constantemente auxiliaram, incentivaram e confiaram na ntegra concluso deste trabalho.

    A todos os parentes e amigos que de alguma forma criaram alicerces slidos para que esta empreitada se definisse com sucesso.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao meu orientador Dr. Carlos Egidio Alonso, pelo apoio, incentivo e confiana integral depositados, sem o qual certamente os rumos deste trabalho seriam menos promissores.

    Ao professor Dr. Candido Malta Campos Neto, pelas muitas e esclarecedoras exposies em aula e ateno individual dispensada ao longo do curso, a cautela e o cuidado empregado ao melhor entendimento deste trabalho amparou e formou a base para uma maior eficcia produtiva.

    Ao professor Dr. Carlos Guilherme Mota, fonte essencial formao das linhas mestras conceituais deste trabalho e fonte essencial formao de qualquer produo acadmica que aborde fatos histricos e humanos.

    A professora Dra. Maria Augusta Justi Pisani, h tempos exercendo grande influncia profissional e oferecendo a este estudo importante fonte de conhecimento, gerando imprescindvel auxlio conceituao do trabalho.

    A professora Dra. Gilda Collet Bruna, sempre muito perseverante, dinmica e precisa; disponibilizando uma retrica ampla e um apoio incondicional nas diferentes etapas do trabalho.

    A todos os professores que tiveram contato com este trabalho e puderam, de alguma forma, ilustrar, auxiliar e enriquecer o contedo do mesmo. Aos amigos, parceiros e parentes pelo suporte processual, emocional e muitas vezes material, possibilitando a continuidade e o encerramento desta jornada nem sempre tranqila.

  • RESUMO

    Com o intuito de melhor entender e definir como se formam, fsica e conceitualmente, projetos pblicos de grande porte cuja conotao esttica est baseada na estrutura, sero apresentados neste estudo questes referentes s classes de sistemas estruturais, materiais construtivos, tcnicas construtivas, tcnicas projetuais, assim como as correntes culturais que influenciam e h muito vem influenciando projetos pelos quais a arquitetura mais representativa se revela.

  • ABSTRACT

    With the intent of better understanding and defining how large scale public spaces, in which esthetic connotation is based on form, are formed first as a concept and then physically, shall be presented in this work questions regarding the different classes of structural systems, construction materials, construction techniques, design techniques, as well as the cultural streams which have been a major influence on projects where the most representative architecture reveals itself.

  • SUMRIO

    Introduo ............................................................................................................................ 1

    1. Sistemas Estruturais ........................................................................................................ 8

    2. Materiais e Processos Construtivos .............................................................................. 32

    2.1 Concreto: Histria e Propriedades ................................................................. 34

    2.2 Ao: Histria e Propriedades .......................................................................... 43

    2.3 Sistema CAD/CAM .......................................................................................... 53

    3. Partido Estrutural na Arquitetura Ps-Moderna ....................................................... 59

    4. Estudos de Caso ............................................................................................................. 79

    4.1 Catedral de Braslia ......................................................................................... 81

    4.2 Ponte JK ............................................................................................................ 96

    4.3 Opera de Sydney ............................................................................................ 107

    4.4 Ponte de Sevilha (Alamillo Bridge) ............................................................... 123

    Consideraes Finais ...................................................................................................... 138

    Crditos das Ilustraes ................................................................................................... 143

    Referncias Bibliogrficas ................................................................................................ 146

  • Introduo___________________________________________________________________________

  • 2

    A arquitetura enquanto disciplina tem a funo de organizar todo o espao construdo,

    neste processo devem ser levados em considerao os fatores fsicos e sociais que possam

    influenciar estes espaos produzidos em funo do ser humano e com a finalidade de manter e

    melhorar o desenvolvimento do mesmo em suas demais reas produtivas. Com um melhor

    entendimento desta funo, que talvez seja a mais multidisciplinar executada de forma

    emprica e material, a arquitetura se funde, com cada vez mais domnio e de maneira

    indissocivel s demais disciplinas inerentes a si, entre elas desde o incio, a engenharia

    construtiva. Com o auxlio das novas tecnologias e um melhor entendimento prtico das

    possibilidades mecnicas, o arquiteto contemporneo tem a possibilidade de representar na

    estrutura seu partido de diferenciao das demais arquiteturas executadas em perodos

    anteriores.

    Com um ofcio que exige de maneira geral inovao constante, necessria a sua

    evoluo, a arquitetura de hoje, como tambm em outros tempos, busca muitas vezes nas

    formas da natureza inspirao para suas solues construtivas, tendncia esta que geralmente

    encontra meios de se expressar em grandes espaos e monumentos de uso pblico.

    Influenciados por uma cultura de diferenciao e liberdade, estes novos edifcios ostentam

    suas formas e suas dimenses potencializando uma tendncia que j vem sendo explorada h

    dcadas.

    Desde a utilizao das primeiras estruturas independentes, esta esttica visceral tem

    sido explorada e desenvolvida freqentemente em prdios pblicos. No caso dos edifcios

    gticos, devido poca de seu desenvolvimento, este estilo apresentou-se como uma soluo

    construtiva revolucionria, que fugia de muitos rigores clssicos como por exemplo

    proporo, tpica do estilo predominante e anterior a ela, e acabaram por revelar uma beleza

    indita; esttica esta que se manteve anestesiada durante sculos e que recentemente voltou a

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    ser utilizada com toda uma inteno formal peculiar e, claro, uma condio histrica

    influenciadora.

    certo que se novamente as estruturas nos edifcios foram evidenciadas, isso se deve

    no apenas as evolues tecnolgicas, mas tambm as tendncias culturais, e exatamente

    nestes dois pontos que tentaremos desenvolver aqui como se formou um dos novos padres da

    arquitetura contempornea, que, seja atravs da estrutura ou quaisquer outros elementos, tenta

    buscar uma dinmica e determinao inovadora e ecltica sem necessariamente refletir estilos

    passados, mas seguramente despreocupada com dogmas.

    Na questo tecnolgica da construo de edifcios, nada evoluiu de forma to

    substancial quanto a estrutura, afinal ela passou de uma soluo hermtica e limitada a um

    elemento essencial na arquitetura ps-industrial. O concreto armado certamente foi o impulso

    libertador que possibilitou aos arquitetos do sculo XX, um rompimento a qualquer vnculo

    restante com a arquitetura executada no perodo clssico; este material pde ser aplicado nos

    mais diversos programas, residencial ou pblico, grande ou pequeno, sem maiores problemas,

    e isso ocorre at hoje.

    No mbito scio-cultural, o movimento moderno, porta-voz desta nova tecnologia que

    era o concreto armado, no teve em sua empreitada inicial toda a repercusso esperada.

    Inserido em um perodo de grandes inovaes tecnolgicas nas demais reas, foram

    necessrias algumas dcadas para que a imagem inovadora da arquitetura moderna

    demonstrasse sua qualidade e fosse aceita enquanto expresso esttica correta para aquele

    tempo, sendo que no discurso dos oradores da poca, era unnime a afirmao de que sua

    funo precedia esttica, conceitos que em uma fase posterior, sob uma anlise mais

    detalhada, se fundiram sem necessariamente desqualificar um ao outro. John Summerson, no

    livro Linguagem Clssica da Arquitetura coloca sobre a arquitetura moderna: explodiu como

    uma bomba de efeito retardado(SUMMERSON, p. 109), ou seja, a Europa estava mais do

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    que pronta, buscando uma renovao que trouxesse qualidade para seu territrio,

    principalmente na questo urbana; sculos atrs, a expanso ultramar pareceu resolver o

    problema populacional da Europa, porm, com o passar do tempo, era visvel a qualidade

    atingida nas terras novas, locais onde segundo Benvolo, era possvel simplesmente se lanar

    uma malha e resolver o problema do espao urbano, se contrapondo decadncia do espao

    ocupado no velho mundo, onde j no se viam muitas perspectivas de avano neste ponto. A

    somatria de todos estes fatores: busca de qualidade urbana, auge da produo industrial e

    devastao das cidades no perodo entre guerras, geraram a oportunidade que o movimento

    moderno tanto esperava. Com sua semente plantada no inicio do sculo, ela germinou

    algumas dcadas depois e ainda levou mais algumas dcadas para florescer.

    O concreto armado apresentou ao mundo novas possibilidades construtivas, porm foi

    o ao a primeira grande tecnologia estrutural utilizada nos edifcios ps-industriais, e hoje,

    quando tratamos destes projetos pblicos de grande porte, o ao volta a ser a linguagem mais

    representativa; de modo geral, no campo da expresso plstica, nada substitui com

    consistncia estes dois materiais.

    A utilizao do ao em obras arquitetnicas de grande porte surgiu antes do

    movimento moderno, mais precisamente no sculo XIX, porm a utilizao do ferro em

    estruturas de pontes j ocorria desde o sculo XVIII. A primeira grande obra produzida em,

    ainda, ferro, foi a ponte sobre o rio Severn em Coalbrookdale, Inglaterra (1779), este projeto

    de Abraham Darby, com um vo que vencia tmidos 30 metros, foi executado com sistemas

    de forjas rudimentares e inaugurou uma nova era na estrutura das edificaes. Posteriormente,

    apenas em 1801, na cidade de Manchester foi executado o primeiro edifcio industrial em

    ferro, mas a primeira grande cobertura foi o Palcio de Cristal, construdo em 1851.

    Executado para abrigar uma feira mundial este edifcio se tornou o cone da liderana

    industrial Britnica, e Londres, que em 1821 tinha 1,2 milhes de habitantes, em 1901 passou

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    a ter 6,6 milhes, em sua maioria imigrantes das colnias; um marco de sua hegemonia

    industrial e econmica. Junto com outros edifcios como o a Biblioteca Nacional de Paris

    (1860 1868), por Henri Labrouste; o Edifcio dos Correios (1903), por Otto Wagner e claro

    a Torre Eiffel (1889), por Gustave Eiffel, representativa do centenrio da revoluo francesa,

    o Palcio de Cristal acabou por traar um novo panorama de monumentos dentro das cidades,

    porm, apesar de estas obras possurem peas no modulares de ao ou ferro, sua execuo

    era toda feita de forma praticamente artesanal.

    Figura 1 (1) Torre Eiffel - Construda em 1889, em um sistema de trelias espaciais, esta edificao se tornou um dos signos mais prestigiados do mundo. (2) Palcio de Cristal Primeira grande estrutura metlica com fechamento em vidro. Construda para abrigar uma feira mundial, causou grande espanto ao divulgar as possibilidades de um sistema construtivo revolucionrio.

    Aps esta descoberta do ao na arquitetura, a expresso plstica do ao s voltou a ser

    explorada h pouco tempo com edifcios como o Centro Pompidou, em Paris. Este edifcio

    marca uma retomada ps-moderna na utilizao de peas em ao distintas das convencionais;

    anunciava, ainda que de maneira relativamente simples e modular, volta de peas em ao

    produzidas especialmente para um edifcio, no em grandes sries como no caso dos prdios

    arranha-cus construdos neste meio-tempo.

    O concreto que a partir do sculo XX se tornou o material mais utilizado em grandes

    edifcios pode ter como um dos marcos iniciais de uma tipologia monumental o Palcio dos

    Sovietes. Projetado por Le Corbusier em 1931, no executado, mas possua em suas linhas o

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    anncio das caractersticas ps-modernas mais tecnolgicas, at mais forte do que o prprio

    Centro Pompidou, executado posteriormente.

    Figura 2 Palcio dos Sovietes Projetado em 1931 por Le Corbusier e no construdo devido sua extrema complexidade estrutural, este projeto revela os primeiros impulsos a uma arquitetura orgnica e extraordinria.

    Enquanto na Europa as primeiras expresses ps-modernistas ocorriam de

    maneira muito cuidadosa, no Brasil, durante as dcadas de 50, 60 e 70, com o perodo

    histrico conhecido como Milagre Econmico1, ainda dentro de uma fase considerada

    modernista na arquitetura, edifcios de repercusso mundial em concreto armado

    despontavam como cones esculturais. Arquitetos como Oscar Niemeyer, Vilanova

    Artigas e posteriormente Paulo Mendes da Rocha, desenvolveram as possibilidades do

    concreto a padres inimaginveis para a poca. Usando a linguagem simples e de formas

    limpas do modernismo, estes arquitetos foram capazes de desenvolver grandes exemplos

    de estruturas aparentes, incentivando e catalisando mais estudos sobre o concreto no

    Brasil e no mundo.

    A arquitetura moderna brasileira finalmente se representava, e em uma liberdade

    formal que no era aceita at ento, veio para preencher uma lacuna interna que havia

    entre os estilos ecltico e colonial; e talvez por isso nossa arquitetura moderna tenha se

    1 Milagre Econmico Nome dado ao conjunto de medidas poltico-economicas que visavam um incentivo ao desenvolvimento dos pases da Amrica do Sul que se mostrassem favorveis poltica de governo Norte-Americana.

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    exprimido muitas vezes com um teor esttico expoente demais, muito mais significativo

    do que pregava a arquitetura moderna europia lmpida e genuna. Nas residncias pode-

    se dizer que houve produes modernas conservadoras, se que se pode usar este termo,

    porm nossa condio cultural miscigenada exigia que o modernismo no fosse apenas a

    negao de uma arquitetura rebuscada e sim a possibilidade de se produzir uma

    arquitetura verncula mais expressiva do que a ento colonial; aceitando uma condio de

    pas jovem e tentando formar sua identidade prpria.

    Pode-se dizer que foram as condies politico-econmicas que permitiram a

    disseminao do modernismo ao redor do mundo, mas a aceitao de uma imagem tida

    at ento como utpica de cidade, deve-se nada mais do que a mudana no

    comportamento social ps-industrial. Esta mudana comportamental ser o ponto crucial

    para a formao de uma arquitetura ps-moderna.

    Trabalhando em cima de dados histricos e culturais, ser apresentado neste segundo

    campo de analise, do que se trata o partido ps-moderno e como suas intenes formais se

    baseiam no estudo das estruturas, exposto anteriormente. A necessidade de exibir, de maneira

    terica, dois pontos to dispares se encontrar de maneira convergente na analise emprica dos

    objetos de estudo, que sero exatamente edifcios produzidos com esta linguagem

    extremamente representativa do perodo ps-moderno.

  • 1 - Sistemas Estruturais_____________________________________________________________________

  • 9

    O estudo das estruturas deve levar em considerao muitos fatores tcnicos como a

    resistncia dos materiais, foras atuantes, sobrecargas, engastes, solo e clima para que possa

    ser analisado de forma integral, mas o que torna uma estrutura tecnologicamente avanada e

    melhor resolvida para determinada funo, so suas formas. As formas em uma estrutura so

    fator primordial para seu equilbrio e resistncia. Entender e induzir o caminho das foras o

    que faz com que os materiais a serem empregados atinjam um melhor desempenho e, portanto

    faam daquela soluo uma obra de referncia para o estudo da arquitetura, engenharia, e

    como veremos mais adiante, para a cultura.

    A maioria das estruturas utilizadas hoje na arquitetura de vanguarda independente,

    ou seja, est separada de sua vedao e isso ocorre basicamente devido ao custo de

    implantao da obra. O fato de o edifcio poder ser desmembrado em diversas partes e ter

    apenas em sua estrutura materiais densos e onerosos, ao mesmo tempo em que exige maior

    manuteno para manter sua vida til, diminui seu custo executivo e dinamiza suas

    possibilidades estticas; tanto para projetos de pequeno quanto para projetos de grande porte.

    A qualidade efetiva do edifcio depender de uma serie de fatores tcnicos

    relacionados aos diferentes tipos de materiais, e o arquiteto deve entender claramente o

    funcionamento e as dimenses de uma determinada estrutura para estudar o material mais

    indicado em cada caso. ao redor desta questo que dever transitar este captulo, na

    definio dos tipos primrios de estruturas e suas possibilidades de desmembramento e fuso

    com outros tipos de estruturas. Veremos adiante casos de obras onde a opo estrutural toma

    tanta nfase na concepo do projeto que muitas vezes acaba por definir um uso mais restrito

    e menos funcional do edifcio, por motivos que podem variar entre a opo esttica, fatores

    econmicos ou necessidades especificas do programa.

    O fato de um edifcio possuir uma estrutura independente faz como que ele seja mais

    verstil do que aqueles cuja estrutura formada por um bloco contnuo e de difcil alterao

  • 10

    posterior; sendo esta a pior caracterstica dos sistemas monolticos, sistemas que so quase

    totalmente formados por uma mesma massa material com resistncia estrutural. Esta era uma

    tipologia muito utilizada nas arquiteturas pr-modernistas e de esttica quase sempre limitada.

    As paredes estruturais faziam parte de obras tanto privadas como pblicas, abrangendo

    diversas funes e tamanhos.

    Da mesma forma que as estruturas monolticas no so as mais viveis ao nosso

    tempo, as estruturas isostticas1 tambm no so muito utilizadas em arquiteturas de

    expresso simblica. E no mais pela questo de custo, mas agora por sua propriedade

    esttica extremamente limitada. Em alguns casos de obras com grande representatividade

    esttica, parte das estruturas so moveis ou possuem simples apoio por questes funcionais,

    como por exemplo em sistemas de dimenses to grandes que se fossem completamente

    engastados e rgidos sofreriam algum tipo de rompimento ou dano, mas a maior parte destes

    sistemas no so isostticos. A teoria de Galileu Galilei para a extino dos dinossauros

    explicava bem este problema que ocorre em grandes estruturas; uma vez que um mesmo

    material, com uma mesma densidade ampliado em forma e volume diversas vezes, acaba

    por diminuir sua resistncia efetiva, deixando tal elemento mais propenso a rompimentos.

    Dessa maneira Galileu propunha que os ossos dos dinossauros, compostos de clcio, no

    resistiram ao elevado esforo ocasionado pela massa corprea dos mesmos. Voltando as

    estruturas isostticas, hoje elas so mais utilizadas em prdios pr-moldados de concreto,

    normalmente voltados para o uso industrial e novamente pelo motivo de baixo custo e a alta

    velocidade na execuo.

    1 Estruturas Isostticas - Possui vnculos e engastes estritamente necessrios para manter sua estabilidade. Muitas vezes em vigas bi-apoiadas, por exemplo, em apenas uma das extremidades ela engastada ao pilar, na outra possui simples apoio. As estruturas isostticas tendem a trabalharem, se movimentarem, com maior liberdade.

  • 11

    No caso das estruturas pr-moldadas de ao, h a necessidade de engaste das peas,

    acabando por gerar um sistema hiperesttico2, o que torna o processo mais demorado e mais

    oneroso do que o pr-moldado de concreto, porm a metlica pr-moldada ainda a melhor

    soluo em edifcios com mais de vinte e cinco andares, e isso devido diversos fatores;

    primeiro porque nenhum outro material consegue se portar como o ao e suas propriedades

    elsticas, depois pela economia de material deste processo construtivo que no exige que

    sejam feitas formas de madeira, diminuindo assim o desperdcio gerado com o concreto

    armado, e por ltimo porque estes grandes edifcios acabam gerando uma ocupao diversas

    vezes mais aproveitada de um nico lote. Principalmente nos pases economicamente mais

    desenvolvidos, onde o custo da mo-de-obra elevado, este processo de construo acaba

    sendo mais vantajoso do que o concreto moldado in locu no apenas nos edifcios acima de

    vinte e cinco andares, mas em qualquer edifcio que ultrapasse seis pavimentos.

    Um processo semelhante de pr-fabricao das peas estruturais o que permite que

    as grandes arquiteturas representativas de vanguarda se tornem exeqveis com um menor

    custo e em maior quantidade, porm se trata de um processo diferente da produo utilizada

    em escala industrial mais comum nos dias de hoje. Arquitetos como Norman Foster, Frank

    Gehry e Santiago Calatrava utilizam na execuo de suas obras o auxilio de sistemas

    computadorizados que cortam e dobram as chapas de ao, mesmo as de maior espessura; este

    um processo totalmente mecnico, sem a necessidade de manuseio ou arremates posteriores,

    o que permite que este novo sistema industrial mantenha o custo final da estrutura

    relativamente baixo e sem maiores perdas em hora-homem ou materiais, o que em sistemas

    artesanais seria comum. Este processo ser melhor explicado adiante.

    2 Estrutura Hiperesttica Possui vnculos e engastes em todas as peas de modo a garantir sua total imobilidade. Qualquer tipo de esforo dever repercutir na estrutura como um todo. Tipo de estrutura que trabalha muito pouco, se mal dimensionada fica mais propensa a rompimentos.

  • 12

    A utilizao de sistemas como estes so basicamente o que difere a arquitetura de

    vanguarda utilizada em grandes edifcios pblicos do Brasil da mesma arquitetura produzida

    hoje na Europa e demais pases economicamente desenvolvidos. No que os custos de

    produo destes sistemas sejam os mais indicados para qualquer edifcio, mas estes projetos

    de alta tecnologia esto inseridos em uma poltica de desenvolvimento urbano, conhecida hoje

    como Planejamento Estratgico3. Este princpio fez com que cidades como Bilbao na

    Espanha, originalmente com sua economia voltada para o porto e a siderurgia se tornasse uma

    das cidades tursticas mais visitadas do mundo. O conceito de Planejamento Estratgico

    ilustra um dos incentivos de nosso tempo ao desenvolvimento tecnolgico, tecnologia que

    provavelmente em pouco tempo dever estar acessvel aos demais campos da arquitetura.

    De qualquer maneira, onde quer que este processo seja utilizado, o maior meio

    incentivador para que os grandes monumentos produzidos hoje se tornem mais plsticos,

    formalmente inditos e, no caso em questo, com grandes dimenses. Executados

    principalmente com o uso do ao, material que atinge praticamente o dobro de resistncia em

    relao ao concreto armado, estes edifcios se tornam cada vez mais impactantes e com peas

    mais esbeltas.

    Independente do sistema estrutural, dos materiais utilizados e da funo exercida no

    interior destes edifcios, o papel da estrutura suportar todas as cargas aplicadas pela fora

    gravitacional e demais foras exercidas sobre ela. A funo de suporte no se resume

    estritamente ao processo de recebimento de carga, mas de distribuio e transmisso destas,

    permitindo que o edifcio suporte seu peso prprio e mais as sobrecargas aplicadas sobre ele.

    Entendendo melhor o funcionamento dos materiais escolhidos e facilitando cada vez mais o

    3 Planejamento Estratgico Conjunto de medidas urbanas voltadas para o desenvolvimento e reabilitao de reas mais degradadas na malha da cidade. Estas medidas, sob uma abordagem inerente ao tema deste trabalho, se apresentam arquitetura contempornea em frmulas mundialmente preestabelecidas de levantamento diagnstico das reas e insero dos chamados signos urbanos, grandes projetos pblicos que tenham por objetivo atrair desenvolvimento social e econmico.

  • 13

    caminho das foras, vem sendo possvel criar estruturas inditas com materiais cujas

    caractersticas so conhecidas h sculos como a madeira e o ao.

    Segundo Heino Engel, autor do livro Sistemas Estruturais, onde trata do

    desmembramento e definio dos vrios tipos de estrutura assim como seu funcionamento

    prtico, a estrutura trabalha em cima de trs operaes subseqentes: recepo da carga,

    transmisso da carga e descarga, um processo que ele chama de fluxo de foras. O fluxo de

    foras no apresenta problemas, sempre que a forma do objeto siga a direo das foras

    atuantes. (ENGEL, 2002, p.25).

    Ou seja, quanto mais fluido for o caminho das foras at o ponto de descarga, no solo,

    menos esforo ser aplicado sobre ela, como, por exemplo, o arco romano comparado s vigas

    bi-apoiadas, onde o primeiro se mostra uma estrutura muito simples e direta, transmitindo as

    foras de modo contnuo, o segundo necessita de uma tecnologia mais apurada para seu

    funcionamento; em peas ortogonais h uma mudana brusca de direo que exige muito mais

    esforo do material. Os sistemas utilizados, assim como as formas das estruturas, definem o

    caminho das foras, e conforme a escolha do material e seu respectivo funcionamento sero,

    posteriormente, definidas as dimenses e tipos de engastes deste sistema. Dependendo das

    dimenses finais do edifcio pode-se previamente limitar qual o tipo de material ser

    utilizado. Como veremos adiante, as caractersticas mecnicas de cada um o que deve

    induzir a escolha final. Certamente o ao o material de uso mais verstil em qualquer

    estrutura, servindo para vencer um vo de 3 ou 300 metros, sua composio uniforme e sua

    caracterstica elstica permite que sejam aplicadas foras em qualquer direo sem uma perda

    considervel de resistncia, exigindo apenas de seus engastes uma resistncia equivalente de

    suas peas. De uma forma ou de outra, toda vez que a direo da fora interrompida

    tomando algum outro rumo, isso exige um esforo maior da estrutura, gerando uma

    redistribuio das foras.

  • 14

    Mudar a direo das foras ento o verdadeiro pr-requisito sob o qual novos quadros de fora emergiro... O conhecimento do mecanismo desconhecido para guiar foras a outras direes o requisito bsico para desenvolver novos quadros de fora. A teoria sublinhando as possibilidades de como distribuir foras o ncleo de conhecimento em estruturas e base para uma sistemtica em estruturas arquitetnicas. (ENGEL, 2002, p.25)

    O estudo das estruturas sempre utilizou as formas da natureza como modelo para seu

    desenvolvimento, se baseando essencialmente no fluxo de foras e estado de equilbrio. Esta

    influncia das formas da natureza fundamental para o estudo de estruturas que trata dos

    objetos de grande porte, objetos que muitas vezes no podem ser resolvidos de forma direta,

    com a utilizao de vigas ortogonais em concreto armado, por exemplo, as solues

    estruturais destes edifcios so decisivas para que eles atinjam um objetivo funcional e

    esttico, sendo o ltimo muitas vezes de peso maior do que a funo direta de uso do mesmo.

    Quando tratamos de signos que devem estar representados na escala urbana, muitas vezes

    encontramos solues executivas complexas, mas de formas extremamente simples, o que

    permite a estes objetos alcanar dimenses significativas.

    Neste tipo de arquitetura nota-se muito o uso de estruturas curvas, e isto se deve no

    apenas ao fato de normalmente se tratarem de monumentos urbanos que, por esta posio,

    utilizam-se de desenhos pouco empregados nas arquiteturas habituais, mas tambm pelo fato

    destas formas propiciarem uma distribuio continua das foras. Claro que a curva nos

    projetos se mostra mais atraente ao leitor do que a reta, ou apenas a linha reta, porm para

    efeitos construtivos a curva sempre foi um fator diretamente ligado ao custo e a dificuldade

    da obra, o que a tecnologia contempornea vem amenizando de forma considervel. Quando

    observamos edifcios como os de Renzo Piano, Calatrava e Niemeyer, automaticamente

    entendemos o funcionamento geral de suas estruturas, estas que na maioria das vezes esto

    aparentes; porm a pr-disposio destes arquitetos ao entendimento de suas estruturas

    certamente no fez por si s com que eles chegassem a tal soluo.

  • 15

    Na tentativa de definir os sistemas estruturais, Heino Engel subdivide seu estudo em

    seis tipos de estruturas: forma-ativa, vetor-ativo, seo-ativa, superfcie-ativa, altura-ativa e

    hbridos. Este desmembramento das estruturas em diversos tipos no apenas auxilia ao

    entendimento de obras como as mencionadas acima, mas principalmente a entender quais

    foram as opes utilizadas e por que. Da mesma maneira que o arquiteto pode optar por uma

    estrutura em ao ou concreto, ou, ao com solda e parafuso e concreto armado ou protendido,

    pode ser escolhida uma viga vago ou uma trelia espacial para se vencer determinado vo, e

    isso se apresenta como solues que no apenas variam as tcnicas executivas com suas

    vantagens e desvantagens, mas, principalmente, as formas finais do edifcio.

    Comeamos pelo sistema de forma-ativa, sistema este que se apresenta como a

    maneira mais simples para se vencer grandes vos sem necessariamente exigir de sua

    estrutura grande volume de matria; e justamente por isso se trata do mais econmico para se

    criar um espao coberto (fig.1.9). Baseado na utilizao de cabos e arcos este sistema tem por

    principio seguir os fluxos de fora de uma maneira que suas formas finais caminhem junto

    dos vetores4, sendo que neste processo os arcos trabalham as foras de compresso e os cabos

    as foras de trao.

    Este sistema atende bem seu objetivo, criar grandes coberturas, porm est mais

    vulnervel a deformaes diante intempries. Apesar de se aplicar em diversas situaes

    onde geralmente se exija mais trao compresso os sistemas de forma-ativa so mais

    facilmente reconhecidos nas estruturas de cabos e tendas.

    Mas o cabo e o arco, segundo Engel, no so os materiais essenciais para que ocorra

    um sistema de forma-ativa, as qualidades de forma-ativa podem ocorrer em todos os outros

    sistemas estruturais, suas caractersticas consistem em originar uma forma que segue a

    tendncia natural das foras.

    4 Vetores Segundo Aluzio Fontana Margarida, autor do livro Fundamentos de Estruturas, o conceito de vetor consiste em grandezas fsicas que possuem direo, sentido e intensidade, ou seja, o mesmo conceito de fluxo de foras porm exposto de forma mensurvel.

  • 16

    O conhecimento das leis da redistribuio de foras em forma-ativa o requisito para o projeto de qualquer sistema estrutural, e por conseqncia, essencial para o arquiteto ou engenheiro interessado no desenho estrutural. (ENGEL, 2002, p.58)

    O complexo esportivo projetado por Kenzo Tange para as olimpadas de 1964 em

    Tkio, no Japo, um bom exemplo de como as estruturas de forma-ativa podem se inserir

    em grandes edifcios, a cobertura executada para a piscina possui uma soluo onde seus

    tirantes equilibram e atenuam o peso da arquibancada, amenizando assim as cargas que de

    outra maneira estariam apenas sobre o concreto.

    Figura 1.1 - Estdio Olmpico de Tquio - Com um sistema de cabos semelhante ao de uma ponte, a partir de um tirante principal, os tirantes secundrios ao mesmo tempo em que suspendem a estrutura de concreto armado suportam a cobertura, formando um sistema hbrido cujo partido esttico tem como principio uma estrutura de forma-ativa.

    O segundo sistema exposto o de vetor-ativo; compostos por pequenos seguimentos

    em linha reta que, por esta caracterstica, tem a capacidade de transmitirem os esforos

    normais (trao / compresso) apenas nesta seo, isto lhe confere uma caracterstica que,

    proporcionalmente, gera um esforo de pequena intensidade para a dimenso destas barras

    (fig.1.10). Formando uma configurao triangular, esta composio de pequenas barras tem a

    capacidade de receber e transmitir as foras, de modo assimtrico e varivel aos seus

    extremos com muita eficincia. Tendo em suas extremidades apoios compatveis aos seus

    esforos e contendo juntas articulveis em suas unies, este sistema forma um mecanismo

  • 17

    capaz de alterar a direo das foras, da a denominao vetor-ativo; e, por conseqncia,

    transmitir cargas a longas distncias sem apoios intermedirios. A caracterstica das estruturas

    em vetor-ativo formar peas triangulares que resultam em uma estrutura que pode ser reta

    ou curva, sendo que esta triangulao pode ocorrer em um mesmo plano ou no espao,

    formando pirmides. O ngulo ideal para uma melhor redistribuio das cargas est entre 45

    e 60 com relao fora aplicada.

    As trelias so as peas mais comuns no sistema de vetor-ativo, mas, com mencionado

    por Engel, no as nicas:

    Uma vez que a composio e decomposio de foras basicamente o centro de qualquer transformao fsico-mecnica e, conseqentemente, a essncia do projeto de qualquer mecanismo resistente, as bases do mecanismo de vetor-ativo referem-se no somente ao sistema de trelias, mas tambm a qualquer outra criao de forma que tente mudar a direo das foras com o fim de criar um espao aberto. (ENGEL, 2002, p.134)

    A afirmao de Engel considera, de forma ampla, os sistemas que ele chama de vetor-

    ativo como qualquer sistema que altera a direo dos vetores, porm, deve-se deixar claro,

    que isso ocorre quando a composio final de certa pea pode ser claramente desmembrada

    em pequenas barras ortogonais, no fugindo do conceito inicial de vetor-ativo. Mais adiante,

    o autor coloca que qualquer pea que atinja dimenses incapazes de suportar seu peso prprio

    pode ser fragmentada e produzida em cima de um sistema de vetor-ativo, como uma viga

    Vierendel por exemplo.

    A viga Vierendel utilizada em casos aonde o vo a ser vencido por uma viga comum

    exigiria uma altura da seo que a tornaria pesada demais para seu funcionamento, portanto

    no capaz de suportar seu prprio peso, a soluo neste caso retirar toda a matria de seus

    pontos neutros, locais que no possuem funo estrutural, resultando assim em uma pea com

    furos ao longo de seu eixo longitudinal.

  • 18

    Figura 1.2 - Hospital Sarah Kubitschek, Braslia (1980) - Neste hospital o arquiteto Joo Filgueiras Lima utilizou grandes vigas tipo Vierendel como partido tanto estrutural como funcional, utilizando os vos da viga para iluminao e ventilao, sua soluo aliou muito bem o programa a custo e esttica.

    Da mesma forma, este conceito pode ser aplicado em lajes ou pilares que tenham

    problemas semelhantes. O sistema de contraventamento utilizados em estruturas metlicas

    mais um exemplo de como este processo que visa redistribuir as foras ao longo de uma pea

    hiperesttica pode funcionar sem necessariamente ser uma trelia. Para a execuo de

    arranha-cus o sistema de vetor-ativo se tornou uma soluo imprescindvel.

    Apesar de sua utilizao em peas de concreto armado ser muito til, pode se dizer

    que este sistema foi provavelmente criado por Alexander Graham Bell, em 1907, com a

    utilizao de elementos pr-fabricados de metal montados em um canteiro. Graham Bell, em

    um sistema de tetraedros, criou a primeira estrutura em que fundamenta o conceito de vetor

    ativo, mas devido a problemas nas conexes e nos clculos desta estrutura, ela s se

    consagrou e difundiu a partir dos anos 50, com Richard Buckminster Fller, arquiteto que se

    dedicou criao de estruturas cujo custo fosse o menor possvel atingindo a melhor

    eficincia estrutural. Seu estudo resultou nas estruturas geodsicas, soluo que lhe conferiu

    muitas condecoraes e certamente contribuiu muito para o entendimento e a inovao das

  • 19

    solues estruturais na arquitetura moderna. Com propriedades muito semelhantes de

    ligaes qumicas, as estruturas geodsicas se portam de maneira extremamente funcional

    atingindo a maior resistncia com o menor peso at hoje encontrado em estruturas espaciais.

    Figura 1.3 - A. G. Bell. - O sistema de vetor-ativo de Graham Bell apesar de problemas executivos j continha o principio de fragmentar a estrutura em diversas peas a fim de aumentar a resistncia efetiva de cada parte e portanto de todo o conjunto.

    Figura 1.4 - Pavilho Norte-Americano da Exposio Mundial de 1967 - Com a Geodsica, Buckminster Fuller aprimorou e difundiu o conceito de vetor-ativo. Com estudos aprofundados sobre sinergtica, nome dado ao seu estudo de dinmica estrutural, Fuller conseguiu desenvolver de maneira definitiva os processos produtivos e executivos das trelias espaciais.

    Por seu carter extremamente tcnico o sistema de vetor-ativo representa uma soluo

    mpar na execuo de estruturas, vencer grandes vos com poucos apoios e quantidade

    mnima de matria, certamente coloca este sistema como um dos mais multifuncionais e

  • 20

    econmicos dentro da arquitetura, porm, ao mesmo tempo em que se mostrou

    revolucionrio, suas formas devem seguir regras rgidas para que seu funcionamento atinja os

    objetivos propostos, fazendo com que o resultado ou seja incorporado arquitetura como um

    partido esttico ou se mostre como uma soluo puramente tcnica.

    Dando seqncia aos estudos de Engel, os sistemas de seo-ativa so aqueles

    empregados em estruturas ortogonais e na maioria das vezes com engastes entre vigas e

    pilares, compostos por elementos lineares retos e fixos (fig.1.11). Estes elementos de formas

    rgidas compem um espao geomtrico retangular, por isso bem aproveitado. As foras

    nestas peas percorrem a matria de forma ortogonal; sempre h mudanas de direo dos

    vetores em 90.

    Apesar de seus esforos caminharem de maneira simples, mesmo assim exigindo um

    desvio violento dos vetores nas extremidades, a redistribuio das cargas ao longo da viga

    pode variar consideravelmente em seu percurso. As foras aplicadas de maneira vertical na

    viga provocam um esforo de cisalhamento, uma fora cortante, no mencionada nos outros

    sistemas mas no menos importante para seus desempenhos, que exige da matria uma

    resistncia maior a trao do que a compresso. Enquanto o pilar, ao receber as cargas quase

    que exclusivamente no sentido vertical, possui vetores percorrendo o eixo longitudinal da

    pea, trabalhando assim mais a compresso do que a trao.

    Na viga, esta fora de cisalhamento gera uma necessidade de maior resistncia

    trao, localizada principalmente na parte inferior de sua seo, estando o esforo de

    compresso na parte superior. Isso ocorre devido a maior parte das foras, geralmente, se

    encontrarem no eixo vertical e de forma relativamente perpendicular, ocasionando na viga

    uma flexo. Invariavelmente as vigas executadas no sistema de seoativa sofrero flexo

    em algum ponto, seja ela bi-apoiada, em balano ou com apenas um ponto de apoio. Muito

    embora toda viga tambm possua um ponto neutro entre este ciclo de esforos internos. No

  • 21

    caso dos pilares os esforos de trao no tero uma presena marcante como na viga, eles

    sofrero muito mais esforos ligados a compresso do que a trao, no excluindo a

    existncia de alguma trao nos seus esforos. Os pilares de seo circular distribuem melhor

    as foras de trao podendo ser muitas vezes de menor dimenso do que um pilar retangular

    sob a ao de uma mesma fora, mas esta escolha deve levar em considerao muitos outros

    fatores como custo de execuo, esttica e funcionalidade.

    O ponto mais relevante a se considerar neste tipo de estrutura so os esforos

    desiguais ao longo da viga, quanto mais longe do ponto de apoio estiver a aplicao da carga,

    maior ser o esforo da viga. Esta propriedade fsica chamada de momento, quanto mais

    distante a aplicao da carga maior o momento fletor. Para amenizar este problema podem-se

    adotar vigas sem uma seo igual ao longo de sua forma. Ou seja, executar uma viga que

    forma espaos vazios em seu interior, com uma maior altura em sua seo, com isso a viga

    poder vencer um vo relativamente maior do que uma viga com sua massa formada por um

    nico bloco. Apesar de a viga poder ser formada por espaos internos vazios, dever,

    necessariamente, haver centros rgidos locados ao longo de seu corpo, diminuindo a

    intensidade das foras de trao ao longo da viga at sua base. Um sistema semelhante a este

    foi executado Museu de Arte de So Paulo, onde caixas vazias ao longo da viga diminuem

    seu peso prprio e ainda mantm suas caractersticas vetoriais de compresso, trao e

    cisalhamento. Porm, para que a viga atingisse tal resistncia, foram usados sistemas de

    protenso que permitiram que esta obra, projetada por Lina Bo Bardi e concluda em 1947,

    possusse um extraordinrio vo-livre de 70 metros, mais uma vez levantando questes a

    respeito dos dogmas estticos modernistas.

    Apesar do sistema de seo-ativa possuir caractersticas de funcionamento

    relativamente simples, suas aplicaes prticas podem se desmembrar em uma srie de

    solues mais complexas do que uma viga bi-apoiada, como lajes estruturais, malhas de

  • 22

    vigas, prticos e todas as suas demais variveis. Em sua maioria estas estruturas so

    executadas em concreto armado, pois este o material que permite o melhor engaste entre

    as peas, fundindo completamente as vigas lajes e pilares, alm de permitir a execuo e o

    pr-dimensionamento de maneira muito simples. Estas caractersticas tcnicas aliada a

    uma infinita possibilidade de variao esttica, principalmente na composio de volumes

    ortogonais, fizeram deste sistema o mais utilizado em arquiteturas modernistas.

    Figura 1.5 - MASP Com uma proposta mais ousada do que a arquitetura executada em sua poca, 1947, o Museu de Arte de So Paulo utiliza diversas tecnologias para aliar uma linha modernista, tpica nas estruturas de seo-ativa, a uma esttica desafiadora muito usual em monumentos contemporneos.

    Tambm muito executados em concreto armado e utilizados em uma fase transitria

    do modernismo para o ps-modernismo, os sistemas de superfcie-ativa, delimitando

    claramente o espao interno como apresentado pelo lado externo, se baseiam na utilizao de

    cascas e superfcies contnuas para formar sua estrutura (fig.1.12).

    Devido sua grande liberdade formal, podendo ser representada livremente no espao e

    sem se portar como apenas um revestimento, eliminando assim, em muitos casos, a

    necessidade de uma superestrutura, as estruturas formadas por uma vedao ao mesmo tempo

    portadora de cargas tem a capacidade de se projetar em qualquer direo sendo apenas

  • 23

    cuidadosa com relao s mudanas de vetores. Constantemente reorientando as cargas, as

    superfcies-ativas devem ser antecipadamente pensadas para receber todos os tipos de foras:

    compresso, trao e cisalhamento.

    Este tipo de estrutura, por se estender ao longo de grandes reas, dificilmente se

    apresenta em um plano horizontal paralelo ao cho, isso exigiria um volume de material

    invivel para manter a superfcie como estrutura, dando assim uma caracterstica formal longe

    da ortogonalidade sugerida pelo movimento moderno. Isto ocorre porque o funcionamento

    destas cascas se desenvolve com muito mais eficincia quando paralela a fora atuante, na

    maioria dos casos a gravitacional, sendo comum ento, suas coberturas serem formadas por

    arcos ou seqncias de arcos consecutivos, formando, nos casos mais complexos, um efeito

    visual plstico e muito orgnico. Mas esta no e a nica maneira de se transmitir com

    qualidade as cargas da superfcie horizontal para a vertical, estruturas planas dispostas em

    eixos inclinados e contendo dobras ou vincos para enrijecer seus engastes so mais uma

    soluo para se produzir este tipo de estrutura. Uma forma adequada fundamental para o

    funcionamento de uma superfcie-ativa.

    Um exemplo claro e harmonioso de como funcionam as estruturas de superfcie ativa,

    o terminal de passageiros da TWA em Nova York. Construdo em 1962 e projetado por

    Eeron Saarinen, arquiteto natural de Helsinki, Finlndia, e cuja experincia adquirida em um

    curso de esculturas em Paris e arquitetura na universidade de Yale, atingiu seu cume neste

    edifcio que se consagrou como mais uma referncia mundial de obras que se posicionavam a

    parte do movimento moderno.

    Apesar de serem muito representativas, estas estruturas, sempre limitadas ao concreto

    armado, no tm a possibilidade de atingir facilmente grandes dimenses (veremos melhor o

    exemplo desta dificuldade no captulo 4.4), sendo mais comum a utilizao de formas

    semelhantes a estas nos monumentos contemporneos, mas, com o intuito de atingir melhores

  • 24

    resultados construtivos, utilizando estruturas auxiliares, no sendo portanto consideradas um

    sistema de superfcie-ativa, porm contendo um aspecto morfolgico descendente deste

    sistema.

    Figura 1.6 - Terminal TWA, Aeroporto JFK, Nova York. Estrutura executada em um sistema de superfcie-ativa que representa muito bem quo plstico e funcional pode ser a utilizao do concreto armado. A distribuio suave das cargas atravs das estruturas curvas possibilita melhor trabalho do fluxo de foras em sua descarga no solo e conseqentemente possibilitam uma esttica mais aprimorada e um programa melhor resolvido da arquitetura.

    O quinto sistema descrito por Engel, o de altura-ativa, conceitua um tipo de estrutura

    que no se aplica diretamente ao tema deste trabalho, porm, por se tratar do nico dos

    sistemas que no nos evidencia maiores interesses, ser rapidamente mencionado para que

    no haja um fornecimento incompleto dos dados coletados. As estruturas de altura-ativa so

    nica e exclusivamente aplicadas em arranha-cus, com caractersticas que se baseiam em

    transmitir cargas horizontais ao solo, seu conceito pode englobar mecanismos dos sistemas de

    forma-ativa, vetor-ativo, seo-ativa ou superfcie-ativa, no possuindo portanto mecanismos

    de trabalho prprio.

    Os planos horizontais sucessivos e sobrepostos so caracterstica marcante deste

    sistema, e so exatamente neste elemento estrutural, as lajes planas, que o estudo deste

    sistema pode nos acrescentar algo. Na tentativa de se vencer o maior vo possvel sem que

    haja a obstruo do espao por pilares, as lajes destes edifcios podem possuir formas

  • 25

    especificas, que se enquadram no sistema de seo-ativa, como tringulos, hexgonos ou

    octgonos, que ao formarem uma malha de vigotas podem suportar a camada superior plana

    vencendo grandes vos sem necessitar de grandes alturas.

    Por ltimo Engel expe o funcionamento dos sistemas hbridos, que nada mais seria

    do que a unio de dois ou mais sistemas formando este por fim. Porm o simples fato de se

    utilizar dois sistemas estruturais diferentes em um mesmo edifcio no faz com que este seja

    denominado hbrido, para que isso ocorra necessariamente todas as partes integrantes da

    estrutura devem possuir uma funo de relevncia no fluxo das cargas, ou seja, todas as peas

    devem ser interdependentes e essenciais para o funcionamento do conjunto.

    Os sistemas hbridos, de fato, no constituem uma famlia de estruturas, no

    possuem caractersticas prprias a seu funcionamento. Este sistema no se classifica pelas

    formas de suas estruturas ou redistribuio categrica das foras, mas sim por um

    comportamento especifico resultante da unio de varias peas e sistemas. Os sistemas

    hbridos mais comuns so representados com a utilizao de vigas lineares de seco-ativa ou

    vetor-ativo com estruturas de cabos, o exemplo mais tpico deste a chamada viga vago.

    Figura 1.7 Viga-vago Sistema que atravs de um estai locado na parte inferior da viga gera um vetor contrrio fora de gravidade. Esta viga consegue vencer grandes vos com altura e peso extremamente reduzidos com relao s demais.

  • 26

    A utilizao de cabos nas estruturas, apesar de exigir manuteno constante, apresenta

    um bom resultado tanto de maneira econmica quanto esttica; a funo de trao das peas,

    quando desmembrada e aplicada nos cabos, se mostra esbelta e eficiente. Segundo o autor

    projetar em cima de sistemas hbridos se preocupar essencialmente com uma identidade

    mecnica e esttica e ao mesmo tempo aproveitar as relaes sinergticas entre os sistemas

    de famlias. (ENGEL, 2002, p.320)

    O projeto de sistemas hbridos exige conhecimento de todos os demais sistemas e mais

    do que isso uma perfeita visualizao dos fluxos de fora. Utilizado geralmente em edifcios

    que exigem maior desempenho da estrutura, com grandes vos, volumetrias complexas ou

    esforos extremos, muitas vezes os sistemas hbridos, apesar de resultarem em estruturas

    visualmente dinmicas, se tratam de solues muito simples quanto distribuio das cargas;

    e ao mesmo tempo em que o caminho das foras facilitado as dimenses das peas se

    tornam mais esbeltas e as do edifcio mais monumentais.

    Figura 1.8 - Estdio de Jeju, Coria (2001) - Com formas representativas da cultura local, lembrando as atividades pesqueiras, vulces e as estruturas residenciais em madeira entrelaada, este estdio segue as tendncias contemporneas de ecletismo aliado a smbolos subliminares utilizando como estrutura de sua cobertura sistemas de forma-ativa, vetor-ativo e superfcie-ativa.

  • 27

    De todos os tipos apresentados, apesar de no possurem caractersticas exclusivas,

    certamente os sistemas hbridos compem as estruturas mais representativas da arquitetura

    monumental contempornea; arquitetura cujo apelo esttico fundamental e, mesmo quando

    cobertas ou escondidas, mais atravs de estruturas complexas do que convencionais que este

    padro esttico atinge seus objetivos.

    O perfeito entendimento das funes estruturais assim como as caractersticas tcnicas

    dos materiais e conexes utilizados, faz parte do repertrio de qualquer arquiteto que busca

    diferenciao esttica e funcional em seus edifcios. Dentro da arquitetura ps-moderna, no

    necessariamente monumental ou que possua suas estruturas expostas, mas qualquer

    arquitetura inovadora que se insira nas tendncias contemporneas, a busca de uma soluo

    estrutural particular revela no apenas uma necessidade de afirmao deste estilo, mas acima

    de tudo uma busca de qualidade espacial. Como veremos adiante, o espao comum

    contemporneo, em funo das novas tcnicas de comunicao e demais rumos

    mercadolgicos, se limitou muito mais a vrios locais privados do que poucos pblicos,

    fazendo da dinmica espacial um meio de fuga e diferenciao destes ambientes.

    Com o intuito de avaliar e desmembrar as estruturas de grandes edifcios ps-

    modernos, utilizaremos as tcnicas estruturais descritas acima para apresentar com maior

    propriedade o funcionamento de alguns dos edifcios que se tornaram signos referenciais

    dentro de grandes cidades com seus respectivos estilos e tcnicas.

  • 28

    Figura 1.9 Forma-ativa Tabela referencial de aplicao prtica e vos vencidos por este sistema.

  • 29

    Figura 1.10 - Vetor-ativo Tabela referencial de aplicao prtica e vos vencidos por este sistema.

  • 30

    Figura 1.11 Seo-ativa Tabela referencial de aplicao prtica e vos vencidos por este sistema.

  • 31

    Figura 1.12 - Superfcie-ativa Tabela referencial de aplicao prtica e vos vencidos por este sistema.